minha cozinha em berlim - juliana romeiro

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Minha Cozinha em Berlim

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando por dinheiro epoder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

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  • Luisa Weiss

    Minha cozinha em Berlim

    Uma histria de amorcom receitas

    Traduo:Juliana Romeiro

    Consultoria gastronmica:Flavia G. Pantoja

  • Para Max

  • Sumrio

    Introduo: Uma ilhazinha estranha

    PARTE 1

    1. No quero ir embora

    2. A menina de seus olhos

    3. Uma memria distante

    4. Uma vantagem injusta

    5. Meu tio siciliano

    6. O problema do caf da manh

    7. Ensopadinho da Depresso

    8. primeira vista

    9. Nem um pouco pronta

    PARTE 2

    10. De quatro

    11. The Wednesday Chef

    12. Fcil demais

    13. Corao dividido

    14. Tudo o que voc sempre quis

    15. Mexeu comigo

    16. Comida para coraes partidos

    PARTE 3

  • 17. Um juramento

    18. Agora eu acredito

    19. Espere e confie

    20. Um coro de milhares

    21. Encruzilhadas da vida

    PARTE 4

    22. Desaconselhvel para os mais fracos

    23. Luz e brilho

    24. Aquele lugar sagrado

    25. Verduras amargas

    26. Quebrando o feitio

    27. Desejo desenfreado

    28. Da prxima vez eu acerto

    29. Seja corajosa

    30. Amigos e vizinhos

    31. Uma jornada e tanto

    32. Subindo a temperatura

    33. Tanta fartura

    34. To incrivelmente completo

    PARTE 5

    35. O homem mais feliz do mundo

    36. Ao de Graas em Berlim

    37. Uma espcie de epifania

  • 38. Um monte de recompensas

    39. O lugar perfeito

    40. Eu, por inteiro

    41. A garota mais sortuda

    Agradecimentos

    ndice remissivo

  • A coisa mais importante que voc aprender simplesmente amar e ser amado em troca.

    EDEN AHBEZ

  • Introduo

  • Uma ilhazinha estranha

    APRENDI A COZINHAR antes de muita gente, quando era adolescente mas no to novaquanto Maria, uma fazendeira italiana que conheo, que foi enviada para trabalhar com umafamlia rica quando ainda era criana e, aos sete anos de idade, tinha de subir numa cadeira paraalcanar a mesa onde abria a massa de macarro que preparava para a famlia todos os dias.Minha jornada na cozinha teve um caminho muito mais suave.

    Antes de aprender a cozinhar, eu fazia bolos. Minha me, que preferia ir ao dentista uma vezpor semana fazer uma sesso de limpeza a ter que se encarregar do jantar, tinha um velho livrode receitas, sem capa e com um corao estampado na lombada. Na folha de rosto, o coraoestava coberto pelas palavras The Way to a Mans Heart [Como conquistar o corao de umhomem]. Ora, eu no sabia muito sobre isso, o que eu sabia era que The Settlement Cook Book [Olivro de receitas da conciliao], com esse ttulo to sensvel e de esprito pioneiro, me fazialembrar de um dolo: Laura Ingalls Wilder, cujos livros foram meus fiis companheiros deinfncia.

    Eu os lia na cama, antes de dormir, e os folheava com entusiasmo durante o dia. Sonhava comos bolos de aniversrio que faria para cada um de meus amigos. E, ento, ansiosa pelosresultados, me ocupava na cozinha, preparando um Bolo com Calda de Ma e um Bolo deChocolate Rpido de uma Tigela S, aprendendo a derreter chocolate com manteiga na leiteiraque minha me usava para esquentar o leite no caf da manh e como bater manteiga comacar at ficar igual a neve. Fazia fudge de chocolate, moldava biscoitos amanteigados, chegueia fazer balas de caramelo, at que, numa tarde, minha me me encurralou na cozinha e, semrodeios, mandou que eu parasse com aquilo.

    Mas, como as mes bem sabem, difcil se interpor entre um filho e a paixo que elealimenta. E, para mim, cozinhar estava se tornando a nica coisa que eu realmente amava fazer.Cozinhar e ler livros. Poucas atividades me davam tanto prazer quanto passar o tempo na cozinha,e assistir manteiga fria e gordurosa se transformar em uma espuma cremosa e amarelada nasps da batedeira eltrica, ver a massa pegajosa de bolo se transformar num doce aerado ouobservar a massa de po depois de ela crescer, macia e ligeiramente seca, e imagin-la como aparte interna do brao da minha av.

    Quando fiz dezesseis anos, meu pai me deu um exemplar de The Art of Fine Baking [A arte daculinria de forno], que, alm de ter deixado minha me em pnico, me ensinou a fazer gnoisee petits-fours decorados com glac rosa, massa folhada e suspiro. E, o melhor de tudo, talvez: terinstigado a ideia de que o desdm de minha me em relao a minhas empreitadas na cozinhano era generalizado.

    Em meu caminho at a vida adulta, adquiri uma faca de cozinheiro de quinze centmetros,uma panela verde-escura de ferro fundido e a constatao crescente de que cozinhar no eraapenas um modo de encher uma travessa de brownies ou de deixar uma cozinha com aroma deensopado de carne. Estar na cozinha era meu jeito de evocar as pessoas e os lugares que eu mais

  • amava no vapor que subia das panelas no fogo. E quando fui acometida pela doena rara ecrnica conhecida como saudade, entendi que a cozinha seria minha salvao.

    NASCI EM BERLIM, em 1977, na poca em que ainda era conhecida como Berlim Ocidental.Naquele tempo, ainda era possvel ver os buracos dos tiros de morteiro na fachada de muitosprdios, e o ar cheirava a fumaa de carvo. Alunos da Alemanha Ocidental torciam o narizpara as viagens obrigatrias que tinham de fazer a Berlim Ocidental. Para eles, a cidade eradesagradvel e muito distante, e demandava vrias horas em um nibus atravessando as planciesda Alemanha Oriental, alm de terem de passar por postos de fronteira controlados por guardasde cara amarrada e sotaque engraado.

    Meu pai, um matemtico da Filadlfia, e minha me, uma tradutora-intrprete vinda de Roma,se apaixonaram e se mudaram para Berlim no incio dos anos 1970, quando Richard Nixonestava em seu primeiro mandato como presidente dos Estados Unidos e o Baader-Meinhof aindaera assunto de famlia. Meu pai queria fugir das universidades de Boston e encontrou umemprego temporrio como professor em Berlim, e minha me, que ele tinha conhecido um anoantes num curso de alemo na ustria, resolveu se juntar a ele. Ambos tinham vinte e poucosanos, e estavam prontos para uma aventura. Naquela poca, Berlim Ocidental era uma ilhazinhaestranha, seus bairros, repletos de soldados norte-americanos, franceses e ingleses, e o metr,cheio de punks de cabelos espetados. A cidade era mantida pelas foras de ocupao e pelogoverno da Alemanha Ocidental, que injetava dinheiro na Berlim Ocidental para manter o postoavanado sempre vibrante em contraste com o que havia do outro lado.

    A princpio, os dois alugavam quartos de paredes finas em casas de senhoras rabugentas nostranquilos bairros burgueses de Neu-Westend e Schmargendorf. Mas o ano que elesprogramaram passar em Berlim rapidamente se transformou em dois, e, em pouco tempo, elesdecidiram ficar. Meu pai conseguiu um emprego no departamento de matemtica daUniversidade Livre, e minha me assumiu um cargo de tradutora no escritrio da ComissoEuropeia, como era conhecida na poca. Eles encontraram um apartamento na BambergerStrasse, no tranquilo bairro de Wilmersdorf, no corao da Berlim Ocidental. Numa dasextremidades da rua, havia um salgueiro e uma srie de prdios largos, construdos depois daguerra, e na outra ficava o prdio deles, uma construo verde-clara da virada do sculo, comportaria de mrmore, corrimo de madeira lustrada e um buraco vazio de elevador. Oapartamento ficava no terceiro andar. Tinha p-direito alto, o quarto ficava num recuo semjanelas e a cozinha tinha vista para as rvores l embaixo. Todas as ruas daquele pedao deWilmersdorf, conhecido como Bayerisches Viertel, ou quarteiro bvaro, tinham nome decidades da Baviera. Antes da guerra, muitos judeus berlinenses moravam em BayerischesViertel, mas na poca j no havia mais quase nenhum.

    Meus pais fizeram muitos amigos em geral, norte-americanos expatriados casados comalemes , e eles se encontravam em partidas de softball ou em reunies para discutir acampanha presidencial de George McGovern, de 1972. No entanto, medida que o tempopassava e as amizades se intensificavam, os encontros que um dia tiveram um sincero cunhopoltico se transformaram em tardes de bate-papo e fofoca alimentadas por litros de ch e

  • biscoitos caseiros, para total decepo dos militares norte-americanos que grampearam as linhasde telefone dos envolvidos.

    D pra imaginar o tdio que devia ser a rotina daqueles caras, interceptando a gente?, diziaminha me, rindo. Me ouvindo perguntar nonna Adele como era a receita de berinjela parmegiana ou marcando uma ida ao cinema com Ann? Mas no havia nada de tedioso nashistrias que meus pais contavam da vida em Berlim. Era o vislumbre de um mundo que eu noconhecia, em que os dois ainda estavam juntos. Porque, na verdade, no conseguia me lembrarde uma poca em que no estivessem separados.

    A gravidez de minha me foi complicada e acabou mal. Como nasci duas semanas antes dotempo (de olhos arregalados e a cabea repleta de cabelos), o mdico de minha me, dr. ErichSaling que era chefe da obstetrcia e especialista peditrico da maternidade de Neuklln , memandou direto para a incubadora. A histria de meu nascimento sempre esteveindissociavelmente ligada ao nome dele, pronunciado com reverncia por minha me, como seele fosse uma espcie de guardio do portal do mundo dos vivos.

    Meu pai gostava de contar sobre a primeira vez que me vira, olhando para ele da incubadora,atenta e de cabelos pretos, em meio a bebs alemes carecas, rechonchudos e que dormiam. Elenunca falou muito a respeito daquele dia, se atendo apenas memria da filha se contorcendo,to viva, to ansiosa para sair para o mundo. Meus pais me chamaram Luisa, por causa da tia-av de minha me, mas tambm porque esse nome era idntico nas trs lnguas de nossa famlia:alemo, italiano e ingls.

    Todos concordam que eu era uma criana tranquila; com seis semanas de vida j dormia anoite toda. Alguns meses depois, quando meus pais voltaram ao trabalho, Joan Klakow, umaexpatriada norte-americana amiga deles e que tinha trs filhos, acabou se tornando, na prtica,minha bab. Joanie, como eu a chamava, e seu marido, Dietrich, me incorporaram facilmente rotina deles, me dando banho na pia do banheiro, me colocando para dormir no colo de seusfilhos, num pufe, me levando para Porto Rico para visitar a me de Joanie. Eu amava o cheiro decanela e o calor da casa deles. Amava me sentir como se fosse o quarto filho daquele casal.

    Mas, mesmo quando se tem tudo o que se pode querer no caso de meus pais, uma crianahavia muito desejada e fcil de cuidar, uma comunidade acolhedora e afetuosa que era comouma famlia e, em muitos sentidos, uma vida boa , ainda assim isso pode no ser suficiente.Logo aps meu nascimento, o casamento deles comeou a desmoronar. Quando completei trsanos, ele j havia se desintegrado por completo. No me lembro muito desse perodo, afinal decontas a vida com Joanie e Dietrich era segura e intensa. E eu era muito pequena.

