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MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO ESTADO QUINTA PROCURADORIA DE CONTAS p. 1 EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA CONSELHEIRA PRESIDENTE(A) DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ, vem, através do Procurador de Contas que esta subscreve, no desempenho de sua missão institucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e a guarda da lei, nos termos delineados no art. 11 de sua Lei Orgânica (Lei Complementar nº 9/1992, com redação dada pela Lei Complementar nº 85/2013) e com fulcro nos artigos 130

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MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO ESTADO

QUINTA PROCURADORIA DE CONTAS

p. 1

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA CONSELHEIRA PRESIDENTE(A) DO

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ

MINISTÉRIO PÚBLICO DE CONTAS DO ESTADO DO PARÁ, vem,

através do Procurador de Contas que esta subscreve, no desempenho de sua missão

institucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e a guarda da lei,

nos termos delineados no art. 11 de sua Lei Orgânica (Lei Complementar nº 9/1992,

com redação dada pela Lei Complementar nº 85/2013) e com fulcro nos artigos 130

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da Constituição Federal e 41 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do

Pará, oferecer a seguinte

REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR

em face da Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do

Pará – ARCON-PA, a ser representada por seu Diretor Geral, o Sr. Bruno Henrique

Reis Guedes, pelos fundamentos de fato e de direito que se passa a expor.

I. DA SÍNTESE FÁTICA

Em recentes viagens aos municípios localizados nos arredores da

capital paraense, mais especificamente os presentes na região de Barcarena e

Abaetetuba, este representante ministerial teve a oportunidade de fazer uso dos

serviços de transporte intermunicipal público rodoviário e hidroviário.

Na ocasião, pude verificar importantes falhas dos serviços de transporte

intermunicipais, o que me foi corroborada a partir de depoimentos de usuários

frequentes. Ônibus e embarcações muitas vezes em estado de espoliação: veículos

antigos e desprovidos de equipamentos de segurança; desconforto para os usuários,

falha nos sistemas de refrigeração condicionada; carência de condições ideais de

limpeza e higiene, especialmente nos banheiros, cenários que, aparentemente,

compõem o cotidiano da malha de transporte intermunicipal de passageiros.

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Dentro desta quadra de má prestação do serviço de transportes

públicos intermunicipais de passageiros, há de se questionar a efetividade das ações

fiscalizadoras da Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do

Pará – ARCON/PA, criada com o objetivo precípuo de exercer a fiscalização da

execução dos serviços públicos de competência do Estado, inclusive aqueles

delegados e operados pelo setor privado.

Ao que parece, as ações da ARCON/PA não têm sido suficientes para

garantir, ao usuário dos serviços de transporte intermunicipal, as condições básicas

para um deslocamento seguro e minimamente confortável, o que pode, inclusive,

descortinar possível descumprimento das finalidades institucionais do ente regulador,

e falhas na averiguação da qualidade do serviço prestado pelas concessionárias.

Eis os fatos, expostos em aligeirada síntese.

Passemos ao cotejo jurídico.

II. DO DIREITO.

A. DO CABIMENTO E DA LEGITIMIDADE ATIVA.

O consagrado direito à petição, de salvaguarda constitucional, é

instrumentalizado nos Tribunais de Contas através do manejo de representações e

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denúncias. Visam ambos os institutos a um fim único: levar ao Tribunal de Contas o

conhecimento de ato administrativo reputado ilegal, ilegítimo, ou antieconômico,

clamando pela atuação da Corte na sua devida apuração e correição.

O que difere, fundamentalmente, a denúncia da representação, é a

qualidade do sujeito ativo, posto serem as denúncias disponíveis a qualquer um do

povo, ao passo que as representações possuem rol de legitimados ativos

taxativamente expressos, correspondentes a determinadas autoridades públicas com

atribuição e dever de zelar pelo bom desempenho do controle externo.

No âmbito do Tribunal de Contas do Pará não é diferente.

Denúncia e representação são tratadas na mesma sessão da Lei

Orgânica, e sua regulação básica se extrai a partir dos art. 39 a 42 da LOTCE/PA.

Ei-los:

“Denúncias e Representações

Art. 39. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é

parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o

Tribunal de Contas do Estado.

Art. 40. A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal deverá

referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser

redigida em linguagem clara e objetiva, conter o nome legível do

denunciante, sua qualificação e endereço, e estar acompanhada de prova

ou indício concernente ao fato denunciado ou à existência de ilegalidade

ou irregularidade.

Art. 41. A representação deverá ser encaminhada ao Presidente do

Tribunal de Contas ou ao Conselheiro Relator, conforme o caso:

I - pelos titulares dos controles internos dos órgãos públicos, sob pena

de serem considerados responsáveis solidários;

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II - por qualquer autoridade pública Federal, Estadual ou Municipal;

III - pelas equipes de inspeção ou de auditoria;

IV - pelos titulares das unidades técnicas do Tribunal.

Art. 42. A fim de preservar direitos e garantias individuais, o Tribunal de

Contas dará tratamento sigiloso às denúncias e representações, até

decisão definitiva sobre a matéria.

Parágrafo único. O denunciante não se sujeitará a qualquer sanção

administrativa, cível ou penal, em decorrência da denúncia, salvo em caso

de comprovada má-fé.”

Por sua vez, o Regimento Interno esmiúça o procedimento das

representações e denúncias do art. 226 ao artigo 234, deixando assente no art. 230

que “Julgada procedente a denúncia e depois de esgotado o prazo para eventual

recurso, a autoridade pública competente será notificada para as providências

corretivas e/ou punitivas cabíveis.”

Embora o artigo 230 só se refira às denúncias julgadas procedentes,

sua aplicabilidade abrange também as representações, de acordo com a norma

extensiva prevista no art. 234 “Aplicam-se às representações, no que couber, os

dispositivos constantes dos arts. 227 a 233.”

Ora, não se pode haver dúvidas do cabimento da presente

representação, já que a conduta administrativa impugnada diz respeito à matéria

inequivocamente da jurisdição da Corte de Contas (controle externo sobre entidade

pública estadual que regula a prestação de serviço público).

