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D esde o desembarque de Cabral em 1500, os portugueses vasculharam como pu deram o território brasileiro atrás de re- servas de metais preciosos. Muitos exploradores se embrenharam no interior da colônia, iludidos em pistas falsas e caminhos inúteis, Depois de muito quebrar a cara, em 1640, exploradores bandeirantes encontra- ram indícios de ouro, nas regiões ribeirinhas do in- terior paulista. Na época da invasão holandesa os bandeirantes vasculharam regiões, até então inexploradas, chegando ao caminho dos rios que nascem na região das Minas Gerais. Nas águas dos rios estavam as pedras de ouro fornecendo a pista que faltava para a grande descoberta. Após a expulsão dos holandeses, os ban- deirantes concentraram-se na busca do caminho das reservas auríferas, esperando realizar o “sonho doura- do” de Portugal. Entre 1674 e 1681, Fernão Dias Paes comandou um grupo de exploradores que vasculharam minuciosamente a enorme região do interior paulista, até o sul de Minas Gerais. Embora não encontrassem metais preciosos, conseguiram o domínio geográfico da região que serviu de orientação nas incursões pos- teriores. Em 1684, os exploradores encontraram ouro na região de Itaverava, nas Minas Gerais. De imediato, a notícia provocou euforia e cobiça. Colônia e Metrópo- le se mobilizaram para sugar o ouro das Minas Gerais. Considerando as dificuldades da corte portuguesa, a hora não poderia ser melhor, pois aliviava os efeitos desastrosos da queda do açúcar. Já a colônia continua- va a sina de sustentar a monarquia portuguesa, entre- gando-lhe o que havia de melhor nas terras brasileiras. Na Europa a escassez crônica de metais preciosos pos- sibilitava, a quem tivesse reservas de ouro e prata, uma grande vantagem em relação às outras nações. Dessa vez, a história parecia estar do lado de Portugal. “No anfiteatro das montanhas, os profetas do Aleijadinho monumentalizam a paisagem. As cúpulas dos Passos e os cocares verdes das palmeiras são degraus da arte do meu país onde ninguém mais subiu: Bíblia de pedra-sabão banhada com ouro das Minas” Oswald de Andrade.

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Desde o desembarque de Cabral em 1500,os portugueses vasculharam como puderam o território brasileiro atrás de re-

servas de metais preciosos. Muitos exploradores seembrenharam no interior da colônia, iludidos em pistasfalsas e caminhos inúteis, Depois de muito quebrar acara, em 1640, exploradores bandeirantes encontra-ram indícios de ouro, nas regiões ribeirinhas do in-terior paulista. Na época da invasão holandesa osbandeirantes vasculharam regiões, até entãoinexploradas, chegando ao caminho dos rios quenascem na região das Minas Gerais. Nas águasdos rios estavam as pedras de ouro fornecendo apista que faltava para a grande descoberta.

Após a expulsão dos holandeses, os ban-deirantes concentraram-se na busca do caminho dasreservas auríferas, esperando realizar o “sonho doura-do” de Portugal. Entre 1674 e 1681, Fernão Dias Paescomandou um grupo de exploradores que vasculharamminuciosamente a enorme região do interior paulista,até o sul de Minas Gerais. Embora não encontrassemmetais preciosos, conseguiram o domínio geográficoda região que serviu de orientação nas incursões pos-teriores.

Em 1684, os exploradores encontraram ouro naregião de Itaverava, nas Minas Gerais. De imediato, anotícia provocou euforia e cobiça. Colônia e Metrópo-le se mobilizaram para sugar o ouro das Minas Gerais.Considerando as dificuldades da corte portuguesa, ahora não poderia ser melhor, pois aliviava os efeitosdesastrosos da queda do açúcar. Já a colônia continua-va a sina de sustentar a monarquia portuguesa, entre-gando-lhe o que havia de melhor nas terras brasileiras.Na Europa a escassez crônica de metais preciosos pos-sibilitava, a quem tivesse reservas de ouro e prata, umagrande vantagem em relação às outras nações. Dessavez, a história parecia estar do lado de Portugal.

“No anfiteatro das montanhas, os profetas do Aleijadinho monumentalizam apaisagem. As cúpulas dos Passos e os cocares verdes das palmeiras são degraus daarte do meu país onde ninguém mais subiu: Bíblia de pedra-sabão banhada com ouro

das Minas”Oswald de Andrade.

