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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA MILONGA, CHAMAMÉ, CHIMARRITA E VANEIRA: ORIGENS, INSERÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL E OS PRINCÍPIOS DE EXECUÇÃO AO CONTRABAIXO MONOGRAFIA FELIPE BATISTELLA ALVARES Santa Maria, RS, Brasil 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS

CURSO DE LICENCIATURA EM MÚSICA

MILONGA, CHAMAMÉ, CHIMARRITA E VANEIRA: ORIGENS, INSERÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL E

OS PRINCÍPIOS DE EXECUÇÃO AO CONTRABAIXO

MONOGRAFIA

FELIPE BATISTELLA ALVARES

Santa Maria, RS, Brasil 2007

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MILONGA, CHAMAMÉ, CHIMARRITA E VANEIRA:

ORIGENS, INSERÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL E OS PRINCÍPIOS DE EXECUÇÃO AO CONTRABAIXO

por

FELIPE BATISTELLA ALVARES Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Licenciatura em Música

da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para obtenção do grau de

Graduado em Licenciatura em Música.

Orientador: Ms. Marcos Kröning Corrêa

Santa Maria, RS, Brasil

2007

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Universidade Federal de Santa Maria

Centro de Artes e Letras Curso de Licenciatura em Música

A Comissão Examinadora, abaixo assinada, aprova a Monografia

MILONGA, CHAMAMÉ, CHIMARRITA E VANEIRA: ORIGENS, INSERÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL E OS PRINCÍPIOS DE

EXECUÇÃO AO CONTRABAIXO

elaborada por Felipe Batistella Alvares

como requisito parcial para obtenção do grau de Graduado em Licenciatura em Música

COMISÃO EXAMINADORA:

Marcos Krönnig Corrêa, Mestre (Presidente/Orientador)

Daniel Oscar Morales, Mestre (UFSM)

Eduardo Guedes Pacheco, Mestre (UFSM)

Santa Maria, 08 de março de 2007.

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RESUMO

Monografia Curso de Licenciatura em Música

Universidade Federal de Santa Maria

MILONGA, CHAMAMÉ, CHIMARRITA E VANEIRA: ORIGENS, INSERÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL E OS PRINCÍPIOS DE EXECUÇÃO AO

CONTRABAIXO

AUTOR: Felipe Batistella Alvares ORIENTADOR: Marcos Kröning Corrêa

Data e Local da Defesa: Santa Maria, 08 de março de 2007.

Este trabalho investiga quatro ritmos usados na música regional do Rio Grande do Sul: Milonga, Chamamé, Chimarrita e Vaneira. Tem como objetivo fazer um resgate histórico sobre suas origens, sua inserção no Estado e um levantamento sobre as células rítmicas e melódicas que servem como base na interpretação do contrabaixo. A coleta de dados foi feita através de revisão bibliográfica e entrevistas semi-estruturadas. Esta pesquisa tem a intenção de contribuir com a literatura especializada no assunto, de modo a colaborar com as áreas musicológicas e educacionais. O resultado desta pesquisa também servirá como estrutura inicial para futuros trabalhos do autor sobre o contrabaixo na música regional. Palavras-chave: música; cultura regional; contrabaixo.

ABSTRACT

MILONGA, CHAMAMÉ, CHIMARRITA AND VANEIRA: ORIGINS,

INSERTION IN RIO GRANDE DO SUL AND THE PRINCIPALS ON THE BASS PERFORMANCE

This paper investigates four rythms used in Rio Grande do Sul regional music. The objective is to make a historical rescue of its origins, its insertion in this state and also a survey about the rythmical and melodical cells that used as a base in the bass interpretation. The data collection was done through a bibliographical review and semi-structured interviews. This research intends to contribute to the specialized literature in this subject, in a way that helps musical and educational areas. The result of this research will also be useful as a initial structure to future papers that this author is going to realize about bass in regional music. KEY-WORDS: music; regional culture; bass

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................. Error! Bookmark not defined.

1. MILONGA ................................................................. Error! Bookmark not defined.

1.1 Sobre a origem da Milonga ........................................ Error! Bookmark not defined.

1.2 A Milonga no Rio Grande do Sul ............................... Error! Bookmark not defined.

1.3 A Milonga e o Contrabaixo ........................................ Error! Bookmark not defined.

2. O CHAMAMÉ. ........................................................... Error! Bookmark not defined.

2.1 Sobre a origem do Chamamé ...................................... Error! Bookmark not defined.

2.2 O Chamamé no Rio Grande do Sul. ............................ Error! Bookmark not defined.

2.3 O Chamamé e o Contrabaixo ..................................... Error! Bookmark not defined.

3. A CHIMARRITA ....................................................... Error! Bookmark not defined.

3.1 Sobre a origem da Chimarrita ................................................................................ 17

3.2 A Chimarrita no Rio Grande do Sul ........................... Error! Bookmark not defined.

3.3 A Chimarrita e o Contrabaixo ................................................................................ 19

4. A VANEIRA ........................................................................................................... 21

4.1 Sobre a origem da Vaneira ......................................... Error! Bookmark not defined.

4.2 A Vaneira no Rio Grande do Sul ................................ Error! Bookmark not defined.

4.3 A Vaneira e o Contrabaixo ......................................... Error! Bookmark not defined.

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................... Error! Bookmark not defined.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................. Error! Bookmark not defined.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho investiga alguns ritmos utilizados na música regional rio-

grandense: Milonga, Chamamé, Chimarrita e Vaneira, tratando de suas origens,

contextualização histórica, sua inserção no Rio Grande do Sul e sobre os padrões rítmicos

e melódicos utilizados na interpretação do contrabaixo.

