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1 MÍDIAS SONORAS Coordenação: Profa. Dra. Dóris Fagundes Haussen ([email protected]) PANFLETAGEM SONORA UMA EXPERIÊNCIA RADIOFÔNICA EM CULTURA MARGINAL Ana Lúcia Ribas 1 Resumo: Este trabalho propõe ensaiar sobre a experiência do programa semanal Marginália, transmitido pela RUP 107,7 FM Rádio Universitária Paranaense, veículo de Comunicação da Fundação Candido Garcia de Umuarama e pela Alma Londrina Radio Web, do coletivo Alma de Londrina, ambas no estado do Paraná. O objetivo principal do programa é abrir espaço para artistas e assuntos deixados fora da mídia comercial. Serão apresentados o histórico, conteúdos abordados, a adaptação da proposta de Soma desenvolvida por Roberto Freire à produção desses conteúdos sonoros e os conceitos teóricos que aportam a proposta que tem como característica seu caráter panfletário. Palavras chaves: Rádio - Soma Panfletagem Agendamento - Silêncio. Introdução O programa radiofônico Marginália, produzido na cidade de Umuarama PR, tem uma hora de duração e vai ao ar todas as segundas feiras das 22h pela RUP 107,7 FM Rádio Universitária Paranaense (www.rup.org.br) e as terças feiras as 16h pela Alma Londrina Radio WEB (www.almalondrina.com.br), do coletivo Alma, com reprise aos domingos pelas duas rádios. Teve início em cinco de março de 2012, é eclético e conta com participação de artistas de diferentes estilos, desde o instrumental contemporâneo brasileiro aos rappers latinos americanos, primando sempre em apresentar músicos que utilizam seus trabalhos em prol de um discurso com forte carga ideológica ou de valorização da cultura popular. Sua proposta tem como características as ideias da Soma desenvolvidas por Roberto Freire 1. Ana Lúcia Ribas é doutoranda em História - Representações, Poderes e Práticas Culturais pela UAB - Universidade Aberta de Portugal. Mestre em Comunicação, Mídia e Cultura pela UNIMAR - Universidade de Marília/SP, especialista em Comunicação, Publicidade e Negócio e em História do Mundo Contemporâneo, Graduada em Comunicação Social, licenciada em Pedagogia e docente do curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAR Universidade Paranaense, Umuarama - PR e-mail: [email protected]

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MÍDIAS SONORAS

Coordenação: Profa. Dra. Dóris Fagundes Haussen ([email protected])

PANFLETAGEM SONORA – UMA EXPERIÊNCIA RADIOFÔNICA

EM CULTURA MARGINAL

Ana Lúcia Ribas1

Resumo: Este trabalho propõe ensaiar sobre a experiência do programa semanal

Marginália, transmitido pela RUP 107,7 FM – Rádio Universitária Paranaense, veículo de

Comunicação da Fundação Candido Garcia de Umuarama e pela Alma Londrina Radio

Web, do coletivo Alma de Londrina, ambas no estado do Paraná. O objetivo principal do

programa é abrir espaço para artistas e assuntos deixados fora da mídia comercial. Serão

apresentados o histórico, conteúdos abordados, a adaptação da proposta de Soma

desenvolvida por Roberto Freire à produção desses conteúdos sonoros e os conceitos

teóricos que aportam a proposta que tem como característica seu caráter panfletário.

Palavras chaves: Rádio - Soma – Panfletagem – Agendamento - Silêncio.

Introdução

O programa radiofônico Marginália, produzido na cidade de Umuarama – PR, tem

uma hora de duração e vai ao ar todas as segundas feiras das 22h pela RUP 107,7 FM –

Rádio Universitária Paranaense (www.rup.org.br) e as terças feiras as 16h pela Alma

Londrina Radio WEB (www.almalondrina.com.br), do coletivo Alma, com reprise aos

domingos pelas duas rádios.

Teve início em cinco de março de 2012, é eclético e conta com participação de

artistas de diferentes estilos, desde o instrumental contemporâneo brasileiro aos rappers

latinos americanos, primando sempre em apresentar músicos que utilizam seus trabalhos

em prol de um discurso com forte carga ideológica ou de valorização da cultura popular.

Sua proposta tem como características as ideias da Soma desenvolvidas por Roberto Freire

1. Ana Lúcia Ribas é doutoranda em História - Representações, Poderes e Práticas Culturais pela UAB - Universidade Aberta de Portugal. Mestre em Comunicação,

Mídia e Cultura pela UNIMAR - Universidade de Marília/SP, especialista em Comunicação, Publicidade e Negócio e em História do Mundo Contemporâneo,

Graduada em Comunicação Social, licenciada em Pedagogia e docente do curso de Publicidade e Propaganda da UNIPAR – Universidade Paranaense, Umuarama - PR

e-mail: [email protected]

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e Fausto Brito no livro Utopia e Paixão (2001), adaptadas a produção sonora e ações

integradas através de plataformas digitais.

O trabalho se constitui nas definições sobre o caráter da programação das rádios

educativas, a história e características do programa, análise das relações de poder

estabelecidas dentro dos conteúdos abordados pelas rádios comerciais, tendo como base as

hipóteses de Agenda-setting formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, da Espiral

do Silêncio, por Elisabeth Noelle-Neumann e os ensaios sobre a Cultura do Dinheiro de

Fredric Jameson.

Sobre Heróis Marginais.

A Marginália ou cultura Marginal, foi um movimento brasileiro inspirado na frase

de Helio Oiticica “Seja Marginal, Seja Herói”. Representa também o ato de fazer

anotações às margens de um livro. Edgar Allan Poe se utilizava tanto desse recurso que

assim intitulou algumas de suas reflexões. O programa tem caráter panfletário.

O panfleto é definido em termos de ato pelo qual o enunciador se engaja,

se coloca como fiador do que constata e procura influenciar o auditório.

O panfleto distingue-se pela forte presença do enunciador no discurso,

por um eu performativo. (Amossy, 2005, p.20)

Resulta da experiência de pesquisa, entrevistas e ações integradas com geração de

conteúdo nas mídias sociais com participação acumulativa, construção de redes de

colaboradores e contatos que ajudam a definir e construir tanto suas playlists quanto os

assuntos abordados, com abordagem libertária.

Desde sua primeira edição vai ao ar pelo dial e pelo site da RUP 107,7 FM –

Rádio Universitária Paranaense. Rádio educativa fundada em 2005, tem como objetivo

principal abrir espaço para produção e difusão de conteúdo cultural, social e educacional,

como rege a legislação:

É admitida, na radiodifusão educativa, apenas a transmissão de

programas educativo-culturais. Os programas de caráter recreativo,

informativo ou de divulgação desportiva poderão ser considerados

educativo-culturais se neles estiverem presentes elementos instrutivos ou

enfoques educativo-culturais identificados na sua apresentação. (LOPES,

2011, p. 08)

Funciona também como espaço de ensino-aprendizagem para os alunos da

UNIPAR – Universidade Paranaense e demais instituições de ensino da cidade de

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Umuarama e região, atuando tanto como laboratório para execução de projetos e

desenvolvimento de programas para alunos de licenciaturas e graduações, como

oferecendo oficinas para alunos do ensino fundamental e médio.

Umuarama, que possui pouco mais de cem mil habitantes, é centro comercial e

cidade metropolitana do interior do noroeste paranaense a cem quilômetros do Paraguai. A

RUP 107,7 FM tem como área de cobertura uma região com aproximadamente trezentos e

oitenta mil habitantes.

No início de 2013 o programa começou a ser veiculado também pela Alma

Londrina Rádio WEB, rádio colaborativa do coletivo AlmA de Londrina – PR.

A AlmA - Associação Intercultural de Projetos Sociais - é uma

organização não-governamental sem fins lucrativos e de utilidade

pública municipal. Tem como meta a fruição da cultura e a melhoria das

condições de vida das pessoas através de projetos desenvolvidos nas

áreas de Cultura Popular e Comunicação Popular e Comunitária, que se

materializam através de iniciativas interdisciplinares, e convergem,

sobretudo, na democratização dos processos culturais, na valorização dos

saberes populares e na formação de multiplicadores. Como missão

filosófica e do próprio trabalho realizado, a AlmA tem como princípio

concretizar ações e mobilizar desejos, desenvolvendo projetos

sócioculturais- educativos que intervenham nas condições de vida

humana e possibilitem dignidade em suas relações. A iniciativa tem

como objetivo ser conceituada e reconhecida como uma organização que

milita para o fortalecimento de uma sociedade que valorize suas

diferentes culturas e seja efetivamente participativa e democrática.

(SANTOS, 2014, p. 14 e 15)

O programa busca atuar como propagador da produção musical e cultural regional,

nacional e latino Americana subdivididos aqui para melhor compreensão em: Cultura

Popular Tradicional, Histórias da Música no Brasil, Músicos e Festivais Regionais,

Nacionais e Internacionais. Também traz a discussão assuntos evidenciado pelos

movimentos, associações, organizações não governamentais como o Mães de Maio,

Somos todos Guarani-Kaiowá, o Qué pasó en Curuguaty, Movimiento 132, Movimiento

15M, Wikileaks, e outros.

Em Cultura Popular Tradicional, abre espaço para artistas e ritmos como Folia de

Reis, toadas de Tambor de Crioula, loas de maracatu nação e maracatu rural, cirandas,

cacuriás, cocos, explicando suas origens e evidenciando suas principais características,

além de valorizar o trabalho dos mestres violeiros, rabequeiros, fandangueiros,

incentivando as descobertas sobre particularidades de nossa cultura.

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Em Histórias da Música no Brasil, conta a história de bandas, festivais e fatos

históricos, como os Festivais I Colher de Chá, organizados pelos Mutantes e Paulão

Rock’n Roll na pequena cidade de Cambé, no estado do Paraná, numa epopeia narrada por

Carlos Calado no livro A Divina Comédia dos Mutantes (1995) e a Feira Experimental de

Música de Nova Jerusalém, onde se lançaram bandas como Ave Sangria.

Regionalmente, mediante gestão de marketing digital, criou redes de

relacionamento com festivais, produtores e músicos e auxilia na divulgação de prêmios,

editais, lançamentos e noticias relacionadas a música e as temáticas desenvolvidas durante

os programas mediante gerenciamento da Fanpage no Facebook, gerando

compartilhamentos, acessos, visualizações e principalmente interatividade com seus

ouvintes e colaboradores. Ajuda também na divulgação e cobertura colaborativa de bandas

e eventos de música em toda região noroeste de Paraná.

No Brasil, já entrevistou artistas de norte a sul do país, como os pernambucanos

Maciel Salu, filho do mestre Salustiano, um dos principais mestres rabequeiros, brincante

de maracatu e cavalo marinho do país, e a banda Cabugá, música regionalista com

influência do frevo, que já foi finalista de dois WebFestValda, um dos maiores festivais de

música independente do país, outra banda já entrevistada no programa e duas vezes

finalista do mesmo festival é a Banda Elemento Principal, de Paranavaí.

De Brasília o chorinho do Duo Salimanga, formado por músicos que fazem parte

da formação da banda Móveis Coloniais de Acajú. De Minas Gerais a banda Soul do Bem.

O Rio de Janeiro foi representado pela participação de rappers como Besouro Anêmico e

Indigesto. Do Rio Grande do Sul foram entrevistados os artistas Richard Serraria, do

grupo de tambores Alabe Oni, e o milongueiro Giancarlo Borba.

O programa também já entrevistou artistas de outros países. Da cidade do Porto o

trabalho de rappers como Pulga Phill M e Duque MC, tendo realizado participação

especial no videoclipe desse último. Da Nicarágua entrevista com o músico Perrozompopo

(na tradução algo como rebelde com causa) que usa sua musica para lutar contra as

desigualdades em seu país. Do Equador o trabalho da rapper e ativista feminista Caye

Cayejera, da Colômbia as bandas Dial e Odio a Botero, do anarquista e ex-candidato a

presidência do pais René Segura, do Paraguai o projeto musical Bossambae Station, que

mescla os ritmos tradicionais paraguaios com a bossa nova brasileira.

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A Soma versus o Agendamento.

A construção dos conteúdos e a própria formatação do programa vem da proposta

de Soma idealizada por Roberto Freire, para ele Soma representa ‘a totalidade individual

da pessoa humana, significa corpo, em grego, mas nos utilizamos dessa palavra num

sentido bem mais amplo.’ (FREIRE, R. 2001, p.21)

Todos os envolvidos no programa trabalham em caráter colaborativo e voluntário,

o que acabou por criar uma rede de relacionamentos e pessoas interessadas em participar

de sua concepção e da produção dos conteúdos por necessidade humanística de

engajamento em algum projeto social.

Segundo os conceitos de solidariedade e associação dos socialistas

libertários, o trabalho coletivo tem muito mais força do que o somatório

dos trabalhos de um indivíduo, embora o número de horas-homem de

trabalho seja o mesmo. ... A menor empreitada humana carece de um

concurso de trabalhos e aptidões tão diversas que nenhum homem

sozinho poderia jamais suprir. ( FREIRE, R. 2001, p.19)

Além da equipe de produção fixa, o programa desenvolve oficinas com alunos do

ensino médio e da formação docente, sobre roteiro de rádio, criação de paisagens sonoras,

programas de gravação, edição, e vídeos documentários sobre diversos assuntos que são

disponibilizados em seu canal no youtube. Cobertura de festivais, entrevistas com artistas

em estúdios e documentários.

Sabemos que vivemos em um mundo voltado a produção e consumo de

mercadorias. A arte, durante muito tempo forma de luta contra a segregação e as relações

de poder, tornou-se mais uma mercadoria. No livro A Cultura do Dinheiro, Jameson

comenta que nesse ‘novo estágio’ em que a sociedade se encontra, voltada aos modos de

produção e consumo globalizados, o cultural já não se ‘limita às suas formas anteriores,

tradicionais ou experimentais, mas é consumido a cada momento da vida cotidiana, nas

compras, nas atividades profissionais, nas várias formas de lazer televisuais, na produção

para o mercado e no consumo desses produtos’.( 2001, p.115).

A proposta de Soma como metodologia de trabalho é fruto da consciência que

todas nossas relações sociais têm também sua dimensão política, que nos coloca

diariamente frente a relações de poder e dominação, dessa forma, ‘temos de optar: ou as

superamos e vamos ao encontro da liberdade ou as mantemos conservando o autoritarismo

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e abrindo mão da liberdade. Viver em sociedade, pois, é uma questão política.’ (FREIRE,

R. 2001, p.33)

A opção de ir ao encontro da liberdade talvez seja melhor explicada tendo como

princípio a tripla especificidade dos intelectuais abordadas por Foucault no livro A

microfísica do Poder: sua posição de classe pequeno burguesa que se põe a serviço do

capitalismo, o domínio da pesquisa as quais se submete ou revolta e, por fim, a política de

verdade nas sociedades contemporâneas.

E então que sua posição pode adquirir uma significação geral, que seu

combate local ou específico acarreta efeitos, tem implicações que não

são somente profissionais ou setoriais. Ele funciona ou luta ao nível geral

deste regime de verdade, que é tão essencial para as estruturas e para o

funcionamento de nossa sociedade. Há um combate "pela verdade" ou,

ao menos, "em torno da verdade" − entendendo−se, mais uma vez, que

por verdade não quero dizer "o conjunto das coisas verdadeiras a

descobrir ou a fazer aceitar", mas o "conjunto das regras segundo as

quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeito

específico de poder"; entendendo−se também que não se trata de um

combate "em favor" da verdade, mas em torno do estatuto da verdade e

do papel econômico−político que ela desempenha. É preciso pensar os

problemas políticos dos intelectuais não em termos de ciência/ideologia",

mas em termos de "verdade/poder". E então que a questão da

profissionalização do intelectual, da divisão entre trabalho manual e

intelectual, pode ser novamente colocada. (p.11)

Se em sua última especificidade cabe ao intelectual distinguir o verdadeiro do falso

e se colocar frente a isso, também temos que levar em conta que esse mesmo é o

pesquisador que vai se colocar contra ou a serviço do capitalismo. As rádios educativas

são um espaço, em meio aos outros veículos de comunicação, onde os interesses de

mercado devem coincidir com projetos que levam e emancipação da razão, pois seu

campo de atuação, vinculado a instituições de ensino e a universidades, tem como

característica a atuação de intelectuais que supostamente como aqueles que distinguem o

verdadeiro do falso, no combate pela verdade e em seu papel econômico e político,

distinguindo-se da atuação dos mass mídias, que atuam, de acordo com Shaw, com base na

hipótese de agendamento, um processo que pode ser ‘descrito como interativo’, mediante

a interferência da agenda da mídia na agenda pública de forma gradual, em curto ou longo

prazo. Critérios de noticiabilidade são criados com influência direta e imediata,

principalmente quando envolve questões que o público não tem uma experiência direta.

(BRUM, 2003, p.6)

em consequência da acção dos jornais, da televisão e dos outros meios de

informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça

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ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas

têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos

aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo.

Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui

uma importância que reflecte de perto a ênfase atribuída pelos mass

media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas. ( SHAW, apud

WOLF, 1999, p. 144 )

Certos discursos são excluídos mediante a interdição, se sabe ‘bem que não se tem

o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que

qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa.’ (FOUCAULT, p.09). Podemos

analisar a hipótese de agendamento com o pensamento de Freire sobre como, dentro de

uma sociedade de consumo e de estados autoritários são criados ‘mitos artísticos,

esportivos e políticos’ como uma forma ‘importante de exercer controle sobre as massas’,

para ele, essa idolatria e mitificação são alienantes, e visam ‘abolir, diminuir e anestesiar a

originalidade das pessoas, tornando-as menos críticas em relação aos processos políticos

de dominação autoritária’, ou seja:

Os meios de comunicação de massa, a TV em particular, são

programados como poderosos meios de controle social, estimulando não

só a desinformação — o que é óbvio pelos noticiários — mas também

produzindo alienação através do falso real, como o das novelas, por

exemplo. (FREIRE, R. 2001, p.50)

Dessa forma, o caráter panfletário do programa encontra-se com o pensamento de

vários autores que apontam para a desinformação atual proposta pela mídia e como seu

agendamento influencia os assuntos da agenda social, a transformação das artes em bens

de consumo de caráter efêmero, e a importância do papel do intelectual em torno da

verdade, entendendo a Soma como metodologia de trabalho onde, mediante o

envolvimento todos colaboradores, busca-se abordar e abrir espaço para discussões

importantes que estão de fora dos interesses da mídia comercial.

Considerações Finais

Mediante sua atuação panfletária na análise e apresentação dos conteúdos

abordados, o cientista social (intelectual), apresenta suas observações em torno da verdade

tendo consciência que as convicções, na ciência, devem ‘rebaixar-se à modéstia’ de serem

hipóteses ‘de um ponto de vista experimental e provisório’, para assim poder ser

concedida sua entrada ‘e até mesmo um certo valor no reino do conhecimento’.

(NIETZSCHE, 2001, P.234-235).

