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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO
Promotoria de Justiça de Colatina/ES Praça Sol Poente, s/nº, Esplanada - 29.702-710 - Colatina –ES - Tel: 27.3723.3950 — www.mpes.gov.br
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA
CÍVEL DA COMARCA DE COLATINA – ESTADO DO ESPÍRITO SANTO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO
ESPIRITO SANTO, por seu Órgão de Execução adiante firmado, no uso de suas
atribuições legais, com fundamento no artigo 129, da Constituição Federal, artigos 927,
949 e 461 do Código Civil, artigo 5º Lei 7.347/85, vem, respeitosamente, perante esse h.
Juízo, propor:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COM PEDIDO DE INDENIZAÇAO POR DANO MORAL COLETIVO -
QUEBRA DE SIGILO FISCAL – OBRIGAÇÃO DE FAZER c/c TUTELA
ANTECIPADA DE BLOQUEIO DE BENS
Em face de:
SAMARCO MINERAÇÃO S. A., Pessoa Jurídica de
Direito Privado, sociedade anônima fechada, inscrita no
CNPJ 16.628.281/0001-61, com filial à Rua José
Alexandre Buaiz, 300, Ed. Work Center – sala 802 –
Enseada do Suá, Vitória/ES, CEP: 29.050.545, telefone 27
3145 4413, Fax: 27 3145 4410;
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VALE S.A., pessoa jurídica de direito privado, sociedade
anônima aberta, inscrita no CNPJ n. 33.592.510/0001-54,
com sede na Avenida Graça Aranha, n°26, Castelo, Rio de
Janeiro- RJ, CEP 20030-900. Fone: (21) 3814-9631;
BHP BILLITON LTDA., pessoa jurídica de direito
privado, sociedade limitada, inscrita no CNPJ n.
42.156.596/0001-63, com sede na Avenida Jardim das
Américas, n. 3434, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro-RJ,
CEP 22640-102, pelo cometimento dos seguintes fatos
delituosos:
I - OBJETO DA DEMANDA
Com base em todas as circunstâncias fáticas abaixo
narradas, pretende o MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL ver as rés SAMARCO
MINERAÇÃO S.A., BHP BILLITON BRASIL LTDA, e VALE S.A. condenadas ao
pagamento de dano extrapatrimonial coletivo tendo em vista a crise que se instalou em
Colatina/ES em virtude da “guerra” travada pelos cidadãos pela disputa da água.
II - DOS FATOS
É fato público e notório que, em 5.11.2015 houve o
rompimento da barragem de Fundão e galgamento dos efluentes sobre a barragem de
Santarém, localizadas no distrito de Bento Rodrigues, Complexo Industrial de Germano,
Município de Mariana-MG, operadas pela Samarco Mineração S.A, e localizadas na
Bacia do Rio Gualaxo do Norte, afluente do Rio do Carmo, afluente do Rio Doce pela
margem esquerda, causando ondas de rejeitos de minério de ferro e sílica, entre outros
particulados, os quais pela velocidade e volume têm ocasionado impactos ambientais e
sociais imensuráveis nos Municípios capixabas.
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Colatina-ES, até o momento, é o Município do Estado do
Espírito Santo mais atingido pois é dependente 100% da captação e tratamento de água
do Rio Doce para mantença de sua população.
Em razão da onda de rejeitos, lama e de outros elementos
constantes no Rio Doce, houve a suspensão da captação e da distribuição de água à
população (aproximadamente, cento e vinte e dois mil seiscentos e quarenta e seis
habitantes), conforme informa o IBGE através de sua Diretoria de Pesquisa – DPE e
Coordenação de População e Indicadores Sociais – COPIS.
O Rio Doce é a maior bacia hidrográfica do Estado do
Estado do Espírito Santo e foi atingido de forma avassaladora, contribuindo assim para
desgastar o já castigado manancial, com enorme repercussão para as cidades que
margeiam este corpo hídrico.
Em 23.11.2015, o município de COLATINA noticiou o
retorno da captação e distribuição de água, com fundamentos na existência de laudos,
cujos resultados atestavam a aptidão da água para consumo humano.
Diante desses laudos, o município de Colatina/ES
considerou que a água captada no Rio Doce, mesmo com lama, rejeitos de minério e
outras partículas, estaria apta ao consumo humano.
Não obstante, o clima de incerteza e descrédito nas
informações oficiais tomou conta da sociedade colatinense, sendo certo que a população
rejeita, veementemente, a utilização da água distribuída na rede para fins de ingestão de
qualquer forma. Ademais, problemas dermatológicos também já foram identificados em
pessoas que fizeram uso da água para banho.
A desconfiança da população não é em vão.
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Verifica-se pela análise de amostras de água coletada no
oceano, no litoral de Linhares/ES, após a chegada dos rejeitos de minério oriundos da já
referida barragem, realizada pelo laboratório MERIEUX Nutri Sciences, e
correspondentes laudos datados de 26.11.2015 e 30.11.2015, que “metais pesados” se
fazem presentes nas amostras.
Nesse diapasão, cabe transcrever a contundente conclusão
exarada:
“Declaração de conformidade:
Comparando-se os resultados obtidos para a amostra com
os valores estabelecidos pela VMP CONAMA 357 artigo
18 de 17 de março de 2005 – Padrão para água salina de
classe 1, podemos observar que: O(s) parâmetros(s) pH (a
25º C), Carbono Orgânico Total, Cianeto Livre,
Surfactantes (com o LAS) não satisfazem os limites
permitidos”. (Laudo de 26.11.2015, amostra coletada na
Vila de Povoação).
O laudo datado de 30.11.2015, cuja amostra foi coletada
no distrito de Regência, aponta a existência, dentre outros elementos integrantes da
tabela periódica, alumínio dissolvido, cobre dissolvido, ferro dissolvido, nitrato e
manganês, em limites que extrapolam o máximo recomendado.
Fora o impacto social e econômico, o acidente do
rompimento das barragens da Samarco em Mariana/MG é classificado como o maior
desastre ambiental do nosso país e tem causado comoção internacional em vista das
consequências deletérias que tem deixado na Bacia do Rio Doce.
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Mortes, destruição patrimonial, desabrigamento,
suspensão do abastecimento de água de milhares de pessoas, emoção, comoção, medo
estão ao lado da dizimação de diversas espécies da fauna e flora nativas da Bacia do Rio
Doce.
Por onde passou a onda de dejetos a captação de água no
Rio Doce para todos os usos foi suspensa, especialmente para o consumo humano.
Além da suspensão desse vital serviço de saúde e, sobretudo, o receio frequente de
novas interrupções a qualquer momento haja vista que o dano ainda é latente haja vista
que absolutamente nenhuma medida mitigadora estrutural foi tomada por parte das
empresas SAMARCO, VALE e BHP BILLITON.
Em Colatina, a captação de água para tratamento e
posterior consumo da população foi suspensa acarretando a falta de água total em
Colatina.
Dezenas de atividades dependentes do fornecimento de
água foram paralisadas, especialmente obras civis, restaurantes, escolas uma vez que a
água que foi distribuída emergencialmente teve como destino a dessedentacão humana.
A questão é especialmente crítica no “Baixo Doce”1, uma
vez que o perfil longitudinal do rio indica uma diminuta inclinação nessa área
(queda de menos de 80 metros em aproximadamente 200 Km), o que favorece a
deposição de todo o material recolhido nos outros 700 Km (entre a nascente e a
divisa ES/MG, o rio tem uma queda de mais de 1000m).
1 Apesar de algumas diferenças nas delimitações, em diversos estudos o rio Doce tem sido subdividido
em três seções: alto, médio e baixo curso. A forma mais rotineiramente apresentada delimita: Alto curso -drenagem desde as cabeceiras até a foz do rio Matipó; Médio curso - desde a confluência do rio Matipó até a divisa de MG/ES; Baixo curso - da divisa de Estados até a foz. (Romeiro, Francisco; Relatório técnico: Ocorrência de cianobactérias na bacia hidrográfica do rio Doce / Francisco Romeiro ... [et al.]. - Brasília:ANA, 2012; f. 25)
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Essa diminuição brusca na queda da água é um dos fatores
naturais que fizeram com que os inúmeros prognósticos do órgãos de emergência
relacionados à chegada na lama no Estado do Espírito Santo fossem alterados.
Ilustração 2: Figura modificada a partir do original encontrado em: Diagnóstico científico do Rio Doce / Organizadores, Abrahão Alexandre Alden Elesbon … [et al]. - Colatina:Inova – Consultoria e Treinamento, 2015. 357 p. :il
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Outra característica natural que contribui para o
assoreamento é o aumento expressivo da largura do rio a partir da divisa entre os
estados, o que diminui a velocidade de escoamento, aumenta a superfície do espelho
d'água e diminui a profundidade. Este é outro componente da diminuição da “marcha da
lama”, o que contribuiu para a perda por parte da comunidade Colatinense de uso
frequente do Rio Doce.
Então, os sedimentos gerados no acidente das barragens de
Mariana/MG, serão, ao menos em grande parte, “naturalmente” depositados em
Colatina, por características intrínsecas ao próprio Rio Doce, fazendo com que seus
efeitos perdurem mais em relação a outras regiões.
A cada época de cheias, mais sedimentos serão carreados,
ano após ano, desde as cabeceiras até esse “depósito natural”, que certamente
demandará intensos esforços para recuperação.
O lento transcurso da lama pelo leito do Rio Doce carreia
incertezas acerca dos efetivos impactos ambientais decorrentes do acidente. Todavia,
alguns danos são evidentes e/ou presumíveis em razão de pesquisas, dados técnicos
coletados e observação empírica do impacto já causado em especial a SUBMISSÃO DA
POPULAÇÃO A ENORMES FILAS PARA PEGAR AGUÁ MINERAL,
OCASINANDO INÚMEROS DISTÚRBIOS CIVIS NA PACATA COMUNIDADE
COLATINENSE.