Para tanto, foi desenvolvida uma ampla revisão de literatura nas áreas de

musicologia e antropologia cultural, além de um trabalho de campo realizado a partir de

entrevistas e da observação participante em diversos espaços musicais.

O levantamento bibliográfico buscou autores como Vega (1998), Ayestarán

(1979), Côrtes e Lessa (1997), Oliveira e Verona (2006). Com eles, descrevo as

diferentes teorias acerca do surgimento destes gêneros na América do Sul, influências e

características com que os ritmos estudados se formaram, contextualizando-os de maneira

cronológica e geográfica.

Fundamentado em autores como Meyer (1959), Côrtes e Lessa (1997) e Mann

(1994), o trabalho procura contextualizar a inserção dos gêneros abordados no Rio

Grande do Sul, apontando alguns aspectos sobre seu desenvolvimento neste Estado.

Com o objetivo de discutir os dados estudados e investigar as formas de utilização

dos ritmos utilizados, realizei entrevistas semi-estruturadas em 2006 com os seguintes

músicos e pesquisadores: Guilherme Colares (Bagé), Luis Carlos Borges (Porto Alegre),

Mauricio Marques (Viamão), Erlón Péricles (Santa Maria) e João Marcos “Negrinho”

Martins (Pelotas).

A minha atuação como músico acompanhante ao contrabaixo de artistas regionais

em festivais nativistas, apresentações e gravações discográficas, bem como atividades

realizadas em educação musical e leituras sobre a música regional desencadearam a

necessidade de investigar e desenvolver o tema.

Nos anos que cursei a licenciatura em música na UFSM, além das disciplinas

assistidas, pude freqüentar e participar de diversos espaços educacionais, seja atuando

como músico contrabaixista, em aulas particulares de instrumento ou mesmo ministrando

aulas de música através de estágios orientados.

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Durante esse tempo, fui percebendo o quão pouco se utiliza a música regional do

Rio Grande do Sul nos currículos escolares, tanto no nível universitário como no

fundamental e médio. Surgem então algumas importantes questões: Por que a música

regional não é estudada nas escolas? Ela está presente nos currículos escolares dos cursos

de licenciatura?

Uma das hipóteses do autor é que a falta de estudos e investigações sobre a

música regional por pesquisadores universitários pode ser uma das causas da falta de

conhecimento sobre ela e da conseqüente não utilização da mesma.

Dessa forma, com o enfoque na música regional do Rio Grande do Sul, esta

pesquisa tem como principal objetivo contribuir com a cultura e a educação musical, de

maneira a ampliar a produção literária e incentivar o contato com as características

musicais e culturais dos ritmos abordados.

Embora seu conteúdo não seja especificamente direcionado à educação musical

aplicada em sala de aula, o resultado desta pesquisa pretende constituir um material

disponível a ser utilizado por músicos, profissionais docentes e pesquisadores não só da

área de educação musical, como de outras áreas do conhecimento.

Este trabalho está estruturado em seis capítulos. Na introdução (capítulo 1) o

autor descreve os princípios que geraram o trabalho, sua justificativa e seus objetivos

principais, a revisão de literatura, metodologia de trabalho e a estrutura geral do trabalho.

A Milonga, Chamamé, Chimarrita e Vaneira representam os capítulos dois a

quatro, onde cada capítulo trata da sua origem, inserção no Rio Grande do Sul, discussão

teórica e os modelos básicos de acompanhamento utilizados atualmente no contrabaixo,

ilustrados também em partitura.

O último capítulo trata das considerações finais, onde apresento resultados

parciais da pesquisa e reflexões que relacionam a temática da pesquisa com alguns

aspectos de educação musical e atuação profissional.

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1. MILONGA

1.1 - Sobre a origem da Milonga

A origem etimológica da Milonga, de acordo com Cascudo (1972): “termo

originário da língua bunda-congolense é o plural de mulunga, palavra, e só usado entre

negros, significando palavrada, palavras tolas ou insolentes” (CASCUDO, 1972, p. 560).

Segundo Vega (1998, p.246), a Milonga faz parte do “Cancionero Criollo

Oriental”. Esta é uma classificação que o autor faz ao designar os ritmos sul-americanos,

oriundos de influências africanas e lusitanas trazidas pelos colonizadores que chegam

pela costa do Atlântico. Esta afirmação se justifica pela existência de gêneros musicais

como o Lundu e a Modinha no Brasil; a Contradanza e a Danza em Cuba; o Som no

México; e a Milonga na Argentina.

No livro, “El Gaucho”, Assunção comenta a existência da Milonga em meados do

século XIX, indicando influências hispânicas e africanas.

[...] sobre las fórmulas rítmicas de los tamboriles afros em los bailes ceremoniales llamados “candombes”, se organizo uma forma, em 2x4 com gran abundancia de sincopas, casi “intraducible” al lenguaje escrito musical, propia de esas urbes litorales, contiendo las lógicas e imaginables hispânicas, y, em lo coreográfico, de laz danzas extáticas (de éxtasis) de los negros, forma de baile cantado, como todos los populares regionales, cuyo nombre, también de origen africano, significa “palabrerío”(ASSUNÇÃO, 1979, p. 334).

Vega alega que a Milonga tem seu batismo por volta do ano de 1860 em Buenos

Aires, sendo que possivelmente era um gênero já existente (ou em processo de formação)

em tempos anteriores, porém não conhecido com esta denominação.

Nasce em regiões urbanas; em um segundo momento, é levada para o campo

pelos “gauchos desplazados, orilleros y troperos” (ASSUNÇÃO, 1979, p. 334), onde se

adapta ao ambiente campesino influenciada pelo Estilo e pela Cifra, e passa a ser usada

pelos pajadores.