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Mediante pesquisa, discurso, músicos entrevistados e assuntos abordados, o

programa Marginália traça narrativas sobre temas sociais mantidos de fora dos veículos

comerciais e sobre diferentes realidades culturais. Em um tempo onde a ‘economia acabou

por coincidir com a cultura’, e esta se torna econômica, ‘orientada para a produção de

mercadorias’, (2001, p.73) é preciso o posicionamento do intelectual (principalmente

daqueles que atuam frente aos veículos de comunicação com caráter cultural e educativo)

pela manifestação em torno da vontade, abordada por Foucault, reforçada por Freire, em

uma dimensão que não apenas não coincida com a agendada, mas a contraponha, que a

argumente, e não apenas o posicionamento servil voltado a alienação e consumo, na ânsia

de um processo emancipatório pois, como aborda Freire,

a liberdade, como processo, não é um mito. Sonhamos com a liberdade

individual e coletiva como coisa real, concreta e realizável. Começamos

a ser livres nesses sonhos. Porque sem a esperança de poder ser livre,

sem já se ter sentido o gosto da liberdade e lutado pelo direito de ser

livre, nenhum outro bem, como o amor, a justiça, a beleza e a paz, nos

parece viável. (2001, p.17)

Ainda segundo ele, a opção de se apaixonar pela causa é o melhor motivo para que

propostas, projetos e abordagens como essa continuem a existir. ‘O que nos move é a

emoção gratificante e a vontade incoercível de comungar descobertas que nos fazem sentir

mais livres’(2001, p.26), mesmo que essa liberdade seja provisória, restrita ao momento

criativo de uma obra literária, ou de um programa de rádio.

Bibliografia

AMOSSY, R. Imagem de si no discurso. São Paulo: Contexto, 2005.

ANGENOT, Marc. La Parole pamphlétaire: Typologie des discours modernes. 1ª ed.

Paris: Payot, 1982. 448p.

BAUMAN, Zygmunt. Ensaios Sobre o Conceito de Cultura. 1ª ed. Rio de Janeiro:

Zahar, 2012. 325.p

BRUM, Juliana De. A Hipótese do Agenda Setting: Estudos e Perspectivas. Revista

Razón Y Palabra, Monterrey, n. 35, out-nov. 2003. Disponível em

http://www.cem.itesm.mx/dacs/publicaciones/logos/anteriores/n35/jbrum.html

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 5ª ed. São Paulo: Loyola, 1999. 79p.

_________________. A microfísica do Poder. Disponível em:

FOUCAULT_M_Microf_237_sica_do_Poder.pdf Acesso em: 10 de novembro de 2015.

FREIRE, Roberto. Utopia e paixão – A politica do cotidiano. 13ª ed. São Paulo:

Trigrama Editora e Produções Culturais, 2001. p.106

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JAMESON, Fredric. A Cultura do Dinheiro: Ensaio sobre a globalização. 2ª ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2001. 207p.

LYPOVETSKY, Gilles. Os Tempos Hipermodernos. 1ª ed. São Paulo: Barcarola, 2004.

129p.

LOPES, Cristiano. Regulação da Rádio Difusão Educativa. Brasília: Consultoria

Legislativa, 2011. 16p.

MAINGUENEAU, D. Novas tendências em Análise do Discurso. Trad. FredaIndursky.

2ª ed. Campinas: Pontes, 1993. 198p.

NIETZCHE, Friedrich. Para a Genealogia da Moral. 1ª ed. São Paulo: Scipione, 2001.

71p.

__________________. Gaia Ciência, 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.362

p.

PROUDHON, Joseph. A Propriedade é um Roubo: e outros escritos anarquistas. 1ª ed.

Porto Alegre: L&PM, 2011. 144p.

SANTOS, Carolyna. Londrina tem Alma: O olhar pelo documentário sobre a Alma

Londrina Radio Web. Londrina: Unopar, 2014. 27 p.

WOLF, Mauro, Teorias da Comunicação, Lisboa, Presença, 1995.

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O áudio, o vídeo e o texto na radiofonia da internet

para a inclusão digital2

Luciano Klöckner

(Doutor, FAMECOS/PUCRS, [email protected]) 3

RESUMO: quatro projetos realizados por docentes e discentes da Faculdade de Comunicação

Social (Famecos) da PUCRS, vêm experimentando a combinação de texto, imagem e som. São

eles: RadioFam, emissora pioneira no País na categoria de internet only que desde 1997 transmite

programação ao vivo e on demand por intermédio de portal específico; o Vozes do Rádio, site que

armazena entrevistas com personalidades da radiofonia gaúcha e nacional; os Audiolivros,

destinados de modo preferencial aos deficientes visuais, além de o Rádio 3.0, planejado em

linguagem especial para deficientes auditivos.

PALAVRAS-CHAVE: mídia audiovisual; radiofam; audiolivros; vozes do rádio

A união do áudio, texto e imagem em sites e portais na internet tornaram a divisão

concreta dos meios (jornal, rádio, cinema, televisão) numa incógnita. O rádio com imagem

ainda pode ser denominado de rádio? A pergunta certamente se aplicaria aos outros meios,

pois a internet proporciona um cruzamento infinito de possibilidades. Entretanto, este

artigo não pretende discutir a questão, mas apresentar alguns projetos desenvolvidos com a

associação de linguagens específicas, utilizando-se de um portal para concentrar essas

iniciativas.

O rádio ainda é considerado um meio de comunicação de fácil acesso, dividindo as

atenções com aplicativos que buscam desempenhar as mesmas finalidades e com

audiência expressiva4. Suas principais características são: a divulgação de informações

2 Texto apresentado no GT de Mídias Sonoras do 13º Seminário Internacional de Comunicação da

FAMECOS/PUCRS em 17 de novembro de 2015. 3 As iniciativas relatadas contaram com a supervisão de vários professores da PUCRS, entre eles, André

Fagundes Pase, Andréia Mallmann, Cláudio Mércio, Doris Fagundes Haussen, Eduardo Pellanda, Fabio

Canatta, Filipe Gamba, Geórgia Santos, João Brito de Almeida, Mágda Rodrigues da Cunha, Militão Maya

Ricardo, Sérgio Stosch, Silvana Sandini e Tércio Saccol (Faculdade de Comunicação Social - FAMECOS),

Rosane da Conceição Vargas (Faculdade de Educação – FACED), Janaína Cláudio (Faculdade de Letras –

FALE) e Luciano Aronne de Abreu (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Departamento de

História). Também tiveram o apoio dos monitores de Radiojornalismo Julian Rodrigues Goularte e Jaqueline

Trindade, e das estudantes do Núcleo de Comunicação e Memória Institucional da Famecos, Mariani

Rodrigues dos Santos, Milena Nyland e Victória Amaro Cruz. 4 89% da população brasileira ouve rádio. É o que revela pesquisa do IBOPE Media - janeiro e março de

2015, realizada em 13 principais regiões metropolitanas do país, atingindo quase 52 milhões de brasileiros.

A análise mostra que o pico de audiência do rádio ocorre entre 10h e 11h e alcança 64% das pessoas nestas

praças (ou 37 milhões de pessoas). O levantamento abrangeu as áreas de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo

Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Salvador, Fortaleza, Florianópolis, Goiânia, Campinas e Vitória. Por

meio do Target Group Index, outro estudo do Ibope Media apontou o que as pessoas escutam no rádio: 70%

consomem qualquer estilo de programação não musical. Os noticiários locais (50%), nacionais (40%) e de

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simplificadas, a rapidez e o imediatismo da notícia, e a praticidade, por permitir o

consumo de informações em qualquer local e a qualquer hora. A internet tem proposta

semelhante e hoje está popularizada como meio de comunicação, com a capacidade de

transmissão de informação de maior alcance, unindo linguagens: texto, som e imagem,

com acesso tão rápido como no rádio seja no computador, no tablet, no smartphone ou no

telefone celular.

A internet como meio de comunicação teve uma evolução que provocou mudanças

profundas na mídia em geral. A partir dos anos 80, a informática começa a fundir-se com

as telecomunicações, fomentando a digitalização na produção e na gravação de músicas,

das memórias digitais e dos microprocessadores, iniciando as interfaces gráficas, entre

outros processos. O grande avanço tecnológico entre as décadas de 80 e 90 eram um

prelúdio da transformação sociocultural que estava por vir. Para Lemos (citado por Silva

Júnior, 2000, p.134), a internet não é uma mídia clássica, massiva como a televisão, o

rádio ou o jornal, no sentido de um para todos. “Utilizamos, quando conectados à Rede,

diversas mídias: conversamos num chat, navegamos na Web, ouvimos rádio ou assistimos

TV...”. De acordo com Lemos, a Rede é vista como uma Incubadora Midiática, sendo

“mais uma gestora de mídias, uma incubadora de instrumentos de comunicação”.

Ou, no entendimento de Santaella (2015, p. 10), desde o século XIX, a partir da

industrialização, encontramo-nos num período inflacionário de produção de linguagens

que

“desde a invenção da fotografia, foram amplificando grandemente o poder

humano para produzir, manipular, conservar, distribuir, expor, transmitir, fazer

circular socialmente novas formas de linguagem de que o mundo foi

ininterruptamente se povoando: jornais, fotos, filmes, sons, músicas, vozes,

TVs, vídeos, hipertextos, multimídias, hipermídias. Em todas essas linguagens, a

imagem e o som se fazem presentes, inclusive hoje nas web-rádios, minando a

hegemonia secular da linguagem escrita como meio privilegiado de produção e

transmissão de cultura”.

O surgimento do hipertexto, das mensagens interativas, e da disseminação do

computador pessoal fez com que o número de pessoas conectadas crescesse de maneira

exponencial (LÉVY, 1994). A tecnologia incentivou o surgimento de emissoras

comerciais de telecomunicações na rede. Em setembro de 1995 a rádio Klif, no Texas,

Estados Unidos realiza a primeira transmissão ao vivo via internet. A partir disso, outras

trânsito (35%). Os programas religiosos (17%) e esportivos ao vivo (14%) estão entre os gêneros preferidos.

Também, segundo a pesquisa, 91% afirmaram ouvir música quando sintonizam uma rádio. Os gêneros

sertanejo (47%), sucesso e as mais pedidas - nacional (37%), MPB (33%) e samba/pagode (32%) são os

mais ouvidos.

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se perpetuaram. No Brasil, em 1997, começa a transmitir a RadioFam (Famecos/PUCRS),

no Rio Grande do Sul, e, em 1998, a rádio Totem, de São Paulo. É o início de

programações diferenciadas, “trabalhando com a exclusividade proporcionada pela

internet e buscando uma linguagem específica para a rede” (BUFARAH JÚNIOR, 2003).

Esta linguagem se traduz pelo hipertexto, termo que remete a um texto, ao qual

engloba uma vasta gama de conjuntos de informativos, por meio de palavras, imagens,

sons, textos, no meio digital, intitulado de hiperlinks. Links esses, que estão dentro de um

grande escopo (matérias dentro de outras matérias que se complementam, se interligam),

um aprofundamento textual, visual, com o intuito de fornecer uma participação mais ativa

pela parte do leitor/cliente/usuário, que pode interagir e construir a leitura conforme o seu

interesse. A rede hipertextual está em constante construção e renegociação. Ela pode

permanecer estável durante um certo tempo, mas esta estabilidade é, em si mesma, fruto

de um trabalho. Sua extensão, sua composição e seu desenho estão permanentemente em

jogo para os atores envolvidos, sejam eles humanos, palavras, imagens, traços de imagens

ou de contexto, objetos técnicos, componentes destes objetos, etc. (LÉVY, 1994).

Lévy faz uma distinção entre o contexto e o texto. “O contexto designa a

configuração de ativação de uma grande rede semântica em um dado momento”, enquanto

“o objetivo de todo o texto é o de provocar em seu leitor um certo estado de excitação da

grande rede heterogênea de sua memória”. Além disso, para Lévy, o texto orienta “sua

atenção para uma certa zona de seu mundo interior, ou ainda dispara a projeção de um

espetáculo multimídia na tela de sua imaginação”. (LÉVY, 1994, p. 24).

Imaginação que é característica do meio sonoro e se encaixa nos seis princípios do

hipertexto citados por Lévy (1994, p. 25). O primeiro deles é o Princípio da Metamorfose,

“pois a rede hipertextual está em constante construção e renegociação”, como é possível

observar nos desdobramentos efetivados até hoje. O segundo é o Princípio da

Heterogeneidade, unindo imagens, sons, palavras, sensações, modelos, além de conexões

lógicas e afetivas. As mensagens, a partir deste princípio, são multimídias, multimodais,

analógicas e digitais, como é possível constatar nos projetos desenvolvidos na Famecos. O

mesmo ocorre quanto ao Princípio de Multiplicidade e de Encaixe de Escalas, pois o

hipertexto se organiza de um modo fractal, conforme Lévy (1994, p. 25-26), pois

“qualquer nó ou conexão, quando analisado, pode revelar-se como sendo composto por

toda uma rede (...) indefinidamente”. Uma informação acessada pode levar a várias outras.

O Princípio da Exterioridade de Lévy especifica que “a rede não possui unidade

orgânica, tem motor interno”. Ela se compõe e se recompõe permanentemente com a

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adição de novos elementos e conexões com outras redes. Em relação ao quinto princípio, o

Princípio da Topologia, o autor afirma que “nos hipertextos, tudo funciona por

proximidade, por vizinhança” e que “tudo que se desloca deve se utilizar da rede

hipertextual”. Para ele, “a rede não está no espaço, ela é o espaço”. Por fim, o Princípio de

Mobilidade dos Centros, isto é, “a rede não tem centro”, ou melhor, “possui diversos

centros”, que desenham e redesenham outras paisagens e outros sentidos.

Para Lévy (1994, p. 33), as terminologias multimídia interativa, hipermídia ou

hipertexto não fazem diferença, embora ele prefira sempre a palavra hipertexto. Segundo

ele, o termo “não exclui de forma alguma a dimensão audiovisual”, pois “ao entrar em um

espaço interativo e reticular de manipulação, de associação de leitura, a imagem e o som

adquirem um estatuto de quase-textos”.

Assim, partindo desses princípios, professores, pesquisadores e alunos da

Faculdade de Comunicação Social (Famecos) da PUCRS passaram a desenvolver projetos

com a finalidade de aplicar na prática os preceitos teóricos de Lévy e outros autores. Uma

das primeiras ideias envolveu os professores de Rádio, com a criação da RadioFam.

RadioFam

A emissora começou a transmitir em 1997, seguindo uma programação musical

pré-determinada. Na época, havia um único servidor de áudio e software específicos para

músicas. A partir desta possibilidade, surgiu um projeto para unir as características de

rádio e internet. Os primeiros programas ao vivo começaram a ser realizados em conjunto

com o Sistema de Áudio de Famecos (rádio-poste ou rádio por alto-falante). Este sistema

era composto por quatro caixas de som instaladas no saguão da faculdade com programas

especiais produzidos por alunos. A primeira cobertura externa ocorreu em 2000, durante a

realização do 13° SET Universitário – Festival de Laboratórios da Famecos. O

experimento manteve no ar, uma programação de 10 horas de cobertura com informações,

músicas e entrevistas, com apoio de patrocinadores na distribuição brindes (revistas,

camisetas, ingressos para shows).

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Foi a primeira de uma série de externas com transmissão de eventos da

universidade e jogos de futebol, inclusive com o deslocamento de estudantes para os

estádios do Grêmio Futebol Portoalegrense e Sport Club Internacional. Neste particular, as

equipes de esportes formadas pela RadioFam passaram a coletar as informações em

primeira mão em detrimento de apenas ler o que já estava publicado no jornal ou era

veiculado pelas emissoras de rádio e de televisão.

A estrutura da rádio utilizava o estúdio, localizado no prédio da Famecos, e

conectava o servidor de áudio, ligado inicialmente à UniTv. Até 2010, a programação era

dividida em tempo real e arquivos. Na primeira modalidade, a rádio transmitia 24 horas no

ar, de segunda a sexta com produção ao vivo dos alunos, das 7h às 22h (ALMEIDA e

KLÖCKNER, 2007). A rádio tinha uma grade de programas como o Café da Manhã, das

7h às 8h, Hora do Recreio (nos intervalos das aulas), Congestão, entre outros.

Ao longo dos anos, a RadioFam, além da transmissão on-line, transformou-se num

site de informações do rádio, com notícias, cronogramas de aulas, programas produzidos

pelos alunos, séries especiais, além de englobar outros itens da área radiofônica. O novo

formato permite que a RadioFam disponha de uma programação fixa, de conteúdo escrito,

de conteúdo de vídeo, além de um acervo radiofônico com trabalhos desenvolvidos pelos

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alunos. Dentre os acervos e os programas disponíveis na RadioFam estão Reportagens

Especiais, Documentários, Crônicas, Entrevistas, Radiojornais, Radiorrevistas e

Adaptações Literárias. A produção, idealização e realização dos programas é de

responsabilidade dos estudantes, como supervisão dos professores e técnicos da área.

O portal é composto de conteúdo gerado pelos alunos de forma direta ou indireta. Nos

links disponíveis, é possível encontrar: Acervo Radiofônico, Cronogramas, Linha do

tempo do rádio no Brasil, História da RadioFam, Notícias, Programas Premiados, Rádio

3.0, Projeto Vozes do Rádio e o Especial Série Autores Gaúchos, podcasts, além do

contato pelas redes sociais. Os arquivos sonoros são digitalizados, armazenados e

catalogados por monitores, e coordenadores das disciplinas de Radiojornalismo.

Vozes do Rádio

No portal da RadioFam consta também o link para o site Vozes do Rádio, que é um

projeto idealizado também em 1997 pelos professores da faculdade. O objetivo foi o de

realizar um resgate da história radiofônica gaúcha através da coleta de depoimentos dos

radiodifusores (radioatores, apresentadores, empresários, pesquisadores, etc.). O Vozes é

composto por uma abertura geral, fotos e vídeos dos entrevistados, contando a história

pessoal, dos veículos e, em consequência, do próprio rádio gaúcho. Até o momento da

submissão deste artigo, exatos 235 personagens constam do site.

Além da entrevista com personalidades, são realizados projetos experimentais

sobre fatos históricos. Entre eles, destacam-se:

- Guerra dos Mundos (http://eusoufamecos.uni5.net/vozesdoradio/vozes/fatos/a-guerra-

dos-mundos/).

- Primeira Rede da Legalidade, com depoimentos de Leonel Brizola

(http://eusoufamecos.uni5.net/vozesdoradio/vozes/fatos/a-rede-da-legalidade/).

- Copa de 1950 em Porto Alegre, com imagens, textos e fotos sobre a cobertura da

imprensa gaúcha (http://eusoufamecos.uni5.net/vozesdoradio/vozes/especiais/copa-do-

mundo-de-1950-em-porto-alegre/).

- Padre Roberto Landell de Moura, um dos pioneiros na radiofonia mundial.

(http://eusoufamecos.uni5.net/vozesdoradio/vozes/especiais/padre-landell-de-moura/).

- 90 anos do Rádio no Rio Grande do Sul em nove histórias (1924-2014), com veiculação

em 173 emissoras, de 147 municípios do Rio Grande do Sul. Em média 4,8 milhões

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ouviram os programas (http://projetos.eusoufamecos.net/radiofam/projeto-90-anos-do-

radio-no-rio-grande-do-sul-em-nove-historias/).

Por intermédio deste projeto foram complementados, refeitos ou mesmo surgiram

novos fatos históricos, entre eles: recuperação de dados sobre a Rádio Educadora da

PUCRS, apelidada de Rádio Setembrina, cujas transmissões ocorreram nos anos de 1960

a partir de Viamão/RS e a Segunda Cadeia Radiofônica da Legalidade, realizada em

1964, mas que não foi adiante devido à renúncia do presidente João Goulart, fato que até

então pouco ou nada constava em livros de Rádio ou de História.

