ministÉrio da educaÇÃo sec. de educ. continuada ... · diferentes esferas pedagógicas, como o...
TRANSCRIPT
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO SEC. DE EDUC. CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO, DIVERSIDADE E INCLUSÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA DO CERES ESP. EM HISTÓRIA E CULTURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
DISCENTE: THIAGO STEVENNY LOPES ORIENTADOR: PROF. Ms. ROSENILSON DA SILVA SANTOS
O TRÁFICO ATLÂNTICO E A AFRICANIZAÇÃO DO BRASIL:
UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA
CURRAIS NOVOS/RN
2016
THIAGO STEVENNY LOPES
O TRÁFICO ATLÂNTICO E A AFRICANIZAÇÃO DO BRASIL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA E UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Artigo apresentado como requisito para conclusão do Curso de Especialização em História e Cultura Africana e Afro Brasileira, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ensino Superior do Seridó, Departamento de História do CERES, orientado pelo Professor Ms. Rosenilson da Silva Santos e submetido à banca examinadora para avaliação e aprovação, condições para a conclusão do referido curso.
CURRAIS NOVOS/RN
2016
AGRADECIMENTOS
Entre horas e mais horas navegando sobre a temática em questão e sua
importância afim de ampliar nossos os conhecimentos e cumprir as tarefas
necessárias à conclusão do curso, não poderia deixar de lado os agradecimentos
necessários aos meus mais queridos colaboradores e familiares. Primeiramente
queria exaltar minha gratidão a todos os professores do curso que, durante um ano e
meio me abrilhantaram com os mais diversos conteúdos acerca da temática proposta
pela especialização, bem como pela paciência dos docentes conosco e sua ajuda tão
necessária em momentos difíceis do curso. Gostaria de especialmente deixar uma
gratidão particular ao meu mestre e orientador Professor Rosenilson da Silva Santos,
que sempre, com um sorriso no rosto e sua simpatia singular, me atendeu de maneira
cordial e profissional em todos os nossos contatos acadêmicos e, por que não,
pessoais, visto que o enxergo como um amigo muito especial, desde os tempos de
graduação, quando cumprimos, na mesma turma, o curso de História. Gostaria
também de agradecer aos meus familiares e a minha companheira, que me aturou e
teve a paciência necessária para considerar minha ausência em tempos de produção
textual e de estudos durante o curso como um todo, ademais gostaria também de dar
o meu testemunho em relação ao companheirismo e a boa convivência que marcaram
toda a turma do polo de Currais Novos durante o período de estudos dessa
especialização, a todos gostaria de dar o meu a mais sincero obrigado e deixar aqui
a mensagem de que todos, sem exceção continuarão a fazer parte da minha vida,
bem como das minhas memórias.
DEDICATÓRIA
Dedico o meu trabalho a todos os interessados em estudar e produzir
conhecimentos acerca das temáticas da história africana e afro brasileira, esta
empresa que se desenvolve paulatinamente e é de suma importância para o
desenvolvimento do nosso país como uma nação socialmente mais justa e
antirracista. Entendemos que este trabalho, assim como todos os outros que
envolvem a temática em questão são fundamentais na formação intelectual de nossos
educandos e na transformação dos mesmos como futuros cidadãos.
RESUMO
A prática pedagógica é fundamental na abordagem das aulas de história nos dias atuais, o professor precisa estar cada vez mais próximo da discussão dos conteúdos em sala de aula de uma maneira que envolva os temas relacionados a historiografia em sua prática cotidiana. A história africana e afro-brasileira são de fundamental importância para o trabalho das temáticas em sala de aula, haja vista que o cuidado e a complexidade dos assuntos requerem uma abordagem adequada para que os alunos realmente compreendam como se deu e se dá a herança africana na nossa cultura e história. No primeiro momento buscamos trabalhar a discussão sobre a captura, o transporte e a chegada dos cativos africanos ao território tupiniquim, e logo em seguida, objetivamos realizar um trabalho didático e interdisciplinar através de diferentes esferas pedagógicas, como o uso do livro didático, debates, seminários, vídeos e com a contribuição de colegas professores e das turmas do segundo ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Prefeito Aguitônio Dantas.
