minhocÃo da gÁvea o edifÍcio como documento 11, 2015 · moradia, do cortiço ao edifício de...

14
MINHOCÃO DA GÁVEA O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO FAGUNDES, ANGELA C. (1); LIMA, RAQUEL R. (2) 1. Acadêmica da FAU, PUCRS. Av. Ipiranga, 6681, Partenon Porto Alegre/RS Cep. 90619-900 E-mail: [email protected] 2. Professora da FAU, PUCRS. Departamento de Teoria e História Av. Ipiranga, 6681, Partenon Porto Alegre/RS Cep. 90619-900 E-mail: [email protected] RESUMO Assumir que as cidades possuem sobreposição de tempos na sua escrita, documentos, edificações, traçados urbanos e vivências, significa enfrentar o desafio da convivência dos diferentes períodos acumulados pelas cidades atuais. As grandes cidades, como a cidade do Rio de Janeiro, podem ser vistas como paisagens urbanas que acumulam diferentes tempos e sociabilidades, materializadas em importantes ícones arquitetônicos. Da cidade de taipa à cidade de concreto, identifica-se exemplares capazes de apresentar a memória coletiva e identidade de uma comunidade, que assimilou as transformações de diferentes épocas. O Rio de Janeiro possui ícones arquitetônicos tanto pela sua influência na própria cidade, quanto pela sua representatividade na Arquitetura Moderna Brasileira. São objetos arquitetônicos que demonstram o momento histórico que vivenciou uma sociedade, podendo ser considerados edifício como documentos construídos. Por meio de exemplares da arquitetura podemos interpretar e compreender um período histórico de uma determinada sociedade, desta forma entende-se o edifício como um documento histórico de suma importância, destacando-se a necessidade dessa compreensão para a preservação como patrimônio histórico, cultural e arquitetônico. O estudo da habitação coletiva moderna brasileira é o tema central da pesquisa intitulada: Arquitetura da Habitação Popular: alguns estudos de casos sobre os modos de morar, na qual já foram investigados edifícios como o Copan, em São Paulo; o Conjunto Governador Jucelino Kubstchek, em Belo Horizonte, o Edifício Holiday, em Recife; entre outros. O presente artigo possui como objetivo apresentar o edifício do Minhocão da Gávea como um dos exemplares da Arquitetura Moderna Brasileira capaz de representar como documento arquitetônico um importante período do Brasil. O Conjunto Residencial Marquês de São Vicente popularmente conhecido como Minhocão da Gávea localizado junto ao túnel Zuzu Angel, na cidade do Rio de Janeiro, é um projeto de 1952, do arquiteto Affonso Eduardo Reidy e Carmen Portinho, para o Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal. Consiste em um importante documento, capaz de apresentar, por meio de sua implantação, seu programa funcional e sua forma sinuosa, o palco de inúmeras vivências urbanas e experiências de uma sociedade, desde a sua construção até os dias atuais. Um dos representantes dos conceitos modernistas desenvolvidos desde o início do século XX, especialmente pela vertente corbuseana, o Minhocão da Gávea, pode ser considerado um documento arquitetônico, visto que é um marco urbano que confere à cidade uma identidade referente à Arquitetura Moderna. Palavras-chave: Edifício documento; Arquitetura Moderna Brasileira; Minhocão da Gávea.

Upload: lydieu

Post on 11-Nov-2018

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

MINHOCÃO DA GÁVEA – O EDIFÍCIO COMO DOCUMENTO

FAGUNDES, ANGELA C. (1); LIMA, RAQUEL R. (2)

1. Acadêmica da FAU, PUCRS.

Av. Ipiranga, 6681, Partenon – Porto Alegre/RS Cep. 90619-900

E-mail: [email protected]

2. Professora da FAU, PUCRS. Departamento de Teoria e História

Av. Ipiranga, 6681, Partenon – Porto Alegre/RS Cep. 90619-900

E-mail: [email protected]

