midade technica podiam occorrer porém; , largos annos decor- · a saccharose nestes dois...

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50 midade technica podiam occorrer; porém, largos annos decor- ratura de oo° e de 60° é capaz de matar certas especies de levaduras, quando no estado de cellulas húmidas e á temperatura de 60° os esporos húmidos. Porém, diz o mesmo auctor, que quando a levadura fôr secca no vácuo ou a uma temperatura baixa é capaz de supportar sem alteração a temperatura de 100 Ora, postos estes princípios, fácil é vêr que se o pharmaceutico em- pregar uma temperatura de 60° a 64°, comquanto as cellulas húmidas não possão resistir ã acção destruidora do calor a 64°, os esporos resistem; porém, se a levadura se encontrar secca e porventura seja transportada para o xarope nem a temperatura de 100° é sufflciente para a destruir. E assim fica também explicada a razão porque nem mesmo os succos de fructos ficam isentos d'este micro-organismo, depois de sujeitos á temperatura da ebullição, (porquanto achando-se as levaduras expostas á acção dos raios solares sobre o fructo alli sécca, tornando-se refractaria áquella temperatura, podendo os esporos transplantados que sejam para aquelle meio originar a fórma ele- mentar do micro-organismo) pois que alli encontrará os elementos de que carece para a sua alimentação. Os micro-organismos, destituídos de chloro- philla, não podem como as plantas verdes constituir a molécula ternaria de carbone, hydrogenio e oxygenio, á custa da funcção — assimilação do carbone, a qual só pôde ter logar nas plantas que tiverem chloroleucitos, onde se realisa aquella funcção devido á acção que possue a cMorophilla sobre os raios solares, a qual, decompondo-os, fixa aquelles que ha de trans- formar no trabalho chimico da decomposição do anhydrido carbonico, fixando o carbone, o qual unindo-se aos elementos da agua fórma o aldehyde metyllico ou formico CH 2 0, d'onde por synthese se passa para a glycose: 6CH 2 0 = C 6 H 12 0 6 . Encontram, porém, os seres microbianos os elementos de que carecem nas seguintes origens: assucares, ácidos tartrico, acético, amido, pelo que se pôde dar ao primeiro composto a fórmula geral 0(H 2 0) n , nas substan- cias albuminóides (albumina, vegetalj, glúten, amygdalina, bem como nos saes mineraes, como tartaralo mono-potassio, etc., as quaes para entrarem na constituição da cellula do sôr têm de primeiramente soffrerem a acção de fermentos especiaes por elle segregados. Ainda não basta: ha bactérias denominadas parasitas facultativos que podem viver em meios não organisados, viver como os saprophytas, mas que quando penetram no organismo animal^ do homem, por exemplo, infe- ctam-rfo produzindo lesões, que lhes sao características, podendo como consequência causar a morte. Como exemplos citaremos dois: o bacillus typhicus e o bacillus anthracis. Ambos podem existir na agua, para alli arrastados por meios muito diversos, quer por infiltração das aguas nas camadas da terra, passando primeiramente pelo logar onde existissem deiecções de indivíduos atacados com qualquer d'estas doenças, quer sobre animaes, que houvessem suc- cumbido ás mesmas, quer por intermédio do pó, dos insectos, etc. Qual- quer, ou no estado de cellulas, ou no de esporos, se conservam n'aquelle meio durante muitos mezes, vivendo, quando no primeiro estado á custa das matérias organicas que nella se encontram. Ambam possuem a pro- priedade de quando ingeridos, locaHsar-se nas vísceras, onde se multi- Versão integral disponível em digitalis.uc.pt

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midade technica podiam occorrer; porém, largos annos decor-

r a tu r a de oo° e de 60° é capaz de matar certas especies de levaduras , quando no estado de cellulas húmidas e á t empera tu ra de 60° os esporos húmidos. Porém, diz o mesmo auctor , que quando a levadura fôr secca no vácuo ou a u m a tempera tura baixa é capaz de supportar sem alteração a t empera tu ra de 1 0 0

Ora, postos estes princípios, fácil é vêr que se o pharmaceut ico em-pregar uma tempera tu ra de 60° a 64°, comquanto as cellulas húmidas não possão resist i r ã acção destruidora do calor a 64°, os esporos r e s i s t em; porém, se a levadura se encontrar secca e porventura seja t ranspor tada para o xarope nem a tempera tura de 100° é sufflciente para a des t rui r . E ass im fica também explicada a razão porque nem mesmo os succos de fructos ficam isentos d 'este micro-organismo, depois de sujeitos á t empera tu ra da ebullição, (porquanto achando-se as levaduras expostas á acção dos raios solares sobre o fructo alli sécca, tornando-se refractar ia áquella tempera tura , podendo os esporos t ransplantados que sejam para aquelle meio originar a fórma ele-mentar do micro-organismo) pois que alli encontrará os elementos de que carece para a sua alimentação. Os micro-organismos, desti tuídos de chloro-philla, não podem como as plantas verdes const i tuir a molécula ternaria de carbone, hydrogenio e oxygenio, á custa da funcção — assimilação do carbone, a qual só pôde ter logar nas plantas que t iverem chloroleucitos, onde se realisa aquella funcção devido á acção que possue a cMorophilla sobre os raios solares, a qual, decompondo-os, fixa aquelles que ha de t rans-formar no trabalho chimico da decomposição do anhydrido carbonico, fixando o carbone, o qual unindo-se aos elementos da agua fórma o aldehyde metyllico ou formico CH20, d'onde por synthese se passa para a glycose:

6CH20 = C6H1206 .