    Quando minha me deixou claro que no havia mais casamento a ser salvo, meu pai, debigode e de corao partido, resolveu voltar para os Estados Unidos e me levou com ele. Ns nosmudamos para Brookline, um subrbio de Boston com parques repletos de rvores e prdios detijolos vermelhos, enquanto minha me permaneceu no mesmo lugar em que fomos, por umbreve perodo, uma famlia. Embora ainda passasse as frias de vero e de inverno com ela,voando de um lado para outro sobre o oceano, e, anos depois, tenha voltado a Berlim para cursaro ensino mdio, nunca superei aquela perda do incio da vida. A saudade dela, e de Berlim, setornou um estado de esprito permanente. Durante minha infncia em Brookline, nunca deixei de

  • pensar nos prdios antigos de Berlim, com a fachada desbotada, os parques malcuidados com agrama esmaecida pelo sol, o cheiro de cebolas fritas na manteiga que vinha da janela de umvizinho na hora do almoo, as ruas de paraleleppedos que faziam o carro trepidar. Adoravaimaginar que estvamos em nossa ilha particular, que morar dentro dos limites do Muro faziasermos diferentes, especiais. E sentia saudade do cheiro de minha me, de suas mos macias,seus passos bruscos no corredor diante de meu quarto.

    Meus pais, que optaram por me colocar em primeiro lugar e facilitar o divrcio ao mximo,concluram que a soluo mais fcil era me transformar numa viajante internacional, passando operodo de aulas em Boston e as frias em Berlim. Eu ia de um lado para outro, aprendendo a mefortalecer diante de tantas despedidas que, s vezes, era como se meu peito fosse explodir.Quando fiz dez anos, no consegui mais suportar a distncia e voltei a Berlim, para morar comminha me. Mas, depois do final do ensino mdio, voltei para Boston, para a faculdade. E cadavez que entrava num avio, o corao apertado, me perguntava se minha vida seria assim parasempre.

    Enquanto crescia, indo de Berlim a Boston, Paris e Nova York, descobri que cozinhar era omelhor jeito de me sentir menos sozinha. As panelas e as travessas se tornaram minhas fiiscompanheiras, as colheres de pau gastas e o revestimento opaco na base das caarolas de ferrofundido, uma prova de quanto recorria a elas para encontrar os sabores de casa em cozinhasaleatrias. Cozinhar era fundamental; no fazia o Atlntico diminuir de tamanho nem reduzia asseis horas de fuso, mas tornava meu mundo um pouco menor.

    Era na cozinha que eu podia preparar o mesmo molho de tomate com cenoura e cebola quemeu pai sempre fazia em nosso espaoso apartamento de Brookline, que tinha uma varandacoberta e era repleto de coisas e quartos vazios, onde tambm eu podia ralar chocolate amargonuma tigela de iogurte natural do mesmo jeito que minha me sempre fazia em Berlim, quandoeu ainda me sentava na cadeirinha de criana e podia ouvir os sinos da igreja numa manh dedomingo, o sol entrando pela janela. Quando cozinhava frango picado com pimento vermelho ecebola, os vapores traziam minha querida av italiana de volta vida. E aprendi a sovar a massade po de Joanie at me sentir to forte e capaz quanto ela. Eu no podia carregar minha adoradacozinha de Berlim pelo mundo ou fazer as pessoas que eu amava aparecerem na hora em queprecisasse delas, mas evocando os sabores de Berlim e a comida daqueles que eu amo, minhacozinha se tornou meu santurio, e o fogo, minha ncora.

    A distncia no significa nada quando sua cozinha tem o cheirinho de casa.

  • Parte 1

  • 1. No quero ir embora

    ESTOU COM TRS anos de idade, sentada num banquinho velho de madeira, na porta dacozinha. Na minha frente, em uma pequena mesa de trs lugares, h uma pilha de jornais, latasde biscoito, uma cesta de tecido repleta de guardanapos de pano e um pequeno prato decermica de uns dois centmetros de dimetro cheio de sal. Minhas pernas pendem do banco demadeira, e estou de frente para o fogo.

    Joanie, minha Tagesmutter, que quer dizer bab em alemo, est de p diante do fogo,derretendo manteiga numa panela. Os longos cabelos encaracolados esto presos num coque noalto da cabea. Cachos emolduram seu rosto, e o calor do fogo deixa suas bochechas rosadas. Acozinha cheira, como sempre, a raspas de limo-siciliano e madeira umedecida, a canela quente,anis e um toque de nozes. As paredes so cobertas de loua azul e branca; jarros, taas e bules seaglomeram em cima dos armrios e nas prateleiras.

    No mural acima de minha cabea esto pregadas fotografias dos trs filhos de Joanie Nina,Nikolas e Kim e de mim. Em uma das fotos, estou sentada debaixo de uma tenda feita delenis no quarto de Kim e Nikolas, usando pantufas pontudas de pele que ganhei de segundamo. Kim, fora da foto, me faz rir tanto que mal posso respirar. Ele nasceu seis anos antes demim e o mais prximo de um irmo mais velho que jamais vou conhecer.

    Tecnicamente, j tenho idade para comer sozinha, mas Kim ainda me ajuda na hora doalmoo, quando chega da escola, fazendo elaborados barulhos de decolagem, voo e aterrissagema cada garfada que coloca em minha boca. Depois do almoo, brincamos de construir paisagensem seu quarto com os lenis e os travesseiros, e eu me entrego, feliz, a longas sesses deccegas que sempre me deixam com falta de ar.

    Joanie cresceu em Washington, num apartamento grande em Riverside Drive, antes de semudar para Berlim a fim de estudar arte quando era jovem. Ento se apaixonou e se casou comum jovem escultor barbudo chamado Dietrich. Ela adora crianas e sabe exatamente comoconversar com elas e como fisg-las. E, aos meus olhos, Joanie uma deusa. Pode fazerqualquer coisa.

    Ela esculpe bustos: a empregada que a criou, com a cabea jogada para trs, numagargalhada; a sogra da Alemanha Oriental; eu, de rosto srio e o cabelo repartido ao meio. Eento funde as esculturas em bronze, o que faz elas brilharem suavemente sob a luz de velas. Elafaz bonecas com tranas compridas, pernas e braos molengos e as feies do rosto bordadas. E,com retalhos de pano e fita, faz saias, camisas e vestidos de boneca minsculos. Joanie faz po estrudel de ma de massa folhada. Sabe todas as letras de canes folk e de protesto, e, quandocanta, sua voz alta e clara sempre me emociona profundamente. Joanie puro amor. Amor,segurana e conforto; s vezes, parece que todo o meu mundo gira em torno dela.

    Enquanto a manteiga derrete na frigideirazinha de Joanie, bato os ps um contra o outro, numestado de expectativa. Ela derrama uma mistura de ovo batido na frigideira e, conforme a

  • beiradinha comea a endurecer, conversa comigo. Om-l-te con-fi-tiii-ur!, gorjeia ela, e eurepito, imitando: con-fi-tiii-ur! O ovo batido, aerado e num tom plido de amarelo infla comouma pequena nuvem. Com destreza, Joanie vira a omelete na frigideira e, assim que est prontae leve como o ar, ento ela a desliza para um prato, passa uma faixa de geleia de framboesa nomeio, enrola e polvilha com acar de confeiteiro. Adoro o gosto da geleia fria e azedinha emminha boca enquanto devoro a omelete quente.

    Depois do almoo, hora de tirar um cochilo no quarto de Joanie e Dietrich, nos fundos doapartamento, no fim de um corredor comprido, forrado de livros e iluminado por um lustre emformato de lmpada gigante. O barulho do trfego em Hindenburgdamm se mistura ao canto dospssaros e voz dos vizinhos no ptio l embaixo. Os despertadores em ambas as mesinhas decabeceira marcam os segundos to alto que durmo com o corao batendo como ummetrnomo.

    No fim do expediente, minha me, cabelos curtos e com o aroma ctrico da loo de banhoEau Sauvage, aparecer na porta da frente do apartamento de Joanie. Ela entrar, talvez fiquepara uma xcara de ch, mas depois vai dizer em italiano para eu calar os sapatos, e Joanie riro tempo todo, encobrindo a ordem de minha me. Minha me e eu falamos em italiano umacom a outra, mas Joanie e eu falamos em ingls. Para mim, estas so as duas lnguas que sefalam em casa: a da minha me e a do meu pai. E no mundo l fora fala-se alemo.

    J tenho idade suficiente para saber que no devo demonstrar decepo quando minha meme diz que hora de ir para casa, mas nunca quero ir embora do apartamento de Joanie, semprecom aquele cheirinho gostoso, as promessas de sesses de ccegas e guerras de travesseiro, ondeouvimos O livro da selva na vitrola, onde Joanie l os contos de Rudyard Kipling para ns, e onde,quando fao alguma coisa para que ela ria, sua gargalhada domina todo o apartamento. Em casa,a vida mais silenciosa e solitria. H uma tristeza no ar que ainda no posso compreender.

    Mas minha me diz que hora de ir, e sou uma criana obediente. Assim, calo os sapatos, medespeo de Joanie e deso os dois lances de escada, onde um aviso perto de um dos degraussempre adverte: Vorsicht! Frisch gebohnert embora eu nunca tenha visto ningum encerar opiso , e minha me e eu seguimos de carro para casa.

    o incio da dcada de 1980. Ronald Reagan o presidente dos Estados Unidos, as BrigadasVermelhas aterrorizam a Itlia e um Muro circunda a antiga capital da Alemanha, construdo sobo pretexto de proteger os alemes do lado oriental da fora insidiosa do capitalismo, emboratenha apenas a inteno de evitar que seu povo escape para o mundo. E, na Berlim Ocidental,num apartamento de terceiro andar de um prdio antigo num bairro calmo e arborizadoreconstrudo aps a destruio em larga escala provocada pelos bombardeios dos Aliados nosmeses finais da Segunda Guerra Mundial, fico acordada em meu quarto grande demais, sentindosaudade da cozinha acolhedora e perfumada de Joanie.

    Omelete confiture

    Rendimento: 1 poro

  • Pode parecer estranho misturar ovos com geleia, mas a combinao do sabor da fruta, aomesmo tempo doce e azeda, com a textura leve e macia da omelete uma delcia. Serve comoum lanche reconfortante para as crianas ou um caf da manh leve para o adulto cujo paladartende para os doces. As melhores geleias so as mais azedinhas: tenho um fraco por cassis egroselha. E no deixe de polvilhar com acar de confeiteiro. As pequenas exploses de acarna lngua tornam esta omelete especial.

    1 ovo grande1 colher (sopa) de leiteuma pitada de sal1 colher (sopa) de manteiga sem sal1 a 2 colheres (sopa) de geleia de cassis ou de groselha colher (sopa) de acar de confeiteiro, para polvilhar

    1. Separe a clara da gema. Numa tigela pequena, bata a gema com o leite, at misturar bem.Em outra tigela, bem limpa, bata a clara com uma pitada de sal at ela comear a atingir o pontode clara em neve. Acrescente a clara gema, misturando lentamente, de baixo para cima.

    2. Em fogo mdio, derreta a manteiga numa frigideira pequena e antiaderente. Despeje amistura na frigideira e deixe cozinhar por 3 minutos, at que as beiradas tenham endurecido,assegurando-se de que o fogo no esteja alto demais para que a omelete no queime. Sacudindoa frigideira de leve, vire a omelete e cozinhe o outro lado por mais 3 minutos. preciso umpouco de prtica, mas no tem problema nenhum colocar um prato sobre a frigideira para virara omelete.

    3. Quando ela tiver endurecido e estiver cozida por inteiro, transfira-a para um prato. Passe ageleia no centro e enrole uma esptula de plstico pode ajudar. Polvilhe o acar de confeiteirocom uma peneira e sirva imediatamente.

