mignone e valsa da esquina

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  • 7/23/2019 Mignone e Valsa Da Esquina

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS UNICAMP

    INSTITUTO DE ARTES

    MESTRADO EM MSICA

    MIGNONE E AS VALSAS SERESTEIRAS

    ANDRIA MIRANDA DE MORAES NASCIMENTO

    CAMPINAS

    2007

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    iii

    ANDRIA MIRANDA DE MORAES NASCIMENTO

    MIGNONE E AS VALSAS SERESTEIRAS

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em

    Msica, do Instituto de Artes da UNICAMP, como

    requisito parcial para obteno de grau de Mestre em

    Msica.

    Orientadora: Profa. Dra. Aci Taveira Meyer

    CAMPINAS

    2007

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    Dedico este trabalho...

    Ao meu pai Roberval (in memorian), que conduziu meus

    primeiros passos ao piano, e que me deixou o exemplo de

    dedicao e amor incondicional msica.

    A minha me Sandra, mulher admirvel e batalhadora, que

    com muito esforo e doao apoiou os meu estudos e me

    fez chegar at aqui.

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    AGRADECIMENTOS

    Expresso minha gratido aos que direta ou indiretamente ajudaram a

    desenvolver o presente trabalho:

    Orientadora Profa. Dra. Aci Taveira Meyer, pela sua preciosa orientao,

    desde a estruturao das primeiras idias para a pesquisa, at o trmino de sua elaborao.

    A profundidade de seus conhecimentos aliada sua generosidade, dedicao e carinho,

    possibilitou-me a aquisio de um enorme aprendizado em vrios campos do conhecimento

    e a conquista deste trabalho. Minha sincera admirao.

    Maria Josephina Mignone, viva do compositor Francisco Mignone e

    exmia pianista, por sua carinhosa receptividade na concesso da entrevista, por me

    presentear com sua gravao das 12 Valsas de esquina, pelo seu amor e sincero

    compromisso em preservar a memria do compositor, incitando-se ainda mais na

    performance deste trabalho.

    Ao Professor e Compositor Osvaldo Lacerda, pelas valorosas aulas que me

    auxiliaram na realizao da anlise formal e harmnica apresentada neste trabalho.

    pianista Miriam Braga, minha ex-professora e hoje uma querida amiga, por

    sua energia sempre contagiante, pelo seu carinho e ndole prestativa.

    professora Zoraide Mazzulli Nunes, minha ex-professora e coordenadora do

    curso de piano do Conservatrio Dramtico e Musical Dr. Carlos de Campos de Tatu, pelo

    valoroso auxlio prestado a este trabalho, cedendo-me o contedo programtico do curso de

    piano do conservatrio.

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    professora Cecilia Marin, coordenadora do Conservatrio Carlos Gomes de

    Campinas, pelo valoroso auxlio prestado a este trabalho, cedendo-me o contedo

    programtico do curso de piano do conservatrio.

    Valria Maradini Malimpensa e Maria Luiza Zani Dutra, coordenadora e

    professora, respectivamente, do Conservatrio Maestro Henrique Castellari de Salto, pelo

    valoroso auxlio prestado a este trabalho, cedendo-me o contedo programtico do curso de

    piano do conservatrio.

    Ao Alexandre Dias, pela gentileza em me enviar o curta-metragem Lio de

    Piano, que traz o compositor Francisco Mignone falando sobre sua vida e obra, sob a

    direo de Joo Carlos Horta e apoio da Embrafilme e Funarte.

    Ao professor Edmundo Hora, pela gentileza e valiosas informaes sobre as

    regras de formatao do texto.

    Ao professor Carlos Carvalho, meu professor de obo, pela compreenso

    quanto a minha ausncia nas aulas.

    Ao professor Eduardo Antonio Conde Garcia Junior, pela brilhante

    disciplina oferecida sobre pedagogia pianstica, que muito me auxiliou no desenvolvimento

    do estudo tcnico-pedaggico realizado neste trabalho.

    Chieko Yasu, pela gentileza em me enviar as partituras das Valsas de

    esquina, que foram editadas no Japo pela Ongaku no Tomo.

    A minha famlia, em especial minha me Sandra e meu irmo Roberval, pelo

    amor e incentivo a esta pesquisa.

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    Tamara Milane, minha prima e querida amiga, pelo carinho e curiosidade

    com que acompanhou este trabalho.

    Gisele Antunes e Andrea Mendes, minhas amigas, pela amizade e carinhoque sempre me ofereceram.

    Renata Prado, pela generosidade em fazer a reviso da Lngua Inglesa

    escrita empregada no Abstract.

    Janana Hessel, Daniela e Marcelo Tuani, meus amigos, pelo interesse e

    reconhecimento deste trabalho.

    Pamela Piazentin Campos, minha querida amiga, sempre muito prestativa,

    que me auxiliou infinitamente na pesquisa, desde a construo do pr-projeto at a

    finalizao da dissertao, pela ajuda na elaborao do texto escrito no Abstract, pela

    generosidade, companheirismo e solidariedade. Minha sincera gratido.

    Ao meu marido Claudio Incio do Nascimento, companheiro na vida, no amor

    e na msica, pelo carinho, incentivo e total apoio recebido para a realizao deste trabalho.

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    No possvel detectar aspectos de determinadas pocas

    no nvel do seu sentir, se no pela arte e mais

    precisamente pela msica. No h vestgio histrico mais

    envolvente ainda que no raras vezes mais imperceptvel

    enquanto conceitualidade do que a msica de

    determinados perodos.

    Enio Squeff

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    RESUMO

    Este trabalho tem como principal objetivo realizar um estudo analtico-

    interpretativo e pedaggico das 12 Valsas de Esquina de Francisco Mignone. Visa o estudo,

    a anlise e a divulgao da msica brasileira e de um de seus mais significativos

    representantes. Com o estudo analtico, procura-se investigar os elementos tcnicos

    utilizados pelo compositor e como ele os manipula. Para introduzir e contextualizar essa

    anlise, realizou-se um levantamento biogrfico e histrico da vida do compositor

    fundamentado por bibliografia j existente e entrevista com a viva do compositor, Maria

    Josephina Mignone. A concluso deste trabalho rene as informaes obtidas por meio da

    anlise, identificando a linguagem musical do autor e discutindo a aplicabilidade didticadestas obras no ensino do piano, relevando a importncia delas no repertrio pianstico

    brasileiro.

    PALAVRAS-CHAVE:piano; valsa; seresta.

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    ABSTRACT

    The main objective of this study is to realize a tecnique and educational

    analysis of the 12 Valsas de Esquina composed by Francisco Mignone. Concurrently, this

    analysis will contribute to the dissemination of the Brazilian music and one of its most

    important composers. The analytical study focuses on the compositional techniques

    employed by Mignone, as well as which technical elements he utilized and how he

    manipulated them. In order to introduce and put into prospective the analysis, the author

    provided a biographical and historical analysis and also an enterview with Mignones wife.

    The information obtained by the analysis affords a conclusion in respect of the composers

    musical language and the didatic applicability of these pieces and their influence andprominence at the Brazilian pianistic repertoire.

    KEYWORDS: keyboard; waltz, serenade.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 1 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A........................................47

    Figura 2 1 Valsa de esquina compassos 1 a 17..............................................................48

    Figura 3 1 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B........................................48

    Figura 4 1 Valsa de esquina compassos 41 a 46............................................................49

    Figura 5 1 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo C........................................49

    Figura 6 1 Valsa de esquina compassos 82 a 96............................................................50

    Figura 7 1 Valsa de esquina estrutura harmnica da Coda............................................51

    Figura 8 1 Valsa de esquina compassos 47 a 48............................................................51

    Figura 9 1 Valsa de esquina compassos 57 a 60............................................................51Figura 10 1 Valsa de esquina compassos 108 a 115......................................................52

    Figura 11 1 Valsa de esquina compasso 13...................................................................53

    Figura 12 1 Valsa de esquina compasso 61...................................................................53

    Figura 13 1 Valsa de esquina compassos 90 a 91..........................................................53

    Figura 14 2 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A......................................55

    Figura 15 2 Valsa de esquina compassos 1 a 11............................................................56

    Figura 16 2 Valsa de esquina compassos 12 a 17..........................................................57

    Figura 17 2 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B......................................57

    Figura 18 2 Valsa de esquina compassos 33 a 44..........................................................58

    Figura 19 2 Valsa de esquina compassos 13 a 14..........................................................59

    Figura 20 2 Valsa de esquina compasso 29...................................................................59

    Figura 21 2 Valsa de esquina compassos 46 a 47..........................................................59

    Figura 22 3 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A......................................61

    Figura 23 3 Valsa de esquina compassos 1 a 16............................................................62

    Figura 24 3 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B......................................63

    Figura 25 3 Valsa de esquina compasso 41...................................................................63

    Figura 26 3 Valsa de esquina compasso 44...................................................................64

    Figura 27 3 Valsa de esquina estrutura harmnica da Coda..........................................65

    Figura 28 4 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A.....................................67

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    Figura 29 4 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A1....................................68

    Figura 30 4 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A2....................................68

    Figura 31 4 Valsa de esquina compassos 33 a 48..........................................................69

    Figura 32 4 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B......................................70Figura 33 4 Valsa de esquina compassos 49 a 64..........................................................70

    Figura 34 4 Valsa de esquina compasso 2.....................................................................71

    Figura 35 4 Valsa de esquina compasso 5.....................................................................71

    Figura 36 4 Valsa de esquina compasso 69...................................................................71

    Figura 37 5 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A......................................73

    Figura 38 5 Valsa de esquina compassos 1 a 8..............................................................74

    Figura 39 5 Valsa de esquina

    estrutura harmnica da seo B......................................74

    Figura 40 5 Valsa de esquina compassos 21 a 27..........................................................75

    Figura 41 5 Valsa de esquina compassos 44 a 52..........................................................75

    Figura 42 5 Valsa de esquina compasso 36...................................................................76

    Figura 43 5 Valsa de esquina compasso 54...................................................................76

    Figura 44 6 Valsa de esquina estrutura harmnica da introduo.................................79