PALAVRAS CHAVES: Sala de aula, Prática Pedagógica. Tráfico Negreiro.
ABSTRACT
The textbook is still one of the main resources used by the teacher in the classroom.
Given this reality, we understand that the analysis and the interpretation thereof, with
regard to how the related issues are dealt with African and african-Brazilian history are
of fundamental importance to the work of the themes in the classroom, given that the
care and the complexity of the issues require an appropriate approach for students to
really understand how it gave and gives the African heritage in our culture and history.
At first we seek to work the discussion of the capture, transport and the arrival of
African slaves to tupiniquim territory, and soon after, we aimed to perform a teaching
and interdisciplinary work across different educational levels with the contribution of
fellow teachers and class of second year of high school at the State School of
Secondary education Mayor Aguitônio Dantas
KEYWORDS: Textbooks, Teaching Practice. Slave trafficking.
O TRÁFICO ATLÂNTICO E A AFRICANIZAÇÃO DO BRASIL UMA LEITURA HISTÓRICA E UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA
(...) Artigo 3º - são autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação, o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro de que concorrerem para ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair à apreensão no mar, ou em ato de desembarque sendo perseguida1.
A Lei Eusébio de Queiroz, publicada em setembro de 1850 apareceu como um
Norte disposto a pôr um fim ao tráfico de africanos para o Brasil, este que se arrastava
desde a primeira metade do século XVI, quando foi concebido como forma de
promover a integração, através da escravidão que o tráfico tornava possível, entre a
colônia portuguesa ao sul da América aos interesses do comércio atlântico e
transcontinental da era Moderna.
Sabe-se, através dos estudos contemporâneos da historiografia brasileira, que
acontecimentos em torno do tráfico, seu desenvolvimento, seu término e a própria
escravidão não são tão simples como no primeiro parágrafo deste texto pode dar a
entender. Compreende-se hoje que o processo de transporte, chegada e locação de
sujeitos africanos em nosso território foi bem mais complexo e desafiador do que se
imaginava.
Compreendemos, neste sentido, que um olhar mais atento sobre os processos
em torno dos quais o tráfico atlântico de africanos na Idade Moderna se desenvolveu
pode nos ajudar a entender, enquanto brasileiros, a importância da contribuição
africana para o desenvolvimento do nosso país como nação e da nossa cultura como
base na formação da nossa sociedade.
Partindo dessa premissa, entendemos ser de alta relevância o desdobramento
e a comunicação cotidiana nas escolas dos resultados das pesquisas e estudos que
versam sobre as temáticas da história e cultura africana e afro-brasileiras, como
1 O Governo imperial do Brasil, nas mãos dos saquaremas desde 1848, temendo uma ação efetiva da
Inglaterra, elaborou um projeto de lei, apresentado pelo Ministro da Justiça Eusébio de Queirós, ao
Parlamento, visando à adoção de medidas mais eficazes para a extinção do tráfico negreiro. O projeto,
convertido em lei em setembro de 1850, apoiado nos mais "sólidos princípios do direito das gentes,"
extinguia o tráfico de escravos entre África e Brasil punindo os descumpridores da lei, pelo menos na
teoria, mais sabe-se que a exportação de negros cativos para o Brasil continuou até o fim do século
XIX.
caminho para desenvolvimento do pensamento crítico social dos nossos alunos,
observando como o conhecimento histórico pode nos ajudar, não somente com a
formação docentes, mas também a despertar uma nova visão, entre professores e
alunos, sobre nós mesmos e nossa sociedade.
Neste sentido, da possibilidade e da importância de explorar as conexões entre
pesquisa e ensino, não podemos deixar de observamos de forma atenta o papel do
livro didático, especialmente o de história, no modelo atual de educação no Brasil. O
livro didático é uma importante ferramenta no processo de ensino e aprendizagem.