  • 2. A menina de seus olhos

    MEMRIAS SO ALGO engraado. Algumas pessoas dizem que no se lembram de nada doque aconteceu antes que tivessem completado dez anos, outras tm apenas lembranas nebulosasde quando eram crianas. Tenho memrias bem-definidas de muita coisa da minha infncia,como o vestido rosa bordado que minha av Ann me deu quando eu tinha trs ou quatro anos deidade. Ainda posso ver cada uma das rosinhas de cetim costuradas ao corpete do vestido e melembro de quando o experimentei pela primeira vez, de p no tapete felpudo na impecvel casado meio do sculo de meus avs norte-americanos, e de como ele fazia minha pele coarterrivelmente. Ou como eu ficava deitada no trocador junto da janela em meu quarto emBerlim, ao entardecer, e minha me trocava minha fralda, cantando desafinada e batendo deleve na minha barriga, enquanto uma brisa fresca sussurrava pelas cortinas estampadas.

    Lembro-me da cor do carpete do primeiro apartamento que meu pai alugou quando chegamosa Boston, de como a torradeira disparava o alarme de incndio da cozinha e do rosto gentil da sra.McCurdy, que meu pai s vezes contratava para cuidar de mim. Lembro-me at da dor que sentiquando escorreguei no banho, antes de ir para a cama, e ca, batendo o queixo na borda dabanheira rosa, e de como aqueles primeiros segundos terrveis de dor me deixaram muda. Masno me lembro de voar de avio com meu pai quando deixamos Berlim para sempre.

    Um ano depois de chegarmos a Boston, meu pai encontrou um apartamento em Brookline, noterceiro andar de uma casa bonita de tijolos na Claflin Road. Era um apartamento grande grande demais para duas pessoas, uma delas comeando o jardim de infncia. Acho que meupai tinha a esperana de que no fssemos s os dois pelo restante de minha infncia. Um dosquartos tinha apenas a escrivaninha dele e uma cadeira de madeira; outro, s um piano e umbanco simples. Meu pai gostava de treinar a Rondo alla Turca, de Mozart, e, mais tarde, porum breve perodo em que fiz aulas de piano, esmurrava Heart and Soul nele regularmente, asteclas brancas afundando com um peso gostoso sob meus dedos. Fora isso, ele jazia adormecido.

    Eu tinha um quarto pequeno e acolhedor, do tamanho certo, um alvio depois do quarto imensoem Berlim, que sempre me deixava com a sensao de que estava deriva. Num canto, ficavauma cmoda bonita e pintada que meu pai comprara numa loja de antiguidades; o outro lado erao local perfeito para alinhar ordenadamente minhas bonecas, ursos de pelcia e um bonecoquebra-nozes sorridente e barbudo sobre o pequeno tapete. Juntos, escolhemos as cortinasgrossas, estampadas com desenhos de Peter Rabbit e maos de cenouras.

    Mas, apesar de tudo isso, sentia falta do apartamento da Bamberger Strasse e do som do pisosolto no corredor, que sempre rangia quando algum entrava pela porta da frente. Sentia falta deminha me e de seu perfume ctrico, sua voz gentil, o jeito como sorria para mim. Sentia falta deJoanie, meu anjo da guarda, e de como era quando ela me pegava em seus braos fortes.

    Mesmo to nova, sabia que no devia falar muito sobre as coisas das quais sentia saudade.Sabia que meu pai estava tentando fazer o melhor possvel numa situao que devia odiar. Entoachei que tinha que ajud-lo. No deve ter sido fcil estar sozinho, aos trinta e poucos anos, num

  • mundo que ele achava j ter deixado para trs, criando a filha praticamente sozinho. Acho que svezes ele simplesmente no conseguia evitar me tratar como se eu fosse mais madura ou maiscapaz do que eu realmente era. E nem sempre ele conseguia esconder sua turbulnciaemocional. Ento, eu tinha que ser corajosa.

    Logo ns dois desenvolvemos uma pequena rotina. Todo dia de manh, de palet esporte detweed e gravata, meu pai ia para o trabalho, na Tufts University , onde era chefe do departamentode matemtica, e me deixava na creche da universidade, onde eu tirava os meus cochilos datarde debaixo de um cobertor de seus tempos de escoteiro, que pinicava minha pele. Na l azul,escrito com giz branco, o sobrenome Weiss ainda podia ser visto. Enquanto adormecia sob aluz baixa da sala, gostava de imaginar meu pai como um menino, acampando numa barraca emalgum lugar, embora fosse difcil visualiz-lo sem o bigode e o palet.

    No fim da tarde, quando saa do trabalho, ele me pegava na escola e amos para casa; meu paifazia o jantar e lia alguns captulos de um livro para mim, ns dois sentados confortavelmente nocanto do sof creme de tecido grosso da sala de estar. Um ursinho marrom muito amado que afada do dente deixara para mim ficava espremido em meu brao esquerdo. Ento ele cantavauma msica e me colocava para dormir. Assim era a nossa vida, todo santo dia.

    Quando aprendi a ler, comecei a acelerar e atropelar a leitura do meu pai isso o deixavairritado. Embora estivesse to ansiosa para ler cada vez mais rpido havia tantos livros paradevorar , no queria que nossas noites juntos no sof acabassem. Ento, deixei que ele lesse emvoz alta por muito tempo depois de ter aprendido a ler sozinha, mexendo a boca em silncio,enquanto lia em minha mente. Sabia que ele no queria ser deixado para trs.

    Quando voc filha nica de um matemtico que se distrai facilmente com todos osbloquinhos de anotaes vazios do mundo espera de serem preenchidos com frmulas e teoriasa respeito de construes hipotticas, equaes finitas de lgebra e outros pensamentosincompreensveis, os livros so uma vlvula de escape natural. Para mim, no havia nadamelhor. A nica televiso que tnhamos era minscula, em preto e branco, e ficava escondida noarmrio dos fundos para as raras ocasies em que meu pai contratava uma bab. Ento, eu notinha nada que me distrasse de meus livros e de seus outros mundos, que me engoliam porcompleto, desde Nrnia at o bosque de Wisconsin, de uma cidadezinha na Sucia terravermelha da Ilha do Prncipe Eduardo. Nada e ningum me interessava tanto quanto meus livros.Como uma criana tmida que se vestia de um jeito engraado (cabelos curtos, vestidos deflanela cinzentos, camisas de padro xadrez, sapatos de camura azul talvez incrivelmentefofinha para os adultos, mas, no incio da dcada de 1980, em Massachusetts, apenas estranha),eu no tinha um monte de amigos para me afastar de meus livros. De qualquer forma, para eles,eu estava sempre indo embora, sempre indo e vindo entre Berlim e Boston.

    Em vez de me sentir deslocada em meu prprio mundo, mergulhei nas colinas escarpadas daInglaterra, escalei os ramos encantados de uma rvore mgica e explorei as margens cinzentas eesverdeadas do grande rio Limpopo, deixando para trs meu preocupado pai, a solido e asaudade de minha me e de Berlim. Devorava todos os livros que chegavam s minhas mos.Queria ter aquela sensao de ser lentamente sugada para fora do quarto e transportada paratoda uma nova existncia que se construa a meu redor, de novo e de novo.

  • Meu pai incentivava essa obsesso literria. Toda semana me levava biblioteca, onde sedespedia de mim solenemente enquanto eu corria para a seo infantil, as mos nervosas semsaber por onde comear, e comprvamos pilhas de livros na livraria infantil do bairro, onde eupassava horas andando para cima e para baixo pelos corredores de carpete cinzento, os dedoscorrendo pelas lombadas. Quando me levava a um jantar na casa de algum e no houvessecrianas com quem brincar, sempre me deixava ler debaixo da mesa depois que eu terminavade comer.

    Mais tarde, conforme fui crescendo, ele me levava em peregrinaes literrias. Fomos decarro at o centro-oeste dos Estados Unidos para ver a casa de madeira em que Laura IngallsWilder nasceu embora eu no esperasse que fosse to pequena e vazia. Em minha mente aindaera um lar aconchegante e vibrante, com peles de animais decorando as paredes, lampies, umsto e uma famlia feliz. Fomos at a Ilha do Prncipe Eduardo, visitar a fazenda Green Gables eandar na terra vermelha que Anne Shirley tanto amava. Fomos at Fruitlands, ver onde LouisaMay Alcott viveu, e Plimoth Plantation, com seus atores usando roupas de poca, depois que lium livro sobre uma jovem peregrina. Por muito tempo me perguntei se eles contratavamcrianas. Meu mundo era uma estranha mistura de literatura de escape e o isolamento dos filhosnicos.

    Quanto hora do jantar, meu pai e eu tnhamos um pequeno ritual para cada dia da semana.Segunda-feira era dia de comida chinesa pronta. Ns ligvamos para o restaurante GoldenTemple, na Beacon Street, e pedamos uma caixa branca de moo goo gai pan e arroz branco paraviagem. Alguns minutos depois, amos at l buscar a comida, passando pela sorveteria daesquina, que sempre me deixava babando, mas na qual raramente entrvamos. Tera-feira era omeu dia preferido, baked beansa com brcolis. Meu pai abria uma lata de baked beans e ferviabrcolis na gua, temperando com azeite e o suco de um limo-siciliano, e ento comamos osdois juntos. Eu amava o jeito como o feijo agridoce grudava nos meus dentes. E toda semanaamos pizzaria do bairro, que tinha um jukebox. Eu tinha direito a escolher uma msicaenquanto espervamos a comida. E depois que descobri que conseguia fazer meu pai, sempre tosrio, cantar Beat It, de Michael Jackson, sempre escolhia a mesma msica. E, na mesa aolado da janela, comamos torta de queijo e conversvamos.

    Uma vez por semana, ele descongelava um pacote de couve-de-bruxelas, cozinhava no vaporat que ficassem verde-claras e as cobria com um pouquinho de manteiga. Para as couves-de-bruxelas, tivemos que negociar um acordo: primeiro ele se servia e, em seguida, colocava quatrocouves no meu prato, duas pequenas e duas grandes. E eu tinha que comer, mesmo no gostando.Eram amargas e moles e pareciam repolhinhos pequenos, o que no ajudava em nada. Aindaassim, tnhamos fechado um acordo justo e direto, e eu me sentia como se tivesse que cumprir aminha parte. Ento, toda semana, engolia as couves-de-bruxelas. E, por incrvel que parea, umdia, j adulta, descobri que gostava delas.

    Mas o melhor de tudo foi que meu pai me deu uma receita de molho de tomate caseiro. Ele dizque a receita veio da me de minha me, Nin, que ele adorava. Mas minha me diz que nopode ser verdade, porque Nin odiava cozinhar. Eles sempre gostaram de discutir sobre quemestava certo nessa histria. Riii-chard, voc no acha que eu saberia se a minha me algum diativesse feito esse molho de tomate? Ah, nem vem. Voc est me dizendo que eu no lembro

  • quem foi que me ensinou a fazer isso? A discusso no me incomodava; era bom ouvir as duasvozes no mesmo cmodo. E, alm do mais, eu realmente no me importava de onde o molhoviera para mim, era o molho dele.

    Pode parecer um pouco engraado falar de molho de tomate. O mais provvel que vocnunca precise de uma receita. Mas a questo que foi a partir disso que tudo comeou paramim. Esse molho foi uma das primeiras coisas que preparei. o que fao quando no tem nadana cozinha e preciso de um jantar rpido. Quando no h nada que preferiria estar fazendo almde cozinhar. Quando preciso de firmeza e segurana. O cheiro me faz lembrar de meu pai e deminha av italiana, e gosto de pensar que, um dia, essa ser a primeira receita que meus filhosvo herdar de mim. Se isso no for tradio de famlia, ento no sei o que .