Encont ram, porém, os seres microbianos os elementos de que carecem nas seguintes or igens : assucares , ácidos tartrico, acético, amido, pelo q u e se pôde dar ao primeiro composto a fórmula geral 0 ( H 2 0 ) n , nas substan-cias a lbuminóides (albumina, vegetal j , glúten, amygdal ina , bem como nos saes mineraes , como tartaralo mono-potassio, etc., as quaes para en t ra rem na constituição da cellula do sôr têm de pr imeiramente soffrerem a acção de fermentos especiaes por elle segregados.

Ainda não bas ta : ha bactérias denominadas parasitas facultativos que podem viver em meios não organisados, viver como os saprophytas, mas que quando pene t ram no organismo animal^ do homem, por exemplo, infe-ctam-rfo produzindo lesões, que lhes sao caracterís t icas, podendo como consequência causar a morte. Como exemplos citaremos dois: o bacillus typhicus e o bacillus anthracis.

Ambos podem existir na agua, para alli a r ras tados por meios mui to diversos, quer por infiltração das aguas nas camadas da terra , passando pr imei ramente pelo logar onde existissem deiecções de indivíduos atacados com qualquer d 'estas doenças, quer sobre animaes, que houvessem suc-cumbido ás mesmas, quer por intermédio do pó, dos insectos, etc. Qual-quer , ou no estado de cellulas, ou no de esporos, se conservam n 'aquel le meio durante muitos mezes, vivendo, quando no pr imeiro estado á custa das matérias organicas que nella se encontram. Ambam possuem a pro-pr iedade de quando ingeridos, locaHsar-se nas vísceras , onde se mul t i -

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reram depois do seu apparecimento, permanecendo sempre no

plicam cora rapidez para originarem respect ivamente a febre typhpoide ou o carbúnculo interno. É ra ro no homem o carbunculo por contagio interno, todavia, nenhum auctor nega a sua poss ibi l idade; a infecção do bacillus typhicus é, porém, vulgar por este modo: qua lquer d 'es tas especies, sob a fórma cellular ser ia atacada pelo succo gástrico do estomago, privando o animal de contrahir a infecção; porém, infelizmente, aquelle acido n e n h u m a acção tem sobre os esporos, deixando-os indemnes, para i rem causar os seus effeitos no organismo animal não refractario.

O colli bacillus existe comummente no intestino do homem, sem lhe causar damno; pode, porém, exhaltada a sua virulência produzir lesões, que mui tas vezes se confundem com as do bacillus typhicus.

É f requente nas aguas, só ou conjunctamente com o bacillus typhicus. Pôde viver num xarope porque tem a propriedade de fermentar os assucares .

Ora, devemos notar que xaropes ha que são preparados com agua com-mum, como o de avenca, o de rhuibarbo, o de amêndoas, o de balsamo de Tolu, o de casca de laranja, o de cascade limão, etc., vehiculos em que se pôde encontrar differentes especies de agentes microbianos, como bolores, leva-duras e qua lquer das especies pathogenicas acima apontadas e que nada mais natura l do que facilmente comprehender-se que no xarope possam existir e quo nelle não morrem, pois que alií encontram a saccliarose que converterão 110 alimento favorito —glycose.

Ainda que o 6° e 7° sejam preparados com líquidos resu l tan tes da agua fervente sobre a substancia, isto é, com infusos, pelo que vimos dizendo esse facto não consti tue argumento destructivo, porquanto não só na sub-stancia podem existir os esporos seccos, como também a agua em ebuliição não mata logo: é preciso que neste estado se conserve, pelo menos 10 a lo minutos.

Por outro lado xaropes ha que podem constituir bons meios de cultura. Aconse lham-se também como meios de cul tura as substancias gommosas e mucilaginosas, substancias estas que, conforme ensina a chimica orga-nica, se convertem por ultimo em glycose pela acção dos fermentos.

Ora, na Pharmacopêa ha o xarope de gomma, que se p repa ra cora a respect iva raucilagera e assucar , e aquella com a gomma arabica e agua, á t empera tu ra ordiíiaria. O único calor, portanto, a que se sujei ta o xarope é o comprehendido entre 60° e 80°

Não se emprega agua destillada; portanto se a agua tiver agentes pa-thogenicos não morrem pelo calor, como egua lmente não morrem pelo meio.

O bacillus anthracis cult iva-se bem sobre batata, porque desdobra o amido naquel le hydrato de carbone; mas ainda que não possuísse assucar vivia da mesma fórma porque tem a curiosa propr iedade do viver num meio pr ivado de alimentos, de agua, de ar e ainda em muitos meios anti-septicos, sem perder também as suas propriedades virulentas, constituindo assim uma variedade asporogenea: todavia é uma bactéria pathogenica ver-dadei ramente aerobia.

Ao mesmo tempo temos de recordar nos que não existe na Pharmacopêa advertencia alguma, a instruir-nos no tempo que deve durar a ebuliição da agua a emprega r 110 infuso com que se ha de p repara r o xarope, circum-stancia que influe na vida das bac tér ias : assim, segundo que a ebuliição é mais ou menos prolongada assim ella pôde ou não resist ir . De fórma' que

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mesmo statu quo scientifico, emquanto que as sciencias correia-

nada nos prohibe de logo que se formem as pr imeiras bolhas podermos lançar a agua sobre a substancia a infundir e assim teremos que a bactér ia conservará a sua vida, quando no estado de esporo.

