minimalismo - donald judd

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Universidade Federal do Espírito santo Centro de Artes Departamento de Música e Teoria da Arte Marcos Valério Guimarães SEM TÍTULO, 2012 Vitória, ES 2012

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Page 1: Minimalismo - Donald Judd

Universidade Federal do Espírito santoCentro de Artes

Departamento de Música e Teoria da Arte

Marcos Valério Guimarães

SEM TÍTULO, 2012

Vitória, ES2012

Page 2: Minimalismo - Donald Judd

Apresentação de análise crítica da obra Sem Título – 1970, de Donald Judd, para a Disciplina História da Arte Contemporânea,da Professora Dra. Ângela Maria Grando, do Departamento de Teoria da Arte e Música, do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo.

MARCOS VALÉRIO GUIMARÃES

Vitória, ES2012

SEM TÍTULO, 2012

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Apresentação

A instauração da fotografia em princípios do Século XIX (1839) impõe mudanças no campo da arte. Ao se colocar como interlocução do homem com a realidade, estabelece novos paradigmas para a representação de mundo, uma tecnologia que se apresenta como escopo preciso do real.

Seu rápido desenvolvimento tecnológico e técnico trás resultados sociais e perceptivos. Tira de pintores uma série de atividades sociais e altera as relações perceptivas, a psicologia da percepção, com a construção de novos signos, resultantes de seus processo físico-químico.

Joseph Niepce, 1826 , França.

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Estabelece-se uma contradição para a arte pictórica, para seu lugar, que passa a ser uma atividade de elite. Segundo Argan (1992):

“Em um nível mais elevado, as soluções que se apresentam são duas: 1) evita-se o problema sustentando que a arte é atividade espiritual e não pode ser substituída por um meio mecânico (é a tese de Baudelaire e, posteriormente, dos simbolistas e correntes afins); 2) reconhece-se que o problema existe e é um problema de visão, que só pode ser resolvido definindo-se claramente a distinção entre os tipos e as funções da imagem pictórica e da imagem fotográfica (é a tese dos realistas e dos impressionistas). No primeiro caso, a pintura tende a se colocar como poesia ou literatura figurada; no segundo, a pintura, liberada da tarefa tradicional de “representar o verdadeiro”, tende a se colocar como pira pintura, isto é, mostrar como se obtém , com procedimentos pictóricos rigorosos, valores de outra maneira irrealizáveis. (1)”

E libertar-se de “representar o verdadeiro” significa também libertar-se do ponto de vista determinista da perspectiva renascentista, que era também o ponto de vista hegemônico do Poder unilateral. Gradativamente lances são ousados na busca de elementos que organizem e identifiquem um novo espaço, olhar, procedimento. Os “valores de outra maneira irrealizáveis”. Em um texto, o crítico Michael Fried aborda esse aspecto:

“Grosso modo, a história da pintura desde Manet, passando pelo cubismo Sintético e por Matisse, pode ser caracterizada em termos do afastamento gradual da pintura da tarefa de representar a realidade – ou da realidade em relação ao poder da pintura em representá-la - em favor de uma crescente preocupação com problemas intrínsecos à própria pintura. (2)

Essas questões afastam-se, por exemplo, da perspectiva realista e da figuração, aproximando-se de aspectos formais – linha, plano e cor, materiais – o suporte como elemento discursivo, a tecnologia e o fazer como componentes constituintes da artisticidade da obra - e da linguagem – a crítica e o pensamento como contextualização e delimitação do campo da arte.