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OS CAMINHOS DO OUROOS CAMINHOS DO OUROOS CAMINHOS DO OUROOS CAMINHOS DO OUROOS CAMINHOS DO OURO

A corrida do ouro provocou um alvoroço nametrópole, gerando um êxodo de razoáveis propor-ções, a ponto da monarquia adotar severas restriçõesvisando conter a migração para o Brasil. Na pressaexploradores abriam inúmeros caminhos na mata, sul-cando a região atrás das reservas de ouro. Gigantes-cas extensões de terra foram queimadas, com o objeti-vo de facilitar a prospecção do metal. O desmatamentoprovocou danos irreparáveis no ecossistema, além deexpulsar várias tribos indígenas.

A região das Minas Gerais viu-se articuladacom o restante da colônia através de dois caminhosque partiam de São Paulo e Parati (Rio de Janeiro). Ocaminho para o Rio de Janeiro por ser menos aciden-tado era mais utilizado pelos viajantes. O crescimentoda economia aurífera provocou, em meados do séculoXVIII, a mudança do centro administrativo de Salva-dor para o Rio de Janeiro. Deslocou de forma irreversívelo eixo econômico do Nordeste para o Centro-Sul, ani-quilando a economia nordestina.

Com o objetivo de evitar o contrabando do ouro,

BandeirantesEles foram os piratas do sertão. Pera-

mbulavam pelos atalhos, pelos planaltos epelas planícies armados até os dentes, comseus sons de guerra e suas bandeiras desfral-dadas. Eram grupos paramilitares rasgando amata e caçando homens – para além da lei edas fronteiras; para aquém da ética. À suapassagem, restava apenas um rastro de cida-des devastadas; velhos, mulheres e criançaspassados a fio de espada; altares profanados,sangue, lágrimas e chamas. Incendiados pelaganância e em nome do avanço da civilização,escravizaram índios aos milhares. Foram cha-mados de “raça de gigantes” ---e, com certe-za,eram sujeitos intrépidos e indomáveis. São tidos como os principais responsáveis pela expansão territorial doBrasil ---e não há dúvida que foram. Embora tenham sido heróis brasileiros, se tomaram também os maiorescriminosos de seu tempo.

Em apenas três décadas -as primeiras do século XVII –os bandeirantes e seus mamelucos mataram ouescravizaram cerca de 500 mil índios, destruindo mais de 50 reduções jesuíticas nas regiões do Guairá, do Itatime do Tape. Desafiaram as leis e os reis de Portugal e da Espanha. Blasfemaram contra Roma, foramexcomungados pelo papa. Ainda assim, ignoraram as ameaças e só foram contidos pela força das armas.Transformaram sua capital, São Paulo, num dos maiores centros do escravagismo indígena de todo o conti-nente.Mais: fizeram dela uma cidade sem lei – reino de terror, ganância e miséria. E também o pólo a partir do qual todoo Sul do Brasil pôde, enfim, crescer, desenvolver-se e se endinheirar.

Por que justamente São Paulo? Porque a cidade fundada pelos jesuítas estava no centro das rotas para osertão, porque os carijós do litoral e os guaranis do Paraguai estavam próximos e eram presa fácil e, acima detudo, porque São Paulo nascera pobre. “Buscar o remédio para sua pobreza” -assim os paulistas expli-cavam omotivo os impelia aos rigores do sertão em busca de “peças”.

Nos anos 1940, dois devotados historiadores, Afonso Taunay e Alfredo Ellis k, deram início à fabricação domito bandeirante. Os documentos que acharam e publicaram revelam uma saga de horrores. Ainda assim, Taunaye Ellis Jr. preferiram forjar a imagem do bandeirante altivo e galhardo, como se esses caçadores de homensfossem os “Três Mosqueteiros”. Mas ambos sabiam que muitos dos bandeirantes andavam descalços, malfalavam português e estavam treinados para escravizar e matar. In. Eduardo Bueno. História do Brasil. Publifolha

militares portugueses colocaram barreiras nas estradas,forçando os colonos a declararem ao fisco o ouro en-contrado. Os exploradores faziam várias peripécias paraburlar a cobrança de impostos, tentando driblar a vigi-lância dos fiscais portugueses. Visando aumentar aarrecadação a corte determinou a cobrança de impostossobre qualquer tipo de mercadoria que circulasse nacolônia. A simples passagem pelas estradas já era mo-tivo para cobrança de taxas, provocando um clima deconfronto das autoridades portuguesas com os colo-nos da região mineradora.