Com base nesta percepção, o trabalho em questão propõe uma investigação nos
livros didáticos utilizados nas séries do segundo ano da Escola Estadual de Ensino
Médio Prefeito Aguitônio Dantas, localizada no município de Frei Martinho, na região
do Seridó Paraibano, com vistas a entender como tais livros tratam do tráfico de
africanos entre a África e o Brasil, entre os séculos XVI e XIX. Vale destacar que,
nesta escola, o autor deste texto confere a profissão de professor de história, sendo
assim, poderemos colaborar, a partir deste texto, com a ampliação dos olhares sobre
o tema em tela.
Entendemos ainda ser fundamental realizar tal trabalho e despertar no nosso
alunado a prática da observação histórica crítica no material utilizado pelos mesmos,
apontando falhas, debatendo questionamentos e ampliando a discussão sobre a
história afro-brasileira, com o claro objetivo de produzir conhecimento e gerar cada
vez mais informações acerca da temática em questão, o que facilitaria a prática de
pesquisa, a aferição dos conteúdos e o engajamento em discussões pontuais acerca
da nossa história, mobilizando com isso nossas aulas e encorajando o espírito de
curiosidade e de produção científica em nossos alunos.
O texto se dividem em três momentos, exatamente como foi proposto no projeto
de pesquisa. Em um primeiro instante realizamos o levantamento histórico sobre a
temática do tráfico de africanos da África para a América e, a partir dela, apontando
os meandros da trajetória atlântica, desde o momento da captura dos indivíduos a
serem escravizados, os percursos e percalços da travessia, até a chegada no Novo
Mundo. Em uma segunda seção, propomos a análise dos livros utilizados na referida
escola, realizando trabalhos coordenados com equipes de alunos, a partir de leituras,
produção de textos e realização de seminários temáticos sobre conteúdos pré-
selecionados. No terceiro e último momento do texto apresentamos considerações
acerca do desenvolvimento do trabalho como um todo e sua experiência em sala de
aula.
1. TRÁFICO NEGREIRO: POVOS AFRICANOS DESTERRADOS E
ESCRAVIZADOS
Na Idade Moderna, Portugal foi o primeiro Estado da Europa a realizar o
comércio de cativos africanos. Isso foi possível porque os portugueses, ao longo dos
séculos XV e XVI, dominaram muitas regiões no litoral da África, onde fundaram
feitorias. Os conquistadores portugueses estabeleceram alianças com comerciantes
e soberanos africanos e passaram a desenvolver tráfico de humanos, nem sempre
assim considerados, através do Atlântico. As negociações para a captura e aquisição
dos sujeitos a serem transportados às Américas, muitas vezes, eram realizadas
através do escambo, como podemos observar na seguinte citação:
Quase sempre, os traficantes de escravos negociavam com os africanos com base no escambo, comercialização de mercadorias como aguardente, armas de fogo, pólvora, tecidos, entre outros, em troca das pessoas escravizadas2. (FLORENTINO, 1997 apud JUNIOR, 2006).
Como consegue se perceber, os africanos, correntemente, eram trocados por
diferentes mercadorias em um comércio que, muitas vezes, não envolvia a
monetarização na forma de dinheiro. O tráfico de africanos, portanto, era um comércio
que unia interesses na África, Europa e Américas.
Os navios europeus levavam mercadorias para a costa africana, como tecidos
grosseiros, aguardentes, tabaco e armas, que eram trocadas por sujeitos a serem
escravizados. Posteriormente, os sujeitos capturados eram vendidos como escravos
para os colonos americanos. Em decorrência do processo em que o tráfico era uma
importante fase, milhões de africanos foram violentamente arrancados da África e
transformados em escravos.