(1) ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 79(2) FRIED, Michael, Three American Painters, 1965,

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“Quando pensamos no modo como a arte é pensada – inclusive no modo como os artistas pensam sobre ela – referimo-nos tanto à prática da arte quanto às deliberações da crítica. A arte é determinada em um mundo que está além do ateliê, mas também é feita de outra arte e de ideias sobre a arte.(3)”

As grandes mudanças encontram campo na Europa. Os impressionistas iniciam a tarefas de pesquisas das questões intrínsecas à arte, das condições de sua autonomia. As poéticas do neo-impressionismo, do cubismo, do surrealismo e do futurismo enriquecem a pesquisa da arte, que é atingida em sua estrutura semântica e sintética pelos movimentos vanguardistas do entre - guerras, com os dadaístas e, de maneira aguda, a poética crítica de Marcel Duchamp, que formula abordagens inusitadas para a concepção do espaço, do objeto e do sujeito artísticos, apontando caminhos para a aliança da arte com a ciência, as técnicas de manufatura e das relações dialéticas do artista, da arte e do espaço social.

(3) HARRISON, Charles – WOOD, Paul. Modernidade e Modernismo reconsiderados, in Modernismo em Disputa. São Paulo: Cosac & Naife Edições, 1998. pp. 170-171.

À esquerda, A Fonte, ready-made de Marcel Duchamp, apresentada, e rejeitada, para a curadoria de uma exposição em 1917, no Salão da Sociedade Novaiorquina de Artistas Independentes, questionando o estatuto da arte, assim como os critérios de avaliação e seleção de obras de arte. Estabelece a grande questão: o que é uma obra de arte?

À direita, travestido de Rrose Sélavy (“personagem” de im trabalho seu), em fotografia de Man Ray, 1921.

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Os construtivistas russos traçam outra revolução que, mesmo que sintonizadas às questões levantadas por Duchamp, levam a arte para o paroxismo de suas especificidades, agregando o campo da ciência, do pensamento racional e da sociologia, afastando ao extremo a arte da natureza. Em 1914 Malevich coloca um quadrado negro sobre um fundo branco: era o elemento Supremarista por execelência, que nunca será encontrado na natureza. Ele declara: “a arte não se preocupa mais em servir ao Estado ou à religião; ela não deseja mais ilustrar a história dos costumes, não quer ter mais nada a ver com o objeto como tal, e acredita que pode existir em si mesma e para si mesma, sem as coisas” (...) “uma posição estética em que a construção de um objeto apontaria para uma geometria imediata e legível.”(4).

Uma arte rigorosa e essencialmente abstrata, longe de modelos naturais, produzindo, por exemplo, esculturas com a clareza de cálculos matemáticos, agregando os avanços dos materiais, da tecnologia de construções, retornando sob a forma de um pensamento radical. Tatlin lança diretrizes em favor do trabalho que explore “o espaço real e materiais reais”(4).

(4) Citado em Exhibition Catalogue, Conceptual Art and Conceptual Aspects, New York Cultural Center, 1970, p. 56. In GABLIK, Suzi. Minimalismo. Conceitos da Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1991. p. 174.

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Página anterior e acima: TATLIN, Vladimir. Monumento à Terceira Internacional. C.1919. Projeto que não se realizou. Seria um prédio habitável, mais alto que a Torre Eiffel e abrigaria a sede da Terceira Internacional Comunista.

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Página anterior: Black Square. Kazimir Malevich. Oil on canvas.1913. State Russian Museum. Saint Petersburg, Russian Republic.

Nesta página: acima: Black Square. Kazimir Malevich. Oil on canvas.1913. Em exposição ,State Russian Museum. Saint Petersburg, Russian Republic abaixo: Relevo, TATLIN, Vladimir , 1924.

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Vladimir Tatlin, “Contra-Relevo”, Exposição no Museu Russo de Leninegrado, 1927 

Vladimir Tatlin, “Contra-Relevo, 1927 , em ”, Exposição no Centro Cultural de Banco do Brasil (CCBB) de Brasília, em abril de 2009

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El Lissitzky Proun Room - 1923 - reconstructed 1971. Sem identificação de local.

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Essas pesquisas avançam sobre os diferentes setores e manifestações da arte. E diferentes países. Na década de 1960 os EUA estão na efervescência do Modernismo, quando as pesquisas na pintura caminham para a poética da planaridade do suporte e da abstração das cores , nas pesquisas de materiais e sua interação com os suportes e os efeitos daí decorrentes. Um movimento estabelecido numa tensão entre prática e crítica, tendo em Clement Greenberg seu grande mentor e teórico.