O dano ambiental tem características próprias, que acabam
por orientar o tratamento que as várias ordens jurídicas a ele conferem. Edis Milaré, em
sua obra, aponta três características que facilitarão a compreensão da dificuldade em
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quantificar o dano ambiental.
Em primeiro lugar, o dano ambiental se caracteriza pela
pulverização de vítimas, ou seja, a lesão ambiental afeta, sempre e necessariamente,
uma pluralidade difusa de vítimas, que em Colatina/ES, gira em torno de 122.646 (cento
e vinte e dois mil seiscentos e quarenta e seis) habitantes.
Em segundo lugar, o dano ambiental é de difícil
reparação, daí que o papel da responsabilidade civil, especialmente quando se trata de
mera indenização é sempre insuficiente. Por mais custosa que seja a reparação, jamais
se reconstituirá a integridade ambiental ou a qualidade do meio que for afetado.
Por fim, é inerente ao dano ambiental sua difícil
valoração. A estrutura sistêmica do meio ambiente dificulta ver até onde e até quando
se estendem as sequelas do estrago. Com efeito, o meio ambiente além de ser um bem
essencialmente difuso, possui em si valores intangíveis e imponderáveis que escapam às
correntes valorações econômicas e financeiras.
Apesar de toda peculiaridade, todo esforço deve ser
envidado para que seja reposta situação mais próxima do estado anterior ao dano, seja
através da restauração natural do bem agredido ou em forma de indenização pecuniária,
NÃO SENDO PERMITIDO QUE UM DANO DESSA DIMENSÃO,
SIMPLESMENTE POR SER CATASTRÓFICO, FIQUE SEM
RESPONSABILIZAÇÃO, MUITO PELO CONTRÁRIO ESSE SIM É QUE DEVE
SERVIR DE EXEMPLO NÃO SÓ PARA OUTRAS EMPRESAS MAS,
SOBRETUDO, PARA A SOCIEDADE QUE NÃO MERECIA/MERECE PASSAR
PELO QUE ESTÁ PASSANDO.
A fim de apresentar algumas balizas para noção próxima
do dano causado, serão apresentados alguns casos nacionais e/ou internacionais de
danos ambientais com impacto no ambiente hídrico com a valoração dos danos
causados.
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Internacionalmente ganhou destaque o acidente em abril
de 2010 com a plataforma Deepwater Horizon, que pertence à Transocean e estava
sendo operada pela empresa British Petroleum (BP) no Golfo do México. O desastre
consistiu na explosão da plataforma semissubmersível com o derramamento de 200
milhões de óleo no mar e a morte de 11 trabalhadores.
A empresa, em outubro de 2015, firmou um acordo com o
Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América para o pagamento de 20,8
bilhões de dólares, de modo a garantir todos os danos ambientais, econômicos e sociais
decorrentes do acidente.
Outro caso internacionalmente conhecido é o da mina de
Mount Polley. A mina de ouro e cobre localizada no centro de British Columbia,
Canadá, era gerida pela empresa Imperial Metals e em abril de 2014 sua bacia de
rejeitos sofreu um vazamento carreando rejeitos e a inundação de Polley Lake, sua saída
Hazeltine Creek, atingindo o Quesnel Lake e Cariboo Creek.
A investigação ainda está sendo conduzida, porém a
empresa já acordou junto ao Governo a apresentação de relatórios semanais que
demonstrem a integral reparação do meio atingido.
Especialistas já dizem que a tragédia na cidade de Mariana
é o primeiro maior acidente do gênero, seguido do desastre de Mount Polley. Segundo
pesquisadores, as barragens da SAMARCO MINERAÇÃO S.A. liberaram uma
quantidade de rejeito 2,5 vezes maior que no Canadá.
No Brasil, há um caso semelhante com o narrado na
presente ação. Uma barragem, localizada na cidade de Cataguases, Zona da Mata de
Minas Gerais, de propriedade da Indústria Cataguases de Papel rompeu em 2003. Os
rejeitos industriais espalharam 900 mil metros cúbicos de material orgânico, constituído
basicamente de lignina e sódio, na Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul.
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Como no presente, o rompimento gerou mortandade de
peixes, a interrupção do abastecimento de água em vários municípios dos Estados de
Minas Gerais e do Espírito Santo.
Além da imposição de multa no valor de 50 milhões de
reais pelo Ibama, foi celebrado TAC com o Ministério Público para reparação dos danos
ambientais causados. A empresa, ainda, foi condenada em primeiro grau ao pagamento
da quantia de R$ 140.644.483,17 a título de danos morais coletivos (autos n°
2005.51.03.001143-3).
Ressalta-se que a responsabilização por danos ambientais
é objetiva, pela adoção da teoria do risco integral, conforme firme jurisprudência dos
tribunais superiores:
RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL
REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART.
543-C DO CPC. DANOS DECORRENTES DE
VAZAMENTO DE AMÔNIA NO RIO SERGIPE.
ACIDENTE AMBIENTAL OCORRIDO EM
OUTUBRO DE 2008. 1. Para fins do art. 543-C do
Código de Processo Civil: a) para demonstração da
legitimidade para vindicar indenização por dano ambiental
que resultou na redução da pesca na área atingida, o
registro de pescador profissional e a habilitação ao
benefício do seguro-desemprego, durante o período de
defeso, somados a outros elementos de prova que
permitam o convencimento do magistrado acerca do
exercício dessa atividade, são idôneos à sua comprovação;
b) a responsabilidade por dano ambiental é objetiva,
informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de
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causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se
integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação,
pela empresa responsável pelo dano ambiental, de
excludentes de responsabilidade civil para afastar a sua
obrigação de indenizar; c) é inadequado pretender conferir
à reparação civil dos danos ambientais caráter punitivo
imediato, pois a punição é função que incumbe ao direito
penal e administrativo; d) em vista das circunstâncias
específicas e homogeneidade dos efeitos do dano
ambiental verificado no ecossistema do rio Sergipe -
afetando significativamente, por cerca de seis meses, o
volume pescado e a renda dos pescadores na região
afetada -, sem que tenha sido dado amparo pela poluidora
para mitigação dos danos morais experimentados e
demonstrados por aqueles que extraem o sustento da pesca
profissional, não se justifica, em sede de recurso especial,
a revisão do quantum arbitrado, a título de compensação
por danos morais, em R$ 3.000,00 (três mil reais); e) o
dano material somente é indenizável mediante prova
efetiva de sua ocorrência, não havendo falar em
indenização por lucros cessantes dissociada do dano
efetivamente demonstrado nos autos; assim, se durante o
interregno em que foram experimentados os efeitos do
dano ambiental houve o período de "defeso" - incidindo a
proibição sobre toda atividade de pesca do lesado -, não há
cogitar em indenização por lucros cessantes durante essa
vedação; f) no caso concreto, os honorários advocatícios,
fixados em 20% (vinte por cento) do valor da condenação
arbitrada para o acidente - em atenção às características
específicas da demanda e à ampla dilação probatória -,
mostram-se adequados, não se justificando a revisão, em
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sede de recurso especial. 2. Recursos especiais não
providos. (REsp 1354536/SE, Rel. Ministro LUIS FELIPE
SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em
26/03/2014, DJe 05/05/2014)
RESPONSABILIDADE CIVIL E PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DANO AMBIENTAL.
ROMPIMENTO DO POLIDUTO "OLAPA".
POLUIÇÃO DE ÁGUAS. PESCADOR ARTESANAL.
PROIBIÇÃO DA PESCA IMPOSTA POR ÓRGÃOS
AMBIENTAIS. TEORIA DO RISCO INTEGRAL.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA
PETROBRAS. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS
CONFIGURADOS. PROIBIÇÃO DA ATIVIDADE
PESQUEIRA. PESCADOR ARTESANAL IMPEDIDO
DE EXERCER SUA ATIVIDADE ECONÔMICA.
APLICABILIDADE, AO CASO, DAS TESES DE
DIREITO FIRMADAS NO RESP 1.114.398/PR
(JULGADO PELO RITO DO ART. 543-C DO CPC).
QUANTUM COMPENSATÓRIO. RAZOÁVEL,
TENDO EM VISTA AS PARTICULARIDADES DO
CASO. 1. No caso, configurou-se a responsabilidade
objetiva da PETROBRAS, convicção formada pelas
instâncias ordinárias com base no acervo fático-
documental constante dos autos, que foram analisados à
luz do disposto no art. 225, § 3º, da Constituição Federal e
no art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/1981. 2. A Segunda Seção
do STJ, no julgamento do REsp 1.114.398/PR, da relatoria
do senhor Ministro Sidnei Beneti, sob o rito do art. 543 -C
do CPC, reconheceu a responsabilidade objetiva da
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PETROBRAS em acidentes semelhantes e
caracterizadores de dano ambiental, responsabilizando-se
o degradador em decorrência do princípio do poluidor-
pagador, não cabendo, demonstrado o nexo de
causalidade, a aplicação de excludente de
responsabilidade. 3. Configura dano moral a privação das
condições de trabalho em consequência de dano ambiental
- fato por si só incontroverso quanto ao prolongado ócio
indesejado imposto pelo acidente, sofrimento, à angústia e
à aflição gerados ao pescador, que se viu impossibilitado
de pescar e imerso em incerteza quanto à viabilidade
futura de sua atividade profissional e manutenção própria
e de sua família. 4. Recurso especial não provido. (REsp
1346430/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO,
QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2012, DJe
21/11/2012)
Pelo exposto, é evidente a necessidade de garantia de
montante suficiente para que a empresa arque com os severos danos causados em
decorrência do rompimento de uma de suas barragens para extração de minério de ferro
a título de dano moral coletivo para a comunidade colatinense, conforme melhor será
fundamentado abaixo.
III - FUNDAMENTOS JURÍDICOS.
III.1 - Introdução sobre a água e sua importância: a relevância do caso concreto.