    Figura 45 6 Valsa de esquina compassos 17 a 20..........................................................80

    Figura 46 6 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A......................................80

    Figura 47 6 Valsa de esquina compassos 21 a 38..........................................................81

    Figura 48 6 Valsa de esquina estrutura harmnica do episdio....................................81

    Figura 49 6 Valsa de esquina compassos 56 a 65..........................................................82

    Figura 50 6 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A1....................................82

    Figura 51 6 Valsa de esquina compassos 43 a 48..........................................................83

    Figura 52 6 Valsa de esquina compassos 67 a 71..........................................................83

    Figura 53 6 Valsa de esquina compassos 77 a 82..........................................................84

    Figura 54 6 Valsa de esquina estrutura harmnica da Coda..........................................84Figura 55 6 Valsa de esquina compassos 83 a 90..........................................................85

    Figura 56 7 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A......................................87

    Figura 57 7 Valsa de esquina compassos 1 a 16............................................................88

    Figura 58 7 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B......................................88

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    Figura 59 7 Valsa de esquina compassos 28 a 43..........................................................89

    Figura 60 7 Valsa de esquina compassos 60 a 75..........................................................90

    Figura 61 7 Valsa de esquina estrutura harmnica da Coda..........................................91

    Figura 62 7 Valsa de esquina compassos 120 a 128......................................................91Figura 63 7 Valsa de esquina compasso 4.....................................................................92

    Figura 64 8 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A......................................95

    Figura 65 8 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B......................................96

    Figura 66 8 Valsa de esquina compassos 33 a 48..........................................................96

    Figura 67 8 Valsa de esquina compasso 2.....................................................................97

    Figura 68 9 Valsa de esquina estrutura harmnica da introduo.................................99

    Figura 69 9 Valsa de esquina

    compassos 1 a 7............................................................100

    Figura 70 9 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A....................................100

    Figura 71 9 Valsa de esquina estrutura harmnica da ponte.......................................101

    Figura 72 9 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B....................................101

    Figura 73 9 Valsa de esquina compassos 46 a 63........................................................102

    Figura 74 9 Valsa de esquina compassos 75 a 84........................................................103

    Figura 75 9 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A1..................................104

    Figura 76 9 Valsa de esquina compassos 120 a 131....................................................105

    Figura 77 9 Valsa de esquina compasso 42.................................................................105

    Figura 78 10 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A..................................109

    Figura 79 10 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B..................................110

    Figura 80 10 Valsa de esquina compassos 1 a 14........................................................112

    Figura 81 10 Valsa de esquina compassos 17 a 30......................................................112

    Figura 82 10 Valsa de esquina compassos 70 a 82 .....................................................113

    Figura 83 10 Valsa de esquina compassos 86 a 98......................................................113

    Figura 84 10 Valsa de esquina estrutura harmnica da Coda......................................114Figura 85 10 Valsa de esquina compassos 102 a 106..................................................114

    Figura 86 10 Valsa de esquina compasso 8.................................................................115

    Figura 87 11 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A.................................117

    Figura 88 11 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B..................................118

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    Figura 89 11 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo C..................................118

    Figura 90 11 Valsa de esquina compassos 1 a 7..........................................................119

    Figura 91 11 Valsa de esquina compassos 58 a 65......................................................120

    Figura 92 11 Valsa de esquina estrutura harmnica do episdio................................120Figura 93 11 Valsa de esquina compassos 99 a 116....................................................121

    Figura 94 11 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo B1................................121

    Figura 95 11 Valsa de esquina compassos 25 a 33......................................................122

    Figura 96 11 Valsa de esquina compassos 116 a 124..................................................123

    Figura 97 11 Valsa de esquina compasso 128.............................................................124

    Figura 98 12 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A..................................127

    Figura 99 12 Valsa de esquina

    estrutura harmnica da seo B..................................128

    Figura 100 12 Valsa de esquina compassos 34 a 45....................................................129

    Figura 101 12 Valsa de esquina compassos 70 a 77....................................................130

    Figura 102 12 Valsa de esquina estrutura harmnica da seo A1..............................130

    Figura 103 12 Valsa de esquina compassos 91 a 104..................................................131

    Figura 104 12 Valsa de esquina compassos 133 a 142................................................132

    Figura 105 12 Valsa de esquina estrutura harmnica da Coda....................................132

    Figura 106 12 Valsa de esquina compassos 1 a 2........................................................133

    Figura 107 12 Valsa de esquina compassos 143 a 148................................................133

    Figura 108 12 Valsa de esquina compasso 46.............................................................133

    Figura 109 2 Valsa de esquina Modulao subdominante (compassos 1 a 7)..........137

    Figura 110 5 Valsa de esquina Modulao subdominante (compassos 1 a 8)..........138

    Figura 111 8 Valsa de esquina Modulao subdominante (compassos 1 a 12)........138

    Figura 112 1 Valsa de esquina Baixo meldico violonstico (compassos 1 a 17).......139

    Figura 113 6 Valsa de esquina Baixo meldico violonstico (compassos 21 a 38)......140

    Figura 114 7 Valsa de esquina Baixo meldico violonstico (compassos 1 a 16).......140Figura 115 4 Valsa de esquina Contraponto flautstico (compassos 33 a 48).............141

    Figura 116 7 Valsa de esquina Contraponto flautstico (compassos 60 a 75).............142

    Figura 117 10 Valsa de esquina Contraponto flautstico (compassos 86 a 98)...........143

    Figura 118 Acorde diminuto comum s 12 Valsas de esquina........................................144

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    Figura 119 5 Valsa de esquina compassos 33 a 34......................................................149

    Figura 120 5 Valsa de esquina compassos 35 a 36......................................................150

    Figura 121 5 Valsa de esquina compassos 1 a 8..........................................................151

    Figura 122 5 Valsa de esquina compassos 21 a 28......................................................151Figura 123 6 Valsa de esquina compassos 1 a 15........................................................153

    Figura 124 6 Valsa de esquina compassos 21 a 40......................................................154

    Figura 125 8 Valsa de esquina compassos 1 a 16........................................................155

    Figura 126 8 Valsa de esquina compassos 25 a 32......................................................156

    Figura 127 8 Valsa de esquina compassos 83 a 84......................................................156

    Figura 128 10 Valsa de esquina compassos 73 a 76....................................................157

    Figura 129 10 Valsa de esquina

    compassos 86 a 93....................................................157

    Figura 130 7 Valsa de esquina compassos 1 a 16........................................................159

    Figura 131 7 Valsa de esquina compassos 28 a 43......................................................160

    Figura 132 7 Valsa de esquina compassos 60 a 75......................................................161

    Figura 133 4 Valsa de esquina compassos 17 a 32......................................................163

    Figura 134 4 Valsa de esquina compassos 10 a 16......................................................164

    Figura 135 3 Valsa de esquina compassos 1 a 7..........................................................165

    Figura 136 3 Valsa de esquina compassos 30 a 31......................................................166

    Figura 137 3 Valsa de esquina compassos 47 a 48......................................................166

    Figura 138 11 Valsa de esquina compassos 1 a 7........................................................167

    Figura 139 11 Valsa de esquina compassos 58 a 65....................................................168

    Figura 140 11 Valsa de esquina compassos 99 a 116..................................................169

    Figura 141 2 Valsa de esquina compassos 29 a 32......................................................171

    Figura 142 2 Valsa de esquina compassos 49 a 65......................................................172

    Figura 143 1 Valsa de esquina compassos 62 a 64......................................................173

    Figura 144 1 Valsa de esquina compassos 108 a 115..................................................174Figura 145 1 Valsa de esquina compassos 41 a 46......................................................175

    Figura 146 9 Valsa de esquina compassos 8 a 23........................................................178

    Figura 147 9 Valsa de esquina compassos 46 a 63......................................................179

    Figura 148 9 Valsa de esquina compassos 90 a 94......................................................180

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    Figura 149 12 Valsa de esquina compassos 70 a 77....................................................182

    Figura 150 12 Valsa de esquina compassos 34 a 45....................................................183

    Figura 151 12 Valsa de esquina compassos 133 a 142................................................184

    Figura 152 Relao das valsas com os elementos e exigncias tcnicas.........................186

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    ABREVIATURAS E SMBOLOS

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    SUMRIO

    INTRODUO...................................................................................................................01

    CAPTULO 1 ENSAIO BIOGRFICO........................................................................05

    1.1 FAMLIA MIGNONE...................................................................................07

    1.2 FORMAO MUSICAL..............................................................................11

    1.2.1 Estudos no Brasil...............................................................................11

    1.2.2 Estudos na Europa.............................................................................15

    1.3 A VOLTA AO BRASIL.................................................................................17

    1.3.1 So Paulo x Rio de Janeiro................................................................171.3.2 Mignone em 3 dimenses: Professor, Regente e Compositor...........19

    CAPTULO 2 O COMPOSITOR E SUA OBRA..........................................................23

    2.1 CHICO BOROR..........................................................................................25

    2.2 DIRECIONAMENTO ESTTICO..............................................................27

    2.2.1 O Nacionalismo.................................................................................27

    2.2.2 Mrio de Andrade..............................................................................29

    2.3 TONALISMO x ATONALISMO.................................................................33

    CAPTULO 3 VALSAS DE ESQUINA.........................................................................37

    3.1 A VALSA.........................................................................................................39

    3.2 VALSAS DE ESQUINA................................................................................43

    3.2.1 Criao...............................................................................................43

    3.2.2 Anlise Formal e Harmnica e Sugestes para Interpretao...........45

    3.2.2.1 Consideraes sobre a anlise.............................................45

    3.2.2.2 1 Valsa de Esquina.............................................................47

    3.2.2.3 2 Valsa de Esquina.............................................................55

    3.2.2.4 3 Valsa de Esquina.............................................................61

    3.2.2.5 4 Valsa de Esquina.............................................................67

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    3.2.2.6 5 Valsa de Esquina.............................................................73

    3.2.2.7 6 Valsa de Esquina.............................................................79

    3.2.2.8 7 Valsa de Esquina.............................................................87

    3.2.2.9 8 Valsa de Esquina.............................................................953.2.2.10 9 Valsa de Esquina...........................................................99

