ministério da educação e saúde

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Ministério da Educação e Saúde Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos O projeto do edifício do Ministério da Educação e Cultura foi objeto de estudo demorado e cuidadoso. Atendendo à importância da obra, diversos foram os estudos preliminares realizados, destacando-se, entre eles, os que foram executados por Le Corbusier. O notável arquiteto francês, que aqui esteve em 1936, a convite do Ministério da Educação e Cultura, apresentou dois anteprojetos, sendo um para um terreno situado na Av. Beira-Mar, e outro para o terreno escolhido na Esplanada do Castelo. Os projetos de Le Corbusier serviram-nos de guia para a solução definitiva com a adoção do partido de bloco simples, por ele proposto, do qual as vantagens são evidentes quanto à orientação uniforme das salas e à simplicidade e clareza da disposição interna. Localizamos, porém, o bloco de forma diversa. Em vez de mantê-lo no alinhamento da Av. Graça Aranha, conforme propôs Le Corbusier no segundo estudo, resolvemos dispor o mesmo no centro da quadra, na orientação mais conveniente, o que, além de apresentar vantagens sob o ponto de vista urbanístico, permitiu, ainda, vista desembaraçada para a baía, objetivos esses que tinham, aliás, constituído o ponto de partida do primeiro estudo do ilustre arquiteto. O partido escolhido desenvolve-se em altura, deixando livre grande parte do terreno. Esta solução, que difere das construções comuns entre nós, representa um aproveitamento racional do terreno, pois, recuando o bloco cerca de 60 metros dos prédios fronteiros, foi possível aumentar o número de pavimentos de modo a obter-se a mesma área que seria conseguida com uma construção, que, ocupando maior parte do terreno, teria obrigatoriamente menor altura, devido às posturas municipais. Com este partido criamos um espaço livre necessário em torno do prédio que, localizado numa quadra circundada por ruas relativamente estreitas e de construções no alinhamento, fica em posição de destaque em relação aos demais edifícios. A solução adotada permitiu assim criar uma grande esplanada no pavimento térreo que, além de realçar a imponência do edifício, poderá ser utilizada para cerimônias de caráter cívico cultural, de acordo com a finalidade do Ministério. Fixado o partido, procuramos obter o maior aproveitamento possível da área construída, sem prejuízo do perfeito funcionamento dos serviços. Abandonando as soluções usuais de circulação comum e disposição das salas em alas duplas ou singelas – esta última proposta por Le Corbusier – adotamos uma solução nova, onde além das vantagens de circulação independente para público e funcionários se verifica maior aproveitamento da área, assim como melhores condições de iluminação e ventilação. De acordo com a disposição do bloco, as salas de trabalho ficaram orientadas para SSE e NNO. Na face SSE, insolada francamente em alguns dias do ano, pela manhã, adotamos grandes caixilhos envidraçados até o teto que permitirão perfeitas condições de ventilação e iluminação, além de agradável vista para a baía; serão usadas nos mesmos cortinas de réguas de madeira (venetian blinds) para graduar a intensidade luminosa. Na face NNO, insolada quase todo o ano durante as horas de expediente, foi adotado um sistema de proteção que importa examinar, passando em revista, preliminarmente, os processos até então usados, para mostrar alguns dos seus inconvenientes. Os sistemas de proteção mais conhecidos entre nós são os de varanda e cortinas. O tipo de proteção por varandas, quando usado em edifícios desse gênero, apresenta sérios inconvenientes de ordem técnica e econômica, pelos problemas de ventilação que acarreta e pela área de construção praticamente perdida que representa. Sobre seu emprego, poderíamos citar diversos autores dos dois acatados, mas nos limitamos a transcrever um trecho de Paul Nelson, quando aborda em seu livro Architecture Hospitalier o assunto de proteção térmica: "... a varanda não permite a circulação do ar sobre as fachadas; ao contrário, ela transmite o

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Ministério da Educação e SaúdeLúcio Costa, Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira e Ernani Vasconcelos

O projeto do edifício do Ministério da Educação e Cultura foi objeto de estudo demorado e cuidadoso. Atendendo à importância da obra, diversos foram os estudos preliminares realizados, destacando-se, entre eles, os que foram executados por Le Corbusier. O notável arquiteto francês, que aqui esteve em 1936, a convite do Ministério da Educação e Cultura, apresentou dois anteprojetos, sendo um para um terreno situado na Av. Beira-Mar, e outro para o terreno escolhido na Esplanada do Castelo.

