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Mina

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Mina

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2 RENATA BOMFIM

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Mina

POEMAS

RENATA BOMFIM

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4 RENATA BOMFIM

Copyright © 2010 by Renata Bomfim

Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra,por qualquer meio, sem autorização do autor

ou da editora,constitui violação da LDA 9610/98.

editor:projeto gráfico, editoração eletrônica:

arte da capa:organização:

revisão:ilustrações:

impressão e acabamento:catalogação:

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

Bomfim, Renata, 19??-

Mina/Renata Bomfim – Vitória: Helvética Produçoes Gráficas eEditora, 2010.Dados paginação

ISBN

I. Poesia brasileira. II. Título.

CDD:CDU:

[ 2010 ]

HELVÉTICA PRODUÇÕES GRÁFICAS E EDITORA LTDA.Rua Antônio Aleixo, 645, Consolação

Cep: 29050-150 – Vitória – ESTelefones: (27) [email protected]

[ Contatos com o autor: ........... ]

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MINA 5

Sumário

Mina: uma poética colcha de retalhos ------------------- 7

Na lavra -------------------------------------------------------- 13

Arrebentação/ Explosão ------------------------------------ 41

Deslumbramento--------------------------------------------- 69

Lapidação ------------------------------------------------------ 97

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Mina:uma poética colcha de retalhos

Em Mina, primeiro livro de poemas de RenataBomfim, como uma transfusão de sangue de letrasgaratujas, de rabiscos, é possível observar umapoética igualmente incompleta, inacabada,transicional, de passagem e, por isso mesmo,emendada, retalhada, de aprendiz. Mina é umacolcha de retalhos de poemas emendados e suasvozes poéticas constituem-se em fluxos deaprendizagem de poesia, com seus eus-líricosfemininamente fragmentados, esboçando, seja emcada poema, seja no conjunto deles, um perfilpoético indefinido, demarcado por cicatrizes deincontáveis traços femininos, no embate, na vidae na sobrevida de, numa e contra a nossafalocêntrica civilização.

São, assim, vozes de incontáveis ventríloquosfemininos as que se inscrevem, como mina, nospoemas deste livro, escavando-se, escavadas e aescavar, embora sem pretensão de encontrar veiosde ouro, de diamante, ou de qualquer metalprecioso, uma vez que, sendo poemasassumidamente incompletos, como a vida, são,como devem ser, colagens de mulheres imperfeitas,irregulares, rebeldes, incompreendidas, viscerais,solitárias, fortes, frágeis, apaixonadas; ora

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confiantes, ora deprimidas, mas sempre marcadaspela vontade de se expressar, de, enfim, participarda trama tramada do mundo, como é possívelinferir tendo em vista o poema “Experimental”:

Rompeu-se o que era de ouro e fino e delicado.

Brocado de oníricas texturas,

Agora, embrutecido, pedra dura,

guarda tramas, fissuras de sonhos amordaçados.

Fóssil de um eu cintilante e genuíno

que celebrava o dia e bebia o vinho do porvir

ornamentado de linho fino e rendas.

Agora, sorve o amargor da lembrança

Sem saber qual direção seguir.

Haverá cura para esse mal

que embarga a voz?

Haverá saída desse escarpado íngreme?

Uma fenda, um vão?

Preces e rogos e oferendas

Para um deus pagão

Cultos para aplacar no corpo o desejo ardente,

Para cessar o brilho intermitente,

ofuscado apenas pela dúvida.

Ao fim, encenar num gesto

indecente- libertino- libertário

Voo inaugural para uma nova existência.

Diante dessa agônica pergunta, relativa __ eisuma tentativa de Interpretação __ ao embargo que

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uma civilização como a nossa impõe sobre toda equalquer alteridade, a feminina se expressa como?brocado de oníricas texturas?, através de umaescrita afetiva, para utilizar um argumento caroao pensador indiano, Homi Bhabha, ao analisar aliteratura produzida nas margens estilhaçadas dasinstituições verticais-falocêntricas, no contexto deuma sociedade pós-colonial.

A escrita poética de Renata Bomfim, em Mina, étambém afetiva, seguindo a esteira de poetas comoAna Cristina César, Elza Beatriz, Florbela Espanca,Sylvia Plath, e uma profusão de outras, por seremvozes poéticas que, não obstante as diferençasexpressivas entre elas, inscreveram umadisseminação fissurada de sentidos marginais,estilhaçados, em suas afetivas escritas poéticas,como forma, todas elas, de enfrentamento ao duplomal que nos embarga a todos, e antes de tudo àsalteridades, que são esses de sermos mortais e deestarmos construindo uma civilização baseada nasubmissão, humilhação, exploração e violação atudo que é vital, cuja força propõe, em movimento,outra dinâmica social, de alteridades expressivas,com seus? indecentes ? libertino ? libertário/ vooinaugural para uma nova existência,? Como nossugere o poema “Experimental”.

Assim, embora Renata Bonfim, neste seuprimeiro livro, esteja ainda em busca de sua melhor

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expressão poética, ainda que seja pela via dairregularidade e da precariedade, Mina nos mostrauma poeta em formação, é verdade, mas apta, nãoobstante, a nos brindar com poemas como“Experimental”, “Pororoca”, “Personae”, “A flor”,“Mulherárvore”, “Bluechip”, “Juramentohipócritas”, e outros.

Seja bem-vinda, Renata, ao clube das infinitasinclusões poéticas: água de todos e de ninguém.

Luis Eustáquio Soares

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A Lili, Elvis, Verinha,Elvis Júnior, Dedo e

Luiz Alberto, com amor...

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Na lavra

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Corpos humanos são palavras, miríades depalavras.Nos melhores poemas o corpo ressurge, o damulher, o do homem, bem-formado, natural, feliz.Todas as partes habilitadas, ativas, receptivas, semdemonstrar vergonha e sem a necessidade davergonha. Ar, água, terra, fogo – essas são palavras.

Walt Whitman

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Irmandade

Há fontes que geram em nósnovas águas,despertando olhos cristalinos efazendo brotar da terra ressequidaa vida e o desejo primordial,sopro que podemos traduzircomo entendimento, sentido.

Há terras que fazem brotar em nósoutras sementes,tornando- nos híbridos,desfazendo a hegemonia da matriz epluralizando os frutos quedespertam para novos paladares.

Há forças que não podemos explicar.Elas fazem com que nos juntemose queiramos estarno desejo do outroe desejemos ser o outro,bebendo da fonte e brotando da terra.Um outro tão espe(ta)culare próximo que bempoderia ser nós mesmos.

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Musiva

Eu sou pedra brutagirando na ciranda vivaao som do ventoe das águas.

Eu sou a pedra que se agita,clama e grita,chama do fogo sagradoque o peito inflama.

Tesselas-sonhos,desejos da mente:o tempo não apaga,o coração não sossega.

Ser inteira novamente:a brisa na almajustifica o existirdá leveza ao presente.

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Sensorialidade

O tátil se apoderou de mim!Já não te busco mais, atadaao fio dos meus pensamentos.Te experimento inteirocom meus olhos,teu cheiro fala à minha bocae sussurra indecifráveis sentidos,no silêncio dos amantes.

Meus poros estão abertospara te captar em vibrações.Eu te canto no presente,batendo as palmas das mãos,meus pés em bailados desconcertados.Te submeto aos meus desejosmais indecentes,Com as gotas adocicadasdo meu suor.É assim que eu te quero,é assim que eu te busco,no céu da minha boca.

Ânsia louca camuflada na calmaria aparente,a urgência da gentenas mãos, nos braços, nos entres:nossa vivência metassexorial.

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Questões poéticas

Antônio, o que faço?Colonizaram a minha bandeira.Agora toda empresa é responsável,toda exploração, sustentável,toda carne, sadia,mesmo que o bicho nasça, viva e morrade forma miserável.

