minha terra: meu chão, minha vida

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Minha Terra: Meu Chão, Minha Vida Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 9• nº2033 Março/2015 Macajuba Seu Ildásio, agricultor, membro da comissão municipal da ASA no município de Macajuba onde nasceu, constituiu família e vive buscando alternativas para sua propriedade ser cada vez mais produtiva e sustentável. Ainda criança, deixou a escola para acompanhar o tio e padrinho até o povoado de Jequitibá, município de Mundo Novo-BA onde passava o trem de ferro a fim de alimentar o gado (do tio) que sofria por falta de água e comida em decorrência de uma longa estiagem. “O pessoal liberou pra deixar o gado lá, mas tinha que ter o cuidado, porque o trem não para, né? Do jeito que vem se tiver um animal já era, passei quase 1 ano lá com ele, aí choveu e a gente pode voltar” relata seu Ildásio. De volta, a mãe o colocou na escola. O tio juntamente com sua esposa, em agradecimento pelo trabalho lhe deu um mamote e uma vaca que em pouco teve 2 bezerros. Um certo fazendeiro soube do seu pequeno rebanho e foi lhe procurar “fazendeiro gosta de botar o olho pra tomar o que o pobre tem, quando vê uma vaca boa de leite, um cavalo bonito, uma canga de boi... aí eles vão logo passar a mão, fizeram uma oferta e meu pai aceitou, ai fiquei só com a vaca e o marruá, pouco depois ele vendeu o marruá também que já dava mais de 20 arrobas e o cara que comprou enrolou e foi pagando de quilo de carne, nem vi esse dinheiro”, revela. Da negociação feita com o fazendeiro, Ildásio adquiriu 17 tarefas de terra e seu tio lhe deu mais 10, completando 27 que é onde ele vive até hoje com a família. Em 1983, quando outra grande seca aconteceu, Ildásio foi para São Paulo deixando sua terra e a única vaca que tinha sobrado do seu rebanho, deixou também Maria da Glória sua namorada com quem sonhava se casar. Em São Paulo, foram 4 longos meses. Trabalhou em salão de jogos, depois em um restaurante como garçom, e não se sentia feliz na cidade grande, pior ainda quando recebeu a notícia da morte da sua única vaca. “A seca estava grande e a vaca pariu e não despachou, quando recebi a notícia até chorei, mas o bezerro conseguiu criar”, recorda Ildásio emocionado.

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Ildásio agricultor experimentador, membro da Comissão Municipal da ASA, vem trabalhando com sua família para tornar sua propriedade cada vez mais sustentável e exemplo para as famílias agricultoras da região, através da reserva de água, criação de animais e produção diversificada.

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Page 1: Minha Terra: Meu Chão, Minha Vida

Minha Terra: Meu Chão, Minha Vida

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 9• nº2033

Março/2015

Macajuba

Seu Ildásio, agricultor, membro da comissão municipal da ASA no município de Macajuba onde nasceu, constituiu família e vive buscando alternativas para sua propriedade ser cada vez mais produtiva e sustentável.Ainda criança, deixou a escola para acompanhar o tio e padrinho até o povoado de Jequitibá, município de Mundo Novo-BA onde passava o trem de ferro a fim de alimentar o gado (do tio) que sofria por falta de água e comida em decorrência de uma longa estiagem. “O pessoal liberou pra deixar o gado lá, mas tinha que ter o cuidado, porque o trem não para, né? Do jeito que vem se tiver um animal já era, passei quase 1 ano lá com ele, aí choveu e a gente pode voltar” relata seu Ildásio. De volta, a mãe o colocou na escola. O tio juntamente com sua esposa, em agradecimento pelo trabalho lhe deu um mamote e uma vaca que em pouco teve 2 bezerros.