Os projetos de Le Corbusier serviram-nos de guia para a solução definitiva com a adoção do partido de bloco simples, por ele proposto, do qual as vantagens são evidentes quanto à orientação uniforme das salas e à simplicidade e clareza da disposição interna. Localizamos, porém, o bloco de forma diversa. Em vez de mantê-lo no alinhamento da Av. Graça Aranha, conforme propôs Le Corbusier no segundo estudo, resolvemos dispor o mesmo no centro da quadra, na orientação mais conveniente, o que, além de apresentar vantagens sob o ponto de vista urbanístico, permitiu, ainda, vista desembaraçada para a baía, objetivos esses que tinham, aliás, constituído o ponto de partida do primeiro estudo do ilustre arquiteto.

O partido escolhido desenvolve-se em altura, deixando livre grande parte do terreno. Esta solução, que difere das construções comuns entre nós, representa um aproveitamento racional do terreno, pois, recuando o bloco cerca de 60 metros dos prédios fronteiros, foi possível aumentar o número de pavimentos de modo a obter-se a mesma área que seria conseguida com uma construção, que, ocupando maior parte do terreno, teria obrigatoriamente menor altura, devido às posturas municipais. Com este partido criamos um espaço livre necessário em torno do prédio que, localizado numa quadra circundada por ruas relativamente estreitas e de construções no alinhamento, fica em posição de destaque em relação aos demais edifícios. A solução adotada permitiu assim criar uma grande esplanada no pavimento térreo que, além de realçar a imponência do edifício, poderá ser utilizada para cerimônias de caráter cívico cultural, de acordo com a finalidade do Ministério.

Fixado o partido, procuramos obter o maior aproveitamento possível da área construída, sem prejuízo do perfeito funcionamento dos serviços.

Abandonando as soluções usuais de circulação comum e disposição das salas em alas duplas ou singelas – esta última proposta por Le Corbusier – adotamos uma solução nova, onde além das vantagens de circulação independente para público e funcionários se verifica maior aproveitamento da área, assim como melhores condições de iluminação e ventilação.

De acordo com a disposição do bloco, as salas de trabalho ficaram orientadas para SSE e NNO. Na face SSE, insolada francamente em alguns dias do ano, pela manhã, adotamos grandes caixilhos envidraçados até o teto que permitirão perfeitas condições de ventilação e iluminação, além de agradável vista para a baía; serão usadas nos mesmos cortinas de réguas de madeira (venetian blinds) para graduar a intensidade luminosa.

Na face NNO, insolada quase todo o ano durante as horas de expediente, foi adotado um sistema de proteção que importa examinar, passando em revista, preliminarmente, os processos até então usados, para mostrar alguns dos seus inconvenientes.

Os sistemas de proteção mais conhecidos entre nós são os de varanda e cortinas. O tipo de proteção por varandas, quando usado em edifícios desse gênero, apresenta sérios inconvenientes de ordem técnica e econômica, pelos problemas de ventilação que acarreta e pela área de construção praticamente perdida que representa. Sobre seu emprego, poderíamos citar diversos autores dos dois acatados, mas nos limitamos a transcrever um trecho de Paul Nelson, quando aborda em seu livro Architecture Hospitalier o assunto de proteção térmica: "... a varanda não permite a circulação do ar sobre as fachadas; ao contrário, ela transmite o calor do exterior para o interior e estabelece ao redor do edifício camadas de ar quente. O sistema de varanda estabeleceria uma circulação livre ao redor do edifício. Inconveniente capital".

As cortinas de enrolar, das quais diversos tipos são usados aqui no Rio, além de apresentarem desvantagens equivalentes, dariam ao conjunto o aspecto comum de apartamentos, o que, no caso, seria lamentável.

Restava, portanto, uma única solução: o brise-soleil proposto por Le Corbusier para a Argélia. Consiste este sistema em uma série de placas adaptadas à fachada a fim de protegê-las dos raios solares, em disposição a ser estudada de acordo com os casos apresentados. Tornava-se, entretanto, indispensável, uma vez que até então não fora usado este meio de proteção, elaborarmos estudo cuidadoso do tipo a ser empregado.

A inclinação do sol e a sua trajetória em relação à fachada insolada estavam a indicar que o sistema de proteção preferível deveria ser constituído por placas horizontais, pois, de outra forma, seríamos forçados a adotar vãos diminutos, acarretando perda de visibilidade. Por outro lado, verificamos que a adoção de placas fixas, se bem que pudesse resolver o problema de insolação, seria menos satisfatória no tocante à iluminação, pois, tendo sido calculada para dias claros, resultaria, por força,

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deficiente nos sombrios, obrigando ao uso de luz elétrica em horas que outros prédios poderiam dispensá-la.