Lauro Ayestarán, no livro “El Folklore Uruguayo”, reforça e complementa a idéia

acima: “Aparte de la payada de contrapunto, a fines del siglo XIX, la Milonga como

simple canción criolla compite brilhantemente com el Estilo y com la Cifra”

(AYESTARÁN, 1979, p.70).

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Enquanto Vega aponta a presença da Milonga na Argentina em 1860, Ayestarán

constata que ela se desenvolve também no Uruguai.

Alrededor del año 1870 ya está presente en el folklore musical uruguayo una espécie perfectamente definida que irrumpe con su nombre próprio después de 20 años de gestación: la Milonga (AYESTARÁN, 1979, p.67).

A partir destas colocações, pode se concluir que a milonga nasce nos arrabaldes,

logo se denomina “Milonga Arrabalera”. Em seguida, ela chega ao campo, então,

“Milonga Campeira”, ou “Milonga Pampeana”. Em outros períodos e outros locais

também aparecem outras variações, entre elas: Milonga Corralera, Milonga Fogoneira,

Milongon e Milonga Canção.

1.2 – A Milonga no Rio Grande do Sul

Em 1912, João Cezimbra Jacques, no seu livro chamado “Assuntos do Rio

Grande do Sul”, sinaliza a presença da Milonga também no Brasil: “Espécie de música

creola platina cantada ao som da guitarra (violão) e que está também a meia-canha, e o

pericom, adaptada entre a gauchada riograndense da fronteira” (JACQUES, 1979, p.167).

Barbosa Lessa e Paixão Cortes, em suas pesquisas folclóricas, indicam o que

seriam os locais de migração da Milonga no Brasil, que são quase todas as cidades de

fronteira, indo de Itaqui (divisa com Argentina) até Jaguarão (divisa com Uruguai).

Paixão Côrtes ressalta um ponto importante sobre o desenvolvimento da Milonga

no Rio Grande do Sul.

Como aconteceu com os “nativistas criollos” argentinos nos primórdios do atual século, no Rio Grande, O Movimento Tradicionalista, surgido 1947/48, deu certo impulso para se reviver a Milonga pampeana conhecida nos galpões da fronteira. Segundo nossas pesquisas, deve-se, no entanto, ao notável repentista Gildo de Freitas seus primeiros momentos de apresentação em festas públicas e a continuidade desenvolvida por Garoto de Ouro [...]que, com seu talento extraordinário e seu violão, arrebatava sozinho, em circos, praças, cinemas e comícios, o aplauso delirante do povo com seus improvisos, ao som de uma milonga pajadoresca (CÔRTES, 1981, p. 45).

Segundo Digiano (1996, p. 57), “La milonga es um género folklórico cantable

característico del gaucho pampeano”. Esta frase denomina “gaúcho pampeano” aqueles

que são fomentadores desta cultura entre as três pátrias: Brasil, Argentina e Uruguai.

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Para Ilustrar melhor o parágrafo acima, Mauricio Marques faz uma colocação que

vem ao encontro desta linha de raciocínio, apresentando uma visão bastante

contemporânea deste gênero em relação ao seu desenvolvimento.

A milonga é um ritmo pertencente à cultura gaúcha, ou seja, encontra-se nos países onde existe essa cultura: Argentina, Uruguai e Brasil. No Brasil, a Milonga está especificamente no Rio Grande do Sul, mas está em fase de aculturação no Paraná e em Santa Catarina, bem como no Mato Grosso do Sul (MARQUES, 2006, p. 49-51).

1.3 – A Milonga e o Contrabaixo

Atualmente o estado do Rio Grande do Sul tem a Milonga como um dos

principais gêneros da música nativista, sendo que este aparece com diversas variações,

porém as mais usadas são a Milonga Arrabalera e a Milonga Pampeana.

A Milonga Pampeana é utilizada como canção, como dança, e assim como a

Cifra, como acompanhamento para os pajadores.

Possui um compasso quaternário 4/4 e usa a seguinte célula como base rítmica:

Importante característica é o baixo ostinato que é feito com 1º, 6º e 5º graus da

escala menor, originalmente executado pelo violão.

O princípio da execução do contrabaixo na Milonga Pampeana é a estrutura

rítmica do baixo ostinato citado, o qual se apropria da melodia feita pelas notas graves do

violão. Abaixo está um exemplo em tonalidade menor, que possui uma linha melódica e

uma progressão harmônica bastante usada.

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Partindo desta célula rítmica e, usando como base as tríades dos acordes, e em

alguns casos as tétrades (estas com menor freqüência), o contrabaixista constrói as linhas

melódicas que servirão de acompanhamento para as canções deste gênero. Segue um

exemplo sobre a progressão I-IV-V da tonalidade maior.

Abaixo está a linha feita pelo contrabaixo em um trecho da música “Um dedo de

prosa” do compositor Érlon Péricles. Este trecho foi escolhido para demonstrar as duas

possibilidades comentadas anteriormente, onde encontramos na mesma música uma linha

construída a partir do baixo ostinato e também das tríades de cada acorde.

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A Milonga Arrabalera tem como seus principais espaços de divulgação os

festivais nativistas e os bailes gauchescos.

Possui um compasso binário 2/4 e usa a seguinte célula como base rítmica:

Para a execução do contrabaixo esta célula pode ser considerada como base,

sendo construída sobre os intervalos de 1º e o 5º grau da escala.

A partir desta célula o contrabaixo também pode utilizar as tríades.

Progressão melódica I-III-V.

Progressão melódica I-V-III.

O exemplo a seguir é encontrado em muitas das Milongas Arrabaleras. Este é um

trecho da música “Milonga para as Missões” de Gilberto Monteiro.

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2. CHAMAMÉ

2.1 - Sobre a origem do Chamamé

Quanto à etimologia da palavra chamamé, Szaran (1997, p. 142-143) escreve que

advém de um termo da cultura guarani, o qual significa “coisa feita de improviso”.