“A sede insaciável de ouro estimulou tantos adeixarem suas terras e a meterem-se por caminhostão ásperos como são os das minas, quedificultosamente se poderá dar conta do número depessoas que atualmente lá estão. Contudo, os queassistiram nesses últimos anos por largo tempo, e ascorreram todas, dizem que mais de trinta mil almas seocupam, umas em catar e outras em mandar catarnos ribeiros do ouro, e outras em negociar, vendendoe comprando o que se há de mister não só para avida, mas para o regalo, mais do que nos portos domar “. 1

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Nos principais pontos de parada e cruzamento,desenvolveram-se inúmeros centros urbanos. Enquantoa zona açucareira, era essencialmente rural e organi-zada socialmente dentro dos engenhos, a regiãomineradora foi moldada com feições urbanas.. Embo-ra a prospecção do ouro fosse na beira dos rios, eranas cidades que se desenvolviam as atividades com-plementares de pesagem do metal precioso, taxaçãode impostos, venda de ferramentas etc.

A colonização do interior foi outra característi-ca marcante da região mineradora. Até então, a coloni-zação se restringia ao litoral e o máximo de incursão nointerior se dava em função da pecuária. A mineração,ao contrário, assentou suas bases na ocupação dointerior, incentivando o aparecimento de várias vilas epovoados interligados por inúmeras estradas, a exem-plo dos caminhos do rio São Francisco. Pelo “Velho

Chico” centenas de mineradores aproveitaram o cami-nho mais escondido para fugir do fisco, além de peõesboiadeiros que vendiam gado de corte. A vastidãodas áreas ribeirinhas do São Francisco serviu decobertura para contrabando da região mineradora.

“Justamente por seu caráter ilegal, não ha-via estimativa sobre o montante desse comércio. Apartir de relatos de viajantes e da quantidade de no-vos decretos metropolitanos, facilmente chega-se àconclusão de que atingiu uma intensidade notável.A conivência das autoridades encarregadas do peso,da cobrança e da circulação do ouro tornava impos-sível o seu controle. Para o Sul, o ouro era desviado

para a bacia do Prata, principalmente em operaçõesfeitas pelos ingleses, em troca de mercadorias manu-faturadas. Vários meios foram utilizados para enga-nar a fiscalização: objetos de ouro revestidos de ou-tros materiais; imagens ocas, feitas em madeira, den-tro das quais se carregava o ouro (os chamados san-tos do pau-oco); e, entre os escravos, o transporte deouro em pó nos cabelos”. 2

O baixo custo da atividade mineradora permitiuo afluxo de todo tipo de exploradores. Para começar aprospecção, bastavam algumas ferramentas e algunsescravos. No final das contas, os mais afortunados ter-minavam sendo mais privilegiados, porque a Corte dis-tribuía terras na proporção da quantidade de escravosque o minerador possuisse. Os mais pobres estavam adesvantagem, embora tivessem a chance de disputarum lugar de prospecção. Apesar das injustiças, a reali-

dade mineradora foi mais flexível doque a colonização açucareira que exi-gia altos investimentos na montagemdo engenho.

A sociedade formada nas Mi-nas Gerais foi mais liberal, ou melhordizendo, menos rigorosa e rígida quea sociedade açucareira. Nas cidadesum contingente razoável vivia do co-mércio e atividades complementares,

como ferreiros, carpinteiros e outras mais, além de pro-fissionais liberais, como advogados, dentistas etc.

Mas apesar das vantagens, a sociedademineradora continuava sendo aristocrática e conserva-dora, marca registrada da colonização, desde o seu iní-cio. Na população local o número de escravos era bemmaior que a população livre. A mão-de-obra escravaproporcionou o rápido enriquecimento dos mineradoresque possuíam os maiores veios auríferos No auge dociclo do ouro ingressaram anualmente 10.000escravos, quantidade infinitamente maior emcomparação com a sociedade açucareira.

“A sede insaciável do ouroestimulou a tantos a deixarem suas

terras e a meterem-se por cami-nhos, tão ásperos como são os das

minas, que dificultosamente sepoderá dar conta do número depessoas que atualmente lá estão”.

Antonil

Mais do que umamera versãofluvial dasmarchassertanistas, asmonções foramumdesdobramento daexpansãobandeirante.