De outra banda, o autor da representação é o próprio Ministério

Público de Contas, a quem a Constituição Federal atribuiu a missão de zelar pela

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ordem jurídica no âmbito dos Tribunais de Contas, e que é, evidentemente,

autoridade pública estadual nos exatos termos no inciso II, do art. 41 da Lei orgânica

do TCE.

Aliás, a legitimidade e o protagonismo do Ministério Público de

Contas no oferecimento de representações é ilação que se extrai da própria lógica

do sistema dos Tribunais de Contas.

O que se pretende, portanto, por meio desta representação, é provocar

a exata conduta administrativa, de modo que o relevantíssimo serviço de transporte

público seja prestado da melhor maneira possível, de acordo com o que dispõe a

Constituição Federal de 1988 e demais legislações sobre o assunto.

B. DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Cunhado no período iluminista e elevado a modelo político econômico

de Estado no século XIX, no contexto da Revolução Industrial, que fervilhava na

Europa e nos Estados Unidos, o Liberalismo Clássico orientava uma total ruptura entre

a ordem política e econômica, com a limitação do poder do Estado pela lei.

Expoente máximo do liberalismo clássico, Adam Smith pregava uma

mínima intervenção do Estado na sociedade e sua ausência na economia,

sustentando a tese de que o mercado detinha o condão de atuar como mecanismo

autorregulador. Desta sorte, caberia ao Estado o desempenho de apenas três funções,

ditas essenciais: manutenção da segurança militar – proteção do país contra investidas

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de nações estrangeiras; administração da justiça; desenvolvimento de um sistema

judiciário capaz de garantir prerrogativas individuais; criação e manutenção de

determinadas instituições públicas – promover a instrução dos indivíduos e, por

conseguinte, facilitar o desenvolvimento econômico.1

A Grande Depressão, entretanto, revelou as fragilidades estruturais de

um mercado sem controle e a necessidade de o Estado regulá-lo para, diante dele,

não sucumbir. Assim, a crise de 1929 e as consequências oriundas da Segunda Guerra

Mundial abalaram, sobremaneira, o modelo de política econômica fundada no

liberalismo clássico. A ruptura entre a ordem política e econômica representou um

evidente fracasso na tentativa de concatenar o progresso eficaz e o necessário

desenvolvimento social.

Expostas as imperfeições do regime liberal clássico – distorções

econômicas e desequilíbrios internacionais, o Estado Social ganhou espaço no cenário

mundial. Nessa proposta político-econômica, o Estado tratou de assumir a posição de

agente direto da promoção social e organizador da economia.

Desse modo, o núcleo estatal passa a trabalhar com objetivo de corrigir

prejuízos sociais infringidos pelo regime liberal, razão pela emergem políticas públicas

de proteção dos direitos dos cidadãos, ao custo de um maior intervencionismo no

campo econômico, o que, envolveu, dentre outras formas, a monopolização de

1 SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Oxford: Clarendon

Press, 1979.

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serviços, que, por seu turno, resultou em considerável inchamento da estrutura

administrativa.

É o que se denominou de Welfare State.

Entretanto, a experiência de quase um século de ações intervencionistas

revelou um Estado ineficiente, endividado e incapaz de realizar investimentos nas

demandas sociais de relevância e urgência, como habitação, saúde, educação e

segurança pública. O Estado aparentemente falhou em sua pretensão de exercer o

papel de protagonista do progresso e desenvolvimento econômico.

A crise do Welfare State, ao fim do século XX, abriu espaço para os

novos ventos do Neoliberalismo, que já sibilavam desde o fim da década de 70.

Voltam, então, à baila, ideias como a de absoluta liberdade de mercado. A intervenção

do Estado na economia é severamente restringida e emergem conceitos, como de

minarquia ou “Estado Mínimo”, que visam limitar a atuação do Estado a setores

essenciais e imprescindíveis – segurança pública, promoção da justiça, exercício do

poder de polícia e elaboração da legislação necessária para o exercício dessas

funções.2

No Brasil, a reformulação política havida a partir da Constituição

Federal de 1988, ainda que calçada em fortes influências do arquétipo de Estado

2 SOUZA, Nilson Araújo. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula. São Paulo: Editora

Atlas, 2007.

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Social, assimilou aspectos da política neoliberal em voga. Nesse sentido, não me deixa

mentir o escólio de Daniel Sarmento:

“Com efeito, nossa Constituição, que consagra um modelo de Estado

do Bem-Estar Social, fortemente intervencionista, foi pega no

contrapé pela onda neoliberal que varreu o mundo na fase final do

séc. XX. Assim, a partir de 1995, o governo federal, (...) iniciou um

ciclo de reformas na ordem envolvendo a extinção de certas

restrições existentes ao capital estrangeiro (EC n. 6 e 7) e a

flexibilização de monopólios estatais sobre o gás canalizado, as

telecomunicações e o petróleo (EC n. 5, 8 e 9).”3

A política econômica passou, portanto, a ser orientada pelas seguintes

diretrizes: regime de metas de inflação voltado a preservar a estabilidade adquirida

com o Plano Real; maior abertura ao mercado internacional, fundada na livre flutuação

do câmbio; enxugamento da máquina pública; e austeridade nos gastos

governamentais.

Dentre os instrumentos eleitos para a concretização dessas metas,

podemos elencar: modernização do Estado; reformas de cunho estruturante; reforma

fiscal; e desestatização de empresas públicas, com a consequente delegação, ao

setor privado, de serviços públicos, até então exercidos com exclusividade pelo

Estado.

3 SARMENTO, Daniel. Os direitos fundamentais nos paradigmas liberal, social e pós-social – (pós-

modernidade constitucional?). In: SAMPAIO, José Adércio Leite (coord.). Crises e desafios da

Constituição. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. pp. 375-414.