    Para prepar-lo, meu pai picava uma cebola com um dente de alho, jogava tudo numa panelacom um pouquinho de azeite aquecendo no fogo. O cheiro da cebola fritando passava peladespensa at chegar sala de estar, onde eu estaria sentada, espera. Quando as cebolasficavam macias e perfumadas, ele acrescentava cenoura picada e tomate enlatado e deixavaferver at adquirir um gosto doce e picante, e eu podia ouvir meu estmago roncar. Ele entofervia uma panela de gua para o espaguete e quebrava os longos fios ao meio. Por fim, cobria oespaguete com o molho e ralava queijo parmeso em cima do prato. Ns nos sentvamos mesa dobrvel da cozinha e comamos juntos, conversando sobre como fora nosso dia.

    s vezes, antes de dormir, depois de cantar para mim e de me dar boa-noite, ele se voltava porta, pronto para apagar a luz, e me dizia que eu era a menina de seus olhos, o amor da sua vida.Como se ele realmente precisasse dizer isso. Eu sempre soube.

    Molho de tomate com cenoura e cebola

    Rendimento: 2 pores (podem-se dobrar as quantidades)

    O nico segredo deste molho cuidar para que a cebola cozinhe completamente no azeite antesde se adicionarem os demais ingredientes. Isso suaviza o gosto s vezes metlico da cebola e dum toque adocicado ao molho.

    2 colheres (sopa) de azeite de oliva1 dente de alho1 cebola pequena picada bem fininha1 cenoura mdia cortada em cubos1 lata de 400g de tomate sem pele de boa qualidade (com suco)salpimenta calabresa em flocos, a gosto (opcional)150 a 200g de espaguete secoqueijo parmeso ralado, a gosto

  • 1. Coloque o azeite numa panela pequena em fogo mdio. Adicione o alho e a cebola picada erefogue, mexendo sempre, por cerca de 8 minutos. No deixe a cebola escurecer. Adicione acenoura em cubos e refogue por mais alguns minutos.

    2. Adicione os tomates e o suco da lata, abrindo-os levemente com os dedos antes de coloc-los na panela. Tempere com uma boa pitada de sal e deixe ferver. Se voc gosta de molhospicantes, adicione a pimenta calabresa. Abaixe o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar por 25 a30 minutos, mexendo de vez em quando. Prove o tempero. Descarte o dente de alho.

    3. Enquanto isso, ferva uma panela de gua com sal para cozinhar o espaguete.4. Cozinhe a massa at ficar al dente. Reserve um pouco da gua do cozimento antes de

    escorrer a massa. Misture o macarro com o molho de tomate e adicione, se necessrio, umpouco da gua reservada para diluir o molho. Cubra com queijo parmeso ralado e sirvaimediatamente.

    a Feijes-brancos cozidos, tipicamente em conserva. (N.R.T.)

  • 3. Uma memria distante

    ESTOU SENTADA QUIETINHA, como me instruram, no banco de trs da perua de Joanie. Elaest ao volante, e o carro est repleto das coisas de sempre: sacolas de plstico velhas, brinquedosde madeira comprados no mercado das pulgas, botas enlameadas dos meninos. fim de julho, eestou com oito ou nove anos, passando as frias de vero em Berlim.

    Toda semana, Joanie visita o sogro, Hans, em Brieselang, uma cidadezinha no interior, logo aonorte de Berlim, que tem um pequeno lago e uma nica rua principal bem comprida. Ela trazconsigo alguns mimos do Ocidente e um pouco de companhia desde que, fazia alguns anos,Lottchen, a esposa dele, morreu. Hans escultor e vive numa casinha acolhedora que cheira amofo e a umidade. Anos depois, eu entenderia que esse era o cheiro do Oriente, e no s da casade Hans; isso e o cheiro de carvo queimando.

    Estamos cruzando a fronteira para a Alemanha Oriental em Staaken, a noroeste de Berlim,uma das entradas que os berlinenses do lado ocidental podem utilizar. A fila de carros tocomprida que as pessoas desligaram os motores para economizar gasolina. Sempre que a filaparece prestes a andar, os motoristas saem e empurram os carros em ponto morto, forando aspernas contra o asfalto, o sol de vero quente sobre o teto dos carros. A fronteira parece umapraa de pedgio congestionada, s que em vez de funcionrios lacnicos recebendo o troco,Grenzpolizei carrancudos da Alemanha Oriental conferem nossos documentos. Quando a polciachega ao nosso carro, o ar se torna pesado pela tenso. Joanie escondeu algumas revistas noestofado do banco da frente, material ilegal num pas decidido a isolar seus cidados do progressodo lado ocidental, mesmo se tratando de algo to banal como tric.

    Quando o Muro subiu da noite para o dia, em agosto de 1961, Joanie e Dietrich estavam defrias em Paris. Ningum havia previsto que aquilo pudesse acontecer, e ele foi construdo emquesto de dias. De uma hora para outra, a fronteira entre o setor sovitico o lado oriental deBerlim e a rea repartida entre a Frana, os Estados Unidos e a Inglaterra o lado ocidental tornou-se intransitvel. E os pais de Dietrich ficaram presos do lado errado. Sete anostranscorreram at que o filho pudesse v-los de novo, embora eles vivessem a apenas 25quilmetros de distncia. Joanie, como cidad norte-americana, podia passar um dia em BerlimOriental. Mais tarde, quando nasceram os dois filhos do casal, os trs podiam visitar Hans eLottchen em Brieselang. Mas Dietrich teve de esperar at 1968, quando foi assinado um acordoentre as duas Alemanhas que permitia que ex-cidados da Alemanha Oriental visitassem o ladooriental pelo perodo de um dia a cada visita. O governo da Alemanha Ocidental conseguiu umapromessa do lado oriental de que no prenderiam por traio os antigos cidados que estivessemem visita. Aquele que porventura estivesse no lado ocidental antes ou no dia 13 de agosto de 1961,como Dietrich, j no poderia ser considerado criminoso pela Repblica Democrtica Alem.Mas no havia como proteger os que escaparam depois que o Muro foi erguido.

    Na mala do carro, h um enorme cacho de bananas e barras de chocolate suo variadas. Noexiste banana para vender na Alemanha Oriental, e as barras de chocolate disponveis nos

  • supermercados estatais so horrveis, parecem blocos de gordura congelada misturada comcacau em p. No ilegal levar bananas ou chocolate para presentear. Coisas que so ilegais:eletrodomsticos feitos no Ocidente, revistas para adolescentes, quantias altas de dinheiro.

    Em Brieselang, na casinha acolhedora de Hans, um aquecedor de cermica verde-abacateesquenta a sala de estar, e ns nos sentamos com as costas apoiadas nos azulejos para nosaquecer. O quintal repleto de caracis gorduchos, alm de algumas de suas esculturas de ferrofundido e um gramado exuberante. s vezes, para meu encanto, encontro at uma lesma cobertade gotinhas de orvalho. O ateli de Hans fica nos fundos do quintal, que tem grandes arbustos defrutas silvestres emaranhados perto da porta. As groselhas agridoces so minhas preferidas.

    Joanie e eu vamos passar o dia l, fazendo companhia a Hans e visitando os vizinhos da casa aolado, que tm uma criao de rates-do-banhado e uma incontrolvel plantao de ruibarbos noquintal. Eles tm um filho da minha idade chamado Martin, e quando assistimos televisojuntos, ele me mostra com orgulho os canais ocidentais que s recentemente o aparelhocomeou a receber. Os vizinhos do outro lado tm uma ginjeira em que posso subir. Os frutos sode um vermelho bem vivo, quase laranja, e ao mastigar um punhado deles, como seamarrassem todo o interior da minha boca.

    Na hora do almoo, Joanie vai assar um Quarkauflauf, um sufl rstico que tem cheirinho delimo-siciliano e feito com ginja e quark, um queijo azedo de leite fresco cujo gosto est ameio caminho entre o queijo cottage e o iogurte natural. Cada um de ns vai comer duaspores, e raspar, felizes, as tigelas at ficarem limpinhas. Depois, nas horas tranquilas aps oalmoo, vou tirar um cochilo no quarto de visitas sob um cobertor que pinica meu queixo. Umsilncio to vasto.

    Na entrada para a Alemanha Oriental, a polcia passou os olhos bem depressa pelo carro,evitando contato visual. na volta para Berlim Ocidental as estradas esburacadas e mal-iluminadas, quase sem nenhuma luz , tarde da noite, enquanto durmo no banco de trs, que apolcia vai nos fazer descer do carro e com as lanternas perscrutar os cantos mais escuros doporta-malas, verificar debaixo dos bancos e atrs das almofadas, enquanto permanecemos sob osholofotes do posto de controle, os campos alm do alcance da luz que queima nossa cabea numbreu completo.

    Sei o que esto procurando e, ainda assim, no sei de verdade. Vejo como so cuidadosos emsua revista, mas ainda no consigo entender como seria se esconder no carro de algum,tentando desesperadamente escapar na calada da noite de uma Alemanha para a outra, embusca de uma vida melhor.

    Joanie me envolve em seus braos enquanto esperamos, meus olhos embaados de sono, nsduas sozinhas na fronteira, a fila de carros do incio do dia apenas uma memria distante.Poucas pessoas deixam a Alemanha Oriental depois que escurece, mas passar a noite ali exigiriaum monte de licenas e selos adicionais, sem falar do aviso prvio de, no mnimo, uma semana.Na pista ao lado, h um grande caminho de transporte de gado. Vejo uma ovelha branca enfiara cara entre as ripas de madeira na lateral da caamba, e depois outra e mais outra.

    Os Grenzpolizei encerram a busca e acenam bruscamente para sairmos. Entramos de novo nocarro e seguimos em frente, as silhuetas uniformizadas diminuem depressa no retrovisor. Eu me

  • enrolo no banco de trs e fecho os olhos enquanto voltamos para casa, de volta para as ruas bem-iluminadas de Berlim Ocidental, onde os supermercados esto cheios de bananas e vrias marcasdiferentes de chocolate. Onde os soldados aliados e suas famlias vivem tranquilamente entre ns,onde o Muro no uma barreira opressora para um mundo diferente, mas uma parte da vidacotidiana estranhamente invisvel e aparentemente inevitvel.

    Estacionada na frente do prdio de minha me, Joanie tentar me acordar. Hora de levantar,mocinha, ela dir, enquanto aperta minha perna com carinho. Vou fingir estar dormindo, doidapara ser carregada escada acima. E, assim, com um pouquinho de esforo, Joanie erguer meusmembros frouxos e subir os trs lances at o apartamento de minha me, o buraco do elevadorornamentado com ferro fundido vazio desde a Segunda Guerra Mundial.

    Quarkauflauf de ginja

    Rendimento: 6 pores

    O quark figurinha fcil nas cozinhas alems. Aromatizado ou puro, esse queijo utilizado parapassar no po no caf da manh ou para ser servido com batatas cozidas. Mas tambm pode sercozido e usado tanto em receitas doces quanto salgadas, como no caso deste sufl rstico deginja. possvel encontrar quark em supermercados bem-abastecidos ou em alguns mercadosde produtos orgnicos.

    manteiga para untar3 ovos grandes, claras e gemas separadas xcara de acar450g de quarkraspas da casca de 1 limo-siciliano orgnico colher (ch) de fermento em p colher (ch) de canela em p de xcara de farinha de trigo tipo 1 ou especial2 xcaras de ginjas descaroadas, frescas ou em conserva (sem a calda)uma pitada de sal

    1. Aquea o forno a 190C. Unte com manteiga uma frma de pelo menos 6cm de altura ecerca de 20 por 30cm. Reserve.

    2. Numa tigela grande, bata as gemas e o acar por 1 ou 2 minutos, at a mistura se tornarclara e ficar com a aparncia de espuma. Sem deixar de bater, acrescente o quark, as raspas delimo-siciliano, o fermento, a canela e a farinha especial at a massa se tornar homognea ecremosa. Com uma colher, acrescente lentamente as ginjas massa.