As estimativas sobre o total de africanos enviados violentamente à América e,
especialmente, para o Brasil variam muito. Para todo o novo mundo, entre os séculos
XVI e XIX, os cálculos vão de 10 a 20 milhões de indivíduos. Em relação ao Brasil, as
estimativas elaboradas pelo historiador Herbert Klein apontam o desembarque de
2 Citado em FLORENTINO, Manolo. Em costas negras. In: JUNIOR, Roberto Catelli. História. Texto e Contexto. Volume único. Ensino Médio. São Paulo: Editora Scipione, 2006, p. 280 a 285.
cerca de 4 milhões de africanos entre os anos de 1531 e 1855. Vejamos a tabela a
seguir3:
Estimativas de desembarque de Africanos no Brasil
1531-1855
Período Nº de escravos
1531-1600 50 000
1601-1700 560 000
1701-1800 1 680 100
1801-1855 1 719 300
Total 4 009 400
Como podemos observar pelos dados da tabela, a cada século o número de
escravos destinados ao Brasil aumentava. No século XVI, o primeiro da colonização,
o número foi relativamente pequeno, se comparado aos séculos seguintes. O menor
número no início da colonização pode ser explicado pelo fato de que as atividades
econômicas ainda eram relativamente reduzidas e grande parte da mão-de-obra era
proveniente de uma outra forma de escravidão, a indígena.
Já no século XVII, com a retomada da produção de açúcar e dos territórios que
estavam em poder dos holandeses, a importação de africanos aumentou, o que
continuaria ocorrendo no século seguinte, o XVIII, em decorrência da diversificação
da economia brasileira e, principalmente, da descoberta das minas de ouro no interior
do território do Brasil, que automaticamente fizeram crescer a necessidade do mão-
de-obra e, por consequência, de sujeitos escravizados.
As condições de captura e de transporte dos negros africanos eram as piores
possíveis. Depois de aprisionados em guerras entre os diversos povos na África, os
sujeitos eram acorrentados e poderiam ser marcados com ferro em brasa para
identificação. Eram então vendidos aos comerciantes europeus, americanos ou
africanos, que se estabeleciam no litoral. Daí, após lotarem os navios, chamados de
negreiros ou tumbeiros, eram enviados ao Novo Mundo. A partir da observação das
3 Disponível em: MAESTRI, Mario. O escravismo no Brasil. São Paulo: Atual, 1994.
imagens4 abaixo podemos minimamente imaginar como os africanos eram alojados
nas embarcações que, para transportarem o maior número possível de sujeitos,
tinham seus espaços milimetricamente aproveitados como maneira de ampliar as
possibilidades de lucro:
Dentro dessas condições de transporte, as culturas, religiosidades, línguas,
práticas de higiene, representações de gênero, organização política, relações e
distinção social que haviam entre os povos de origem africana não tinha nenhuma
importância, a partir da captura e conforme fossem sendo alojados nos barcos,
apenas um critério distinguia os sujeitos, a saber: a cor da pele. A partir desta, dois
grupos eram inventados, os que detinham direitos, aqueles de pele clara e aqueles
que deveriam se despedir de qualquer direito, os de pele escura, por essas vias,
Tudo quanto se podia trazer foi trazido: o manco, o cego, o surdo, tudo; príncipes, chefes religiosos, mulheres com bebês e mulheres grávidas, disse o ex-traficante Joseph Cliffer, em depoimento ao Parlamento Britânico, em 18405.
4Disponível em: http://revistablacklifebrasil.blogspot.com.br/2014/01/esquecer-jamais.html 5 Diponível em: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/como-era-um-navio-negreiro-da-epoca-da-escravidao
Nos escuros porões dos navios, o espaço era reduzido e o calor, quase
insuportável. Além disso, a água era suja e os alimentos insuficientes para todos.