Anto, onde me encaixo?Neste mundo, estou tão Só!Me espanca este plágio:“Ó dobres dos poentes às Ave-Marias!Ó Cabo do Mundo! Moreia da Maia!Estrada de Santiago! Sete-Estrelo!Casas dos pobres que o luar, à noite, caia...”

E você, José, que faz versos,que ama, protesta?Me diz: onde está a poesia?O verbo tambémtornou-se terra pisada?Os ritos de fecundidade,necessários para garantir a safrado bem-dizer, serão ainda executados?Me diz: e agora, José?

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Canto de abertura

Brilham sóis na minha lua.Sou toda bruma,rio a deslizar pelos penhascos,terra úmidaà espera da tua sementecomo se fosse a última.

Não há mais solidão,a pedra quebrou-se,fez-se múltipla.

Brilham os sóis da minha luaE sou toda e todos e sou nada– o pó dessa terra,o povir desse chão,as mãos febris que constroema paz esperada.

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Sensações

O sopro do vento na cara,a descida do morro,a alma ferida.

Amor protelado,espaços cedidos,silêncios perdidos.

Tudo isso faz de mim Ser emergente;esse tudo me reduz, me faz gente;esse isso, confuso, me embriaga.

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Ave paraíso

Amo a minha terra!Canto de longe as serras plenasos pássaros e as matas.Meus pés se deliciam e deslizamna poeira da estrada.Caminho, caminho, errante,em um nomadismo fascinante.omo é difícil parar!Amo cada centímetro desse chão,cada fungo, cada inseto.A sinfonia do tempo convida a meditar.

Esse cantão onde nasciembriaga de cinza e verde meus olhos,Nele estão as pedras mais valiosas,as tábuas dos mandamentos sagradosque ensinam a amar cada pássaro solitárioe a aprender com outros várioscomo é bom estar junto.

Sou um ser aberto e dobrável,uma fagulha angustiadaquer fazer fogo e ardere se multiplicar em brasas,acendendo as luzes de dentro da alma,brilhando até implodirde uma felicidade rara.

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Canto solar

Meu corpometamorfose!Já não sou maisaquela dos vinteou dos trinta...Bebo do vinho do tempocom alegriae agradeço a vida,esse presente!Dádiva que colhoem cada amanhecer.Espírito renovadocorpodesejo e fogoFênix!E me percebo novinha em folhaem florcaindo em pétalas,reverente,na rosa dos ventos.

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Irmãs

Há mulheres que são rios;outras, pedras;outras, serpentes emplumadas;E eu amo a todas elas!

Amo aquelas que o tempo silencioua rebeladaa escabeladaa indecisa...amo também as que se ofereceramem sacrifício,até mesmo as que preferiramser homens.

Nos unem os ciclos da lua,a terra do corpo que vibra.Sou mulher, portanto,a minha alma cintila,comunga e dialogacom todas as estrelas da tua.

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Eus

Meus duplosquerem tudo!O doce e o azedoo prazer e a dor.Me querem todadevoradareduzida.Eus de mim que nãose entendem e se deixam possuir.Camadas de peles nuaspeles por sobre os pelossuores e agonias.Saudades da unidade perdidaEu, ovo,Ovaguardada no sacodo escroto,batizada n’água da bacia,purificadados pecados dos outros!

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Rastros

No meu rastro caminhamsombras, lembranças;vagueiam sonhos precipitadosvestígios dessas andanças.

Por terras vermelhas e pisadassigo os sinais do destino,ligada por um fio,sei lá onde ou a quem,formando uma tessituraque desconheço.

Fio a fio sou a lãtramada- entrelaçada,nódoa maculando a purezaque também me é das maisestranhas.Continuo andandoe deixo involuntáriosnovos rastros.

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Experimental

Rompeu-se o que era de ouro e fino e delicado.Brocado de oníricas texturas,Agora, embrutecido, pedra dura,guarda tramas, fissuras de sonhosamordaçados.Fóssil de um eu cintilante e genuínoque celebrava o dia e bebia o vinho do porvirornamentado de linho fino e rendas.Agora, sorve o amargor da lembrançaSem saber qual direção seguir.Haverá cura para esse malque embarga a voz?Haverá saída desse escarpado íngreme?Uma fenda, um vão?Preces e rogos e oferendasPara um deus pagãoCultos para aplacar no corpo o desejo ardente,Para cessar o brilho intermitente,ofuscado apenas pela dúvida.Ao fim, encenar num gestoindecente- libertino- libertárioVoo inaugural para uma nova existência.

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Pororoca

Rioinfinitovolumosoe borbulhanteFervo em suas águasbuscando atingirsua cabeceiralá me esperamo enlaceo namoroo gozoe a Morte

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Moqueca Capixaba

Ela vai sendo aquecida, lenta edelicadamente, em fogo brando.Sobre a mesa, o namorado,temperado com amor, espera.

Pretinha de barro, filha de índioseu colo acolhe o fruto do marfervilhante, emana seu odorEsperam-na todos, deleitantes.

Um bom vinho, à mesa,um silêncio respeitoso,as bocas anseiam e marejamcomo velas errantes ao mar.

E o namorado vai sendo devorado,Transubstanciação, pode-se sentir oEspírito Santo no céu da boca.Divina moqueca capixaba!

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Personae

Sigo, amor, numa luta ferrenhapara ser eu mesma.Encaixando os meus fragmentosnas partes do mundo que cabem ecalando a incerteza dos pensamentossob a máscara de poeta.

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Possessão

Explosões sem fimque reverberam.Ecos dos meus sonhos.Indecifráveis enigmas.Trafego ocupadona viela psíquica.

Labirinto por aícom saudades do antes,da origem,do começo.

Reconheço o caos como sendoa minha casa.Nele não me perco.Ele me pulsa e arremessa para o alto.

Ouço sinfonias dissonantes,vozes que falam do que não sabem,mas que, mesmo sem qualquer intenção,me impulsionam para forafincando meus pés no aqui e no agora.

Posso dizer que estoupossuída por mim.

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Palavra- seta

A tua palavratesaVoa da línguaÉ setaMe acerta.Íngua!Dóie não cessaAbscesso inelutável.E eu que não souuma pobrezinha,insuflo em vocêAres de Vênus.Veneno!Para te devolverem valores,as tais palavras-doresimbuídas emfelSolução borbulhantena taçaondedesvanecea minha fantasia.

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34 RENATA BOMFIM

Caminhante

Caminho!A vida, estendida,oferta.

Humanamente,ora surtada, louca,na desmedida certa,pego atalhos,sigo retas,sem discriminação.

Quando centrada,julgo estar pertoda chegada,mas logo me interrogaa bifurcação.

Há jornadas e jornadas,nelas encontramos pessoasem buscade side um outrode nada.

Eu apenas sigo,quietinha e devagar.

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Colhendo flores,ouvindo os pássaros,torcendo o pé,tropeçando,sacudindo a poeira.

Absorta em imagens que,coloro com as minhas saudadese atualizocom a fé.

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Palavra

Eu busco na palavra abrigo econtemplo o tempo vivonos sulcos da minha face,nas minhas mãos estendidas.Busco amores esquecidos,rosas murchas, meu coraçãoestá prenhe de saudade.

Sou a Lua adolescentevista por olhos seculares,esferas constituintesdas formas elementares,ameba, átomo, fractal,espetáculo de cores.Sou um sonetoque aquela poeta cantoufazendo vibrar a alma.

E choro baixinhoDeslumbro- emocionadaEm mim giram uni-versos,pós de estrelasCriando letras egerando galáxias-palavras.

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Vibrações

Vem buscar a palavra.As letras estão espalhadaspelo meu ventre.Acentos exclamam extasiados:__ “Verbo!”Minha anca vibra.Nas esquinas da minha anatomia,as vogais reunidasuma a uma,celebram conso(n)antese fazem sentido no meu coração.