    3.2.2.11 10 Valsa de Esquina.......................................................109

    3.2.2.12 11 Valsa de Esquina.......................................................117

    3.2.2.13 12 Valsa de Esquina.......................................................127

    3.2.2.14 Sntese da anlise............................................................137

    3.2.3 Estudo Tcnico-Pedaggico............................................................145

    3.2.3.1 Consideraes sobre o estudo tcnico-pedaggico...........145

    3.2.3.2 5 Valsa de Esquina...........................................................149

    3.2.3.3 6 Valsa de Esquina...........................................................153

    3.2.3.4 8 Valsa de Esquina...........................................................155

    3.2.3.5 10 Valsa de Esquina.........................................................157

    3.2.3.6 7 Valsa de Esquina...........................................................159

    3.2.3.7 4 Valsa de Esquina...........................................................163

    3.2.3.8 3 Valsa de Esquina...........................................................165

    3.2.3.9 11 Valsa de Esquina.........................................................167

    3.2.3.10 2 Valsa de Esquina.........................................................171

    3.2.3.11 1 Valsa de Esquina.........................................................173

    3.2.3.12 9 Valsa de Esquina.........................................................177

    3.2.3.13 12 Valsa de Esquina.......................................................181

    3.2.3.14 Sntese do estudo tcnico-pedaggico............................185

    CONCLUSO...................................................................................................................187

    REFERNCIAS................................................................................................................191

    BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................195

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    xxix

    ANEXOS............................................................................................................................201

    Anexo 1 Tabela com as peas para piano solo de Francisco Mignone................203

    Anexo 2 Partitura das 12 Valsas de Esquina(Editora Mangione & Filhos)................209

    1 Valsa de Esquina.....................................................................................2112 Valsa de Esquina.....................................................................................217

    3 Valsa de Esquina.....................................................................................223

    4 Valsa de Esquina.....................................................................................227

    5 Valsa de Esquina.....................................................................................231

    6 Valsa de Esquina.....................................................................................235

    7 Valsa de Esquina.....................................................................................239

    8 Valsa de Esquina.....................................................................................245

    9 Valsa de Esquina.....................................................................................249

    10 Valsa de Esquina...................................................................................255

    11 Valsa de Esquina...................................................................................261

    12 Valsa de Esquina...................................................................................269

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    1

    INTRODUO

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    3

    INTRODUO

    Francisco Mignone foi regente, pianista e compositor. Segundo Vasco Mariz,

    em sua Histria da Msica no Brasil (2000), foi um dos mais completos compositores

    brasileiros. Em todos os setores que explorou, revelou uma arte da mais rica e refinada

    erudio tcnica. Escreveu para orquestra sinfnica, instrumentos solistas, cantores, grupos

    vocais, grupos instrumentais de cmara, alm de peras e bailados. Traz em seu catlogo

    mais de 1000 trabalhos distribudos em cerca de 80 anos de produo musical.

    Devido a sua grande representatividade na histria da msica no Brasil, e

    inexplicvel ausncia nos programas das grandes salas de concerto atualmente, a autora

    pretende, neste trabalho, valorizar a msica brasileira e um de seus maiores cones, alm dedespertar, nos intrpretes, o interesse pelas obras singulares deste grandioso artista.

    Dentre as inmeras obras para piano, elegeu-se as 12 Valsas de Esquina para

    um estudo analtico-interpretativo e pedaggico, por se tratarem de verdadeiras obras-

    primas do autor e por representarem a influncia da esttica nacionalista pregada por Mrio

    de Andrade, que, segundo Bruno Kiefer (1983), foi seu mentor intelectual. Estas valsas

    retratam o ambiente dos chores das primeiras dcadas do sculo XX, tornando assim

    evidente o carter seresteiro, e nelas so explorados diversos tipos de valsas brasileiras.

    Com o presente trabalho, pretendeu-se alcanar os seguintes objetivos:

    Concluir uma anlise formal e harmnica das obras citadas, traando as

    principais caractersticas da linguagem do autor e destacando elementos

    particulares do ambiente histrico que elas retratam.

    Tratar cuidadosamente a performance, visto que a anlise das obras foi

    direcionada questo interpretativa das mesmas.

    Realizar um estudo tcnico-pedaggico, a fim de estabelecer uma classificao

    das peas por ordem de dificuldades.

    Discutir a aplicabilidade didtica das obras no ensino do piano, relevando a

    importncia delas no repertrio pianstico brasileiro.

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    Para fundamentar o trabalho, inicialmente fz-se uma reviso minuciosa da

    bibliografia disponvel sobre o autor e sua obra. O segundo passo foi a realizao de um

    estudo biogrfico do compositor, a fim de destacar sua importncia na msica erudita

    brasileira e estabelecer um paralelo entre sua linguagem composicional e o contextohistrico da poca na qual, ou pela qual, as 12 valsas de esquina foram criadas. Para

    auxiliar tal estudo, foi feito um levantamento bibliogrfico nas principais bibliotecas do

    pas e consultas a acervos particulares, como o da viva do compositor, Maria Josephina

    Mignone, com quem a autora realizou uma entrevista. Este contato teve grande importncia

    para o estudo, pois a pianista Maria Josephina contribuiu com informaes sobre a vida do

    compositor, seu processo criativo e, principalmente, sobre a interpretao das obras, j que

    ela gravou a maioria das obras para piano de Mignone, inclusive as estudadas neste projeto.

    O estudo terico das peas teve como base as obras Harmonia Funcional de

    H. J. Koellreutter e Tratado de la Forma Musical de Julio Bas. Pesquisa e leitura de

    livros que abordassem tcnica, interpretao e pedagogia pianstica tambm estiveram

    presentes na metodologia do projeto para concluir este trabalho.

    Com esta pesquisa, a autora levantou as seguintes questes: como o estudo

    analtico das obras pode auxiliar na interpretao das mesmas? E qual a aplicabilidade

    didtica destas valsas no ensino do piano nos dias de hoje? Para respond-las, a dissertao

    foi dividida em trs captulos: no primeiro, realizou-se um ensaio biogrfico, onde foram

    tratados cronologicamente os assuntos que permearam as diversas fases da vida do

    compositor: famlia, formao musical e vida profissional. O segundo captulo retratou o

    compositor Francisco Mignone e sua obra em geral, destacando as influncias tericas e

    estticas recebidas por ele. Finalmente, o terceiro captulo do trabalho foi dedicado s

    Valsas de Esquina, trazendo um estudo analtico-interpretativo e pedaggico das obras,

    visando tornar-se um referencial para professores de piano que queiram trabalhar algumas

    das peas com seus alunos. Em anexo, encontram-se as partituras das obras estudadas e,ainda, uma tabela cronolgica com todas as obras para piano solo do compositor, com o

    intuito de transformar esse trabalho em mais um ponto de referncia para pianistas e

    pesquisadores que se interessem pela msica brasileira.

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    5

    CAPTULO 1:

    ENSAIO BIOGRFICO

    A vida de todo artista criador um

    compromisso com a posteridade.

    Francisco Mignone

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    CAPTULO 1 ENSAIO BIOGRFICO

    1.1 FAMLIA MIGNONE

    Alfrio e Virgnia Mignone eram naturais da aldeia de Castellabate e de Cava

    dei Tirreni respectivamente, ambas provncias da regio de Salerno, na Itlia. Alfrio era

    msico e iniciou muito cedo sua vida musical, apresentando-se j aos doze anos em

    orquestras da pera italiana. Tinha a flauta e a pedagogia como profisso, porm tocava

    tambm, com boa tcnica, violino, violoncelo, trompa, trompete, obo, clarineta e um

    pouco de piano, instrumentos estes que aprendeu em uma instituio onde passou a viver e

    estudar quando perdeu o pai. Em 1896, j com famlia constituda, veio para o Brasil e

    fixou-se em So Paulo na casa de um primo alfaiate.

    A situao musical na Paulicia em fins do sculo XIX e comeo do XX no

    era muito boa. No havia teatro, apenas alguns trios e pequenas orquestras, que, na maioria

    das vezes, eram formadas por msicos que vinham de companhias lricas italianas. Estas

    quase sempre acabavam falindo, ora por falta de integrantes que morriam devido a algumas

    doenas, como a febre amarela, ora por questes financeiras, e, assim, com os msicos que

    aqui ficavam, iam surgindo essas pequenas formaes. O primeiro teatro que comeou a

    funcionar em So Paulo, e onde Alfrio tocava, foi o Teatro Olimpiano, que se situava onde

    hoje est o tnel do Anhangaba. Outros antigos lugares de apresentaes do flautista

    italiano foram o teatro Minerva e o Caf Champagne. Alm do grande reconhecimento que

    teve durante sua vida como flautista, tambm alcanou importantes crticas sobre sua

    atuao como pedagogo, como a que Mrio de Andrade deixou no primeiro nmero da

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    revista Klaxon: No entanto, um Figueras, um Mignone, que dignos, cuidadosos

    mestres!... (KIEFER, 1983:9).

    Um ano aps a chegada de Alfrio ao Brasil, no dia 3 de setembro de 1897, emSo Paulo, Rua Xavier de Toledo, antiga Rua do Paredo, nmero 33, nasce o primeiro

    dos cinco filhos da famlia Mignone, Francisco Paulo (que alguns anos depois se tornaria o

    grande compositor Francisco Mignone). Era um enorme morro que havia sido cortado e

    cujas residncias ficavam no topo. Para se chegar l em cima havia umas escadas de

    madeira ou mesmo de terra vermelha. (Depoimento dado por Francisco Mignone ao MIS

    Museu da Imagem e do Som 1991). Pouco se sabe sobre os outros quatro filhos do casal:

    Guilherme, Filomena, Domingos e Renato, a no ser que, junto com a me, dona Virgnia,

    no exerceram influncia significativa na formao musical de Francisco.

    O primeiro colgio de Francisco foi o Cincias e Letras. E desde cedo, ele pode

    sentir a rivalidade existente entre italianos e brasileiros naquela poca. Era muito comum

    receber xingamentos do tipo carcamano, italianinhozinho sujo e outros mais no

    colgio. No entanto, a prtica habitual de jogar futebol na hora do recreio f-lo se animar e

    a fazer amigos. Entre os prprios italianos imigrantes havia diferena, eram os que

    moravam no centro da cidade e no Brs. Neste ltimo, moravam os que tinham profisses

    como alfaiates e msicos.