  • 3. Em outra tigela, bem limpa, bata as claras em neve com uma pitada de sal. Com umaesptula, misture cuidadosamente metade das claras batidas massa de quark, para torn-lamais leve. Em seguida, misture o restante das claras at a massa ficar homognea.

    4. Despeje a mistura na frma untada e leve ao forno por 30 minutos, at que o sufl tenhaassado e comece a ganhar cor. s vezes, na superfcie da massa surgem uma ou duasrachaduras. Retire do forno e sirva quente ou em temperatura ambiente.

  • 4. Uma vantagem injusta

    H PESSOAS QUE esto certas de que ter uma me italiana uma vantagem injusta para quemquer ser cozinheiro. como ter uma carta na manga ou alguma arma secreta. Mas, emboraminha me faa meias de tric, saiba tirar manchas de qualquer tipo e fale cinco idiomas cinco! , ela no gosta de cozinhar. Na verdade, eu diria que ela mal tolera ter que cozinhar.

    Por causa disso, ela teve que aturar ao longo dos anos muitas piadinhas da irm mais velha,que, ao se casar, entrou para um cl siciliano que uma lenda no mundo da culinria. (Prometoque vou falar mais deles em breve.) Mas, na maioria das vezes, minha me no se importavacom a gozao; na verdade, ela achava que merecia. Meu tio siciliano consegue passar vriashoras felizes na cozinha, preparando o jantar. Para minha me, no entanto, ela podia dedicar omesmo tempo para plantar um canteiro inteiro de rosas ou ler um dos trs jornais que l todos osdias, e, assim, se divertir muito mais. Alm disso, ela pergunta, se a fbrica de biscoitos Krumirifaz biscoitos muito melhores do que qualquer um que j tenha sado do forno dela, para que osfazer?

    Sim, minha me jamais vai envolver um pato com uma massa de torta e reche-lo com umamistura francesa complicada. Ela prefere encomendar um assado no aougue a prepar-lo elamesma. Bolos ento, pode esquecer! Ainda assim, acho que ela muito dura consigo mesma.Talvez nunca tenha tido entusiasmo desenfreado pelo fogo para acender em mim o desejo decozinhar. No entanto, ao longo dos anos, minha me me ensinou um bocado de coisas sobrecozinha.

    Foi ela quem me mostrou como fritar costeletas de porco cortadas fininhas numa frigideira deao com fatias de limo-siciliano que chiavam no fogo, acrescentando um gosto amargo emarcante carne suculenta. Eu a vi assar pimentes no forno at eles se desmancharem empedaos macios e adocicados, que ela rasgava com os dedos e temperava com azeitonas picadas,salsinha, farelo de po e anchovas. Tambm sabia improvisar uma salada de inverno deliciosacom endvias, fatias de laranja-de-sangue e nozes tostadas. E, em 1988, quando eu estava nosexto ano, chegou at a me ensinar que rechear um frango com um limo-siciliano e cobri-locom flor de sal antes de ass-lo deixa a carne suculenta e perfumada, e a pele, incrivelmentefina e crocante.

    Passei todo o sexto ano escolar em Berlim com minha me. Por acaso, foi o ltimo ano emque Berlim ainda era uma cidade dividida, embora, claro, no tivssemos como saber disso.Depois de sete anos em Brookline, j tinha sentido saudade demais de minha me e pedi a meupai se podia voltar para Berlim. Ele me fez prometer que seria s por um ano, ento deixou queeu fosse. Mas no se pode confiar numa criana de dez anos. Depois de seis meses vivendo comminha me, eu j sabia que no queria outra coisa alm de morar em Berlim. Adorava a escola,e os colegas de l combinavam muito mais comigo do que os de Brookline. Eu me sentia em casanovamente mesmo que para permanecer com minha me eu tivesse de abandonar meu pai.Mas uma promessa era uma promessa, foi o que meu pai disse, irritado, quando no meio da

  • experincia perguntei se podia mudar de ideia e ficar de vez. Sua resposta foi no. Afinal, eutinha dado a minha palavra.

    E assim, obediente, voltei para Brookline seis meses depois, espumando de raiva. Melanclica,suportei o primeiro semestre do stimo ano em minha antiga escola. Ento, numa fria noite denovembro, poucos meses depois de eu ter deixado Berlim, um burocrata alemo do lado orientalse confundiu ao ler uma diretriz numa coletiva de imprensa e disse aos jornalistas que asfronteiras para o Ocidente seriam abertas imediatamente naquele dia para os cidados daAlemanha Oriental. Essa leitura equivocada fez com que milhares de alemes do lado orientalcorressem para a fronteira, sem acreditar no que acontecia alegres, rindo, cantando e pedindoaos cada vez mais sobrecarregados Grenzpolizei que os deixassem passar para o outro lado.Milagrosamente, no houve violncia. Os Grenzpolizei eram apenas homens que usavam umuniforme verde-acinzentado e tentavam fazer seu trabalho (at que tiveram a sensatez de deixara histria seguir seu curso, e observavam, impotentes, a fileira de pessoas chorando e aos gritosde felicidade crescer rapidamente, como se fosse um crrego, at se tornar um enorme ecaudaloso rio).

    Naquela noite, minha me estava num jantar com o namorado, Florian, na casa de amigos, e,embora tenham ouvido, por acaso, o anncio do burocrata na televiso, nada daquilo fizerasentido para eles. Assim como no fizera sentido para quase ningum, na verdade. Elesdesligaram a televiso e continuaram o jantar. No entanto, mais tarde naquela noite, no caminhode casa, Florian e minha me viram diversas viaturas policiais correndo na direo do Muro.Sentindo-se aventureiros, fizeram meia-volta com o carro e seguiram as viaturas, lembrando-sedaquele anncio enigmtico que haviam visto no noticirio. A curiosidade dos dois valeu a pena:naquela noite, minha me danou no Muro junto com milhares de outros berlinenses que haviamsado para ver por conta prpria se o que tinham ouvido no rdio e na televiso era mesmoverdade. E, no Natal, poucas semanas depois, meu pai, meu generoso Gorbachev, permitiu queeu voltasse de vez para Berlim.

    Eu adorava a impulsividade e o senso aventureiro de minha me. Ela no suportavasentimentalismos ou ter que assumir papis convencionais. Preferia viver a vida de acordo comseus prprios termos, numa intensidade que parecia ser uma contradio em relao a sua baixaestatura. Para que voc no fique com a impresso errada, garanto que minha me tambmtinha seu lado gentil e maternal tricotou um vestido de l rosa macia para meu aniversrio decinco anos, enviava chocolates clandestinos no incio de dezembro de cada ano para ascelebraes alems de so Nicolau, quando eu ainda morava com meu pai, e sempre sabiacomo abaixar minha febre com apenas um toque de suas mos frias e secas em minha testa.Mas, para ela, cozinhar sempre foi mais uma obrigao do que um prazer, tanto quanto o forapara sua me, Nin.

    Nin, como minha av era chamada, era de Puglia, terra de coisas deliciosas como a burrata, afocaccia feita com batata cozida e amassada, para dar viscosidade massa, e o orecchiettecaseiro, servido com rapini cozido no alho. Mas ela cresceu numa famlia pobre a me delaficara viva aos 35 anos, com cinco filhos, quando o marido morreu na primeira batalha depoisde a Itlia entrar na Primeira Guerra Mundial , e comida no era mais que um combustvel.

    Nin deixou sua cidadezinha, Bisceglie, assim que teve idade suficiente para se mudar para

  • Ancona, no norte, e ser professora de filosofia no ensino mdio. Foi l que conheceu meu av eteve trs filhos minha me, seu irmo e sua irm. Ento meus avs decidiram levar a famliapara Roma, quando as crianas eram ainda bem pequenas. Em algum lugar ao longo de suatrajetria, Nin aprendeu umas poucas receitas que repetiu pelo restante da vida. Voc jconhece o molho de tomate que ainda motivo de discusso entre meus pais. Havia tambm umguisado muito gostoso feito com pedaos de frango refogado com pimentes vermelhos eamarelos que minha me fez durante muito tempo, at ningum suportar mais olhar para ele eela acabar abandonando a receita para sempre. Mas um simples ensopado de alcachofra combatata, prato que no agrada nem um pouco aos olhos, era o meu favorito.

    Esse um daqueles pratos caseiros de camponeses italianos que tm uma aparncia gosmentahorrorosa. Um estudo dos variados tons de marrom, por assim dizer. Uma dona de casa francesaque se preze jamais serviria algo do tipo. Mas os italianos tm uma relao diferente com oslegumes. Eles sabem que, ao cozinh-los em fogo baixo por muito tempo, so capazes de elev-los a outro patamar. Vale a pena sacrificar a aparncia se o resultado for um ensopado plido delegumes, mas rico em doura e sabor.

    Minha me no sabia muito bem o que pensar quando assumi o preparo do jantar, ainda noensino mdio. No incio, eu no fazia muita coisa. Preparava vrias saladas de tomatetemperadas com organo seco, muito espaguete, e a levava loucura com meus bolos eguloseimas. (Quem que vai comer tudo isso?, ela reclamava, apontando para as bancadascobertas de biscoitos amanteigados mergulhados no chocolate.) Mas um dia assei um frango dojeito que ela me ensinara, polvilhando com flor de sal. Algumas semanas depois, experimenteiassar pimento vermelho e amarelo e temperar do jeito que ela gostava, com azeitonas picadas,anchovas e bastante salsinha. Logo, estava mais do que compensando a baguna que fazia commeus doces e tinha evoludo de The Settlement Cook Book para Il talismano della felicit [Otalism da felicidade], de Ada Boni, o nico livro de receitas que minha me jamais consultou.Muito pesado, a lombada estava se soltando e suas mais de mil pginas de papel-bbliaabordavam absolutamente tudo, desde uma torta rstica de legumes at o elegante timballi.

    Minha me herdara esse livro da tia com quem vivera quando era criana. Diz a lenda que, napoca, meus avs no tinham como sustentar trs filhos nos difceis anos do ps-guerra, e os tiosde minha me estavam relativamente bem de vida, e moravam num apartamento grande emuma cidade perto de Roma. Os irmos de minha me ficaram com meus avs e chegaram at apassar fome em alguns momentos, enquanto, para minha me, na casa dos tios, nunca faltaranada. No entanto, claro, embora houvesse comida, casa e at mesmo afeto, sempre lhe faltaraa sensao de pertencer a um lugar, de ser amada pelos pais, apesar de eles terem feito isso coma melhor das intenes.

    Nin morreu vtima de um tumor cerebral fulminante, que a levou em menos de um ano,quando eu ainda era pequena. Sua morte foi um choque para a famlia, especialmente paraminha me, que ainda tentava de forma desesperada recuperar o tempo perdido. Ela nuncasuperou a perda. Sei que ainda sente falta de Nin mais do que qualquer coisa no mundo. Ento,acho que ela gostava de fazer o guisado de frango com pimento e o ensopado de alcachofracom batata mais em memria da me do que por qualquer outra coisa.

    Era seu jeito de evocar Nin, de senti-la perto novamente. Afinal, minha me nunca fora do

  • tipo que se entrega autopiedade e sempre preferiu enfrentar a vida com sua grossa armadura ede punhos erguidos. E, ao longo do caminho, alm do ensopado de alcachofra e do peperoni alforno, minha me me ensinou o que significa ser forte.