Audiolivros

Ainda está abrigado no portal da RadioFam, o projeto dos Audiolivros, que surgiu

na turma de Radiojornalismo III da faculdade. Até o momento, os alunos e professores da

Famecos produziram cinco edições. A ideia surgiu em 2010, a partir do espírito de

inclusão dos deficientes visuais, assunto discutido em aula. No mesmo ano, em parceria

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com a Editora da PUCRS (Edipucrs), foi elaborado o primeiro audiolivro da universidade:

Crônicas de Rádio: um relato falado do cotidiano, disponível no site da editora

(http://www.pucrs.br/edipucrs/cronicas), no qual alunos da disciplina de Radiojornalismo

III escreveram e narraram 41 crônicas, destinadas ao público em geral, mas especialmente

dedicadas aos deficientes visuais. Em relação ao material radiofônico padrão, as

audiocrônicas são mais ricas em efeitos sonoros. Tal característica facilita a imaginação do

deficiente visual na hora de compor a cena em sua mente, conferindo características

detalhadas da audiodescrição, conforme admitiu Mônica Fossati, deficiente visual, que

prefaciou a obra.

Outros quatro audiolivros foram produzidos pelos estudantes da Famecos/PUCRS:

em 2012, Ondas humanas no rádio: a geração das novas interações sociais

(http://projetos.eusoufamecos.net/radiofam/apresentacao/) contou com 77 crônicas; em

2013, Vejo Vozes: o olhar sonoro dos jovens sobre o Brasil de hoje (disponível somente

em dvd), abordando temáticas como o futebol, a vida e cultura, com participação da 59ª

edição da Feira do Livro de Porto Alegre; em 2014, Além do Poder das Palavras,

Percepções sobre o Mundo no Século XXI, contou com 56 crônicas

http://projetos.eusoufamecos.net/radiofam/alem-do-poder-das-palavras-percepcoes-sobre-

o-mundo-no-seculo-xxi/) e, em 2015, Diário dos Jovens: Experiência de Vida no Mundo

Pós-Internet (http://projetos.eusoufamecos.net/radiofam/diario-dos-jovens-experiencias-

de-vida-no-mundo-pos-internet/) com mais de 40 crônicas.

Terceiro audiolivro da série, Vejo Vozes, com prefácio da

escritora Claudia Tajes.

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No Brasil, a modalidade de audiolivro é relativamente recente, embora no

mundo a iniciativa tenha surgido pouco depois da Primeira Guerra Mundial para

entreter os soldados que haviam perdido a visão nas batalhas. Este recurso de

educação inclusiva começou em 2008 a ser utilizado pela Faculdade 7 de

Setembro, de Fortaleza/CE. Para a organizadora do projeto, professora Ana Paulo

Rabelo e Silva, crianças, jovens e adultos com deficiências visuais ou com baixa

visão, e mesmo pessoas de segmentos socialmente desfavorecidos, “estão

acessando a clássicos da literatura brasileira e regional, além de textos jornalísticos

consagrados” através de audiolivors e conclama as outras faculdades do país a

desenvolver trabalhos semelhantes (2010, p. 20).

Rádio com imagem

Segundo dados do censo demográfico do IBGE realizado em 2010, há 45 milhões e

606 mil e 48 brasileiros com algum tipo de deficiência (motora, física, auditiva, visual5 e

mental), sendo 35 milhões 774 mil e 392 com problemas visuais e 9 milhões 717 mil e 318

com deficiência auditiva6. Quase a totalidade deles tem dificuldades em acompanhar as

informações divulgadas pela mídia, embora, em relação ao deficiente auditivo, existam

várias leis7, garantindo apoio na comunidade escolar (Capítulo IV, parágrafo 1º, inciso V)

e disponibilização, entre outros itens, de equipamentos que oportunizem o trabalho com as

novas tecnologias de informação e comunicação (Capítulo IV, parágrafo 1º, inciso VIII).

Em relação ao acesso igualitário dos deficientes à informação e à comunicação, um

dos escopos deste projeto, o Decreto nº 5.296, já citado, dispõe explicitamente sobre o

tema, tornando obrigatória, no artigo 47, a acessibilidade nos portais e sítios eletrônicos da

administração pública pelos portadores de deficiência visual. Também tenciona

regulamentar o acesso a bulas de remédio, dispositivos sonoros para telefones celulares e

5 O Decreto nº 5.296 de 02/12/2004 e publicado no D.O.U., em 03/12/2004, capítulo II, art. 5º, expressa a

seguinte categorização: “b) deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis

(dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000 Hz”; e “c)

deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a

melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a

melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for

igual ou menor que 60 o; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.” 6 IBGE – Censo Demográfico de 2010. 7 Decreto nº 5.626, de 22/12/2005, que regulamenta a Lei nº 10.436, de 24/04/2002, que dispõe sobe a

Língua Brasileira de Sinais – Libras, e o art. 18 da Lei nº 10,098, de 19/12/2000.

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fixos, manuais de instrução de produtos eletroeletrônicos, além dos meios de comunicação

de massa. Do mesmo modo, nos artigos 52 e 53, o decreto incentiva a oferta de aparelhos

de televisão com recursos que garantam aos deficientes auditivos e visuais o direito pleno

à informação, referindo o uso de legenda oculta (Closed Caption), programa secundário de

áudio (SAP), entradas para fones de ouvido com ou sem fio, janela com intérprete de

Libras e a descrição e narração em voz de cenas e imagens.

Desta forma, o Rádio 3.0 na internet: sons, imagens e textos como recursos

essenciais para a inclusão digital, tratou da convergência da imagem (vídeo), do áudio e do

texto escrito. A ideia partiu do desenvolvimento de conteúdos radiofônicos adaptados à

Web para promover a inclusão digital de pessoas com deficiência auditiva e foi realizado

pela Faculdade de Comunicação Social (FAMECOS) em conjunto com a Faculdade da

Educação (FACED). O projeto foi finalista do Prêmio Educação RS em 2012, premiação

instituída no ano de 1998 pelo Sinpro/RS para condecorar profissionais, instituições e

projetos voltados ao ensino de qualidade com a construção da cidadania.

Entre os trabalhos experimentais realizados e acessíveis pelo link

http://projetos.eusoufamecos.net/radiofam/category/radioinclusiva/ estão: Histórias

adaptadas como o Brique da Redenção (feira de raridades e artesanatos realizada no

Parque Farroupilha), Infância Perdida (Exploração de crianças por familiares), Boneco

Inflável (O Tatu Bola- mascote da Copa do Mundo), e a notícia comentada da Dupla Gre-

Nal no Campeonato Brasileiro de 2012.

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Assim alunos, professores e pesquisadores da Faculdade de Comunicação Social

(FAMECOS), da PUCRS, desde 1997, vêm testando as possibilidades do rádio na internet.

Ao longo dos anos, a RadioFam passou por seguidas reestilizações e hoje é também um

portal. Além de disponibilizar os materiais em áudio produzido por alunos nas disciplinas,

as programações ao vivo buscam diferentes níveis de interação com a audiência,

alcançando cerca de 800 acessos semanais, e abrindo cada vez mais caminhos para a

inclusão digital.

Referências

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universidade: o caso RadioFam. In: XXX Congresso Brasileiro de Ciências da

Comunicação. Santos: Intercom, 2007.

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XXVI Congresso Anual em Ciência da Comunicação. Belo Horizonte: Intercom, 2003.

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ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_

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O teatro visita a Rádio Nacional do Rio de Janeiro nas escadarias do Palácio

Tiradentes

Izani Mustafá

Doutora em Comunicação Social (PUCRS)

UERJ

E-mail: [email protected]

RESUMO

A Rádio Nacional do Rio de Janeiro completa 80 anos de existência em 2016. Para marcar

a data da emissora que se tornou referência para todo o Brasil no período de ouro, o

projeto Porto de Memórias 2015 – Rio 450 anos apresentou o espetáculo O Porto nas

Ondas do Rádio, relembrando diversos momentos da Nacional, nas escadarias do Palácio

Tirandentes, atual sede da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Durante duas noites,

o elenco formado por 32 atores e quatro músicos avivou a memória do público, destacando

vários programas, como César de Alencar e Desfile de Calouros, com Ary Barroso; os

cantores do rádio, como Emilinha Borba, Marlene e Francisco Alves; as radionovelas; o

humor; e O Repórter Esso. Para este artigo, vamos utilizar a duas metodologias: a revisão

bibliográfica e o estudo de caso para cruzar dados históricos de 1936 e que estão retratados

no teatro em 2015. O objetivo é verificar e compreender como o teatro pode ser um

importante instrumento para reconstituir a história do rádio e despertar a memória de

pessoas que viveram e/ou conheceram a Nacional do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Rádio; Nacional do Rio de Janeiro; Teatro; Espetáculo; Memória

A noite em que a história e o teatro se cruzaram

Este artigo é resultado de uma vivência. De um estudo de caso, de um espetáculo

teatral, delimitado entre 1936 e 1959, que reconstituiu a história da Rádio Nacional do Rio

de Janeiro, uma importante referência radiofônica do Brasil. Para isso, a autora

acompanhou a encenação de uma peça, encenada ao ar livre, no centro do Rio de Janeiro,

à noite. Uma experiência compartilhada com muitas outras pessoas. Naquelas horas, a

memória da pesquisadora “pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos

fatos coletivos8”. A memória individual contribuiu para que a memória coletiva se

formasse e fosse a mesma a respeito de uma das principais emissoras do Brasil. Neste

caso,o teatro, representado de uma maneira afetiva, provocou no público emoções e

despertou lembranças agradáveis e, ao mesmo tempo, nostálgicas. Mesmo quem

8 THOMPSON, Paul. A voz do passado – história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p. 17

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desconhecesse a história da Nacional pode compreender o seu passado e a sua importância

dentro do cenário social, político e econômico que o país estava vivendo no século 20.

Após acompanhar a encenação, a autora obteve o roteiro da peça com o diretor

artístico do projeto e autor e diretor, Alexei Waichenberg. O objetivo foi cruzar a história,

escrita a partir de documentos e fontes orais, sobre uma das principais estações de rádio

daquela época, com a história narrada e interpretada de acordo com o script.

Para Waichenberg, a peça montada restaurou “um importante capítulo de formação

da sociedade brasileira9”. O coordenador da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Marcos

Gomes, destacou que é “oportuno dizer o nosso muito obrigado por tudo o que fizeram em

benefício da cultura brasileira. E aos que ainda hoje labutam na Rádio Nacional do Rio de

Janeiro, o sentimento de que ainda temos muito por fazer10”. Uma referência perspicaz já

que a emissora vive momentos difíceis em termos de infraestrutura e de falta de recursos

financeiros para se modernizar e valorizar seus profissionais.

Atores reconstituem histórias do período de ouro da Rádio Nacional

Rio de Janeiro, 15 de agosto de 2015, sábado de inverno. Mas, por volta das 18

horas, a temperatura estava em torno de 25 graus, no Palácio Tiradentes, atual sede da

Assembleia Legislativa, no centro da cidade. Nas escadarias, um cenário colorido e

luxuoso estava preparado para um grande espetáculo musical que reconstituiu diversas

histórias do período de ouro da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Dezenas de pessoas,

muitas da terceira idade, já estavam sentadas em cadeiras brancas, de plástico, e muitas

outras dezenas estavam ao redor, em pé ou acomodadas na calçada, aguardando a abertura

das cortinas e o ínicio do show radiofônico. Todos estavam prontos para reviver ou

relembrar, porque viveram nas décadas de 1940 e 1950, ou porque ouviram falar ou leram

a respeito da emissora que se tornou referência naquela época para o Brasil e para o

mundo.

Durante um pouco mais de duas horas, os espectadores aplaudiram, suspiraram,

riram, ficaram com os olhos marejados e, em vários momentos, cantaram trechos de

algumas canções interpretadas na peça O Porto nas ondas do rádio, um projeto Porto de

memórias 2015 — Rio 450 anos, patrocinado pela Secretaria de Cultura do Estado do Rio

de Janeiro, via Lei Estadual de Incentivo à Cultura, e pela Light. A peça, criada para

homenagear os grandes artistas e apresentadores da estação, foi encenada por 32

9 Rio de Janeiro 450 anos de Histórias. In: Porto de Memórias – Rio, 450 Anos. Ano II. Rio de Janeiro,

agosto de 2015. Espetáculo IV. p. 9 10 Idem. p. 6

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atores/cantores. Naquele final de tarde e início da noite, esses artistas foram os

responsáveis por remexeram com a memória daquelas pessoas que fizeram questão de

prestigiar a apresentação gratuita.

A maioria reconstruiu um passado com o auxílio do teatro que serviu de

instrumento para apresentar informações históricas, culturais e sociais. As lembranças

foram revividas, a exemplo do que diz Halbwachs11, porque, neste caso, o espetáculo era o

principal contributo do presente. Além disso, as recordações vieram à tona a partir de uma

convivência, naquele momento, reunidas num espaço aberto, boa parte, de maneira

coletiva, já que todos ali estavam juntos pelo mesmo motivo. De uma certa maneira,

aqueles indivíduos que estavam na frente das escadarias do Palácio Tiradentes, estavam

reconhecendo um passado que existiu, e que “teve lugar e uma data, exatamente da mesma

maneira que o que existe, que este acontecimento que hoje tenho debaixo dos olhos12”.

Tinham consciência de que mesmo nunca tendo ouvido a emissora naquela época, sabiam

da sua existência e da sua importância social.

Naquela noite, a memória do público foi reavivada por meio da oralidade presente

na fala e na atuação dos artistas que seguiram à risca um roteiro embasado na história da

emissora. A exemplo do que destaca Halbwachs, a transmissão oral da memória aconteceu

a partir da voz dos atores para a platéia. Neste caso, a evidência oral, estudada por

Thompson13, transformou os objetos de estudo em sujeitos. O que significa dizer que o

espetáculo estava contribuindo também para a construção da história do rádio, de uma

maneira lúdica, e suscitando emoções e diferentes sentimentos. Para produzir O Porto nas

Ondas do Rádio, a equipe, desde o diretor, cenógrafos, produtores, figurinistas até atores,

se debruçou na história investigada a partir de fontes documentais e orais fidedignas,

evidências que dificilmente serão contestadas porque estão registradas de forma escrita.

Ao encenar um período de uma emissora que vai completar 80 anos em 2016, o

grupo teatral deu um valor histórico ao seu passado e aos dos locutores, atores e cantores

porque proporcionou ao público uma “informação significativa e, por vezes, única sobre o

passado14”. Além disso, transmitiu a “consciência individual e coletiva que é parte

integrante desse mesmo passado15”. O teatro como dispositivo para reconstituir a história

da Nacional do Rio de Janeiro mexeu com a memória das pessoas que viveram ou apenas

11 HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. 12 LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1996. p. 214 13 Op. Cit. THOMPSON, Paul. p. 137 14 Idem. p. 195 15 Idem. p. 195

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relembraram, de alguma maneira, o período de ouro da rádio. Mas uma pergunta ficou no

ar: esse passado maravilhoso revivido pode contribuir para alertar sobre o pedido de

socorro da emissora hoje, quando está prestes a completar 80 anos de existência?

No palco, alguns programas e fatos que marcaram a emissora

A Rádio Nacional do Rio de Janeiro foi estruturada no início da indústria cultural

no Brasil, no século 20. O cenário daquela época propiciou o surgimento e o

desenvolvimento de diversas emissoras populares, principalmente por causa da legislação

radiofônica que permitia uma maior estabilidade financeira e profissional. A primeira

transmissão oficial da Nacional aconteceu no sábado, 12 de setembro de 1936, às 21 horas.

A PRE-8 pertencia ao grupo A Noite, do empresário norte-americano Percival Farquhar,

dono também da S.A. Rio Editora, que publicava o jornal A Noite e revistas como

Carioca, A Noite Ilustrada e Vamos Ler. Tratava-se de uma emissora privada, instalada no

edifício A Noite, o primeiro arranha-céu construído em cimento armado, com 22 andares,

na praça Mauá do Rio de Janeiro, então capital brasileira.

A cerimônia de inauguração foi pomposa e elegante. O mestre de cerimônias foi

Celso Guimarães, que depois ocupou o cargo de diretor de broadcasting. Após as notas

iniciais da canção Luar do Sertão, de Luiz Gonzaga, o locutor pronunciou as primeiras

palavras ao microfone: “Alô, alô, Brasil! Aqui fala a Rádio Nacional do Rio de Janeiro!”.

Em seguida, a Orquestra do Teatro Municipal executou o Hino Nacional. A primeira

autoridade a se pronunciar, em nome do presidente da República, Getúlio Vargas, foi o

senador Medeiros Neto.

Segundo Saroldi e Moreira16, ele declarou:

Aqui se levanta mais uma voz pela paz e pela defesa de todos quantos

souberem, nesta hora terrível para a humanidade, compreender que ela é

mais uma garantia de que, na nossa pátria, a liberdade terá sempre um

culto. A estação que neste momento se inaugura nasce sob a proteção de

uma empresa que em todos os tempos tem sido arauto das grandes

aspirações do povo – A Noite. Está inaugurada a grande estação da

Sociedade Rádio Nacional17”.

16 SAROLDI, Luiz Carlos e MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional: o Brasil em sintonia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 17 Pronunciamento do presidente do Senado, Medeiros Neto. In: SAROLDI, Luiz Carlos;

MOREIRA, Sônia Virgínia. p. 51

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De acordo com Haussen18, entre os convidados estavam

o ministro Gustavo Capanema; o presidente da Confederação Brasileira

de Radiodifusão, Nelson Dantas; o presidente da Associação Brasileira

de Imprensa, Herbert Moses; o representante do prefeito do Rio de

Janeiro, Lourival Fontes (que viria a ser o diretor do DIP), e o então

presidente da emissora, Cauby de Araújo19.

Na noite de 15 de setembro de 2015, esse momento foi reconstituído pelo projeto

Porto de Memórias. Merda, mantra de origem francesa que significa boa sorte, com

certeza foi pronunciado entre os integrantes da peça atrás das cortinas instaladas no alto

das escadas do Palácio Tiradentes. As luzes, o som e as primeiras palavras abriram a

encenação:

Boa noite marinheiras e marinheiros do Brasil, está no ar a Rádio Porto

Maravilha, onde você sintoniza a memória da cidade. Eu sou Alexei

Waichenberg e estarei com vocês até às 19:30, com o Programa Porto de

Memórias, um oferecimento da Secretaria de Estado de Cultura e da

Light, através da Lei de Incentivo à Cultura. Porto de Memórias hoje traz

a história da famosa Rádio Nacional, que a partir de setembro comemora

80 anos de sua fundação20.