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Como efetivação deste último, a Constituição restringiu a intervenção

do Estado na economia, limitando a exploração direta da atividade econômica às

hipóteses nela expressamente previstas. Eis a literalidade de seu art. 173:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a

exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será

permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional

ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

Concretizando o mandamento, podemos citar ainda o art. 175, que

prevê a delegação de serviços públicos a terceiros, alheios à Administração, por

intermédio dos regimes de concessão e permissão. In verbis:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou

sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação,

a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de

serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua

prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e

rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

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Assim, na toada da diretiva constitucional, foram promovidas inúmeras

privatizações (Programa Nacional de Desestatização, Lei Federal 8031/90), entregando

à iniciativa privada considerável parcela dos serviços públicos até então controlados e

exercidos de forma exclusiva pelo Estado, como fornecimento de energia, serviços de

telefonia, mineração e prospecção, dentre outros.

Todavia, em que pese o Estado haver transferido boa parte de suas

atividades, enquanto agente econômico, para a iniciativa privada, não houve uma total

alienação para com o mercado. O neoliberalismo implantado no Brasil, como evolução

do pensamento liberal clássico, criou mecanismos para corrigir as distorções no

campo econômico e garantir a ideal prestação dos serviços essenciais.

Há falar, portanto, em Neoliberalismo de Regulação ou Estado

Regulador. O papel regulador atribuído ao Estado, ao passo que o afasta do modelo

intervencionista, o distancia, também, da atuação direta no domínio econômico,

atribuindo-lhe a soberania da disciplina jurídica necessária à fiscalização dos serviços

públicos.4

4 BARROSO, Luís Roberto. Agências Reguladoras. Constituição, Transformações do Estado e

Legitimidade Democrática. In: Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Nº1,

janeiro/junho de 2003. pp. 285-317.

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Nesse contexto, advieram as emendas constitucionais nº 085 e 096,

ambas de 1995, que autorizaram a criação das hoje chamadas Agências Reguladoras –

pessoas jurídicas de direito público, integrantes da administração indireta, criadas, por

lei, sob a forma de autarquias de regime especial e dotadas de autonomia

administrativa, financeira e técnica, cujo objetivo é a implementação de um plano

regulatório dos serviços públicos prestados por outro ente da Administração Pública

ou por terceiros, concessionário, permissionário ou autorizatário do serviço público.

Dito plano regulatório consiste no disciplinamento, regulamentação,

fiscalização, e controle do serviço público prestado, de modo a garantir a adequação

do serviço (constitucionalmente assegurada); o respeito às regras estabelecedoras

da política tarifária; e a composição dos interesses entre todos os envolvidos na sua

prestação. Registre-se, que deste plano decorre, também, o exercício da atividade de

polícia administrativa, manifestado através do fomento das ações disciplinares, isto é,

por intermédio da aplicação de penalidades em razão da inobservância das regras

orientadoras da execução do serviço público.

5 Art. 21. Compete à União: [...] XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou

permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos

serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela

Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95)

6 Art. 177. Constituem monopólio da União: [...] § 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: [...] III

- a estrutura e atribuições do órgão regulador do monopólio da União; (Inciso incluído pela Emenda

Constitucional nº 9, de 1995)

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Às Agências Reguladoras, portanto, cabe papel primordial de

conciliação dos interesses dos agentes protagonistas do serviço público: o Estado, os

usuários e o concessionário. Nesta quadra, atuando como mediadora de diversos

interesses possivelmente contrapostos, as agências reguladoras não podem ser

capturadas, ainda que por omissão, por quaisquer dos agentes em face dos outros. O

risco da captura só pode ser afastado, ou mitigado, através de acompanhamento de

perto pelo controle externo das atividades regulatórias, tema que passamos a abordar.

C. DO CONTROLE EXERCIDO PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS

Diante das relevantíssimas atribuições outorgadas pela Constituição

Federal e sendo entidades autárquicas, ainda que criadas sob regime especial, as

Agências Reguladoras estão submetidas, pelo próprio texto constitucional, ao controle

externo da Administração Pública, exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos

Tribunais de Contas.

Sobre o regime constitucional dos Tribunais de Contas, Carlos Ayres

Britto assinala a singular generosidade de prerrogativas conferidas aos Tribunais de

Contas pelo constituinte de 1988, em exata proporcionalidade com o vasto rol de

responsabilidades que o mesmo constituinte o outorgou. Em suas palavras:

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Nenhuma instituição pública foi tão generosamente contemplada pela

Constituição como os Tribunais de Contas. Claro que o mesmo se pode

dizer, desse apreço, do Poder Judiciário e do Ministério Público, ou seja,

as três instituições públicas que em rigor não governam, mas que

impedem o desgoverno, que não administram, mas impedem a

desadministração foram contempladas, invulgarmente, de modo até

generoso pela Constituição de 19887.

E não poderia ser de outra maneira.

Para o desencargo de deveres finalísticos vultosos, imprescindível o

estabelecimento de poderes instrumentais equivalentemente abundantes, pois aos

Tribunais de Contas se defere a missão de zelar por umas das balizas do sistema

Republicano: o julgamento das contas de todos aqueles que venham a gerir

recursos públicos – assim como a apuração de denúncias populares acerca de

irregularidades e ilegalidade envolvendo o uso de tais recursos. Trata-se, portanto,

de verdadeiro Tribunal da República.

Levando em conta esses poderes e prerrogativas, podemos concluir

que o controle exercido pelas Cortes de Contas vai além do exame de regularidade

contábil, orçamentária e financeira dos atos praticados pelas entidades integrantes da

Administração, cumprindo-lhes, também, o exame de economicidade, eficácia e

7 BRITTO, Carlos Augusto Ayres. O regime jurídico do ministério público de contas. Revista Diálogo

Jurídico, Salvador – Bahia – Brasil, ano I, número 9, dezembro 2001. Disponível em:

<http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001-CARLOS-AYRES-

BRITTO.pdf>. Acesso em: 24 ago. 2016.

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eficiência das ações administrativas, de modo a confrontar os seus resultados com os

objetivos estabelecidos pela lei de criação de cada órgão.