    Ensopado de alcachofras com batatas

    Rendimento: 4 a 6 pores (como acompanhamento)

    Para este prato, use apenas minialcachofras, e no as alcachofras grandes, que ficam muito maissaborosas quando cozidas inteiras no vapor e saboreadas folha por folha. Para lavar asminialcachofras, encha uma tigela grande com gua fria e o suco de um limo e deixe ao ladoda tbua de cortar. Pegue uma minialcachofra numa das mos e retire as folhas exteriores.Quanto mais perto do corao da alcachofra, mais macias sero as folhas. Quando tiver expostoa maior parte do corao o miolo amarelo macio , pegue uma faca afiada e descasque ocaule, tirando toda a pele verde-escura e deixando apenas uma haste verde-clara. O caule delicioso, no o descarte. Enquanto voc limpa o caule, tome o cuidado de tambm retirarqualquer pedao verde-escuro na base do corao da alcachofra. Na dvida, o melhor errarcortando demais uma garfada de alcachofra dura e fibrosa pode estragar seu jantar. medidaque ganhar experincia, a tarefa parecer mais fcil. Por fim, corte cerca de 1cm do topo dasfolhas remanescentes da minialcachofra. Corte a alcachofra limpa em quatro e mergulhe nagua com limo. Repita o procedimento com as demais alcachofras at que todas estejamlimpas, cortadas e prontas para serem cozidas. Retire os pedaos de alcachofra da gua logoantes de usar. Descarte os restos e a gua com limo.

    xcara de azeite de oliva2 dentes de alho450g de batatas-inglesas descascadas e cortadas em cubos de 2 a 3cm6 minialcachofras limpas e cortadas em quatro1 colher (ch) de sal xcara de vinho brancosuco de de limo-siciliano4 talos de salsinha picados

    1. Coloque o azeite numa panela de 3l de fundo grosso no fogo mdio. Adicione os dentes dealho e deixe refogar por alguns minutos, at ficarem levemente dourados. Em seguida, adicionea batata, abaixe o fogo e deixe cozinhar por 10 minutos, mexendo vigorosamente de vez emquando, para impedir que a batata grude no fundo (a menos que voc utilize uma panelaantiaderente). Adicione as alcachofras e o sal e mexa bem. Agora use o fogo mdio e cozinhepor 5 minutos, mexendo de vez em quando.

    2. Adicione o vinho branco, mexa bem e deixe levantar fervura. Acrescente o suco de limo-

  • siciliano, abaixe o fogo, tampe a panela e deixe cozinhar por 20 minutos, mexendo uma ou duasvezes. Se os legumes comearem a parecer secos durante o cozimento, adicione algumascolheres de gua e misture bem.

    3. Acrescente a salsinha logo antes de servir. Prove o tempero e sirva. O prato pode serguardado em geladeira por um ou dois dias.

    Peperoni al forno conditi

    Rendimento: 4 pores (como salada)

    Esta salada de pimento assado figurinha fcil em minha casa e nunca deixa de impressionaras pessoas. Hoje, muitos livros de receitas e personalidades do mundo da culinria dizem que sedeve assar o pimento com um garfo comprido diretamente na chama, queimando a pele (emuitas vezes a carne) para descasc-lo. Na Itlia, no entanto, os pimentes so assados no fornopor cerca de uma hora, o que garante pimentes macios e uma casa perfumada. Eu imploro:optem pelo caminho mais longo, o resultado mais doce e muito mais gostoso.

    2 a 3 fatias de po branco italiano amanhecido3 pimentes vermelhos3 pimentes amarelos de xcara de azeitonas pretas em conserva, sem caroo e picadas3 fils de anchova cortados bem fininhos (opcional) de xcara de alcaparras em conserva, lavadas e escorridas1 xcara rasa de salsinha picada4 colheres (sopa) de azeite de oliva da melhor qualidade, ou a gostoflor de sal

    1. Corte o po amanhecido em pedaos e passe num multiprocessador at obter uma farinhade rosca grossa. Coloque num prato e reserve, para que endurea e resseque.

    2. Acenda o forno na temperatura de 190C. Forre um tabuleiro com papel-alumnio. Lave eseque os pimentes e arrume-os no tabuleiro. Leve ao forno e asse por 45 minutos, virando ospimentes a cada 10 ou 15 minutos para se certificar de que cozinharam de modo uniforme (euuso os dedos, mas voc pode usar um pegador de cozinha). Ao final do cozimento, os pimentesdevem ter bolhas na superfcie, e seu suco, borbulhar.

    3. Retire o tabuleiro do forno e deixe esfriar sobre uma grelha at que voc consiga manusearos pimentes. Separe um prato limpo ou uma tigela ao lado da assadeira e retire a pele dospimentes, trabalhando sobre o papel-alumnio. Cuidado ao retirar o caule no topo do pimento:normalmente isso faz desprender vapor ou lquido quente. Suas mos ficaro bem molhadasdurante o procedimento; seque-as periodicamente para facilitar o processo. Transfira os

  • pimentes descascados, sem as sementes, para o prato ou a tigela, usando os dedos para rasg-losem tirinhas. Descarte o papel-alumnio, o caule, as sementes e a pele dos pimentes.

    4. Polvilhe os pimentes com a farinha de rosca, as azeitonas, as anchovas (caso queira), asalcaparras e a salsinha e regue com azeite. Misture delicadamente e adicione, a gosto, algumaspitadas de flor de sal. Sirva imediatamente ou deixe descansar, coberto e em temperaturaambiente, por at 4 horas. Caso prefira no servir imediatamente, deixe para polvilhar a farinhade rosca no ltimo minuto antes de servir. Assim, ela permanece crocante.

  • 5. Meu tio siciliano

    SOU DA OPINIO de que todo mundo tem que ter um tio siciliano. No para intimidar seuprimeiro namorado ou para espantar aquele sujeito estranho de terno que sempre a examina decima a baixo no metr, mas para transmitir a voc todo o seu conhecimento na cozinha. Pois tiossicilianos sabem muito de como limpar minialcachofras e de como grelhar peixes e dessalgaranchovas em conserva para colocar no azeite e fritar berinjela de modo que ela fiquepraticamente sem gordura nenhuma. Eles tm opinies sobre quais marcas de macarrocomprar, colocam escarola na pizza de massa grossa e, se deixados sozinhos com uma panela degua salgada e uma pilha de brcolis, so capazes de fazer mgica. Um tio siciliano pode ser suaporta de entrada para uma vida diante do fogo.

    Sem meu tio Pietro, jamais teria conhecido o prazer de, na vspera de Ano-novo, usar umpalito de dente para puxar de suas conchas pretas pequenos caramujos-do-mar cozidos no molhode tomate. Foi ele quem me ensinou a rechear a flor de abobrinha com um pedao de muarelade bfula e um fil de anchova e ento torcer as pontinhas, mergulhar numa mistura de ovo paraempanar e fritar at ficar bem sequinho. Comi ostra crua pela primeira vez obedecendo a suasordens (ela grudou feito gelatina em minha garganta, enquanto ele me observava na outra pontada mesa) e meu primeiro ourio-do-mar tambm, no po com manteiga, noite, numa mesinhana parte externa de um caf, em Nice. Meus melhores espaguetes foram os que aprendi vendomeu tio na cozinha, e nunca conheci ningum que saiba limpar alcachofras to bem quanto ele e,em seguida, executar o tipo de magia culinria com elas de que s ele capaz (fritas, assadas oucozidas, elas so incrveis). Eu o chamo secretamente de o Mago da Alcachofra.

    Quando eu era criana, tinha certo medo de Pietro. Ele era muito alto e solene, srio at,alguns diriam. Impunha respeito. Pietro deixara a Siclia na adolescncia e se mudara paraBruxelas com o propsito de trabalhar para a Comisso Europeia, onde conhecera minha tiaLaura, que tambm havia deixado Roma durante a adolescncia e se mudado para o norte.Segundo o que minha me me conta, a Itlia, na dcada de 1960, era um lugar muitoprovinciano. Qualquer um que conseguisse sair e visse um pouquinho do mundo no perderia achance. E, numa espcie de fuga de crebros da Itlia, esses jovens iam para a Alemanha, aBlgica e para os Estados Unidos em busca de trabalho. Foi assim que Pietro e minha tiaacabaram em Bruxelas.

    Todos os veres, Laura e Pietro voltavam com os filhos para a Itlia, assim como minha mee eu. Ns nos reunamos numa cidadezinha na regio de Marcas, onde eles tinham uma casa uma antiga casa de parquia, com capela e tudo e um damasqueiro no jardim , e onde meusavs viviam numa fazenda que meu av comprou e reconstruiu depois de se aposentar e sair deRoma. Meus primos e eu passvamos o vero todo correndo de uma casa para a outra, que eramligadas por uma das duas ruas que cruzam a vila de Torre San Tommaso, parando s paracomprar picol na nica loj inha da cidade a fim de matar a sede. Torre no tinha muito mais quealgumas fazendas espalhadas por campos de trigo e paisagens espetaculares vistas do alto dasmontanhas, algo que os pintores renascentistas imortalizaram em quadros para as paredes dopalcio Ducal de Urbino, perto dali. Para ns, era perfeito. Certas vezes descamos at a praia,em Pesaro, a meia hora dali, ou fazamos uma caminhada pelas pequenas colinas ao redor da

  • vila. Mas sempre voltvamos para casa na hora do almoo.Tanto o almoo quanto o jantar eram servidos na casa de Laura e Pietro, com raras excees.

    Eles tinham uma mesa grande que acomodava duas dzias de pessoas, e uma cozinha enorme obastante para dar conta de todos ns. S a lareira que eles tinham na casa era capaz de comportaruma mesa de quatro lugares. Alm do mais, eles eram os cozinheiros oficiais da famlia. Logoantes do almoo, meu av e minha me entravam no antigo Renault R4 dele e seguiam para avelha casa de parquia, a poucos minutos dali, o motor reclamando de leve na subida. Nenhumde ns queria perder a oportunidade de comer o que Pietro havia preparado. Era sempredelicioso.

    s vezes ele servia umas fatias grossas de pizza siciliana para o almoo. Pietro fazia a massa ecolocava numa frma de bolo para crescer. Mas, em vez de cobrir com molho de tomate emuarela, usava escarola crespa com fils de anchova, tomate cortado em cubinhos e pedaosde queijo scamorza. Uma comida de adulto, um tanto amarga e com aromas fortes; no eraexatamente o tipo de pizza que uma criana semiamericana que crescera comendo torta dequeijo na pizzaria Regina pudesse apreciar. Mas, medida que os anos passaram, aprendi agostar: amarga, salgada, compacta e esponjosa.

    Outro almoo delicioso da cozinha de Pietro era uma tigela grande de penne com um molhode tomate simples (que nossos vizinhos em Torre engarrafavam todo ano no fim do vero, numainiciativa de preservao), cozido com alho e manjerico e finalizado com uma colher generosade ricota de leite de ovelha comprada numa fazenda na estrada, o que deixava na massa umtoque rico e cremoso. Pietro cozinhava enquanto ns, as crianas, tnhamos que pr a mesa, eento nos sentvamos em silncio, a barriga roncando, e Laura servia o macarro fumegante nospratos fundos.

    Em ocasies especiais, Maria, que morava do outro lado da rua, matava um coelho ou umagalinha de sua criao, e Pietro assava a carne com ramos grandes de alecrim do jardim.Sempre tinha batata assada, cortada em cubos e salpicada com sal grosso, alm de travessas deverduras amargas cozidas no vapor e servidas com azeite verde e bastante suco de limo-siciliano.

    Laura e Pietro preparavam refeio aps refeio para ns, todos os dias, o vero inteiro.Tudo o que tnhamos que fazer em troca era pr e tirar a mesa, encher o lava-loua e limpar asmigalhas que sobrassem sobre a toalha de mesa. (Tambm tnhamos que comer toda a comidado prato, mas isso jamais foi um problema.)