A tempera tu ra de 100° que, depois de 3 ou 4 minutos, se torna dysge-nesica pa ra os esporos húmidos bem maduros do bacillus anthracis, du ran te 2 minutos , é ainda eugenesica para os mesmos esporos, isto é, favoravel para a sua existencia.

Certas especies ha ainda que não sendo pathogenicas são todavia agentes de fermentações , como o micrococcus aquatilis. commum na agua distillada. Justifica-se, pois, o emprego da agua distillada e fervida.

O methodo de M.1Ie Papel in não merece, portanto, ser seguido na prat ica pharmaceut ica ; de preferencia deve segui r -se a pratica aconselhada para a conservação do leite, quando se tem em vista conserval-o por muito tempo.

Consiste o methodo em esterilisar o leite, depois de envasilhado em garrafas, quasi completamente cheias, pelo processo de Tyndall, e á tem-pera tu ra de 80°

Este processo é baseado no facto de se rem destruídos áquella t empera -tu ra os fermentos figurados, quando no estado de cellulas, bem como aquelles que a ella resistam por se encontrarem no estado de esporos tomarem a fórma elementar no espaço de tempo mediavel entre duas este-r i l isações; que sujei tos a nova esteril isação por sua vez sao destruídos, e assim suecess ivamente . Assim, o leite não só fica preservado da fermen-tação aleoolica, pela t ransformação da lactose om dextrose e galactose e estas em álcool e gaz carbónica, como também da fermentação butyrica sob a influencia do bacillus amytobacter e bacillus butyricus, cuja reacção podemos represen ta r pela equação segu in te :

C 6 H 1 2 0 6 = C J H G O J + 2 C 0 2 + 2 H 2 .

Razões analogas justificam, pois, o emprego do mesmo methodo para a conservação dos xaropes que podem ser feitos a calor brando, isto é, cu ja t empera tu ra fique comprehendida entre 60° e 80° a fim de que a saccha-rose não soffrendo o phenomeno da hydrolíse não se hydrate, desdobrando-se como consequência em glycose e levulose. E como só depois de desdobrada a saccharose nes tes dois elementos, isto é, depois da inversão, é susce-ptível de soffrer a fermentação alcoolica é claro que se fôr dest ruída a levadura a fermentação não tem logar ao mesmo tempo que o xarope fica preservado da acção nociva de qualquer micro-organismo, pathogenico ou não, que por ventura houvesse sido, por qua lquer maio, arras tado para o xarope.

E, pa ra conclusão, diremos que o emprego do álcool, como agente con-servador dos xaropes , só poderia constituir bom meio de desinfecção sendo empregado em grande quantidade, porque só assim exercia a a c ç a o coagu-lante, que possue, sobre o protoplasma das cellulas, matando-ás portanto e ainda assim não podemos lalar sem restr iccão, poisque o bacillus anthracis suppor ta no estado de esporos, conservando toda a sua virulência, duran te cento e vinte e quatro dias, immerso, a acção do álcool absoluto. E além d 'es ta restr icção devemos accrescentar á precipitação da saccharose pelo álcool,

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tivas á pharmacia e com as quaes ella tem de harmonizar-se têm progredido enormemente.

em consequência da sua insolubilidade n 'aquel le composto orgânico, bem como ficar o xarope um producto alcoolico.

O facto, pois, de obstar á proliferação de bolores, não justif ica o seu emprego, porquanto com el les , é f requente serem arras tados outros ger-mens .

Em r e s u m o : para que o álcool devesse ser indicado era preciso q u e : a) possuísse sempre o poder antiseptico a par do poder bactericida; b) que não precipi tasse a saccharose, requisi tos estes que se não observam na exper iencia .

Preparado que seja qualquer xarope , addicionando-se álcool, a 95° na proporção de 10°/o e levadura de cerveja, a fermentação não s e d a , é cer to ; po rém, 'pas sando algum tempo, se decantar-mos o liquido e addicionarmos ao residuo nova quant idade de xarope, sem álcool, passados dias bolhas gazosas nos indicam começo de fe rmentação alcoolica.

A razão d'isto está em que certos liquidos nutri t ivos podem não apre-sentar nenhum signal de al teração ainda que contenham germens vivos e aptos para se desenvolverem; porém, esta esterilisação apparente der iva da não appropriação do meio para a espeeie. Se a estes meios, porém, a jun-c tarmos um pouco de caldo de carne esterilisado a mis tura turvar -se-ha ra-pidamente denotando assim que a limpidez do primeiro liquido, parecendo indicar ausência de germens, constituía um meio erroneo para o observador .

A limpidez, pois, do xarope que encerra álcool não garante a esteril i-sação do preparado. Dil-o a theoria e confirma-o a pratica. Podem morrer as cel lulas , mas ficam intactos os esporos, que ingeridos podem causar damno ao animal se essas cellulas ou esporos per tencerem a uma espeeie pathogenica, pois variadas causas contr ibuem para a facilidade de infecção: congestão da mucosa do tubo digestivo, uma ranhura , causada por alimentos duros , etc. (Vias de inoculação por ingestão).

Assim, pois, o álcool não" é agente que mereça ser indicado na technica pharmaceut ica , como meio preservador da acção de micro-organismos.