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Verdade

O que querescom teu sorriso dourado,fogo-fátuo que ludibriao outro ser ederrete o geloem água que não sacia?

O que buscasnas noites e diasem que teu corpo, com frio, chora,e tuas mãos encolhidas, à janela,onde o vento corta, bordam acanhadasformas desalinhadas?

Por que anseias, Penélope aloprada?tens cobras nos cabelos?queres impor medo?

Pois sabe que vais morrerum dia!...Então vive o hoje.Há melodia na catástrofe inauditamaldita ou bem-dita.Dita as regras do teu jogoE acredita.

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Joga o dado do teu destino.Teu estatuto é viver!Então vive!O amanhã... quem sabe?

Sorrirás o dourado-ourotão buscado,Ópus do teu lótus de mil pétalas,como Santa Tereza D’Avilacanoniza-te e vai!Sê o teu projeto!Realiza o teu mito!Deixa aos outros as vaias eos aplausos,deixa aos outrosum palco vazio.

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Fluidez

Gestos fluem de mimEm açõesConflitando, afligindo,Desbravando, colidindoConvertendo em jardinsas terras secas.

Novos gestos confluem eretornam para o leito.Sofro por ser essa coisa revoltadaresistindo à coisificação.

Meus gestos deixamgosto de letra na língua.Na boca do mu(n)doA linguagem assombrada, furiosae meio dis-sol-vidainsurrecta- ousada,porém um pouco perdida,Líquida-mente,Vira poesia eNada.

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Arrebentação/ Explosão

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O homem é só,Mas constela na essência.

Seu sangue em ouro se transmuta.Na pedra ressuscita,

No mercúrio se eleva.

Hilda Hilst

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Rogo

Vem, amor,entra aqui de mansinho econhece o meu mundo,revelado só para ti.Desliza por entre os lençóis,senta à mesa.São teus os meus espaços,os meus sonhos e embaraços.Entra, traz contigo braços fortes,me abraça e cobre combeijos ardentes,traz também,o teu sorriso de luz.Cava o meu chão eplanta a tua semente,rega com amor essa terra,ressequida de solidão.Faz cair sobre mim maná,faz jorrar, abundantemente,o teu leite e mel,e me sacia com o teu pão.

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Afins

Somos afins,máscaras que combinam na cor e na forma.Nos esgotamos e nos testamos até o limite.Seguimos construindo pontes de bambuque atravessamos sorrindo, cautelosos,ao sabor do vento, balançadosao sabor das incertezas do amanhã,experimentando doces e amargos.

Somos afins, sim;a fome na boca da noitee no escuro;lascivos e exaltados,nos devoramos até não sobrar nada;deliramos banhados em lágrimasde dor, de amor e de frustração.É tanta emoção sem nome,é vontade de cuidar,de preservar e de destruir,com carinho e delicadeza.

Unhas na seda,Espinho na carne macia,Água e sangue brotando da rocha...Prazer e puríssima perversão __

esse amor que se constrói e aniquilanas raias da solidão.

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A flor

Sim,seus pistilos eram docesPerturbavam-na insetos e pássaros,e ela, objeto, se ofertava em dores.Cálice divino a derramar-seem pleno Jardim das delícias.Fruição e pavor em perfeita harmonia.Sacrifício,Estigma,Sua assinatura sinistra.

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48 RENATA BOMFIM

No reino sensível das frutas

Eu quero rebentar!No reino plantae fructíferus.Quero voltar fruta- amaru,ter o caroço roxo e,por cima da casca fina,uma penugem dourada.Ser aquela que desejasmorder e chupar.Aquela que, só de imaginaro líquido carmim,secretamente trama gracejos a salivar.Mas na hora H, vou te ferrar!Meu pêlo- espinho vai perfurar a palavracamuflada/entalada na tua garganta.E a tua inflorescência será revelada,fantoche barato.Vai ser engraçado!Vai ser cômico!Há, há, há!Vai ser bizarro!Ver- te como és,Ver- te como ex,Ver- te quebradoin- vertebrado.Vingança, vingança de fruta-floral...Ninguém te avisou do perigo?

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Rosas

Quem sabe uma chuva de pétalas de rosas,Como desejou Santa Tereza,ao banhar nosso corpo, lhe restaure a pureza,religandos-o ao divino?Gotas de orvalho para potencializar o ritode passagem para outra dimensão,a do sagrado.

Fantasia, delírio, logo pensarão!Mas quem já não foi picado pela serpentedo medo, do ódio e da mágoa?Ou não teve o seu corpo contaminadocom as toxinas da indiferença eda desilusão?Eis que nossos poros estão obstruídospara o outro; e, nos olhos, grossas escamasimpedem a passagem da luz.Quem sabe as rosas possam devolver-noso frescor e a inocência,Para que desça sobre nós, do céu, a pombada gentileza, petencostes pós-modernoàs avessas.

Assim falaremos outras línguas:amabilidade,cuidado, bem-dizer.

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Babel do saber e não do poder.Pois onde há poder não há amor,e, onde o amor impera, osacrifício é sacro, é santo,ofício de doação per se.Que surja uma nova era,a era das rosas, era de ouro,era de mim e do outro, era de nós.Assim, nosso banho de rosasserá dourado.

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Derramamento

O mel escorriafluídico de sua bocae já lhe alcançava os seios.Aquelas gotas douradaspareciam armadilhasprontas para capturar o ávidoolhar, o viscoso.

Uma doçura,melaço negro,spectrum com sabor de abismoe de morte.

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Mulher

Mulher,seu rosto reluz,polido.Seus olhos,janelas que se abrempara outros tempos.Banhos de luzresplandecentesdesenham a sua faceraios do destino.

De onde vem o seu olhar ea sua boca encarnada,que grita e canta e xinga,e compulsiva quer devorar o mundo?Tantas vezes me causaestranhamento.

Mulher,Eu me vejo nos seus olhos.Quem é você?Por que me impõe esseolhar de executora?Sinto os açoites,as dores...O que você reflete de mim?

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Transpassar suas venezianasnão é tarefa fácilmas busco te enxergar vocêCatedral envidraçada,Templo óptico,Onde, invertida, reflito.

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54 RENATA BOMFIM

Mulherárvore

Por mais que ela quisesse parecer humana,sua pele, quase casca, a denunciava.A cada manhã mais veios,a seiva suave já a percorria, toda.Mulherárvore.Urgia o tempo, e ela precisavareconhecer a sua natureza.Há tantos anos vivendo entre os humanos,raça inimiga da sua,e com eles estabelecendo alianças de sombras,Seu inferno, asfalto.Ela era de uma espécie rara eHíbrida; se descoberta, logo seria alvoDe algum fio afiado.E a mulher, metamorfose,já se sentia brotando.Mais um pouco, e não poderiaesconder-se entre ruges e rendas.Logo teria galhos e folhase o alvoroçado assédio dos pássaros,que, brigando por um espaço para seus ninhos,a denunciariam.O tempo urge,e a mulherárvore sabe ser chegada a horade realizar a sua natureza.

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Rumos

Nesse momento raízes brotam do meu peito esaem pela minha bocaRamos e ramos que se multiplicam,E, com ímpeto, me desviam para outros rumos ,diversos, pluraisBusco o Ser da era de ouro,Plástico, macho e fêmea,que abdicou das armas e dos espartilhos.

Caules longos crescem para cima e para baixo,Já alcançam grandes proporções,e meu corpo está todo (re)coberto.

Sou o meu avessote alcançando e abraçandonum enxerto.Híbridos,nos reproduziremos fora do padrão,buscando o exercício harmonioso daalegria e do contentamento.

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Sedução

Caminho entre a areia das certezas e o mar agridoce que brinca batendo potentes ondas;repentinamentea tua língua me traga toda, me puxa com força.Estou dentro.Não luto e espoco espuma dourada.Sou tua amante fecunda,tudonada,estendo as mãos ao horizonte e,sem limites,crio asas e olhos de sereia.