Para Greenberg, a pintura moderna, a Arte Moderna, estaria reelaborando seus procedimentos, onde cada expressão, ou meio artístico, buscaria trabalhar seus elementos básicos e inerentes, evitando as características de outros meios e da natureza. As pinturas deveriam afastarem-se da tridimensionalidade, próprio da escultura, e atuar em função de uma característica que lhe é particular: a planaridade, explorando as limitações dos suportes e as possibilidades expressivas das tintas.

Dois artistas e duas de suas telas são paradigmáticos desse momento: Sarabanda - próxima página - de Morris Louis (1959, resina acrílica sobre tela, 257 x 378 cm. Solomon R. Guggenheim Miseim, Nova York) e Bloom (Floração) – página seguinte – de Kenneth Noland (1960, acrílico sobre tela, 170 x 171 cm. Kunstsammling Nordrhein-Westfalen, Düsseldorf). São trabalhos que guardam proximidades.

Ambas são abstratas, são grandes e pintadas em acrílico, cujo pigmento pode ser diluído sem a perda do brilho (efeito impossível com tintas a óleo), explorando as propriedades do que era novo, à época: experimentar o tingimento de telas de algodão cru com tintas e corantes acrílicos. São pinturas onde o pictórico se confunde com a materialidade do suporte. Um estilo de pintura que Greemberg chama de “Abstração Pós-pictórica”, numa alusão à um possível contra-ponto ao expressionismo abstrato, momento anterior da pintura americana [“pictórico” denotando um estilo relativamente informal em que se confere alta prioridade aos efeitos de cor e textura, em oposição ao estilo cuja prioridade está na linha e em suas propriedades de definição da forma. (5)].

Argan (6), ao analisar a obra de Morris, lança a questão que se torna um dos fundamentos o contexto da Arte Moderna: “Se o quadro não é uma tela de representação, mas um “local” onde se realiza visualmente um evento existencial, coloca-se o problema de sua realidade objetual: o que é, na realidade, aquele retângulo de tela estendida numa armação, sobre o qual se produzem fatos, muitas vezes carregados de tensão dramática, consistindo em manchas de cor informe? LOUIS parte, sem dúvida, do expressionismo abstrato, todavia rumando para a pesquisa sobre a identidade do quadro, como superfície retangular com um certo comprimento e uma certa largura, certas margens que a separam do espaço da vida, uma estrutura que lhe dá uma substância plástica”.

(5) HARRISON, Charles – WOOD, Paul. Modernidade e Modernismo reconsiderados, in Modernismo em Disputa. São Paulo: Cosac & Naife Edições, 1998. p. 173.(6) ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 523.

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As pesquisas da interação dos elementos procuram atingir uma unicidade e para isso se sustentam no trabalho dos campos de cores, atingindo o paroxismo das telas monocromáticas e à tensões desses campos com as linhas, numa tentativa de esvaziamento do expressionismo abstrato, pesquisas que já vinham desde a década de 1950: Ad Reinhardt, e suas pinturas simétricas e monocromáticas, que em 1960 chegam à série de quadrados negros cruciformes. E os monocromos azuis de Yves Klein.

Na análise de Argan, “O pressuposto fundamental é que a tela estendida na armação, com sua superfície branca e suas bordas rígidas, não seja de forma alguma um plano sobre o qual se projete e dê-se visibilidade a um fato mental, e sim o campo no qual se determina ou realiza-se concretamente certa situação espacial, que naturalmente se oferece como percepção, e como percepção pura e direta, não mais mediadora do conhecimento de outros valores, externos.”(7).

Ad Reinhardt, Red Abstract, 1952. Óleo sobre lienzo. 152.4 x 101.3 cm.. Donación de The Woodward Foundation - Yale University Art Gallery, New Haven ©2004 Estate of Ad Reinhardt / (ARS), New York

(7) ARGAN, Giulio Carlo. A Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p. 570.