Além disso, consideramos que, sendo a direção dos raios solares variável em relação à fachada, o melhor sistema de evitá-lo deveria ser móvel. Com essas razões e baseados em experiências feitas com os melhores resultados no prédio da Obra do Berço, na Lagoa Rodrigo de Freitas, onde, devido à orientação, foi adotado o tipo vertical, decidimos empregar também um processo semelhante que garantisse, em qualquer hora do dia, disposição adequada às necessidades do trabalho.

O sistema empregado no edifício do M.E.S. consiste em lâminas verticais fixas de concreto ligadas aos pisos e placas horizontais basculantes de Eternit, armadas em ferro.

As placas horizontais ficarão afastadas cerca de 0,50 metros das esquadrias, formando um vazio para tiragem de ar, a fim de evitar a entrada de calor por irradiação nas salas de trabalho, e tendo as verticais somente dois pontos de contato com a estrutura, ainda para evitar um conjunto rígido que facilitaria a transmissão de calor.

As básculas serão constituídas por placas duplas de cimento-amianto, cujas propriedades isotérmicas são conhecidas.

O problema de ventilação também foi objeto de acurados estudos, adotando-se o processo de ventilação cruzada, de eficiência reconhecida, apesar de ultimamente pouco observado entre nós. Esse sistema é assegurado pela tiragem que a diferença de temperatura das fachadas postas produzirá, uma vez que as divisões internas, pelo tipo adotado, não constituirão obstáculos à livre circulação do ar. A ventilação dos sanitários é feita por meio de poços visitáveis, por onde passam as canalizações de água e gás.

Mantivemos no projeto sempre distintas, desde a entrada, a circulação do Ministro, dos funcionários e do público para só estabelecer o contato entre estes últimos nos balcões de trabalho. Os chefes de Serviço terão comunicação fácil com o gabinete do Ministro, que, por sua vez, poderá percorrer todos os andares sem contato com o público. Esse princípio foi também observado na parte reservada a conferências e exposições, onde as entradas de público, Ministro e conferencistas, são independentes.

Tendo em vista obter tetos lisos para permitir maior facilidade de alteração nas divisões internas, de acordo com as conveniências eventuais de instalações de serviço público, adotamos o sistema de estrutura independente, empregando o tipo de cogumelos (Piltzdecken) invertidos, conforme a proposta do engenheiro Emílio Baumgart. O espaço compreendido entre os cogumelos foi com material isolante de ruídos.

A distribuição de luz, força e telefones se faz por cinco subidas ligadas no subsolo por uma galeria visitável. O tipo de estrutura permitiu que a instalação elétrica fosse executada posteriormente à concretagem. Nos locais de trabalho foram dispostas de 2 em 2 metros caixas de tomadas de luz, telefones, força e aparelhos de intercomunicação, facilitando quaisquer disposições no mobiliário das seções, e evitando o inconveniente que se observa com freqüência de instalações suplementares aparentes, destinadas a atender às novas necessidades de serviço.

Plasticamente, procuramos encontrar solução que, pela sua unidade, proporção e pureza, se destacasse das construções vizinhas. Isso poderá observar quem vier pela Av. Beira-Mar, de onde o prédio ora em construção se destaca no conjunto não apenas pela sua altura, pois é pouco mais alto que os que o cercam, mas pela pureza de sua forma, que o contraste com o ambiente mais acentua.

O bloco principal foi o ponto de partida da composição. Em função dele, as outras formas se foram fixando, impostas pelas necessidades do programa e pelos princípios fundamentais de composição de Arquitetura. Esses princípios inspiraram o partido adotado, desde as formas dos salões destinados a exposições e conferências, no pavimento térreo, até as que envolvem as dependências situadas na cobertura (casas de m quinas, depósitos de água, etc.) e que, integradas na composição, passam a contribuir para o efeito plástico do conjunto.

Nesse conjunto, pintura e escultura tem cada qual o seu lugar, não como simples elementos decorativos, mas como valores artísticos autônomos, conquanto fazendo parte integrante da composição, que enobrecem e completam.