    Francisco Mignone comeou a trabalhar muito cedo para ajudar os pais e

    sustentar seus estudos. Aos treze anos comeou a tocar em pequenas orquestras de salo

    como pianista condutor e como flautista, em orquestras maiores. Sobre isso discorreu

    Luiz Heitor Corra de Azevedo (in MARIZ, 1997:11):

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    A lio de trabalho, que recebia do exemplo e do passado do pai, levava-o, nolimiar da adolescncia conquista de seus prprios recursos pecunirios. E haviade acompanh-lo toda a vida, tornando-o um dos msicos mais trabalhadores,num sentido vulgar, proletrio ou artesanal, do nosso panorama artsticocontemporneo.

    Desde pequeno Francisco ia a espetculos com seu pai e divertia-se muito com

    isso. Gostava de se sentar na primeira fila para prestar ateno em todos os detalhes. Aos

    seis anos assistiu pela primeira vez a apresentao da Bohme, cuja impresso marcou-o

    profundamente. Alfrio era um amante de pera e queria fazer do filho um compositor

    altura de Puccini, Mascagni e Leoncavallo, que para ele eram os que realmente sabiam

    escrever no gnero. Um das coisas que sempre dizia era que para se compor uma boa

    pera necessrio um bom libreto (In MARIZ, 1997:45). Tal conselho surtiu bom efeito

    na vida do filho que sempre se preocupou com a questo. Essas e outras vivncias que

    Francisco teve na infncia foram fundamentais para sua vida e para sua formao musical.

    Francisco Mignone casou-se duas vezes. A primeira com Liddy Chiaffarelli,

    paulistana que teve um papel importantssimo na Educao Musical no Brasil ao lado de SPereira, e era filha do grande professor de piano Luigi Chiaffarelli. A segunda com Maria

    Josephina, paraense, pianista consagrada, colaboradora em muitos concertos e gravaes,

    grande intrprete e divulgadora de suas obras at os dias de hoje.

    O msico paulista que cresceu, estudou, profissionalizou-se, constituiu uma

    carreira e tornou-se um dos compositores mais renomados da msica brasileira, faleceu no

    dia 19 de fevereiro de 1986, aos 88 anos de idade, deixando um dos maiores legados

    artsticos que o Brasil j recebeu: 1024 obras catalogadas.

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    1.2 FORMAO MUSICAL

    1.2.1 Estudos no Brasil

    Devido ao fato do pai ter sido msico, Francisco Mignone teve contato com

    a msica desde cedo. Curiosidades e interesses no lhe faltaram. Em gravao de uma aula

    dada na Universidade de Braslia pelo compositor, em setembro de 1977 (In GIROTTO,

    1998:54), podemos comprovar um pouco desta ansiedade pela msica:

    Meu pai tinha flauta, violoncelo, piano, violino, tinha at um bombo. Eu medivertia com esses instrumentos. Aos 6 anos eu sempre andava batucando aqui e

    ali. Mas o que mais me implicava era descobrir os acordes. Finalmente um dia eudescobri no piano o acorde de D Maior, d-mi-sol. Ento fiquei o dia inteirobatendo d-mi-sol, era um achado pra mim, achava que era uma maravilha tocard-mi-sol. Assim que chegava algum em casa: Qu v como eu toco piano?chegava no piano d-mi-sol, d-mi-sol e at que no me tirassem do instrumentovivia tocando isso. Mas meu contato foi contnuo. (sic)

    Foi nessa poca aproximadamente, aos seis anos de idade, que Francisco

    Mignone iniciou seus estudos musicais. O pai foi seu primeiro professor. Ensinou-lhe

    flauta, um pouco de violoncelo e de trompa. Colocou-o frente de um piano, mostrando-

    lhe o teclado e ensinando-lhe algumas coisas. J os conceitos tericos, Mignone aprendeuna prtica, pois Alfrio era contra o ensino da teoria musical da maneira que faziam nas

    escolas de msica. Tal experincia relatou o compositor em depoimento dado ao MIS

    (1991): Nunca estudei teoria, s uma vez meu pai me explicou que a semibreve valia

    quatro; a mnima, dois; a semnima, um, e a colcheia, a metade. Depois era no instrumento,

    tinha que exercitar aquilo.

    Aos oito anos, Mignone comeou a estudar piano com o professor Slvio Motto,

    um pianista de origem toscana diplomado na escola de Rosati em Roma, que ensinava no

    colgio Cincias e Letras junto com Alfrio. No entanto, Mignone tinha uma certa repulsa

    pela tcnica, ele queria tocar. Compunha e improvisava escondido do professor algumas

    melodias. Aos doze foi estudar harmonia com Savino de Benedictis, italiano radicado em

    So Paulo, que lhe deu o curso de harmonia terica em seis meses, j que Mignone havia

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    estudado harmonia prtica com o pai inicialmente. Em 1912, ingressou no Conservatrio

    Dramtico e Musical de So Paulo, onde passou a ter aulas de piano, harmonia, contraponto

    e composio com Agostino Cant, e de flauta com seu prprio pai. Agostino Cant era de

    origem milanesa e tinha sido contratado pelo diretor do Conservatrio, Pedro AugustoGomes Cardim, para lecionar Piano, Harmonia e Composio. Mignone considerava o

    professor uma pessoa muito retrgrada, no mesmo depoimento dado ao MIS (1991),

    declara:

    (...) chegava at Beethoven, Chopin; Debussy j era um monstro de sete cabeas.Eu devia ter uns quinze anos. Mas queria fazer mais coisas e ele sempre dizia queisso no podia fazer, que aquilo era feio. Enfim, estudei o necessrio paraconhecer, mas vendo que meu estudo era muito fraco, insuficiente. Assim

    mesmo, j compunha para orquestra. Aprendi orquestrao sentado na orquestra,nunca estudei, s vendo os instrumentos, at onde vai, o que faz, tudo na prtica.

    Teve por companheiros no Conservatrio Dinor de Carvalho, Lcia Branco

    da Silva e Mrio de Andrade, que tambm lhe preparou em Esttica e Acstica. Diplomou-

    se nesta instituio em 1917, nos cursos de flauta, piano e composio.

    A vida profissional de Mignone comeou cedo: como pianista, apresentava-

    se freqentemente em concertos. Possua sonoridade macia e grandes recursos tcnicos

    (MARIZ, 1997:11). Tambm fez estgio no cinema mudo, e participava de pequenas

    orquestras, apresentando-se at em bailaricos (MARIZ, 2000:230), a fim de financiar

    seus estudos. Foi, at o fim de sua vida, um acompanhador extraordinrio de cantores e

    violinistas. Como flautista, chegou a atingir grau de virtuosismo, porm no seguiu carreira

    de solista. Tocava em pequenas orquestras, serenatas noturnas e choros, acompanhado

    pelos violes e cavaquinhos dos demais companheiros (MARIZ, 2000:230), atividade esta

    responsvel pela formao de uma das suas razes nacionalistas.

    Comeou a compor cedo: sua convivncia com msicos populares f-lo compor

    peas de carter popular, porm utilizava-se de um pseudnimo, o Chico Boror. A

    explicao vem dele mesmo: que naquelas priscas eras do comeo do sculo, escrever

    msica popular era coisa defesa e desqualificante mesmo (KIEFER, 1983:12). Chegou a

    ser premiado em concurso de msica popular com as peas Manon (valsa) e No se

    impressione (tango).

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    Em 1918, apresentou em concerto a Sute campestre e o poema sinfnico

    Caramuru. Este concerto lhe garantiu uma bolsa de estudos para aperfeioamento na

    Europa. A figura que desencadeou a situao foi o senador Jos Freitas Vale que era muito

    amigo de Alfrio Mignone. O senador costumava receber em sua casa vrios poetas eintelectuais da poca, como Olavo Bilac e Coelho Neto. Era um verdadeiro mecenas,

    protegia todos os artistas.

    Enfim, em 1920, Francisco Mignone parte para a Itlia.

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    1.2.2 Estudos na Europa

    A princpio, Francisco Mignone queria ir a Paris, porm como sua formao era

    italiana, falava bem o idioma e tinha muita facilidade em escrever rias de pera, resolveu

    ir para a Itlia. Alm do mais, Milo continuava a ser um dos centros mundiais da msica.

    Chegando l, passou a ter aulas com o professor Vincenzo Ferroni (1858-1934), professor

    do Real Conservatrio Giuseppe Verdi, mestre italiano de escola francesa e ex-aluno de

    Jules Massenet. Estudou novamente harmonia e contraponto, pois, analisando suas

    composies, Ferroni orientou-o a recomear do princpio. Os estudos foram to

    proveitosos que Mignone chegou a afirmar, certa vez, que com Ferroni aprendeu realmente

    a escrever msica. Anos mais tarde, j com uma maturidade artstica, avaliando estesestudos acadmicos que teve, declarou ao MIS (1991):

    Com o tempo, cheguei a uma concluso: esses estudos so necessrios para aformao do bom gosto, tudo quanto a msica acadmica probe, forma o bomgosto. Ns no temos que ficar dentro daquilo, como a gramtica, estudamosbem a gramtica para depois ignor-la, estuda-se como cincia. A mesma coisacom as formas musicais, quanto melhor conhec-las, tanto mais fcil fugir delas,que a nica maneira de ser um bom compositor ficar dentro das formas,fugindo delas.

    Os estudos com Vincenzo Ferroni duraram dois anos, o suficiente para faz-lo

    entrar no terreno operstico. Sob sua orientao, Mignone escreveu sua primeira pera, O

    contratador de diamantes, com libreto em trs atos de Girolamo Bottoni, inspirado no

    drama do mesmo nome de Afonso Arinos. Ela foi representada no Rio em 1924 e atingiu

    um sucesso considervel.