Devido os maus tratos e as péssimas condições do transporte, calcula-se que entre
5% e 25% dos africanos morriam durante a viagem. Por isso, os navios negreiros eram
chamados de “tumbeiros”6, como se designassem grandes tumbas ou túmulos
flutuantes, em decorrência das altas taxas de mortandade infligida aos africanos aí
transportados. Os depoimentos da época, podem nos auxiliar a imaginar como seriam
essas tumbas em alto mar:
Os jovens tinham acesso, mas muitos pulavam para fora do navio, pensando que seriam comidos, afirmou aos ingleses o escravo Augustino, traficado aos 12 anos;
Houve um companheiro tão desesperado pela sede que tentou apanhar a faca do homem que nos trazia água. Suponho que foi jogado ao mar, disse o escravo Mahommah Baquaqua
Os traficantes dividiam o porão em três patamares, com altura de menos de meio metro cada um. Presos pelos pés, mais de 500 escravos se espremiam deitados ou sentados. "Ficavam como livros numa estante", disse o traficante Joseph Cliffer;
As viagens, como podemos perceber, eram cruéis, mas pior seria o destino dos
africanos que sobreviviam a ela e aportassem no Brasil. Ao chegarem eram dispostos
e examinados em suas feições, corpos, dentes, proporções físicas e força nas zonas
dos portos pelos quais entravam, podiam ser ali mesmo serem vendidos, inclusive
através dos leilões. A venda era uma prática muito dolorosa, não somente por que se
tornava maior e mais profundo o foço que separava pessoas de pele clara e escura,
mas por que era o momento em que muito africanos viam, pela última vez, os últimos
familiares que poderiam ter lhe restado, aqueles que, porventura, sendo capturados
juntos, eram transportados nos mesmos navios. Ou seja, o momento da chegada
poderia ser marcado pela continuação da separação iniciada na outra margem do
grande oceano.
Pouco tempo depois, já estavam trabalhando para seus novos proprietários,
especialmente, nos engenhos de açúcar, mas também nas plantações de algodão, na
mineração e, em menor proporção, nas fazendas dedicadas a pecuária. Trabalhavam
também nos serviços domésticos, no artesanato ou nas cidades como “escravos de
6 Que é relativo a tumba, indivíduo que conduz o caixão funerário à tumba. Conforme Dicionário Houaiss.
ganho”, realizando trabalhos temporários em troca de pagamento, que era revertido,
parcial ou totalmente, para seu proprietário.
Os vários tipos de trabalho executados conferiam distinções entre os cativos.
Os que trabalhavam no campo e nas minas viviam sob fiscalização do feitor e
desenvolviam a labuta em média de 15 horas por dia. Quando desobedeciam às
ordens, podiam sofrer vários tipos e castigos: chicotadas, queimaduras, prisões etc. o
excesso de trabalho, a má alimentação, as péssimas condições de higiene e os
castigos deterioravam rapidamente a saúde do escravo. A maioria morria depois de
cinco a dez anos de trabalho.
Já os escravos domésticos, escolhidos entre aqueles que os senhores
consideravam mais bonitos, “dóceis” e confiáveis, muitas vezes recebiam roupas
melhores, alimentação mais adequada e melhores cuidados, podiam viver mais
tempo, mas estavam mais aptos a sofrerem os abusos os mais diversos da família e
do seu senhor, pelos mais diversos motivos: ódio, amor, ciúme, desejo e sexo,
insatisfação com o trabalho.
2. A ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS E O TRABALHO EM SALA DE AULA
Realizado em um primeiro momento considerações sobre a captura, a viagem
e o tráfico de africanos em si, nossa proposta agora é pensar como esse tema aparece
nos livros didáticos e como podemos proceder em nossas salas de aula para que a
discussão de tal assunto possa ser um dos caminhos para a problematização sobre
as intersecções culturais entre o Brasil e a África.
Segundo os dados levantados pelo Ministério da Educação, é nas turmas de
Ensino Médio que se verifica, de forma mais expressiva, a evasão escolar, os
argumentos são os mais diversos, dentre eles e de forma recorrentes o “desinteresse”
dos alunos e o fato da maioria deles considerarem as aulas chatas, desmotivantes e
nada inspiradoras. Diante desta realidade e da importância que o reconhecimento de
nossa afro-brasilidade assume na Educação, nos perguntamos, é possível adotarmos
novas abordagens sobre o conteúdo de história com nossas turmas do Ensino Médio?