A água é fonte de vida, constitui elemento da natureza
fundamental para a sobrevivência da vida em todas as suas formas. Constitui-se
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provavelmente no único recurso natural vinculado a todos os aspectos da civilização
humana, desde o desenvolvimento agrícola e industrial aos valores culturais e religiosos
arraigados na sociedade.
Nessa esteira, é essencial, seja como componente
bioquímico de seres vivos, como meio de vida de várias espécies vegetais e animais,
como elemento representativo de valores sociais e culturais, ou ainda, como fator
preponderante na produção de vários bens de consumo.
Sua importância em todos os aspectos das atividades
humanas é bem conhecida, sobretudo para a “sadia qualidade de vida” (art. 225 da
CF/1988). Conforme o caderno “Água e Saúde”, publicado pela OPAS/OMS em 1998:
A água é o principal veículo de agentes causadores de
doenças do trato gastrintestinal (diarréias, sobretudo),
estando a sua qualidade diretamente relacionada com os
indicadores de morbi-mortalidade infantil. No Brasil, de
acordo com a Organização Mundial de Saúde, 80% das
doenças e 65% das internações hospitalares, implicando
gastos de US$ 2,5 bilhões por ano, relacionam-se com
água contaminada e falta de esgotamento sanitário dos
dejetos. As enfermidades vão desde gastroenterites a
graves doenças que podem ser fatais e apresentar
proporções epidêmicas.
Os principais riscos à saúde estão associados à
contaminação das águas por bactérias, vírus e parasitas
(microbiológica); metais, pesticidas, subprodutos de
desinfeção (química); toxinas produzidas por algas e
outros.
Os riscos de curto prazo resultam da poluição da água
causada por elementos químicos ou microbiológicos e
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seus efeitos podem se manifestar em poucas horas ou em
algumas semanas após a ingestão. Um simples copo
d’água imprópria é suficiente para dar origem a sintomas
cuja severidade depende da vulnerabilidade do indivíduo,
bem como da natureza do agente infeccioso.
O artigo aponta que crianças, mulheres grávidas, idosos,
pessoas debilitadas e indivíduos que sofrem de determinadas doenças, estão na faixa de
risco, qualificando-se como vulneráveis. As doenças de veiculação hídrica são das mais
simples até as mais graves: diarreias, cólera, tracoma, hepatites, conjuntivites,
poliomielite, leptospirose, infecções por rotavírus, escabioses, febre tifóide,
esquistossomose e outras verminoses.
A análise das consequências do contato com águas
contaminadas ganha outra proporção, mais grave certamente, quando analisada à luz da
presença de metais pesados. Nessa linha, CHAVES2reconhece que “a água se
caracteriza como o maior vetor de transporte de metais pesados na litosfera, atuando
nos sólidos presentes nos solos, nas águas superficiais e subterrâneas, podendo
conduzir significantes quantidades de metais tóxicos e proporcionar a interação com
vários ciclos hídricos e processos biogeoquímicos.”
A autora chama a atenção para os efeitos tóxicos desses
metais, ressaltando que treze deles têm sido reconhecidos como potencialmente
perigosos para a vida humana e a biota aquática e foram incluídos nas listas de
poluentes prioritários. Da lista mencionada, foram encontrados na análise das águas
superficiais do Rio Doce: Cromo total, Arsênio total, Chumbo total, Zinco total,
Vanádio e Cobre dissolvido.
Moreira & Moreira, citados por CHAVES, afirmam que
2 CHAVES, Rachele Cristina de Paula. Avaliação do teor de metais pesados na água tratada do município
de Lavras. Lavras: UFLA, 2008, p. 12.
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“o interesse sobre acumulação e toxidade de metais tem crescido nos últimos anos,
como consequência das exposições ocupacionais e ambientais ou dos distúrbios
causados por estes elementos, induzidos por situações especiais de doença como, por
exemplo, a insuficiência renal”.
Especificamente em relação ao chumbo, CHAVES
relaciona a ocorrência de chumbo e sua contaminação em seres humanos a decréscimo
do quociente de inteligência; efeitos sobre o sistema nervoso; déficit nas funções
cognitivas; diminuição das funções sensoriais, nervosas involuntárias e renais e alguns
estudos epidemiológicos apontam, também, a ocorrência de partos prematuros. Quanto
ao cromo, a autora, afirma que na forma hexavalente é tóxico e cancerígeno.
Facilmente perceptível o caráter absolutamente nefasto à
saúde da população e à manutenção do equilíbrio ecológico o contato com águas com
tais níveis de contaminação.
A circunstância residente somente na dúvida em relação
aos efeitos provenientes do contato com águas contaminadas, por si só, já ensejaria a
que medidas fossem tomadas no sentido de evitar qualquer grau de contaminação.
Soma-se a isso, contudo, a ausência de laudos técnicos
conclusivos de todos os parâmetros que estão presentes nas águas contaminadas do Rio
Doce. Os próprios laudos de análises de coleta da qualidade da água fazem referência à
sua condição de análise parcial, fazendo constar a denominação: “Relatório Parcial”. O
motivo desse apontamento consiste em que as análises não contemplam todos os
parâmetros de metais que podem estar presentes na água, inclusive a posterior ao
tratamento, ou seja, a que seria para distribuição da população.
Isso explica a fundada incerteza sobre a qualidade da água
distribuída para a população, o que gera um estado de incerteza que não pode ser
resolvido com a simples decisão de retorno da distribuição para a população, fazendo
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com que a população de Colatina, acostumada a beber naturalmente a agua tratada
passasse a comprar, independente da classe social água potável ou se submeter às filas
para conseguir a agua que está sendo distribuída.
De forma esquemática, enunciamos abaixo os principais
argumentos que justificam a angustia de toda a comunidade Colatinense a respeito do
período crítico de abastecimento e das incertezas futuras, a saber:
(a) os parâmetros fixados normativamente pela
legislação federal (Portaria 2.914/2011) são inaplicáveis à
vista do caráter extraordinário do desastre, ou seja, eventos
como o que se verificou não se orientam por padrões que
consideram situações ordinárias;
(b) há um fundado estado de incerteza e insegurança
sobre a qualidade e a segurança da água distribuída para a
população, o que é agravado pela incerteza quanto à
variabilidade dos parâmetros de qualidade de água e
quanto à dosagem de produtos aplicados nas Estações de
Tratamento (ETAs). Neste cenário, o princípio da
Precaução impõe a não distribuição;
(c) a situação extraordinária, decorrente do evento
narrado, exige a adoção de medidas voltadas à captação de
água por meio de fontes alternativas, de modo a
restabelecer a distribuição de água para a população de
acordo com parâmetros seguros a serem definidos pelos
órgãos técnicos.
III.2 - A insegurança e desconfiança da população colatinense sobre a qualidade da
água.
Primeiramente, cumpre trazer à baila que a desconfiança
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da população acerca da qualidade da água fornecida através da rede de abastecimento
pode ser verificada a partir de um dado objetivo, qual seja, a procura da população pela
água mineral distribuída até o presente momento, cujo fornecimento está ameaçado de
ser interrompido por parte da empresa SAMARCO MINERAÇÃO S.A.
Longas filas são formadas nos pontos de distribuição de
água em diversos locais da cidade. De passagem vale o registro de que hoje são mais de
70 (setenta) pontos fixos de distribuição de água, com o escopo de atender melhor a
população, diminuindo o tempo de espera e, por conseguinte, acalmando os ânimos.
Ainda assim foi possível verificar confrontos com a
Polícia Militar (incumbida da organização dos trabalhos e segurança no local), visto os
ânimos exaltados da população, a partir de um sentimento de revolta com a questão
hídrica na cidade.
IV - DO DANO MORAL DIFUSO E A NECESSIDADE DE SUA REPARAÇÃO
O Direito ambiental deve ser tratado de acordo com suas
peculiaridades. Dentre elas está o caráter irreversível que os danos ambientais podem
assumir. Assim, além da responsabilidade em se reparar danos efetivamente causados,
deve ser considerada a exigência de se evitar a ocorrência de danos.
Impende evidenciar a importância ímpar que a Carta
Republicana de 1988 dispensou à proteção do meio ambiente. Nesse caminho, diz a
Constituição:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
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VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante
tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos
de elaboração e prestação; (grifamos)
Corolariamente, ensina o Ministro Celso de Mello:
“A atividade econômica não pode ser exercida em
desarmonia com os princípios destinados a tornar
efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade
do meio ambiente não pode ser comprometida por
interesses empresariais nem ficar dependente de
motivações de índole meramente econômica, ainda
mais se se tiver presente que a atividade econômica,
considerada a disciplina constitucional que a rege, está
subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele
que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170,
VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de
meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio
ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente
laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter
legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a
tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem
as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que
provocaria inaceitável comprometimento da saúde,
segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população,
além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio
ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou
natural”. (STF. ADI 3.540-MC, Rel.Min. Celso de Mello,
DJ de 3-2-06).
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Assim, inegavelmente, no caso em tela houve repercussão
nos direitos dos cidadãos no plano difuso, devendo as Requeridas SAMARCO
MINERAÇÃO S.A., VALE S.A. e BHP BILLITON DO BRASIL LTDA serem
obrigadas a reparar os danos extrapatrimoniais causados.
Seguindo o entendimento ministerial, colhe-se da
abalizada jurisprudência:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.
VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. OMISSÃO
INEXISTENTE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO
AMBIENTAL. CONDENAÇÃO A DANO
EXTRAPATRIMONIAL OU DANO MORAL
COLETIVO. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO IN DUBIO
PRO NATURA. 1. Não há violação do art. 535 do CPC
quando a prestação jurisdicional é dada na medida da
pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das
questões abordadas no recurso. 2. A Segunda Turma
recentemente pronunciou-se no sentido de que, ainda que
de forma reflexa, a degradação ao meio ambiente dá
ensejo ao dano moral coletivo. 3. Haveria contra sensu
jurídico na admissão de ressarcimento por lesão a dano
moral individual sem que se pudesse dar à coletividade o
mesmo tratamento, afinal, se a honra de cada um dos
indivíduos deste mesmo grupo é afetada, os danos são
passíveis de indenização. 4. As normas ambientais
devem atender aos fins sociais a que se destinam, ou
seja, necessária a interpretação e a integração de
acordo com o princípio hermenêutico in dubio pro
natura. Recurso especial improvido. (STJ - REsp:
1367923 RJ 2011/0086453-6, Relator: Ministro
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HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento:
27/08/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de
Publicação: DJe 06/09/2013)
AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL
CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO
PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO
CPC NÃO CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DE
OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO
PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985.
POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS.
CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC,
se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as
questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Segundo a
jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art.
3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das
condenações em obrigações de fazer ou não fazer e
indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a
fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano
ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de
tutela coletiva. 3. O dano ao meio ambiente, por ser
bem público, gera repercussão geral, impondo
conscientização coletiva à sua reparação, a fim de
resguardar o direito das futuras gerações a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado. 4. O dano moral
coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do
grupo massificado, sendo desnecessária a
demonstração de que a coletividade sinta a dor, a
repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo
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isolado. 5. Recurso especial provido, para reconhecer, em
tese, a possibilidade de cumulação de indenização
pecuniária com as obrigações de fazer, bem como a
condenação em danos morais coletivos, com a devolução
dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no
caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum
debeatur.(STJ - REsp: 1269494 MG 2011/0124011-9,
Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de
Julgamento: 24/09/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data
de Publicação: DJe 01/10/2013)
Por sua vez, a Constituição Federal de 1988, instituiu o
meio ambiente como bem de uso comum do povo:
Art. 225: “Todos têm o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem do uso comum do povo
e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-
lo para as presentes e futuras gerações”. (grifamos)
Temos ainda que o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado caracteriza-se como típico direito humano fundamental
de terceira geração, de acordo com a conceituação formulada pelo pensador italiano
Norberto Bobbio (em sua clássica obra “A Era dos Direitos”).
Adotando esta lição, calha reproduzir um interessante
julgado do STF, redigido nos seguintes termos:
O direito à integridade do meio ambiente — típico
direito de terceira geração— constitui prerrogativa
jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do
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processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão
significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas, num sentido
verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade
social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos
civis e políticos) — que compreendem as liberdades
clássicas, negativas ou formais — realçam o princípio da
liberdade e os direitos de segunda geração (direitos
econômicos, sociais e culturais) — que se identificam com
as liberdades positivas, reais ou concretas — acentuam o
princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que
materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos
genericamente a todas as formações sociais, consagram o
princípio da solidariedade e constituem um momento
importante no processo de desenvolvimento, expansão e
reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados,
enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de
uma essencial inexauribilidade. (STF. MS 22.164, Rel.
Min. Celso de Mello, DJde17/11/95). (grifamos)
De forma correlata, a Lei nº 6.938/81, em seu artigo 14, §
1º, assim dispõe:
“Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste
artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por
sua atividade. O Ministério Público da União e dos
Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados
ao meio ambiente.” (grifamos).
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Outrossim, a legislação pátria preocupada com os casos de
dano moral previu a sua reparação até no plano constitucional conforme preceitua o art.
5º, X, da Carta Magna:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra a
imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização
decorrente de sua violação”;(grifamos)
Dessa forma, a ação civil pública tornou-se um poderoso
instrumento de alçada constitucional apto a ser utilizado pelo Parquet na busca da
proteção irrestrita de todo interesse de natureza transindividual, inclusive os de caráter
moral.
Frise-se que a possibilidade jurídica do pedido de
indenização por dano moral coletivo decorre de expressos dispositivos legais (art. 1º,
caput, inciso I, da Lei 7347/85 e art. 6º, incisos VI e VII, da Lei 8078/90), assim
redigidos:
Art. 1º da Lei 7347/85: Regem-se pelas disposições desta
Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de
responsabilidade por danos morais e patrimoniais
causados:
I – ao meio ambiente;
Art. 6º da Lei 8078/90. São direitos básicos do
consumidor: (...)
VI – a efetiva proteção e reparação de danos patrimoniais
e morais, individuais, coletivos e difusos; (...)
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VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos,
com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos (...).
Portanto, não se há de duvidar, enfim, que nos tempos
atuais o reconhecimento e a efetiva reparação dos danos morais coletivos – na medida
em que sanciona o ofensor (desestimulando novas lesões) e compensa os efeitos
negativos decorrentes do desrespeito aos bens mais elevados do agrupamento social –
constitui uma das formas de alicerçar o ideal de um Estado Constitucional e
Democrático de Direito.
Insta enfatizar, de igual modo, os ensinamentos dos
modernos civilistas Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, os quais,
advogando a tese dos danos morais coletivos, observam que:
A evolução da sociedade, com a formação de uma
consciência de cidadania, leva ao reconhecimento de que a
tutela meramente individual não é suficiente para
combater as macrolesões passíveis de ocorrência. Há, por
isso, uma gama de danos coletivos lato sensu que precisa
ser tutelada através de um procedimento especial – a ação
coletiva – mais adequado à sua natureza.
Continuando o raciocínio, disparam os cultos magistrados
baianos:
(...) a lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85), com as
modificações impostas pela Lei n. 8.884/94, estabeleceu
expressamente a possibilidade de reparação por danos
morais a direitos difusos (...).
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Os interesses difusos foram definidos pelo Professor
Kazuo Watanabe, da seguinte forma:
“Nos interesses ou direitos difusos, a sua natureza
indivisível e a inexistência de relação jurídica-base não
possibilitam, como já ficou visto, a determinação dos
titulares. É claro que, num plano mais geral do fenômeno
jurídico ou análise, é sempre possível encontrar-se um
vínculo que une as pessoas, como a nacionalidade. Mas, a
relação jurídica-base que nos interessa, na fixação dos
conceitos em estudo, é aquela da qual é derivado o
interesse tutelando, portanto interesse que guarda relação
mais imediata e próxima com a lesão ou ameaça de lesão.
[...] No campo da relação de consumo, podem ser
figurados os seguintes exemplos de interesses direitos
difusos: a) publicidade enganosa ou abusiva, veiculada por
meio da imprensa falada, escrita ou televisionada afeta
uma multidão incalculável de pessoas, sem que entre elas
exista uma relação-base. O bem jurídico tutelado pelo
artigo 37 e seus parágrafos é indivisível no sentido que
basta uma única ofensa para que todos os consumidores
sejam atingidos, e, também, no sentido de que a satisfação
de um deles, pela cessação da publicidade ilegal, beneficia
contemporaneamente todos eles. As pessoas legitimadas a
agir, nos termos do art. 82, poderão postular em juízo o
provimento adequado à tutela dos interesses ou direitos
difusos da coletividade atingida pela publicidade enganosa
ou abusiva; b) colocação no mercado de produtos com alto
grau de nocividade ou periculosidade à saúde, ou
segurança dos consumidores, o que é vedado pelo art. 10
do Código. O ato do fornecedor atinge a todos os
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consumidores potenciais do produto, que são em número
incalculável e não vinculados entre si por qualquer
relação-base. Da mesma forma que no exemplo anterior, o
bem jurídico tutelado é indivisível, pois uma única ofensa
é suficiente para a lesão de todos os consumidores, e
igualmente a satisfação de um deles, pela retirada do
produto no mercado, beneficia ao mesmo tempo a todos
eles3".
O dano moral difuso assenta-se, exatamente, na agressão a
bens e valores jurídicos que são inerentes a toda a coletividade, de forma indivisível.
O jurisconsulto André de Carvalho Ramos, discorrendo
sobre dano moral coletivo, assentou4:
“Devemos considerar que tratamento aos chamados
interesses difusos e coletivos origina-se justamente da
importância destes interesses e da necessidade de uma
efetiva tutela jurídica. Ora, tal importância somente
reforça a necessidade de aceitação do dano moral coletivo,
já que a dor psíquica que alicerçou a teoria do dano moral
individual acaba cedendo lugar, no caso de dano moral
coletivo, a um sentimento de desapreço e de perda de
valores essenciais que afetam negativamente toda uma
coletividade. Imagine-se o dano moral gerado pela
propaganda enganosa ou abusiva. O consumidor potencial
sente-se lesionado e vê aumentar seu sentimento de
3Ob. Cit. p. 802 e p. 803. 4Revista de Dire i to do Consumidor nº 25. Edi tora RT. p . 82 .
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desconfiança na proteção legal do consumidor, bem como
seu sentimento de cidadania”.
Não se pode conceber que numa sociedade democrática,
onde se espera e se luta pelo aperfeiçoamento dos mecanismos que venham a garantir ao
cidadão o pleno exercício dos atributos da cidadania, inclusive com a efetiva reparação
dos danos ambientais causados, tenha lugar a preponderância dos interesses de uma
grande empresa ( SAMARCO MINERAÇÃO S.A., VALE S.A. e BHP BILLITON DO
BRASIL LTDA) em detrimento do bem-estar dos indivíduos, submetendo toda uma
comunidade a práticas inaceitáveis, como as que foram narradas nesta inicial e
vivenciadas ainda por toda a população.
Estudo da Doutora Liliane Garcia Ferreira5 traz as
seguintes lições:
[...]
Acompanhando a evolução do direito, em especial no
aspecto da tutela dos interesses difusos e coletivos, a
doutrina mais moderna vem ampliando a possibilidade de
reparação do dano moral, de forma que venha a alcançar
não apenas o dano extrapatrimonial individual, como
também o coletivo, uma vez que pode abranger, além da
ofensa à honra, à vida, à liberdade de um indivíduo,
qualquer ofensa à coletividade, genericamente
considerada, "que tem um interesse comum de natureza
transindividual agredido".
O Prof. Rubens Limongi França, citado por Sérgio Severo,
em sua obra "Os danos extrapatrimoniais", ao conceituar o
dano moral, já o definia como "aquele que, direta ou
indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, bem assim a
5www.mp.sp.gov.br
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coletividade, sofre no aspecto não econômico de seus bens
jurídicos".