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Ad Reinhardt - Abstract Painting, 1960–66. Oil on canvas, 60 x 60 inches (152.4 x 152.4 cm). Solomon R. Guggenheim Museum, New York,By exchange  93.4239. © 2012 Estate of Ad Reinhardt/Artists Rights Society (ARS), New York.

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Yves Klein, IKB 75. Monochrome bleu sans titre, 1960. 199 x 153 x 2,5 cm. Collection Louisiana Museum of Modern Art, Humlebaek, Dinamarca. Créditos: Adagp, Paris 2006

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A OBRA OBJETO

A pintura, a obra, torna-se processo e torna-se objeto. Há aqui uma passagem que o crítico Thierry de Duve (8) identifica como uma passagem do campo “específico” para o campo “genérico”, legitimada pela tela monocromática. Ou a tela em branco. Como “específico”, o crítico define como o conjunto de normas que definem o campo da pintura e são socialmente aceitas. Já o campo da arte seria difícil de ser definido, por isso pode ser considerado “genérico”. Ao se apresentar como uma tela monocromática, a pintura suscita algumas questões aparecem: “se uma tela monocromática pode ser considerada arte, então uma tela em branco também o pode? A tela em branco pertence ao mesmo tempo ao mundo específico da pintura e ao mundo genérico dos objetos. Nesse caso, como diferenciar um objeto qualquer de uma obra de arte? ”(9). Ou, o que faz de uma obra uma obra de arte?

Na década de 1960, Donald Judd, artista norte-americano, concebe a teoria dos “Specifics Objects” como uma resposta para essa contradição.

Ao analisar a pintura, percebe a valorização do suporte, seu vínculo com a poética e a ênfase de seu papel na “narrativa” da obra. Porém, sustenta que a pesquisa então desenvolvida era restritiva: “os elementos dentro dele (do quadro) são óbvios e simples, correspondentes ao próprio retângulo. As formas e superfícies são aquelas que podem acontecer plausivelmente dentro de um plano retangular”. Ao acusar a pintura de limitante, argumenta que “o uso da terceira dimensão é uma alternativa óbvia, ela abre para o nada.”(10). Remete ao conservadorismo as pesquisas desenvolvidas na pintura, lançando-se junto à outros artistas na produção de objetos, estruturas geométricas distantes das estruturas convencionais da escultura tradicional. Traziam das pesquisas da pintura a concepção de unidade e da seriação, não eram figurativas, nem esculpidas ou modeladas, dispensando a relação com a base, o pedestal.

(8) Thierry De Duve, The monochrome and the blank Canvas, in Reconstructing Modernism, Art in New York, Paris and Montreal, 1945-1964, edited by Serge Guibalt, Canadá,1986, pg 245.(9) SOLFA, Marília. A “teoria do não-objeto”, a teoria dos “specific objects” e a emergência de novos meios artísticos no brasil e nos estados unidos. Graduanda do quarto ano do curso de Arquitetura e urbanismo EESC – USP. Orientador: Professor Doutor Fábio Lopes de Souza Santos. Pesquisa de Iniciação científica. Agência financiadora: CNPq, programa PIBIC.(10) JUDD, Donald. Specific Objects, 1965.

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Donald Judd propõe em seu manifesto - teoria uma nova técnica para o “trabalho tridimensional”:

Metade ou mais dos trabalhos novos dos últimos anos não foram nem pintura, nem escultura. Normalmente têm apresentado uma relação, íntima ou distante, com uma das duas. Os trabalhos são diversificados e, neles, grande parte do que não é pintura nem escultura também é diversificado. Mas há algumas coisas que acontecem quase em comum... O desinteresse pela pintura e pela escultura é um desinteresse em repeti-las ...(11)

A unicidade da obra agora é elemento indispensável. A obra apresenta-se (não representa mais nada) como uma forma pura, única, como um gestalt que se realiza em tensão com o espaço, e não pela relação entre partes. “Seu corpo estético é a relação de sólidos e espaços que se definem mutuamente. O espaço não é deslocado, marca da escultura tradicional. Pelo contrário, é penetrado e mantido em tensão .”(12)