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Lírios

Barrar os sinaisdo outono que brotamdo canto dos olhos como lírios.Suavidade de um tempo temperadoque acompanha um corpo que se permiteser sol e tempestade de raios reluzentes.

Parar ou voltar no tempo, não!basta à vivência uma vez.E nesta inédita realizaçãoque se autocopia apenas em paródiavejo que o tempo não existePortanto torna-se impossível (mani) pulá-lo.

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58 RENATA BOMFIM

Mata

RespirarouvirDespertar os sentidosadormecidosser um delese não seresse bicho estranhoser um com eleum com elasermos Umsonho?

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Primordial

Assim que ela surgiu das sombrasfez-se silêncioO vento parou para escutá-laPrimordial.Sua música fazia brotar as sementesIncentivava os filhotesa arriscar o primeiro voo.

Eu, ali, imóvel,assim como o vento e tudo o mais,paralisado pela beleza,Desejava estar com ela.

Eu a conhecia, lá do íntimo,Era ela quem me despertava toda manhãE inflamava o meu desejo.Nunca a possuí.Ela era de todos e de ninguém,dormia com a lua, despertava com o Sol,copulava com as estrelas.Todos se enamoravam dela.

Mãe e amante de tudo que vive e respira.Mulher que verte mel e toca a musicaQue compõe a natureza.

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60 RENATA BOMFIM

Alquimia

A entrega foideliciosado leitodeleiteum cálice inversouniversode estrelas, gelo e martiniderramados sobre mim.

E eu que era potência e forçacerteza e tirania ete concebia como uma parte de mimMinha toda , eu teconduzia pelos caminhos do meu desejo.

Eu, homem aço, ouro e mercúrioAmalgamado no espelho cruel de NarcisoEu todo poderosoTudo, TodoEu.

Agora, ébrio, débil eprostrado, reconheço ser NadaFrente ao teu corpo de flor.Talvez a nuvem que um menino viuMas que o vento carregou

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Pra tão longe queagora, sem forma, derrama-se todoe, em partes, chora .

É a história desse homemRedução/emoçãoQue trocou o poder pelaImpossibilidadeDesse pobre que na solidãoconheceu a alegria.

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Girassol

No canteiro ela giravae girava e girava...Sol a pinovoluptuosa!Seu amarelo ofuscava o ouro.encantava os céticos,acalmava os desventurados.Ornamentos sagradosseus pistilos doces.Oferendas para os deuses dapolinização e deleite para as abelhas.Quem me dera girar na tua ciranda erevestir meu corpo com tuas pétalas.Quisera poder voltare rever o local onde primeiro te vi.Hoje te admiro dos meus sonhosTerreiro onde encontro energias eseres que não são nem de carnenem de osso.Lá continuas a girar sol a sol.Da noite iluminas a minhalmapara que meus olhos brilhemdurante o dia.

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Questões poéticas II

O poeta suja as mãos de sangue?O verbo criadorvisita a puta, o insanoou o doente?Brota poesia da pedra ouda pétala da flor?

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Estranhas entranhas

Você me julga!Durante muito tempo (a)colhi julgamentosmas o tempo me ensinou a ensurdecer.Das entranhas de uma mulhersó ela é quem sabe!As más águas que por ali correramRegando sementes que dormitavamfingindo de mortas.

As dores que floresceram e ainda florescemvestidas de sangue secam as sementes de solidão.Então, não venha me dizer quesou, do mundo, a mais feliz das fêmeas.Das minhas (estranhas) entranhasEu é que sei!

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Pertencimento

PertencimentoPalavra caraPrimorosaAnula o esquecimentoameniza a dorPalavra que unefamiliarizatambém distinguesingularizaMilagreunguento paraa solidão perniciosae também para a ira e a fadigaÉ certeza de Serlembradoe ser esquecidomomentaneamentee não se importarpois sabe ter lugarno coração do outroÉ ter casapra voltaralguém pra abraçarum corpo dotado de almapara amarÉ estar amparado

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neste mundo fragmentadoe ser fragmentono mosaico cósmicofazer parte do todomesmo sendouma poeirinha de estrelae viajar pelo infinito.

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sogno

Quando criança eu não sonhavanão sei como nem por quê,não imaginava que um dia cresceria,nem as consequências desse fato.

Como somos magníficos!aprendemos tudo nesta vida,quando queremos,inclusive a sonhar...

Eu, laboratório particularde venezianas sempre abertasa contemplar o mundo, e que mundo!

Singularidade- constructo dos meusnão-sonhos de criança,e dos sonhos que, a duras penas,aprendi a tecer.

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Deslumbramento

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Ela estava deitada e deixa-se amar,Do alto do seu divã, ela sorri sem medo,

Ao meu amor profundo e doce como o marQue procura alcançá-la assim como um rochedo.

O olhar fixado em mim, como um tigre domado,Com ar vago e distante ensaiava as poses,

E o seu candor unido ao ar mais debochado,Só vai fatalizar suas metamorfoses.

As Flores do Mal / Charles Baudelaire

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Gato

A Lili, Verinha, Elvira, Elvis,Elvis Júnior e Dedo

Deslizo por entre bibelôs e livros eleio histórias de outros tempos.Sou amante de filosofia e artes epenetro os mistérios do invisível.Faço do homem meu companheiro,meu amigo, e o amo profundamente.Se esse não me retribui,felinamente saio,fujo, pulo de qualquer andar.Transponho os muros do ódioe da crueldade que se elevame buscoo mato,o rato,afeto.Aceito os vivos e os mortosamigos visíveis e invisíveis,muitos visíveis ausentes,muitos presentes da vida na morte.Aprendi a saltar e a escalar as árvores,E, ao contrário do que pensam,não sou inimigo do cachorronem do pássaro.Não sou ingrato ou ladrão,

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fui difamado,por não me submeter à prisão,à domesticação.Sou primo do tigre, do leão,sinônimo de beleza,No antigo Egito fui adoradoMas não sou um deus,Sou um gato.

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Felinamente

Mulher pega no ar,pressente.Aproveita vezes setea vida que tem,presente e dádiva.Mulher peca nua,santamente.Seu gozo resgata do purgatóriosete almas,transmuta karmas,acalma,acalenta,Atalanta.Lanha o peito do amadoaté o coração que,encarnado,sangra,e lá ela descansa,felinamente.

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Rainha de Copas

Embaralhadana mesamanda a Rainha.Vulnerável?Não!Venerável!Voltada para cima,Contempla o futuro.Sua casa,a mobilidade.Setenta e sete súditosPor ela ardem de desejo.O rei/escravo submete-se.Os naipes se curvam humildemente.Vitória régia é o seu jogo,Curinga baila enquantoa fêmea canta,o fado da fortuna.

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Ser

Nem um corpo vazionem uma mente alienada.Instâncias pluraisEm busca de definições.

A alma cantada na sua essênciaclama pelo sangue e pela carnedesejosa dos fluídos divinos.A natureza nos brindacom seus mistérios.

Nem os ventos mais distantesdeixam de estar presentese de beijar as colinas próximas.É tudo uma questão de tempotempo mágico, mítico.É tudo uma questão deEstar para além do tempo.

Nos giros da grande roda azulos elementais do fogo trabalhamincessantemente para a purificaçãoda matéria organo-sutil.E a alma,durante a jornada,vai sendo preenchida pelascinzas benditas,por sonhos e esperanças.

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Orquestrações

Quero falar do silêncio.Esse ouro que pode ser traduzidoem espaços amplos e arejados.Preciso apenas de um minuto dasdissonâncias do mundo.

Minha alma nesse instanteé penetrante apenas pela tua voze refletida por palavras espermáticas.

Recebo o recado íntimo,palavras sagradas de amor,sussuradas em promessas quereverberam em mim escarlates,harpas com tons de lira.