  

 Lúcio CostaToulon 1902/1998

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Escola Carioca  

Definição

"Escola carioca" é o nome pelo qual uma certa produção moderna da arquitetura brasileira é comumente identificada pela historiografia. Trata-se originalmente de uma arquitetura produzida por um grupo radicado no Rio de Janeiro e que, sob liderança intelectual de Lucio Costa (1902 - 1998) e formal de Oscar Niemeyer (1907), teriam criado um estilo nacional de arquitetura moderna: uma espécie de brazilian style, que se dissemina pelo país entre os anos 1940 e 1950, contraposto ao international style hegemônico até os anos 1930.1 

Para entender o termo há que se recorrer a um dos episódios "fundadores" da moderna arquitetura brasileira: o projeto do Ministério da Educação e Saúde - MES, do Governo Vargas, atual Palácio Gustavo Capanema (1936 - 1943). O edifício é desenhado por uma equipe liderada por Lucio Costa sob a orientação direta de Le Corbusier (1887 - 1966), que vem ao Brasil auxiliar os jovens arquitetos na tarefa de projetar um edifício moderno como sede do ministério. A equipe, formada ainda por Carlos Leão (1906 - 1983), Affonso Eduardo Reidy (1909 - 1964), Jorge Moreira (1904 - 1992) , Ernani Vasconcelos (1912 - 1989) e Oscar Niemeyer realiza o primeiro edifício que incorpora em grande escala os cinco pontos da arquitetura corbusiana - brise soleil (quebra-sol), pan de verre (pano de vidro ou courtain wall), teto-jardim, térreo com pilotis e planta livre - ao mesmo tempo em que lança mão de uma plasticidade que não se via

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comumente nas arquiteturas modernas dos outros países e recupera elementos "nacionais", como os painéis de azulejos. Para o crítico da arquitetura João Massao Kamita, essa "escola" se destaca "pela dinamização e combinação inventiva dos volumes, pela composição variada e instigante da concatenação de curvas e diagonais às retas, pela abertura e transparência do bloco, pelo tratamento desprendido das formas de vedação não só no que diz respeito aos materiais empregados e à forma dos vãos, mas ao próprio desenho de superfície, ora dobrado, inclinado ou encurvado".2  Ainda segundo o crítico, essa produção seria marcada por um sentido único de "exuberância" e "extroversão" e por "uma articulada e inteligente interpretação da nova arquitetura sem desprezar o passado, visto como sustentação do presente",3  tanto no âmbito do projeto quanto da historiografia. A relação entre modernidade e tradição é a base, portanto, não só da moderna arquitetura brasileira até a metade do século XX, como é o eixo do discurso construído por Lucio Costa acerca da história da arquitetura brasileira, que liga a arquitetura produzida durante o período colonial e a realizada contemporaneamente, e sustenta toda uma historiografia posterior.4 

Além do MES, são considerados exemplares da "escola carioca" obras como o edifício sede da Associação Brasileira de Imprensa - ABI (1936), dos irmãos Marcelo (1908 - 1964), Milton (1914 - 1953) e Maurício (1921 - 1996) Roberto; a Estação de Passageiros de Hidroaviões (1937) de Attílio Corrêa Lima (1901 - 1943), o Grande Hotel de Ouro Preto (1938), de Niemeyer, o Pavilhão do Brasil na Feira Internacional de Nova York (1938-1939), de Costa e Niemeyer; o Conjunto Arquitetônico da Pampulha (1940 - 1944), projetado por Niemeyer em Belo Horizonte; o Park Hotel São Clemente, em Friburgo (1944), de Lucio Costa; o Conjunto Habitacional Pedregulho (1950 - 1952), de Reidy, entre outros.

A idéia de uma "escola carioca" de arquitetura é esboçada pela primeira vez por ocasião da publicação do catálogo da exposição Brazil Builds, realizada no Museum of Modern Art - MoMA [Museu de Arte Moderna] de Nova York em 1943,5  em um texto escrito em 1944 pelo crítico Mário de Andrade (1893 - 1945) sobre a importância desta realização. Andrade afirma que "a primeira escola, o que se pode chamar legitimamente de 'escola' de arquitetura moderna no Brasil, foi a do Rio, com Lucio Costa à frente, e ainda inigualada até hoje".6 No mesmo ano, essa produção nomeada internamente de "escola carioca" começa a ser conhecida como brazilian style. A coincidência dos termos fez com que durante muito tempo se tomasse a produção arquitetônica "carioca" pela totalidade da produção nacional, algo que vem sendo revisto pela historiografia da arquitetura desde os anos 1980.7  De fato, a partir da década de 1940 é possível verificar em várias cidades do país uma produção que pode ser identificada sob a rubrica "escola carioca". Encabeçada por arquitetos cariocas ou formados no Rio de Janeiro, como Hélio Duarte (1906 - 1989), que dirige a experiência do Convênio Escolar em São Paulo (1948 - 1952)8, e Oscar Niemeyer, que projeta os principais edifícios do Parque do Ibirapuera (1954), responsáveis pela introdução da arquitetura moderna nos edifícios públicos em São Paulo -, não se pode afirmar que ela represente a totalidade da produção arquitetônica brasileira. Pois mesmo entre os arquitetos cariocas há aqueles que em sua obra ou em alguns projetos buscaram se manter fieis aos preceitos racionalistas mais estritos, como Jorge Moreira (1904 - 1992) e Vital Brazil (1909 - 1997), ou que buscaram construir outros vocabulários arquitetônicos, como Sérgio Bernardes (1919 - 2002).