Compreendemos que o ensino precisa ser dinâmico, revelador, instigador e que
elenque abordagens cada vez mais voltadas para pesquisa e produção de material,
visto que, é fundamental que o aluno contemporâneo se encaixe e se sinta importante
na construção do conteúdo, bem como, na discussão do mesmo.
Nesse instante entendemos que o estudo de história e suas diferentes facetas
são fundamentais para moldar esse raciocínio em nossos alunos, afim de promover
uma verdadeira integração entre os demais componentes curriculares e obedecendo
a transversalidade, mola propulsora de uma educação que se diz inovadora. Como
afirma Marta de Souza Lima Brodbeck7:
Os estudos históricos são fundamentais para a construção da identidade social do indivíduo, uma vez que podem possibilitar a percepção dele como sujeito e agente da história ao identificar as relações dos diferentes grupos humanos em tempos e espaços diversos.
Não podemos perder de vista a História como um processo, algo em construção
permanente, do qual participamos. Todos nós somos sujeitos da História, por isso é
importante nos voltarmos para a experiência do aluno. Partimos da realidade que lhe
é mais próxima, espaço em que a socialização tem seu início, quer seja em casa, na
escola ou mesmo no bairro. É importante ressaltar que essa História vivenciada não
é um fim, mas um princípio de reflexão, que usa a pesquisa como um instrumento
valioso para a formação do aluno. Entendemos que ensinar, estudar e aprender
História exige reflexão diante dos fatos apresentados, uma vez que o conhecimento
histórico nunca estará pronto, à medida que os novos dados e enfoques contribuirão
constantemente para sua construção.
Em uma nova História que se propõe a discutir novos temas, compreendemos
ser importante a realização de uma abordagem sobre o tráfico atlântico de uma
maneira inovadora, identificando elementos que compõem o conteúdo a uma
linguagem acessível a nossos alunos. Os novos conceitos que englobam a sociedade
contemporânea, precisam ser demonstrados através de seus alicerces históricos,
como por exemplo os direitos humanos. Como bem afirma Marco Mondaini8:
Porém, a necessidade da construção de uma história dos direitos humanos não é mais urgente que o imperativo de levar a discussão sobre os direitos humanos para o interior das salas de aula das escolas de nível fundamental, médio e superior – e para a sociedade como um todo, é claro.
7 BRODBECK, Vivenciando a História – Metodologia de Ensino da História. Curitiba, Base Editorial, Pág.8 8 MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. In: PINSK, Carla Bassanezi. Novos Temas nas Aulas de História. 1º Ed. São Paulo, Contexto, 2010. p. 56.
Dessa maneira, a nossa fonte não é outra a não ser o livro didático, esta que
consideramos a principal ferramenta do nosso ensino público regular, e, portanto, de
suma importância para o trabalho docente em sala de aula. Acreditamos que os
profissionais da educação precisam escolher muito bem o material a partir do qual
pretendem trabalhar, o riso de fazê-lo é a promoção de um trabalho mal realizado, no
caso da história, por vezes incorrendo em binarismo simplistas e redutivos, como bem
afirmam Luiz Estevam Fernandes e Marcus Vinícius de Morais9:
Os livros escolares, cujo objetivo é ensinar-nos a história da nossa terra e do nosso povo, são em geral escritos num espírito maniqueísta, seguindo as clássicas antíteses – os bons e os maus, os heróis e os covardes, os santos e os bandidos.
Partindo da ideia dos dois autores citados anteriormente, compreendemos
através de nosso trabalho, que a ferramenta do livro didático precisa ser dinâmica e
antenada com as novas aspirações dos nossos alunos, pois entende-se que o
discente é peça chave na formação do futuro da sociedade na qual está inserido e,
cabe ao mesmo promover contestações e mudanças que se fizerem necessárias
nesse contexto. Ainda segundo os mesmos o livro precisa ser10:
O livro didático, acrescente-se, é bem – vindo quanto mais coerência e atualizações historiográficas trouxer, mas, mais do que isso, quanto mais possibilidades de estudo puder abrir e quanto mais distanciar cultura dos boxes e apêndices de curiosidades.