E voltam devagar as orquestras,salão cheio novamente,Inicia-se a festa!Pano de fundo perfeitopara o teu solo privilegiado.

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O contador de histórias

Bem-vindo, peregrino!Chegaste de mãos vaziasNão tens ouro nem pratanem objetos de grande valor.Mas trouxeste contigo as lembrançasdos caminhos percorridos.

Dias, semanas e meses vislumbrando sóis e luasBanhando-te no orvalho.Experiências que fizeram de ti um sábio.

Me presenteaste com históriasdo tesouro da tua alma.Tesouro que não acumulas,nem guardas somente para ti.

Trouxeste noticias e singularidadesde povos que eu não conheciae as cores dos prados, dos cerrados,o barulho das matas e das fontes.Com a tua chegada, a minha alma iluminou-sefoi como se dentro de mim um forte ventoabrisse antigas venezianas.

E, assim como o vento sul,novamente partirás.Mas sabe que tens aquiuma irmã a te esperar.

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Manifesto

Ela chegou nuaà porta do homem.Despida dos costumeirosAdornos de mulher.

Ela era toda verdadee ofertava-se em cascatadesdobrando-se empromessas translúcidas que,com uma dose de fé,trariam respostas ao coração mais aflito.

Mas o homem não entendeu.Pensou que aquele corpo de sedaservisse simplesmente parasatisfazer seus desejos atravessados.

O tempo passou, e, nua, ela partiudeixando para trás o vazioque ele só perceberiaquando um dia acordasseDo sono profundo.

Ela saiu da vida do homem paranunca mais voltar e lançou-se ao desconhecidoem busca de outros corpospara suas letras.

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Caminhos

Te encontrei assim,caminhando.Tinhas as mãos soltas,sem pesos, nem bagagens.

Eu, toda estrada,já vislumbrava o sem-fim,perdida em bifurcações queme trouxeram a este ponto,marco precioso na topografiado meu entendimento.

Caminhavas, e eu já te buscava,seguia os teus passosimaginando o teu ritmo,o som da tua respiração.

Quem sabe, ofegantes,pudéssemos matar a sedena boca um do outro.Inexplicáveis econtraditórios sentidos,setas e retasatravessadas por desejos oblíquos.Eu olho para o horizonte edigo SIM, encantada.

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Vejo este mundo todo estendidose ofertando em novos caminhos,desejantes de estradas abertas

Juntos agora, continuaremos seguindo,nas estreitas e malsinalizadas curvasdos nossos corpos, batizados de inéditos,terra que ainda não foi pisada.

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Encontro

Laços e fitas e fios e linhasNós cegos, que importa?Estamos unidos.Delícias e sufocamentos,Laços que enfeitam a vida,olhos fitando o infinitocom seus fios cinza- dourados.

Assim a união se concretiza.Dores e lágrimas,medos inexplicáveisaté mesmo da plenitude eda felicidade.

É verdade, somos humanos,estruturados na falta,deliciados com a ausência.Mas o divino acontecee nossos eus se tocam.

Eis o que acredito sero milagre da vida!

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Dânae

O demônio da inquietudegerando na almao contraponto,o diverso.Sangue e sêmem,gestos a escorrer.E eu me sinto tão tua!Mulher, fêmea,meu nomeé prazer.

Odisseia no mar da indiferença.Mas te pressinto,e firmo um novo rumo,teu centro desconexo,infinito,pretenso absoluto.

Nele me percoe encontroo bruto da minhafeminilidade.

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Mentiras sinceras

Eu finjo e minto, sim!Finjo ter o que não tenho eser a pessoa que não sou.Finjo que sou a mais feliz,e, se me convém, aquela cuja vidaé puro amargor.Amar você finjo também,e delicio-me com a brincadeira.Finjo múltiplos orgasmos,finjo sentir dor, emoção.Finjo ser flor casta,purinha, em pleno botão.Aquela que precisa ser protegida.O choro, puro fingimento.São cenas e imagens que nascemdas camadas profundas da mente,verbo- mentirinhas sinceras quevão encharcando a terra da poesia,e gerando fios e linhaspara que eu trame.A verdade?Essa dama obscena,ela que se dane!O importante é atuar com primazia.Se todo poeta é um fingidor,Erga-se, então, uma forca coletiva!

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Mas na fila para o enforcamentoserei das últimas,Talvez até se quebre a corda puída.Enforca primeiro o Pessoa,em seguida o Nobre, a Hilda,os irmãos Campos na sequência,e faz o Pignatari assistir.Mas advirto: não adianta!Poeta morto é o que mais canta,Não acreditas?Pega um livro da Espanca, lê,engole em seco e cala-te.

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Exotérica

Somos um todo!Foi o que disse o místico.Vibrei e aceitei o ditocomo verdade absoluta.Tudo bem, desde que esse todoao qual eu pertençaseja a parte mais bonita,gostosa e opulenta.Quanto ao todo quecorresponde à parte,pobre e ignorante,que pertença a outro!Enquanto isso vou acendendo incenso,tomando banhos de ervas,massagens com óleos essenciais.Visto roupas brancas e purase ouço mantras transcendentais.Se o Sol nasceu para todos,a sombra nasceu apenas para alguns!É a lei, a lenha, o fogo!Sigo vencendo o medo da morteE entoando doces melodias.Que esse outro, sem sorte,(des)conhecido e renegado,se contente com a vidaque “terá” após a morte.

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O céu, anjos, harpas, mas nada decervejinha, nem de mulher.E o meu todo regozija,ele é todo meu!Neste caminho que é a vida,sou levado a buscar o nirvana,a estar com todos os chakras alinhados,e com a aura multicolorida,purpurinada.A não cultivar a culpa nem o remorso.Mas o místico só não me disseo que há ao fim dessa jornada.

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Auras

Estou nua de mim!A flor da minha pele desabrocha.Perfumo o espaço que não ocupo,reflito imagens que desconstruí.

Sinto a brisa, o vento e a chuva,Não preciso ser ninguém,além dessa pele fina,que o tempo machuca.

Marcas de mim nessa nova mulherque rebenta em auras.

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Faces

Minha face brinca de ser Outrae à medida que o tempo passaela se reveste ora de sorrisosora de lágrimas,se expandindo ao infinito.Ao sabor do ventoesse rosto que não é só meubusca abrigo nas mãos de outra pessoa.E a imagem que você beijae diz conhecer bemvai se transfigurandoe ensaia ser valeFlortigrecobraáguamadeirafogovoltando devagar a ser essa eu/outraconhecida e estranhasempre em busca de metamorfoses.

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Blue chip

Ela(em)cena múltiplos papéis,moeda (in)certano mercado da fantasia.Blue chip!Da mesa à cama,veneno eliquidez.A desejada!Seduzno movimento(des)a- fiante,de suas açõesinesperadas.

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Calíope

Serei a dama dos teus sonhose dos teus pesadelos.A morte calada.Luz que revela os contornos da carne.

Serei amorVisão daquele que tem a marca evocifera interminávelmente.Ascenderei aos campo divinos,serei ás e dama,cântico sincero eencantamento,ao te desamarrar do mastrodo navioda indiferença.

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Sereia

Ela canta e encanta.Sereia!Monstro-peixe- mulher.Traz numa taça,disputada gota dourada.néctar!Oferenda que sela pactos.Ela sorri!Ele é todo seu,Então, realizada,Coleriza.Canto das profundezas,Experiência numinosa,Arrebatamento.Agora,na casa do prazer e da morte,o homem-cativo-encantado,chora.