RESUMO Assumir que as cidades possuem sobreposição de tempos na sua escrita, documentos, edificações, traçados urbanos e vivências, significa enfrentar o desafio da convivência dos diferentes períodos acumulados pelas cidades atuais. As grandes cidades, como a cidade do Rio de Janeiro, podem ser vistas como paisagens urbanas que acumulam diferentes tempos e sociabilidades, materializadas em importantes ícones arquitetônicos. Da cidade de taipa à cidade de concreto, identifica-se exemplares capazes de apresentar a memória coletiva e identidade de uma comunidade, que assimilou as transformações de diferentes épocas. O Rio de Janeiro possui ícones arquitetônicos tanto pela sua influência na própria cidade, quanto pela sua representatividade na Arquitetura Moderna Brasileira. São objetos arquitetônicos que demonstram o momento histórico que vivenciou uma sociedade, podendo ser considerados edifício como documentos construídos. Por meio de exemplares da arquitetura podemos interpretar e compreender um período histórico de uma determinada sociedade, desta forma entende-se o edifício como um documento histórico de suma importância, destacando-se a necessidade dessa compreensão para a preservação como patrimônio histórico, cultural e arquitetônico. O estudo da habitação coletiva moderna brasileira é o tema central da pesquisa intitulada: Arquitetura da Habitação Popular: alguns estudos de casos sobre os modos de morar, na qual já foram investigados edifícios como o Copan, em São Paulo; o Conjunto Governador Jucelino Kubstchek, em Belo Horizonte, o Edifício Holiday, em Recife; entre outros. O presente artigo possui como objetivo apresentar o edifício do Minhocão da Gávea como um dos exemplares da Arquitetura Moderna Brasileira capaz de representar como documento arquitetônico um importante período do Brasil. O Conjunto Residencial Marquês de São Vicente – popularmente conhecido como Minhocão da Gávea – localizado junto ao túnel Zuzu Angel, na cidade do Rio de Janeiro, é um projeto de 1952, do arquiteto Affonso Eduardo Reidy e Carmen Portinho, para o Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal. Consiste em um importante documento, capaz de apresentar, por meio de sua implantação, seu programa funcional e sua forma sinuosa, o palco de inúmeras vivências urbanas e experiências de uma sociedade, desde a sua construção até os dias atuais. Um dos representantes dos conceitos modernistas desenvolvidos desde o início do século XX, especialmente pela vertente corbuseana, o Minhocão da Gávea, pode ser considerado um documento arquitetônico, visto que é um marco urbano que confere à cidade uma identidade referente à Arquitetura Moderna. Palavras-chave: Edifício documento; Arquitetura Moderna Brasileira; Minhocão da Gávea.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Introdução

A convivência de diferentes períodos acumulados pelas cidades tem sido um grande desafio

no início do século XXI, visto que hoje as relações sociais que se desenvolvem nos espaços

urbanos possuem um novo contexto, principalmente influenciado pelo desenvolvimento de

novas tecnologias e por novos modos de viver – de morar, de trabalhar, de produzir, entre

outros. Assumir que as cidades possuem sobreposição de tempos na sua escrita,

documentos, edificações, traçados urbanos e vivências, significa enfrentar o desafio na

busca de novas interpretações das relações sociais que utilizam como palco as cidades

atuais.

Grandes cidades brasileiras, como a cidade do Rio de Janeiro, podem ser vistas como

paisagens urbanas que acumulam diferentes tempos e sociabilidades, materializadas em

importantes ícones arquitetônicos. Ruas, praças, parques, conjuntos de edifícios e edifícios

isolados podem ser considerados, muitas vezes, únicos documentos materializados que

representam intenções, ideais ou vivências de tempos passados. Embora constantemente

alterados, tais documentos, quando somados às suas memórias e às suas vivências atuais,

representam a identidade de uma cidade e de seus usuários.

O Rio de Janeiro possui ícones arquitetônicos tanto pela sua influência na própria cidade,

que possui uma natureza ímpar, quanto pela sua representatividade em importantes

períodos do seu desenvolvimento, como por exemplo, na Arquitetura Moderna Brasileira.

São objetos arquitetônicos que demonstram o momento histórico que vivenciou uma

sociedade, podendo ser considerados edifícios como documentos materializados dessa

cidade.