O termo, portanto, está longe de ser consensual, pois identificaria superficialmente uma série de obras como uma produção hegemônica, em detrimento da variedade de propostas em curso no país entre as décadas de 1930 e 1950, e mesmo entre aqueles que se tornaram símbolos da chamada "escola carioca", como Costa, Niemeyer, Reidy, os Roberto e Moreira. Como exemplo, pode-se apontar a diferença entre a forma como nas obras de Costa e Niemeyer - os principais nomes da "escola carioca" - se dá a ligação entre a arquitetura moderna e a tradição. Se para Costa trata-se de valorizar a austeridade da arquitetura civil da tradição construtiva luso-brasileira, por esta se aproximar da contenção formal moderna, na obra de Niemeyer, o que se nota é a filiação ao barroco mineiro, sobretudo o das igrejas, já que esta se distancia de um racionalismo mais estrito, ressaltando plasticamente o caráter próprio de cada edifício.9

Escola Paulista

Definição

"Escola paulista" é o nome pelo qual uma parcela importante da produção moderna da arquitetura brasileira é comumente identificada pela historiografia. O termo não identifica toda a produção arquitetônica realizada no Estado de São Paulo. Trata-se originalmente de uma arquitetura produzida por um grupo radicado em São Paulo e que, sob a liderança de Vilanova Artigas (1915 - 1985), realiza uma arquitetura marcada pela ênfase na técnica construtiva, pela adoção do concreto armado aparente e pela valorização da estrutura.

Vilanova Artigas, engenheiro-arquiteto formado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - Poli/USP, em 1937, destaca-se dentro da escola não apenas por suas obras, mas também pelas posições políticas que informam a sua produção prática, didática e teórica. É a partir da Casa Baeta (1956) que o arquiteto passa a ser "o chefe de fila da arquitetura de São Paulo, responsável pela melhor produção brasileira desde o concurso de Brasília",1 mas é somente com a seqüência de projetos realizados entre 1959 e 1961 - Casa Mário Taques Bitencourt, Ginásio de Itanhaém, Ginásio de Guarulhos, Anhembi Tênis Clube, Garagem de Barcos do Iate Clube Santa Paula e o edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP - que as linhas mestras desta escola se definem. A

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partir daí, a arquitetura feita em São Paulo cada vez mais se caracteriza pela introversão, pela continuidade espacial garantida pela adoção de rampas e de iluminação zenital, e pelo emprego de grandes vãos, gerando extensos planos horizontais em concreto aparente e exigindo o uso de técnicas construtivas elaboradas, como o concreto protendido. Mais do que uma busca puramente estética ou técnica, essas características revelam um projeto político para o país que aposta na industrialização para a superação do subdesenvolvimento. Para Artigas, cabe aos arquitetos contribuir para esse projeto de desenvolvimento nacional, algo que só poderia ser realizado através do investimento na modernização técnica da construção civil, empregando-se para isso a técnica do concreto armado, a racionalização do desenho tendente à pré-fabricação e à mecanização do canteiro de obras. Nesse sentido, a "escola paulista" se diferencia da "escola carioca", mais preocupada com a afirmação de uma linguagem ao mesmo tempo moderna e nacional, que se traduz na junção da gramática racionalista com elementos ditos "tradicionais". É preciso que se reconheça, entretanto, que há entre os arquitetos cariocas aqueles que se preocupam de algum modo com questões semelhantes às levantadas por Artigas2  e que a ênfase na estrutura é notada não só nos projetos do Colégio Brasil - Paraguai (1952) e do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (1953) de Affonso Eduardo Reidy (1909 - 1964), como pelo Depoimento publicado por Oscar Niemeyer (1907) em fevereiro de 1958 na revista Módulo, comentado por Artigas em julho do mesmo ano e novamente em 1965 na revista Acrópole.3 