Não por outro motivo, a Constituição Federal conferiu, expressamente,

ao Tribunal de Contas, o poder de realizar auditorias, inclusive de natureza

operacional, conforme prescrito no inciso IV, do art. 71:

“Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será

exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual

compete:

IV - realizar, por iniciativa própria, da Câmara dos Deputados, do

Senado Federal, de Comissão técnica ou de inquérito, inspeções e

auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional

e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo,

Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;”

Desse modo e especificamente em relação às Agências Reguladoras,

cumpre aos Tribunais de Contas, dentre outras atribuições, verificar se estão sendo

atingidas as finalidades decorrentes de sua criação.

Assim, às Cortes de Contas compete o exercício da atividade

fiscalizatória de segunda ordem, isto é, cumpre aos Tribunais de Contas verificar

se as Agências reguladoras estão fielmente cumprindo suas metas institucionais,

dentre elas a efetiva fiscalização da prestação dos serviços públicos de modo a

serem prestados a contento aos usuários.

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O controle exercido pelo Tribunal de Contas deve recair, portanto,

sobre as atividades da Agência Reguladora, de modo a aferir se a mesma está

fiscalizando adequadamente a execução do contrato de concessão celebrado,

especialmente no que tange ao atingimento das metas de qualidade assinaladas.

Nesse sentido, grassa a jurisprudência do Tribunal de Contas da União:

A fiscalização do cumprimento de metas de qualidade

previstas nos contratos de concessão de serviços públicos não

está abrangida na competência imediata do TCU. No exercício

do controle externo da Administração Pública Federal, não

compete ao Tribunal fiscalizar diretamente as empresas

delegatárias de serviço público, mas sim examinar se o poder

concedente está fiscalizando, de forma adequada, a

execução dos contratos celebrados. O controle exercido pelo

TCU incide diretamente sobre a agência reguladora e

mediatamente sobre as delegatárias. Acórdão 909/2015-

Plenário | Relator: VITAL DO RÊGO

A atuação do controle externo nas atividades finalísticas das

agências reguladoras limita-se a fiscalização de segunda

ordem, respeitando os limites de atuação e a autonomia

funcional daquelas entidades, não cabendo ao TCU avaliar, em

casos concretos específicos, a correção das normas editadas

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por entidades regulatórias. Acórdão 2071/2015-Plenário |

Relator: VITAL DO RÊGO

Não compete ao TCU fiscalizar diretamente as empresas

delegatárias de serviço público, mas sim examinar se o poder

concedente está fiscalizando de forma adequada a execução

dos contratos com elas celebrados. Acórdão 1089/2016-

Plenário | Relator: BRUNO DANTAS

Ao assumir a atividade fiscalizatória de segundo grau, o Tribunal de

Contas da União contribui para eficácia do modelo de Estado Regulador, cujo objetivo

primordial é o alcance da boa e eficiente prestação dos serviços públicos. Pleiteia-se,

portanto, o exercício de atividade de fiscalização de controle externo sobre a

fiscalização empreendida pelas agências reguladoras, em atuação nitidamente de

segunda ordem e ancilar. Fincadas estas premissas, passemos aos detalhes do caso.

D. DA FALTA DE FISCALIZAÇÃO E CONSEQUENTE PRECARIEDADE

DOS TRANSPORTES PÚBLICOS INTERMUNICIPAIS

No Estado do Pará, a Lei Estadual 6.099/97 criou a Agência de

Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará – ARCON/PA, que, no

âmbito de suas atribuições, é responsável por exercer as atividades de regulação da

prestação dos serviços públicos concedidos, permitidos e autorizados.

Vejamos a literalidade do art. 2º, I, da Lei 6.099/97:

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Art. 2º - À Agência de Regulação e Controle de Serviços Públicos do

Estado do Pará - ARCON-PA compete, observado o disposto no art.

1º desta Lei: (NR)

I - regular a prestação dos serviços concedidos, permitidos e

autorizados, através de normas, recomendações, determinações e

procedimentos técnicos, bem como cumprir e fazer cumprir a

legislação referente a esses serviços;

Dentre os serviços públicos de competência do Estado do Pará8,

encontra-se o Transporte Intermunicipal de passageiros, seja ele hidroviário, seja ele

rodoviário – atualmente prestado mediante regime de concessão e/ou permissão –

sujeito, portanto, à fiscalização da ARCON/PA.

Nesta seara, a atividade regulatória da ARCON/PA pode ser dividida em

regulação técnica e regulação econômica. A regulação técnica busca principalmente a

garantia da segurança aos passageiros e usuários da dos transportes intermunicipais

por meio de regulamentos que tratam sobre a certificação e fiscalização dos

transportes, seja na garantia da segurança nas operações terrestres e hidroviárias, seja

na manutenção de pontos e terminais de passageiros. Já a regulação econômica

refere-se ao monitoramento e possíveis intervenções no mercado de modo a buscar a

máxima eficiência

8 “A competência para legislar a propósito da prestação de serviços públicos de transporte

intermunicipal é dos Estados-membros. Não há inconstitucionalidade no que toca ao benefício,

concedido pela Constituição estadual, de "meia passagem" aos estudantes nos transportes coletivos

intermunicipais.” ADI 845, rel. min. Eros Grau, j. 22-11-2007, P, DJE de 7-3-2008.]

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Cumpre, portanto, à ARCON/PA zelar pelos direitos do consumidor,

garantindo ao usuário um transporte público com padrões adequados de qualidade,

segurança, desempenho e preço justo. Não me deixa mentir o caput, art. 20, da Lei

Estadual 6.099/97:

Art. 20. O exercício das atividades de regulação e controle da

prestação dos serviços públicos se fará segundo os dispositivos

legais que disponham sobre a prestação dos mesmos, a garantia

do direito dos consumidores, a garantia da ordem econômica, a

defesa da economia popular, a preservação do meio

ambiente, a defesa da vida e a saúde pública, e o que

dispuserem, de modo específico, as leis, regulamentos, normas,

instruções e, em especial, os contratos de concessão e os

instrumentos de permissão e autorização para a prestação dos

serviços.