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Encantamento

Para espantar as entidades da má sortenão bastam velas ou incensosnem mesmo flores jogadas ao marsal fino ou grosso, abre- caminho,espadas de são Jorge ou patuás.O encantamento só funciona sepraticado por alguém que ainda detémo poder de se encantarSomente um ser encantadopode ser encantador.Mas esses seres, a cada dia,são mais raros,falta pouco para seremencontrados; apenas nos contos de fadas,lá nos livros, onde moram todos osencantamentos.Espanto é outro determinante efunciona para o encantador como uma chaveque abre a porta da mente e do corpo.Espantosa é a sensação de deslumbramentoem frente ao mistério da vida,e às idéias que, pasmos,acreditamos serem capazes de mudar o mundo.A surpresa da aceitação,Outro potencial humano:aceitamos as falácias e as alegrias que

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viajam com o vento edesabrocham como as flores.Embruxamento é vitalpara quem quer ter poderpara espantar a má sorte.Só se ganha quando se perde,eis o mistério dos mistérios.Sempre há um preço a ser pagopor cada gota de lágrima sorridenteÉ preciso deixar algo irpara que se possa receberpresentes do universo.Mistérios?A má sorte nada mais é que uma fada tristecuja face o tempo maltratou.Pobre fada, seu encanto a cegouO feitiço voltou-se contra o feiticeiro.

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Lapidação

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As omoplatas cresceram e se cobriram depenastransparentes como os cristais,

transformando-se em asas e, quando ficaramfortes, eu voei. Atravessei o espaço e ia colhendo astesselas que encontrava e as colocava presas com omeu sangue cheio de amor pela vida que Deus me

deu. Ao avizinhar-me do seu trono Ele estendeu-meas mãos, ergueu-me, vi e senti o Universo todo

colorido, pleno de histórias contadas pelas tesselasque formaram o grande mosaico do firmamento.

Amei a visão musiva com toda a força do meucoração.

Freda Cavalcante Jardim

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Querubim

Caiu!Querubins caem a todo o momento,Prenunciando o inevitável.Que a queda é algo inerenteao homem, mas atingeaté mesmo os querubins.Almas encantadasCom asas e caras de criança,Eles nos ensinamO sentido da palavraC a i r.

Eu caio!Princípio vital!Levanto entorpecidanuma performance teatral,sacudindo a poeira brilhante,as plumas e pregas desalinhadas do vestido.Não se deve cair de qualquer jeito!Deve- se cair com graça,com leveza,para que os seus inimigossintam inveja, até mesmo,do estatelar.

O prazer alheio

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não está apenas na visão da quedaalheia, mas na vergonha.Então a performance é importante,a singularidade do tombo.Cuidado para que não percas isso,esse jeito especial de caire provocar a dor nos outros.Nem mesmo os querubinsTêm isso!

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Tecendo a espera

Sempre ela e seus bordados,tecendo a espera,tecendo esperança,tecendo sonhos,desde criança.Fio a fio no tempo,negros fios vertendo em lágrimas,fios da navalha,delgados eretorcidos.Fios da fibra do girassol.O rosto corado e a boca encarnadada rosa que ficava no jardimguardam a resistente corrente fina,que enciúma a aranha.Fio da vida que não espera,Ela borda incansavelmente.Surgem os nós,sentenças de morte.A bordadeira esperançosapassa a desatadorado tempo que passa,e não perdoa.E novos fios serão precisos.Encarnados, azuis, amarelos e verdespara reavivar o desejo da mulher,

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de tecer o desejo queo tempo afrouxou.Representação,traçado firme,e o bordadovolta a brotar da agulhaem busca de novos desenhos,de novos sonhos,É a lei do oficio de tecer.Filha de Pandora, a tecelãSua mãe lhe contou queum dia abriu uma caixaque não podia,e dali saíram muitos pesadelos.Seu castigo foi tecer até a mortee desatar nós.Mas ela sabia que ainda havia um sonhopreso dentro da caixa,e pediu para a filhalibertá-lo.

Caixa de fios/ sonhos de mãe/morta.Abre a caixa a filha,Mudanças acontecem.

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Tocaia

De uma pequena frestameu olhar ensaia o mundo.Fora desse lugar, desse dentro,Universo-diverso,Aquarelado- fluido,quase evanescente,O meu “EU” jaz em segurança.Na tocaia, sempre paciente,espera/ espreita e salivao desconhecido...Será possível sair dessa casa/ toca/ tumbacom asas e voar para longe?Ou devo corajosamente seguiro destino de presa,me deixando ser comida inteira,e sem rancores,apenas seguindo as leis imutáveisda natureza?Se assim for, que eu seja o melhorbanquete desse bicho/vidafaminto de infinito.Que eu possa perpetuar em essênciaa existência, driblando à força e,sorrateiramente, o algoz.Sendo parte de seu sangue e de sua carnemanobrarei seus ossos e

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perturbarei seus sentidos.Será o meu eu dissolvido a guiá-loem busca de novos euse infinitamente se perpetuando erealizando, na carne/ sanguee desejo de um terceiro.

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Tela corpórea

Parque de diversõesParque de dinossaurosPalco de distraçõesCORPO!Dentro e fora se avizinhamNessa tela ondeo desejo pinta a sua obra-prima.Na gangorra as emoçõesDerramam-seAmores, dores e esperançasCativos dessa PandoraPresente divinoMulher-criança.

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Noiva funesta

Ela estava predestinada.Seu corpo exalava, agora,perfume de rosa podrearoma de adeusBelo e triste...

A noiva fechara os olhos.Seu amante estava lá.Amou-a por toda a vida,A cada lágrima derramadaa lembrança dasviagens gozosas e frustradasNaquele corpo agoraInerte e fúngico.

DesesperadoLança-se sobre o corpusQuer renovar seus votosObsoletos...Do casamento implícitoNoiva de ÉterHolometabólicaBilateral

Quem sabe o seu destino?Seu corpo

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Doce...Derrama-se,Agora, cada vez maisManancial.

E dizem que...E choram e HIPOCRISAMCrisântemos navida ex vai-seO desejo não morreViaja com suas asas ferrugíneasMandaçaiaPara além da nossa compreensão.

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Cá entre nós...

Cá entre nósHomens, mulheres, crianças,bichos, plantas e mudas de caqui.

A vida e suas contradiçõesnos unindo e mantendo ligadoscom a sua gosma...

A gente gozando com essa agonia...A liberdade não nos interessa,faz sentir claustrofobia.

Somos dois loucosdois tresloucadospoeirinhas cósmicasse achando gente grandese achando grande-coisaimportantes.

não somos NADA!Mas somos tudo um para o outroO que fazer?

Não quero pensar no amanhãbasta viver o agorae celebrar toda essa tirania,com que o amor, perverso, nos açoita...Que delícia!!!

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Contradições

Sercontradição e karma.Assediada e incendiadapela inquietude.Desejante e desejosa.pedante, insuportável,e Cleópatra, em sua glória,buscando uma mortecinematográfica.

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Xamã

DançaSerpente- crepitando ao redor do fogo.Livre, corpo nu, celebra a terracom cânticos e oferendasDeposita sobre o altar objetos mágicos.Energias sutís emanam dos seus pés-tamborescadência do despertar.Fêmea, completitude no seu nada.

Tudo no tempo e no espaço,Da sua fenda brota o sangue sagrado,interstício do amor sem culpa.Braços abertos, invoca a deusa-mãe adoradaBast e Neith.Recadeira do tempofiandeiracarpideiraparcasereia,ela é o próprio tempo encarnadodevorando e gerandoaos outros e a si mesma.

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Amor etéreo

Sete foram os padecimentos da moçaOusou amar um deus, amor de anjo.Etéreo e sublime,em sonhos, ele lhe ofertavapromessas ardentes.Já não queria acordarpesadelos da almaEntão chorou as lágrimas do adeusE nunca mais dormiu.

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Namorada

Nem esposa nem amante,Namorada!É o quero serSonho com o estado de graçada mulher que não tem dono,que tem asasque deliciosamente ameaça voar.Mas também quer o laçodo abraçorelaxado e quente.Mas ameaçando o nó.

Abomino a convivência amistosa,a rotina,a monotonia,o lençol perfumado __

lençol de casal feliz deve ser suadodo amor que não fica sempre para amanhã.Amanhã o lençol se molha com as lágrimas dadesesperança, vertidas na clausura daprisão domiciliar.