Sendo assim, por meio de exemplares da arquitetura, podemos interpretar e compreender

um período histórico de uma determinada sociedade e, desta forma, entende-se o edifício

como um documento histórico de suma importância, destacando-se a necessidade dessa

compreensão para a preservação como patrimônio histórico, cultural e arquitetônico.

O tema é complexo e exige aprofundamento. No intuito de apresentar uma breve introdução,

alguns dados referentes às cidades brasileiras do final do século XIX tornam-se relevantes,

principalmente quando se trata das transformações urbanas que se intensificaram nos

grandes centros. Na cidade de São Paulo, por exemplo, identifica-se o aumento da

população, sendo a chegada de imigrantes um dos importantes fatos determinantes para a

elevação da densidade, o que causa a expansão descontrolada da malha urbana. A

habitação existente naquele momento era precária e insalubre. As condições do meio, como

a topografia e a falta de saneamento adequado, favoreceram a proliferação de epidemias,

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

fato determinante para uma intervenção higienista (Bonduki, 2011, p. 33).

Também no Rio de Janeiro, os processos de formação e de transformação dos espaços da

moradia carioca, nos séculos XIX e XX foram complexos e apresentaram diferentes tipos de

moradia, do cortiço ao edifício de apartamentos. As mudanças sofridas pelos espaços da

habitação coletiva e pela cidade assumiram a moradia multifamiliar, moderna e funcional,

como questão fundamental e como alternativa para a extinção da pobreza, da doença, da

promiscuidade e da insalubridade. Esse momento pode ser salientado como um importante

que representa um contexto mais amplo da arquitetura e urbanismo, onde se apresenta a

habitação coletiva enquanto expressão privilegiada da modernidade (Vaz, 2012, p.15).

No contexto brasileiro, o governo deu início a políticas de estímulo à iniciativa privada, com

o intuito de atender a demanda do setor imobiliário, por meio de incentivos ficais e

oportunizando a alternativa de ofertas de casas rentistas. Assim, a partir de 1930, começa a

consolidar-se uma nova abordagem sobre o tema da habitação popular, sendo entendido

como um tema multidisciplinar, ou seja, compreendendo diferentes campos do

conhecimento, tais como: sociologia, política, filosofia, economia, engenharia e arquitetura.

Conforme Bonduki (1998) outra importante iniciativa neste panorama ocorreu também por

parte do poder público que procurou fortalecer os órgãos governamentais - Fundação da

Casa Popular, Carteiras Prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensão e Departamento

de Habitação – com o mesmo objetivo de suprir a necessidade de habitação. A partir desse

momento, surgem diversas iniciativas de implantações de projetos de grande porte,

configurando-se em uma das inovações destes empreendimentos, com número de unidades

habitacionais acima de 2000 unidades, num cenário onde o máximo era de 200 habitações.

Projetos brasileiros adquirem visibilidade internacional, como é o caso do Conjunto

Residencial Prefeito Mendes de Moraes, mais conhecido como Pedregulho, iniciativa essa

proveniente do poder público. O Conjunto Habitacional Pedregulho insere-se, portanto, no

quadro de outras iniciativas realizadas com os recursos dos Institutos de Aposentadorias e

Pensões - IAPs, no âmbito do Departamento de Habitação Popular da Prefeitura do Distrito

Federal. Este Departamento notabilizou-se por implementar uma série de projetos com

características semelhantes ao Pedregulho, entre os quais podem ser lembrados o Conjunto

Residencial do Realengo, do arquiteto Carlos Frederico Ferreira; o projeto para a Vila

Guiomar, em Santo André, de Carlos Frederico Ferreira (1949); o Conjunto Residencial

Passo d'Areia, em Porto Alegre, de Marcos Kruter e Edmundo Gardolinski (1946); o

Conjunto Habitacional da Gávea, também de Affonso Eduardo Reidy (1954), e o Conjunto

Residencial de Vila Isabel, de Francisco Bolonha (1955).