Um certo fazendeiro soube do seu pequeno rebanho e foi lhe procurar “fazendeiro gosta de botar o olho pra tomar o que o pobre tem, quando vê uma vaca boa de leite, um cavalo bonito, uma canga de boi... aí eles vão logo passar a mão, fizeram uma oferta e meu pai aceitou, ai fiquei só com a vaca e o marruá, pouco depois ele vendeu o marruá também que já dava mais de 20 arrobas e o cara que comprou enrolou e foi pagando de quilo de carne, nem vi esse dinheiro”, revela.Da negociação feita com o fazendeiro, Ildásio adquiriu 17 tarefas de terra e seu tio lhe deu mais 10, completando 27 que é onde ele vive até hoje com a família. Em 1983, quando outra grande seca aconteceu, Ildásio foi para São Paulo deixando sua terra e a única vaca que tinha sobrado do seu rebanho, deixou também Maria da Glória sua namorada com quem sonhava se casar.Em São Paulo, foram 4 longos meses. Trabalhou em salão de jogos, depois em um restaurante como garçom, e não se sentia feliz na cidade grande, pior ainda quando recebeu a notícia da morte da sua única vaca. “A seca estava grande e a vaca pariu e não despachou, quando recebi a notícia até chorei, mas o bezerro conseguiu criar”, recorda Ildásio emocionado.

Page 2: Minha Terra: Meu Chão, Minha Vida

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Bahia

Sua irmã mais velha estava também em São Paulo fazendo tratamento de saúde e agora precisava voltar. Ildásio se prontificou em trazê-la “não tô vendo muita coisa de futuro aqui não, vou voltar pra cuidar da minha vida e minha agricultura, aí eu vim embora, o dinheirinho que ganhei foi pouco, comprei umas roupas novas, não sobrou quase nada”, conta Ildásio rindo e lembrou que também comprou as alianças.Começou sozinho a fazer os adobes para construir a casa e ao mesmo tempo uma roça para garantir o sustento da futura família. “Eu tinha um motor-rádio e todo dia eu acordava de madrugada e trazia ele pra tocar enquanto trabalhava, depois da roça ia para o adobe, era muito trabalho, ai contratei o pedreiro e aqui do lado já tinha plantado 2 tarefa de mandioca e essa roça deu boa... foi tanta mandioca deu umas 40 quartas de farinha”.

Realização Apoio

Ildásio se casou com Glória que dividiu com ele os serviços. Faziam farinha, plantavam feijão, milho e mandioca e, criavam uma pequeno rebanho de gado. Assim, foram aumentando a produção. Depois de um ano, nasceu Wellington, o primeiro filho. Quando este estava com um ano, Glória engravidou de Wilson e pouco tempo depois veio Urânio, o caçula que hoje já tem 29 anos.A água para o consumo era de um tanque de barro. “A gente tinha um jeguinho, às vezes carregava na cabeça, colocava nas vasilhas e no filtro, mas tinha que pegar todos os dias”, relata Glória que, mesmo grávida, carregou muita água na cabeça. Só depois de 5 anos fizeram um tanque de cimento. A cisterna de consumo humano do P1MC – programa um Milhão de Cisternas - conquistaram em 2007 e a cisterna-calçadão em 2012. A partir desta, começaram a vender alguns produtos da horta para prefeitura. Chegou o período da estiagem e Ildasio junto com a família intensificou o plantio de hortaliças, pois tinham água reservada na cisterna. Vendiam tudo rapidamente na feira já que ninguém tinha na região por conta da falta de chuva. Conseguiu pagar todos os débitos da família só com o dinheiro da horta. Vendeu o gado para não tomar prejuízo com a perda de peso e, quando o tempo melhorou, comprou um outro rebanho. Hoje são 22 cabeças de gado e cria também patos, gansos, ovelhas, peru, porco e abelhas. “Gosto de gado, porque minha vida comecei com gado, mas não quero aumentar muito pra não dar prejuízo”.Ildásio é membro atuante da Comissão Municipal de Macajuba há mais de 14 anos, representando a Associação de Pequenos Agricultores do Agrário. Participou do Encontro Estadual de Agricultores Experimentadores em Feira de Santana e depois na Paraíba do encontro nacional. “Admiro o jeito da ASA trabalhar porque respeita a sociedade. Antes da ASA chegar aqui era como se a gente tivesse na escuridão”.