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O TRATADO DE METHUENO TRATADO DE METHUENO TRATADO DE METHUENO TRATADO DE METHUENO TRATADO DE METHUEN

Por ironia do destino, apesar da enormequantidade de ouro, não houve alteração na falidaeconomia lusitana. O ouro entrava por um lado e saíapelo outro, drenado para outros cofres que não estavamem Portugal. Os conflitos europeus do início do séculoXVIII aniquilaram a corte portuguesa, impedindo ailusória redenção de Portugal. Com efeito, a Guerra deSucessão Espanhola (1701-1702) provocou desastro-sos reflexos. O estopim foi a morte do rei Carlos II daEspanha, sem herdeiros que assumissem o trono. Opretendente mais próximo era o duque D’Anjou (Felipe

V), neto do rei Luís XIV da França. Com isso, seevidenciava uma eventual aliança entre França eEspanha. De imediato reagiram as outras nações con-tra os eventuais aliados.

Formou-se então a Aliança de Haia que uniaInglaterra, Holanda, Sacro Império Romano Germânicoe de “contrapeso” Portugal, que aderiu quando o con-flito estava em pleno andamento. A guerra desgastouo reinado de Luís XIV, praticamente afundando a cam-baleante economia do país. Pressionado, o rei francêscolocou ponto final no seu projeto ambicioso de do-minar o continente, reconhecendo a derrota no Trata-do de Utrecht e Rastald.

A Inglaterra foi a grande vencedora, receben-do as regiões francesas de Acádia e Terra Nova naAmérica do Norte. A Espanha cedeu à Inglaterra, ocontrole sobre o estreito de Gibraltar e o direito deasiento, permitindo aos ingleses a venda de escravosafricanos em colônias espanholas da América.

Com Portugal, a Inglaterra assinou o Tratadode Methuen, em 1703. O acordo estabelecia o livre-comércio na troca de algumas mercadorias. Os portu-gueses ganhavam o direito da venda de vinhos emterritório inglês sem a taxação de impostos, enquantoa Inglaterra teria o mercado português franqueado àvenda de seus tecidos.

O Tratado de Methuen aniquilou as incipientesmanufaturas portuguesas que não puderam competircom os tecidos ingleses. Criou a ilusão que os vinhospoderiam compensar a compra de tecidos. Entretanto,com o desenrolar do acordo, Portugal gastava muitomais consumindo tecidos, do que recebia com a vendados vinhos. A balança comercial portuguesa, foi ani-quilada aumentando a subserviência do país em relaçãoà Inglaterra.

“Os escravos se chamavam Peças da Índia quando eram medidos,pesados e embarcados em Luanda: os que sobreviviam à travessia do

oceano se convertiam, já no Brasil, em mãos e pés do amo branco. Angolaexportava escravos bantus e presas de elefante em troca de roupa, bebidas

e armas de fogo; porém os mineiros de Ouro Preto preferiamos negros que vinham da pequena praia de Whydahn, nacosta da Guiné, porque eram mais vigorosos, duravam umpouco mais e tinham poderes mágicos para descobrir ouro.

Cada mineiro necessitava, ademais, de pelo menos umaamante negra de Whydah para que a sorte o acompanhasse

nas explorações. A explosão do ouro não somenteincrementou a importação de escravos, mas, além disso,

absorveu boa parte da mão-de-obra negra de outras partesdo Brasil, que ficaram sem braços escravos. Um decreto realde 1711 proibiu a venda de escravos envolvidos em tarefasagrícolas com destino ao serviço das minas, com exceção

dos que mostraram “perversidade de caráter”. Era insaciávela fome de escravos em Ouro Preto. Os negros morriam

rapidamente; só em casos excepcionais chegavam asuportar sete anos contínuos de trabalho. Isto sim: antes decruzarem o Atlântico, os portugueses batizavam todos. E noBrasil tinham a obrigação de assistir à missa, embora lhesestivesse proibido de entrar na capela maior ou sentar nos

bancos.” 4

“Cada ano, vêm nas frotasquantidades de portugueses e es-

trangeiros para passarem às minas.Das cidades, vilas e recôncavos e

sertões do Brasil, vão brancos, par-dos e pretos, e muitos índios, de queos paulistas se servem. A mistura éde toda a condição de pessoas: ho-mens e mulheres, moços e velhos,pobres e ricos, nobres e plebeus,

seculares e clérigos, e religiosos dediversos institutos, muitos dos quais

não têm no Brasil convento nemcasa”. 3

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No final das contas, boa parte do ouro da colô-nia, foi deslocada para os cofres ingleses para com-pensar o rombo financeiro do Tratado de Methuen.No auge da mineração foi possível mascarar a situa-ção absurda provocada pelo tratado, mas no final doséculo XVIII, quando o ouro sumiu foi difícil esconderque Portugal era uma nação falida. A tentativa de usara colônia para estancar a sangria de suas contas, pro-vocaria nas Minas Gerais a primeira contestação aoPacto Colonial, através da Conjuração Mineira, em1789.