    TODO VERO, a me de Pietro, Antonietta, pegava o trem de Messina at Torre e passavaalgumas semanas conosco. Antonietta era to pequena e de aparncia frgil quanto Pietro eraalto e imponente. Prendia os cabelos brancos num coque gracioso na altura da nuca e usavabrincos antigos pendurados nas orelhas. No era minha av, mas, como todos os outros, eu achamava de nonna Antonietta todos, exceto Pietro, que a chamava de Mamma, e Laura, que achamava de signora. A ausncia deixada por minha av Nin era enorme, e s vezes acho que tertido Antonietta por perto era um conforto at mesmo para minha me, apesar de Antonietta sermuito mais quieta e formal do que Nin, mesmo com seu senso de humor malicioso. O melhor de

  • tudo era que ela era uma cozinheira de mo-cheia. Na verdade, quando Antonietta no estavapassando roupa, silenciosamente, dos lenis s cuecas de meus primos, em geral estava nacozinha, debruada sobre a bancada, fazendo Coisas Muito Importantes com legumes emurmurando baixinho com ela mesma em dialeto siciliano que nenhum de ns, exceto Pietro,era capaz de entender.

    Adorava observar Antonietta na cozinha, seus dedos finos e elegantes esfregando farinha derosca em tirinhas finas de carne que ela ento enrolaria e colocaria num espeto. Ela fazia pilhas epilhas desses bracioline, espetinhos passados em farinha de rosca, e, ento, pouco antes do jantar,Pietro levava a travessa de espetinhos at a grelha montada na garagem. E ficava l, grelhando acarne com pacincia e percia na brasa fumegante, deixando a farinha crocante e a carnemacia, enquanto corramos pela cozinha, colocando a mesa e roubando, vorazes, nacos do posem sal da regio. Quando os bracioline ficavam prontos, devorvamos os espetinhos em questode minutos, sentindo os rolinhos de carne, to macios e delicadamente adocicados, derreterem naboca, e tudo o que sobrava era o leve cheiro de fumaa e ervas.

    Antonietta tambm fazia a melhor bandiera do mundo, que uma espcie de verso italianado ratatouille, mas cerca de 4 mil vezes mais gostosa. Apesar dos meus melhores esforos, nuncaconsegui reproduzir a receita. Em vez de cozinhar todos os legumes separadamente, como nomtodo francs, Antonietta montava camadas metdicas numa panela. Primeiro as batatas,porque elas demoram mais a cozinhar. Depois uma camada de cenoura cortada em cubinhospequenos, fatias de pimentes vermelho e amarelo, uma camada de berinjela cortada em cubos,uma camada de abobrinha e, por cima e em volta de tudo, pedaos de tomate-italiano. Elacolocava mais azeite do que qualquer um julgaria necessrio e temperava com bastante sal emanjerico. A panela ento ficava no fogo por horas, os legumes assando lentamente, ficandomacios e se misturando num guisado pesado e perfumado. Ningum reclamava de ter quecomer legumes quando a comida era bandiera. Eles ficavam lisinhos e aveludados, e eraimpossvel parar de comer.

    s vezes, enquanto brincava com meus primos no quintal, eu me via hipnotizada pela janela dacozinha. Espiava l dentro e via Antonietta e Pietro trabalhando em silncio, lado a lado no balcoda cozinha, descascando legumes ou cortando carne. V-los me deixava curiosa para sabercomo as compras que Pietro trazia do mercado de Urbino toda manh se transformavam emalmoos e jantares cheirosos e deliciosos. Eu adorava observar o jeito como nonna Antoniettasempre temperava um recheio de farinha de rosca com a quantidade exata de sal, ou comoPietro lavava metodicamente uma pilha enorme de chicria, devagar e com cuidado, semnenhuma pressa. Eu ainda levaria um tempo at comear a cozinhar por conta prpria, masPietro e sua me me ensinaram que passar horas lavando legumes ou que preparar um almoopara dez era um jeito perfeitamente agradvel de passar o dia.

    Anos depois, sempre que me via na cozinha por longos perodos, com, por exemplo, uma pilhade verduras para lavar na minha frente, eu me acomodava confortavelmente, apoiando o quadrilcontra a bancada, exatamente como Antonietta fazia, e deitando o pescoo de leve, concentrada,como Pietro ainda faz. Meu tio siciliano no me ensinou apenas a cozinhar, mas tambm aalimentar as pessoas.

  • Pizza siciliana

    Rendimento: 1 pizza redonda de 25cm

    Esta pizza grossa de anchovas com escarola , definitivamente, para o paladar adulto, mas euacho que voc ficaria feliz em no ter que dividi-la com ningum. Pode parecer estranho colocarum tipo de alface numa pizza, mas a escarola uma verdura deliciosa quando cozida e no fornoseu sabor amargo se suaviza ligeiramente. No tente substituir o queijo scamorza por muarela; amuarela tem muita gua e vai deixar a pizza ensopada.

    2 xcaras (ou mais, caso necessrio) de farinha italiana 00 ou farinha de trigo tipo1 especial15g de fermento biolgico fresco1 xcara de gua mornauma pitada de acarsal3 colheres (sopa) de azeite de oliva1 mao pequeno de escarola (cerca de 200g) lavado e escorridopimenta-do-reino moda6 a 8 fils de anchova fatiados300g de queijo scamorza ou provolone cortado em cubinhos2 tomates maduros ou 10 tomates-cereja cortados em cubinhos

    1. Coloque a farinha numa tigela e abra um buraco no meio. Quebre o fermento biolgico noburaco feito na farinha e acrescente metade da gua morna e o acar. Usando um garfo,combine o fermento, o acar e a gua, misturando s um pouco da farinha, at que o fermentotenha se dissolvido. Cubra com um pano de prato e deixe descansar por 15 minutos, at adquirir aconsistncia de espuma.

    2. Adicione o restante da gua aos poucos enquanto mistura o fermento com o restante dafarinha. Em seguida, coloque uma colher (ch) de sal e 2 colheres (sopa) de azeite e continuemisturando at a farinha ter sido incorporada. Coloque a massa numa superfcie polvilhada comfarinha e sove lentamente por vrios minutos, com as mos tambm envolvidas por farinha,acrescentando mais farinha conforme necessrio at que a massa comece a tomar forma.Cuidado para no acrescentar farinha demais a massa deve ficar num ponto bem macio emole (voc pode usar uma esptula para ajudar a evitar que ela grude na bancada). Quando amassa no estiver mais pegajosa, faa uma bola.

    3. Com um fio de azeite, unte o fundo e a lateral de uma frma redonda de bolo de 25cm dedimetro e coloque a massa para descansar. Cubra com um pano de prato limpo e deixe numambiente quente e livre de correntes de ar (um forno desligado uma boa opo) por cerca de 1hora ou at que a massa tenha dobrado de tamanho. Enquanto a massa cresce, rasgue a escarola

  • em pedaos pequenos e tempere com azeite, sal e pimenta a gosto. Reserve.4. Quando a massa tiver dobrado de tamanho, empurre-a de leve com a ponta dos dedos para

    que ela se esparrame at a lateral da frma e fique com uma espessura uniforme de,aproximadamente, 1,5cm.

    5. Distribua as anchovas picadas sobre a massa e cubra com 23 dos cubos de scamorza.Coloque a escarola por cima do queijo e cubra com o tomate picado. Deixe a pizza descansar por20 minutos em temperatura ambiente, coberta por um pano de prato. Enquanto isso, aquea oforno a 190C.

    6. Asse a pizza por 30 minutos. Em seguida, retire-a do forno e polvilhe com o queijo restante.Volte ao forno e asse por mais 15 minutos. A camada superior de queijo deve ficar dourada(alguns pedacinhos de escarola podem at mesmo ficar levemente chamuscados). Tire a frmado forno e, com uma esptula e um pouquinho de fora, verifique se o fundo da pizza est escuro.Se a massa ainda estiver muito branca, leve-a de volta ao forno e asse por mais 15 minutos nagrade mais baixa do forno (voc pode cobrir a frma com papel-alumnio se quiser evitar que aescarola escurea demais).

    7. Retire do forno, deixe esfriar por alguns minutos e, em seguida, desenforme com cuidado.Fatie e sirva imediatamente.

    Le bracioline di Antonietta (espetinhos de carne grelhada)

    Rendimento: 4 pores

    A farinha de rosca temperada a arma secreta do cozinheiro italiano. usada para dourar tudo,de legumes a macarro e carnes grelhadas. Estes bracioline so um tanto trabalhosos de fazer preciso cortar a carne, mergulhar na farinha, enrolar e colocar no espetinho , mas, sem dvida,vale a pena o trabalho. A carne, cozida rapidamente na brasa ou no forno, de to macia derretena boca.

    aproximadamente de xcara de azeite de oliva extravirgemsal450g de carpaccio de carne cortado bem fino em pedaos de 57cm1 de xcara de farinha de rosca xcara de salsinha picada bem fina xcara de queijo parmeso raladopimenta-do-reino moda

    1. Coloque xcara de azeite numa travessa grande e tempere com algumas pitadas de sal.Deite os pedaos fininhos de carne no azeite. Reserve em temperatura ambiente por pelo menos

  • 1 hora e at no mximo 3 horas.2. Enquanto isso, numa tigela mdia ou num prato de sopa, misture a farinha de rosca, a

    salsinha, o queijo ralado e o azeite restante. Tempere com sal e pimenta a gosto. A farinha derosca deve ficar bem temperada e mida, mas no gordurosa.

    3. Aquea o forno a 175C. Pegue cada pedao de carne, agitando de leve para eliminar oazeite em excesso, e passe na farinha temperada de modo que a carne fique toda recoberta.Depois de passados na farinha, enrole firmemente cada pedao e enfie num espeto de metalfino. Repita o processo com os demais pedaos de carne, colocando cerca de 7 bracioline emcada espetinho. Reserve os espetinhos numa assadeira forrada com papel vegetal.

    4. Leve a assadeira com os espetos ao forno por cerca de 15 minutos, virando-os a cada 8minutos. Se voc tiver uma grelha ou uma churrasqueira, no deixe de usar: os bracioline ficaroainda mais saborosos. Quando a carne comear a escurecer e a borbulhar, e a farinha de roscaestiver crocante, os espetinhos esto prontos. Retire do fogo e sirva imediatamente.

  • 6. O problema do caf da manh

    QUANDO SE CRIADO numa salada cultural, como aconteceu comigo passaporte norte-americano, cidadania italiana e certido de nascimento emitida em Berlim Ocidental , s vezespode-se levar um pouco mais de tempo que o normal para descobrir seu lugar no mundo. Voc uma pessoa mista, flexvel, fluente em muitas lnguas, um estranho onde quer que esteja. Naverdade, o cenrio perfeito para se tornar um espio, embora, para meu desgosto, a CIA jamaistenha me chamado para nada. Espionar turistas se torna um dos melhores passatempos, bemcomo identificar os pedestres na calada pelos sapatos que usam. Mas voc tem que bolar umaresposta direta para quando as pessoas perguntam de onde voc . Voc se v respirando fundo eavaliando quem lhe fez a pergunta. Quanto essa pessoa precisa saber? Quanto tempo ela tem?Ser que vai ficar entediada com uma histria comprida ou vai querer saber mais? Porque aresposta nunca simples.

    E ento precisa decidir onde exatamente seu lar. (O que tambm no tarefa fcil, como sepode imaginar.) Como voc no tem muita certeza, tem que batalhar contra o isolamento, adificuldade de estabelecer laos e uma constante sensao de solido. Ns, gente misturada, noconseguimos determinar com preciso onde nosso lar ou mesmo o que significa isso. E, noentanto, vivemos constantemente procura dele. um pepino, para dizer o mnimo.