Quanto ao processo de M.1Ie Papelin só poderia sat isfazer: a) se os mi-cro-organismos nao possuíssem a faculdade de produzir esporos, meio de conservação da espeeie, em casos em que a vida é difíicil para a cellula; b) que não houvesse bactérias facultativas, nem anaeróbias, bem como que disseminado no xarope se não encontrasse ar algum, elemento que forne-ce rá o oxigénio suffleiente pa ra a vida da cellula, principalmente nos pri-meiros d ias ; c) que os esporos seccos fossem des t ru ídos á m e s m a tempera-tura que, quando húmidos, porque ass im já as levaduras , por exemplo, não se reproduzir iam, quando se encontrassem os esporos nas substancias soli-das, como t ivemos occasião de verificar, impregnando avenca com levadura, que nos foi fornecida pela fabrica de cerveja «Trindade-Lisboa» e expondo-a ao sol até seccar e com que fizemos o respectivo xarope, segundo a fórmula da Pharmacopêa, o qual fermentou, provando-nos assim que os esporos de levaduras, sêccos, r es i s tem á tempera tura da agua fervente, bem como fer-mentou o xarope commum, feito com assucar , com levadura também pré-viamente sécca ao sol e sobre que lançámos agua fervente, comquanto devessemos empregar agua fria (á t empera tura ordinaria) e fazer a solução a calor brando.

E para te rminarmos esta nota devemos dizer que a fu tu ra Pharmacopêa

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Se a Pharmacopéa houvesse acompanhado a evolução da chi-mica, da physica, etc., já de ha muito que a subscripção da fórmula do emplasto commum devia ter sido modificada no sen-tido de não expor o respectivo preparador a correr risco de vida, isto é, mandaria empregar agua fervente em substituição da que se evapora no decurso da preparação; a agua áquella tempera-tura não só torna menos longa a preparação do emplasto de chumbo, como também evita o phenomeno conhecido pelo nome de calefacção, de que resulta como consequência a projecção da massa emplastica, auxiliada ainda por certa quantidade de gaz carbonico desenvolvido na reacção, em virtude do oxydo de chumbo conter certa percentagem de carbonato da mesma base.

Com effeito, os corpos gordos que entram na preparação d'aquelle medicamento — banha e azeite — sob a acção do calor e da agua em ebullição decompõem-se no respectivo grupo tri-atomico (glycerilo) CgHg e residuo halogenico (monovalente) dos ácidos esteárico, margarico, palmítico e oleico — C I G E ^ O ^ —

portugueza deve mandar empregar agua esterilisada por filtração em substi-tuição de agua, pela propr iedade que possuem os filtros de porcel lana (o de Chamber land, por exemplo) de não só isentar os líquidos de micro-orga-nismos, cellulas ou esporos, como também respec t ivamente dos princípios diastasicos que segregam, devido, segundo dizem os auctores , á oxydação que elles soffrem nos poros da porcel lana pelo oxygenio do ar que"n'elles se encontra .

É por meio dos filtros que também se consegue re t i ra r da saliva da vibora, da cobra capello, etc., a substancia de natureza virulenta que ella encerra , pelo que os auctores vôm nos f i l t ros meios de grande alcance para se obter productos vaccinantes microbianos em vir tude do f i l trado ser capaz de immunisar o animal da acção toxica do veneno.

Indubi tavelmente , os filtros ser iam o moio de esterilisação prefer ível para os xaropes e p o r elle pronunciar-nos-hiamos se ao nosso*aleance esti-vesse o podermos fazer a respect iva experiencia empregando um dos mes-mos apparelhos, munido com bomba de aspiração, como se aconselha pa ra a esteril isação de líquidos mucilaginosos. Teria sobre a esterilisação des-continua a vantagem de ser mais rapida. — Traité élementaire de chimie biologique, pa r R. Enge l et J. Moitessier, pag. 426 e seg. a proposi to da con-servação e alteração do leite. — P. Petit, La bière et Vindustrie de la bras-serie, pag. 17 e seg. e pag. 276 e s e g . — Armand Gautier, La chimie de la cellule vive, deux ième edition, pag. 34 e s e g . —G. Guerin, Traité pratique d'analyse chimique et de recherches toxicologiques, pag. 275 e seg. — Aug. Daguillon, Leçons élémentaires de botanique. deux ième édition, pag. 68 e seg. — E Macé, Traité pratique de bacteriologie, pr imière partie. — A. X. Pere i ra Coutinho, Elementos debotanka, 1 a e 2.* parte do curso dos lyceus, pag. 67 e seg.

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etc., e cada um dos grupos libertados como molécula de atomo-cidade impar e, portanto, incompleta, não podendo existir no estado livre, precisa de combinar-se com outro elemento para que, formando um composto saturado, possa assim existir no estado de liberdade.

Assim, (Ci B H 3 i0 2 ) 3 C 3 H3 — estearina, tristearalo glycerico ou de glycerilo— sob as condições já descriptas, decompõe-se nos dois radicaes (C3Hg + 3C16H31O2) que por sua vez em presença da agua originam respectivamente — glycerina e acido esteárico, este reagirá com o oxydo de chumbo, cujos productos são — estereato de chumbo e agua ao mesmo tempo que se desenvolverá gaz carbonico resultante da reacção do mesmo acido ou dos outros, também existentes, sobre o oxydo de chumbo carbona-tado.

Os eschemas seguintes claramente demonstram as phases da reacção.