GUERRA DOS EMBOABASGUERRA DOS EMBOABASGUERRA DOS EMBOABASGUERRA DOS EMBOABASGUERRA DOS EMBOABAS

A região mineradora foi primeiramente povoa-da pelos paulistas, que estavam nas proximidades daárea da mineração, além disso, os bandeirantespaulistas foram os pioneiros na descoberta dos veiosauríferos. Inicialmente, os colonos paulistas conse-guiram inúmeras regalias nas zonas de exploração. Mais

tarde, para azar dos paulistas, em menos de

uma década, havia mais forasteiros do que pioneiros. Anova realidade desfavorável aos exploradores de SãoPaulo provocou um clima de tensão, desencadeando aGuerra dos Emboabas – palavra que designava foras-teiros que usavam vários apetrechos, ao contrário dospaulistas que andavam descalços.

Os paulistas eram liderados por Manuel BorbaGato, bandeirante de grande influência junto a seusconterrâneos, já os forasteiros foram comandados pelorico comerciante, Manuel Nunes Viana. A briga come-çou depois linchamento de dois paulistas que haviamhostilizado os emboabas. Em 1708, por ordem das auto-ridades confiscaram-se várias armas dos paulistas aba-lando a força do grupo. A situação aparentemente defi-nida em favor dos forasteiros, levou-os a defender NunesViana, depois que Borba Gato exigira a expulsão do líderforasteiro.

Depois de vários embates, os forasteiros conse-guiram cercar um grupo de paulistas. Iludidos pela pro-messa de perdão, os paulistas saíram da mata ondeforam assassinados sem chances de reação, no que sechamou Capão da Traição. A briga motivou a interven-

ção do governador do Rio de Janeiro, que sedeslocou para as Minas Gerais interessado empacificar os inimigos. O governador pendeupara o lado dos paulistas, impedindo osemboabas de explorar o ouro em algumasregiões.

Em 1709, a corte portuguesa nomeouAntônio de Albuquerque para o posto degovernador legal da região mineradora.Esperando contar com apoio das autoridades,os paulistas ainda fizeram a última tentativa dereintegrar as terras perdidas. Sob o comandode Amador Bueno da Veiga um enorme grupodeslocou-se para as Minas Gerais. Quandochegaram em Guaratinguetá enfrentaram osemboabas, sem muito sucesso, apesar daligeira vantagem militar em favor dos paulistas.

AUTORIDADES REAIS MINERADORES

CAMADAS MÉDIAS

COMERCIANTES ARTESÃOS PEQ MINERADORES

ESCRAVOS

SOCIEDADE MINERATÓRIA

URBANA MENOS RÍGIDA MAIOR MOBILIDADE

PRODUÇÃO DE OURO NO BRASIL

ANO PRODUÇÃO MEDIAL ANUAL (kg)

1701-1720 2 750

1721-1740 8 850

1741-1760 14 600

1762- 1780 10 350

1781-1800 5 450

1801-1820 2750

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A guerra só terminou, em 1710, após a delimita-ção da Capitania de São Paulo e das Minas de Ouro. Avila de São Paulo obteve o status de cidade e sede debispado. O acordo estabeleceu a reintegração dospaulistas às regiões onde haviam sido expulsos. For-mou-se um batalhão de soldados com a finalidade deintervir nos distúrbios entre os colonos. Novas vilasforam criadas na área da mineração, com os cargos dasCâmaras Municipais, distribuídos eqüitativamente en-tre paulistas e emboabas. A solução para a crise nãoprejudicou os paulistas embora a maioria tenha se des-locado para ás áreas de Goiás, seguindo o rastro dadescoberta de reservas de diamantes.