Para Bugallo (1996), a trajetória do surgimento do Chamamé possui uma origem

que mescla ritmos do povo Inca peruano, com influências dos colonizadores espanhóis.

Ou seja, quando os espanhóis chegam à América Latina pela costa do Pacífico,

estabelecem um contato entre suas culturas e as incaicas, originando o que Vega (1998)

chama de “Cancionero Criollo Ocidental”.

La hipótese que há guiado mi trabajo plantea que el chamamé responde a uma clara filiación hispano-peruana. Se trata nada más – y nada menos – que del desprendimento oriental de la música española acriollada em el Peru y que desde allí se disperso, por distintas vias, hacia diferentes zonas de nuestro actual território, adquirindo em cada caso los matices regionales que hoy resultan característicos ( BUGALLO, 1996, p. 18).

Esta cultura “hispano-peruana” formada no Peru origina os primeiros ritmos da

América do Sul, o Yaraví e o Triste. Chegam ao Paraguai através das rotas comercias e

segundo Bugallo, irão originar em Corrientes o Chamamé.

Higa (2004) afirma que a origem do chamamé tem como ponto de partida o norte

da Argentina, sendo este uma variação da Polca Paraguaia feita em andamento moderado.

São encontradas, nos escritos de Veja, afirmações que comprovam a descendência

apontada por Higa:

[...} Sin que sea posible averiguar cuándo, como, ni por qué, un nuevo rótulo invade la campana y abraza todo el conjunto de la “Polca”: esse nombre es Chamamé, médio espanhol, médio guarani. Convive com el de “Polca”. Los músicos anuncian muchas veces “Polca o Chamamé”, o cualquiera de los dos sin el outro. Hasta he observado que um mismo tema es llamado Polca por um músico y Chamamé por el vecino (VEGA, 1998, p. 262).

Oliveira e Verona ainda complementam.

Como já foi explicado no capítulo relativo à polca, sabemos que esta apresentava diversas variantes, entre ela à polca syryry. Atravessando a fronteira, ela ganhou novos atributos, especialmente no tocante à interpretação, que Mauricio Cardozo chamou de “estillo correntino”. Ocorreu que, em 1930, o cantor paraguaio Samuel Aguayo, ao gravar em Buenos Aires um disco

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contendo a música “Corrientes poty” (flor de corrientes), batizou-a de chamamé (2006, p.144).

Estas citações relatam a migração da polca paraguaia, especificamente a variação

“polca syryry”, para Corrientes, onde passa a ser chamada de Polca Correntina e,

posteriormente, de Chamamé.

Esta relação de paternidade da Polca Paraguaia com o Chamamé indica a sua

derivação do “Cancionero Criollo Oriental”. A Polca, de compasso binário, é oriunda da

Europa. Chega à América Latina pela costa do Atlântico, e primeiramente se faz presente

nos centros urbanos (ainda em compasso binário), depois migra para o meio rural onde

ganha um compasso ternário ¾, posteriormente originando o Chamamé.

É evidente a contradição entre a tese de Bugallo e a de Vega, entretanto, é fato, o

Chamamé se consolida e se desenvolve na província de Corrientes (Argentina) em

meados do século XIX, e, depois, tem uma expansão para regiões como Chaco, Formosa,

Misiones, Santa Fe e Entre Rios.

2.2 - O Chamamé no Rio Grande do Sul

A maioria dos ritmos usados na música rio-grandense não nasceu neste Estado, no

entanto fazem parte de um processo aculturação. Isto coloca em pauta diversas discussões

sobre o assunto, sendo o chamamé um dos temas mais polêmicos, devido a sua larga

difusão no Estado em contrapartida à evidente origem argentina. Uma prova disto é a

proibição que a Califórnia da Canção Nativa (Festival realizado em Uruguaiana, sendo

este o mais antigo do Estado) faz a este gênero, pois é vetado apresentar uma composição

que possua esta classificação no palco deste evento.

Entretanto, o Chamamé é um dos gêneros mais executados atualmente no Rio

Grande do Sul.

Corre solto pelo Rio Grande do Sul um ritmo musical contrabandeado da Argentina. O principal gênero de música folclórica do nordeste argentino, o chamamé, avança sobre o Estado, formando uma legião de apreciadores e enriquecendo o repertório das canções regionais (MACIEL, 2004, p.5).

Chegou ao Brasil por meio de um intercâmbio cultural feito através do rio

Uruguai e foi difundida pelas rádios argentinas nas regiões de fronteira com Rio Grande

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do Sul por volta da década de 1930, desde então o chamamé vem sendo divulgado cada

vez com maior escala no Estado.

Assim também o chamamé teve sua influência na cultura musical do Estado, principalmente nos últimos vinte anos; foi um dos que mais se popularizou, fazendo hoje parte de todo tipo de encontro onde houver música regional (ROCHA, 2002, p. 44).

2.3 – O Chamamé e o Contrabaixo Em el denominado chamamé “tradicional”, a nível de su conformación instrumental es usual l presencia de guitarras, acordeón y/o bandoneón, y ocasionalmente contrabajo. Se caracteriza por la presencia de birritmia com superposición de metros de 6/8 e3/4. Es usual la ejecución de duos en terceras y sextas paralelas, tanto a nível vocal como instrumental. (CRAGNOLINI, 2005, p.3).

Na citação acima se observa uma abordagem sobre dois importantes aspectos

musicais do Chamamé: o primeiro refere-se à instrumentação usada pelo “chamamé

tradicional” argentino; o segundo observa elementos ritmos e harmônicos.