Após a canção Mestre Sala dos Sete Mares, de João Bosco, o público viajou com

os personagens da história da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Os dois únicos atores que

permaneceram no palco durante toda a apresentação foi o casal Candinha e Candinho,

sentados, num cenário de uma sala, para acompanhar a transmissão por um rádio. Aos

poucos a memória de boa parte do público foi sendo despertada. O narrador convidou a

todos para viajar nas ondas da PRE-8,

aquela que pôs o Brasil e o mundo na sala do brasileiro. Extraordinário

sucesso e líder de audiência nas décadas de 1940 e 1950, a Rádio

Nacional foi um notável fenômeno de comunicação de massa. Instalada

no primeiro arranha-céu do mundo, sim o Brasil tem esse título,

construído no estilo art decô, o edifício A Noite, no número 7 da Praça

Mauá, é considerado um prodígio arquitetônico. A Nacional ocupava até

pouco tempo atrás os últimos três andares do majestoso edifício, que

tornou-se a marca registrada da Praça, agora restaurada no Projeto Porto

Maravilha21.

18 HAUSSEN, Doris Fagundes. Rádio e Política – tempos de Vargas e Perón. Porto Alegre: EdiPUCRS, 1997. 19 Idem. p. 39 20 Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio, escrito pelo diretor artístico do projeto Alexei

Waichenberg. Cedido à autora para a análise e escrita deste artigo. p. 1 21 Idem. p. 1

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O passado estava ali para ser narrado pelos artistas, sempre intercalados por

comerciais das décadas de 1930 até 1950, pelo som ao vivo de quatro músicos: Lourenço

Vasconcellos (bateria), Luiz Potter (violão), Miguel Dias (contrabaixo) e Pedro Franco

(bandolim) ou por áudios originais.

Em seguida, um dos atores assumiu o papel do locutor Celso Guimarães para

reviver a inauguração da emissora, com a reprodução do prefixo ao som de Luar do Sertão

e a frase que marcou aquele momento: “Alô, alô, aqui fala a Rádio Nacional do Rio de

Janeiro22”.

Calabre23 salienta que a Rádio Nacional “iniciou suas atividades com a pretensão

de se transformar na maior emissora do país24”. O que se transformou numa verdade em

1940, quando conquistou o primeiro lugar na audiência, ultrapassando a Mayrink Veiga. A

emissora possuía um cast de artistas exclusivos. As primeiras programações foram

organizadas por Victor Costa com esquetes e “cenas cômicas usadas em circos e no teatro

de revista25”.

Para marcar esse período, a peça O Porto nas ondas do rádio preparou um desfile

com diversos cantores e cantoras do rádio, acompanhados pela singela orquestra. Com

figurino idêntico e luxuoso, cada um daqueles que encantaram os ouvintes no passado,

surgiram ao vivo encarnados nos atores, para encher os olhos dos espectadores. Nestes

momentos, muitas pessoas ficaram tão empolgadas que entoaram alguns trechos.

A primeira a se apresentar foi a intérprete de Noel Rosa, conhecida como a dama

da central, Aracy de Almeida, cantando Último desejo. Mais adiante, foi a vez de ouvir a

voz do campeão de vendas de disco e de audiência, Francisco Alves, com a música Serra

da Boa Esperança. Orlando Silva, o cantor das multidões também estava lá e interpretou

Carinhoso.

No palco esteve ainda Silvio Caldas, o cabocliquinho querido do Brasil e que

estava em primeiro lugar no ranking das canções preferidas de 1938, com As Pastorinhas,

de Noel Rosa e João de Barro. Outro que pisou nas escadarias foi Carlos Galhardo,

argentino e filho de italianos que conheceu Francisco Alves em São Paulo, para cantar a

valsa Fascinação.

22 Op. Cit. Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio. p. 1 23 CALABRE, Lia. A era do rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004. 24 Idem. p. 30 25 Idem. p. 45

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Quando chegou aos anos de 1950, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro já tinha em

seu cast todos os cantores mais queridos do Brasil, de acordo com o anuário do rádio,

anunciou o narrador. Entre eles estavam Orlando Silva, Francisco Alves, Silvio Caldas,

Emilinha Borba, Vicente Celestino e Carlos Galhardo. E neste ano, relatou ele, a estação

tinha tido um faturamento de “50 milhões de cruzeiros, cerca de 12 milhões a mais que a

soma de suas principais concorrentes26”.

Na onda musical, o espetáculo apresentou outra estrela da música, Linda Batista, a

eterna Rainha do Rádio porque durante 11 anos manteve o título (1937 a 1948), entregue

depois a sua irmã, Dircinha Batista. Para o deleite da platéia, ela interpretou Vingança,

sucesso em 1951. O cantor Vicente Celestino encantou interpretando Ontem ao Luar, e a

cantora Nora Ney, com a canção Ninguém me Ama. Marlene, a Rainha do Rádio de 1949 e

1950, interpretou a canção preferida pelos ouvintes em 1952: Letra D´Água. A platéia

também viu no palco Laura Lenzi que entoou Meu Sabiá, de 1954. Neste ano mesmo ano,

a Rainha do Rádio era a Sapoti, Angela Maria, que cantou Vida de Bailarina. Depois foi a

vez de ouvir uma das vozes mais bonitas da música brasileira, Jorge Goulart, com A Voz

do Morro (Eu sou o samba), sucesso de 1955.

O destaque de 1957 ficou com a cantora e compositora Dolores Duran, aquela que

falava de sentimentos como ninguém, em todas as línguas. Nas escadarias ela interpretou

Por causa de você.

Em 8 de março de 1940, durante o Estado Novo, Getúlio Vargas institui o decreto-

lei nº 2.073, que criou as Empresas Incorporadas ao Patrimônio Nacional e que

determinou a encampação do grupo onde estava inserida a Rádio Nacional do Rio de

Janeiro. Este fato é narrado assim no espetáculo:

Estrategicamente, encampar a Rádio Nacional, atendia ao objetivo de

levar a vários e longínquos pontos do país, um conjunto de mensagens,

influenciando a formação de uma identidade nacional, o que fez da

Nacional um importante veículo de divulgação de autores nacionais e da

música popular brasileira, para dentro e para fora do Brasil27.

Mesmo assim, a Rádio Nacional manteve a sua receita publicitária, garantida com

a utilização de 10% de sua programação para publicidade e “continuou a agir como

26 Op. Cit. Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio. p. 11 27 Op. Cit. Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio. pp. 4-5

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empresa privada, contando com uma direção de toda a confiança de Vargas, e dispondo de

todas as condições necessárias para ampliar sua carreira de sucesso28”.

A nova era da Nacional do Rio de Janeiro, que deixava de ser comercial para ser

uma empresa estatal, estava começando sob administração do interventor Gilberto de

Andrade, que procurou ganhar a confiança de todos e tratou de fazer investimentos na

infraestrutura, comprando novos equipamentos e contratando mais pessoas para trabalhar

em diferentes áreas.

As mudanças provocaram sucesso e a audiência logo começou a subir no ranking

radiofônico. Com uma programação mais atraente, com a inclusão de diversos programas

que ficaram conhecidos nacionalmente como Curiosidades Musicais, comandado por

Almirante, Um Milhão de Melodias, e radionovelas como a famosa Direito de Nascer, e os

noticiários como o Repórter Esso que foi ao ar a partir de 28 de agosto de 1941.

Trechos desta programação diferenciada foram apresentados nesta noite pelos

artistas de O Porto nas ondas do rádio. Um deles foi a dramatização da abertura do

programa Curiosidades Musicais, com o apresentador Almirante, sobre o início do

carnaval. Quando o espetáculo chegou a 1943, é retratado o programa Um Milhão de

Melodias, com uma homenagem feita por Ataulfo Alves ao compositor e companheiro de

trabalho Mario Lago. Ataulfo canta Ai! Que Saudade da Amélia, líder no ranking das

canções em 1942.

Outros programas de grande sucesso são encenados, como o humorístico PKR-30 e

o de auditório apresentado por César de Alencar, patrocinado pelas Pastilhas Valda,

“pequeninas amigas do seu aparelho respiratório29”. É ele quem anuncia outros grandes

cantores como Emilinha Borba que canta Tomara que chova, Nelson Gonçalves

interpretando Normalista e a estrela Dalva de Oliveira cantando Olhos Verdes.

O terceiro é Olha o Gongo, comandado por Ary Barroso que selecionava os bons

calouros ou mandava o Tião Macalé bater o gongo para aqueles sem nenhuma

chance de cantar. No programa, patrocinado pela Cinzano, passam Cauby Peixoto, que

atraia multidões e lotava o auditório da Nacional, cantando a canção preferida de 1956:

Conceição, e outra grande cantora que pisou no palco do programa Calouros em Desfile,

na Tupi, Elsa Soares. Para aa platéia ela cantou um sucesso de 1959, Se acaso você

chegasse. O programa de auditório de César Alencar também é destacado. Neste espaço

28 Op. Cit. SAROLDI, Luiz Carlos; MOREIRA, Sônia Virgínia. p. 41 29 Op. Cit. Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio. p. 9

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estão as cantoras Carmem Costa e Adelaide Chiozzo interpretando Eu Sou a outra,

sucesso de 1953.

O humor também estava sempre presente na programação. O espetáculo destacou

um trecho do Balança, mas não cai, que tinha no elenco Brandão Filho, no papel do Primo

Pobre, e Paulo Gracindo, como o Primo Rico.

É claro que as radionovelas também compõem o espetáculo. Os artistas relembram

a primeira produzida pela estação, Em Busca da Felicidade, de Leandro Blanco e adaptada

por Gilberto Martins, que estreou em 5 de junho de 1941. Outra que é citada é O Direito

de Nascer, lançada em 8 de janeiro de 1951. Uma terceira, de 1958, é Jerônimo – O Herói

do Sertão. O episódio dessas aventuras começava assim:

“Jerônimo é um nome famoso e querido, não apenas pelos sertanejos,

mas também por um público numeroso, que através do Rádio acompanha

suas aventuras. Vibra com suas façanhas. Aplaude as suas ações

corajosas em favor dos fracos, dos humildes e dos oprimidos30”.

A Nacional também se destacava pela informação e o seu principal programa era,

sem dúvida, O Repórter Esso, na voz de Heron Domingues. Três trechos de áudios

originais são exibidos. O anúncio do fim da 2ª Guerra Mundial, o que noticia o suicídio do

presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1951, e o que revela a morte de Carmen

Miranda, em 1955.

A peça não deixa de citar outro momento marcante para a radiodifusão. A chegada

da televisão em 1950 que contribuiu, decisivamente, para a queda da audiência do rádio,

principalmente porque muitos artistas se mudaram para o novo veículo de comunicação.

Mas, nesse mesmo ano, o público acompanhou a narração de Antônio Cordeiro e

Jorge Curi na decisão da Copa do Mundo, entre Brasil e Uruguai, quando o resultado foi

vexatório em pleno Maracanã: Uruguai 2 x 1 Brasil.

O espetáculo, de um pouco mais de duas horas, encerrou com os mexericos da

Candinha, presente em diversos momentos. Ela diz:

É Menino! É tudo muito engraçado, mas diz que a Rádio Nacional tá mal

das pernas, tá balançando e parece que vai cair. Tá mais pra primo pobre,

sabe como é? Parece que o cast todo tá indo embora pra televisão. Um tal

de Chateaubriand tá pagando o burro do dinheiro pra levar todo mundo31.

30 Op. Cit. Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio. p. 14 31 Op. Cit. Roteiro da peça O Porto nas Ondas do Rádio. p. 24

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Depois de chamar Candinho de alienado, recomenda que compre um televisor para

poder continuar acompanhando o programa. No encerramento do especial Porto de

Memórias, em homenagem aos 80 anos da emissora, o narrador afirma que “se depender

de nós, sempre continuará viva na memória dos brasileiros”. Acompanhados da orquestra,

o cast surge nas escadarias para cantar em uníssono Nós somos os cantores do rádio,

sendo ovacionados pela platéia daquela noite especial.

Considerações finais

Infelizmente, aos 79 anos, a Rádio Nacional dos tempos áureos começou a perder,

principalmente depois de 1960, a sua identidade. De lá para cá, sofreu duros golpes e, por

muito pouco, não foi extinta. Foram muitos os percalços. Entre eles, a deposição de

Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, a Ditadura Militar (1964-1984), a criação da

Radiobrás – Empresa Brasileira de Radiodifusão, vinculada ao Ministério das

Comunicações, pela lei nº 66.301, de 15 de dezembro de 1975, e a onda das privatizações,

iniciada durante o governo José Sarney, quando foram colocadas à venda 15 emissoras da

Radiobrás.

Quando completou 60 anos, a Nacional do Rio de Janeiro já tinha sido abandonada

pela Radiobrás e na década de 1990, surgiu um boato de que seria privatizada. E, apesar da

criação da Empresa Brasil de Comunicação – gestora dos canais TV Brasil, TV Brasil

Internacional, Agência Brasil, Radioagência Nacional, do portal do sistema público de

rádio, composto por nove emissoras: Rádio Nacional de Brasília AM, Rádio Nacional FM

Brasília, Rádio MEC AM de Brasília, Rádio Nacional AM Rio de Janeiro – cujo objetivo

era transformar as emissoras em públicas, e mesmo com o convênio para revitalizar a

emissora, assinado em maio de 2003, que garantia recursos de R$ 2,5 milhões para

reforma das instalações e reequipamento técnico, incluindo a Rádio MEC, ainda hoje, em

2015, não conseguiu trazer de volta aquela emissora querida dos ouvintes.

Agora, prestes a completar 80 anos, a Rádio Nacional do Rio de Janeiro já não está

no prédio situado na praça Mauá. A degradação da infraestrutura da emissora levou-a para

outro endereço.

Por enquanto, o espetáculo O Porto nas ondas do rádio atraiu centenas de

apaixonados pelo rádio e admiradores da Nacional dos anos de 1940 e 1950. Mas,

infelizmente, ainda não despertou os gestores federais para que tomem providências para

salvar a emissora.

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De qualquer maneira, a história, o teatro, a dramaturgia e a memória se

entrelaçaram.

Referências bibliográficas

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade – lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994.

CALABRE, Lia. A era do rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2004.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo:

Centauro, 2006.

HAUSSEN, Doris Fagundes. Rádio e Política – tempos de Vargas e Perón. Porto

Alegre: EdiPUCRS, 1997.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Unicamp, 1996.

SAROLDI, Luiz Carlos e MOREIRA, Sonia Virgínia. Rádio Nacional: o Brasil em

sintonia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

THOMPSON, Paul. A voz do passado – história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Sites e Redes Sociais

EBC – http://radios.ebc.com.br/sobre, visitado em 22 de outubro de 2015, às 11h54.

EBC – http://www.ebc.com.br/sobre-a-ebc/sala-de-imprensa/2013/04/primeiro-arranha-

ceu-do-brasil-edifico-a-noite-e-tombado-pelo, visitado em 22 de outubro de 2015, às

17h20

EBC – http://www.ebc.com.br/sobre-a-ebc/sala-de-imprensa/2015/08/radio-nacional-do-

rio-de-janeiro-inspira-espetaculo-da-serie, visitado em 29 de outubro de 2015, às 15h45

Porto de Memórias – https://www.facebook.com/Porto-de-Mem%C3%B3rias-

469484443154162/?fref=ts, visitada em 21 de setembro de 2015.

O fim da Rádio Nacional – In: Observatório da Imprensa.

http://observatoriodaimprensa.com.br/interesse-

publico/_ed843_o_fim_da_radio_nacional/, visitado em 14 de novembro de 2015, às

23h06.

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Narradores de Futebol: estilos e técnicas no rádio porto-alegrense

Ciro Augusto Francisconi Götz1

1 Introdução

No dia 19 de julho de 1931, Nicolau Tuma narrou o primeiro jogo da história do

rádio brasileiro, pela Rádio Educadora Paulista: Combinados de São Paulo contra

Paraná. Não demorou para que o mesmo acontecesse no Rio Grande do Sul. No mês de

novembro de 1931, Ernani Ruschel narrou, no Estádio da Baixada, bairro Moinhos de

Vento, em Porto Alegre, a partida entre Grêmio e Seleção do Paraná. A irradiação da

vitória gremista, por 3 a 1, significou o início de uma prática que nunca mais cessou. Foi

a partir desse episódio histórico que o rádio porto-alegrense se tornou testemunha,

mediador e transmissor das vitórias da Seleção Brasileira de futebol e da trajetória de

conquistas regionais, nacionais e internacionais da dupla Grêmio e Internacional, ao

longo dos anos seguintes. Por outro lado, para os ouvintes, o ato de acompanhar o

futebol pelo rádio se popularizou e se modificou, conforme o contexto histórico e a

evolução da tecnologia. É de fundamental importância ressaltar que o resgate histórico

proposto visa compreender o passado também como novidade. Este trabalho2 parte do

pressuposto de que é impossível ignorar a relação direta que há entre passado, presente

e futuro. Essa relação aconteceu, acontece neste momento e ocorrerá ainda. E para

compreender os processos comunicacionais e tecnológicos de 1931 à atualidade, é

imprescindível levar em conta: o que já foi

pensado, o que já foi produzido e o que foi dito. Conforme Marialva Carlos

1 Ciro Augusto Francisconi Götz é jornalista formado pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2007).

Em 2006, iniciou a carreira radiofônica na Rádio Progresso AM 1530, em São Leopoldo. Atuou, em 2008,

na Rádio ABC, de Novo Hamburgo. Em 2009, transferiu-se para a Rádio Guaíba, de Porto Alegre, onde

permaneceu até 2013. Nesse mesmo ano, integrou a equipe esportiva da Rádio Grenal, do grupo Pampa

de Comunicação. Em março de 2014 ingressou no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como mestrando e bolsista integral, pela Fundação

de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul. 2 O título definitivo deste trabalho é: Narradores de Futebol, dos desbravadores aos contemporâneos:

estilo e técnica da locução no rádio porto-alegrense.

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Barbosa (2009, p. 13), “falar em comunicação e história é se referir a dois pressupostos

fundamentais que norteiam tanto o ato comunicacional como o ato histórico: narrativa e

tempo”. No tópico seguinte, serão apresentados os procedimentos metodológicos

utilizados para a realização do estudo sobre a narração de futebol no rádio de Porto

Alegre.

2 Metodologia

Este artigo apresenta os resultados de uma ampla investigação de fatos históricos

conforme narrativas, documentos, gols, trechos de jogos irradiados, entrevistas, estudos,

relacionando essas marcas ao presente. Primeiramente, delimitou-se nomes que, de

alguma forma, tiveram e têm expressão histórica, como percebido através do longo

resgate bibliográfico citado anteriormente. A história desses narradores é foi apresentada

em três períodos distintos: Narradores Desbravadores, Paradigmáticos e

Contemporâneos. Com a intenção de aprofundar o estudo desses três períodos, recorreu-

se a um extenso levantamento de fontes primárias, tais como documentos, revistas,

jornais, documentos online, documentos sonoros (narrações de lances de jogos, de gols,

entrevistas e depoimentos), e entrevistas com os narradores escolhidos para este

trabalho, dentro das possibilidades. Tem-se, portanto, como objetivo principal, contar

parte da história da evolução da narração de futebol no rádio de Porto Alegre, de 1931 à

atualidade e foram necessários os seguintes passos:

- Mapear os contextos históricos e o desenvolvimento tecnológico das transmissões de

futebol no rádio porto-alegrense.