Carlos Alberto Bittar Filho disciplina que dano moral
coletivo "é a injusta lesão da esfera moral de uma dada
comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um
determinado círculo de valores coletivos", citando como
exemplo de dano moral coletivo o dano ambiental, o qual
consiste "na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de
vida e à saúde da coletividade".
Marco Antonio Marcondes Pereira, por sua vez, conceitua
o dano moral coletivo como "o resultado de toda ação ou
omissão lesiva significante, praticada por qualquer
pessoa contra o patrimônio da coletividade, considerada
esta as gerações presentes e futuras, que suportam um
sentimento de repulsa por um fato danoso irreversível, de
difícil reparação, ou de consequências históricas".
Aliás, a reparação do dano moral coletivo, de há muito,
encontra respaldo na legislação brasileira.
A Lei Federal 6.938/81, ao dispor em seu art. 2º, Inc. I,
que o meio ambiente é "patrimônio público a ser
necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o
uso coletivo", já assegurava a proteção a esse interesse
difuso, inclusive a reparação de eventuais danos a ele
causados, impondo penalidades administrativas, a par da
obrigação de reparação dos danos, conforme o disposto
em seus arts. 4º, Incs. VI e VII; 9º, Inc. IX; e 14, § 1º.
E mencionada norma foi recepcionada pela Constituição
Federal que, conforme já mencionado no tópico nº. 2,
pacificou a questão do direito à indenização por dano
moral, elevando-o à categoria de garantia fundamental,
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não se podendo olvidar, jamais, o caráter exemplificativo
das hipóteses previstas nos dispositivos constitucionais,
que não têm o condão de tornar exclusiva a reparação dos
danos morais individuais.
Ora, conforme o disposto em seu art. 5º, § 2º, os direitos e
garantias expressos na Constituição "não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte".
Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor, em
seu art. 6º, Incs. VI e VII, de maneira expressa, prevê o
dano extrapatrimonial tanto na hipótese de violação de
direitos individuais, quanto coletivos e difusos.
Afinal, conforme bem menciona André de Carvalho
Ramos, diante da importância dos interesses difusos e
coletivos, estes necessitam de uma efetiva tutela jurídica:
"Ora, tal importância somente reforça a necessidade de
aceitação do dano moral coletivo, já que a dor psíquica
que alicerçou a teoria do dano moral individual acaba
cedendo lugar, no caso do dano moral coletivo, a um
sentimento de desapreço e de perda de valores essenciais
que afetam negativamente toda uma coletividade".
Induvidoso, conforme adverte o mesmo autor, que a
"coletividade, apesar de ente despersonalizado, possui
valores morais e um patrimônio ideal que merece
proteção", devendo a lesão a esse patrimônio imaterial
coletivo ser reparada, também, coletivamente.
O comportamento das empresas rés (SAMARCO
MINERAÇÃO, VALE e BHP BILLITON) é reprovável merecendo ser penalizada por
seus atos, de modo a reparar os danos causados à população colatinense, que se viu
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diante da incerteza quanto ao abastecimento de água em suas residências e
posteriormente em relação a sua qualidade, bem como que se deparou com um cenário
dantesco no fornecimento de água mineral, enfrentando filas intermináveis e sem
qualquer organização ou planejamento para que ocorresse sem quaisquer percalços.
Sem contar que até a data de hoje, transcorridos mais de dois meses do crime ambiental,
a massa de rejeitos que estava contida na barragem que se rompeu se encontra difusa
por mais de 700 KM de leito de rio sem que um projeto sério tenha sido apresentado de
minimização de impactos.
Importa declinar, de outra parte, que décadas serão
necessárias para que não só o Rio Doce e toda a fauna e flora em seu entorno se
recuperem, mas também para que os trabalhadores que dali retiravam seus proventos
voltem a ter seu sustendo e de suas famílias garantido de forma digna.
Um desastre de tal porte refletirá por anos na economia da
cidade, bem como na saúde dos habitantes, que conviverá com a incerteza dos danos às
gerações futuras e, sobretudo, a perda de confiança em ingerir agua do manancial que é
a única fonte de abastecimento humano do município de Colatina.
A população de Colatina encontra-se hoje humilhada,
entristecida, abalada, indignada e desamparada. Não se trata apenas da poluição de um
rio qualquer, mas sim do “assassinato” do Rio que abastece diversas cidades, que irriga
as plantações, que move a economia local, e que até então garantia um direito básico
inerente a qualquer comunidade com adequado desenvolvimento: o de ter água potável
disponível em suas residências.
Desta feita, mostra-se cristalino o cabimento do dano
moral coletivo no caso concreto aqui narrado. Corroborando com o entendimento deste
Órgão Ministerial é a jurisprudência:
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RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA
PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DE
EMBUTIDOS SUÍNOS EM CONDIÇÕES DE HIGIENE
INADEQUADAS E SEM LICENCIAMENTO
SANITÁRIO OU AMBIENTAL. ALEGADA OFENSA
À SAÚDE PÚBLICA E AOS DIREITOS BÁSICOS DO
CONSUMIDOR PELA COLOCAÇÃO NO MERCADO
DE PRODUTO IMPRÓPRIO PARA O CONSUMO.
DANO EXTRAPATRIMONIAL COLETIVO PURO
NÃO CONFIGURADO. PRÁTICA ARTESANAL DE
BAIXO ALCANCE NO MERCADO, RESTRITA A
PEQUENA LOCALIDADE. IMPACTO DE MÍNIMAS
PROPORÇÕES. PRINCÍPIO DA TOLERÂNCIA.
EXERCÍCIO DE UM JUÍZO DE RAZOABILIDADE E
PRUDÊNCIA. Para configuração do dano moral
coletivo é necessário haver, além de conduta
antijurídica, ofensa grave e intolerável a valores e
interesses morais de uma dada comunidade, dano que
é perceptível a partir da sensação de perda de estima,
de indignação, de repulsa, de humilhação ou de outro
sentimento que ofenda a dignidade humana. Hipótese
de colocação no mercado de produto impróprio par o
consumo que, num juízo de razoabilidade e de prudência,
não comporta a condenação em danos extrapatrimoniais
da espécie difusa, porquanto não vislumbra no caso a
grave violação do sentimento coletivo da comunidade
local. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível nº.
70035339431, Décima Câmara Cível do TJRS, Rel. Des.
Túlio de Oliveira Martins, DJ em 16\12\2010)
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Ao conceituar o dano em questão, Nehemia Domingos de
Melo6, esclarece:
“Dano moral na moderna doutrina é toda agressão injusta
àqueles bens imateriais, tanto de pessoa física quanto
jurídica, insusceptível de quantificação pecuniária, porém
indenizável com tríplice finalidade: satisfativo para a
vítima, dissuasório para o ofensor e de exemplaridade
para a sociedade”. (grifamos)
Portanto, o valor a ser arbitrado, a título de danos morais,
deve situar-se em patamar que represente inibição à prática de outros atos antijurídicos e
imorais por parte das empresas demandadas. É imperioso que a Justiça dê ao infrator
resposta eficaz ao ilícito praticado, sob pena de se chancelar e se estimular o
comportamento infringente.
Sob esta égide, a jurisprudência pátria:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. (...) DANOS MORAIS
COLETIVOS. (...) A ocorrência de danos morais
coletivos é matéria relativamente nova na
jurisprudência. Doutrinariamente, o dano moral é
conceituado como o prejuízo de caráter intrínseco ao
íntimo do ofendido, isto é, ligado à esfera da
personalidade. A coletividade, por óbvio, é
desprovida desse conteúdo próprio da personalidade.
Entretanto, não pode permanecer desamparada
6Melo,Nehemias Domingos de. Dano moral coletivo nas ralações de consumo. Internet, Jus Navegandi nº
380, de 22/7/2004.
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diante de atos que atentam aos princípios éticos
da sociedade. Costuma-se dizer que o dano moral
tem dupla função: reparar o dano sofrido pela
vítima e punir o ofensor. O denominado "dano
moral coletivo" busca, justamente, valorar a
segunda vertente, mas sob um prisma diferente.
Mais do que punir o ofensor, confere um caráter
de exemplaridade para a sociedade, de acordo
com a importância que o princípio da moralidade
administrativa adotou hodiernamente. Dessa
forma, o dano moral coletivo tem lugar nas hipóteses
onde exista um ato ilícito que, tomado
individualmente, tem pouca relevância para cada
pessoa; mas, frente à coletividade, assume
proporções que afrontam o senso comum. É o que se
verifica no caso dos autos. Por natureza, trata-se de
um ilícito contratual, cujos efeitos atingiram a
comunidade local. Mensurado individualmente, não
daria ensejo à indenização pela pouca importância na
esfera de cada cidadão. Contudo, na sua
generalidade, leva à sua reparação aos olhos da
sociedade. Mantido o quantum indenizatório fixado
na sentença (R$ 50.000,00), já que adotou como
critério a capacidade econômica da ré, estando de
acordo com o intuito de exemplaridade e
reparabilidade. Apelação parcialmente provida para
que para que a Brasil Telecom promova a reabertura
dos postos de atendimento que foram extintos (TRF
da 4ª Região. 3ª Turma. Apelação Cível nº
2002.70.02.003164-5/PR. DJU 27.09.2006).