1.a phase: ÍC16H31O2

Scisâo da molécula C3Hg(Ci6H3 102)3 e m ' C i 6 H 3 i 0 2 + C 3 H 5

(C16H31O2

2." phase:

| C 1 6 H 3 1 0 4 H.OHÍ ÍC1 6H3 10.2 .H OH) C 1 G H 3 1 0 2 + H.OH + C 3 H s = C 1 6 H 3 1 0 2 . H + OH C 3 H 5

(C , 6 H 3 1 0 2 H .OH] ( C 1 6 H 3 1 0 2 . H OH)

3 . a phase:

(2C 1 G H 3 1 0 2 .H (PbO í ( C 1 6 H 3 A ) 2 P b ( H , 0 | 2 C I 6 H 3 , 0 8 . H + PbO = l (C,6H3 1O s) íPb+ HsO ( 2 C 1 6 H 3 1 0 2 . H (PbO ((C 1 6 H 3 1 0 2 ) 2 Pb I H 2 0

e

( 2 C 1 6 H 3 1 0 2 . H P b C 0 3 ( (C 1 6 H 3 1 0 2 ) 2 Pb H 2 C 0 3

2 C 1 6 H 3 1 0 2 . H + P b C 0 3 = (C 1 6 H 3 1 0 2 ) 4 Pb + H 2 C 0 3

Í 2 C 1 6 H 3 1 0 2 . H P b C 0 3 ( (C 1 6H 3 10 2 ) 2Pb H.2C03 , fó r -

mula esta que se decompõe em C0.2 + H 2 0 , porque não é

conhecido o acido carbonico que lhe corresponde, quer dizer,

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aquella fórmula é puramente virtual ou hypolhetica e admitte-se a sua existencia por lhe corresponderem saes da fórmula geral M 2 C0 3 , pois nós sabemos que d'um acido se passa para um sal substituindo o respectivo hydrogenio básico pelo metal e vice-versa.

Ora, se substituirmos as fórmulas racionaes pelas correspon-dentes moleculares, simplesmente, as phases da reacção repre-entar-se-hão mais simplesmente pelas seguintes equações:

(C16H3102)3C3H3 + 3 H 2 0 = 3 C 1 6 H 3 2 0 2 + C 3 H 5 ( 0 H ) 3 O U C 3 H 8 0 3

2CI6H3.202 + PbO = (C16H3102)2Pb + H 2 0

e

2 C l c H 3 2 0 2 + PbC0 3 = (C1 6H3 102)2Pb + H 2 0 + C 0 2 .

A agua fervente empregada, pois, não só favorece a scisão da molécula do glycerido, auxiliando assim a reacção, como tam-bém não dá logar ao phenomeno da calefacção, cujos vapores formados junctamente com o gaz carbonico desenvolvido são causa da projecção da massa emplastica.

A Pharmacopéa, como livro que tem por fim industriar o phar-maceutico na confeição dos medicamentos, tem por obrigação de ser explicita o mais possível. Um livro com tal caracter não pôde omittir nenhuma circumstancia por mais insignificante que ella pareça para a technica.

A agua fria retarda a reacção e dá logar a incidentes graves, se o preparador não conhecer as causas apontadas.

Vêm estas considerações a proposito de uma fórmula magis-tral (1) que nos foi apresentada para a aviarmos. É a que se segue:

R.™ Vaselina — cincoenta g rammas 50 Ichthyol — cinco g rammas 5

F. s. a. pomada.

(Nome do medico.)

(1) Por magis t raes intendem-se todos os preparados da Pharmacopéa que não possam de autemão estar preparados na pharmacia, por serem su-jei tos a al teração, como o ju lepo ou soluto gominoso, o soluto de iodeto de

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A sua exacta transcripçào é esta, á excepção do nome do medico e do doente, que pedimos licença para occultar, mas cuja fórmula ainda possuimos. Executámol-a, empregando a operação pharmaceutica — mistura (1).

Mandámos o medicamento para casa do doente. Soubemos, porém, mais tarde que o doente não quizera fazer

uso do medicamento por o achar muito fluido e que com o nosso rotulo o mandára aviar nou t ra pharmacia d'onde lhe viera mais firme e, como consequência, mais homogenea e que mostrando-o ao facultativo este disse que o nosso preparado estava mal feito e o outro bem.

Porque? Não nos importámos, porém. Não é a vaselina substancia medicinal de que se occupe a

Pharmacopéa. Não dá esta instrucções algumas para casos omissos d'estes preparados. Não auctoriza a lei o pharmaceutico a modi-ficar por qualquer fórma as fórmulas clinicas, para o que já citámos leis, nem o clinico na subscripção nos auctorizava, por qualquer meio, a alterar a fórmula (2).

A Pharmacopéa também o não auctoriza.

potássio com dedaleira. a pomada de enxofre s imples ou composta, etc. e t ambém as fórmulas clinicas que indiquem os ingredientes , re lações pon-deraes ou volumétricas e modus faciendi.

(1) A Pharmacolechnia ensina que estes p reparados se podem obtôr por um dos seis processos s e g u i n t e s : simples mistura; fusão e solução; fusão e maceração; fusão e digestão; fusão e ebullição; decocção.

Traz a Pharmacopéa exemplos para cada especie de operação. Á fór-mula acima t ranscr ip ta nenhuma d 'es tas operações melhor se pres ta do que a p r i m e i r a : — m i s t u r a .

(2) É certo que o Dr. Saccadura Botte, na sua Pharmacotechnia, diz que certas fórmulas de xaropes podem servir de modelo para p reparações ana logas ; sobre pomadas diz t ambém q u e : «Ás pomadas por mistura ou dissolução addiciona-se pequena quantidade de cera, quando seja preciso dar-lhes mais alguma consistência; também se emprega amido com o mesmo fim». Mas não diz que o pharmaceut ico se pôde ju lgar habili tado a p repa-ra l -as por qualquer d 'es tes dois modos quando vir que d 'uma fórma cli-nica não resu l ta boa homogeneidade do preparado.