Segundo o arquiteto Hugo Segawa, a arquitetura paulista alcança maturidade também a partir da fermentação de idéias que ocorre sobretudo na FAU/USP, cujo curso criado em 1948 é debatido em diversos fóruns e encontros nacionais, realizados nos anos 1960, que tratam da formulação de um currículo mínimo para os cursos de arquitetura.4 O novo currículo proposto por Artigas e implantado na FAU/USP em 1962 (e dali em diante em outras escolas de arquitetura por todo o país) se fundamenta basicamente na idéia de que o curso de arquitetura e urbanismo deva se estruturar a partir das disciplinas dedicadas ao projeto em diferentes escalas, sendo o estúdio ou o ateliê o principal espaço de aula e de discussão. Além disso, que o curso passe a ser organizado em três eixos ou departamentos: História, Projetos e Técnicas, o que dá uma amplitude de saber ao novo profissional, habilitando-o ao enfrentamento das diversas demandas e fazendo dele um "profissional completo" que pudesse contribuir para a construção da nação.

O edifício da FAU/USP na Cidade Universitária procura expressar esse projeto didático, integrando por meio de rampas e do vazio central todas as atividades ali realizadas, enfatizando o espaço do ateliê e da biblioteca e, mais do que isso, sendo um edifício sem portas de entrada, aberto a manifestação de todos, ou seja, um edifício que fosse ele mesmo a "espacialização da democracia [...] onde todas as atividades são lícitas".5 Se o Ministério da Educação e Saúde - MES é o edifício símbolo da "escola carioca", o edifício da FAU/USP é o marco principal da "escola paulista".

Além de Artigas, fazem parte da chamada "escola paulista" ou "brutalismo paulista", Carlos Millan (1927 - 1964), Paulo Mendes da Rocha (1928), Marcelo Fragelli (1928), Abrahão Sanovicz (1933 - 1999), João Walter Toscano (1933), Pedro Paulo de Mello Saraiva (1933), Ruy Ohtake (1938), entre outros.

Vilanova Artigas (1915 - 1985)

João Batista Vilanova Artigas (Curitiba PR 1915 - São Paulo SP 1985). Arquiteto, engenheiro, urbanista, professor. Forma-se engenheiro-arquiteto pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - Poli/USP, em 1937, após ter sido estagiário na construtora Bratke e Botti. Abre uma empresa de projeto e construção com Duílio Marone a Artigas & Marone Engenheiros, ao mesmo tempo que participa de exposições da Família Artística Paulista - FAP. Em 1944, afasta-se da construtora e decide montar escritório próprio, ao lado do calculista Carlos Cascaldi, e, engajado na política de regulamentação da profissão, funda, com outros colegas, a representação do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB/SP em São Paulo. Filia-se ao Partido Comunista Brasileiro - PCB, em 1945.

Recebe, em 1947, uma bolsa de estudo da Fundação Guggenheim, que lhe permite viajar por 13 meses pelos Estados Unidos. Participa, em 1948, da criação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP, onde passa a lecionar. Com o acirramento da Guerra Fria, radicaliza o tom ideológico do seu discurso, particularmente nos textos que escreve para a revista marxista Fundamentos, ligada ao PCB Le Corbusier e o Imperialismo, 1951, e Os Caminhos da Arquitetura Moderna, 1952. Viaja para a União Soviética, desencantando-se com a arte e arquitetura do Realismo Socialista, e mergulhando em uma crise profissional, que se estende até meados dos anos 1950, quando projeta as residências Olga Baeta, 1956, Rubem de Mendonça ("casa dos triângulos"), 1958, e a segunda residência Taques Bittencourt, 1959, com pórticos de concreto armado. Inicia uma série de projetos escolares para o governo do Estado de São Paulo, em que se destacam os ginásios de Itanhaém e de Guarulhos. Esses projetos, feitos na administração Carvalho Pinto (1910 - 1987), marcam o início das relações entre arquitetura moderna e o poder público em São Paulo, até então quase inexistentes.