    Na Itlia, Mignone aperfeioou seus estudos de composio. Compunha

    bastante e livremente, trabalhando de acordo com o seu temperamento e a sua formao

    (MARIZ, 1997:12). No entanto, comeou a se preocupar com o dilema que a msica sofriano incio do sculo XX. E sobre isto, Luiz Heitor Corra de Azevedo declarou (In MARIZ,

    1997:12):

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    Tempo, pensava ele, de estagnao, de esgotamento dos recursos originais, que aimpetuosa torrente de msica dos sculos anteriores devastara, deixando semesperanas o criador realmente interessado em contribuir, de maneira individual,para a renovao da arte musical.

    Le Sacr du Printemps estava estreando em Paris, e Mignone foi um dos

    poucos brasileiros a ouvi-la pela primeira vez. Ele confessou que no entendeu nada, que

    no estava pronto para aquilo, embora j tivesse assistido muitas vezes a Pellas et

    Mlisande. Tambm ouviu Tristo e Isolda inmeras vezes. Enfim, ele estava

    acompanhando tudo que havia no panorama musical da poca.

    Conheceu figuras importantes da msica italiana como Pizzetti, que era diretor

    do Conservatrio de Milo. Dele Mignone assistiu a pera Dbora e Jaele, que achou

    formidvel. Tambm teve contato com Alfredo Casella e com Castelnuovo-Tedesco.Foram nove anos de permanncia na Europa. Durante esse tempo, veio vrias

    vezes ao Brasil, onde teve a oportunidade de mostrar suas composies e v-las sendo

    representadas. Entre 1927 e 1928 esteve na Espanha. Neste pas, recebeu inspirao para

    uma pera, O Inocente, escrita com um tema folclrico que lhe foi cedido da regio da

    Cantabria. Alm desta pera, escreveu tambm a Sute Asturiana e algumas canes. L

    conheceu Manuel de Falla e chegou at a fazer uma viagem de navio com Segvia,

    violonista espanhol.

    Em 1929, Francisco Mignone retorna definitivamente ao Brasil, fixando-se em

    So Paulo, sua cidade natal.

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    1.3 A VOLTA AO BRASIL

    1.3.1 So Paulo X Rio de Janeiro

    De volta ao Brasil, em 1929, Mignone fixa-se em So Paulo, onde passa a

    lecionar no Conservatrio Dramtico e Musical. A situao musical no pas estava muito

    ruim, inclusive em So Paulo. No havia nada. O advento do rdio favoreceu um pouco as

    orquestras sinfnicas, pois passaram a ser mais divulgadas, no entanto elas quase no

    funcionavam. No Conservatrio, Mignone deu aulas de piano e harmonia, porm ele no

    via nenhum resultado no trabalho que fazia. Enquanto que em algumas visitas que fez ao

    Rio de Janeiro, percebeu que a cidade oferecia muito mais possibilidades. Ento, em 1934,muda-se para o Rio e sucede a Walter Burle-Marx na cadeira de regncia do Instituto

    Nacional de Msica (atual Escola de Msica da Universidade Federal do Rio de Janeiro),

    onde ensinou at a sua aposentadoria.

    Mignone acompanhou de perto o movimento renovador do ensino de msica

    que teve no pas. Assim, procurou transformar suas aulas de maneira que elas pudessem

    abranger conhecimentos maiores para transmitir aos alunos. Nessa poca, um fato

    inesperado aconteceu, e que o compositor chamou de primeira derrota que ele teve na

    Escola. Em seu depoimento ao MIS (1991), declara:

    Inicialmente, eu procurei dar conhecimentos maiores, por exemplo, apurao doouvido. O regente deve ter o ouvido apurado, ou pelo menos, alertado. O queaconteceu? Os professores que tinham dado aula de Histria da Msica, Acstica,Fsica, acharam que eu no podia argir os alunos sobre coisas que j tinham sidodadas, acharam que era um absurdo essa repetio. Eu tentei explicar que no erauma repetio, mas sim um apuramento, tornar mais sensvel. Em plenaCongregao, esse fato foi debatido e como eles eram retrgrados, deram contra.Eu recebi um ofcio do diretor, Guilherme Fontainha, dizendo para no continuara intervir em matrias j vencidas.

    No dia 2 abril de 1936, Mignone participa de um grupo, liderado por Oscar

    Lorenzo Fernandez, que funda o Conservatrio Nacional de Msica, mais tarde

    Conservatrio Brasileiro de Msica. Junto com eles estavam: Ayres de Andrade, Amlia

    Fernandez Conde, Milton de Lemos, Roberto Gonalves de Souza Brito e Antonietta de

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    Souza. Lorenzo Fernandez foi eleito diretor, Mignone, vice-diretor, e Antonietta de Souza,

    tesoureira.

    A vida profissional de Mignone foi dividida entre o magistrio, piano de

    cmara, apresentaes como solista e regncia de orquestras. Dentre os vrios trabalhosrealizados, destacam-se: direo de um programa de msica brasileira com a Filarmnica

    de Berlim em 1937; direo de concertos sinfnicos e pera em Berlim, Hamburgo e

    Frankfurt, na Alemanha em 1938, onde passou tambm a difundir a msica brasileira pela

    rdio; organizao e direo de uma orquestra na Rdio Jornal do Brasil em 1938 e 39; e

    direo da orquestra da Rdio Globo, em 1945 e 46, como substituto do maestro Ga

    Gurgel que havia ido aos Estados Unidos. Em 1942, o prprio Mignone esteve nos Estados

    Unidos, como hspede oficial do Departamento de Estado, onde dirigiu as orquestras da

    National Broadcasting Company e da Columbia Broadcasting System, e teve a

    oportunidade de apresentar importantes obras suas, como Festa das Igrejas.

    Por influncia de Villa-Lobos, Francisco Mignone entrou na Academia

    Brasileira de Msica em 1965, sucedendo a Assis Republicano na cadeira no 33, cujo

    patrono Francisco Vale. Em 1980 foi presidente desta Academia e, em 1981, da SBAT

    (Sociedade Brasileira de Autores Teatrais). Foi tambm membro da Comisso de Teatros

    do antigo Ministrio da Educao e Sade, em 1938, e Diretor do Teatro Municipal do Rio

    de Janeiro em 1950 e 1951.

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    1.3.2 Mignone em 3 dimenses: Professor, Regente e Compositor

    Francisco Mignone iniciou sua carreira de professor, propriamente dita, em

    1934, quando assumiu a cadeira de regncia deixada por Walter Burle-Marx na Escola

    Nacional de Msica no Rio de Janeiro. Deu aulas de regncia, piano, composio,

    orquestrao, harmonia, enfim, deu aulas de msica na mais alta expresso do termo. E

    mais ainda, deu aulas de vida, de amor vida e de amor msica brasileira. (MARIZ,

    1997:27).

    Segundo Roberto Duarte (In MARIZ, 1997), Mignone era uma pessoa

    admirvel, adorava um dilogo. Possua cordialidade e muito bom humor. Como professor

    era exigente, s dava nota dez raramente. Era liberal, porm gostava de um trabalho srio,no admitindo a mediocridade. Sempre procurou tratar os alunos com respeito e era muito

    admirado por eles. Era ntida sua vontade de transmitir o conhecimento aos outros. Sempre

    que tinha oportunidade, ensinava. Gostava muito de dar aulas de harmonia prtica ao piano.

    Ele era um mestre na arte de improvisar. Capacidade esta que, juntamente com a de leitura

    primeira vista e a de leitura de partitura de orquestra, lhe foi muito til nas aulas de

    regncia, devido ao fato de no haver orquestras disponveis aos alunos nas aulas.

    Quanto filosofia de ensino, Mignone sempre dizia que todo msico devia

    estudar mais de um instrumento. Assim como seu pai, ensinava a teoria musical na prtica.

    No gostava de regras, e s vezes preferia mais falar de esttica a falar de tcnica. E na sua

    viso, o professor que no estuda o aluno, no bom pedagogo (GIROTTO, 1998:10).

    Dentre seus principais alunos esto: Eleazar de Carvalho, Raphael Baptista,

    Otvio Mal, nio de Freitas e Castro, Cacilda Barbosa, Cleofe Person de Matos, Colbert

    Hilgenberg Bezerra, Otnio Benvenuto, Hilda Reis, Mrio Tavares, Henrique

    Morelenbaum, Murilo Santos, Elza Lakschevitz, Ricardo Tacuchian, Odemar Brgido e

    Roberto Duarte.Em 1981, a carreira do professor Francisco Mignone foi coroada. Ele recebeu a

    mais alta homenagem no mbito acadmico da Universidade Federal do Rio de Janeiro: o

    ttulo de Professor Emrito, que foi o primeiro a ser conferido a um professor da Escola de

    Msica.

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    A regncia ocupou uma parte considervel na vida do compositor. Foi um

    excelente diretor de orquestra. Dirigiu muitos concertos no Brasil e fora. Fez muitas

    gravaes sinfnicas e formou grandes regentes que, at hoje, expressam da melhor

    maneira os ensinamentos transmitidos por ele. No entanto, Mignone sempre afirmava quenunca teve a inteno de ser regente, ele sempre quis ser compositor. Em 1936, no Rio de

    Janeiro, foi indicado para reger o concerto de comemorao do centenrio de Carlos

    Gomes. No ano seguinte, dirigiu a Filarmnica de Berlim em diversos concertos na

    Alemanha. No mesmo pas, durante 25 dias seguidos dirigiu a peraMadame Butterfly, de

    Puccini. Em seguida, visitou a Itlia, onde dirigiu, com a orquestra da Academia Santa

    Ceclia em Roma, uma obra sua: oMaracat do Chico Rei. Em 1961, foi nomeado maestro

    titular da recm-criada Orquestra Sinfnica Nacional da Rdio MEC.

    Cleofe Person de Mattos, fundadora e regente da Associao de Canto Coral,

    do Rio de Janeiro, e musicloga de grande projeo, declarou certa vez, referindo-se s

    qualidades de regente de Mignone (In KIEFER, 1983:31): Mignone era um msico de

    muita versatilidade e era o regente, por volta de 1940, de maior autoridade e competncia

    aqui no Rio de Janeiro. Foi tambm um acompanhador estupendo.