Corpo e espaço em tensão que define uma situação “espácio - visual concreta: assim como na nova condição da pintura a tela estendida é o campo onde atuam as forças das cores, definindo uma forma, o objeto da pesquisa apresenta-se como uma estrutura primária, fruto de um processo de construção e não mais de modelagem ou do trabalho de esculpir. É uma escultura-construção: a escultura moderna deveria ser construída, e não esculpida ou modelada, refinando o “puramente visual”. Nesse sentido, há o esvaziamento de toda a dramaticidade da obra, já que não mais representa, não produz sentidos e ambiguidades a partir de sua relação com alguma coisa externa (a “realidade”).

A esses procedimentos de redução das obras foi dado o nome, pela crítica posterior, de minimalismo. Donald Judd é formulador de suas bases teóricas e um produtor de obras significativas.

Seu manifesto “Specific Objects”, 1965, base teórica do movimento, procura delimitar os traços de reconhecimento, as características comuns às obras. As principais referências:

(11) JUDD, Donald. Specific Objects, 1965.(12) FERBER, Herbert. Sobre a escultura, 1954. In CHIPP, H.B. Teorias da arte moderna. São paulo: Martins Fontes, 1999. p. 564.

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- os objetos específicos não pertencem ao campo da pintura nem da escultura;- apresentam-se na terceira dimensão e não têm utilidade, ao contrário dos objetos comuns;- forma, imagem, cor e superfície constituem uma unidade; -possuem a unidade desenvolvida pelos pintores precedentes, não utilizam a composição nem há

hierarquia entre as partes, mas sim relação de igualdade entre elas (seriação) e unidade do todo;- utilizam tinta comercial e a cor própria dos materiais, que são mais fortes que a tinta óleo; os

materiais são enfatizados em suas características.- possuem escala ampla e ativam o ambiente em que se inserem;- são vistos de uma só vez e não parte a parte; não permitem análises nem contemplação pois

sua forma se esgota no primeiro olhar;- o trabalho representa somente o que ele realmente é, não há significado oculto.

Outra característica fundamental é a ideia que antecipa a obra: ela é mentalizada, pensada e planejada, e sua execução utiliza materiais e métodos industriais, de construção de massa: plexiglas, alumínio, vigas de madeira, luzes fluorescentes, aço galvanizado e azulejos de magnésio. Como as obras eram projetadas (idealizadas), era frequente que a execução fosse feita por operários, a partir das especificações elaboradas no projeto.

Robert Morris, Installation at the Green Gallery, NY, 1964

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Untitled, 1963, tela de metal e madeira com tinta a óleo ver cádmo claro. Exposição na National Gallery of canada. Donald Judd

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Ao lado, essa obra de Donald Judd [Sem Título (Pilha), 1967, Laca sobre ferro galvanizado. 23 cm x 101,5 cm x 79 cm cada unidade. MoMA, NY, EUA] consistia em 12 caixas de ferro, idênticas, afixadas à uma parede.

Uma demonstração de puro rigor geométrico, organização sistêmica: cada caixa está a exatos 23 cm de distância entre si, numa repetição seriada que Judd afirmava como destituídas de hierarquia na composição, apresentando-se ao espectador como uma unidade resolvida, conclusa, expressiva em sua presença, por si, sem a necessidade de interpretações para manifestar-se. E sem provocar qualquer emoção.

As reações ao minimalismo foram contundentes: Greenberg sugere que a arte minimalista era “vanguardista demais, intelectual demais, e que não permitia interpretações mais profundas que ‘uma porta, uma mesa, ima folha de papel’”(13).

Outro crítico que também expressou um temor com a arte minimalista foi Michael Fried, que pressentia o fim do objeto de arte sob a égide do minimalismo. Talvez ele se referisse às obras de Morris, uma instalação apresentada em 1964 na Green Galery (Nova York), na qual o avanço do observador era deliberadamente obstruída por sete estruturas geométricas de compensado cinzento (fotos apresentadas duas páginas atrás).