(grifamos)
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A respeito desse tópico, vale trazer à colação os
apontamentos de Carlos Alberto Bittar7:
Com efeito, a reparação de danos morais exerce função
diversa daquela dos danos materiais. Enquanto estes se
voltam para recomposição do patrimônio ofendido, através
da aplicação da fórmula danos emergentes e lucros
cessantes, aqueles procuram oferecer compensação ao
lesado, para atenuação do sofrimento havido. De outra
parte, quanto ao lesante, objetiva a reparação impingir-lhe
sanção, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à
personalidade de outrem. É que interessa ao direito e à
sociedade que o relacionamento entre os entes que
contracenam no orbe jurídico se mantenha dentro dos
padrões normais de equilíbrio e respeito mútuo. Assim, em
hipóteses de lesionamento, cabe ao agente suportar as
consequências de sua atuação, desestimulando-se, com
a atribuição de pesadas indenizações, atos ilícitos
tendentes a afetar os referidos aspectos da
personalidade humana. [...] Essa diretriz vem, de há
muito tempo, sendo adotada na jurisprudência norte
americana, em que cifras vultosas têm sido impostas aos
infratores, como indutoras de comportamentos adequados,
sob os prismas moral e jurídico, nas interações sociais e
jurídicas. [...] Nesse sentido é que a tendência
manifestada, a propósito pela jurisprudência pátria,
fixação de valor de desestímulo como fator de inibição
7Reparação Civil por Danos Morais: Tendências Atua is — Revista de Direi to Civi l nº
74 —RT—pag.15.
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a novas práticas lesivas. Trata-se, portanto, de valor que,
sentido no patrimônio do lesante, o possa conscientizar-
se de que não deve persistir na conduta reprimida, ou
então, deve afastar-se da vereda indevida por ele
assumida, a outra parte, deixa-se para a coletividade,
exemplo expressivo da reação que a ordem jurídica
reserva para infratores nesse campo, e em elemento que,
em nosso tempo, se tem mostrado muito sensível para as
pessoas, ou seja, o respectivo acervo patrimonial.
Considerando o exposto, comungamos do entendimento
que a indenização por danos morais deve ser proporcional à população Colatinense, que
gira em torno de 122.646 (cento e vinte e dois mil seiscentos e quarenta e seis)
habitantes, conforme informações do site do IBGE.
Considerando uma indenização de no mínimo R$
10.000,00 (dez mil reais) por habitante, o que aqui se indica como valor mínimo tendo
em vista o fator arbitramento judicial da indenização, os colatinenses, vítimas reais do
desastre ambiental aqui narrado, chega-se a um valor a ser razoavelmente arbitrado,
revertendo-se para ao Fundo Municipal dos Direitos Difusos, previsto no art. 13 da
LACP, com o objetivo de fomentar políticas protetivas ao meio ambiente.
O valor proposto é para que se tenha a exata reprovação
dos atos praticados pelas empresas SAMARCO MINERAÇÃO, VALE e BHP
BILLITON DO BRASIL, desestimulando-aS a reiterar em sua conduta lesiva, fazendo
com que a reparação do dano surta seus efeitos sancionatórios, compensatórios e
pedagógicos.
V - DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Embora se trate de uma poderosa empresa do ramo da
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mineração, há um risco considerável de que a SAMARCO MINERAÇÃO S/A não
consiga arcar, no tempo adequado, com a reparação dos vultuosos danos decorrentes de
suas atividades.
Deve-se destacar que a mitigação e a reparação de danos
ambientais são medidas que reclamam, não raras vezes, considerável celeridade. Assim,
há de se ter em vista a possibilidade de que a empresa não suporte, no momento que
atenda ao melhor interesse ambiental, o custeio de medidas mitigadoras e reparatórias.
Partindo-se do que já foi amplamente divulgado, tem-se
que a SAMARCO MINERAÇÃO assinou um termo de compromisso ambiental com o
Ministério Público de Minas Gerais e o Ministério Público Federal em Minas Gerais,
comprometendo-se a destinar 1 bilhão de reais a um fundo de reparação dos danos
ocorridos em terras mineiras8. Ademais, já se tem o notícia de que a multa aplicada pelo
IBAMA alcança o montante de apenas 250 milhões de reais9. Além disso, a Justiça
Estadual em Mariana/MG já realizou o bloqueio de 300 milhões de reais, para a
reparação dos danos sofridos naquele Município10. Ainda, a Justiça Mineira, em
Governador Valadares, determinou que a SAMARCO adotasse medidas extremamente
onerosas, a fim de mitigar os danos que atingiram a região11. Em seu sítio eletrônico12, a
SAMARCO vem divulgando diversas ações desenvolvidas na região das barragens
desde o dia do acidente, o que certamente exige considerável dispêndio de recursos. Por
fim, a SAMARCO divulgou que está adotando providências para a reparação das duas
barragens que nas barragens de Germano e Santarém, que estão sob risco de
rompimento, o que também demanda a realização de despesas13.
Por outro lado, foi determinada a paralisação das
8http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2015/11/samarco-assina-termo-com-mp-para-pagamento-de-
r-1-bilhao.html 9http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/11/valor-das-multas-por-rompimento-de-barragens-ja-
chegou-r-250-milhoes.html 10http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/justica-determina-bloqueio-de-r-300-milhoes-na-
conta-da-samarco.html 11http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2015/11/11/justica-determina-que-samarco-
assuma-custos-de-abastecimento-de-cidade-de-mg.htm 12http://www.samarco.com/ 13http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/samarco-admite-risco-de-rompimento-nas-barragens-
santarem-e-germano.html
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atividades da mineradora em Minas Gerais14, o que agrava a situação econômica da
empresa. Ou seja, diante de um repentino e vultuoso aumento de despesas, a empresa
perdeu receitas. Esse contexto levou a SAMARCO a ser rebaixada pela agência de
classificação de riscos de investimento Moody's15.
Conforme o “Relatório da Administração e
Demonstrações Financeiras” 16 publicado pela SAMARCO S/A, o lucro líquido da
empresa em 2013 e 2014 foi de aproximadamente 5,7 bilhões de reais. A despeito
disso, em 1º de janeiro de 2013 o patrimônio líquido da empresa estava em 3,27 bilhões
de reais, já em 31 de dezembro de 2014, estava em 4,3 bilhões de reais, ou seja, a
evolução patrimonial da empresa foi bastante pequena, uma vez que parcela
relevantíssima dos lucros se destinou à distribuição dos dividendos.
Entretanto em anos anteriores quando a tonelada do
minério chegou ao pico de U$ 200,00 dólares a tonelada as empresas mineradoras
tinham apenas o céu como limite experimentando lucros antes jamais vistos no mercado
mundial tendo a Europa e Asia como principais compradoras de minério de ferro.
A SAMARCO S/A é composta por duas acionistas, com
iguais participações, sendo elas a VALE S/A e a BHP BILLITON BRASIL LTDA.
Diante da possibilidade de insolvência da SAMARCO,
medida que se impõe é a inclusão da VALE S/A e da BHP BILLITON no polo passivo
de qualquer demanda cujos efeitos a elas possam se estender. Cuida-se do fenômeno da
desconsideração da personalidade jurídica do poluidor insolvente, para atingir seus
sócios em suas esferas patrimoniais e garantir, deste modo, a integral reparação dos
danos causados pela a atividade poluidora.
14http://g1.globo.com/minas-gerais/noticia/2015/11/secretaria-embargou-atividades-da-samarco-em-
mariana-apos.html 15http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2015/11/moodys-tira-grau-de-investimento-da-
samarco.html 16http://www1.samarco.com/uploads/1qoyv9x1.pdf
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A Vale, por sua vez, apresentou, ao fim de 2014, um lucro
líquido anual da ordem de 353 milhões de dólares, mais de 1,3 bilhões de reais e possui
um patrimônio líquido muito superior à sua controlada: mais de 55 bilhões de dólares,
200 bilhões de reais (cotação a R$ 3,70).
A Vale também fez provisionamento, para o ano de 2014,
de US$ 118 milhões para litígios cíveis e US$ 92 milhões para litígios ambientais, mas
cientes de que os valores poderiam extrapolar em muito.
Percebe-se claramente, assim como a Samarco, a Vale é
ciente de que suas atividades possuem grande risco de impacto, especialmente ao meio
ambiente, entretanto, ambas, fizeram praticamente nenhum provisionamento para
sinistros dessa natureza e distribuíra quase que integralmente os lucros auferidos aos
seus sócios/acionistas.
A bem da verdade, fora o fato de ser controladora da
Samarco, a Vale também é responsável diretamente por parte dos rejeitos depositados
na represa de Fundão, como dá notícia a imprensa e os laudos técnicos que serão
juntados no curso da demanda.
Por sua vez, a BHP Billiton Brasil, em que pese possuir
capital social aproximado de apenas R$ 195 milhões, apresenta lucros superiores a R$
1,6 bilhões, dados obtidos em sítios eletrônicos.
Cumpre destacar que seu resultado não é exclusivo da
receita oriunda da Samarco, uma vez que possui diversas participações em outras
sociedades empresárias:
PONTA UBU AGROPECUARIA LTDA (CNPJ
35.959.576/0001-65) - SOCIO com 49,00 de participação
na empresa;
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MINERACAO SAVANA LTDA (CNPJ
29.520.855/0001-25) - SOCIO com 98,00 de participação
na empresa;
ARAGUAIA PARTICIPACOES LTDA (CNPJ
04.687.051/0001-94) - SOCIO com 99,00 de participação
na empresa;
BHP BILLITON EMPREENDIMENTOS MINERAIS
LTDA. (CNPJ 42.416.875/0001-19) - SOCIO-
ADMINISTRADOR com 0,01 de participação na
empresa;
EMPRESA DE MINERACAO SEARA LTDA (CNPJ
06.927.083/0001-45) - SOCIO com 1,00 de participação
na empresa;
BHP INTERNACIONAL PARTICIPACOES LTDA.
(CNPJ 30.034.862/0001-04) - SOCIO com 0,02 de
participação na empresa;
WMC MINERACAO LTDA (CNPJ 45.040.128/0001-17)
- SOCIO com 0,01 de participação na empresa; e,
JENIPAPO RECURSOS NATURAIS LTDA. (CNPJ
31.975.014/0001-54) - SOCIO com 0,01 de participação
na empresa.
O gráfico abaixo representa a complexidade das operações
nacionais e internacionais da BHP Billiton Brasil:
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Ademais, com efeito, em sede de responsabilidade civil por danos
ambientais a desconsideração da personalidade jurídica se pauta pela teoria menor, ou
seja, prescinde-se da ocorrência de abuso da personalidade ou confusão patrimonial. É o
que preconiza o art. 4º da Lei 9.605/98, nos seguintes termos: “Poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
No mesmo sentido é o entendimento do Superior Tribunal
de Justiça:
Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso
especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão.
Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério
Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica.
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Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de
responsabilização dos sócios. Código de Defesa do
Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de
prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. -
Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da
ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a
defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o
Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de
interesses individuais homogêneos de consumidores,
decorrentes de origem comum. - A teoria maior da
desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro,
não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a
pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas
obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de
insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade
(teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração
de confusão patrimonial (teoria objetiva da
desconsideração). - A teoria menor da desconsideração,
acolhida em nosso ordenamento jurídico
excepcionalmente no Direito do Consumidor e no
Direito Ambiental, incide com a mera prova de
insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de
suas obrigações, independentemente da existência de
desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. - Para
a teoria menor, o risco empresarial normal às
atividades econômicas não pode ser suportado pelo
terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos
sócios e/ou administradores desta, ainda que estes
demonstrem conduta administrativa proba, isto é,
mesmo que não exista qualquer prova capaz de
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identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos
sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. - A
aplicação da teoria menor da desconsideração às relações
de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do
art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo
não se subordina à demonstração dos requisitos previstos
no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar,
a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao
ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. -
Recursos especiais não conhecidos. (STJ - REsp: 279273
SP 2000/0097184-7, Relator: Ministro ARI
PARGENDLER, Data de Julgamento: 04/12/2003, T3 -
TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 29/03/2004
p. 230RDR vol. 29 p. 356)
Embora a SAMARCO, responsável direta pelos danos,
ainda não esteja insolvente, há fortes evidências de que possa ocorrer tal fato. Neste
sentido, as medidas ora pleiteadas devem alcançar as acionistas VALE e BHP, de modo
a permitir que, com a maior celeridade, sejam adotadas providências que assegurem a
reparação dos danos.
É dizer, a quebra de sigilo fiscal poderia ser requerida
somente contra a SAMARCO, reservando a medida, em relação à VALE e à BHP
BILLITON, para momento posterior, quando efetivamente fosse confirmada a
fragilidade patrimonial da responsável direta pelos danos. Contudo, em vista do melhor
interesse ambiental, bem como da necessidade de se resguardar, com máxima
celeridade, patrimônio suficiente para a adoção das medidas necessárias, mostra-se
por demais adequado promover, desde já, a quebra do sigilo fiscal da SAMARCO, da
VALE e da BHP BILLITON, para a identificação de bens que possam garantir os
recursos necessários.
E nem se diga que a desconsideração da personalidade
jurídica é matéria a ser enfrentada após o processo de conhecimento. Doutrina e
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jurisprudência brasileiras vêm mantendo acirrados debates sobre o momento adequado
para a desconsideração da personalidade jurídica, havendo quem diga que deverá
ocorrer na fase de conhecimento e quem diga que deverá ocorrer na fase de execução.
Fato é que a grande celeuma gira em torno da necessidade
de se garantir a ampla participação na formação do convencimento judicial e da coisa
julgada àqueles possíveis atingidos pelos efeitos da decisão proferida no processo de
conhecimento, oportunizando a impugnação de todas as matérias de fato e direito
discutidas, para que só assim possam ser compelidos a, eventualmente, satisfazer
obrigação que originariamente seria da pessoa jurídica. Cuida-se da observância do
binômio contraditório e ampla defesa, pedra de toque do sistema de direitos e garantias
processuais.
Da mesma preocupação não fugiu o legislador ao tratar do
tema no Novo Código de Processo Civil, onde inseriu a necessidade de instauração de
um incidente para que fosse desconsiderada a personalidade jurídica da pessoa jurídica,
exceto se os atingidos integrarem a relação processual desde o processo de
conhecimento.
O tema ganha ainda novos contornos no presente caso, em
que há urgência de mitigação de impactos ambientais e necessidade de reparação com
máxima celeridade, tendo em vista os inúmeros prejuízos, diretos e indiretos, causados
pela degradação ambiental. É que no curso do processo de conhecimento, ou até mesmo
antes dele, certamente mostrar-se-ão (como, aliás, já se mostraram) necessárias medidas
urgentes, que demandarão o imediato aporte de recursos. Neste cenário, é
imprescindível que haja no polo passivo, a todo tempo, pessoas que garantam a plena
consecução das providências que se mostrarem adequadas.
Por esta razão, todas as empresas integrarão eventual
demanda em conjunto, em medida que se alinha ao princípio ambiental da
precaução, corolário do princípio in dubio pro natura, já que não se sabe se a
SAMARCO terá patrimônio para suportar, e é bem provável que não, a reparação dos
prejuízos, no tempo e na forma que se mostrarem mais adequados. E, também pela
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mesma razão, desde já é indispensável que se conheça o patrimônio das requeridas, já
que eventualmente, e em qualquer momento do processo de conhecimento ou até
mesmo cautelarmente, poderão ser compelidas a garantir ou aplicar os valores
necessários.
Em síntese, importa desde já conhecer o patrimônio de
todas as requeridas, e não só da SAMARCO MINERAÇÃO S.A., vez que
eventualmente esta poderá não dispor de recursos suficientes para adotar medidas
para as quais for demanda, na forma e no tempo em que se mostrarem adequadas.
Ademais, a quebra de sigilo fiscal e bancário não
atingirá a esfera patrimonial de qualquer das empresas, mas tão somente tornará
clara a situação econômica daqueles que, a princípio, deverão custear as medidas
mitigatórias e reparatórias.
Ressalte-se que nada impede que, diante da insolvência
também da VALE e da BHP, a personalidade jurídica destas seja também
desconsiderada, seja diretamente, para alcançar seus sócios, seja indiretamente, para
alcançar outras pessoas jurídicas por elas controladas. Todavia, tal hipótese não é, por
ora, sequer aventada, dada a conhecida condição econômica de tais empresas. Deste
modo, o pedido, neste momento se limitará às oras requeridas, por guardarem maior
proximidade com os fatos.
Por tudo o que foi necessário, imprescindível o
rastreamento patrimonial das requeridas para fins de aferir:
a) o patrimônio da mineradora, para adoção de medidas
que assegurem o resultado prático de futura demanda, a ser ajuizada tão logo seja
razoavelmente compreendida a extensão dos danos;
b) o patrimônio das acionistas, VALE e BHP BILLITON,
ante a considerável possibilidade de que estas venham a responder com seus
patrimônios, se realmente confirmada a insolvência da SAMARCO.
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Não resta dúvida que no caso concreto a necessidade da
medida invasiva prepondera, sob pena de se inviabilizar a pretensão punitiva estatal.17
O art. 198, §1º, I, do Código Tributário Nacional, ao tratar
do sigilo fiscal, não exclui a possibilidade de que as informações por ele protegidas
possam ser objeto de apreciação pelo Poder Judiciário.
As informações ora pleiteadas são imprescindíveis para
garantia da reparação integral do meio ambiente.
VI - DO PROVIMENTO LIMINAR
A demora na prestação jurisdicional poderá acarretar
prejuízo irreparável aos indivíduos difusamente considerados, tendo em vista o
expressivo número de pessoas que estão sendo vítimas da conduta negligente das Rés,
que ocasionou no rompimento das barragens localizadas em Mariana-MG.
Muito mais do que isto, os transtornos e constrangimentos
causados pelas demandadas nas cidades atingidas, em especial Colatina, ferem
frontalmente o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Inicialmente, impõe frisar que a concessão de tutela
liminar “inaudita altera pars” não ofende qualquer norma ou princípio constitucional,
valendo transcrever a doutrina de Nelson Nery Júnior, no sentido de inexistência de
violação ao princípio do contraditório nestes casos, in verbis:
17 OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema
constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. (STF, MS 23452, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999.)
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"Há, contudo, limitação imanente à bilateralidade da
audiência no processo civil, quando a natureza e a
finalidade do provimento jurisdicional almejado ensejarem
a necessidade de concessão de medida liminar, inaudita
altera pars, como é o caso da antecipação de tutela de
mérito (CPC, art. 273), do provimento cautelar ou das
liminares em ação possessória, mandado de segurança,
ação popular, ação coletiva (art. 81, parágrafo único do
CDC) e ação civil pública. Isto não quer significar,
entretanto, violação do princípio constitucional, porquanto
a parte terá oportunidade de ser ouvida, intervindo
posteriormente no processo, inclusive com direito a
recurso contra a medida liminar concedida sem sua
participação. Aliás, a própria provisoriedade dessas
medidas indica a possibilidade de sua modificação
posterior, por interferência da manifestação da parte
contrária, por exemplo.” ·
Os fatos e fundamentos jurídicos apresentados na exordial
demonstram a necessidade da concessão do provimento liminar.
Desse modo, com fundamento no que dispõe o artigo 273,
inciso I, do Código de Processo Civil, c/c os artigos 11 e 12 da Lei 7.347/85 e 84, §§ 3.º
e 4.º do CDC, pretende o Autor obter a concessão da medida processual apta a
GARANTIR FUTURA DEMANDA EXECUTÓRIA DE CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA tendo em vista os efeitos nocivos do desastre ambiental ocasionado pela
empresa demandada.