    Mrio de Andrade tambm lhe teceu elogios (ANDRADE, 1963:313):

    Especializa-se ento na regncia, alcana desde logo o primeiro posto entre os regentes

    brasileiros...

    Segundo Vasco Mariz (2000), Francisco Mignone foi um dos mais completos

    compositores brasileiros. Em todos os setores que explorou, revelou uma arte da mais rica e

    refinada erudio tcnica. Escreveu para orquestra sinfnica, instrumentos solistas,

    cantores, grupos vocais, grupos instrumentais de cmara, alm de peras e bailados. Maria

    Josephina Mignone, em entrevista dada autora, afirmou que so 1024 composies

    catalogadas, sendo que quase um tero foi escrito para piano.

    Mignone foi um compositor essencialmente sinfnico e por esse motivoconfiou orquestral a parte mais substancial e representativa de sua produo (MARIZ,

    1997:14). Dentre as mais variadas formaes de cmara, aparecem: flauta e obo, dois

    fagotes, quarteto de cordas, sextetos, entre outras. Suas obras para canto e piano so

    numerosas e esto entre as mais populares do repertrio brasileiro.

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    Mrio de Andrade fez a seguinte afirmao em artigo publicado em 1939, no

    Estado (In KIEFER, 1983:34): Mignone hoje uma das figuras mais importantes da

    msica americana, no s pelo valor independente das suas obras principais, como pelo que

    ele revela, no ponto em que est, do drama da nossa cultura.Como representao de uma vida inteira dedicada msica, dentre alguns

    prmios e ttulos muito bem merecidos e recebidos por Francisco Mignone, destacam-se

    (KIEFER, 1983:34):

    Professor Honorrio do Conservatrio Instituto de Msica da Bahia (1934);

    Membro Deliberante do Congresso da Lngua Nacional Cantada (So Paulo,

    1937); Prmio Medalha de Ouro pela melhor obra apresentada no Teatro Municipal do

    Rio de Janeiro (balIara, 1946);

    Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (dcada

    de 1950);

    Oficial da Ordem Rio Branco (1972);

    Medalha Mrio de Andrade, Governo de So Paulo (1979);

    Prmio Msica Erudita Golfinho de Ouro, Governo do Estado da Guanabara

    (1979);

    Medalha Euclides da Cunha, Clube dos Estados (1979);

    Grande Prmio Moinho Santista, So Paulo (1972);

    Prmio Leopoldo Miguez, Governo do Estado do Rio de Janeiro (1972), pela

    pera O Chalaa;

    Professor Emrito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981);

    Prmio Shell para a Msica Brasileira, no gnero erudito (1982).

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    CAPTULO 2:

    O COMPOSITORE SUA OBRA

    Como artista, sou obrigado a contribuir

    para a cultura e o aperfeioamento

    artstico da humanidade, na medida

    maior de todas as minhas foras.

    Francisco Mignone

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    CAPTULO 2 O COMPOSITOR E SUA OBRA

    2.1 CHICO BOROR

    Francisco Mignone iniciou-se muito cedo na composio. Compunha

    escondido do professor de piano j aos nove anos, mesmo sem tcnica, pois sempre foi uma

    pessoa muito criativa, que adorava inventar coisas. A msica popular sempre chamou sua

    ateno, e, devido grande convivncia com msicos populares, comeou tambm a

    compor neste gnero. Esse interesse e contato foram responsveis por formar no

    compositor uma musicalidade bem brasileira que, anos mais tarde, lhe permitiu a criao de

    obras tipicamente nacionais.

    A prtica da msica popular, no incio do sc. XX, apresentava-se como uma

    tima alternativa para quem queria sair um pouco do ambiente europeu, especificamente

    italianizado, dos conservatrios de msica. No entanto, como era costume, os compositores

    adotavam um pseudnimo para assinar suas composies. Segundo as palavras do prprio

    Mignone, em sua entrevista ao Museu da Imagem e do Som (1991), msica popular era

    msica de baixa classe, e escrever com o nome verdadeiro, naquele tempo, era vergonha.

    Em aula dada na Universidade de Braslia (In GIROTTO, 1998:57), Mignonefala um pouco do seu pseudnimo: Agora, eu quando criana, escrevia msica popular

    escondido de mim mesmo e de meu pai sobretudo, ento para que no soubesse que era eu,

    adotei um pseudnimo: Chico Boror.

    Mignone comps muitas msicas assinando dessa forma: valsas, tangos,

    maxixes, canes e outras peas populares. E ainda aproveitava para introduzi-las no

    repertrio dos conjuntos musicais que ele participava. Eram obras de carter danante e

    nacionalista. Vrios temas dessas composies foram, mais tarde, aproveitados e

    transformados por ele mesmo, em obras de maior envergadura. O interesse por esse gnero

    durou at mais ou menos 1917. Quando Mignone foi estudar na Europa, j no se

    interessava mais por essa parte.

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    Uma vivncia popular muito comum na juventude de Mignone foi a serenata.

    Esta experincia ele retrata-nos de maneira muito clara em seu depoimento ao MIS (1991):

    Os rapazes reuniam-se noite e faziam serenatas. Eu tocava um pouco de violoe flauta e amos nas esquinas tocando s pretendidas namoradas, escondidasnamoradas, ou sonhadas namoradas. Assim, comearam essas valsas, e aimpresso foi to forte que ainda perdurou no meu esprito at mais tarde, quandoescrevi as famosas Valsas de Esquina. Muita gente me pergunta: esquina porqu?, porque ns ficvamos nas esquinas, tocando s nossas sonhadas, que noapareciam.

    No mesmo depoimento, Mignone cita os nomes de Marcelo Tupinamb e

    Sotero de Souza como sendo duas figuras importantes da msica popular daquela poca.

    Duas obras populares que o compositor assinou com seu nome verdadeiro

    foram Manon (valsa) e No se Impressione (tango), e com elas ele obteve o segundo

    lugar em um concurso.

    Segundo o catlogo de obras elaborado por Maria Josephina Mignone (In

    MARIZ, 1997), Francisco Mignone assinou vinte e oito composies com o pseudnimo de

    Chico Boror, dentre elas: Chora Caboco (letra de Joo do Sul), Mui... caf (letra de

    Duque de Abramonte), Mandinga Doce (letra de Dcio Abramo), Sertaneja (letra de

    Beltro Limeira),Num Vorto a P(letra de Salvador Morais),Ah! Pirata!...(letra de XYZ)

    eAbaxo Piques (letra de Ju Bananere). Referindo-se a esta ltima, o Piques era o ponto

    onde os italianos se reuniam para fazer as suas trocas com os caipiras que vinham de Santo

    Amaro, e outros lugares. Ju Bananere era o pseudnimo usado por Alexandre Ribeiro

    Marcondes Machado (1892-1933) em artigos e poesias satricas nas quais utilizava o

    dialeto talo-brasileiro falado em So Paulo. Muitas dessas msicas foram gravadas por

    Francisco Alves, grande cantor seresteiro das primeiras dcadas do sc. XX.

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    2.2 DIRECIONAMENTO ESTTICO

    2.2.1 O Nacionalismo

    Em fins do sc. XIX, surgiu uma nova corrente esttica no meio musical que

    imediatamente se divergiu pelo mundo todo: o nacionalismo. caracterizado pela msica

    escrita com constncias nacionais, baseada no folclore. Compositores russos, espanhis,

    poloneses, tchecos, hngaros aproveitaram-se de ritmos ou melodias populares de seus

    pases em peas de quase todos os gneros musicais.

    No Brasil, inicialmente, o nacionalismo infiltrou-se entre o estilo da msica de

    salo do fim do imprio (fortemente italianizado e com preocupao de fcil penetrao) eo rapsodismo cheio de efeitos que deu lugar formao da Sute com danas tpicas

    brasileiras. Possua o objetivo de forjar linguagem caracteristicamente nacionais, que

    refletissem a realidade de um povo e que, ao mesmo tempo, fossem imediatamente

    compreensveis por este mesmo povo. (NEVES, 1981)

    Em uma primeira fase, o trabalho composicional era caracterizado pelo

    emprego de temas da msica popular e folclrica, que eram tratados segundo mtodos

    harmnicos e polifnicos europeus. Assim sendo, o nacionalismo firmava-se mais no plano

    da tcnica que no domnio da reflexo esttica. No geral, os elementos de estruturao

    musical que surgiram nas obras dos adeptos dessa nova corrente foram: tendncia ao

    estaticismo, com repetio infinita de pequenas clulas meldicas, absoro da harmonia

    pela rtmica, nfase especial s superposies tonais (politonalidade) e aos blocos

    dissonantes.

    O nacionalismo musical brasileiro teve como precursores Braslio Itiber da

    Cunha, Alexandre Levy, Alberto Nepomuceno, Francisco Braga e Barroso Neto.

    Villa-Lobos considerado, por muitos musiclogos, como o compositor da 1

    gerao nacionalista no Brasil. Em suas obras ocorre a utilizao de elementos folclricos,

    emprego de procedimentos contemporneos europeus de composio, como politonalidade,

    clusters e polirritmia, criao de diferentes sonoridades, alm da incorporao de msicas

    populares urbanas, como serestas, choros e maxixes. Por estas e outras caractersticas de

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    sua obra, o compositor representa uma figura singular e definitiva no panorama musical

    brasileiro do incio do sc. XX para a fixao dessa nova corrente esttica no Brasil.

    Neste mesmo perodo, surgiu o Movimento Modernista, que pregava a

    modernizao das linguagens artsticas e defendia liberdade de expresso. Era contra oacademismo e o tradicionalismo, e deu grande nfase ao nacionalismo, tornando-se a

    grande base desta corrente esttica. Esse movimento teve como auge a Semana da Arte

    Moderna, que aconteceu em So Paulo em fevereiro de 1922. Sobre essa semana, declarou

    Vasco Mariz:

    A Semana de Arte Moderna teve efeito decisivo para o reconhecimento dosmritos da msica de carter nacional, que acabou sendo paulatinamente aceitacomo arte moderna. Na realidade, essa msica baseada no folclore j vinhaobtendo aplausos na Europa havia cinqenta anos, mas a distncia e ospreconceitos ps-coloniais atrasaram sua consagrao entre ns por muitasdcadas.(MARIZ, 2002:42)

    O mentor intelectual e terico mximo do nacionalismo musical brasileiro

    posterior Semana de Arte Moderna foi Mrio de Andrade. Influenciou diretamente quatro

    compositores que so considerados, hoje, ao lado de Villa-Lobos, os grandes nacionalistas

    por terem derivado direto do movimento modernista. So eles: Luciano Gallet (1893-1931),

    Oscar Lorenzo Fernandez (1897-1948), Francisco Mignone (1897-1986) e Mozart Camargo

    Guarnieri (1907-1993).