Quanto à instrumentação, é possível afirmar a semelhança com as formações

usadas no chamamé rio-grandense, sendo o violão (chamada guitarra pelos argentinos) o

acordeom ou a gaita e o contrabaixo, instrumentos quase indispensáveis pelos

executantes de Chamamé do nosso Estado.

No que diz respeito ao segundo aspecto citado, é relevante escrever algumas

linhas sobre uma característica muito peculiar e amplamente explorada no chamamé

gaúcho: a Birritmia, ou também chamada de Polirritmia.

Fazendo uma análise atual, esta polirritmia consiste na simultaneidade dos

compassos 3/4 e 6/8. O violão e parte dos instrumentos de percussão, geralmente os de

timbres agudos, executam o 6/8. O contrabaixo e os instrumentos de percussão com

timbres graves utilizam o 3/4.

A interpretação do contrabaixo, assim como nos outros ritmos, é concebida

partindo da célula característica tocada sobre as tríades dos acordes.

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Este exemplo de contrabaixo citado acima pode ser considerado como a célula

básica para a condução do ritmo.

Através da introdução da música “Cavalo Criolo”, de Luis Carlos Borges é

possível exemplificar as principais variações rítmicas utilizadas pelo contrabaixo. O

compasso três, depois o nove e o dez, apresentam estas variações. Nos demais compassos

há a presença da célula básica, exceto o compasso um e seis, que constituem parte do

arranjo.

A acentuação feita no segundo e no terceiro tempo do compasso também é

utilizada.

Em geral estes exemplos são usados para contrastar com a célula básica (mostrada

no primeiro exemplo), destacando nuances e mudanças da forma, da estrutura e do

arranjo da música.

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3. CHIMARRITA

3.1 - Sobre a origem da Chimarrita

Chama – Rita, China – Rita, Chamarrita, Chimarrita, Chamarra, Simarrita e

Chimarrete, são algumas das nomenclaturas encontradas para denominar este canto e

dança de origem portuguesa, que, segundo Augusto Meyer (1952), teve sua origem em

uma variação da Polca européia.

De acordo com Côrtes e Lessa (1997, p.49), chega ao Brasil em meados do século

XVIII, trazida pelos colonos açorianos, a “Chamarrita”, dança popular no Arquipélago

dos Açores e na Ilha da Madeira, a qual se estabeleceu nos Estados do Rio Grande do

Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

Ayestarán (1979, p. 139) dedica um capítulo de seu livro “El Folklore Musical

Uruguayo” para “La Chimarrita”. Neste texto, é possível observar importantes aspectos

como: a presença do gênero no Uruguai durante o século XIX; e, ainda, o uso de

denominações como Simarrita e China – Rita.

Também se pode identificar a presença desta dança portuguesa na Argentina.

Ambula también por la zona oriental, desde 1880 o antes, um segundo nombre de danza: Chamarra o Chamarrita; y su variante Chimarra, Chimarrita. Este rótulo se aplica también a cualquiera de lãs espécies que agurpa el nombre de Polca. Pero he grabado además bajo la misma etiqueta, algo que no tiene nada que ver com todo eso: uma danza com canto muy semejante a cualquiera de las espécies occidentales (VEGA, 1944, p. 264).

Ainda sobre as nomenclaturas, Augusto Meyer (1952) aborda sobre alguns dos

vocábulos adotados entre diversos autores, como Antonio Alvarez Pereira Coruja,

Cezimbra Jaques, Melo Morais Filho e Romaguera Corrêa.

Nas fontes locais, de pesquisa indireta, a primeira referência à Chimarrita é a de Coruja em Coleção de Vocábulos e Frases usadas na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, 1852 [...]. Coruja então consigna Chamarrita, o que poderá valer como prova da procedência açoriana da nossa canção popular. Também em Beaurepaire-Rohan (Dicionário dos Vocábulos Brasileiros, 1889) se lê Chamarrita, copiada certamente a averbação de Coruja. Em Melo Morais Filho (Festas e tradições populares do Brasil 3ª ed. 1946, p. 162) no capitulo referente à festa da Penha, é citada a Chamarrita, entre outras danças populares de Portugal [...]. Mas em Cezimbra Jaques (Ensaio sobre os costumes do Rio Grande do Sul, 1883, p. 91) e Romaguera Corrêa (Vocabulário Sul-Rio-

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Grandense, 1898) aparece o vocábulo tal como sempre ouvimos na campanha do Rio Grande: Chimarrita (MEYER, 1959, p. 201).

Após citar os autores e comentar alguns aspectos, conclui-se:

Como resumo do estado atual das pesquisas, podem ser apontadas três versões, que correspondem às tradições regionais: “chamarrita” nos Açores, “chama - Rita” na Madeira e “chimarrita” no Rio Grande do Sul (MEYER, 1959, p. 202).

A partir destas colocações, é possível perceber a quantidade de vocábulos

atribuídos a este gênero, e até certa discordância entre as origens destas palavras. No

entanto, é fato que a Chimarrita se faz presente no Brasil, Uruguai e Argentina.

Dança comum no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. É uma das marcas dos Fandangos originário dos Açores e da Madeira. Tal como sucede com outras dos Fandangos a chama-rita pode ser rufada, isto é, sapateada, ou valsada, também dita bailada. A dança executa-se em fileiras opostas, de que saem os pares para dançar enlaçados, passos de polca ou de valsa. As mulheres não sapateiam. O acompanhamento é feito por violas, pelo menos e São Paulo, com o canto entoado pelo violeiro e acompanhado, no estribilho, pelos dançadores (ANDRADE, 1989, p.126).

3.2 - A Chimarrita no Rio Grande do Sul

Ao fazer este resgate sobre as origens da Chimarrita, constata-se uma

peculiaridade muito importante: sua participação na formação das danças e dos

Fandangos Rio-Grandenses.

