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Martinha não podia mais usar calcinhas, pois as modelagensdos tempos de hoje apertam a virilha e o médico avisara que poderiamser rompidos alguns vasos, precaução necessária nos idos da idade dela.Mas daquelas feitas de algodão era possível vestir. Não levam lycra,portanto não modelam a bunda, mas não era mais o caso de Martinha.

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Em busca das pecinhas ela saiu pelas ruas muito agitadas,cheias de expressões interessantes, outras nem tanto. Observou umolho esbugalhado de quem tem hipotireoidismo. Ouviu dizer que oúnico recurso é retirar o olho e raspar a camada de gordura que seamontoa ali atrás, sabe-se lá como. Passou por um senhor sem pés,apoiado nos toquinhos das canelas e pôde diagnosticar diabetes,sem dúvida. Antes de chegar à loja, escutou a tosse que chegava daesquina. Câncer de pulmão. É doente que médico abre, só praconstar, e fecha.

Numa vitrine, Martinha leu que se divide em quatro vezesuma sandália de 19,90. Definitivamente são outros tempos. Martinhaparcelou um salto anabela em dois pagamentos de 9,95. Finalmenteno varejão, avistou a banca de calcinhas. Depois de meia hora revirandotiras de pano, soube que o mundo não é mesmo feito pra mulherescomo ela. Buscou consolo num pacotinho com três cuecas quediante de tal constrangimento foi obrigada a experimentar. Na cabinede luz branca, no arejado conforto do artefato, lembrou como eragostoso ajeitar os bagos ali, coisa que não fazia desde menino.

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O CONVITE DE SARITA

Para chegar na prometida praia, o preço era uma travessiade vinte minutos num barco batizado Sarita, guiado por um certoCapitão Scott. Enfrentou o desgosto vestindo óculos escuros praesconder seus olhos bem fechados que não viram nada de todaaquela água cercando o pequeno e frágil barquinho. Sobreviveu atéo outro lado. Aliviado ao aportar na vila, inspirou com força, puxandoo ar de maresia que roçava seu nariz. Eram quase seis da tarde, avemaria, e ele deu de cara com moradores de roupas muy bem passadasque cercavam a porta da capela. Entre os fiéis, pulsava um vestido delinho verde-água sobre as formas de uma moça de olhos suspeitos.Não era vesga, mas conseguia olhar em várias direções num sótempo, confundindo a platéia. Foi o homem ensaiar um aplauso prasumirem ela, o vestido e o resto do povo igreja adentro.

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Deixou então a missa pros que eram de missa e alu-gou um quarto. Pela janela, descobriu no largo em frente umalancha atracada que fazia as vezes de banco de praça. Se afogouem banhomorno pra sair em busca de cerveja, talvez algum jan-tar. No balcão do bar-estratégia, acompanhou de novo o movi-mento na porta da igrejinha, de onde escapuliam cristãos devida-mente comungados. Um gole ansioso e mais outro, viu enfim anévoa da moça em verde-água. As curvas imperdoáveis e oolhar continuavam lá, de forma que não resistiu e cutucouLeôncio, dono do bar, apontando com o queixo na direção doperigo. O outro foi só deboche: "É Sarita".

Dezessete anos, a pepita de Capitão Scotttinha sido trazida na proa do barco, importada diretamentedo rio Araguaia. Enquanto Capitão ia e vinha transportandogentes e coisas, ela abatia nativos e turistas queatravessavam seu cenário. Era um vício que a danadatrabalhava com cautela, pra não ser envenenada pelasmatriarcas locais, nem macular o afeto de seu justiceiro.O viajante pagou a conta e perdeu a fome, de tanta vontade.No rastro da fugitiva, seguiu um caminho torto e desati-nou por dentro quando cruzou o largo. Empoleirada feitosereia no volante da lancha, Sarita o convidava.

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PREAMAR

O Rio de Janeiro assa. Vaichover. Meninas fervem pelas bordas.Há quem voe no afã da fuga. Nada.Mamíferas emergem dando corda:não senti o arpão bífido daquelesolhos. Nem me afastei de nenhum barcopor amor. A malina encobre meusdesejos incompletos. Pelo mardeslocam-se surpresas. Venta mais.Vai chover e a cidade arde demais.Experimento as bordas das meninas.O pescador imita a minha criacom gemido eletrônico. Confundo-me com os gritos. Despeço-me de tudo.po

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MANSA

Alguma coisa dos avós é barrooutro tanto coincidência.

Os homens parecem gostar das mulheres que gostam do Roberto Carlos

Borboletas foram as primeiras companheiras por causa da metamorfose Baleias as segundaspor causa do chafarizEm terceiro os machospor causa daquilo mesmo.

O vigor da palavra chegou com umPOR QUE EU?

Mas gostou de repolhoamoraáguaOceaniaandar e voltar nadar e dançar.

Uma tia guardava cartas lindasdo marido que morrera.

Outra tocava piano enão tinha medo de cobras.

Ambas fundadorasdo realismo fantástico,aprofundadonuma estada em Barbacenae suas piadas sobre loucos.

Estada de três anos,acrescidos de quatronuma Varginha de Misses Suéteres.tre

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As montanhas se aproximam do céuporquedesejam construir um horizonte.

A meio caminho de escolher,Mansa socializou-se,como gripecáriedisenteriahemorragia.

Na primeira vez esbanjou carinhona segundaesbanjou mulherna terceira sonhou com aeternidade.