Em 1961, realiza uma seqüência notável de projetos que definem as linhas mestras do que se chama "escola paulista": o Anhembi Tênis Clube, a Garagem de Barcos do Iate Clube Santa Paula, e o edifício da FAU/USP, na Cidade Universitária, todos em São Paulo. No ano seguinte, propõe inovações didáticas marcantes na "reforma do ensino" da FAU/USP, definindo critérios curriculares que seriam adotados por muitas escolas de arquitetura. Após o golpe militar de 1964, é preso e, logo depois, exilado no Uruguai,

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de onde regressa e passa a viver na clandestinidade. Retorna à FAU/USP em 1967, e profere uma aula inaugural em rejeição à luta armada, intitulada O Desenho, em que defende o projeto como atitude de resistência à opressão. Projeta em 1968, com Paulo Mendes da Rocha (1928) e Fábio Penteado (1929), o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado - Parque Cecap, em Guarulhos, para 50 mil moradores.

Após o Ato Institucional nº 5 - AI-5, em 1969, é afastado mais uma vez da FAU/USP, à qual retorna apenas com a anistia, no fim de 1979, na condição de auxiliar de ensino. Reassume em 1984 sua posição anterior à cassação, após submeter-se a um concurso para professor titular, cujas argüições foram publicadas com o título de A Função Social do Arquiteto.1 É um dos mais importantes arquitetos brasileiros, tendo recebido da Union Internationale des Architectes - UIA os prêmios Jean Tschumi, 1972, por sua contribuição ao ensino de arquitetura, e Auguste Perret, 1985, por sua obra construída.

Nota1 ARTIGAS, Vilanova. A função social do arquiteto. São Paulo: Nobel-Fundação Vilanova Artigas, 1989. Esse conjunto de argüições foi posteriormente incorporado em: ARTIGAS, Vilanova. Caminhos da arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.

Paulo Mendes da Rocha (1928)

BiografiaPaulo Archias Mendes da Rocha (Vitória ES 1928). Arquiteto, urbanista, professor. Em 1954, forma-se na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo. Filho do engenheiro de portos e vias navegáveis Paulo Menezes Mendes da Rocha, diretor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - Poli/USP entre 1943 e 1947, tem uma formação familiar ligada à reflexão sobre a relação entre engenharia e natureza. Destaca-se muito cedo, aos 29 anos, ao vencer o concurso para o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, 1958, obra que lhe vale o Grande Prêmio Presidência da República na 6ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1961. Integra, a partir de então, o grupo que, com a liderança de Vilanova Artigas, constitui a chamada "escola paulista" na arquitetura. Realiza entre 1960 e 1961 projetos de escolas para a rede pública,1 e ingressa como professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAU/USP. Datam desse período obras fundamentais, como a sede social do Jockey Club de Goiânia, 1962, o edifício residencial Guaimbê, e a própria residência, 1964, no bairro do Butantã, ambos em São Paulo.

Projeta em 1968, ao lado de Artigas e Fábio Penteado, o Conjunto Habitacional Zezinho Magalhães Prado - Parque Cecap, em Guarulhos, para 50 mil moradores. Em 1969, após o Ato Institucional nº 5 - AI-5, é afastado da FAU/USP, à qual retorna apenas com a anistia, em 1980, como auxiliar de ensino - condição na qual permanece até tornar-se professor titular em 1998, quando é aposentado compulsoriamente, por ter completado 70 anos de idade. Com os direitos profissionais cassados, vence, em 1969, em situação paradoxal, o concurso nacional para o Pavilhão do Brasil na Expo'70, em Osaka: uma grande cobertura de concreto e vidro apoiada em colinas artificiais. No concurso internacional para o Centre Georges Pompidou (Beaubourg), em Paris, em 1971, seu projeto é um dos premiados.

Atuante também no campo da representação de classe, preside o departamento paulista do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB/SP em duas ocasiões: 1972-1973 e 1986-1987. Entre 1987 e 1988, seus projetos para a Loja Forma e para o Museu Brasileiro da Escultura - MuBE,  este também vencedor de um concurso, inauguram uma nova fase de reconhecimento público do seu trabalho. Seguem-se a esses os projetos para o pórtico da Praça do Patriarca, 1992, em São Paulo, a reforma da Pinacoteca do Estado de São Paulo - Pesp, 1993, e o Centro Cultural da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp, 1996.

Em 1996, as editoras Blau, de Portugal, e Gustavo Gilli, da Espanha, lançam, em co-edição, o livro Mendes da Rocha. Seu reconhecimento internacional se intensifica com a Sala Especial Mendes da Rocha na 10ª Documenta de Kassel, na Alemanha, 1997, e com o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-Americana, em 2000, pela reforma da Pesp. Com a publicação do livro Paulo Mendes Da Rocha: Bauten Und Projekte, na Europa pela Niggli Verlag, em 2001, e encomendas de projetos na Espanha, recebe o importante Prêmio Pritzker, de 2006, condecoração máxima entre os arquitetos no mundo.