Enfim, eu quero ser sua namorada,e que linda namorada,a mais devotada,aquela que você deseja a todo instante

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que adora e até mesmo idolatra.Eu só quero isso,para poder me derramar,chegar num ponto onde se pode tudo.Até dizer “eu te amo” sem olhar para trás.

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Questões eco-poÉticas

A floresta está queimando,os mananciais se esgotam;é a vida que pede socorro.E eu vejo tudo aterrorizada,e não faço nada, ou faço pouco.

A nave está desgovernada,à deriva, a vida sob ameaça!E eu vejo tudo aterrorizada,e finjo, para não enlouquecer,que não acontece nada.

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Terra

LetargiaConsumoA terra agoniza,o gemido é visceral.Meu canto é lamento,riso revestido de cinismo,marca do desse nosso tempo.

A alma definha!A morte se avizinha enquantomuitos esperam o arrebatamento.Temos escolha, mas,a fauna e a flora não.

Se a terra está em nossas mãos?Fantasia.Arroubo.Megalomania.feneceremos primeiro!

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Assombrações

Secaram-se as folhas das árvores enuvens cinzas se avizinhamtrazendo consigo a chuva e o frio.Penso em você com saudade.

Você que coloriu os meus dias,que me inspirou um mosaico eme deu uma flor ainda em botão.Penso em você com amor,do fundo de minha solidão.

Fantasmas, sombras, melodias do adeus __

É o passado que me (re)visita com lembranças,aquecendo o coração.

Fantasmas do passado, tão presentes que,em momentos, o hoje se torna rarefeito,fumaça de ilusão.

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Fantasmas

Vou mandar rezar uma missaPara que me deixes descansare para que também descanses.E se em algum tempoteus olhos me encontremnão sejam faca na minha carne,lancinante.

Minha fé está plantada no aqui e agora,Vivo como posso,danço a música infligida pelo tempo,que joga comigo, com você e com nossosparceiros invisíveis.

Se as rezas nos salvarão das regras?Não sei te responder.Sigamos em frente, meu ex-amor,Já nos basta o viver.

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Viagem

Imaginar o abismo dos teus olhos __

Convite obsceno,Mergulho incomensurável.Digo sim!Entrega e deleite.E de-canto poemas mortossob a luz da minha vergonhado tédio e da ilusão.

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Honoré

É Honoré,Sou uma mulher de trinta!Veem em mim atrativos irresistíveis,Esperam que eu satisfaça a tudo e a todos,na comédia humana da vida.Mas confesso queàs vezes me sinto feia,presa a uma teia louca queafirma que preciso de plástica,de muito dinheiro, de posição.É um vestibular diferente,e me cobram: “escolha ou isso, ou aquilo”,ser a gostosona,ou ser a mãe; se não isso, seruma profissional machona.Sabe o que quero, Nô?Julgue se é pedir demais:Viver em paz!Esquecer essa coisa de idade,de cobrança, de “se enquadre”.Quero me libertar dos estereótipos.Já passei pela faculdade.Chega de ter que sempre escolher.Quero acolher!Então, já digo, na lata,Que de mim não esperem nada!

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Peço que larguem do meu pé,Deixem que eu oferte carinho,amizade, lealdade, e me zangue também,se tiver vontade. Que eutrabalhe e que tenha filhos, ou não.Não me cobrem nada!Me deixem ser uma mulher de trintaassim como sou hoje,quase ajuizada.

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Juramento de Hipócritas

Eu juro pelo meu pai,pela minha mãe epor todos os santos,depois que descolar meu diploma,abrir uma clínica na Enseada do Suá,particular,com vista para o mar,para atender senhoras e senhoresda alta sociedadecom serviços de alta qualidadequartos assinados por decoradorescardápio de chefe, até caviare mais bajulações e favores...Juro suprir (mesmo que momentaneamente)a ânsia dessa fina clientelaque demanda, ou melhor, que clamapor beleza e juventude;buscar contemplar suas aspirações e sonhoscom lipoaspirações elipoesculturas;corrigir a flacidez de suas pelesdisfarçar suas estrias eamenizar suas rugas comtoxina butolínica,reaplicando-a em doses cada vez maiorescaso o sulco persista.

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Seus narizes empinadosmais empinados deixareicom uma rinoplastiae próteses de mama:P. M, G, GG, extras, extragrandes,turbinas privilegiadasdas endinheiradas saradasque mais clientes me trarão...E a coisa vai esquentarcom peelings superficiais,médios e profundosas faces rosadas em brasa ficarãomas sofrer faz parte do processo,não aceitarei reclamação.E ao fim da carreira, velhinho,endinheirado etodo esticado tipo tamborimvou morar na praiado Francês ou da Atalaia,pois profissional de sucessotem que sair de Vitória,mesmo que sejano fim da história.

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Poeminha de gratidão

O Espírito descansadepois de um tempo de tristeza.Relaxa e canta,admirando a natureza.

Sou tomada, algumas vezes,por uma nostalgia...lembro de dias mais felizes que esses,mas logo afasto tais fantasias.

O presente é dádiva,é abertura ao inesperado, é expansão,independente de tudo, há vida!

O céu, da cor que esteja, é lindo!e eu agradeço por tudo issode todo o meu coração.

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Mote

Moteo troteo xote vou seguindosou essa alma que gritaInspirada!cobra pronta a dar o botesou a nuvem punida pelo ventoarrastadaBanidapro nortepra morteviro chuvaágua bonitavejo o arco-írise re-nasço parte dessa cadeia vital dando energia pra roda gigante azul.Salve a vida!

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Ser poeta

Ser poeta é cantar altomesmo com a voz embargadaenquanto o dia refracta toda a luz.É esperar com as mãos estendidaspara doar a vida.É cantar de um quarto escurode onde, mais claramente,se pode sentir as cores e os cheiros.É buscar o outroe encontrar a si mesmo.Passado, presente efuturo fragmentados,quando coisas esquecidasafloram de repente.Narciso sabia de tudoe fez um mergulho precisonas águas turvas do rio do potencialEstige.Foi em busca do seu sole do sentido que o fará um diaemergir deus.A solidão é um abismoe guarda uma paz preciosa!Sou poeta e canto,arrisco a vidaSe a voz, embargada, irrita.Canto, canto e canto mais aindae não ligo.

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A tristeza de Ulisses

Cais do descontentamento,Felicidade no horizonte da utopia,Falta de algo ou de alguém...(coro) desconhecemos o desejo...

Porto de ilusõessubúrbio do medo(coro) salve-nos ó Deus,das prostitutas e dos desajustados.

Desejos errantes, embriagadose prontos para colonizar o amor;Velas rútilo-delirantes,Cantos de morte e de beleza,(coro) Não há esperança...

Sereias e Deusas,Saudades, lágrimas e dores,overdose de horizonte,Um mundo todo cinza e azul.

Busco Ítaca!Busco a minha almana alma daquela que tece à esperadaquela que é redençãoque é o tesão da vida no Mar

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daquela que ressignifica a errânciaMas seu encanto acena como promessae dos meus sonhosapenas a tangencio...(coro) Vai, Ulisses, cumpre o destinoque é só teu!

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Caixa de Pandora

Ela meteu a mão na cumbuca,estava curiosa para sabero que guardava a tal caixinhacheia de fogo e palavras selvagens.Era o verbo fêmea virando carneE que carne!Pandora era uma putarevestida de santidade.Encantamento puro era o seu olhare a sua voz era um veludo.Epimeteu logo dela se enamorou.Ela chegou ao mundo trazendo consigosegredos gramaticaise conjugações formidáveis, comocompromisso e fidelidade.Na caixa, pasmem, havia chocolatesbombons recheadoscom morango e damascoe licor de amarula.