Estabelecida,Mansa criou raiz,fundou residênciase agarrou ao diabordejando a noite.

Admirada,Mansa viu desafios:jornal democráticomovimento estudantilfeminismocinemapoesia

ganhar dinheirocasar-sedemocratizar a vida"carnavalizar a vida"sublevar...

O verbo era, no princípio,um gritoressoando cataclismos eentranhas.

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Aí, Deus inventouos feriadosa dúvidao desejo de paz.

Tendo criado a mulher e o homemfoi obrigado a administrar e tornou-se quase vulgar.

Apareceram religiões para empurrá-loalém do saber comum eda própria imaginação

À Maria Esperança competeesquecer o princípiosocorrer perpetuamente, o futuropresentear Deus.

O primeiro presente são interrogaçõeso segundo, linhas cruzadaso terceiro, circular por aí ...

Redondamente enganadaMansa respeita códigoscomemora aniversáriosplanta roseiras ese espeta nos espinhos.

Mas, com toda a certeza, decidese vai chover ou fazer solter fartura ou escassez e o resultado da loteria.

Compreende ilusõesgosta muito de promessasacredita em milagres erelativiza tudo

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No fim dos temposserá queimada,feiticeira descrentedas igualdades edas diferenças.

Das cinzas, o olharcaleidoscópico e circunspectorecuperando cada minúciadelírio segredo

manga, frango, samambaiaolho-de-sogra e pé-de-molequecaranaval, quintal, teoremasdecorados perto do galinheiro.

Enunciadohipótese tesecomo queremos demonstrar...

Rádio ligadoporque é mais fácilnão ouvir!

Over dose dedisciplina da vida...

Fazer o deverensinar pras colegas manter princípios. O primeiro foi

sonharáso segundo, perguntarás o terceiro, amar.

Quando vierem as ondas surfarás.

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RASCUNHO

Não lembra bem a Rosa quando foi que deu parausar os cabelos soltos. Nunca achou que assim ficasse bonita.Teimava que puxados para cima davam-lhe mais pescoço e aaproximavam do ideal de magreza que a balança insistiusempre em recusar. Deu-se porém que Ele, um dia, disse que osgostava assim, bagunçados a lhe escorrer pelos ombros.

Coincidiram - os cabelos soltos - com o esconder das tatuagens.Tarefa ingrata disfarçá-las. São grandes. Rabiscos pretos que lheenfeitam os braços. Rosa era toda orgulho quando as fez. Foram elasque lhe permitiram toda a sorte de caretices que sua obrigação demodernidade tentou sempre cancelar. Só lembra porém que, semmuitas explicações, tornaram-se menos do que apropriadas. O mesmose deu com as unhas vermelhas que lhe coloriam os pés. Por quemesmo? O que foi que Ele disse? Será que disse? O que Rosa ouviu,nunca se pronunciou.

Agora, de longe, esses boatos parecem culpa das borboletas.Esses bichos que nos tomam a barriga quando damos de nosapaixonar. Deu-lhes ouvidos, a Rosa. Não havia como ser diferente.Mas, se nada mais, o tempo teima em passar - e curar. Por isso, foi-seo Diabo. Desapareceu serena e covardemente. Levou consigo as bor-boletas. Para a morena, os cabelos soltos.

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PARA CAROLINA

Carolina era linda e só aparecia em fotografiasde costas. Desde criança, toda vez que alguém apontavauma câmera, ela se virava e mostrava os botões da suablusa. Um dia, como era de se esperar, morreu. Os filhos enetos a esqueceram lentamente, mas pro resto dahumanidade o rosto de Carolina desapareceu de uma vezpor todas. Um dia, a bisneta de Carolina achou uma fotoda bisavó. Era a nuca, a gola e os botões daqueles temposem que a empregada também ajudava a dona da casa a sevestir. Achou que se parecia muito com aquela mulher. Saiucorrendo pela casa avisando que, dali pra frente, só ia tirarfotos de costas.

A mãe da menina não gostou e chamou a filha para umaconversa. Disse que não se podia agir assim só por diversão. E contouque, se a bisavó fazia aquilo, era porque havia feito uma promessa.A sorte da menina era que ela sabia exatamente onde pagar promessas.Quebrou o cofrinho, saiu com o dinheiro no bolso e explicou suapressa ao padre enquanto estendia a mão com as moedas.

O velho riu alto. Ele se lembrou da história de um bispoque há muitos anos pregou uma peça numa menina que chegou àIgreja querendo aprender a fazer uma promessa. Decidiu que àquelaaltura da vida não fazia mal se divertir um pouco. Sério, rezou trêsvezes o Pai Nosso, e depois disse, em tom solene: prometa-me quejamais mostrará o rosto em uma fotografia.

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Registro nº1.106 em cumprimentoao disposto na Lei 5.250 de novede fevereiro de 1967.

Tiragem: 2.000 exemplares

Milena de Almeida [email protected]

Elisa Andrade Buzzo Otávio Santiago Helena Campos Bárbara SoalheiroFlausina Márcia da Silva Maria Lutterbach Angelina Camelo Tartaruga FelizLuli Penna

Clara NunesLígia DabulPoli Espírito SantoNele SchrinnerAndréa CatrópaAna Paula FerrazMagaly BátoryDani MorrealeSandra Ciccone GinezOlívia TinguetáGabriela Marcondes

arte da capa: Margarida Mares

novembro/dezembro 200713

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www.mininas.com.br : [email protected]