- Detalhar a trajetória histórica de personagens da narração de futebol do rádio de Porto

Alegre

- Descrever a evolução do estilo, da técnica e da capacidade retórica de

narradores

Na primeira parte trabalho, sob o ponto de vista do estudo da retórica, termo que

surgiu através de um texto de mesmo nome, desenvolvido pelo

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filósofo grego Aristóteles (KLÖCKNER, 2011), Daniel Prietto Castillo (1994 e

1989) e Luciano Klöckner (2011) apresentam um extenso conjunto de classificações,

que será utilizado para especificar e compreender a capacidade retórica dos narradores

estudados neste trabalho. Sobre os estilos e técnicas dos locutores selecionados, foram

apresentadas as classificações propostas por Carlos Fernando Schinner (2004), autores de

manuais específicos sobre locução em rádio. E já que se trata de um estudo sobre a

narração, nada mais correto do que analisar também a principal ferramenta de trabalho

dos profissionais da locução: a voz. Condições de ritmo e voz plasticidade e sonoplastia

são observados do autor Cyro César (2009).

Na segunda parte, contextualizou-se de que forma a narração de futebol se

estabeleceu em Porto Alegre, entre as décadas de 1920 e 1940, de onde são apresentadas

as histórias de Ernani Ruschel, que narrou Grêmio e Seleção do Paraná, em 1931, e

Cândido Norberto, sem deixar de citar outros nomes como Farid Germano, que integram

o período dos Narradores Desbravadores.

Entre os Narradores Paradigmáticos, foram destacados, na terceira parte,

locutores que perpetuaram a narrativa de rádio porto-alegrense entre os períodos que

compreendem as décadas de 1950 a 1970, tais como Pedro Carneiro Pereira, Mendes

Ribeiro, Armindo Antônio Ranzolin e Haroldo de Souza.

No quarto capítulo, Narradores Contemporâneos, este trabalho contou a

história de locutores que, dos anos 1980 até a primeira década do Século XXI, estão

dando continuidade à trajetória da narrativa de futebol no rádio de Porto Alegre, como

Marco Antônio Pereira, Mário Lima, Daniel Oliveira e Angelo Afonso.

O quinto e último capítulo deste trabalho apresentou a avaliação geral da

evolução da narração de futebol no rádio de Porto Alegre, da década de 1930 até à

atualidade. Destacam-se, ainda, quais características, estilos, técnicas e estratégias

retóricas perpetuaram-se ou não até este momento. Neste capítulo também foram

apresentadas as sínteses da retoricidade e estilos da narração de futebol. Do primeiro

período, é analisado o jogo Grêmio 3 x 1 Seleção de El Salvador, narrado por Cândido

Norberto, em 1949.

No período paradigmático, foram avaliados os confrontos narrados por

Mendes Ribeiro (Brasil 5 x 2 França, de 1958), Milton Ferretti Jung (Vasco da

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Gama 1 x 2 Santos, de 1969, e Brasil 3 x 0 Irlanda do Norte, em 1986), Pedro Carneiro

Pereira (Brasil 1 x 3 Portugal, de 1966), Armindo Antônio Ranzolin (Internacional 1 x 0

Cruzeiro, em 1975, e São Paulo 0 x 1 Grêmio, de 1981), Haroldo de Souza

(Internacional 2 x 1 Atlético Mineiro, de 1976, Internacional 0 x 2 Mazembe, de 2010, e

Internacional 1 x 0 Joinville, de 2015) e Samuel de Souza Santos (Bolivar 1 x 2 Grêmio,

de 1983, e Internacional 2 x 1 Grêmio, em

2015).

E, por fim, no período contemporâneo, foram estudados os jogos narrados por

Marco Antônio Pereira (Brasil 0 x 1 Argentina, de 1990, e Alemanha 1 x 0

Argentina, de 2014), Mário Lima (Internacional 3 x 2 Grêmio, em 2011, e

Internacional 1 x 0 Corinthians, de 2015), José Aldo Pinheiro (Flamengo 1 x 2

Internacional, em 1994, e Brasil 3 x 1 Venezuela, 2015), Orestes de Andrade (Olimpia 3

x 0 Grêmio, em 1995, e Brasil 3 x 1 Venezuela, em 2015), Pedro Ernesto Denardin

(Grêmio 3 x 2 Oriente Petrolero, 2002, São Paulo 1 x 2

Internacional, 2006, e Grêmio 1 x 0 Santos, em 2015), Daniel Oliveira (Internacional 1 x

0 Barcelona, de 2006, e Grêmio 1 x 0 Santos, em 2015), André Silva (Ituano 1 x 2

Internacional e Cruzeiro 0 x 0 Grêmio, ambos em 2015) e Angelo Afonso (Atlético

Mineiro 2 x 1 Internacional).

O interesse por este resgate histórico e de análise da narração de futebol no rádio

porto-alegrense, pode-se dizer, surgiu antes mesmo do ingresso deste proponente no

universo da pesquisa científica. A partir da trajetória pessoal como ouvinte de rádio e

profissional da área, tendo este atuado como narrador, quer- se compreender a narração

de futebol além da perspectiva de experiência individual. Na sequência, serão

apresentados, objetivamente, os resultados obtidos na pesquisa, através das propostas

de estudo descritas anteriormente.

3 Síntese da Retoricidade e Estilos da Narração de Futebol no Rádio de

Porto Alegre

Levando-se em conta a análise do período Desbravador, constatou-se a presença

apenas de figuras retóricas de personalização e metáfora, conforme a classificação de

Castillo (1989). Essas figuras passaram a ser amplamente utilizadas a partir do período

Paradigmático. Tornaram-se comuns também as figuras retóricas de universalização,

inclusão, antonomasia, tópicos, hipérbole,

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hipérbato, gradação e ampliação, que, no período Contemporâneo, continuam fazendo

parte da narração de futebol no rádio. Percebeu-se que foi, a partir da fase

paradigmática, que narradores de futebol do rádio de Porto Alegre começaram a criar

personagens durante as transmissões como estratégia retórica. Essa estratégia teve

sequência na fase contemporânea.

Quanto aos gêneros de discurso, de acordo com Klöckner (2011), predominou o

tipo epdíctico entre os três períodos estudados. Em poucos momentos, houve a

identificação completa dos cinco cânones retóricos. Por consequência, apenas Pedro

Carneiro Pereira e Haroldo de Souza, da fase paradigmática, e Pedro Ernesto Denardin,

Mário Lima e Orestes de Andrade, da fase contemporânea, se encaixaram em uma

hierarquia retórica de característica forte. Em poucos momentos, identificou-se uma

estratégia deliberativa. Em contrapartida, alguns narradores dos períodos Paradigmático

e Contemporâneo, adotaram o discurso judicial. Houve, inclusive, um momento em que

não se identificou um gênero específico de discurso.

No que diz respeito à voz, conforme César (2009), o primeiro período se

caracterizou por timbres impostados (voice-over), dicção clara e tempo de emissão de

gol curto. No período Paradigmático, o tempo de emissão do gol variou entre curto,

médio e longo, com a presença de dicção clara, impostação, timbres de voz graves,

médios e agudos, com velocidade de narração rápida. Essas características seguiram-se

no período Contemporâneo, principalmente, até a primeira década dos anos 2000.

Constatou-se que a velocidade da narração se tornou lenta, com timbres de voz mais

agudos. Há, porém, timbres de voz graves e impostados, semelhantes aos tipos de vozes

do período Desbravador e, início do Paradigmático.

Por fim, quanto ao estilo, conforme Schinner (2004) na fase desbravadora,

constatou-se que o a presença do estilo ancorado, sem emoção, com narração descritiva.

A partir do período seguinte, que segue até a contemporaneidade, passou a predominar o

Estilo Livre, com descrição, emoção e criatividade. Constatou-se que o período de maior

criatividade, de exploração das possibilidades da narração de Estilo Livre, ocorreu na

década de 1970. Foi neste período, por exemplo, que surgiram as aberturas de jornadas

produzidas, que se intensificou o uso de bordões e que se criaram frases. Foi o momento

que a emissão do grito de gol também se tornou mais longa. Percebeu-se que,

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atualmente, as aberturas de jornadas esportivas são objetivas e o único narrador que ainda

produz textos específicos é Haroldo de Souza, da Rádio Grenal, locutor, originalmente,

da fase paradigmática. Atualmente, a narração segue boa parte das características

desenvolvidas no período Paradigmático, com ênfase na emoção e descrição, porém,

com velocidade de narração lenta e criatividade inferior. Ao longo deste estudo, se

constatou que o improviso sempre esteve presente durante o processo evolutivo da

narração de futebol em Porto Alegre.

Este trabalho dividiu a história da narração de futebol no rádio de Porto Alegre

em três períodos. De 1931 a 1958, é a fase embrionária da narração, chamada de

período dos Narradores Desbravadores. A segunda fase, foi dos Narradores

Paradigmáticos. E o primeiro narrador do período paradigmático é Mendes Ribeiro,

que, segundo este estudo, foi o símbolo da introdução da terceira característica básica da

narração de futebol: a emoção. Nesse mesmo período, surgiu uma das mais importantes

vozes da história do rádio do Rio Grande do Sul, que se tornou referência como

apresentador oficial do Correspondente Renner, Milton Ferretti Jung, criador de um dos

primeiros bordões de futebol no rádio porto-alegrense, o “gol,gol,gol”, e responsável

por introduzir, na sequência, na Rádio Guaíba, Pedro Carneiro Pereira, sinônimo de uma

narração veloz e emotiva, e que faleceu precocemente, deixando um legado

importantíssimo. Armindo Antônio Ranzolin introduziu uma forma de comando de

jornada diferenciado, aliado a uma narração técnica, precisa e emotiva. Ao mesmo

tempo, em 1975, chegava ao Rio Grande do Sul, de Belo Horizonte, o narrador Haroldo

de Souza, trazendo consigo, um estilo completamente diferente daquilo que o gaúcho

estava acostumado, com bordões e frases que, até hoje, são lembradas, como o

“adivinhe”. E ainda o período paradigmático apresentou, conforme este estudo, a

narração técnica de Samuel de Souza Santos, que se consolidou como um dos grandes

nomes da Rádio Guaíba, nos anos 1970, e que, atualmente, é narrador de futebol na Rádio

Galera, uma rádio de internet que o próprio Samuel ressalta como sendo a rádio que

substituirá os atuais padrões existentes de AM e FM.

O período paradigmático tem fim em 1984, com a transferência de Ranzolin da

Rádio Guaíba para a Rádio Gaúcha, que significou uma grande mudança, no que diz

respeito aos índices de audiência no rádio do Rio Grande

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do Sul. É quando a Gaúcha virou o jogo ao seu favor, em relação à supremacia da

Guaíba na década de 1970.

Em 1984, portanto, iniciou o período dos Narradores Contemporâneos,

que segue até a atualidade, e de onde surgiram nomes como Marco Antônio Pereira, que

narrou sua primeira Copa do Mundo, pela Rádio Guaíba, em 1990, com um estilo de

narração baseado na emoção, com timbre de voz potente. Enquanto isso, Mário Lima,

profissional de narração “show” percorria o Brasil, quando encontrou seu mais

importante bordão, justamente no palco do “maior do mundo” o Maracanã, e, quando

teve a oportunidade, consagrou também o “nasceu” em Porto Alegre, por emissoras

como a Bandeirantes e a Rádio Guaíba. Da Argentina para o Brasil, surgiu a voz

limpa e potente de José Aldo Pinheiro, um “catedrático” da narração de futebol, que,

através da valorização da palavra, com uma dicção clara, transmite com emoção toda a

vez que a bola balança a rede e a rede balança a bola. E o destino quis que Orestes de

Andrade fosse seu padrinho de nascimento, o Galo Missioneiro, que se transformou em

um narrador de grande importância e respeito pela sua velocidade e técnica, com um dos

gritos de gol mais potentes que a história do rádio já apresentou.

Pedro Ernesto Denardin teve a missão de substituir Armindo Antônio Ranzolin

no comando da narração de futebol da Rádio Gaúcha e, com uma narração carregada de

emoção, criou o termo “é demais” que se tornou um símbolo que ficou na mente de

grande parte dos ouvintes de futebol do rádio gaúcho. Logo em seguida surgiu o

narrador Daniel Oliveira, que não consegue esconder a emoção em sua narração de

futebol e, com criatividade e bom humor, se afirmou como o principal narrador da

Bandeirantes. André Silva é uma recente aposta da Rádio Gaúcha, que o trouxe das

reportagens para a cabine de rádio, e que, futuramente, pode ser o indicativo de uma

tendência de mercado. Mas ainda existem os narradores de “raiz”, como o caso de

Angelo Afonso, tão jovem quanto a própria emissora em que atua, a Rádio Grenal, que

transmite futebol durante 24 horas por dia.

4 Conclusão

A primeira fase da narração se caracterizou como uma locução descritiva, sem a

utilização da emoção. Porém, se observou que, principalmente a partir

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dos anos 1950, quando houve também a captação de transmissões paulistas e cariocas

no Rio Grande do Sul, começaram a ser utilizadas, aos poucos, algumas figuras

retóricas como estratégias para chamar a atenção dos ouvintes para as transmissões. Em

1958, na transmissão da Copa do Mundo, a emoção se estabelece como uma das

ferramentas de persuasão, quanto a velocidade da narração também, gradativamente,

aumenta.

Em 1975, a narração de rádio em Porto Alegre tem, como características básicas,

a velocidade, a descrição e a emoção. Com a chegada de Haroldo de Souza nesse mesmo

ano, se introduz com mais força o uso de figuras retóricas, como metáforas, frases feitas,

ditados populares, de um estilo de narração mais popular, com uma linguagem mais

acessível. Este estudo considerou que o momento de maior desenvolvimento criativo da

narração e de maior inserção de diferentes influencias, aconteceu no período

paradigmático. Após o ano de 1984, avaliou-se que houve uma manutenção dos estilos

dos anos 1970, que se ramificaram entre os novos profissionais que foram surgindo no

mercado, com o passar dos anos seguintes. Além disso, foram constatados outros

fatores, tais como, a questão da voz. Atualmente, não se exige mais que o narrador

possua um timbre de voz impostado. Exige-se clareza do profissional. A velocidade da

narração também foi diminuindo gradualmente, e, hoje, está próxima do ritmo de

narração que é feita na televisão, a diferença básica fica apenas por conta do número de

palavras que são expressadas em cada meio de comunicação. Percebe-se também que a

renovação está ocorrendo de forma lenta. Na Rádio Grenal, o principal narrador é

Haroldo de Souza, com mais de 70 anos. Na Rádio Gaúcha, Pedro Ernesto Denardin

continua narrando futebol, sendo ele, o único narrador de origem, de fato. Na Rádio

Guaíba, da nova geração, somente há um narrador contratado, Marcelo Cardoso,

enquanto o quadro apresenta os experientes Orestes de Andrade, Mário Lima e Marco

Antônio Pereira. Inclusive a Rádio Galera, que tem como slogan a “rádio do futuro”

hoje, eventualmente, conta com a narração de Samual de Souza Santos, apesar de que é

um dos espaços em que os novos profissionais mais encontram as portas abertas para

começar uma carreira na mídia. Na Rádio Bandeirantes, o quadro de narradores também

tem se mantido com nomes experientes, como o próprio Daniel Oliveira, José Aldo

Pinheiro e Marcos Couto. E, por fim, a Rádio Grenal que, se de um

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lado possui como titular o narrador Haroldo de Souza, tem também a presença de

jovens como Thiago Suman e Angelo Afonso.

Conclui-se, por fim, que não existe em Porto Alegre uma escola de narração

definida. Esta, na verdade, apresenta uma série de ramificações, com estilos dos mais

conservadores aos mais liberais na forma de se narrar futebol. Entende-se que havia a

necessidade de produzir um trabalho de pesquisa desta envergadura, que levasse em

consideração nomes que foram e continuam sendo fundamentais para a evolução de uma

trajetória que iniciou em 1931.

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Rádios on-line e convergência: caráter emancipatório ou símbolo das

assimetrias da internet?

Tércio Saccol (PUCRS)

O rádio representou, desde seu surgimento, esperança de democratização no

acesso e divulgação de informação. O dramaturgo alemão Bertold Brecht (2005)

elaborou suas análises, ainda que em um tempo onde sequer se falava sobre

convergência, apontando preocupações sobre o rádio como meio de comunicação e não

simplesmente de transmissão.

Em "Teoria do Rádio", o pensador sugere o uso do veículo para democratizar a

comunicação. Para isso, deveria "aproximar-se mais dos acontecimentos reais com os

aparelhos e não se limitar a meras reprodução ou informação"

É preciso transformar o rádio, convertê-lo em um aparelho de

comunicação. O rádio seria o mais fabuloso meio de

comunicação imaginável se não fosse capaz de emitir apenas,

mas também receber, portanto, se conseguisse não apenas se

fazer escutar pelo ouvinte, mas também se pôr em comunicação

com ele. A radiodifusão deveria conseqüentemente, afastar-se

dos que a abastecem e constituir os radiouvintes como

abastecedores. (p.56 -57)

Apesar da distância histórica, interação, participação e interatividade são

conceitos marcantes em estudos e construções recentes que analisam a produção,

difusão e consequente transformação do rádio atualmente. A discussão sobre como a

convergência tecnológica pode alterar os paradigmas de produção e consumo de

informação e suscita questionamentos sobre o contexto da difusão midiática nesta, e em

outras plataformas.

A ideia de cultura participativa que a internet carrega contrapõe, ao menos

inicialmente, as concepções mais antigas, tendo os espectadores dos meios de

comunicação como passivos. Jenkins (2009) lembra que produtores e consumidores de

mídia não serão considerados mais apenas individualmente, porque passou-se a discuti-

los como integrantes de um novo complexo

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Podemos agora considerá-los como participantes interagindo de

acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós

entende por completo. Nem todos os participantes são criados

iguais. Corporações – e mesmo indivíduos dentro das

corporações da mídia – ainda exercem maior poder do que

qualquer consumidor individual, ou mesmo um conjunto de

consumidores. E alguns consumidores têm mais habilidades

para participar dessa cultura emergente do que outros. (p. 18)

Jenkins (2009) alerta, no entanto, que a verdadeira convergência não ocorre

meramente por meio de aparelhos, apesar do grande potencial de evolução tecnológica.

Ela é feita efetivamente nas percepções e construções individuais e nas interações de

umas pessoas com as outras através das plataformas.

Dentro desse contexto, uma das plataformas que merece atenção e análise é a

rádio criada para a internet, também chamada por alguns autores de rádio on -ine ou

webradio. Nair Prata (2008) lembra que a rádio Klif, no Texas, Estados Unidos, foi a

primeira emissora comercial que transmitiu de forma contínua e ao vivo pela internet,

em 1995, quebrando pressupostos convencionais, como a concessão via legislação e

sem a necessidade de um aparelho de rádio para sintonia.

Nair Prata (2008) acrescenta que essa plataforma demanda uma revolução nas

definições e contextos sobre o rádio até aqui, e propõe questionamentos

"O rádio na internet continua sendo rádio? Ou é uma nova mídia

ainda sem definição? Certamente a linguagem é o ponto-chave

desta discussão. Assim, o problema que se apresenta é a

especificidade linguística do rádio em um novo suporte, a

internet. [...] Com a internet, porém, os gêneros conhecidos se

reconfiguram, aparecendo de formas novas na radiofonia.