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Espetáculo

Lá o duplo desfaz as tranças longascom as mãos se desdobrando em gracejosos pés pulsam movidos por força misteriosanesse lugar não lugar onde sou o oposto ao avessomiro o horizonte de cabeça para baixodesse palcoo corpo é flectivel ad infinitumforma círculosganha aplausossou artista ea cara branca de pómostra que o espetáculo será dantescomulheres e homens irão rirquando o meu corpo voar pelos arespreso a uma corda invisívelimagine então que estetambém é aqueledesenhado em estúpidos arabescos

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Fome

Eu preciso dessa letra e deste verbo.Me desculpem se incomodo.Preciso também da (re)flexão que nutree dos pontos e vírgulas que afogam a sede.Sonho com o soneto elegantee com o haicai decidido.A carência do conto de amor e de dore do romance que ainda não foi escritome fazem ser assim,fazem a minha alma ansear pelo mundoe me resigna a cumprir a pena de ser poetisa,mesmo quando a folha é pequenae falta espaço para a expressão latente.

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Canção para Frida Kahlo

Quero abraçar teu desamparo.Ser tua gêmea, invertida,e Outra, ainda.Quero te amparar todanos meus braços,parte por parteemendara tua perda irreparável.

Denuncias meus segredoscom tuas imagens:dor, fel, doçura.Arrancas de mim a máscarasem que eu tenha medo,revelada, posso respirarliberdade.

Desejo tocar epifânica e santamenteo manto sagrado,azul turquesa,de tua paleta sem tinta.Admirar teus artefatosFalsificados e preciosos:Colares, anéis e sonhos de jade,vestidos longos e rodados,que espalham flores de estampas

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espetaculares.Teu corpo frágil,é diamante,Transmutando-se em verdes,Ocres, preto luto e branco selvagem.Aquarela inquietantecriando imagens da terra e do céu.A feminilidade do teu traçado,gera sentidos contrários.Te mirando consigo acessaro avesso do que escrevo.

Quero abraçar teu desamparo, sim!Acolher a dor que mora dentro,curar as chagas, deixar ir,libertar os sonhos que não vivie ser uma com você nesse universo.

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Minha Lili

A ela e somente ela, como amor.

Lili...FelinaFilha!Não sei explicar seu mistériotão pequenina misteriosa e recatadaVocê é uma fonte de amor sem fimFonte de luz e de bem-quererNinguém nunca me quis assim!Só você!

Você aceita meus erros e ignorânciasFaz brotar da minha bocaum sorriso verdadeiro.Desperta e arranca de minhas entranhaso que há de melhor.Com você eu aprendi a ser gente!

Acredito que você é um anjouma gatinha-querubim.Eu a quero pra sempre perto de mimmas, infelizmente, sempre é tanto tempo...um tempo sobre o qual não tenho poder!Quando você for embora, ai, eu nem sei...vai ficar um buraco tão grande no meu peito

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tão grande...um poço!Mas vou ver você em cada rosae no sorriso das criançasMinha Lilizinha...

Lembro-me de você pequeninhaVocê cresceu, cresceu, e agoraestá velhinha...Chamo você de meu amor, de “minha vovozinha”Olhe, meu anjinho,se a chamo minhaé mania de ser humanode achar que possui tudoas coisas, as pessoas, os bichinhos,Não ligue...A verdade é que sou euque sempre fui por inteiro sua!

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Índice

Na lavraNa lavraNa lavraNa lavraNa lavra ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 1313131313

Irmandade ----------------------------------------------------- 17

Musiva --------------------------------------------------------- 18

Sensorialidade ------------------------------------------------ 19

Questões poéticas ------------------------------------------- 20

Canto de abertura-------------------------------------------- 21

Sensações ------------------------------------------------------ 22

Ave paraíso ---------------------------------------------------- 23

Canto solar ---------------------------------------------------- 24

Irmãs ------------------------------------------------------------ 25

Eus -------------------------------------------------------------- 26

Rastros --------------------------------------------------------- 27

Experimental ------------------------------------------------- 28

Pororoca -------------------------------------------------------- 29

Moqueca capixaba ------------------------------------------- 30

Personae ------------------------------------------------------- 31

Possessão ------------------------------------------------------ 32

Palavra-seta --------------------------------------------------- 33

Caminhante --------------------------------------------------- 34

Palavra --------------------------------------------------------- 36

Vibrações ------------------------------------------------------ 37

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140 RENATA BOMFIM

Verdade --------------------------------------------------------- 38

Fluidez ---------------------------------------------------------- 40

Arrebentação/ ExplosãoArrebentação/ ExplosãoArrebentação/ ExplosãoArrebentação/ ExplosãoArrebentação/ Explosão ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 4141414141

Rogo ------------------------------------------------------------ 45

Afins ------------------------------------------------------------ 46

A flor ------------------------------------------------------------ 47

No reino sensível das frutas ------------------------------ 48

Rosas ----------------------------------------------------------- 49

Derramamento ----------------------------------------------- 51

Mulher ---------------------------------------------------------- 52

Mulherarvore ------------------------------------------------- 54

Rumos ---------------------------------------------------------- 55

Sedução -------------------------------------------------------- 56

Lírios ------------------------------------------------------------ 57

Mata ------------------------------------------------------------ 58

Primordial ----------------------------------------------------- 59

Alquimia ------------------------------------------------------- 60

Girassol -------------------------------------------------------- 62

Questões poéticas II ----------------------------------------- 63

Estranhas entranhas --------------------------------------- 64

Pertencimento ------------------------------------------------ 65

Sogno ----------------------------------------------------------- 67

DeslumbramentoDeslumbramentoDeslumbramentoDeslumbramentoDeslumbramento ---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 6969696969

Gato ------------------------------------------------------------- 73

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Felinamente --------------------------------------------------- 75

Rainha de Copas --------------------------------------------- 76

Ser --------------------------------------------------------------- 77

Orquestrações ------------------------------------------------ 78

O contador de histórias ------------------------------------ 79

Manifesto: poesia -------------------------------------------- 80

Caminhos ------------------------------------------------------ 81

Encontro ------------------------------------------------------- 83

Dânae ----------------------------------------------------------- 84

Mentiras sinceras -------------------------------------------- 85

Exotérica ------------------------------------------------------- 87

Auras ----------------------------------------------------------- 89

Faces ------------------------------------------------------------ 90

Blue Chip------------------------------------------------------- 91

Calíope ---------------------------------------------------------- 92

Sereia ----------------------------------------------------------- 93

Encantamento ------------------------------------------------ 94

LapidaçãoLapidaçãoLapidaçãoLapidaçãoLapidação ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 9797979797

Querubim ----------------------------------------------------- 101

Tecendo a espera -------------------------------------------- 103

Tocaia ---------------------------------------------------------- 105

Tela corpórea------------------------------------------------- 107

Noiva funesta ------------------------------------------------ 108

Cá entre nós -------------------------------------------------- 110

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142 RENATA BOMFIM

Contradições ------------------------------------------------- 111

Xamã ---------------------------------------------------------- 112

Amor etéreo -------------------------------------------------- 113

Namorada ---------------------------------------------------- 114

Questões eco-poéticas ------------------------------------- 116

Terra ----------------------------------------------------------- 117

Assombrações ----------------------------------------------- 118

Fantasmas ---------------------------------------------------- 119

Viagem -------------------------------------------------------- 120

Honoré -------------------------------------------------------- 121

Juramento de Hipócritas ---------------------------------- 123

Poeminha de Gratidão ------------------------------------- 125

Mote ------------------------------------------------------------ 126

Ser poeta ------------------------------------------------------ 127

A tristeza de Ulisses --------------------------------------- 128

Caixa de Pandora ------------------------------------------- 130

Espetáculo ---------------------------------------------------- 131

Fome ----------------------------------------------------------- 132

Canção para Frida Kahlo --------------------------------- 133

Minha Lili ----------------------------------------------------- 135