Mas as proposições minimalistas contribuíram para a desmaterialização gradual da obra de arte e na formulação da arte conceitual e na ampliação das possibilidades de interação do campo da arte com a vida.

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Na página anterior (com detalhe nessa página): Donald Judd, Sem Título, 1970. Aço inoxidável e acrílico. 10 unidades de 15,2 x 68,6 x 60,9 cm cada um. Museu de Arte Contemporânea. Chicago, EUA.Este trabalho é repetido com outros materiais, em outras circunstâncias e locais.

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ASPECTOS RELACIONAIS DA OBRA

“O ato criador toma outro aspecto quando o espectador experimenta o fenômeno da transmutação; pela transformação da matéria inerte numa obra de arte, uma transubstanciado real processou-se, e o papel do público é o de determinar qual o peso da obra de arte na balança estética..”

Marcel Duchamp

O trabalho dos minimalistas realça um conjunto de conceitos – apresentação, unicidade, autonomia, a quebra da dramaticidade e da hierarquização da composição, de materiais - plexiglas, alumínio, vigas de madeira, luzes fluorescentes, aço galvanizado e azulejos de magnésio e de técnicas de produção – a obra é pensada, projetada e executada por mão de obra técnica, que dão à obra uma aparência mole, inacabada, e que passam a fazê-la depender do seu espaço exterior, da luz ambiente e da experiência do espectador (13), para ativar a sua artisticidade, ou sua condição de obra-de-arte. Nesse sentido, o trabalho de Judd ativa mudanças na relação da obra com o espaço, no modo como operam com o espaço da galeria e nos esquemas de percepção.

Ao definir-se como um objeto específico, está dizendo de um objeto produzido com materiais industriais, mas que não são objetos deslocados, como os ready-made de M. Duchamp. São elaborados para a especificidade do circuito da arte e buscam sua legitimação no espaço da arte:

“E, para manter a ‘literalidade’, a ‘especificidade’ no espaço da arte – imaginavam os artistas minimalistas – seria preciso restringir-se exatamente à dimensão física, sensível e sensória da experiência na dimensão espacial desta localização precisa: o local de exposição. E sem convocar vivências de outros locais, de outros lugares.”(14).

E com esse espaço mantém uma tensão que institui uma dimensão espacial para a obra, por meio de ordenações, combinações formais e disposições regulares, promovendo uma economia* visual que agencia possíveis experiências e vivências do espectador.

(13) FLORES, Victor Manuel Esteves. Minimalismo e Pós-Minimalismo Forma, Anti-forma e Corpo na Obra de Robert Morris. Covilhã, Portugal: Livros LabCom, 2007. Apresentação do livro.(14) CARVALHO, Ana Maria Albani de. Instalação como problemática artística contemporânea: os modos de espacialização e a especificidade do sítio. Tese (Doutorado em Artes Visuais com ênfase em História, teoria e crítica da arte. Instituto de Artes da Universidade Federal do RS. 2005. p. 165.* No sentido da organização de dispositivos para a obtenção de um objetivo.

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As paredes da galeria são por tradição associadas á uma concepção de lugar da arte, com uma lugar “neutralizado” ou “naturalizado” para a obra de arte. É contra essa tradição que a pesquisa minimalista se posiciona, mas sem desconsiderá-la. Assim, além da parede plana, os trabalhos passam a dialogar com o piso, com o teto (apesar de Duchamp já haver colocado sacos de carvão no teto) e com os cantos das paredes, em obras que são concebidas para os pisos e os tetos e para as paredes. Os trabalhos se conectam diretamente com as superfícies, sem a intermediação de bases, suportes, pedestais.

Trabalho, acima, de Dan Flavin, Untitked (To Danna 5a) 1971, no Museu Nacional de Arte Moderna, Paris.E, ao lado, trabalhos em placas metálicas de Carl Andre, Ao lado – abaixo – as 144 placas de Magnésio (acobreado), que estão também no Museu Nacional de Arte Moderna, Paris, apesar da foto ao lado ser em outro lespaço, em NY, não informado na fonte (http://www.flickr.com/photos/jackwelsh/5532373197/, consultada em 29/04/2012).