Nota1 "Durante os anos de 60 a 63 o Instituto de Previdência do Estado - Ipesp, organizou e financiou projetos e construções de diversos edifícios públicos em quase todos os municípios do Estado, escolas principalmente, contratando arquitetos, alguns recentemente saídos das Faculdades. A necessidade de uma unidade em torno do problema da escola, atraiu as atenções em torno do tema, seus problemas, implicações sociais, estéticas, técnicas e ressaltou a importância da revisão dos planos e programas. Na verdade constitui-se um verdadeiro grupo de trabalho e de troca de informações e os projetos resultantes revelam um notável avanço geral, na prática profissional no nosso meio". ROCHA, Paulo Mendes da. Edifícios escolares: comentários. Acrópole, 377, set. 1970, p. 35.

Lina Bo Bardi (1914 - 1992)

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BiografiaAchillina Bo Bardi (Roma, Itália 1914 - São Paulo SP 1992). Arquiteta, designer, cenógrafa, editora, ilustradora. Após estudar desenho no Liceu Artístico, forma-se, em 1940, na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Roma. A faculdade, dirigida pelo arquiteto tradicionalista Marcello Piacentini (1881 - 1960), privilegia uma tendência histórico-classicizante, que Lina chama de "nostalgia estilístico-áulica". Em desacordo com essa orientação valorizada pelo fascismo, predominante em Roma, ela se transfere para Milão, onde trabalha com o arquiteto Gió Ponti (1891 - 1979), líder do movimento pela valorização do artesanato italiano e diretor das Trienais de Milão e da revista Domus. Em pouco tempo ela própria passa a dirigir a revista e a atuar politicamente integrando a resistência à ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e colaborando com o Partido Comunista Italiano - PCI, então clandestino.1 Ainda em Milão, funda, ao lado do crítico Bruno Zevi (1918 - 2000), a revista A-Cultura della Vita.

Em 1946, após o fim da guerra, casa-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi (1900 - 1999), com quem viaja para o Brasil - país no qual o casal decide se fixar, e que Lina chama de "minha pátria de escolha".2 No ano seguinte, Pietro Maria Bardi é convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892 - 1968) a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand - Masp, em São Paulo Lina projeta as instalações do museu, em que se destaca a cadeira dobrável de madeira e couro para o auditório, considerada "a primeira cadeira moderna do Brasil". Em 1948, funda com o arquiteto italiano Giancarlo Palanti (1906) o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Sua inserção mais efetiva no meio arquitetônico nacional se dá, inicialmente, pela atuação editorial, quando cria, em 1950, a revista Habitat, que dura até 1954. Projeta em 1951 sua própria residência, no bairro do Morumbi, em São Paulo, apelidada de "casa de vidro", é considerada uma obra paradigmática do racionalismo artístico no país. Esse papel de destaque se completa em 1957, quando inicia o projeto para a nova sede do Masp, na avenida Paulista (completado apenas em 1968), que mantém a praça-belvedere aberta no piso térreo, suspendendo o edifício com um arrojado vão de 70 metros.

Em 1958, transfere-se para Salvador, convidada pelo governador Juracy Magalhães a dirigir o Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA. Na capital baiana, realiza também o projeto de restauro do Solar do Unhão, um conjunto arquitetônico do século XVI tombado na década de 1940 pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Sphan, e se relaciona criativamente com uma série de importantes artistas vanguardistas, como o fotógrafo e etnólogo francês Pierre Verger (1902 - 1996) e o cineasta Glauber Rocha (1938 - 1981). De volta a São Paulo após o golpe militar, em 1964, incorpora em seus projetos o legado da temporada nordestina na forma de uma radical "experiência de simplificação" da linguagem. Sua obra a partir daí assume contundentemente o caráter do que qualifica como "arquitetura pobre". São exemplares importantes dessa última fase de sua carreira os suportes museográficos da exposição A Mão do Povo Brasileiro, 1969, feitos de tábuas de pinho de segunda; o edifício do Sesc Pompéia, 1977, adaptação de uma antiga fábrica de tambores; e o Teatro Oficina, 1984, construção que dissolve a rigidez da relação palco-platéia pela criação de um teatro-pista, como um sambódromo.