Inclusive, poder-se-ia dizer que um novo conceito de

radiodifusão deveria ser traçado com o advento do rádio na

internet". (p. 25)

Por rádios on-line trataremos neste trabalho as emissoras criadas exclusivamente

para a web. Tem-se a partir disso, uma plataforma aberta às possibilidades previstas por

Brecht (2005), proporcionando possibilidades de participação e interação, já que na

internet, há espaço e instrumentos para isso. Com ferramentas inerentes à comunicação

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via web, como o hipertexto, entende-se que se abrem espaços para maior protagonismo

e influência do público na produção.

É necessário lembrar, no entanto, que existem limites para essa interatividade

propalada, e também existem relações de poder que norteiam a existência de quaisquer

plataformas que produzam e reproduzam conteúdo na web, incluindo aí as rádios on-

line. Santaella (2004) lembra que é necessário relativizar a ideia comunicação interativa.

Ela pressupõe que para haver interatividade mesmo, haja intercâmbio e mútua

influência de emissor e receptor na produção das mensagens transmitidas. A autora

propõe que dentro desse conceito, há a comunicação mediada por computador, esta

última mais adequada à ideia aplicada nas rádios on-line existentes.

Embora ainda seja recorrentemente abordada como a mera inserção de rádios na

internet ou de uma amálgama entre as duas plataformas, pode-se entender as rádios on-

line como uma mídia em construção, que passa por transformações, adaptações e

criações até cunhar sua própria essência, com linguagens, formatos, gêneros e

concepções próprias.

Dentro dessa abordagem, é necessário lembrar da ideia de remediação de mídias,

proposta por Bolter e Grusin (2004). Eles entendem que uma nova mídia nasce

trabalhando, traduzindo, reformando e redesenhando uma mídia anterior e não

propriamente a destruindo. O conteúdo da considerada nova mídia pode até ser

assimilado da mídia antiga, o que muda efetivamente é a leitura de um para outro.

Chamamos a representação de um meio em outro remediação, e

vamos argumentar que a remediação é uma característica

definidora da nova mídia digital. O que pode parecer à primeira

vista, uma prática estranha é tão difundida que podemos

identificar um espectro de diferentes maneiras em que a mídia

digital remedia os seus antecessores, dependendo do grau de

concorrência percebida ou rivalidade entre as novas mídias e da

antiga" (p. 45, tradução nossa)

Roger Fidler (1998) cunhou outra expressão, que envolve a interação entre

necessidades percebidas, as pressões políticas e de competência, e das inovações sociais

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e tecnológicas: mediamorfosis. Essa ideia tem cinco princípios que caracterizam o que

seria uma transição dos veículos de comunicação de massa para o ambiente digital

multimídia.

O primeiro seria a coevolução ou a coexistência, quando os meios habitam o

mesmo espaço e se adaptam/expandem nele. O segundo é a metamorfose, onde os

novos meios se adaptam seguindo seu processo de evolução. O terceiro é o da

sobrevivência, onde os meios são obrigados a evoluírem para se manterem “vivos”. O

quarto princípio é o da existência baseada sempre em uma razão social, política ou

econômica que motive o desenvolvimento de novas tecnologias no meio. Já a última

característica, a adaptação postergada, é definida pelo fato de novas tecnologias sempre

demoraram mais do que o projetado inicialmente para se convertem em sucesso

comercial, um fundamento da existência dentro do sistema capitalista. Com isso, pode-

se esperar até uma geração para difusão de conceitos e adoção generalizada.

Fidler (1998) traz um importante tópico para discussão: o advento de tecnologias

e a mudança das plataformas estão inseridas dentro de uma lógica de interesses sociais,

políticos e econômicos. Dessa forma, mesmo a internet, tida como terreno democrático

e plural é necessário entender em qual contexto os seus participantes estão inseridos.

Ferrareto e Kischinhevsky (2010) lembram que “as possibilidades de integração

do rádio às novas plataformas digitais, em um cenário de crescente convergência,

reconfiguram a lógica do meio e impõem desafios” (p. 178). Os autores acrescentam

que essas transformações implicam em uma nova configuração de uma indústria

cultural no contexto das alterações em curso no sistema capitalista. No caso da indústria

de radiodifusão sonora, destaque para os processos de digitalização, que ocorrem de

forma assimétrica, aumentando a desigualdade no acesso do público às novas

tecnologias; a distribuição de conteúdo radiofônico ganhando canais com maior

velocidade de tráfego de dados e voz, através da internet e dispositivos móveis;

formação de redes para transmissão de sinais, com poucas empresas comandando fortes

cadeias de emissoras; novas cadeias de valor na produção de bens simbólicos,

reforçando a relevância e o protagonismo de grandes grupos empresariais; novas

oportunidades para fornecedores de serviços como portais de voz e aplicativos e

estratégias de branded content, com rádios se associando a marcas (Oi FM, Sulamerica

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Trânsito FM...); criação de nichos de mercados para empreendedores, podcasts e

webradios; novos modelos de negócio.

A partir disso, os autores concluem que a chamada convergência midiática

parece estar absorvendo o rádio e não abrindo as possibilidades para emergência de

novas organizações econômicas e sociais

“[...] com grandes grupos empresariais se apropriando dos

novos canais de difusão de áudio em formato digital. Resta

avaliar as possibilidades trazidas pela transformação das

audiências e das formas de recepção de conteúdos radiofônicos,

com o desenvolvimento de novas linguagens e garantir

efetivamente o uso social dos novos meios de comunicação,

realizando de modo pleno suas promessas emancipatórias e

recuperando seu caráter cultural e educacional livre das

imposições mercantilistas que dominaram os padrões AM e

FM” (p. 179)

Kichinhevsky (2014) acrescenta que apesar do entusiasmo de diversos

pesquisadores com as novas tecnologias de informação e comunicação, sobretudo pela

ideia de desintermediação, pesquisadores espanhóis comprovaram que a consolidação

da web trouxe na realidade uma reintermediação, com novos atores e novos

intermediários. Uma análise do momento percebido nas rádios on-line vai ao encontro

do diagnóstico das dificuldades apontadas.

Embora as discussões sobre democratização através da internet e interatividade

sejam renovadamente inseridas como novas, a própria evolução tecnológica dos meios

de difusão de informação carrega consigo esses debates. “A história nos mostra que as

possibilidades postas por uma determinada invenção qualquer são algo bastante

diferente da sua efetivação”. (p. 35)

As ressalvas ao contexto econômico político onde estão se inserindo essas

inovações são importantes na análise do cenário de distribuição de rádios on-line, hoje.

Bolaños (2013) prevê que a seleção, classificação e apresentação de informações para

segmentos específicos será a função dos veículos nos meios on-line. Mesmo assim, o

autor ressalva que ainda há grande indefinição sobre o modelo de financiamento que

pode proporcionar lucros, uma engrenagem do sistema capitalista, que permeia toda

construção e evolução da própria internet. “A forma de financiamento mais provável

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parece ser a de uma mistura entre assinatura, publicidade e receitas de interatividade,

inclusive classificados on-line. Em todos os casos, há dificuldades e […] concorrentes

com conhecimento específico”

Nair Prata e Henrique Cordeiro Martins (2011) dizem que a ideia de venda de

publicidade, única e exclusivamente, não é sustentável para webradios. Eles também

apontam que são necessárias parcerias com outras empresas, já que “O mundo

corporativo atualmente não sobrevive de forma isolada, mas sim em forma de redes.

Quanto mais parcerias a web-rádio formalizar, mais produtos serão desenvolvidos e

mais lucrativos se tornam os negócios” (p. 139)

Outro apontamento é que existe necessidade de inventar e reinventar produtos e

programas atrativos para os clientes acessarem cada vez mais a web-rádio. Isso ocorre

porque “programas exclusivamente nos formatos tradicionais não são capazes de atrair

uma quantidade grande de ouvintes/potenciais clientes de negócios para as rádios na

Internet”.

Castells (2003) lembrou que quando uma empresa, e assim vamos convencionar

uma rádio on-line, usa a internet como meio fundamental de comunicação e

processamento de informação, ela passar a adotar a rede como forma organizacional.

“Assim, capital e trabalho, os componentes-chave de todos os

processos de negócios.. são modificados em suas características,

bem como no modo como operam. Sem dúvida as leis da

economia de mercado continuam a vigorar nessa economia

interconectada, mas o fazem de uma maneira específica, cuja

compreensão é crucial para se viver, sobreviver e prosperar

nesse admirável mundo novo econômico!” (p 57)

Castells (2003) também lembrou que há uma imensa disparidade no uso da

internet no mundo, tanto pela limitação no acesso à tecnologia quanto pelas estratégias

usadas para lidar com essa disparidade.

A lógica do contexto, portanto, mostra que, embora possam ser inseridas

individualmente, sem a necessidade de uma concessão legislativa, como uma rádio

hertziana, as rádios on-line estão submetidas a uma engrenagem econômica, que as faz

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depender, em última instância, da mesma viabilidade financeira que é necessária para

uma rádio existente em meio físico.

Bolaño (2013) alerta sobre esse contexto:

“Não devemos nos iludir com relação a esse potencial, pois as

assimetrias são estruturalmente constitutivas da rede, garantindo

a existência de uma complexa hierarquia em que predominam

aqueles (indivíduos e organizações) que detêm maior capital

econômico, político ou simbólico. Ademais, os interesses são

cada vez mais hegemônicos e, o que é fundamental, toda a

lógica de ação no seu interior é essencialmente competitiva e

individualista” (p 47)

Assim, a internet renova a ideia de indústria cultura, cunhada no século XX.

Bolaño lembra que a indústria cultural “precisa dar respostas às necessidades de

produção de sentido do mundo da vida, ao qual a publicidade e a propaganda se

dirigem”. (2013, p. 52). Dessa forma, a rádio on-line que buscar fugir, seja na

linguagem, no formato ou na proposta, da ideia contextual de legitimação da dominação

ou desenvolvimento e criação de necessidades visando continuidade de acumulação de

capital terá entraves ou dificuldades. Porque é através dessa ideia, da corroboração

desses sentidos, que ela criará empatia com o público, transformando em audiência, e

por conseguinte, em anunciantes ou outras formas de financiamento, que perpetuarão a

plataforma.

A ubiquidade e a falta de marcos regulatórios que marcam as relações de criação

e extinção de marcas na internet limitam a idealização de um mapeamento duradouro ou

concreto sobre a existência de rádios on-line no Brasil. Dada essa circunstância,

seguiremos usando aqui o levantamento do site radios.com.br, embora ele seja uma

amostra apenas empírica, já que depende de cadastros das emissoras e de interpretações

para a categorização das mesmas. O site www.radios.com.br lista as rádios por

classificação (FM, AM, web) mais acessadas por mês. No mês de agosto de 2015,

constam 5322 resultados32.

32 http://www.radios.com.br/relatorios/stat_2015-08_webpais_33

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50

Rádio Cidade / UF Visitas

Radioweb Tropical Sta Fe Do Sul SP 99907

Rádio Só Flashback Sao Luis MA 67775

MGT Rádio Sertanejo Romântico São Paulo SP 65677

Rádio Cordeiro de Deus São Paulo SP 41354

Rádio Atlanta Sertaneja Cuiabá MT 34228

Amor Sertanejo Rio De Janeiro RJ 31611

Rádio Motel São Paulo SP 26860

Lembrança Flashback Mossoro RN 25891

Rádio Retro ABC Santo Andre SP 25697

Rádio Perfeito Louvor Brasilia DF 24339

Flashback Bons Tempos Rio De Janeiro RJ 23798

Mais Gospel FM S Jose Dos Campos SP 22448

Globo FM Rio De Janeiro RJ 22078

Jovem Gospel Brasil Recife PE 19044

Dance 100Parar Web Rádio Belo Horizonte MG 18780

Flashback Manchete Brasilia DF 17614

Músicas Divinas Rio De Janeiro RJ 17171

Rádio Futebol Interior Campinas SP 17166

Arrocha Rio De Janeiro RJ 16863

Rádio Flashbacks S Jose Dos Campos SP 16487

Rádio S.U. Web 16455

Rádio Sara Varginha Varginha MG 15956

Instrumental Rio De Janeiro RJ 15875

Rádio Brega Hits Belo Horizonte MG 15536

São Paulo Digital Taboao Da Serra SP 14814

Canal Forró Web Rádio Fortaleza CE 14697

Rádio Sábado Som Rio De Janeiro RJ 14256

Rádio Estadão São Paulo SP 13991

Rádio Estação Reggae Sao Luis MA 13662

Radio Capivara Sertaneja Brasilia DF 12977

Rádio Cristal Gospel S Jose Dos Campos SP 12433

Estação Top Curitiba PR 12393

Rádio RPC Duque De Caxias RJ 12208

Puro Flashback Cuiabá MT 12090

Portal Web Gospel São Paulo SP 11892

Rádio de Jesus São Paulo SP 11801

Rádio Anos 80 Campo Grande MS 11673

Radio Jazz Medley Varginha MG 11296

Rádio Mução Fortaleza CE 10395

Rádio Coca Cola FM São Paulo SP 10163

Entre as 40 mais acessadas, há 25 emissoras com predominância de

programação musical. Há, ainda, pelo menos 10 rádios com caráter religioso,

reproduzindo a influência desses grupos nas emissoras tradicionais.

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Na lista, também temos duas emissoras baseadas na transmissão de esportes,

uma exclusivamente ligada a um clube de futebol (São Paulo Digital) e a outra, com

transmissão de diversos clubes, a Futebol no Interior. Wolton (2010) destaca que,

embora os canais e sistemas tecnológicos sejam mundiais, e podemos inserir as rádios

on-line nessa lógica, já que são ferramentas com acesso em qualquer local com internet,

não necessariamente constituirão uma aldeia da diversidade. “Pode ser que a

uniformização predomine por força de concentração das indústrias culturais e da

comunicação” (p. 67). Isso significa que, as rádios on-line acabam, com essa proposta

de atender públicos estratificados, núcleos de predileção, reforçando a existência de

espaços individuais.

Embora as rádios on-line tenham surgido com a alcunha de plataformas com

algum grau de independência e quebra de paradigmas, tanto para fundação quanto para

produção e veiculação de conteúdos fora da construção coletiva estabelecida pelas

convencionadas indústrias culturais, elas estão inseridas dentro de uma lógica

capitalista, e ela se reproduz, ainda que parcialmente, no cenário digital.

Há assimetrias nos campos econômico, político e simbólico que definem o

alcance e a sustentabilidade financeira, inerente à existência das empresas no sistema

capitalista, e elas restringem a existência de plataformas de transformação ou

rompimento com a lógica de audiência que impera nas mídias tradicionais. Percebe-se

que a maioria das rádios on-line reproduzem modelos, tanto no conteúdo abordado

quanto na concepção de audiência. A partir disso, o rompimento com a lógica

preponderante, tanto na linguagem, quanto nos conteúdos, e buscas alternativas de

sustentação econômica se faz em vitais para que essas emissoras cumpram a promessa

emancipatória que carregam consigo.

REFERÊNCIAS

BRECHT, Bertold Teoria do Rádio: (1927-1932). In. MEDITSCH, Eduardo. (Org.)

Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2005. p.35-46.

BOLAÑO; BRITTOS, Valério; MOURA, Fábio; MENEZES, Paulo V. e VIEIRA,

Eloy. Economia Política da Internet. Universidade Federal de Sergipe. Aracaju: Ed.

UFS. Vol. II. 1ª Edição. 2013. (mimeo)

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BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media.

Cambridge, Londres: MIT Press, 2004.

CASTELLS, Manuel (2003), “A Galáxia da Internet: Reflexões sobre a Internet, os

negócios e a sociedade”, Jorge Zahar Ed, Rio de Janeiro.

FERRARETO, Luiz Artur; KICHINHEVSK, Marcelo. Rádio e convergência: uma

abordagem pela economia política da comunicação. In: XIX Encontro da Compós,

Rio de Janeiro, junho de 2010

FIDLER, Roger. Mediamorfosis: compreender los nuevos medios. Buenos Aires:

Granica, 1998.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2009.

KISCHINHEVSKY, Marcelo. Rádios corporativas e customizadas – novos atores no

mercado da radiodifusão sonora. In. ALAIC, Peru, 2014. Disponível em:

http://congreso.pucp.edu.pe/alaic2014/wp-content/uploads/2013/09/GT6-Marcelo-

Kischinhevsky.pdf acesso: 20/11/2014

PRATA, Nair. webrádio: novos gêneros, novas formas de interacção. Florianópolis:

Editoral Insular, 2008.

PRATA, Nair e MARTINS, Henrique Cordeiro. A webradio como business.

Comunicação e Sociedade. Revista 20. 2011 Disponível em:

http://www.lasics.uminho.pt/ojs/index.php/comsoc/article/view/887/847.

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PESQUISAS RADIOFÔNICAS E ESTUDOS DE GÊNERO-

UM BREVE PANORAMA

Graziela Bianchi33

Nayane Cristina Rodrigues de Brito 34

RESUMO

O presente artigo traz um breve panorama sobre a situação relacionada aos trabalhos

que realizam a articulação entre questões radiofônicas e perspectivas de gênero. Para

tanto, elabora um mapeamento de todos os trabalhos apresentados no Grupo de Pesquisa

de Rádio e Mídias Sonoras da Intercom entre os anos 2000 e 2014. A partir da

realização dessa atividade de registro e análise percebeu-se que a quantidade de

trabalhos que traz esse tipo de abordagem e articulação mencionadas é muito pequena,

representa pouco mais de 1% do total de artigos mapeados. Além disso, observa-se

também uma utilização falha no que diz respeito a teorias e metodologias relacionadas

ao gênero. Sendo assim, este artigo oferece um registro a respeito dessa articulação

entre estudos sobre rádio e os estudos de gênero objetivando chamar a atenção para a

realidade observada nesse âmbito e quem sabe, a partir disso, contribuir para que haja

um desenvolvimento maior de estudos que relacionem esse tipo de abordagem.

Palavras-chave: Rádio. Gênero. Intercom.

1. INTRODUÇÃO

Perspectivas que tragam à discussão e reflexão abordagens que relacionem os

considerados Estudos de Gênero com questões em articulação com os meios de

comunicação passam a ter um desenvolvimento cada vez mais abrangente, elencando

problemáticas desde diferentes pontos de vista. Sendo assim, é pertinente afirmar que

esse é o lugar onde problematizações se tornam cada vez mais não só possíveis como

também necessárias. Com base nesse entendimento, o presente artigo busca contribuir

lançando um olhar para os trabalhos que articulam, de maneira especial, questões

relacionadas ao gênero- ainda que, em alguns dos exemplos, não o façam de forma

explicitada- em relação com as abordagens radiofônicas. Interessa ao trabalho perceber

as principais nuances presentes em tais estudos, observando especialmente de que

maneira são construídas e apresentadas tais relações.

Estudos de pesquisadoras com trabalhos relevantes nessa área de interface, e que

buscam compreender tais realidades de maneira mais detida, oferecem a possibilidade

de analisar melhor como se dão as articulações presentes em tais contextos. Nesse

33 Doutora. Professora nos cursos de mestrado e graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de

Ponta Grossa- UEPG. Email: [email protected] 34Mestranda em Jornalismo, Universidade Estadual de Ponta Grossa- UEPG. Bolsista Capes. Email:

[email protected].

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sentido, nos oferecem subsídios para que possamos organizar reflexões entorno do

tema. Nesse caso, por exemplo, podemos buscar melhor compreender como se dão

também essas relações entre outras áreas, que não só a comunicação, em articulação

com as discussões de gênero. Além disso, é relevante também situar tais questões em

um ponto de vista histórico, buscando assim compreender melhor o percurso descrito

por tais abordagens.