Para atingir sua finalidade institucional, é necessário que as atividades

fiscalizatórias desempenhadas pela ARCON/PA sejam adequadamente divididas,

organizadas e coordenadas.

Ocorre que, ao que parece, a Agência Reguladora dos serviços públicos

no Estado do Pará vem falhando no tocante ao seu importantíssimo dever de

fiscalização da prestação dos serviços de transporte público intermunicipal de

passageiros.

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Como já relatado no pórtico desta Representação, este membro do

Parquet de Contas realizou recente viagem aos Municípios circunvizinhos à cidade de

Belém e pôde verificar, in loco, a precariedade de alguns dos equipamentos

disponibilizados pelas delegatárias dos serviços de transporte intermunicipal de

passageiros. Os serviços em tablado, ao que nos pareceu, vêm sendo prestados muito

aquém da adequação e segurança necessárias, muitas vezes ao arrepio de normas

básicas de transporte, como pela ausência de cinto de segurança, e outras vezes pelo

uso de veículos absolutamente desconfortáveis, que sequer detém os aparelhos de ar

condicionado funcionado em circunstância de calor extremo.

Ora, o art. 22, do Código de Defesa do Consumidor evidencia, com

clareza meridional, o dever do Poder Público, e de seus delegatários, de prestar um

serviço de qualidade:

Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,

permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento,

são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e,

quanto aos essenciais, contínuos.

Todavia, essa não é a realidade dos serviços consumidos pelos usuários

dos transportes públicos intermunicipais no Pará. Pelo contrário. Quanto aos veículos

rodoviários, o usuário se depara com equipamentos antigos, bancos quebrados, falta

de ventilação, higiene ruim, atrasos, e constante quebras, dentre outras mazelas que

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podem ser evidenciadas através das fotografias registradas pelo subscritor desta

Representação, e também por outros populares que lá estavam.

VEÍCULOS COM CONSTANTES PROBLEMAS DE QUEBRA

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A constante quebra dos veículos e embarcações, a mim relatadas por

usuários costumeiros do serviço público, também põem em xeque a existência de

fiscalização da ARCON acerca das revisões mecânicas periódicas sobre eles.

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BANCOS ENFERRUJADOS E DANIFICADOS

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EQUIPAMENTO DE VENTILAÇÃO DANIFICADO E CALOR

EXCESSIVO

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PÉSSIMAS CONDIÇÕES DE HIGIENE

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FALTA DE ESTRUTURA NOS PONTOS DE EMBARQUE E

DESEMBARQUE

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As viagens intermunicipais não oferecem apenas uma experiência

desconfortável aos usuários, mas põe em xeque, também, a sua segurança, uma vez

que grande parte da frota que faz o transporte rodoviário não conta com

equipamentos de segurança mínimos. Os cintos de segurança, por exemplo,

dispositivo indispensável nos veículos automotores destinados a transporte de

passageiros, nos termos do art. 105, do Código de Trânsito9, são raros, sendo poucos

os assentos que contam com um perfeito estado.

9 Art. 105. São equipamentos obrigatórios dos veículos, entre outros a serem estabelecidos pelo

CONTRAN: I - cinto de segurança, conforme regulamentação específica do CONTRAN, com exceção

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dos veículos destinados ao transporte de passageiros em percursos em que seja permitido viajar em

pé;

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A péssima prestação não se limita apenas ao transporte rodoviário,

mas, também, ao hidroviário. Os barcos que realizam o transporte de passageiros

entre os municípios nas circunvizinhanças de Belém, e aqui chamo atenção para rota

para Barcarena e Abaetetuba, bem como os terminais de desembarque também

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apresentam graves falhas estruturais, expondo a vida e a integridade física dos

passageiros a risco.

Tal qual os ônibus, muitas vezes as embarcações contam com assentos

enferrujados, banheiros em condições de higiene degradantes, desconforto e

dificuldade de acesso para portadores de necessidades especiais.

Já os terminais de desembarque recebem fluxo de pessoas acima da

sua capacidade de operação e operam em desacordo com normas ditadas pela

agência reguladora10.

10 Resolução 009/00 – ARCON/PA - Art. 20 - Caberá à ARCON homologar os terminais hidroviários

intermunicipais, para embarque e desembarque dos usuários, ficando sob a responsabilidade das

empresas operadoras a administração e manutenção dos mesmos.

§ 1º - A homologação do terminal hidroviário estará condicionada a sua localização, disponibilidade

de áreas e instalações compatíveis com o movimento de usuários e a apresentação de padrões

operacionais adequados de segurança, higiene e conforto, devendo o mesmo conter em sua

estrutura física, além das rampas e pátio de acomodação de veículos, no mínimo, guichês de vendas

de passagem, banheiros masculino e feminino, área de espera para os usuários e telefone público.

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p. 34

Além disso, ao que parece, às embarcações não é dada frequente

manutenção, uma vez que as quebras, segundo o depoimento de populares, são

recorrentes e, geralmente, ocorrem em meio à travessia, o que demanda a ida de

outra embarcação para completar o trajeto, causando atrasos e transtornos para os

usuários. Eis o flagrante de um barco, que fazia o transporte de passageiros Belém –

Abaetetuba, estancado no trajeto, que teve de recorrer a outra embarcação para

finalizar a viagem dos usuários.

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p. 35

Toda essa miríade de disfunções é, possivelmente, reflexo de

fiscalização inadequada sobre a manutenção dos padrões de qualidades da prestação

do serviço.

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Nessa toada, pinçamos o art. 35, da Resolução 009/00, que disciplina a

operação do serviço hidroviário intermunicipal de travessias. Referido dispositivo

estabelece que a agência reguladora deverá proceder controle permanente de

qualidade dos serviços, fazendo uso, inclusive, de auditorias operacionais para

avaliação da capacidade técnica das empresas delegatárias. In literis:

Art. 35 – Consideram-se como indicadores de boa qualidade dos

serviços prestados:

I- as condições de segurança, conforto e higiene dos equipamentos e

dos pontos iniciais e terminais das travessias;

II- o cumprimento das condições de regularidade, continuidade,

pontualidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade e

cortesia na respectiva prestação;

III- o índice de acidentes em relação às viagens realizadas;

IV- o desempenho profissional do pessoal da empresa operadora.