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    2.2.2 Mrio de Andrade

    Alm de ter sido o grande guru da msica nacionalista no Brasil, Mrio de

    Andrade foi, segundo Kiefer (1983), o verdadeiro mentor intelectual de Francisco Mignone,

    pois o ajudou a fixar-se dentro dessa nova corrente musical.

    Mignone conheceu Mrio de Andrade no Conservatrio Dramtico e Musical

    de So Paulo, onde eram companheiros de classe e formaram-se juntos em piano no ano de

    1917. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som (1991), Mignone conta sobre o

    contato inicial entre os dois:

    Conhecia o Mrio de vista, mesmo moo, j incipientemente calvo. No sabiaquem era esse rapaz que estava em toda parte: eu ia a uma reunio, estava oMrio; a um teatro, estava o Mrio; a um cinema, estava o Mrio. Ele chegavacom aquela cara muito caracterstica de saxofone. Numa ocasio, o Joo Gomesde Arajo apresentou uma ria da pera, Carmosina, cantada por um tenor, equem era o tenor? Mrio de Andrade. A ria comeava com a expresso italianaNessuno qui, ele ficou com esse apelido; minha me, que estava na audio,disse: esse rapaz um Nessuno qui. Noutra ocasio no Bijou Teatro umcinema o Mrio de Andrade assistia a uma sesso, boquiaberto, e esqueceu ochapu do lado. Mal ele saiu, vi o chapu e corri atrs para entregar-lhe. Aquelafigura me interessava, mas eu no sabia que era o Mrio. Nessa poca, eu ia a umcolgio e virava na esquina da rua Visconde do Rio Branco com o Largo doPaissandu, onde morava o Mrio, e eu ouvia sempre algum tocar piano, fazendoumas escalas rapidssimas. Ficava ouvindo esse piano, sem saber quem era.Finalmente, antes de fazer minhas provas no Conservatrio, meu pai disse-meque eu deveria estudar Esttica e Fsica com o Mrio de Andrade e me deu oendereo. Eu fui, ento, com um bilhete de apresentao escrito por meu pai.Cheguei l, bati na porta, demoraram para abrir mas finalmente veio umavelhinha e me perguntou o que eu queria. Entrei e esperei numa sala at que oMrio apareceu, com um roupo muito engraado. Ento, esse o Mrio deAndrade, o cantor, o tal do chapu, pensei. Ele me deu um livro sobre esttica, edisse para eu estudar e aparecer na prxima vez. Tive umas sete ou oito aulas Umdia ele me chamou para tocar piano e ficou admirado com as coisas que eumostrei. Perguntou se eram minhas, como eu fazia para compor. Eu falei quesentava no piano e comeava a tocar. Ele chamou meu pai e disse: seu filho temmuito talento para composio, ele tem que estudar composio..

    Em 1929, quando voltou da Europa, Francisco Mignone retomou a amizade

    com Mrio. Ento comeou um longo conflito entre o compositor, influenciado pela msica

    italiana, e Mrio de Andrade, defensor de uma msica brasileira e inimigo do italianismo na

    vida musical de So Paulo.

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    A segunda pera do compositor, Linnocente, foi considerada por Mrio de

    Andrade uma obra de poucas caractersticas brasileiras. De acordo com o musiclogo,

    Mignone deveria compor msicas de carter nacionalista, destacando-se, assim, como um

    grande cone musical no Brasil. Em uma de suas crnicas, Mrio registrou sua impressoquanto pera (In KIEFER, 1983:17):

    (...) e ainda o caso de Francisco Mignone mais uma prova de que anacionalidade ficou em casa nesta temporada. Ningum preza mais esse artistaque eu. Toro por ele como toro por todos aqueles que considero de algumvalor. Mas tenho que reconhecer que a situao atual de Francisco Mignone bem dolorosa e que estamos em risco de perder, perdendo-o, um valor brasileirotil. (...) porque, em msica italiana, Francisco Mignone ser mais um, numaescola brilhante, rica, numerosa, que ele no aumenta. Aqui ele ser um valorimprescindvel. (...) O Inocente pertence Itlia. A msica brasileira fica na

    mesma, antes e depois dessa pera. E por isso que considero o caso de Mignonebem doloroso.

    Em resposta s crticas, Mignone comps a 1a Fantasia Brasileira para piano e

    orquestra. E sobre esta obra, Mrio declarou (In KIEFER, 1983:19):

    pois com tanto maior prazer que tive da fantasia a melhor das impresses. uma pea positivamente muito feliz, e porventura o que de melhor se encontra nabagagem sinfnica de Francisco Mignone. Levado pelo malabarstico, natural dognero Concerto, o compositor enriqueceu sua pea de efeitos curiosos, alguns

    deliciosssimos como por exemplo aquele em que, aps um preparo fortementertmico de tutti, se inicia um movimento vertiginosamente de maxixe, comabracadabrante distribuio da linha meldica por todos os registros do piano (...)Me parece que nessa orientao conceptiva, em que a nacionalidade no sedesvirtua pela preocupao do universal que est o lado por onde Mignonepoder nos dar obras valiosas e fecundar a sua personalidade.

    A mudana de rumo esttico fez Mignone estudar a obra de Villa-Lobos, dez

    anos mais velho e autor, na poca, de uma slida e extensa obra com caractersticas

    marcadamente brasileiras e pessoais, e de Camargo Guarnieri, dez anos mais jovem e que

    tambm era influenciado por Mrio de Andrade no nacionalismo.Sobre a amizade de Mignone com Mrio, Manuel Bandeira, grande poeta e

    amigo dos dois, em uma conferncia sobre o compositor no Teatro Municipal do Rio de

    Janeiro em 1955, declarou:

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    Todos sentimos at hoje (sentiremos at o fim da vida) a falta de Mrio. Imaginocomo no a sentir Mignone! preciso ter visto os dois conversarem, discutirem,brigarem, como eu vi no apartamento da praia do Flamengo (ah noitadas doFlamengo, em que Mignone e Tern improvisavam a dois pianos pastiches deBeethoven, Mozart, Brahms, Stravinsky), para avaliar a familiaridade fecunda que

    unia os dois amigos. Um esclarecia o outro, a cada momento. (In MARIZ,1997:25)

    Assim, Mrio de Andrade tornou-se o grande orientador esttico de Mignone e

    o responsvel por fazer do amigo um compositor integralmente nacionalista. E essa

    influncia foi to profunda, duradoura e autntica que Mignone chegou a afirmar certa vez

    que a msica que no parte de um princpio nacionalista no tem razo de ser no Brasil.

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    2.3 TONALISMO x ATONALISMO

    Francisco Mignone foi um compositor bastante ecltico, no sentido de ter

    escrito peas nos mais variados gneros e para as mais variadas formaes instrumentais.

    Aps sua primeira fase como compositor, ainda jovem, escrevendo peas de

    carter popular com o pseudnimo de Chico Boror, viveu uma fase dita italianizante,

    devido a sua estadia na Europa, por nove anos. De volta ao Brasil, deparou-se com o

    nacionalismo musical e imediatamente agregou-se a essa corrente esttica, o que no o

    impediu de passear pela chamada msica universal, de vanguarda, mais precisamente na

    dcada de 60. Por fim, retornou inteiramente msica tradicional e nacionalista.

    A produo orquestral de Mignone extensa e diversificada. Nela encontram-sepoemas sinfnicos, bals, sinfonias, concertos, sutes, oratrios, peras, e outros. A fase

    italiana da formao de Mignone est bem representada pelos poemas sinfnicos Momus e

    Festa Dionisaca.

    Mignone abordou os ritmos brasileiros pela primeira vez, desde que foi estudar

    na Europa, na Congada, pgina sinfnica do segundo ato da pera O Contratador dos

    Diamantes, que ficou clebre, e que traz um tema de lundu extrado da velha coleo

    publicada por J. B. von Spix e G. F. P. von Martius, na Alemanha, sob o ttulo de

    Brasilianische Volkslieder und Indianische Melodien. O Maxixe outra pea sinfnica

    onde, como na Congada, Mignone tambm aborda os ritmos brasileiros.

    Do encontro com o nacionalismo musical brasileiro, e com Mrio de Andrade,

    surgem as quatro Fantasias Brasileiras, para piano e orquestra. Logo aps, inicia-se uma

    fase na produo de Mignone que ficou conhecida na literatura musical brasileira como

    fase negra. Kiefer declarou que o termo empregado no sentido de uma identificao

    com os elementos negros da nossa msica (KIEFER, 1983:24). Do ciclo negro de

    Mignone destacam-se os poemas sinfnicos BatucajeBabalox, e os bailados Maracat

    de Chico Rei e Leilo. Este foi inspirado na vida e nos cantos dos negros no Brasil. J o

    maracat trata-se de um bailado afro-brasileiro, baseado no episdio da construo da

    Igreja da Senhora do Rosrio dos Pretos, em Vila Rica. considerado, por Kiefer, como a

    mais alta expresso negra de Mignone.