Pode-se dizer que, em comparação com outras áreas do conhecimento

(como História, Sociologia, Antropologia, Letras, entre outras), os

estudos de gênero são pouco representativos da produção científica

em Jornalismo e Comunicação, conquistando espaço no Brasil a partir

de meados dos anos 1990. Contudo, revelam-se pertinentes na medida

em que permitem inserir olhares angulados nas relações entre o

feminino e o masculino na análise das representações midiáticas e

mesmo das dinâmicas internas do campo jornalístico (ROCHA;

WOITOWICZ, 2014, p.133).

Se, por um lado, interessa ao presente trabalho promover uma reflexão a

respeito das articulações evidenciados do ponto de vista da comunicação, pensando em

relacionar de maneira mais detida questões radiofônicas envolvidas, é também

importante ressaltar que as questões pertinentes ao gênero, de maneira mais particular,

suas conceituações e abordagens específicas, também precisam ser mais bem refletidas.

Nesse aspecto, algumas elaborações nos auxiliam como forma de fazer avançar essa

discussão.

No seu uso mais recente, o “gênero” parece ter aparecido primeiro

entre as feministas americanas que queriam insistir no caráter

fundamentalmente social das distinções baseadas no sexo. A palavra

indicava uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de

termos como “sexo” ou “diferença sexual”. O gênero sublinhava

também o aspecto relacional das definições normativas das

feminilidades. As que estavam mais preocupadas com o fato de que a

produção dos estudos femininos centrava-se sobre as mulheres de

forma muito estreita e isolada, utilizaram o termo “gênero” para

introduzir uma noção relacional no nosso vocabulário analítico.

Segundo esta opinião, as mulheres e os homens eram definidos em

termos recíprocos e nenhuma compreensão de qualquer um poderia

existir através de estudo inteiramente separado. Assim, Nathalie Davis

dizia em 1975: “Eu acho que deveríamos nos interessar pela história

tanto dos homens quanto das mulheres, e que não deveríamos

trabalhar unicamente sobre o sexo oprimido, do mesmo jeito que um

historiador das classes não pode fixar seu olhar unicamente sobre os

camponeses. Nosso objetivo é entender a importância dos sexos dos

grupos de gênero no passado histórico. Nosso objetivo é descobrir a

amplitude dos papéis sexuais e do simbolismo sexual nas várias

sociedades e épocas, achar qual o seu sentido e como funcionavam

para manter a ordem social e para mudá-la” (SCOTT, 1989, p. 3).

Tais perspectivas expostas nos proporcionam condições de iniciar um processo de

compreensão de questões e pontos de vista que são cruciais especialmente para entender

a maneira como os estudos radiofônicos, em particular, têm tratado a temática de

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gênero. Ainda que a análise empreendida por esse trabalho não consiga dar conta de

uma grande amostra, pelo menos uma parcela dos trabalhos que foram desenvolvidos no

Brasil nos últimos anos, buscando estabelecer algum tipo de relação entre rádio e

gênero, foi aqui contemplada.

2. COMO O GÊNERO SE ARTICULA COM O RÁDIO (OU NÃO)

Para dar conta de melhor compreender a forma como se dá a expressão e articulação

de estudos que buscam promover o diálogo entre temáticas envolvendo o rádio e

também as questões de gênero, buscou-se como subsídio para a coleta de dados um dos

mais expressivos locais, no Brasil, que reúne os trabalhos radiofônicos realizados na

atualidade: o Grupo de Pesquisa de Rádio e Mídias Sonoras da Intercom. O grupo, que

desenvolve suas atividades de maneira sistemática desde o início dos anos de 1990, com

encontros anuais, sendo parte da programação do congresso nacional da Intercom, é o

responsável por agregar a maior parte de pesquisas e pesquisadores que se dedicam aos

estudos radiofônicos no país.

No site da Intercom estão disponíveis os trabalhos apresentados por todos os grupos

participantes da entidade, entre eles, o Grupo de Rádio e Mídias Sonoras. Nesse espaço,

é possível então encontrar todos os trabalhos apresentados por todos os grupos, nos

eventos que ocorrem anualmente, desde o ano 2000. Assim, foi possível realizar um

mapeamento de trabalhos (somente os situados no âmbito do grupo mencionado)

apresentados no período de 14 anos, uma vez que o evento de 2015, ano corrente, no

momento da escrita deste artigo, ainda não havia sido realizado.

Para o desenvolvimento deste trabalho a primeira atividade necessária consistiu em

uma checagem dos artigos apresentados em todo o período elencado para a análise.

Foram consideradas somente as publicações contidas nesse grupo em especial e que

estão disponíveis para consulta no site da instituição35. A partir desse primeiro

mapeamento foi possível construir o quadro demonstrativo apresentado a seguir (Tabela

1). Através dele, objetivamos demonstrar de maneira clara qual a é a situação que se

apresentada com relação à quantidade de trabalhos relacionados ao nosso foco de

interesse. Temos a visualização disponível por cada ano e também podemos contabilizar

o total de trabalhos apresentados no decorrer dos 14 anos considerados pela amostra.

Tendo realizada essa primeira checagem para que fosse possível traçar parâmetros

quantitativos, foi possível então, em um segundo momento, relacionar o panorama dos

números obtidos com uma abordagem mais qualitativa, preocupada em compreender

melhor a inserção e o direcionamento desses trabalhos que relacionam questões

radiofônicas e perspectivas de gênero.

ANO LOCAL DO EVENTO

TOTAL DE ARTIGOS

APRESENTADOS NO

GT

ARTIGO SOBRE

GÊNERO %

2000 Manaus – AM 13 zero 0

2001 Campo Grande – MS 20 zero 0

2002 Salvador – BA 24 zero 0

2003 Belo Horizonte – MG 39 1 2,56

2004 Porto Alegre – RS 41 1 2,44

35 Disponível em: http://www.portalintercom.org.br/ Acesso em 20 de novembro de 2015.

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2005 Rio de Janeiro – RJ 41 zero 0

2006 Brasília – DF 29 1 3,49

2007 Santos – SP 30 zero 0

2008 Natal – RN 34 1 2,94

2009 Curitiba – PR 43 zero 0

2010 Caxias do Sul – RS 50 zero 0

2011 Recife – PE 46 2 4,35

2012 Fortaleza – CE 41 zero 0

2013 Manaus – AM 31 1 3,22

2014 Foz do Iguaçu – PR 49 zero 0

TOTAIS 531 7 1,32

TABELA 1- GT RÁDIO E MÍDIAS SONORAS E OS TRABALHOS SOBRE

GÊNERO APRESENTADOS ENTRE OS ANOS DE 2000 E 2014.

A partir da apresentação do quadro com a exposição sintética dos números

obtidos em função do levantamento realizado, o que é possível observar, de maneira

bastante contundente, é uma presença muito pequena de estudos que buscam, de alguma

maneira, realizar uma articulação entre as questões radiofônicas e de gênero. Em um

contexto de 531 trabalhos apresentados no Grupo de Rádio e Mídias Sonoras, no

período do ano 2000 ao ano de 2014, apenas sete realizaram a articulação que interessa

à reflexão empreendida por este trabalho. Isso representa pouco mais de 1% do total de

trabalhos apresentados no espaço de tempo delimitado e pesquisado.

Quando observamos os números separados por anos, percebe-se que na maioria

dos anos de realização do evento nenhum trabalho, nos parâmetros elencados, é

apresentado nas edições. Nos demais encontros, há a ocorrência de apenas uma

apresentação por ano e em apenas um caso, no ano de 2011, é verificada a existência de

dois trabalhos apresentados que articulam as temáticas de interesse para este

mapeamento. Em suma, os números nos mostram a baixíssima ocorrência, pelo menos

nesse evento investigado no período de 14 anos, de reflexões sistematizadas por

pesquisas, que coloquem em destaque a relação entre perspectivas radiofônicas e

gênero.

3. ABORDAGENS DAS RELAÇÕES RÁDIO E GÊNERO

Após explorarmos os aspectos numéricos propiciados pelo levantamento

realizado, é pertinente trazer alguns dados e percepções sobre as poucas pesquisas que

promovem a articulação entre rádio e gênero. Uma primeira percepção que pode ser

descrita diz respeito à variedade de abordagens encontradas. Não existe um único

direcionamento empreendido pelos sete trabalhos realizados, eles variam no que diz

respeito ao enfoque dado, às metodologias utilizadas, os recortes efetuados, entre outros

aspectos.

Outra questão que aparece de uma maneira bastante evidente está relacionada à

própria denominação do tipo de pesquisa que é realizada: uma grande parte das autoras

(todas as sete são mulheres) não nomeia o trabalho como sendo um estudo de gênero,

ou mesmo traz alguma perspectiva que possa relacionar a pesquisa como tal. Em alguns

casos, são mobilizados autores e estudos que trabalham com a abordagem, seja do ponto

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de vista teórico ou metodológico. Entretanto, em vários dos trabalhos eles ocupam

apenas um espaço de menção, sem que sejam aprofundados esses direcionamentos.

De forma sucinta, é possível trazer uma síntese a respeito das abordagens

mobilizadas por esses trabalhos. Dos sete artigos pertencentes ao âmbito de análise

relacionada por esse artigo, dois deles tratam de questões que trazem elementos

condizentes às relações entre mulheres e posições de movimentos sociais, organizados

de forma institucionalizada ou não. Em um deles, é observado o papel exercido pelo

rádio em um ambiente rural. É questionado então pelo referido trabalho o impacto do

meio em uma localidade rural do interior do Brasil, olhando especificamente para um

grupo de mulheres, em sua maioria agricultoras e donas de casa. Verificam-se questões

relacionadas à escuta de uma emissora específica, única presente na localidade

estudada. O outro trabalho que segue por um viés semelhante e investiga um único

programa, em uma emissora comunitária em articulação com um grupo de mulheres que

vive na periferia de uma capital do nordeste brasileiro, nesse caso então, diferencia-se

do anterior pela questão do ambiente urbano e periférico.

Em outra perspectiva, um dos trabalhos traz uma única mulher em um papel, em

certa medida, protagonista. Investiga, a partir as memórias narradas por essa

personagem, já idosa, como algumas questões políticas se articulavam em tempos

passados, buscando compreender, através dessas memórias específicas narradas por essa

senhora, como o rádio participava do âmbito político da sociedade, especialmente em

períodos pré-ditatoriais e também durante a ditadura. Em outro trabalho é abordada a

questão da identidade feminina, construída a partir de uma emissora de denominação

evangélica específica, e repassada via os programas de rádio produzidos e transmitidos

por ela.

Dois trabalhos apresentam perspectiva que, de alguma forma, trazem questões

sobre o envolvimento da mulher na produção radiofônica. Em um deles, a abordagem

dada busca relacionar as percepções de ouvintes mulheres a respeito de programas de

locução também realizada por profissionais mulheres. No outro, é investigada a

participação de jornalistas mulheres, egressas de uma universidade do nordeste do país,

no campo de trabalho em rádio.

O último trabalho mapeado aborda uma questão que difere bastante dos demais.

Traz percepções sobre um programa radiofônico de humor conduzido por uma travesti.

Entretanto, este é um personagem criado, o locutor, em sua vida cotidiana, não é

travesti, apenas assume este papel no programa de rádio e também em apresentações de

eventos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira percepção suscitada pelo trabalho, e sendo esta muito evidente, ao

trazer questões que articulam rádio e gênero, a partir do universo de análise descrito

para a realização desse trabalho, é a quase ausência dessa abordagem. Em um contexto

geral de mais de 500 trabalhos apresentados tendo o rádio e seus diferentes aspectos

figurando como perspectiva principal de análise, no período de 14 anos, onde há

somente sete trabalhos onde o gênero é tematizado e está presente, nos mostra uma

realidade onde esse viés de estudos se revela de uma maneira extremamente carente.

Para além disso, as pouquíssimas abordagens que são apresentadas, em sua maioria, não

tematizam, de forma sistematizada, reflexiva, comprometida, as questões teórico-

metodológicas que envolvem o gênero. Nesse sentido, uma série de reflexões se faz

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necessária. Algumas são apontadas por autoras que tematizam essas perspectivas em

articulação direta com os meios de comunicação.

Analisar a problemática dos meios de comunicação e das

representações de gênero, reproduzidos nesse âmbito, significa

considerar essas duas faces, buscando desvendar o que está oculto,

dando visibilidade às diversas vozes e imagens presentes nas falas,

narrativas e discursos. Trata-se não só de denunciar a violência

simbólica que se exerce nas relações de comunicação pela mídia e,

através dela, nas relações sociais, em geral, e nas relações de gênero,

em particular, mas, também, de identificar um potencial utópico de

subversão que se insinua através do riso e do prazer (SANTOS, 2004,

p. 169).

Esse trabalho buscou realizar um movimento muito breve e inicial de discussão

dessa relação entre rádio e gênero. Como pode ser visto em função dos dados aqui

apresentados, carecemos de um aprofundamento maior para investigarmos tais questões,

entender o porquê dessa presença tão pequena de estudos radiofônicos que tenham

preocupações com as perspectivas de gênero. É preciso, a partir daqui, relacionar esses

dados com outros espaços de apresentação de trabalhos onde possam ser encontradas

pesquisas que, potencialmente, possam promover essa articulação, seja em revistas

científicas da área ou até mesmo em outros eventos semelhantes. Tentar perceber se a

tendência observada neste trabalho persiste, se ela aumenta, ou talvez diminua. De toda

forma, é possível considerar que esse breve panorama nos proporciona subsídios para

empreender outras buscas e, quem sabe, estas nos ajudem a traçar outros horizontes,

tendo também a realização de pesquisas que articulem rádio e gênero como um objetivo

a ser alcançado. Os dados levantados até o momento nos evidenciaram que precisamos

sim falar sobre rádio e gênero, bem mais e também de uma forma melhor.

5. REFERÊNCIAS

ROCHA, Paula Melani; WOITOWICZ, Karina Janz. Estudos de Gênero no Jornalismo:

Perspectivas de análise das mulheres jornalistas e das representações femininas.

ROCHA, Paula Melani; WOITOWICZ, Karina Janz (org.). Marcas e discursos de

gênero: produções jornalísticas, representações M313m femininas e outros olhares.

Ponta Grossa: Editora UEPG, 2014. 14 mb.; e-book.

http://www.isthmus.com.br/eduepg/dados/Marcas-Discursos-Genero.pdf. Acessado em

7 de agosto de 2015.

SANTOS, Maria Inês Detsi de Andrade. Gênero e Comunicação: o masculino e o

feminino em programas populares de rádio. São Paulo: Annablume, 2004.

SCOTT. Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução Christine

Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. In: Gender and the politics of history. New York,

Columbia University Press. 1989. p. (1-35). Disponível em:

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http://disciplinas.stoa.usp.br/pluginfile.php/185058/mod_resource/content/2/G%C3%A

Anero-Joan%20Scott.pdf. Acessado em 8 de agosto de 2015.

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O Rádio na Revista FAMECOS

Doris Fagundes Haussen36

Niágara Reinaldo Braga37

Resumo

O artigo traça um panorama dos artigos com a temática sobre o rádio publicados na

Revista Famecos, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUCRS,

e verifica os autores, conteúdos preponderantes nos mesmos, e as fontes bibliográficas

utilizadas. Pretendeu-se, assim, aprofundar a visão sobre o espaço ocupado pelo veículo

nesta publicação científica da área. Para a escolha dos textos, foram selecionados

aqueles em que o título e o resumo indicassem a vinculação com o tema “rádio”, e o

período analisado, 2002-2012, complementa pesquisa anterior referente a 1991-2001. A

escolha pela Revista Famecos deve-se ao fato de ser a mais antiga de PPGs em

Comunicação do Rio Grande do Sul – é de 1994, ano da criação do Curso de Mestrado.

O artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla em desenvolvimento pela autora38, que

analisa a presença do rádio nos periódicos Qualis A2 e B1, conforme a CAPES, além

das teses e dissertações apresentadas nos PPGs em Comunicação com essa temática, no

período 2002-2012.

Palavras-chave: Rádio; Revista Famecos; Pesquisa.

A produção científica sobre o rádio no Brasil tem sido tema de vários trabalhos

desenvolvidos por pesquisadores da área. Inclusive esta autora produziu uma pesquisa

sobre artigos, livros, teses e dissertações englobando o período de 1991 a 2001,

concluída em 2003. Neste sentido, e dando continuidade ao citado estudo anterior, este

artigo dispõe-se a mapear, quantitativamente, os artigos publicados em revistas

brasileiras da área da Comunicação classificadas como Qualis A2 pela Capes e analisar,

qualitativamente, os conteúdos, autores e fontes bibliográficas da Revista Famecos

(RF), de 2002 a 2012. Com isto, pretende-se ter uma visão mais ampla do espaço

ocupado pelo rádio nessa publicação científica da área, além de resgatar a memória

desta produção. Para a escolha dos textos, foram selecionados aqueles em que o título e

o resumo indicassem a vinculação com o tema “rádio”.

36 Profª Drª do PPG em Comunicação Social da PUCRS. Pesquisadora do CNPq. [email protected] 37 Estudante de Jornalismo na Famecos/PUCRS. Bolsista BIC/CNPq/PUCRS.

[email protected] 38 A pesquisa, desenvolvida com Bolsa PQ/CNPq, intitula-se “A pesquisa sobre rádio no Brasil: teses,

dissertações e artigos. Conteúdos e metodologias (2002-2012)”.

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O estudo anterior e o estado da arte

Este artigo faz parte, assim, de uma pesquisa mais ampla em desenvolvimento

pela autora e que dá prosseguimento à anterior, denominada A produção científica sobre

o rádio no Brasil: livros, artigos, teses e dissertações (1991-2001), finalizada em 2003,

na qual foi feito um amplo levantamento da produção daquele período. Dos resultados

constam dados quantitativos sobre o tema, prevalência de conteúdos e a inserção dentro

do campo da Comunicação (HAUSSEN, 2004).

A revisão efetuada para a pesquisa indicou, naquele momento, a existência de

um levantamento sobre obras publicadas até 1990, realizado pela pesquisadora Sonia

Virginia Moreira que resultou no livro O Rádio no Brasil (1991; 2001, 2ªed.). A mesma

autora, em conjunto com Nélia Del Bianco, publicou, ainda, um artigo intitulado A

pesquisa sobre o rádio no Brasil nos anos oitenta e noventa (in LOPES, M.I. V.

(1999)) em que identificou 21 títulos sobre o veículo (1990-1998). Um levantamento

inicial sobre a produção do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora, da Intercom, foi

realizado por Del Bianco e Zuculoto (1996) e apresentado em CD com o título Memória

do GT Rádio da Intercom: seis anos de pesquisa em defesa do rádio (1991-1996).

Atualizando-se estes dados verificou-se que, em 2005, Sonia Virginia Moreira publicou

Pesquisa de rádio no Brasil: a contribuição da Intercom (1997-2004) e em 2008, o

artigo Rádio, em que faz um minucioso levantamento da publicação bibliográfica sobre

o tema. Neste último, a autora refere-se a “125 textos, a maioria livros, mas também

capítulos e artigos em revistas científicas” (in MARQUES DE MELO, J. 2008, p. 129).