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No entanto, os trabalhos continuam no espaço da galeria (o cubo branco de O’Doherty), como a manter a necessidade de uma pureza, uma neutralidade que lhes garanta o estatuto de arte: “A galeria ideal subtrai da obra de arte todos os indícios que interfiram no fato de que ela ‘é arte’. A obra é isolada de tudo o que possa prejudicar sua apreciação de si mesma”(15). Mas uma mudança nessa postura se instaura: as outras faces da galeria são exploradas, e não mais como uma superfície neutra, mas de modo integrado à obra. Há a tensão entre obra e espaço: “(...) a própria galeria tornar-se, como a superfície pictórica, uma força de transformação. Nesse ponto, como mostrou o Minimalismo, a arte pode tornar-se literal e ser destransformada; a galeria fará arte de qualquer maneira.”(16).

Esse contexto de uma outra dimensão do espaço recoloca o espectador, ou propõe outra relação, que altera sua posição de fruição. Tem que tomar consciência de sua postura vertical em relação às obras que agora existem no solo e no teto, de sua frontalidade com a parede que agora é também a obra, pedem seu movimento em torno do objeto, sua percepção engloba o espaço da galeria, as peças / objetos / obras informam dados de seu cotidiano, criando um campo de tensão entre o material comum da tecnologia disponível no mercado e sua atuação num contexto de arte. Um momento que antecipa a arte do envolvimento, da penetração, da imersão e da participação ativa.

(15) O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço de arte. São Paulo: Martins Fontes, 202. p. 3.(16) Ibidem. p. 45.

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No trabalho de Donald Judd (essa série ao lado está também no Museu Nacional de Arte Moderna, em Paris) a relação se dá diretamente com a parede. São dez blocos de mesmas dimensões (15,2 x 68,6 x 60,9 cm ), dispostos verticalmente, em distâncias regulares, fixadas e parte da parede, o que nos faz ver a parede e ver uma unidade: podemos ver cada volume separadamente, algumas a sua parte superior, outras a inferior, como resultado de nosso movimento e do movimento da luz / sombra. Mas estão todas em um sequenciamento vertical, alinhadas e numa relação espacial própria, o que nos faz percebê-la como uma unidade, com dimensão espacial única.

Ferreira Gullar acertadamente dizia que a arte não tem evolução, avanços, mas mudanças, estados históricos. Avanços e conquistas são metáforas militares, como expressou O’Doherty, que também deixa uma crítica bem humorada, mas perspicaz a respeito da relação obra, espaço, espectador, começando com o impressionismo:

Os primeiros espectadores do Impressionismo devem ter tido muita dificuldade de apreciar os quadros. Quando se tentava verificar o motivo chegando bem perto, ele sumia. O Espectador era forçado a ir para trás e para frente para captar partes do conteúdo antes que elas se dissipassem. O quadro, não mais um objeto passivo, emitia instruções. E o espectador começava a exprimir suas primeiras queixas: não só ‘O que deve ser isso?’ e ‘O que isso significa’, mas ‘Onde devo me colocar?’(...) Sem dúvida, assim como os sistemas eram uma obsessão do século XIX, a percepção é do século XX>”(17).

Podemos afirmar uma evolução da arte, que estaria superando a espacialidade perspectiva? Deveria ser o Minimalismo um momento de passagem para as instalações e os environments posteriores? Seria a emancipação do espectador? Mas em relação à quê?

(17) O’DOHERTY, Brian. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço de arte. São Paulo: Martins Fontes, 202. p.63-66.

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http://www.juddfoundation.org

FUNDAÇÃO JUDDMarfa, Texas

Em 1986, Donald Judd criou um museu a céu aberto nessa cidade do Texas. Transforma-se em estúdio e moradia do artista e serve de espaço de trabalho para outros artistas.