    E a tem o problema do caf da manh.Italianos comem biscoitos doces, mergulhando no caf quente e levando boca antes que o

    biscoito molhado se quebre e se afogue nas profundezas da xcara. Quando eu era criana, ospreferidos de minha me eram os krumiri, palitinhos de fub em formato de zigue-zague, comuns sete centmetros de comprimento, assados at ficarem marronzinhos e crocantes. Elaguardava seus krumiri numa lata antiga que tinha um selo com cara de oficial e um homem derosto severo na tampa (o prprio signor Krumiri, quem sabe). Toda vez que ia para a Itlia visitaros pais, voltava com algumas caixas de krumiri escondidas na mala. Os biscoitos aguentavambem a viagem, tirando as migalhas a mais no fundo do pacote. Eu adorava v-la transferi-los dasembalagens para sua lata de direito. s vezes, at ganhava uns pedaos quebrados.

    Meu pai no teria aprovado. Em Brookline, ele se alternava entre me dar uma tigela de cerealRaisin Bran (isso era antes da poca do xarope de milho com alto teor de frutose, quando as uvas-passas no Raisin Bran reluziam com seu revestimento natural de acar, e no o tipo de coisa quepode ser culpado pela onda de violncia nas ruas, o distrbio de dficit de ateno e a crisefinanceira) e me levar a uma pequena delicatssen da Beacon Street. Nesses dias, nssentvamos ao balco e comamos mingau quente de trigo, enquanto um cozinheiro negroamericano, com um vistoso chapu de papel, virava ovos numa chapa quente em ritmovertiginoso. Eu adorava a sensao cremosa na boca e o gosto saudvel do cereal quente, esempre me emocionava quando encontrava uns carocinhos no fundo da tigela para mastigar.Levaria anos para descobrir que carocinhos de cereal so algo a ser evitado. Mesmo na casa demeus avs, nos arredores de Filadlfia, comia-se uma tigela de aveia quente com uma colherada

  • de manteiga no caf da manh. Minha av tinha que me convencer a comer, mas nem precisavase esforar muito, eu fazia qualquer coisa que ela pedisse.

    E quanto aos alemes, bem, os cafs da manh alemes so lendrios. Tbuas enormesabarrotadas de fatias de queijo, presunto cozido, defumado e curado , pepino fatiado, ovocozido, pedaos de tomate, Leberwursts lisos e com pedacinhos, manteiga, queijo quark,manteiga de ameixa e geleia de groselha, tudo com o propsito de adornar fatias de po pretointegral Vollkornbrot ou pezinhos de rpido preparo recm-sados do forno. Na verdade, oscafs da manh alemes so to bons que, na hora do jantar, as pessoas repetem tudo de novo. OAbendbrot, ou po da noite, sinnimo de jantar na Alemanha. E, embora comer sanduchesabertos no caf da manh e no jantar no seja a praia de todo mundo, definitivamente vocacaba entrando no clima.

    Percebe o dilema? Biscoitos crocantes de fub mergulhados no caf, cereal integral com leitefrio ou uma fatia de po de centeio de fermentao natural to fresquinho que quase chega a serelstico, coberto com uma camada de manteiga fresca e presunto fatiado bem fininho dessejeito, como algum pode saber qual caf da manh o seu por definio? de tirar o sono.

    Quando achei que as coisas no podiam ficar mais complicadas, a resposta para o meu dilemasurgiu: whirligig buns com sementes de papoula. Pes lisinhos e brilhantes que, enrolados iguaisaos cabelos da princesa Leia, se fundem um ao outro na travessa que vai ao forno. So um tantopsicodlicos e lindos, dourados e marronzinhos. Esse po parece o clssico po de acar ecanela norte-americano, mas o recheio de semente de papoula, preparado quase como umasobremesa com uma semolina cremosa, definitivamente alemo. E, bem ao modo italiano, seenquadram na categoria de caf da manh doce, uma pequena indulgncia para os gostos maisascticos.

    E ento, como escolher? Acontece que no preciso escolher, uma vez que existem whirligigbuns com semente de papoula.

    Whirligig buns com semente de papoula

    Rendimento: cerca de 15 pezinhos

    Estes pes parecem complicados massa com fermento biolgico, recheio cozido , mas, naverdade, so bem fceis de fazer. O importante comprar as sementes de papoula numa loja debastante movimento voc no vai querer sementes ranosas. E ento tudo o que precisa fazer uma massa rpida, cozinhar o creme de semolina, o leite e as sementes de papoula num recheioque to bom que d para comer direto da panela. A massa assa maravilhosamente bem: crescemacia, mantendo a borda durinha e o miolo fofinho; e as sementes de papoula crocantescontrastam muito bem com o miolo do po. Mas eles no duram muito, por isso coma-os semprefresquinhos na mesma manh em que forem feitos, com uma bela caneca de caf com leitefumegante para mergulhar.

  • MASSA

    de xcara de leite integral ou semidesnatado7g de fermento biolgico fresco de xcara de acar4 xcaras de farinha de trigo (ou mais, se for necessrio)2 ovos grandes em temperatura ambiente4 colheres (sopa) de manteiga em temperatura ambiente colher (ch) de salleo vegetal neutro

    RECHEIO

    2 xcaras de leite integral ou semidesnatadoraspas da casca de limo-siciliano grande1 colher (ch) de canela em p1 colher (ch) de essncia de baunilha de xcara mais 1 colher rasa (sopa) de acaruma pitada de sal de xcara mais 2 colheres (sopa) de semolina1 xcara de sementes de papoulamanteiga para untar1 gema de ovo2 colheres (sopa) de leite integral ou semidesnatado

    1. Primeiro, faa a massa: aquea o leite at ficar morno. Quebre o fermento dentro do leite emexa com uma colher de pau at dissolv-lo. Adicione uma pitada de acar. Reserve poralguns minutos, at que a mistura comece a espumar ligeiramente.

    2. Coloque a farinha numa tigela grande e faa um buraco no meio dela. Acrescente o acarrestante em torno das bordas do buraco. Derrame a mistura de fermento no meio e mexa comuma colher de pau, incorporando a farinha aos poucos. Adicione os ovos, a manteiga e o sal, ecomece a amassar com as mos dentro da tigela. Quando a massa comear a tomar forma,passe-a para uma bancada levemente polvilhada de farinha e sove at ficar bem macia, porcerca de 3 a 5 minutos. Voc pode precisar de um pouco mais ou um pouco menos de farinha,dependendo do clima do lugar em que mora.

    3. Lave a tigela e unte-a com um fio de leo vegetal. Coloque a bola de massa na tigela, cubracom um pano de prato e reserve dentro do forno (desligado!) ou em algum lugar aquecido e semcorrentes de ar. Deixe crescer por 1 hora, at dobrar de tamanho.

    4. Enquanto a massa cresce, faa o recheio: coloque o leite numa panela de 2l em fogo mdioe adicione as raspas de limo, a canela, a baunilha, o acar e o sal. Deixe levantar fervura e,

  • ento, lentamente, acrescente a semolina, sem parar de mexer. Deixe a semolina cozinhar porcerca de 1 minuto, mexendo sem parar. Em seguida, acrescente as sementes de papoula. Misturebem e tire a panela do fogo. Deixe a mistura crescer e esfriar um pouco, por cerca de 10minutos.

    5. Numa superfcie polvilhada com farinha, bata e sove a massa por 1 minuto ou 2. Deixedescansar por mais 1 minuto ou 2. Em seguida, abra a massa num retngulo grande, com 1,5cmde espessura. Se estiver muito elstica e difcil de abrir, apenas deixe descansar por algunsminutos e tente novamente. Espalhe o recheio j frio uniformemente sobre a massa, at quasealcanar as bordas. Enrole a massa no sentido do comprimento (eu uso uma esptula, com muitocuidado, para facilitar o procedimento) e, em seguida, envolva-a bem fechadinha com papel-alumnio e coloque no congelador por 1 hora.

    6. Unte duas frmas redondas de bolo de 25cm de dimetro ou uma travessa grande. Tire amassa do congelador e descarte o papel alumnio. Corte o rolo em fatias de 4cm. Coloque asfatias nas frmas ou na travessa untada. Cubra com um pano e deixe crescer por 45 minutos.Enquanto isso, aquea o forno a 190C.

    7. Misture a gema com o leite e pincele os pes com a mistura. Asse no forno preaquecido por30 minutos, at que os pes estejam douradinhos.

    8. Os pes ficam melhores se consumidos no mesmo dia. Mas se voc quiser guard-los,embale-os muito bem j assados e frios com papel-alumnio e congele numa embalagem deplstico. Degele, sem o papel-alumnio, em forno a 150C por cerca de 15 minutos.

  • 7. Ensopadinho da Depresso

    AOS 21 ANOS DE IDADE, decidi me mudar para Paris. Eu tinha acabado de me formar nafaculdade, em Boston, onde passara quatro anos estudando literatura e recuperando meu atrasona cultura pop norte-americana, que tinha perdido durante meus anos de ensino mdio, emBerlim. Havia muito tempo que deixara os bolos e os doces de The Settlement Cook Book paratrs e j tinha aprendido a refogar pernil de carneiro na panela de ferro fundido verde, que meupai me dera quando fiz dezenove anos, e a fazer polenta do zero, mexendo fub e gua no fogopor quase uma hora.

    No fim da faculdade, tinha uma vaga ideia de que queria trabalhar com produo de livros.Minha paixo de infncia nunca arrefecera e achei que trabalhar com eles fazia todo o sentido domundo. Tambm gostava da ideia de continuar estudando. J tinha uma graduao em lnguainglesa, mas depois que um professor de redao me dissera que entrar num mestrado em belas-artes seria uma cruel perda de tempo, me dediquei a outra graduao, em lngua francesa.Carole, minha chiqurrima orientadora francesa, que usava as madeixas louras descabeladas ebelssimas roupas drapeadas, me falou de alguns programas de ps-graduao em Paris, de umano de durao, para os quais eu poderia me candidatar.

    Hum, Paris, isso, sim, poderia ser legal, pensei. J tinha ido a Paris em excurses de colgio,mas a cidade me encantara mesmo durante a faculdade, quando viajei at l nas frias deprimavera para visitar meu pai. Ele tinha um colega importante em Paris e passara bastantetempo trabalhando l, alugando pequenos estdios perto da Bastilha e no Marais. Todos os dias,ele usava um carto telefnico para ligar para meu alojamento, em Boston, e me contar dasruelas maravilhosas que estava descobrindo, dos ensopados de feijo deliciosos que estavafazendo no jantar, as faquinhas de cozinha afiadas que tinha comprado na feira do BoulevardRichard Lenoir e como os tocadores de acordeo no metr o faziam chorar. Meu pai amavaParis.

    E quando a esposa dele, Susan, e eu fomos visit-lo numa primavera, os belos edifcios, asbaguetes crocantes, as crianas bem-vestidas e as senhoras elegantes tambm me encantaram.Guardo uma foto em preto e branco dessa viagem que Susan tirou com uma antiga cmera defilme que eu tinha. Meu pai e eu estamos de p numa ponte perto da le Saint-Louis, ele com obrao em torno de meus ombros. Tnhamos acabado de tomar sorvete (ainda me lembro dosabor alcolico na garganta da minha casquinha de ameixa com Armagnac), e meu pai est toorgulhoso, como se fosse a cidade dele reluzindo atrs de ns.

    Na segunda metade do ltimo ano de faculdade, j estava decidido. Eu iria para Paris fazermestrado em estudos de cultura francesa. Enquanto meus colegas da faculdade se preparavampara se mudar para Nova Yor