No mesmo ano, KLÖCKNER (2008) apresentou levantamento sobre teses e

dissertações defendidas por autores gaúchos, no 6º Encontro Nacional da Rede Alcar,

realizado na Universidade Federal Fluminense. Por outro lado, Luiz Artur Ferraretto

publicou, em 2010, o texto sobre rádio e convergência digital em que também se refere

a esta produção. Na mesma linha, PRATA, CAMPELLO, MOURA e FIALHO (2011),

analisaram os estudos sobre rádio nas instituições de ensino superior de Belo Horizonte.

No Congresso da Intercom 2011, esta autora proferiu palestra no GP Rádio e

Mídia Sonora em que atualizava, até 2010, os dados quantitativos em relação às teses e

dissertações, verificando que 123 tinham sido apresentadas nos PPG em Comunicação

brasileiros, sendo 30 teses e 93 dissertações (no período 1991-2001 tinham sido 106,

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das quais 90 dissertações e 16 teses). “Somando-se ao período anterior, observa-se que

entre 1991 e 2010 foram defendidas 229 teses e dissertações relativas ao rádio nos PPG

em Comunicação brasileiros” (HAUSSEN, 2012). Sobre os estudos mais recentes pode-

se citar o de LOPEZ e MUSTAFÁ (2012), sobre as teses de doutorado defendidas nos

Programas de Pós-Graduação, e o de PRATA, MUSTAFÁ e PESSOA (2014), que

aborda os pesquisadores de rádio no Brasil.

A Revista Famecos

A revista existe desde de 1994, e atualmente está no Nº 4, do Volume 22,

somando, com todos os volumes e números, 59 publicações. Ao todo, contabilizando o

último número, a Revista Famecos já publicou 759 artigos, 97 resenhas, 13 entrevistas e

seis ensaios. Ao longo de sua história contou com cinco editores, os professores

doutores Ana Carolina Escosteguy, Francisco Menezes Martins, Juremir Machado da

Silva, Cristiane Freitas e a editora atual, Beatriz Dornelles.

A partir do v. 17, nº. 2 (2010), a revista passou a circular somente no formato

digital, beneficiando-se dos recursos tecnológicos disponíveis no site da publicação. E,

em 2015, adotou a periodicidade trimestral, sendo a única de sua área no Brasil a

oferecer quatro números por ano para publicação de artigos, entrevistas e resenhas.

Outra característica é a publicação Ahead of Print, que significa publicar em separado

os artigos antes da composição dos números. O objetivo é contribuir para o avanço da

pesquisa científica por meio da rápida comunicação dos resultados. Por outro lado,

levantamento feito em 2008, a partir de trabalhos apresentados no encontro nacional da

Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós), a

entidade classificou a Revista Famecos como a segunda publicação mais citada no seu

espaço de atuação.

Artigos sobre rádio (2002-2012) na RF

No total da pesquisa (2002-2012), foram identificados 152 textos de 28

periódicos e, das sete revistas Qualis A2 da área da Comunicação, todas apresentam

produções que têm o rádio como foco, totalizando 28 textos. A que mais publicou foi a

Revista Famecos, com oito artigos e uma resenha, seguida pela Revista Intercom com

sete artigos e uma entrevista. As revistas Matrizes e E-Compós apresentam três artigos,

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as revistas Galáxia e Estudos Avançados, dois textos cada uma, e a Lua Nova, um

texto39.

Em relação ao conteúdo, os mais abordados são os de recepção/sociabilidades (5),

política (4), educação e cidadania (3), rádios comunitárias (3), e tecnologias (3). Com

dois artigos aparecem os conteúdos de pesquisa, teorias e música. Na sequência, com

um texto aparecem os temas sobre história, ensino de rádio, publicidade e

globalização40.

Em relação à Revista Famecos, os oito artigos publicados, entre 2002 e 2012,

foram produzidos por dez autores, dois em co-autoria. Os que mais publicaram foram

Cicilia Peruzzo e Marcelo Kischinvesky, com dois textos cada um. Os demais

apresentaram um texto cada. Os conteúdos mais abordados foram sobre as rádios

comunitárias e a recepção/mediações com dois textos cada. Na sequência aparecem a

tecnologia, a educação/cidadania, a política e a pesquisa, com um artigo cada, além de

uma resenha sobre política. Quanto às referências bibliográficas da área da

Comunicação mais citadas aparecem os autores Ferrraretto, Haussen, Kischinvesky,

Meditsch, Moreira, Peruzzo e Zuculoto com três citações cada. Na sequência, com duas

referências constam Cebrián Herreros, Castro e Trigo de Souza, e, a seguir, com uma

citação aparecem vários autores como Prata, Bufarah Júnior, Cunha, Del Bianco,

Barbosa Filho e Ortriwano, além dos autores de outras áreas correlatas.

A seguir, os títulos, autores e resumos dos artigos publicados na Revista

Famecos:

-Rádio comunitária na Internet: empoderamento social das tecnologias (2006), de

Cicilia M. K. Peruzzo (UMESP). Em seu resumo a autora diz que o artigo estuda a

inserção das rádios comunitárias na internet. Objetiva situar o cenário em que essas

emissoras atuam no Brasil, compreender as formas de ocupação de espaço na rede pelo

rádio, averiguar as tendências de programação, características de cunho comunitário

39 As sete revistas Qualis A2 analisadas e a sua localização são: Revista Brasileira de Ciências da

Comunicação - INTERCOM (São Paulo); Revista Famecos. Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social da PUCRS (Porto Alegre); Revista Matrizes. Programa de Pós-Graduação em

Ciências da Comunicação da USP (São Paulo); Revista E-COMPÓS (Brasília); Revista Galáxia.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP (São Paulo, Revista Estudos

Avançados (Instituto de Estudos Avançados da USP, São Paulo) e a Lua Nova (CEDEC – Centro de

Estudos de Cultura Contemporânea, São Paulo). 40 As categorias para a análise foram selecionadas a partir da repetição das mesmas, à medida em que

foram sendo identificadas nos artigos e nas palavra-chave.

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presentes, formas de participação popular viabilizadas, e se há evidências de sua

contribuição no exercício da cidadania.

- A “geração podcasting” e os novos usos do rádio na sociedade do espetáculo e do

entretenimento (2008), de Micael Herschmann (UFRJ) e Marcelo Kischinhevsky (PUC-

RIO). Segundo os autores, a proposta foi repensar a importância da espetacularização e

da alta visibilidade como fatores que permitiriam aos atores sociais “negociar” sentidos

e significados na sociedade contemporânea. Consideram, assim, as apropriações das

novas tecnologias um estudo de caso que permite avaliar as possibilidades de

construção de linhas de fuga na sociedade atual, marcada por uma forte presença dos

media e do entretenimento. Analisaram, também, o novo nicho de produção e consumo

midiático viabilizado pela convergência tecnológica – especificamente o podcasting,

modalidade de rádio sob demanda –, repensando a atuação dos usuários no

estabelecimento de formas inovadoras de sociabilidade e mediação socioculturais.

- O Universo Radiofônico de Ilhéus (BA): tênues fronteiras entre radialismo e política,

(2009), de Silvia Garcia Nogueira (UFRJ). A autora parte de um panorama sobre os

meios de comunicação em Ilhéus (Sul da Bahia) e do mundo político municipal,

analisando as estreitas relações estabelecidas entre ambos. A perspectiva adotada

considera que entre a dinâmica cotidiana da vida política e as atividades diárias dos

meios de comunicação há o estabelecimento de uma intimidade muito próxima, e que

abordar o universo do rádio em Ilhéus é também falar de algum modo de política.

Assim, conforme a autora, percebe-se como a imprensa modifica as relações das forças

políticas locais e como os políticos e a mídia exercem influência mútua.

- Rádio e convergência: uma abordagem pela economia política da comunicação

(2010), de Luiz Artur Ferraretto (UFRGS) e Marcelo Kischinhevsky (UERJ). O artigo

traz questões relacionadas às novas lógicas de produção, distribuição e consumo de

conteúdos radiofônicos em um ambiente de convergência midiática. A expansão do

rádio rumo às plataformas digitais reconfigura as práticas comunicacionais, acelerando

a concentração empresarial, mas também permitindo o surgimento de novos atores –

notadamente, do setor de telecomunicações. Analisa-se, portanto, o novo lugar do rádio,

indústria cultural que, conforme os autores, hesita entre as ondas eletromagnéticas e a

multiplicidade de oferta de conteúdos e de canais de difusão do novo mundo digital.

Estuda-se o chamado rádio comercial, discutido em quatro âmbitos: 1) tecnológico; 2)

empresarial; 3) profissional e 4) de conteúdos.

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- O rádio educativo e a cibercultur@ nos processos de mobilização comunitária

(2011), de Cicilia M. K. Peruzzo (UMESP). O estudo investiga o percurso do rádio

educativo no Brasil e objetiva situar as várias faces do mesmo e refletir sobre sua

passagem em diferentes momentos históricos. Pretende ainda discutir sua presença na

internet e analisar a inserção do rádio educativo na cibercultur@. A pesquisa foi

realizada com base em pesquisa bibliográfica e documental. Conclui-se que o uso

educativo do rádio foi variando ao longo do tempo. Passa por um conteúdo educativo-

cultural difuso, incorpora programas governamentais de ensino a distância, serve à

educação de base e à difusão da “alta cultura” e à informação de interesse público, se

insere em processos de ensino-aprendizagem escolar e revela uma dimensão educativa

na rádio popular e comunitária.

- A rádio comunitária como prática de cidadania comunicativa (2011), de Cristóvão

Domingues de Almeida e Joel Felipe Guindani (Doutorandos UFRGS) e Valdir José

Morigi (UFRGS). Os autores partem da questão: como se caracteriza a prática de

cidadania comunicativa na rádio comunitária desenvolvida por agricultores Sem Terra?

A resposta a esse questionamento, segundo os mesmos, passa pela definição de

cidadania comunicativa enquanto estratégia de ação e de participação no espaço

público. Articulando-a com a experiência observada da rádio comunitária Terra Livre

FM, no Assentamento 25 de Maio, em Abelardo Luz (SC), ela é tecida por uma rede

complexa de elementos que envolvem a participação, formas de sociabilidade e a livre

manifestação dos pensamentos. Ações comunicativas que garantem a constituição de

novos direitos no qual através da palavra própria realiza a mediação entre as práticas de

cidadania e a participação dos sujeitos.

- Rádio social: mapeando novas práticas interacionais sonoras (2012), de Marcelo

Kischinhevsky (UERJ). O artigo busca mapear a emergência de novas práticas

interacionais na esteira do surgimento das chamadas mídias sociais de base radiofônica,

ou simplesmente, rádio social. No percurso, são discutidos os avanços nos estudos sobre

recepção, interações e mediações, assim como as alterações no processo comunicacional

trazidas pelas redes digitais. Apoia-se nos conceitos de radiomorfose e de remediação

para caracterizar esse momento de transição em que podem ser identificadas tanto

rupturas quanto continuidades na apropriação de conteúdos veiculados no âmbito da

indústria da radiodifusão sonora, bem como à sua margem.

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- A produção científica sobre o rádio no Brasil: livros, artigos, dissertações e teses

(1991-2001), (2004), de Doris Fagundes Haussen (PUCRS e UFRGS). O artigo

apresenta um mapeamento dos livros, artigos, dissertações e teses sobre o rádio no

Brasil, publicados no período de 1991 a 2001, identificando a sua origem e a

preponderância dos temas abordados. Como base teórica de apoio é utilizada a obra de

Santaella (2001) sobre os territórios da Comunicação. No levantamento efetuado

encontraram-se 63 livros editados, 82 artigos e 105 teses e dissertações.

Algumas considerações

Como citado anteriormente, este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla,

assim, as considerações aqui apresentadas sobre a Revista Famecos são parte de um

todo maior. O que se observa é que, ao longo de dez anos da revista, o rádio, de alguma

maneira, esteve sempre presente, e as temáticas que mais chamaram a atenção dos

pesquisadores nesse período foram as das rádios comunitárias e as dos estudos de

recepção e mediações. Em relação aos autores dos textos, quatro (que produziram seis

artigos) são especificamente da área de rádio: Kischinhevsky, Peruzzo, Ferraretto, e

Haussen. Destaca-se, também, a utilização de referentes bibliográficos da própria área

da radiodifusão, oriundos do Grupo de Pesquisa “Rádio e Mídia Sonora” da Intercom,

demonstrando a importância do mesmo para a solidificação dessa área de pesquisa.

No que se refere às referências bibliográficas é interessante lembrar, ainda, as

observações de Martino (2014, p. 163) quando diz que “a aferição dos lugares de fala a

partir das citações de outros autores permite formar um índice a partir da materialidade

desse discurso na escrita dos textos”, mas salienta os cuidados necessários: “a

quantidade de vezes em que um autor aparece não pode ser tomada como um retrato de

sua apropriação, posto que a divisão não é horizontal, isto é, pelo número de artigos em

que é citado, e um autor pode ter diversas obras citadas em apenas um artigo”. Mas,

citando Ferrara (2014, p. 8), o autor lembra que as menções conceituais examinadas

exclusivamente enquanto materializadas nas referências podem indicar “rastros”

referidos, “simultaneamente, ao presente observado e às perguntas feitas ao mesmo

objeto no passado”.

Já a variedade de temas abordados nos artigos indica a própria complexidade do

veículo que, ao atrair o olhar dos pesquisadores mostra, também, a sua forte vinculação

com assuntos relativos a interesses da comunidade. Seja na política, na educação, na

economia, no esporte ou na música, tanto por ondas magnéticas quanto on-line.

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O rádio é, sem dúvida, o meio de comunicação que mais

evoluiu nas últimas décadas em função das novas tecnologias.

Por causa da internet, o rádio teve que se adaptar à nova

realidade, renovando as linguagens existentes e ganhou mais

espaço porque pode ser transmitido e ouvido por outras

plataformas como celular, iPod, computadores domésticos e de

mão. Por isto tudo, suscita mais pesquisas científicas e os

teóricos e pesquisadores têm acompanhado essas mudanças

com a atenção devida. (PRATA, MUSTAFÁ e PESSOA,

2014, p. 82).

O panorama traçado neste artigo indica, assim, a percepção de que o rádio

continua a ser objeto de interesse dos pesquisadores por sua própria evolução no

novo contexto.

O rádio, historicamente, firmou-se como um redimensionador

das experiências cotidianas, um modalizador da prática social.

Esse entendimento vai além do rádio como mídia e

proporcionador de sociabilidade. As pessoas exercitam a

partir do rádio e com ele, desde o debate público, a busca de

cidadania, a celebração ritualística, a festa, o folclore, o

desejo, a frustração, o limite, o desejo de justiças, valores

morais até a fofoca, o medo, o tabu, o mito ..." (SALOMÃO,

2003, p.128).

A diversidade de conteúdos abordados, aponta, portanto, para esta

característica do veículo de reverberar as realidades vividas na própria sociedade e a

riqueza desta relação é percebida pelos pesquisadores ao selecionarem os temas dos

seus estudos, revelados no levantamento realizado para este artigo e registrados pela

Revista Famecos.

Referências

DEL BIANCO, NÉLIA; ZUCULOTO, VALCI. Memória do GT de Rádio da Intercom:

seis anos em defesa do rádio (1991-1996). In: Congresso Brasileiro de Ciências da

Comunicação – Intercom, 1996, São Paulo. Anais... São Paulo, 1996. 1 CD.

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FERRARETTO, Luiz Artur. Pesquisa a respeito do rádio e de outros meios sonoros no

século 21: das transformações na natureza do meio e de seus congêneres aos seus usos

no contexto da convergência digital. Radioleituras, a. . 1, n. 1, Jul./-dez. 2010

Disponível em:<http://radioleituras.worpress.com>. Acesso em 20/05/2015.

HAUSSEN, Doris Fagundes. Panorama da Pesquisa em Comunicação no Brasil. In:

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_______. Trajetória da Pesquisa em Rádio no Brasil. Palestra. Revista Rádio-Leituras,

Ouro Preto, ano II, n.2, p.107-114, julho/dezembro, 2011. Disponível em:

http://radioleituras.wordpress.com Acesso em 21/08/2015.

_______. Memória dos textos sobre rádio publicados na Revista Intercom (2002-2012).

In: Congresso da Rede Alcar, 2015, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre:

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KLÖCKNER, Luciano. A produção gaúcha de teses e dissertações (2002-2008). In VI

congresso da Rede ALCAR: 200 anos de mídia no Brasil, historiografia e tendências.

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LOPES, Maria Immacolata Vassalo de et al. Pensamento comunicacional brasileiro.

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MARTINO, Luís Mauro Sá. Trilhas de um espaço de pesquisa: o GT Epistemologia da

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MOREIRA, Sonia Virginia. O Rádio no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Mil Palavras,

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anos de Ciências da Comunicação no Brasil. São Paulo: Editora Intercom, 1999, p.

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PRATA, Nair et al. Estudos sobre o rádio na academia – o caso de Belo Horizonte. In

MOREIRA, Sonia Virginia (Org.). 70 anos de radiojornalismo no Brasil. Rio de

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PRATA, Nair; MUSTAFÁ, Izani e PESSOA, Sonia Caldas. Teóricos e pesquisadores

de rádio no Brasil. Revista Brasileira de História da Mídia (RBHM), São Paulo, V. 3,

n.1, p. 65-82, jan.2014-jun/2014.

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SALOMÃO, Mozahir. Jornalismo radiofônico e vinculação social. São Paulo,

Annablume, 2003.

Textos da Revista Famecos mencionados no artigo

ALMEIDA, Cristóvão Domingues de; GUINDANI, Joel Felipe e MORIGI, Valdir José.

A rádio comunitária como prática de cidadania comunicativa. Revista FAMECOS,

Porto Alegre, v.18, n.3, p. 959-975, 2011.

FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio e convergência: uma abordagem pela economia

política da comunicação. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 17, n. 3, p:173-180,

2010.

HAUSSEN, Doris Fagundes. A produção científica sobre o rádio no Brasil: livros,

artigos, dissertações e teses (1991-2001). Porto Alegre, Revista Famecos, vol. 25, p.

119-126, 2004.

HERSCHMANN, Micael e KISCHINHEVSKY, Marcelo. A “geração podcasting” e os

novos usos do rádio na sociedade do espetáculo e do entretenimento. Revista

FAMECOS, Porto Alegre, v.1, n.37, 2008, p. 101-106.

KISCHINHEVSKY, Marcelo. Rádio social: mapeando novas práticas interacionais

sonoras. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 19, n. 2, p. 410-437, 2012.

NOGUEIRA, Silvia Garcia. O universo radiofônico de Ilhéus (BA): tênues fronteiras

entre radialismo e política. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 1, n. 39 p. 112-118,

2009.

PERUZZO, Cicília M.K. Rádio comunitária na internet: empoderamento social das

tecnologias. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v.1, n.30, p. 115-125, 2006

------------. O rádio educativo e a cibercultur@ nos processos de mobilização

comunitária. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 18, n. 3, p. 933-958, 2011.

Sites

CAPES. www.periodicos.capes.gov.br/

PORTAL DO RÁDIO: HTTPS://blog.ufba.br/portaldoradio/pesquisas/).

PORTAL INTERCOM: www.portcom.intercom.org.br/revcom/