Também, a proposito de hydrolatos, citava o mesmo auctor o meio de obter estes preparados extemporaneamente — com magnes ia alva, essencia e agua d is t i l l ada—, fazendo observar que esta indicação sãmente se poder ia considerar como proposta aos clínicos e não aos pharmaceut icos . Es tes não poderiam nunca considerar-se auctorizados a obter aquelles preparados por semelhante meio senão mediante indicação do facultativo.

Sendo a operação classica pa ra se obter aquel les medicamentos (hy-drolatos) — a distillação, a fogo directo ou por vapor, é claro que o phar -

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Por outro lado, a cera satisfaz melhor do que o amido; este n'aquella fórmula nenhum resultado daria. O ichthyol apparece sempre separado. A formula

R"Ce S n a . ^ . ^ l ã ã - d e z g r a n i a s Vaselina — vinte g rammas Ichthyol — cinco dec igrammas

M.de

d'um outro clinico confirma isto, apesar de n'ella entrarem o oxydo de zinco e amido. O clinico pedindo vaselina intende-se que é simples.

Quando o medico quizer que o pharmaceutico a empregue com cera ou qualquer outra substancia, terá expressamente de a indicar, que é isso o que ensina a arte de formular. Afóra d'isto, o pharmaceutico falsifica, porque falsificação é «substituir ou por qualquer outro modo alterar o que se acha prescripto na receita do facultativo...», logo que essa substituição não seja auctorizada pela Pharmacopêa ou pelo clinico.

Áquella fórmula não podiamos addicionar cera nem outra qualquer substancia. A addiçâo de cera á vaselina é considerada uma fraude bem como a addição de corpos gordos á mesma (1).

E, demais, vejâmos se o pharmaceutico se pôde julgar habili-tado a addicional-a, sem prévia auctorizaçâo clinica. Se o phar-maceutico pôde addicionar cera ou amido sem ser auctorizado a

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20 0,5

maceutico não pode ju lgar -se auctorizado a obter estes medicamentos por aquelle meio. Constituiria falsificação.

Por motivo analogo as instrucções dadas pelo m e s m o professor com o fim de regular a consistência de pomadas se devem considerar tão somente para o clinico, comquanto o pharmaceut ico t ambém as possa conhecer pela lei tura d 'aquel le livro. Es t e d'ellas nunca pôde fazer uso senão mediante indicação clinica, porque lhe obstam a isso as disposições consignadas na legislação pharmaeeut ica , ainda em vigor, e que só os poderes competentes podem*revogar.

Sendo a Pharmacotechnia «preambulo indispensável da Pharmacopêa» para que muitas regras , que ella dá para a boa confeição dos medicamentos , possam ser seguidas na prat ica pelo pharmaceutico, independentemente de auctorizaçâo clinica, seria preciso que entre ambas houvesse perfei ta har-monia, isto é, que essas mesmas regras se achassem também estabelecidas na Pharmacopêa, porque de contrario oppor-se-ha a legislação.

(1) Andouard, 3." edição, pag. 407 e segg.

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isso, também pôde fazer uso de outro qualquer meio, visto que nada ha que o obrigue a fazer uso simplesmente d'aquel!es dois; e. n'este caso, poder-se-ha usar de lanolina ou banha para á vase-lina se dar mais consistência. E pôde? Evidentemente que não, pelos mesmos motivos.

Na Pharmacotechnia, a pag. 428 , lê-se: «o medico limita-se algumas vezes a escrever logo por baixo da inscripção — F. s. a. ou simplesmente F. ou Faça, seguindo-se a indicação da fórma pharmaceutica (pilulas, xaropes, etc.)».

Isto não quer dizer que o pharmaceutico possa executar a fórmula como quizer, mas sim conforme aos principios estabele-cidos na Pharmacopéa e na Pharmacotechnia.

Ao mesmo tempo, o pharmaceutico tem contra si o não saber se a addição da cera, por exemplo, indo diminuir a consistência á vaselina, irá diminuir a acção physiologica do medicamento.

O pharmaceutico tem alguns dados por onde conheça qual a intenção do clinico, com o que conta do preparado? Evidente-mente que não.

Nem cera, nem amido, nem lanolina, nem banha, nem qual-quer outro ingrediente, o pharmaceutico pôde applicar n'aquelles casos, sem prévio consentimento do clinico, mas ainda assim para poder consultal-o, é preciso que a subscripçâo indique um signal por onde se possa prever a sua intenção. O termo homogeneidade não é indifferente. E muito preciso, é indispensável, e tanto que alguns clinicos o usam na subscripçâo d'estes mesmos prepara-dos. (1)

(1) A pag. 433 da Pharmacotechnia l ê - se : «Medico e pharmaceut ico têm necessidade de reconhecer as substancias incompatíveis». Dá esta deno-minação ás «substancias que, ou não podem associar-se sem pre jud ica r mais ou menos a forma pharmaceut ica , ou o fim therapeut ico do medica-mento».

Comprehendemos que no pr imeiro caso possa o pharmaceut ico a lgumas vezes prevêr a intenção clinica, pela fórma pharmaceut ica do medica-mento receitado, quando dos ingredientes associados resu l te acção chimica e por consequência incompatibil idade, não podendo ás substancias prescr i -ptas ser dada a fórma sob que o clinico desejava que fossem minis t radas.