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

O presente artigo busca uma reflexão a respeito da habitação coletiva brasileira moderna,

destacando o Conjunto Residencial Marquês de São Vicente, popularmente conhecido como

Minhocão da Gávea, que consiste em um importante documento, capaz de apresentar, por

meio de sua implantação, seu programa funcional e sua forma sinuosa, o palco de inúmeras

vivências urbanas e experiências de uma sociedade, desde a sua construção até os dias

atuais. Um dos representantes dos conceitos modernistas desenvolvidos desde meados do

século XX, especialmente pela vertente corbuseana, o Minhocão da Gávea, pode ser visto

como um importante documento arquitetônico da cidade do Rio de Janeiro, visto que é um

marco urbano que confere à cidade uma identidade referente à arquitetura moderna

brasileira.

1. Habitação coletiva e Arquitetura Moderna

O aprofundamento do estudo da arquitetura da habitação coletiva popular é fundamental por

vários motivos. Um dos aspectos motivadores no momento atual é o panorama brasileiro

que apresenta, por um lado, um grande déficit habitacional para diferentes grupos sociais da

sociedade; e, por outro lado, um representativo investimento por parte do governo federal

por meio de programas destinados a financiar a casa própria para esses contingentes.

No caso da Arquitetura Moderna, a tipologia de habitação coletiva contribuiu

significativamente para a renovação de implantações urbanísticas, projetos arquitetônicos,

processos construtivos, implementação de programas habitacionais, ocasionando alterações

nos modos de morar da sociedade brasileira. Pode-se dizer que algumas das principais

propostas urbanísticas brasileiras idealizadas no século XX estavam alinhadas com

pensamentos da época. Talvez, muitos dos principais exemplos projetados e construídos

nas grandes cidades do Brasil seguiam tendências de Ebenezer Howard com a Cidade

Jardim e de Le Corbusier, com a cidade moderna que pode ser exemplificada pela Unidade

de Habitação de Marselha. Seguindo as recomendações do 2º CIAM (Congresso

Internacional de Arquitetura Moderna, 1929, Alemanha, Unidade de Habitação Mínima),

valorizava-se a célula da moradia e os equipamentos coletivos, ou seja, funções domésticas

transferidas aos equipamentos sociais e comunitários, tais como lavanderias coletivas,

creches, salas de reuniões, etc.

“A habitação tornava-se a parte mais importante da cidade,

inseparável dos espaços de recreação e demais equipamentos como

assistência médica, ensino, comércio, transporte. [...] forjavam

maneiras de convivência entre seus habitantes: do controle da célula

habitacional às áreas livres. [...] O projeto desses espaços buscava

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

ordenar as relações sociais, a vida comunitária, afetando o sentido de

privacidade e coletividade de seus moradores.” (Segawa, 2010, p.

121)

As vivências tradicionais urbanas mantêm-se presentes nos modos de viver da cidade

moderna, com algumas alterações. Conforme Certaeu (1996, p. 42), o bairro tradicional

seria uma ampliação da habitação, onde a soma das trajetórias utilizadas pelos usuários, a

partir da sua moradia, poderia se configurar em uma superfície urbana transparente para

todos ou estatisticamente mensurável. Desta forma, o bairro e moradia teriam, cada um

deles, os limites que lhes são próprios, e a taxa de controle pessoal. O bairro seria um

espaço de uma relação com o outro como ser social, onde o ato de sair de casa e andar

pela rua, seria efetuar um ato cultural.

A presença da modernidade, nas grandes cidades, oferecia uma nova possibilidade de

habitar, um habitar moderno, que incluiria uma nova visão de bairro, concentrada, talvez, em

grandes edifícios de apartamentos que, além de indicar maneiras de convivências entre

seus habitantes, situavam-no num patamar do progresso da época. Conforme Segawa, o

urbanismo moderno teria criado espaços urbanos com essas características:

“Os conjuntos residenciais forjavam maneiras de convivências entre

seus habitantes: do controle da célula habitacional às áreas livres, o

projeto dos espaços buscava ordenar as relações sociais, a vida

comunitária, afetando o sentido de privacidade e de coletividade de

seus moradores. É inegável a vocação educadora desses espaços, o

imprimir uma moral inerente à doutrina do urbanismo

moderno.” (Segawa, 2010, p. 121)

O estilo de vida metropolitano representava a modernidade para os habitantes dos

conjuntos residenciais, simbolizando o crescente progresso das cidades da metade do

século XX e implicando na oferta de um status social próprio do habitar moderno. Ainda

fazem parte desse cenário as células habitacionais, unidades mínimas de moradia, que

possuíam uma concentração das funções básicas, mas que deveriam atender às

necessidades do morar moderno. A expressão Máquina de Morar demonstrava que a célula

habitacional era tratada como mais um elemento utilitário dos tempos da produção em

massa, símbolo da era industrial.