§ 1º - A ARCON procederá o controle permanente da quantidade e

da qualidade dos serviços, valendo-se inclusive da realização de

auditorias para avaliação da capacidade técnico-operacional da

empresa operadora.

§ 2º - A ARCON, mediante norma complementar, estabelecerá os

critérios à avaliação do desempenho dos serviços prestados pelas

empresas operadoras.

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Todavia, diante da situação dos serviços prestados, é difícil imaginar

que este controle de qualidade esteja sendo efetivamente posto em prática pela

agência reguladora.

O cenário por este representante verificado, e reforçada por

depoimentos de outros usuários, sugerem que os serviços de transporte

intermunicipal de passageiros não estão sendo prestados em total respeito ao

estabelecido na legislação correlata, refletindo possível incapacidade da Agência de

Regulação e Controle de Serviços Públicos do Estado do Pará – ARCON/PA na

execução de seu precípuo dever de fiscalização, o que demanda atuação imediata e

resoluta atuação de controle de segunda ordem desta Corte de Contas, de modo a

garantir a pronta e efetiva atuação do ente regulador, garantindo, assim, a adequada

prestação dos serviços públicos à população paraense.

De outro lado, também não detectamos com facilidade canais de

comunicação dos usuários do serviço público com a ARCON, e nem pontos de

recepção de reclamações nos principais locais de fluxo de passageiros, o que denota

fragilidade da Agência no incentivo do controle social, que por ser difuso, cotidiano e

próximo, é sempre o mais importante e efetivo.

Anote-se, uma vez mais, que não se requer aqui a atuação

fiscalizatória do TCE diretamente sobres os serviços delegados, mas sim o

exercício do controle externo de segunda ordem de averiguação dos

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procedimentos fiscalizatórios e organizacionais da ARCON no cumprimento de

seus deveres institucionais.

E. REALIZAÇÃO DE INSPEÇÃO JUNTO A ARCON/PA

No caso em estudo, e diante do quadro fático assinalado, mostra-se

imperiosa a realização de Inspeção junto à Agência de Regulação e Controle de

Serviços Públicos do Estado do Pará – ARCON-PA com especial desiderato de

avaliar a sua atuação no acompanhamento dos contratos de permissão e

concessão de transportes intermunicipais de passageiros e na fiscalização do

serviço.

Como se sabe, a inspeção, tal qual a auditoria, tem por finalidade a

obtenção de informação e conhecimento acerca da legalidade e ou dos resultados

das finanças, atividades, projetos, programas, políticas e órgãos governamentais.

Por intermédio de procedimentos específicos, aplicados no exame de

registros e documentos e na obtenção de informações e confirmações, a inspeção

colhe os elementos necessários para se verificar se determinada situação está em

conformidade com legislação aplicável.

Os procedimentos de inspeção, no âmbito desta Corte de Contas, estão

previstos nos art. 82 e 83, do Regimento Interno:

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Art. 82. Inspeção é o instrumento de fiscalização utilizado para suprir

omissões, esclarecer dúvidas, apurar a legalidade, a legitimidade e a

economicidade de atos e fatos específicos praticados por qualquer

responsável sujeito à sua jurisdição, bem como para apurar

denúncias ou representações.

Art. 83. As Inspeções classificam-se em:

I - ordinárias: visam a suprir omissões, falhas ou dúvidas e esclarecer

aspectos atinentes a atos, documentos ou processos em exame,

podendo ser determinadas pelo Diretor do Departamento de

Controle Externo, pelo Relator ou pelo Tribunal Pleno, conforme o

caso;

II - extraordinárias: têm como objetivo o exame de fatos ou

ocorrências cuja relevância ou gravidade exija apuração em caráter

de urgência, e serão ordenadas pelo Tribunal Pleno, por proposta do

Relator ou do Ministério Público junto ao Tribunal.

Parágrafo único. O ato que determinar a inspeção extraordinária

indicará o objeto e assinará o prazo para a sua realização e

encaminhamento do relatório conclusivo ao Relator, competindo ao

Tribunal Pleno decidir sobre a prorrogação desse prazo, se necessário

Como visto, cabe Inspeção, seja ordinária ou extraordinária, na hipótese

em que é necessário instruir representações.

É o caso.

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A situação da prestação dos serviços de transportes de passageiros

intermunicipais está longe do ideal e vem causando incontáveis prejuízos aos usuários.

Necessário, portanto, que se verifique como vem sendo articulada a

atividade fiscalizatória da ARCON, colhendo dados, dentre outras coisas, sobre os

procedimentos de auditoria que a Agência vem tomando junto aos concessionários

no ano corrente e no anterior, a existência de punições já aplicadas, as técnicas de

medição e aferição dos índices de qualidade presente nos contratos de concessão de

transportes hidroviários e rodoviários, a compatibilidade do número de servidores da

ARCON com a abrangência do objeto fiscalizado, a existência de canais efetivos e

relevantes de comunicação com usuários, com a análise do número de reclamações

recebidas e o tratamento dado a elas e a existência de coleta de denúncias pela

internet.

Importante, outrossim, pesquisar sobre a presença e efetividade de

regulamentações técnicas, e sua fiscalização, acerca da acessibilidade em prol de

portadores de necessidades especiais, a averiguação da eficiência dos mecanismos de

controle internos adotados, o nível de treinamento dos agentes de fiscalização, o grau

de independência do Conselho Estadual de Regulação e Controle dos Serviços

Públicos (Conerc), verificando as atas de suas reuniões, as discussões tomadas e os

processos de escolha dos representantes dos usuários e empresas operadoras de

modo a se evitar a captura, e tudo o mais que for necessário para um raio x completo

das atividades da entidade, e do cumprimento de sua missão institucional.