Exempl i f iquemos: se por um medico fôr pedido satol e camphora, em hóstias, é claro que o pharmaceut ico pôde prevêr que entre estas substan-cias ha incompatibil idade desde que proceda segundo as r egras p h a r m a -cotechnicas, mis turando-as , p rév iamente no almofariz, em virtude de da

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Se qualquer pharmaceutico fizer o mesmo que aquelle que

mistão resu l t a r um producto liquido, ficando ass im o pharmaceut ico avi-sado de que não devia aviar a fórmula sem primeiro informar o clinico.

A causa da mudança de estado physico d 'aquel las duas substancias é devida á propriedade que tem a c a m p h o r a de dar combinações moleculares com vários corpos, como o chloral, os phenoes, a cellulose ni t rada com a qual fórma o composto chamado ceíluloide.

A situação do pharmaceut ico ser ia critica se não observasse a incom-patibil idade das substancias que, em contacto, são suscept íveis de facil-mente reag i rem, porquanto a reacção, dando-se dentro das hóstias, denotava que o pharmaceut ico não tinha procedido conforme ás r egras da arte.

Devemos, porém, fazer notar que este caso não é isento de fal l ibi l idade; pôde um pharmaceut ico ser induzido a erro involuntariamente.

Assim, se fôr pedido salicylato de sodio associado á antipyrina, em hós-tias, ainda que no almofariz se promova a mistura , pulverizando estes ingredientes , não se observa a incompatibil idade chimica que ha ent re elles immedia tamente á pulverização E, comtudo, são incompatíveis estas sub-stancias pela propriedade que tem a ant ipyrina de formar combinações moleculares com os corpos de funcção phenolica, dando compostos bem definidos (Patein e D u f a n ) , mas pouco e s t áve i s : com o acido sahcylico pro-duz a salipyrina.

Assim, pois, da combinação da ant ipyrina com o salicylato de sodio re -sulta um producto liquido; oleoso ao tacto e de côr rosada, como tivemos occasião de observar por experiencia.; esta combinação, porém, faz-se len-tamente . E assim comprehende-se que o pharmaceut ico possa deixar de p revêr a sua incompatibilidade.

No segundo caso, porém, o pharmaceut ico nunca pôde prever a intenção clinica, ainda que reconheca pelos princípios chimicos que houve reacção e por consequência formaçao de productos novos.

Assim, se um clinico pedir um medicamento em que entrem sulfato ferroso, agua e tannino, por exemplo, o pharmaceut ico executa a fó rmula sem se importar com a resul tante da reacção entre o sulfato ferroso e acido tannico.

Sabe-se da chimica mineral que, segundo as leis de Berthollet, «entre um acido e um sal tende a dar-se dupla decomposição quando um dos pro-ductos fôr insolúvel, infusivel ou volátil, nas condições da experiencia, e segundo que se opera por via húmida o u v i a secca». A reacção ent re o sul-fato ferroso e acido tannico e a reacção entre o sulfato d 'ammonio e o acido chlorvdrico ou mesmo entre o chloreto de sodio são exemplos de reacções por via húmida que serão completas por se formarem respect ivamente sal insolúvel, o tannato ferroso, na primeira, e na segunda um sal volátil, o chloreto de ammonio.

Ha, portanto, entre o tannino e o sulfato ferroso incompatibi l idade chi-mica que o pharmaceut ico observa na occasião da preparação do medica-mento.

Pe rgun ta - se : deve o pharmaceut ico nes te caso communicar o facto ao clinico ou não, e mandar o medicamento para o destinatário?

Deve proceder conforme o segundo e ultimo caso, salvo quando o clinico indique o contrario.

Habilitou a chimica o pharmaceut ico a reconhecer incompatibil idades d 'esta natureza, mas não está o pharmaceut ico habilitado a reconhecer

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preparou a fórmula differentemente da nossa, porque addicionou

incompatibil idades physiologicas; faltam-lhe conhecimentos que só o estudo da medicina fornece, mas cuja matér ia não estudou.

Incompatibi l idade chimica resul ta egualmente da presença da quina com os saes de ferro e mesmo com o ferro, e todavia, ha q u e m recei te quina, em pó, associada ao ferro reduzido pelo hydrogenio.

Estas substancias comquanto reajam já no estõmogo, nem por isso deixa de haver incompatibilidade chimica, pois que da mesma fórma ha formação de tannato ferroso e, talvez, também incompatibilidade physiologica.

Sendo certo que a lguns auctores afíirmam que o ferro associado aos compostos inorgânicos não é absorvido, aconselhando por esta razão admi-nistral-o associado aos compostos orgânicos, a preparação de quina, em pó, e ferro, a de vinho de qu ina ferruginoso, a de xarope de quina ferruginoso, etc., nenhum beneficio devem pres ta r ao doente, porquanto, ainda que no estomago haja acido láctico, que é um acido orgânico, não poderá formar-se lactato ferroso para ser absorvido porque terá logar forçosamente a for-mação de tannato ferroso. (Vid. Fr. Penzoldt, Traité de pharmacologie cli-nique, pag. 22 e segg. a proposito do ferro; e pag. 24, a proposito do modo de emprego, contra-indicação das substancias que com eile são incompatí-veis e pag. 203, a proposito do modo d 'emprego e incompatibil idades do acido tannico).

Incompatível , chimicamente, com o taunino também é o iodeto mercu-roso, por exemplo, pelo que não deve ser associado á conserva de rosas , e, todavia, a pag. 20 da obra acima citada, o seu auctor aconselha o em-prego do tannato mercuroso no tratamento da syphil is das creanças. (Vid. Fr . Penzoldt, ob. cit., pag. 18, incompatibil idades do iodeto mercu roso : áci-dos, etc.).