A Arquitetura Moderna, por meio dos novos modos de morar, apresenta a tipologia de

habitação coletiva como contribuição às diferentes formas de morar, renovando as

alternativas de implantação urbanística, projetos arquitetônicos, processos construtivos e

implementação de programas habitacionais.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

O artigo tem como objetivo geral apresentar o Conjunto Residencial Marques de São

Vicente (Residencial da Gávea) como um importante documento arquitetônico e urbanístico

da Arquitetura Moderna Brasileira, demonstrando como num determinado momento da

história foi abordado o tema da habitação coletiva popular no Brasil. E, para tanto, o

exemplo será explorado por meio de de uma matriz de análise composta pelos seguintes

itens: 1) ficha técnica; 2) cidade na qual está inserido; 3) entorno imediato; 4) resumo; 5)

função; 6) características compositivas.

2. Conjunto Residencial Marquês de São Vicente (Minhocão da

Gávea)

FIGURA 01– Minhocão da Gávea. Fonte: BONDUKI, 2002, p. 112

2.1. Ficha técnica

Localização: Gávea, Rio de Janeiro

Ano: 1952

Equipe: Affonso Eduardo Reidy e Carmen Portinho

Área do terreno: 114.000 m2

Taxa de Ocupação: 11,4%

Programa: 748 apartamentos (328 construídos), lavanderia (construído), posto de saúde

(construído), creche, escola primária e secundária, playground, mercado, igreja, teatro,

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

campos de esportes, administração e departamento de serviços sociais.

Tipo apartamentos: kitchenette e duplex

2.2. Cidade: Rio de Janeiro

A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro foi fundada por Estácio de Sá em 1° de março

de 1565. Tornou-se capital da colônia portuguesa em 1763. Em 1808, virou a sede de todo o

Império Português, com a fuga da monarquia de Lisboa para o trópico. O Rio de Janeiro

passou a ser a capital do Império. De 1889 até 1960 o Rio de Janeiro foi Distrito Federal

Republicano. Em 1960 institui-se o Estado da Guanabara até 1975 e o Município do Rio de

Janeiro a partir desse momento, conforme dados da Prefeitura do Rio de Janeiro.

(http://www.rio450anos.com.br)

Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de

imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas oportunidades que ali se abriam ao

trabalho assalariado. Nas últimas décadas do século XIX a população aumentou

consideravelmente.

Na década de 1940, o Rio de Janeiro sofria uma transformação urbana importante. O

aumento da pobreza agravou a crise habitacional, traço constante na vida urbana da cidade,

que desde início do século XX apresentava as favelas como parte da paisagem, onde se

multiplicavam as habitações coletivas precárias e eclodiam violentas epidemias.

Segundo Britto (2015), uma das primeiras iniciativas da Prefeitura do Rio de Janeiro para

resolver o problema veio por meio dos Parques Proletários Provisórios, ainda no início da

década de 1940, com o objetivo de erradicar as favelas da cidade. Nesse contexto, os

arquitetos vinculados ao Movimento Moderno passam a assumir as demandas pela moradia

popular.

Em 1946 é criado o Departamento de Habitação Popular (DHP) da Prefeitura do Rio de

Janeiro, então Distrito Federal, trazendo a promessa de soluções mais eficazes para o

problema ainda em questão da habitação popular. O objetivo central era oferecer moradia

digna para os grupos sociais menos favorecidos, a começar pelos funcionários do município

com menor renda, segundo o decreto número 9.124 de 4 de abril de 1946.