O primeiro contingente a influir na formação das danças rio-grandenses foi o dos colonos açorianos que apontaram no Rio Grande do Sul, em 1752. (CÔRTES, 1994, p. 19). Música Fandangueira é a que tem suas raízes, melodias e ritmos fundamentados na ação dos colonizadores açoristas e dos bandeirantes vindos do Brasil-Colônia. (CÔRTES, 1978, p.43) As danças mais antigas que puderam perdurar, tais como o Tatu e a Chimarrita, tiveram de se moldar, porém, às caracteriticas coreográficas dessas novas danças (CÔRTES, 1994, p. 20).

Estas citações demonstram a presença da Chimarrita nos primórdios da formação

musical do Estado, sendo que os antigos fandangos, juntamente com novas danças e

ritmos advindos dos países vizinhos e da Europa, mais a fusão destes elementos, tornam-

se importantes influenciadores da atual música nativista rio-grandense. A Chimarrita de

nossos dias, que será abordada a seguir, se formou através destas transculturações.

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A Chimarrita, como canto, parece ter surgido ainda no final do século XIX, e

possui indícios de origens rio-grandenses.

Com referência ao canto, são sempre outras e peculiares as versões até hoje conhecidas. A nossa apresenta um cunho rasgadamente gauchesco. O motivo da versão rio-grandense aparece pela primeira vez em 1880, na Gazeta de Porto Alegre (MEYER, 1959, p. 203).

No entanto, é a partir das décadas de 1930-40 que a chimarrita começa a fazer

parte de forma mais significante nas canções rio-grandenses. Compositores como Noel

Guarany, Cenair Maicá, Berenice Azambuja, dedicam parte de seu trabalho a este estilo.

Atualmente este gênero é facilmente encontrado tanto nos espaços dedicados à

dança (esta geralmente ligada aos Centros de Tradição Gaúcha), ou ainda como canção,

neste caso com a denominação de Chamarra ou Chimarrita, é ritmo presente em festivais

nativistas e nos bailes campeiros do Estado.

3.3 – A Chimarrita e o Contrabaixo A Chimarrita, tanto como dança quanto canção, é executada em um compasso

binário 2/4, predominando tonalidades maiores e andamentos variados.

Na música destinada à dança tradicionalista, a instrumentação é geralmente

constituída de violão, gaita, e eventualmente violino (rabeca). Na música nativista,

encontra-se uma instrumentação mais ampla: violão, gaita, contrabaixo, pandeiro, e em

alguns casos também se faz à presença da bateria e do teclado ou piano.

Fazendo audição em alguns discos de festivais nativistas, facilmente encontra-se

variações deste gênero: a Chimarrita e a Chamarra, onde a principal diferença entre elas é

a batida da mão direita na execução do violão.

A primeira feita por músicos da região das Missões, usa batida semelhante a da

Vaneira (batidas com o dedo polegar alternadas aos outros dedos, realizando diversas

variações entre eles), porém com a célula rítmica própria deste ritmo. A segunda

encontrada mais na região sul do Estado (fronteira com Uruguai-Bagé), é executada de

uma maneira dedilhada, usando, além do polegar fazendo os baixos, o indicador, o médio

e o anular complementando o ritmo. No entanto, a célula rítmica é a mesma, o que muda

é apenas a interpretação.

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Na execução do contrabaixo, existem duas células básicas que predominam as

interpretações.

A primeira é semelhante à da Milonga Pampeana, porém em compasso binário.

Também é comum encontrar a seguinte célula.

Estas interpretações, assim como em outros ritmos, são geralmente baseadas nas

células rítmicas e nas tríades dos acordes. A partir disto, o contrabaixista cria as

variações.

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4. VANEIRA

4.1 - Sobre a origem do Vaneira

Vaneira é uma palavra originaria de Habanera, gênero que floresceu em Havana –

Cuba durante o século XIX.

Segundo Mário de Andrade (1989, p. 253), a Habanera é uma dança e canção

introduzida em Cuba pelos negros africanos, sendo que a célula rítmica que a caracteriza

já era encontrada desde pelo menos o século X entre Mouros e Árabes. Em Cuba, há

registros de sua existência desde as primeiras décadas do século XIX : “Las primeiras

Habaneras de Cuba llamadas Danzas Habaneras datan de 1825” (Ayestaram, p. 87). No

que se refere as suas influências há indícios de sua irmandade com gêneros como a

Guaracha e com a Contradanza.

[...] origen de la canción habanera pudiera ser paralelo con el de la contradanza, como también pudo ser alguma de aquellas canciones o “cantos inventados por el vulgo” ya que se conocen muchas habaneras de autor anónimo, y desconocido tras la cortina del tiempo, que son tan sencillas que se adaptan perfectamente a la estrutura regular de las contradanzas. Quizás la habanera tuvo en su origem alguma vinculación con la guaracha, ya que tienen en común una relación muy estrecha en la estructura formal y el esquema metrorrítmico, diferenciándose sólo en el contenido del texto (LINARES, 2007, p.4).

Maria Teresa Linares, ao analizar a origem deste gênero, cita alguns trechos

escritos por José Garcia de Arboleya, datando 1859.

Más adelante continúa García de Arboleya analizando la función y ambiente social en el que se desarrolla: ...”Apenas se estrena una danza, lo que sucede bien a menudo, aumentan con ella su repertorio los órganos ambulantes, que la tocan por las calles día y noche, y entonces es de ver cómo niños y niñas, hombres y mujeres, blancos y negros, se contonean en las sillas o sobre los pies, midiendo cono éstos o por movimientos de cabeza los compases, como arrastrados por un impulso majico (sic). En fin, “La danza cubana, ha dicho un escritor, puede sentirse, no describirse (...) La danza cubana hoy va siendo conocida en Europa: hoy se baila mucho en Madrid, donde es distinguida con el nombre de la Habanera” (LINARES, 2007, p.6).