A FISCALIZAÇÃOA FISCALIZAÇÃOA FISCALIZAÇÃOA FISCALIZAÇÃOA FISCALIZAÇÃO

A quantidade absurda de ouro exigiu da corteportuguesa a fiscalização rigorosa de toda a região.Nos séculos anteriores quase não se fiscalizava a colô-nia, pela própria característica do açúcar ser uma mer-cadoria difícil de contrabandear. Além do mais, os se-nhores de engenho tinham o mesmo interesse que acorte portuguesa. Sem a venda do açúcar no mercadoeuropeu a colonização perdia o sentido e arrochava olucro da elite colonial. Contudo, a mineração apresen-tava um perfil diferente do que ocorria no Nordesteaçucareiro, pois o ouro poderia ser facilmente escondi-do e contrabandeado. Por força de lei, os mineradoresdeveriam comunicar a descoberta do ouro, para que sefizesse a demarcação do local e o cálculo do ouro a serexplorado.

A fiscalização era coordenada pela Intendênciadas Minas, responsável pela cobrança de impostos eexploração do minério. Porém, muito cedo ficou evi-dente que a espontaneidade dos colonos no pagamen-to de impostos era mera ficção. A maioria dava um jeitode burlar a cobrança e driblar o fisco português. Paracoibir o desvio de impostos, a corte portuguesa criou,em 1713, a Casa de Fundição com a pretensão de sópermitir a circulação do ouro, marcado com selo real.Os colonos deveriam também quitar uma taxa anual queseria paga por todos, sem distinção caso contrárioseriam rigorosamente punidos.

Inúmeroscomerciantestrabalhavam paraabastecer aregião das minas,criando ranchode tropeiros.

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A REVOLTA DE VILA RICAA REVOLTA DE VILA RICAA REVOLTA DE VILA RICAA REVOLTA DE VILA RICAA REVOLTA DE VILA RICA

Reagindo à criação das Casas de Fundição e protestando contra as arbi-

trariedades do ouvidor local, juntaram-se duasmil pessoas, comandadas pelo português Filipedos Santos. Os rebeldes tiveram a vantageminicial devido a presença de poucos soldadosna vila. Radicalizando os objetivos, exigiram ofinal da fundição. A pressão levou o governa-dor acuado a negociar com os rebeldes. Mastudo não passava de uma trama para ganhar tem-po e esperar a chegada de reforços. Após a in-tervenção das tropas portuguesas, o governa-dor expediu a ordem de prisão dos rebeldes e oenforcamento do líder Filipe dos Santos, queteve seu corpo arrastado por várias ruas de Vila Rica.Após o fim da rebelião os portugueses suspenderam afundição do ouro, alegando problemas operacionaisde execução da tarefa.

O exagero na repressão à rebelião criou o ter-reno fértil para eclodirem outras revoltas. “Os motinsde Pitangui (1718) contra a cobrança das oitavas deouro por escravo empregado na mineração, devendoa arrecadação mineira perfazer 25 arrobas anuais; arebelião de Vila Rica em 1720, contra o estabeleci-mento das Casas de Fundição e o excesso de impos-tos sobre alimentos e instrumentos necessários aostrabalhos da mineração; a Sedição de São Franciscoem 1736 contra o sistema de capitação, sistema noqual praticamente toda a população ativa residentena Capitania ficava sujeita ao imposto do quinto, sãoexemplos do confronto direto entre as autoridades ea população. Indistintamente, mazombos (filhos deportugueses nascidos no Brasil) e reinóis aparecemlado a lado nestas manifestações contra o poder daCoroa. Toda a seqüência de mudanças na cobrançado imposto do quinto mostra o interesse da Coroa emampliar a arrecadação e criar obstáculos aocontrabando. Em contrapartida, a ação da popula-ção sempre se dirige no sentido de combater os di-versos sistemas de arrecadação e”. manter a fraudeatravés do contrabando. Em todo o século do ouro oproblema não se resolve. A população permanecerásempre insatisfeita com os diversos modos decobrança e a Coroa jamais conseguirá impedir ocontrabando.” 5

1 In. Antonil. Cultura e Opulência no Brasil.Pág 263. Apud. Piletti, Nelson. História do Brasil. Edi-tora Ática. Pág 83.

2 In. Koshiba, Luiz e Denise Manzi Pereira.História do Brasil. Atual Editora. Pág. 98.

3 In. Antonil. Op Cit. Pág. 263.4 In. Galeano, Eduardo. As Veias Abertas da

América Latina. Editora Paz e Terra. Pág. 64.5 In. Resende, Maria Efigênia. A Inconfidência

Mineira. Coleção História Popular. Editora Global. Pág.18/19.

Filipe dosSantos, tropeiroportuguês foi ogrande líder daRevolta deVilaRica em MinasGerais