A primeira equipe do DHP contava com a técnica da engenheira e urbanista Carmen

Portinho, do arquiteto Affonso Eduardo Reidy e o engenheiro Francisco de Paula Marques

Lopes. Em 1948, Carmen Portinho assume a direção do DHP e a proposta do departamento

passou a ser de construir conjuntos habitacionais autossuficientes, que atingisse todos os

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

aspectos da vida do trabalhador. Essas propostas eram viabilizadas por parcerias com

outros órgãos, tais como os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), os Parques

Proletários ou a Associação Lar Proletário.

Nesse contexto, o primeiro conjunto construído pelo DHP foi o Conjunto Residencial Prefeito

Mendes de Moraes, o Pedregulho, que teve repercussão mundial, projetando a Arquitetura

Moderna Brasileira para o exterior. O Minhocão da Gávea também é produto do DHP, já na

fase final da direção de Carmen Portinho, porém implantado incompleto e com a mutilação

causada pela via expressa Lagoa-Barra. (Britto, 2015, p. 21)

2.3. O entorno: O Túnel Zuzu Angel

O Minhocão da Gávea está localizado junto aos Morros Dois Irmãos na Gávea, na cidade do

Rio de Janeiro, à beira do oceano. O Morro Dois Irmãos possui em torno de 500 metros de

altura e, do seu cume, podem-se descortinar magníficos panoramas – de um lado a Lagoa

Rodrigo de Freitas e do outro as praias e a Pedra da Gávea. O seu tombamento foi proposto

pelo Conselho Estadual de Cultura, o qual ocorreu em 1994, conforme dados da Secretaria

de Cultura Estadual. (http://www.inepac.rj.gov.br)

O conjunto do Minhocão da Gávea localiza-se acima do túnel Zuzu Angel, no qual passa a

autoestrada Lagoa-Barra (FIGURA 02). O terreno que abriga o conjunto é de configuração

irregular, com 114 mil m², sendo a metade desse terreno praticamente plano e, a outra

metade, com topografia acidentada, formando um desnível de cerca de 60 metros. A

encosta localiza-se no sentido Norte, tendo à sua frente o maciço do Corcovado e à sua

esquerda o Morro Dois Irmãos; à sua direita está a Lagoa Rodrigo de Freitas e, aos fundos,

o mar, com a praia do Leblon. Embora em alguns apartamentos o ruído e vibração

provocados pela autoestrada seja um problema constante, em outros, o ruído do vento

e canto dos pássaros, pode ser considerado um atributo favorável as habitações.

Cercado pela mata aos pés do Morro Dois Irmãos, o Minhocão da Gávea recebe a visita

esporádica de pequenos macacos, fazendo prevalecer um ambiente bucólico. (Bonduki,

1999, p.106).

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

FIGURA 02– Vista aérea. Fonte: www.rioquepassou.com.br

O projeto original (FIGURA 03) previa a construção de 748 apartamentos, 328 no Bloco A,

creche, escola primária e secundária, playground, mercado, lavanderia, posto de saúde,

igreja, teatro, campos de esportes, administração e um departamento de serviço social. Só o

bloco principal, as lavanderias e o posto de saúde efetivamente foram construídos. Nao

foram construídos os demais sete blocos de apartamentos.

FIGURA 03 – Implantação. Fonte: Bonduki, 2002, p. 107

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

2.4. Conjunto Residencial Marquês De São Vicente (Minhocão Da Gávea)

O Conjunto Residencial Marquês de São Vicente, conhecido popularmente como Minhocão

da Gávea é uma importante obra da habitação popular do século XX. Foi planejado para

substituir uma favela existente no local, com aproximadamente 955 barracões, abrigando

pessoas em condições de higiene e conforto precários, encontrando-se em carácter

provisório, até que a municipalidade promoveu a construção do conjunto do Minhocão da

Gávea.

O conjunto sofreu diversas alterações no seu projeto inicial, inclusive tendo seu programa

suprimido e alterado. Assim como no Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, o

Pedregulho – obra de grande destaque de Affonso Eduardo Reidy – estava previsto escola,

mercado e os demais blocos de apartamentos. Observa-se também o caso do túnel e da

autoestrada que não estava previsto para aquele local. Todas as outras unidades de apoio

foram descartadas ou adaptadas para a nova situação da Avenida Lagoa-Barra. O arquiteto

havia projetado a autoestrada em outra localização (FIGURA 04), porém não foi adotada a

sugestão pelo DHP.