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    A parte mais significativa da produo orquestral de Mignone est resumida nas

    obras: O Espantalho, Sinfonia do Trabalho, Festa das Igrejas e Quadros Amaznicos,

    todas elas escritas em 1939. A primeira trata-se de impresses sinfnicas para um bailado

    inspirado por dois quadros de Cndido Portinari. A segunda um poema sinfnico que sedivide em quatro movimentos: O Canto da Mquina, O Canto da Famlia, O Canto do

    Homem Forte e O Canto do Trabalho Fecundo. A terceira, Festa das Igrejas, so

    impresses sinfnicas que trata, segundo Luiz Heitor (In MIGNONE, 1947:25), de uma

    colorida evocao de quatro templos brasileiros, com a sua atmosfera tpica de rezas,

    burburinho festivo e mstico enlevo. As quatro igrejas que motivam a obra so: So

    Francisco da Bahia, Rosrio de Ouro Preto, Outeirinho da Glria, no Rio de Janeiro, e

    Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil. Por fim, a quarta obra, osQuadros

    Amaznicos, so escritos em forma de sute e compreendem sete nmeros: Jaci, Caiara,

    Caapora, Urutau,Iara, Cobra grande, Saci.

    No gnero peas corais, Mignone escreveu quatro peras (O contratador de

    diamantes, 1922, O Inocente, 1927, O Chalaa, 1973, e Um Sargento de Milcias, 1978),

    duas operetas em trs atos (Mizu e Aleluia), dois oratrios (Pequeno oratrio de Santa

    Clara, 1962 eAlegrias de Nossa Senhora, 1948), sete missas, todas com texto em latim, e

    escritas no perodo de 1962 a 1968 (que foi um perodo de produo com tcnica serial,

    dodecafnica), um Kyrie, alm de peas para coro misto a capela.

    Mignone deixou alguns projetos inacabados no mbito operstico: O caf,

    tragdia coral de Mrio de Andrade, e Maria, a Louca, com texto de Guilherme de

    Figueiredo.

    No campo da msica de cmara, encontra-se cerca de 170 peas escritas, em

    diversas combinaes de instrumentos. Destacam-se as sonatas para flauta e piano, violino

    e piano, violoncelo e piano, dois e quatro fagotes, flauta e obo, vrios trios para

    instrumentos de sopro, Cinco cirandas para trompete e piano e umDivertimento para tuba epiano. Para formaes maiores tm-se dois quartetos e um octeto para cordas, um sexteto

    para piano e quinteto de sopros, uma sute para flauta e quarteto de cordas e outras peas

    mais.

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    O violo um instrumento bastante presente no repertrio de Mignone. Foi

    utilizado de diversas formas: como solista, em duos, trios, na orquestra de violes,

    acompanhando canes de cmera e tambm na pera. Destacam-se o Concerto para

    violo e orquestra, osDoze estudos e asDoze valsas, que muito se assemelham s Valsas

    de esquina, pois esto escritas todas em tonalidades menores, com temas romnticos e

    seresteiros.

    Suas obras para canto e piano so numerosas e esto entre as mais populares do

    repertrio brasileiro. Segundo Vasco Mariz (In MARIZ, 1997:115), aproximadamente

    30% das canes tm textos brasileiros sem preocupao nacional, 30% so nacionais, 15%

    so espanholas, 15% so francesas e 10% so italianas. Mignone musicou poemas de

    Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Mrio de Andrade, Ceclia Meireles,

    Ribeiro Couto, Mrio Quintana, dentre outros.

    As canes de Mignone podem ser distribudas, de acordo com Kiefer (1983),

    em quatro grupos:

    1. Canes do perodo inicial, simples e que no trazem a marca do

    compositor.

    2. Canes com versos em idiomas estrangeiros, tais como o espanhol, o

    francs e o italiano.

    3. Canes com auto-afirmao nacional e alto nvel de qualidade.

    4. Canes que abrangem diversas estticas e fazem uso da harmonia tonal,

    atonal, modal, alm de empregar a escala pentatnica.

    O terceiro grupo o mais numeroso e nele encontramos peas definitivas no

    imenso repertrio de canes brasileiras. Destacam-se O Improviso, Quando uma flor

    desabrocha, Cantiga de NinareDona Janana.A produo pianstica de Mignone alm de muito rica tambm muito grande,

    visto que quase um tero de todas suas composies foi dedicado ao piano. Dentre estas

    destacam-se as Nove Lendas Sertanejas, Miudinho, Cucumbizinho, Cateret, Quase

    modinha,Dana do botocudo, os Seis estudos transcendentaes, as sonatas, as Valsas-choro

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    e as doze Valsas de esquina que, segundo a declarao do prprio compositor na entrevista

    concedida ao MIS (1991), so o resultado de suas conversas com Mrio de Andrade.

    Mignone dedicou uma ateno especial aos alunos principiantes de piano,

    compondo inmeras peas infantis, onde ele aborda de maneira compreensiva os principaisproblemas tcnicos dessa fase de estudo. Dentre essas peas, destacam-se Quando eu era

    pequenino, Cano de roda, Voc no me pega!...,As Alegrias de Topo Gigio e Caixinha

    de brinquedos.

    A valsa ocupa, dentro da sua produo pianstica, um lugar muito importante

    (quase um tero de toda a produo) e est entre os seus gneros preferenciais, juntamente

    com o choro.

    Segundo Bruno Kiefer (1983), as peas para piano de Mignone podem ser

    agrupadas em trs conjuntos:

    1. Peas sem maior significao esttica;

    2. Peas reveladoras de intenes nacionalistas;

    3. Peas de envergadura esttica, sem constantes nacionais.

    Est inserida no segundo grupo, juntamente com a maior parte de toda sua obra

    para piano, a srie das 12 valsas de esquina, composta entre 1938 e 1943.

    O terceiro grupo abrange peas onde se encontram incorporados, sua prpria

    tcnica e esttica, elementos renovadores colhidos da msica que lhe foi contempornea,

    como a serial, e mais precisamente a dodecafnica. Destacam-se a 2, 3 e 4 sonata.

    Jos Eduardo Martins, renomado pianista brasileiro, afirmou que Francisco

    Mignone foi um dos compositores que melhor escreveu para piano, pois a transcendncia

    pianstica era para ele o discurso natural (In MARIZ, 1997:61). Vasco Mariz (2000) disse

    com xito que o compositor foi o msico mais completo que o Brasil j possuiu.

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    CAPTULO 3:

    VALSAS DE ESQUINA

    O piano das Valsas de Esquina est

    impregnado do clima romntico e

    apaixonado, lembrando o Brasil, no

    colorido de nossas matas e flores

    tropicais, com profundo sentimento de

    amor nossa ptria.

    Maria Josephina Mignone

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    CAPTULO 3 VALSAS DE ESQUINA

    3.1 A VALSA

    Segundo o dicionrio ZAHAR de msica, a valsa se originou na Alemanha e na

    ustria, em finais do sc. XVIII, com base no Lndler, antiga dana folclrica austraca.

    Inicialmente, no fazia parte dos sales, por ser dana de par enlaado, como est descrita

    no dicionrio Cravo Albin da Msica Popular Brasileira, e, em geral, muito movimentada.

    Somente popularizou-se nos sales de dana no sc. XIX e, ento, atraiu a ateno dos

    maiores compositores deste sculo e do comeo do sc. XX. Teve como principais

    expoentes Lanner e a famlia Strauss. Foi a forma de dana que mais exerceu influncia da

    Histria da Msica, ao lado do minueto.

    Escrita em compasso ternrio e andamento rpido, moderado ou lento, a valsa

    possui melodia fluente, com ntida acentuao no 1 tempo. Mozart, Beethoven, Schubert,

    Brahms e Chopin tambm escreveram valsas. Porm, nem sempre elas se destinavam aos

    sales de baile. As 14 Valsas para piano de Chopin so um exemplo caracterstico disto.

    No Brasil, ela chegou com a famlia real portuguesa, e aos poucos foi invadindo

    o ritmo da modinha, que era to comum no tempo do Brasil colnia, e fazendo com que elapassasse a ter tambm um ritmo ternrio. Sigismundo Neukomm, discpulo de Haydn, que

    veio para o Brasil, em 1816, para dar aulas de harmonia e composio para o futuro

    Imperador D. Pedro I e sua esposa D. Leopoldina, incluiu, em um catlogo de suas

    composies, duas anotaes que constituram as mais antigas referncias sobre a valsa no

    Brasil (ALBIN, 2002): 6.11.1816 Fantasia a grande orquestra sobre uma pequena valsa

    de Sua Alteza Real, o Prncipe Real D. Pedro. 16.11.1816 6 valsas compostas por Sua

    Alteza Real, o Prncipe D. Pedro e arranjadas para orquestra com trio.

    Embora a valsa brasileira tenha tido origem europia, ela nada tem em comum

    com o prottipo vienense. De acordo com Nicolas Sloninsky (In GERLING, 2000),

    langorosa, entremeada de notas ornamentais, apojaturas e cromatismos. Ela foi bastante

    difundida no Sul, e em outras regies, sob nomes diversos como mazurca, terol, ranchera e

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    outros. Foi aceita em todas as camadas sociais, nas diversas formas musicais de

    composio e nos diversos nveis artsticos da msica: erudito, popular e folclrico. No

    incio do sculo, era o gnero brasileiro mais avanado, ao lado do choro. Atravs dos

    conjuntos de choro, tornou-se gnero seresteiro, mas tambm brilhava nos sales emcomposies piansticas que chegariam a elevado nvel artstico com Ernesto Nazareth.

    (ZAHAR, 1985).

    Mesmo no gnero erudito, a valsa brasileira possui reminiscncias do carter

    popular e folclrico, no sentido de valorizao da cultura nacional. Nessa linhagem, o

    compositor Osvaldo Lacerda referiu-se a um processo harmnico muito comum encontrado

    nos diversos gneros do populrio brasileiro (In ALBUQUERQUE, 2005:74):

    Refiro-me modulao subdominante, muito encontradia em nossa msicaurbana de origem carioca, quando escrita no modo menor. Muitas modinhas,choros, valsas, maxixes e dobrados apresentam, com efeito, uma modulao subdominante, quase sempre seguida de uma imediata volta tnica, que meparece bem caracterstica desses gneros de msica.

    Outras duas caractersticas presentes na nossa valsa so a presena do baixo

    meldico do violo e do contraponto flautstico.

    O processo do baixo meldico violonstico no se limita ao baixo da harmonia.

    tambm utilizado, e com grande aceitao, nas vozes intermedirias e at mesmo na linhameldica principal. Sobre a importncia deste recurso composicio