Realizamos os estudos em busca de conceitos e informações históricas
expostas nos livros usados na Segunda Série do Ensino Médio de nossa escola,
trazendo os discentes para os debates e discussões acerca das temáticas abordadas,
enriquecendo nossas aulas e promovendo um ganho substancial de teoria histórica
para nossos educandos. Os livros didáticos utilizados nesses momentos enquadraram
o trabalho de maneira conjunta através de leitura e produção textual como bem
podemos observar na figura 1.
9 FERNANDES, Luiz Estevam, MORAIS, Marcus Vinícius. Renovação da História da América. KARNAL, Leandro (org). História na Sala de Aula: conceitos, práticas e propostas. 6º Ed. São Paulo, Contexto. 2010. p. 143. 10 Idem nota anterior.
Figura 1
Aos alunos foi dada a tarefa de identificar, criticar e descontruir elementos que,
segundo a ótica dos mesmos favorecesse as discussões acerca do Tráfico de
Escravos, bem como das dificuldades que englobam o tema como um todo. Foram
discutidas todas as informações pertinentes, positivas ou não para a construção da
história que propomos, inovadora, inspiradora e antenada com a contemporaneidade.
Observamos que nossos alunos compreenderam a proposta e buscaram
participar não apenas com as informações dadas pelos livros, mais também com as
suas próprias curiosidades acerca do tema. Em alguns momentos acalouramos os
debates levantando certas questões consideradas “polêmicas” segundo eles, como
por exemplo, as práticas religiosas dos povos afro brasileiros e suas repercussões na
sociedade brasileira como um todo. Podemos observar algumas dessas discussões
na figura 2.
Figura 2
Trouxemos as aulas para o macrocampo de Iniciação Científica e Pesquisa11,
levando como carro chefe a temática do Tráfico de Escravos, que aqui propomos
trabalhar. Além das atividades de leitura, assistimos alguns vídeos que alimentaram a
discussão e dinamizaram nossas aulas, como podemos observar na figura 3.
Figura 3
11 O autor do artigo além de professor da disciplina de história leciona também o referido macrocampo.
Outra medida importante da nossa prática docente foi a produção da oficina
“Novembro Afro Consciente”, realizada na feira de ciências da escola no ano de 2015,
em parceria com os colegas professores de Geografia e Sociologia, como observamos
na figura 4.
Figura 4
No início do ano letivo regular continuamos com o projeto acompanhado as
fases finais do curso de especialização. Revisamos alguns conceitos e inserimos
novas turmas nos trabalhos. A principal ação coordenada para esse ano foi a
realização de seminários sobre os diversos temas que envolvem o Tráfico Atlântico e
a chegada dos cativos ao Brasil, afim de acompanhar o aprendizado e a evolução dos
nossos alunos. Podemos avistar a culminância de alguns seminários apresentados na
figura 5.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho e a prática docente inovadora são fundamentos cruciais na profissão
de professor nos dias atuais, entendemos que a participação dos alunos no
desenvolvimento das tarefas foi muito satisfatório, contemplando os requisitos básicos
propostos nos objetivos e no andamento do projeto como um todo.
Experiências como essa enriquecem muito o cotidiano escolar e os resultados
obtidos são primordiais para a nossa prática docente e a interdisciplinaridade,
contemplada nas discussões com os colegas professores e, principalmente, com
nossos alunos, que ao participarem de uma experiência exitosa e, de uma certa
maneira, inovadora, fez com que a curiosidade e a prática de análise e de
problematização de conceitos e conteúdos que envolvem nosso tema atingissem um
grau de elevação extremamente positivo para nossa prática em sala de aula.