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F. DA NECESSIDADE DE PROVIMENTO LIMINAR INAUDITA ALTERA

PARS PARA A INTENSIFICAÇÃO DA FISCALIZAÇÃO DA

PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL

DE PASSAGEIROS

Todo órgão com atribuição de julgamento possui, inerentemente à esta

função, o poder e o dever de zelar pela efetividade de suas decisões.

É por isso que a Lei Orgânica do TCE/PA fez por prever em seu artigo

88 a possibilidade de provimento cautelares pelo Tribunal.

Regulamentando o poder-dever da Corte em expedir medidas

cautelares, assim previu o Regimento Interno do TCE:

Art. 251. O Tribunal, no curso de qualquer apuração, determinará

medidas cautelares sempre que existirem fundamentos e provas

suficientes, nos casos de:

I - receio de grave lesão ao erário ou a direito alheio;

II - risco de ineficácia da decisão de mérito;

III - inviabilização ou impossibilidade da reparação do dano.

O MPC tem indiscutível legitimidade para requerer provimento cautelar:

Art. 253. São legitimados para requerer medida cautelar:

I - o Relator;

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II - o Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal.

§ 1º A iniciativa da hipótese prevista no inciso I poderá ser mediante

proposta da unidade técnica ou de equipe de fiscalização.

§ 2º Na ausência ou inexistência de Relator, compete ao Presidente

do Tribunal a adoção de medidas cautelares urgentes.

Mais à frente o Regimento traz exemplos de medidas cautelares

passíveis de deferimento:

Art. 252. São medidas cautelares aplicadas pelo Tribunal:

I - recomendação à autoridade superior competente do afastamento

temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que,

prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou

dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos

ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento;

II - indisponibilidade, por prazo não superior a um ano, de bens em

quantidade suficiente para garantir o ressarcimento dos danos em

apuração;

III - sustação de ato impugnado ou de procedimento, até que se

decida sobre o mérito da questão suscitada.

Parágrafo único. Será solidariamente responsável a autoridade

superior competente que, no prazo fixado pelo Tribunal, deixar de

atender à determinação prevista neste artigo.

De fato, não se pode entender como exaustivo o rol de medidas

cautelares previstas no artigo 252 do Regimento Interno, haja vista ser atribuído aos

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p. 43

Tribunais de Contas, na dicção do STF, verdadeiro poder geral de cautela, de modo a

preservar a efetividade de suas decisões corretivas e/ou punitivas.

Tal conclusão fora sacramentada pelo Pleno do STF, em processo cuja

ementa é a seguir transcrita:

PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. IMPUGNAÇÃO. COMPETÊNCIA DO TCU.

CAUTELARES. CONTRADITÓRIO. AUSÊNCIA DE INSTRUÇÃO. 1- Os participantes

de licitação têm direito à fiel observância do procedimento estabelecido na lei

e podem impugná-lo administrativa ou judicialmente. Preliminar de

ilegitimidade ativa rejeitada. 2- Inexistência de direito líquido e certo. O

Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de

licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº

8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do

seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas

cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas

decisões). 3- A decisão encontra-se fundamentada nos documentos acostados

aos autos da Representação e na legislação aplicável. 4- Violação ao

contraditório e falta de instrução não caracterizadas. Denegada a ordem.

(MS 24510, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em

19/11/2003, DJ 19-03-2004 PP-00018 EMENT VOL-02144-02 PP-00491 RTJ

VOL-00191-03 PP-00956)

No bojo do acórdão, os Ministros do STF concordaram quase à

unanimidade com a premissa lançada pelo Ministro Celso de Mello:

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“o poder cautelar também compõe a esfera de atribuições constitucionais do

Tribunal de Contas, pois se acha instrumentalmente vocacionado a tornar

efetivo o exercício, por essa Alta Corte, das múltiplas e relevantes

competências que lhe foram diretamente outorgadas pelo próprio texto da

Constituição da República. Isso significa que a atribuição de poderes explícitos

ao Tribunal de Contas, tais como enunciados no art. 71 da Lei Fundamental da

República, supõe que se lhe reconheça, ainda que por implicitude, a

titularidade de meios destinados a viabilizar a adoção de medidas

cautelares vocacionadas a conferir real efetividade às suas deliberações

finais, permitindo, assim, que se neutralizem situações de lesividade, atual ou

iminente, ao erário público”

A atribuição de um poder geral de cautela tem como consequência a

admissão de medidas cautelares atípicas, isto é, qualquer medida outra que, embora

não prevista expressamente na lei, mas que seja apta para sanar a lesão ao erário e

resguardar a jurisdição da Corte de Contas pode ser deferida pelo TCE.

Pois bem.

Na hipótese em cotejo, e considerando a gama de anomalias

identificadas na prestação do serviço em cotejo, mostra-se imperioso o deferimento

de medida cautelar que determine que a ARCON/PA tome, imediatamente e sob

caráter emergencial, as providências necessárias com escopo de intensificar as

ações de fiscalização relativas ao cumprimento das normas de segurança pelos

concessionários, em especial no tocante à presença e funcionamento adequado

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dos cintos de segurança, bem como de outros equipamentos essenciais para a

boa execução dos serviços, como estado dos pneus e freios dos ônibus, número

compatível de colete salva-vidas nos barcos, e assiduidade da revisão dos

veículos.

Por fim, cumpre salientar que o deferimento da medida cautelar é

imprescindível para mitigar possíveis riscos e transtornos aos usuários de transporte

intermunicipal de passageiros, que, diante de condições inseguras de transporte, ficam

verdadeiramente sujeitos a toda sorte de sinistralidades, como descortinou-se

evidente na tragédia do naufrágio com vários passageiros a bordo no Rio Xingu

deixando dezenas de mortos e famílias destruídas.11 O risco à segurança dos

passageiros é periculum in mora mais que eloquente da necessidade do deferimento

do pleito liminar.

Os pleitos cautelares devem ser coercitivos, com imposição de multa

para o dirigente da entidade no caso de descumprimento. Outrossim, a referida

medida cautelar manterá eficácia até o julgamento final desta Representação, nos

termos do previsto no art. 252, III, do Regimento Interno.