FIGURA 04 – Aérea. Fonte: www.rioquepassou.com.br

Segundo Carmen Portinho, foram elaboradas alternativas para a localização da autoestrada,

entretanto as propostas interfeririam nas instalações da Pontifícia Universidade Católica

PUCRJ (FIGURA 05). Entretanto foi adotada a alternativa que afetaria a implantação do

conjunto do Minhocão da Gávea, o que gerou a insatisfação e discordância de Portinho e de

Reidy, o que lhes renderam as suas aposentadorias (Bonduki, 1999. p.112).

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

FIGURA 05 – Fonte: Google Maps

2.5. Função

A função do conjunto do Minhocão da Gávea, originalmente, seria de um conjunto

residencial autônomo, com diversas atividades complementares à moradia, características

típicas da Arquitetura Moderna. Embora não tenha sido implantado integralmente, a função

de habitação seguiu como proposta fundamental do projeto, sendo materializado na

edificação do Bloco A.

O bloco A foi constituído por 328 unidades habitacionais (FIGURA 06), sendo 136

kitchenettes e 192 duplex. O 1º e 2º pavimentos são compostos por kitchenette, sendo

compostos por sala multifuncional, cozinha e banheiro. O 4°, 5°, 6° e 7° pavimentos têm

apartamentos duplex, sendo compostos por, no pavimento inferior, sala de estar/jantar e

cozinha; no pavimento superior por 2 dormitórios e banheiro.

FIGURA 06– Planta Baixa apartamentos. Fonte: BONDUKI, 2002, p. 110

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

2.6. Características compositivas

No Minhocão da Gávea as características compositivas estão evidenciadas na forma

serpenteante (FIGURA 07), tornando-o um edifício objeto, ou seja, um edifício singular, que

se adapta à topografia acidentada do terreno usando de sua morfologia para envolver a

encosta, integrando-se à paisagem exuberante carioca. Essa forma serpenteante não foi

inovadora, visto que já havia sido empregada no Conjunto Residencial Prefeito Mendes de

Moraes, o Pedregulho.

Uma das particularidades evidente no Minhocão da Gávea é observada nos cheios e vazios

da composição da fachada, cujo caráter do pavimento intermediário de uso coletivo está em

contraposição aos demais, de uso privativo.

Segundo Mahfuz (2001) um edifício tem um tipo de caráter decorrente de alguma

particularidade evidente, ou seja, aquilo que faz de um objeto algo único. No Minhocão da

Gávea esse caráter se torna evidente por meio da monumentalidade da edificação, uma das

características que demonstra a possibilidade da análise do edifício como um documento da

Arquitetura Moderna Brasileira.

FIGURA 07 – Forma serpenteante da edificação. Fonte: Google Earth

Considerações finais

A reflexão acerca da habitação coletiva brasileira moderna, utilizando como estudo de caso

o Conjunto Residencial Marquês de São Vicente, popularmente conhecido como Minhocão

da Gávea, remete ao importante momento de valorização da habitação coletiva como um

dos elementos impulsionadores das transformações que se intensificaram nos grandes

centros urbanos no século XX.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

Planejado para substituir uma favela existente no local, o Minhocão da Gávea representa,

em parte, a tentativa solucionar a situação de insalubridade vivida nos cortiços cariocas,

apresentando uma alternativa em contexto mais amplo da arquitetura e urbanismo, onde

comparece a habitação coletiva enquanto expressão privilegiada da modernidade. O projeto

original do Minhocão da Gávea não foi construído na sua íntegra, não foram executados

todos blocos de apartamentos, a capela, escolas, creche e teatro.