Os resultados do projeto foram todos levantados de acordo com a participação
dos alunos em todas as atividades propostas entre o período de novembro de 2015 e
março de 2016. A avaliação portanto foi feita inteiramente de forma contínua,
participativa, metodistas e voltada para a produção de conceitos relevantes ao tema
estudado e conteúdos afim.
Podemos inteirar que as notas obtidas durante esse período foram utilizadas
nas disciplinas de História e no macrocampo de Iniciação Científica e Pesquisa, o que
entre outras medidas, nos deixou bastante empolgado e satisfeito com a diminuição
do índice de evasão escolar nas aulas de história, bem como, no aumento significativo
das médias dos alunos do segundo ano da modalidade PROEMI12.
Entre história, cultura, sociologia e geografia navegamos também entre a
interdisciplinaridade com os demais colegas, enaltecendo também o trabalho entre a
equipe escolar, onde através de encontros departamentais compartilhamos as
experiências vivenciadas no projeto com os demais profissionais, o que de certa
maneira capacitou ainda mais nossa experiência individual e acreditamos a prática
dos nossos colegas.
12 Programa Ensino Médio Inovador
REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, Wlamyra R; FRAGA FILHO, Walter. África e Africanos no Tráfico Atlântico. In: _____. De Uma História do Negro no Brasil. Salvador: Centro de Estudos Afro-Orientais; Brasília: Fundação Cultural Palmares. 2006. p. 39 – 61. ALVES, Alexandre. OLIVEIRA, Letícia Fagundes. A presença portuguesa na África; O tráfico negreiro. In: ____. Conexões com a História da colonização da América ao século XIX. 2º Ed, São Paulo, Moderna, 2013. p. 47 – 52; 50 - 58. AZEVEDO, Gislane. SERIACOPI, Reinaldo. O Tráfico Negreiro; Escravidão e Resistência. In: _____. História em movimento. 2ª Ed. São Paulo/SP: Ática, 2013. p. 56 – 62; 63/68. BRODBECK, Marta de Souza Lima. Vivenciando a História – Metodologia de Ensino da História. 20º Ed Curitiba, Base Editorial, 2012. BOULOS, Alfredo Júnior. Africanos no Brasil: dominação e resistência. In: _____. História sociedade e cidadania. São Paulo/SP: FND, 2013. p. 98 - 108.
CLARO, Regina. Olhar a África: fontes Visuais Para Sala de Aula. São Paulo/SP: Hedra Educação, 2012. MORAES, José Geraldo Vinci de. O Atlântico Negro e o Brasil. In: ____. História. Curitiba/PN, 2013. p. 22 - 30. MORENO, Jean. VIEIRA, Sandro. A África Atlântica; Os Africanos e a escravidão na América Portuguesa. In: _____. História: cultura e sociedade fundamentos da modernidade. 2º Ed, Curitiba/PN: Positivo, 2013. p. 61 – 66; p. 127 - 134. MONDAINI, Marco. Direitos Humanos, PINSK, Carla Bassanezi. In: Novos Temas nas Aulas de História. 1º Ed. São Paulo, Contexto, Pág. 56, 2010. NETO. José Alves de Freitas. Transversalidade. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo, Contexto, 2010. p. 57 - 74. KARNAL, Leandro. A História Moderna e a sala de aula. In: _____ . História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo/SP: Contexto, 2010. p. 127 - 143. NETO. BITTENCOURT, Circe. Identidade Nacional e o Ensino de História do Brasil. In: KARNAL, Leandro (org). História na sala de aula: conceitos, práticas e propostas. São Paulo, Contexto, 2010. p. 85/204. SANTIAGO, Pedro. CERQUEIRA, Célia. PONTES, Maria Aparecida. África: no tempo da escravidão. In: _____. Por dentro da história. 3º Ed, São Paulo/SP: Escala Educacional, 2013. p. 57 - 75. SILVÉRIO, Valter Roberto. História Geral da África: pré-história ao século XVI. Brasília, UNESCO, MEC, UFSCar, 2013. África do século XII ao XVI.