III. DOS PEDIDOS.

11 http://g1.globo.com/pa/para/noticia/nao-havia-controle-de-passageiros-diz-dono-de-barco-que-

naufragou-no-para-em-depoimento-a-policia.ghtml

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Ante o exposto, o Ministério Público de Contas do Estado do Pará

vem, com suporte na fundamentação jurídica ora expedida, requerer:

a) o recebimento e o processamento da presente Representação,

dando-lhe trâmite de urgência, haja vista o previsto no art. 42,

VIII, do Regimento Interno;

b) o deferimento de medida cautelar inaudita altera pars que assine

prazo expedido à ARCON-PA para que tome, imediatamente e sob

caráter emergencial, as providências necessárias com escopo de

intensificar as ações de fiscalização relativas ao cumprimento das

normas de segurança pelos concessionários, em especial no tocante

à presença e funcionamento adequado dos cintos de segurança,

bem como de outros equipamentos essenciais para a boa execução

dos serviços, como o estado dos pneus e os freios dos ônibus, o

número e a acessibilidade dos colete salva-vidas nos barcos, e

assiduidade da revisão dos veículos terrestres e fluviais;

c) a realização de inspeção nos moldes do art. 82 do Regimento

Interno, para que seja feita a instrução do processo de controle

externo, com especial detença sobre o desempenho da atividade

fiscalizatória da ARCON sobre as concessionárias de serviço público

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p. 47

de transporte intermunicipal de passageiros, colhendo e analisando

dados, dentre outras coisas, sobre:

1. o número, a forma e o resultado dos procedimentos de

auditoria que a Agência vem realizando junto aos

concessionários no ano corrente e no anterior,

2. as técnicas de medição e aferição dos índices de satisfação dos

serviços concedidos,

3. a compatibilidade do número de servidores da ARCON com a

abrangência do objeto fiscalizado,

4. a existência de canais efetivos e relevantes de comunicação com

usuários e de controle social, com a análise do número de

reclamações recebidas e o tratamento dado a elas e a existência

de coleta de denúncias pela internet,

5. a presença e a efetividade de regulamentações técnicas, e sua

fiscalização, acerca da acessibilidade em prol de portadores de

necessidades especiais,

6. a averiguação da eficiência dos mecanismos de controle

internos adotados,

7. o nível de treinamento dos agentes de fiscalização,

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8. a existência de mecanismo de avaliação periódica da qualidade

dos serviços;

9. estatísticas referentes à aplicação de penalidades

administrativas;

10. em que medida a estruturação da ARCON-PA favorece o

cumprimento de sua missão institucional no tocante ao

acompanhamento das concessões/permissões dos serviços;

11. a política de combate ao transporte clandestino e sua eficácia;

12. a verificação nos contratos de concessão da existência de

mecanismos de reversão de receitas não tarifárias em prol da

modicidade das tarifas12, bem como o uso de fórmulas de

12 A agência reguladora deve incluir na minuta de contrato de concessão mecanismo destinado a

garantir, durante a execução contratual, a reversão de receitas não tarifárias em prol da modicidade

das tarifas e/ou dos preços específicos praticados no próprio objeto da concessão. Acórdão

3234/2011-Plenário | Relator: AROLDO CEDRAZ

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p. 49

reversão de ganhos de eficiência e de produtividade em favor

dos usuários13, se debruçando a respeito;

13. o grau de independência do Conselho Estadual de Regulação e

Controle dos Serviços Públicos (Conerc), verificando as atas de

suas reuniões, as discussões tomadas e os processos de escolha

dos representantes dos usuários e das empresas operadoras de

modo a se evitar a captura,

14. tudo o mais que for necessário para um raio x completo das

atividades fiscalizatórias da entidade sobre os contratos de

concessão de transporte intermunicipal de passageiros, seja o

hidroviário, seja o rodoviário.

d) Identificadas anomalias e ineficiências na fiscalização da

execução dos serviços de transporte intermunicipal de passageiros,

que este Tribunal de Contas expeça determinações e

13 A agência reguladora deve utilizar fórmula de reversão de ganhos de eficiência e de

produtividade em favor dos usuários do serviço outorgado que efetivamente reflita o incremento de

eficiência e de produtividade obtido pela futura concessionária, a teor do que dispõe o art. 29, inciso

X, da Lei 8.987/1995 c/c o art. 7º, § 1º, do Decreto 7.624/2011. Acórdão 3233/2011-Plenário | Relator:

AROLDO CEDRAZ

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recomendações corretivas, com assinalamento de prazo razoável,

para que a ARCON-PA elabore e remeta Projeto de Gestão de

Fiscalização dos Serviços de Transporte Intermunicipal de

Passageiros, que englobe, sem prejuízo de outras especificidades:

1. Plano de capacitação permanente dos servidores que atuam

na área de fiscalização;

2. Revisão e atualização de normas regulamentares;

3. Elaboração de manuais de procedimentos fiscalizatórios;

4. Incremento do controle social pelos usuários dos serviços de

transporte público interestadual;

5. Respeito à acessibilidade pelos portadores de necessidades

especiais;

e) o monitoramento de todas as medidas ordenadas por esta

Corte, nos termos art. 85, I, do Regimento Interno desta E. Corte de

Contas;

f) em sendo determinada a elaboração do Projeto de Gestão de

Fiscalização dos Serviços de Transporte Intermunicipal, seja

deflagrado processo de validação e monitoramento do plano de

ação apresentado, nos termos do art. 85, III, do Regimento Interno,

a fim de avaliar o impacto da implementação do mesmo;

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g) ao fim, a procedência definitiva da presente Representação,

confirmando os termos das medidas cautelares aqui requeridas;

Nestes termos,

Pede e espera deferimento.

Belém, quarta-feira, 13 de setembro de 2017

PATRICK BEZERRA MESQUITA

Procurador de Contas

ANEXO: DVD COM REGISTROS FOTOGRÁFICOS