É importante salientar que as paisagens urbanas, principalmente das grandes cidades

brasileiras, acumulam diferentes tempos e sociabilidades, materializadas em importantes

ícones arquitetônicos, tais como, edifícios, conjuntos de edifícios, ruas e praças. No período

da Arquitetura Moderna Brasileira muitas das intenções, ideais ou vivências podem ser

representados pelas habitações coletivas construídas nas metrópoles. Algumas vezes, tais

intenções foram aliadas às mesmas formas arquitetônicas, como o Pedregulho, no Rio de

Janeiro e o Edifício Copan, em São Paulo e também o próprio Minhocão da Gávea.

Entretanto, o Minhocão da Gávea com suas relações urbanas morfológicas e culturais

apresenta-se como importante exemplo de patrimônio da Arquitetura Moderna na cidade do

Rio de Janeiro. Pode-se dizer que é um dos ícones arquitetônicos, digno de preservação da

sua memória coletiva e sua identidade.

Referenciais bibliográficos

BASTOS, Maria Alice Junqueira; ZEIN, Ruth Verde. Brasil: Arquiteturas após 1950. São

Paulo: Perspectiva, 2010.

BONDUKI, Nabil (org.). Affonso Eduardo Reidy. Série Arquitetos Brasileiros. São Paulo,

Instituto Lina Bo e P. M. Bardi Editorial Blau, 1999.

BONDUKI, Nabil. Habitat: As práticas bem-sucedidas em habitação, meio ambiente e

gestão urbana nas cidades brasileiras. 2aed. São Paulo: Studio Nobel, 1997.

BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade,

1998.

BRITTO, Alfredo. Pedregulho: o sonho pioneiro da habitação popular no Brasil. Rio de

Janeiro: Edições de Janeiro, 2015.

BRUAND, YVES. A arquitetura contemporânea no Brasil. São Paulo: Editora Perspectiva,

1991.

CAIXETA, Eline Maria Moura Pereira. Uma arquitetura para a cidade: a obra de Affonso

Eduardo Reidy. Porto Alegre: UFRGS: ARQtextos, 2002.

4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1996.

LEME, Maria Cristina da Silva. Urbanismo no Brasil – 1895 – 1965. São Paulo: Studio

Nobel, 1999.

MAHFUZ, Edson. O Clássico, o poético e o erótico e outros ensaios. Porto Alegre:

Editora Ritter dos Reis, 2001.

PASSOS, Luiz Mauro do Carmo. Edifícios de Apartamentos: Belo Horizonte, 1939 –

1976. Belo Horizonte: AP Cultural, 1998.

Prefeitura do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.rio450anos.com.br. Acesso em:

03/11/2015.

Reidy o filme – REIDY, a construção da utopia. Ana Maria Magalhães, Coleção Canal

Brasil, 2009. 77 mim: colorido, DVD

Reidy e o Minhocão da Gávea. Novembro de 2011 www.reidy-ofilme.blogspot.com.br

(30/4/2013)

SALVADORETTI, Augusto Manfredini. “Minhocão da Gávea”: um conjunto de habitação

exemplar desfigurado pelo poder público. Porto Alegre: FAU/PUCRS, 2013.

Apresentação no XX Salão de Iniciação Científica da PUCRS, orientada pela Professora

Nara Helena Naumann Machado.

SAMPAIO, Maria Ruth Amaral De. A promoção privada de habitação econômica e a

arquitetura moderna: 1930-1964. São Carlos: RiMa/FAPESP, 2002.

Secretaria da Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em

http://www.inepac.rj.gov.br. Acesso em 03/11/2015.

Secretaria da Cultura do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em

http://www.cultura.rj.gov.br. Acesso em 03/11/2015.

SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900/1990. São Paulo: Edusp, 2010. SOUZA,

Célia Ferraz de. Porto Alegre e sua evolução urbana. Ed. Universidade, Porto Alegre: 1997.

TEIXEIRA, Carlos M. Em obras: História do vazio em Belo Horizonte. Rio de Janeiro:

Cosac & Naify, 1998.

VAZ, Lilian Fessler. Modernidade e Moradia: Habitação Coletiva no Rio de Janeiro

Séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: 7 Letras/Faperj, 2002.

XAVIER, Alberto (org.). Arquitetura Moderna Brasileira – Depoimentos de uma geração.

São Paulo: Pini. 1987.