Esta pesquisa aponta a significativa presença da habanera no meio social de

Havana. Inicialmente chamada de “Danza”, teve passagem pela europa e recebeu o nome

de Habanera devido a sua procedência da cidade de Havana. Na Europa, a Habanera

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chegou a fazer parte do repertório erudito, servindo de inspiração para compositores

como Bizet, Ravel, Lalo e Saint Säens.

Seguindo seu processo de propagação a Habanera Cubana chega nos países da

América.

A mediados de 1850, la Habanera retorna de Europa y se extiende por toda América. En 1866 se publica en la Argentina a primeira Habanera, “Flor del Aire”, de Alejandro Paz. De esa fecha datan también las primeiras Habaneras de autores uruguaios (Ayestaran, 1967, p. 87-88).

Neste continente, a Habanera participa de maneira significativa no processo de

formação de alguns gêneros. O comentário a seguir aborda sobre a irmandade da

habanera com o Tango e a Milonga: “Creemos firmemente que la Habanera y la Milonga

son congéneres y que el Tango es también un hermano de ambas, pero de menor

edad”(AYESTARÁN, 1979, p. 87). Documentos mostram a presença da Habanera no

Brasil em 1886, fazendo parte da cultura musical juntamente com o Lundu e a polca,

sendo estes gêneros fomentadores do surgimento de ritmos como o maxixe, o choro e o

samba.

Oriundo da palavra habanera cubana, de 1825, que se popularizou no Brasil inteiro lá pelos anos de 1880, depois de ter como “foco de irradiação” Paris, que exportou como modismo da época para o mundo inteiro (CÔRTES, 1994, p. 56).

4.2 – A Vaneira no Rio Grande do Sul

Chegando ao Estado, no final do século XIX, o gênero é chamado de Havaneira.

Chegou ao Rio grande do Sul sob o nome de havaneira, posteriormente a outras danças de par enlaçado como a valsa, chotes, polca e mazurca. Popularizou-se como tema músico-coreográfico em fins do século passado e primórdios deste, segundo pesquisas que realizamos junto a partituras musicais de época e de levantamento fonográfico de discos de gramofone, produzidos em nosso Estado, entre o segundo e o terceiro decênios do século XX. Também grafada simplesmente vanera no meio pastoril rio-grandense, adquiriu variações coreográficas ao contato com os carreiros de gaita de botão, em nossos bailes gauchescos (CÔRTES, 1994, p. 56).

Reforçando esta hipótese, Kiefer (1983, p.19) menciona uma coletânea de

partituras de músicas de salão, compostas por Domingos Moreira Porto por volta do ano

de 1876 em Porto Alegre, as quais contêm valsas, polcas-havaneiras e havaneiras.

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Com o passar dos tempos, recebe diversas nomenclaturas: Havaneira-Marcada,

Vanera, Vaneira, Vaneirinha, Vaneira-canção, Vaneirão, Limpa-Banco, samba-campeiro,

entre outras. No entanto, atualmente é possível encontrar três tipos de Vaneira usados

com maior freqüência: Vaneira, Vaneirão e a Vaneira Missioneira.

A Vaneira é executada em andamento moderado, facilmente encontrada em

festivais nativistas e em discos de artistas que utilizam em suas canções temáticas

campesinas.

Já o Vaneirão tem um caráter jocoso e possui um andamento mais rápido, o qual

surgiu a partir da necessidade que os músicos percebiam nos bailes, de que a vaneira era

muito lenta para dançar, assim aumentou-se o andamento e criou-se o Vaneirão, também

conhecido com Samba - campeiro.

A Havaneira virou um caso à parte. Virou Vaneira e teve um filho galponeiro – o Vaneirão, seco e duro. Se a Vaneira já agauchava a européia e fina Havaneira [...], o Vaneirão francamente engrossava o compasso quaternário [...] (FAGUNDES, 2002, p. 142).

A Vaneira Missioneira, como o próprio nome sugere, é a encontrada na região das

Missões. Esta possui uma acentuada semelhança com a Chamarra, estabelecendo uma

significativa diferença da Vaneira tradicional que é encontrada principalmente na

interpretação do violão e da gaita. Pedro Ortaça, Cenair e Maicá e Noel Guarany são

nomes que desenvolveram composições com este estilo.

Nos “tempos de antigamente”, a Vaneira, juntamente com Chotes, Polcas,

Contrapassos e Bugios, animava os bailes ao som de pandeiro, gaita, e violão. Desde

então, vem fazendo parte ativamente do cenário musical rio-grandense, tanto nos espaços

dos festivais quanto nos salões, e também nos meios de comunicação como o rádio e a

TV. Nomes, como Os Bertussi, Pedro Raimundo, José Mendes, Teixerinha e Gildo de

Freitas, foram essenciais no desenvolvimento da autenticidade gaúcha deste gênero.

Atualmente, além de conjuntos tradicionais como os Serranos, é possível

encontrar também o “Tchê music”, um estilo que, apesar de várias tendências mais

tradicionalistas rejeita-lo, vem ganhando significativo destaque no meio musical do Rio

Grande do Sul. Grupos como Tchê Barbaridade, Tchê Garotos, Tchê Guri, entre outros

misturam a vaneira a outras vertentes musicais advindas principalmente do norte do país.

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Há alguns anos, tem-se verificado que o estilo emergente Tchê music vem combinando a vaneira com elementos musicais pertencentes a vários estilos como o forró, o samba e o axé, além de outros batuques em geral em compasso binário (OLIVEIRA e VERONA, 2006, p. 60).