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Não obstante o Código de Defesa do Consumidor
autorizar o pleito de uma medida liminar, de caráter cautelar, no bojo de uma ação
ordinária, além da própria Lei de Ação Civil Pública consagrar tal instrumento, cabe
trazer à baila a lição de REIS FRIED sobre a tutela antecipada, com previsão no nosso
Código de Processo Civil em seu art. 273, principalmente no que diz respeito ao risco
de dano irreparável. O ilustrado jurista se baseou na lição de ANTÔNIO JEOVÁ DA SILVA
SANTOS para expender a seguinte lição:
A irreparabilidade do dano decorrerá da ameaça de um
grave dano jurídico, caso não exista a satisfatividade do
direito. Similar do periculum in mora, o receio de a parte
vir a padecer dano irreparável caso o Poder Judiciário não
intervenha para antecipar o direito, fará exsurgir um dos
requisitos para a outorga da tutela antecipada. Citado por
Ovídio Baptista da Silva, Frederico Carpi ensina que o
direito estará exposto a uma situação que pode indicar
irreparabilidade de prejuízo, diante das seguintes
situações: a) quando houver impossibilidade de ocorrer
restituição ou repristinação à situação anterior; b) quando
o ato ou fato danoso implique na destruição de uma coisa
infungível, seja por haver a mesma cessado de existir, seja
por haver ela perdido uma qualidade que lhe era
essencial."18 (gn)
Ao comentar os requisitos para a concessão da tutela
antecipada, o Professor Luiz Guilherme Marinoni assim afirma:
"É possível a concessão da tutela antecipatória não só
quando o dano é apenas temido, mas igualmente quando o
dano está sendo ou já foi produzido.
18Fried, Reis. Tutela antecipada, tutela específica e tutela cautelar, Belo Horizonte:Del Rey, 1998.
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Nos casos em que o comportamento ilícito se caracteriza
como atividade de natureza continuativa ou como
pluralidade de atos suscetíveis de repetição, como, por
exemplo, nas hipóteses de concorrência desleal ou de
difusão notícias lesivas à personalidade individual, é
possível ao juiz dar a tutela para inibir a continuação da
atividade prejudicial ou para impedir a repetição do ato."
(in "A Antecipação da Tutela na Reforma do Processo
Civil", Ed. Malheiros, p. 57).
A propósito, o mesmo MARINONI, destaca, com muita
propriedade, que a "disputa pelo bem da vida perseguido pelo autor, justamente
porque demanda tempo, somente pode prejudicar o autor (que tem razão) e
beneficiar o réu (que não a tem)" (in "Tutela Antecipatória, Julgamento Antecipado e
Execução Imediata da Sentença", Ed. RT, 1997, p.18).
Para ele isto "demonstra que o processo jamais poderá dar
ao autor tudo aquilo e exatamente aquilo que ele tem o direito de obter ou que jamais o
processo poderá deixar de prejudicar o autor que tem razão. É preciso admitir, ainda que
lamentavelmente, a única verdade: A DEMORA SEMPRE BENEFICIA O RÉU
QUE NÃO TEM RAZÃO" (sic - maiúsculas e grifos da autora - Ob. Citada, p. 19).
Consequentemente, entende MARINONI que:
"se o processo é um instrumento ético, que não pode
impor um dano à parte que tem razão, beneficiando a
parte que não a tem, é inevitável que ele seja dotado de
um mecanismo de antecipação da tutela, que nada
mais é do que uma técnica que permite a distribuição
racional do tempo do processo" (sic - Ob. cit., p. 23,
grifos da autora).
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Assim, de acordo com MARINONI, se:
"incumbe ao autor provar o que afirma, UMA VEZ
PROVADO (OU INCONTROVERSO) O FATO
CONSTITUTIVO, não há motivo para ele ter que
esperar o tempo necessário para o réu provar o que
alega, especialmente porque este pode se valer da
exceção substancial indireta apenas para protelar a
realização do direito afirmado pelo autor" (sic - Ob.
cit., p. 36 - maiúsculas e grifos da autora).
Desta forma, estando a situação fática em questão a exigir
urgente segurança jurisdicional, ante o efetivo perigo da ocorrência de gravame
irreparável, a seguir tratado, plenamente cabível a antecipação dos efeitos da
tutela no que diz com este feito.
É inquestionável que se configura igualmente o
periculum in mora, pois não é mais possível que permaneçam os colatinenses
desamparados, tomados pela incerteza de estarem consumindo ou não água com a
potabilidade ideal, com hipótese inclusive de contrair doenças.
Neste diapasão, indiscutivelmente configurados os requisitos ensejadores da
concessão do pedido liminar acima, nada mais que justo deferi-lo para:
a) bloquear o importe de 2.000.000,00 (dois bilhões de reais) dos Réus
a fim de garantir futura execução por cumprimento de sentença em
razão do dano moral coletivo que é certo.
b) seja decretado o afastamento do sigilo fiscal da SAMARCO
MINERAÇÃO S/A (CNPJ 16.628.281/0001-61), BHP BILLITON
BRASIL LTDA (CNPJ 42.156.596/0001-63) e VALE S/A (CNPJ
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33.592.510/0001-54), determinando-se que a Receita Federal do
Brasil, forneça diretamente ao Ministério Público Federal,
Procuradoria da República no Município de Colatina/ES, as
declarações de ajuste anual para fins de Imposto de Renda e os
dossiês integrados com todas as bases de dados para pessoa física e
jurídica (Extrato DW, Cadastro CPF, Ação Fiscal, CADIN, CC5
entradas, CC5 Saídas, CNPJ, Coleta, Conta Corrente PF, Compras
DIPJ Terceiros, DAI, DCPMF, DIMOF, Derc, Dimob, Dirf, DIRPF,
DOI, ITR, Rendimentos DIPJ, Rendimentos Recebidos PF, Siafi,
Sinal, Sipade, Vendas DIPJ Terceiros, cartões de crédito, notas
fiscais) das pessoas listadas, em relação aos anos de 2010 a 2014,
devendo tais documentos ser fornecidos em arquivos nos formatos
.pdf e .xls (planilha eletrônica excel);
c) Seja autorizado o uso do acervo probatório das medidas cautelares
pleiteadas no âmbito de procedimentos criminais e cíveis
instaurados pelo Ministério Público para as providências de sua
alçada, instrumentalizando as ações judiciais a serem interpostas em
suas respectivas esferas de atribuições.
d) Seja autorizado o acesso e o compartilhamento, sem restrições, das
provas obtidas por meio deste expediente por Servidores do
Laboratório de Tecnologia contra Lavagem de Dinheiro – LAB-
MPES, Auditores Fiscais da Secretaria de Estado da Fazenda do
Espírito Santo e da Receita Federal do Brasil, podendo referidas
instituições utilizar os documentos e dados coletados em
lançamentos administrativos e procedimentos disciplinares a seu
encargo e municiar seus respectivos procedimentos investigatórios;
e) a decretação de segredo de justiça, com expressa disposição de que
somente seja dado vista dos autos e extração de cópias, mediante
autorização judicial, a fim de que sejam resguardadas informações e
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documentos constitucionalmente protegidos e evitar a divulgação de
dados, muitas vezes irreparáveis às pessoas investigadas e à própria
apuração dos fatos.
f) determinando-se que a BHP BILLITON BRASIL LTDA forneça
diretamente ao Ministério Público os balanços contábeis, registrados
na junta comercial, em relação aos anos de 2010 a 2014, bem como
relação nominal de bens imóveis de sua propriedade, com certidão
ônus, e registro de eventuais aeronaves.
g) Requisitar ao Comando do 8º Batalhão da Polícia Militar de
Colatina para que envie cópia de todas as ocorrências envolvendo os
distúrbios civis em Colatina em razão da disputa pela água;
h) Requisitar à Agência Nacional de Àguas para que envie ao Juízo
toda e qualquer perícia e levantamento realizados no que tange ao
rompimento da barragem do Fundão em Mariana/MG;
i) Requisitar ao Departamento Nacional de Produção Mineral para
que envie ao Juízo toda e qualquer perícia e levantamento no que
tange ao rompimento da barragem do Fundão em Mariana/MG;
j) Requisitar ao Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recurso
Hídrico – IEMA e a Agencia Estadual de Recursos Hídricos/ES que
enviem ao Juízo toda e qualquer perícia e levantamento no que
tange ao dano sofrido na Bacia do Rio Doce e na Zona Costeira
Capixaba bem como os demais danos ocasionados pela lama de
rejeitos;
k) Comunicação à CVM – Comissão de Valores Mobiliários a respeito
da propositura da presente demanda em face das rés;
VII – DOS PEDIDOS
Ante o exposto, requer o Ministério Público:
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a) a concessão "inaudita altera parte" de medida liminar, nos moldes do art.
273, I do CPC c/c os artigos 11 e 12 da Lei 7.347/85 e artigo 84, §§ 3.º e 4.º do CDC ,
para que seja bloqueado o importe de 2.000.000,00 (dois bilhões de reais) dos Réus a
fim de garantir futura execução por cumprimento de sentença em razão do dano moral
coletivo que é certo, sendo necessário apenas a formalização do rito processual haja
vista a evidência probatória, tudo na forma preconizada pelo SISTEMA BACEN-JUD;
b) a desconsideração da personalidade jurídica dos Requeridas, nos moldes
do art. 28, do CDC;
c) sejam os réus citados, através dos seus representantes legais – atentando-
se para a expedição de Carta Precatória – para apresentar, se assim o desejarem,
contestação à presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, sob pena de revelia e demais
cominações legais;
d) seja, ao final, julgada procedente a presente ação, para cominar a cada um
dos requeridos o pagamento de danos morais difusos, cujo valor sugerido acima será
revertido em favor do Fundo Municipalde Defesa do Meio Ambiente, para ser utilizado
em ações protetivas ao meio ambiente, com a finalidade de desestimular as práticas
lesivas descritas na inicial, no importe mínimo de R$ 2.000.000,00 (dois bilhões de
reais);
e) Requer-se, desde logo, a dispensa do pagamento de custas, emolumentos
e outros encargos, de acordo com o art. 18 da Lei da Ação Civil Pública e art. 87 do
Código de Defesa do Consumidor.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitido,
inclusive pela inversão do ônus da prova (artigo 6.º, inciso III, do CDC), depoimento
pessoal dos representantes legais das requeridas, perícias e vistorias, inspeções judiciais,
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prova testemunhal e produção de documentos complementares que, ficam todos desde
já expressamente requeridos.
Dá-se à causa o valor de R$ 2.000.000,00 (dois bilhões de reais).
Termo em que,
P. Deferimento,
Colatina/ES, 15 de janeiro de 2015.