4.3 – A Vaneira e o Contrabaixo

Tanto a Vaneira quanto o Vaneirão, ou ainda a Vaneira Missioneira, são ritmos de

compassos binários 2/4, encontrados em sua maioria em tonalidade maior, sendo raros os

exemplos em tonalidade menor.

Seu movimento rítmico característico está no baixo com marcação contínua de colcheia pontuada/semicolcheia e duas colcheias, com acento forte na última colcheia do compasso binário. (BANGEL, 1989, p. 49)

A citação acima se refere aos baixos do piano, neste caso, com função de

acompanhamento da melodia, ou seja, a base rítmica da Vaneira. Quando a formação

instrumental é ampliada, esta base rítmica é geralmente executa pelo o contrabaixo e

pelos instrumentos graves de percussão, construindo suas receptivas linhas e levadas a

partir da seguinte Célula rítmica:

Outro importante elemento na caracterização deste ritmo é a maneira como se

utilizada a mão direita na execução do violão, onde o instrumentista usa batidas com o

dedo polegar alternadas aos outros dedos (indicador, anular, médio).

A progressão harmônica I - V7 é usada com grande freqüência. A partir desta

progressão, serão demonstradas as principais células rítmicas executadas pelo

contrabaixo.

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Os três primeiros exemplos, com progressão melódica construída sobre o I e V

grau da escala, são encontrados tanto na Vaneira quanto no Vaneirão.

O exemplo a seguir é geralmente encontrado na Vaneira Missioneira, mas

também na Vaneira e no Vaneirão, ainda que com menos freqüência.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dos muitos ritmos utilizados na música regional rio-grandense, esta monografia

buscou investigar quatro: Milonga, Chamamé, Chimarrita e Vaneira, reunindo

informações a respeito da procedência histórica, inserção no RS e aspectos musicais,

descrevendo os padrões rítmicos e melódicos utilizados atualmente na interpretação do

contrabaixo.

O ponto de partida deste estudo foi um resgate histórico das origens desses ritmos

pertencentes à cultura regional do Rio Grande do Sul, investigando suas origens em

países sul-americanos e europeus, e sua chegada e desenvolvimento neste Estado

brasileiro. Este trabalho foi realizado através de uma extensa revisão bibliográfica, e

auxiliado por entrevistas semi-estruturadas feitas com músicos e pesquisadores.

Os colonizadores espanhóis e portugueses trouxeram para a América do Sul suas

culturas, as quais estabeleceram contatos com as culturas indígenas e também com as

africanas trazidas pelos escravos, e, a partir destas fusões, nascem e se desenvolvem

diversos gêneros desencadeando o processo de formação da cultura musical regional que

existe hoje no RS.

Com exceção da Chimarrita, que desembarca primeiro no Brasil, adaptando-se e

ganhando características próprias e posteriormente migra para países como Argentina e

Uruguai, os outros ritmos abordados neste texto chegam ao Brasil secundariamente, o que

significa que já estão formados musicalmente e culturalmente. No entanto, estes ritmos

passaram (ou ainda estão passando) por um processo de aculturação no Rio Grande do

Sul e já são considerados como “pertencentes à cultura regional” do Estado.

Em um segundo momento, foi feito o levantamento sobre os padrões rítmicos e

melódicos atualmente utilizados pelo contrabaixo na interpretação da Milonga, do

Chamamé, da Chimarrita e da Vaneira. Este estudo foi baseado em práticas musicais (que

desenvolvo em espaços e estudos não formais), bibliografia sobre o assunto (métodos de

contrabaixo sobre música brasileira e teoria musical) e em audições discográficas

consideradas importantes no contexto do gênero.

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Concluiu-se que a interpretação do contrabaixo está diretamente relacionada aos

padrões rítmicos oriundos do violão e de instrumentos de percussão. A partir desta

premissa, o instrumentista desenvolve maneiras de realizar a linha do contrabaixo,

segundo modelos canônicos, estruturados sobre a célula rítmica base de cada gênero e as

tríades dos acordes.

Outro aspecto importante desta investigação é sua relação entre conteúdos

acadêmicos e estudos extra-escolares. Ou seja, este trabalho possui a intenção de

apropriar-se de saberes acadêmicos assimilados durante o curso de licenciatura em

música, e relaciona-los com experiências empíricas e teóricas não formais advindas do

ambiente da música popular rio-grandense.

Em suma, esta pesquisa buscou resgatar culturas populares e sistematizá-las, com

o propósito de contribuir para a construção de uma educação musical que valoriza a

cultura regional no processo de ensino-aprendizagem.

Este trabalho de conclusão de curso apresenta e representa a estrutura inicial da

investigação sobre os ritmos abordados e os modelos utilizados no contrabaixo. Nesta

fase, o trabalho ainda não oferece metodologias específicas ao ensino de música em sala

de aula ou mesmo do contrabaixo. Como egresso do curso de licenciatura em música da

UFSM, eu pretendo dar prosseguimento aos trabalhos, aprofundando o estudo dos ritmos

investigados e o uso do contrabaixo na música regional, através de exemplos musicais

escritos através de transcrições.

Esta monografia permitiu que eu pudesse aproveitar minhas atividades como

contrabaixista participante de diversos eventos populares ligados à música regional do

Rio Grande do Sul, e aliar a pesquisas acadêmicas, viabilizando assim um

desenvolvimento qualitativo em minha formação profissional.

Por fim, acredito que este trabalho seja o resultado da tentativas de compreensão e

ação de um fazer músico-educacional, que visa a uma atuação profissional atenta aos

múltiplos espaços sociais, sendo esta uma atitude direcionada a contribuir e interagir

entre os processos educacionais tradicionais e as novas demandas profissionais.

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