Ora nas rosas rubras ha, além d 'outros princípios, não só tannino como t ambém acido galhieo, corpo facilmente oxvdavel e muito mais ainda em presença de alcalis; e o auctor (Penzoldt) contra-indicando o emprego dos ácidos tem em vista evitar a conversão do iodeto mercuroso em iodeto mer-curico, que poderia causar damno ao paciente , pois que sendo o primeiro sal de inferior solubilidade prescreve-se na dóse dupla da do segundo.

D'aqui resu l ta que ainda que ao pharmaceut ico seja possível pelos dados chimicos mui tas vezes prevêr que da união de dois ou mais componentes resulta incompatibi l idade chimica nunca poderá prevêr a intenção clinica, se a fórmula não fôr bem explicita.

Mas ainda que ent re os componentes d 'uma fórmula não se dê incom-patibilidade chimica, mas sim falta de homogeneidade, ao pharmaceut ico é da mesma sorte impossível p revêr o que na verdade o medico deseja.

Exempl i f iquemos : assim, se um pharmaceut ico tivesse de executar uma fórmula em que ent rasse extracto de quina e vinho do Porto, mas em percentagem tal que o primeiro se não podesse dissolver por fórma a o preparado ficar t ransparen te , mas suspensa a maior par te no liquido, aquelle nada competia fazer, senão maudal-o para o destinatário. Não pedia emprega r a filtração, nem sequer a eoadura. porque estas operações pre-judicar iam o preparado, retirarido-lhe forçosamente princípios raedieinaes, com que o medico contava, visto que para isso não indicava n e n h u m a d 'aquel las operações, incorrendo, por infracção do art. 72.° do decreto de 3

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cera á vaselina, sem prévia auctorizaçâo do clinico, e que este

de dezembro de 1868, na pena alli estabelecida, pois que al terava o que se achava «prescripto na receita competentemente assignada».

E, no entanto, naquel le medicamento havia falta de homogeneidade. Ao pharmaceut ico compete executar fielmente a fórmula, empregando

as melhores r eg ra s da pharmacotechnia que mais s eaccomodem à boa exe-cução, quando expressamente pelo clinico lhe não for indicada a que pre-fere . De resto, o pharmaceut ico não está habilitado a dizer se o p reparado por esta ou aquella fórma produz melhor resu l tado .

O Dr. Saccadura Botte, reconhecendo este principio de verdade, dizia, a pag. 434 da sua Pharmacotechnia: «O pharmaceut ico não adv inha ; na maior par le dos casos hesi tará em decidir-se Fal ta- lhe competencia para ju lgar ques tões de incompatibil idade physiolo-gica».

Se o clinico na subscripção d 'aquel la fórmula t ivesse escripto o termo homogeneidade teria rasão em eensura r a nossa preparação: porém, como o não designou, nenhum argumento ha a seu favor, demais que no formu-lário de Veiga, Machado e Fragoso se encontra a pomada de vaselina e ichthyol em que também entram ,somente estes dois ingredientes. Nenhuma substancia alli se encontra indicada, com o fim de tornar mais consistente a vaselina.

São, porém, fórmulas como esta e que se encont ram espalhadas pelos formulários as quaes mui tas vezes servem tão somente para levantar di-fficuldades aos profissionaes. Vejamos porquê.

Encout ra-se no commercio tres especies de vase l ina : natural, artificial e liquida.

Obtem-se a natural do res iduo da destillação dos petroleos da America. É consti tuída por uma mistura de hydrocarbonetos solidos (ou parafí inas propr iamente ditas) e hydrocarbonetos líquidos.

Obtem-se a artificial, mis turando paraffina com oleo pesado de petroleo (outro producto de desti l lação) previamente purificado pela filtração, a quente, sobre o carvão animal, podendo ainda obter-se, mis turando u m a parte de paraffina solida com t res de vaselina liquida.

Vaselina liquida é a que se obtém dos petroleos da «Gallice». A vaselina varia também muito, quanto á sua consistência, conforme a

sua proveniência. E, assim a vaselina da America e da Rússia são menos firmes que as da Europa , o que quer dizer, que aquellas são mais r icas em hydrocarbonetos líquidos. Es t a c i rcumstancia é importante conhecer-se , porque da presença de hydrocarbonetos líquidos, em maior ou menor quan-tidade, depende a homogeneidade da pomada feita com vaselina e ichthyol, que será tanto mais difficil de se mis turar com ella quanto mais rica fòr em hydrocarbonetos líquidos.

Na vaselina que existe no commercio com o nome de vaselina alba que tem certa consistência, parecendo satisfazer a todas as indicações clinicas, o ichthyol não dá producto homogeneo; o ichthyol separa-se em consequência dos hydrocarbonetos líquidos que nella existem e que o precipitam. Inten-damos, porém, que este facto se passa quando o clinico prescreve , simples-mente, vaselina.

Todavia, formulários ha que p resc revem também, simplesmente, vase-lina como intermedio do ichthyol, como o formulário officinal e magis t ra l

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irreflectidamente sanccionou, dizendo estar melhor que a nossa,

de Fragoso, Yeiga e Machado, como já acima dissemos, em cuja fórmula nelle descr ipta os componentes en t ram em partes eguaes.

Es tá fórmula não é boa, nem expr ime a inteira ve rdade ; os auctores d 'aquel le formulário, como pharmaceut icos que são, devel-a-iam ter exe-cutado pr imeiro que alli a insc revessem; se assim fòra teriam tido occa-sião de observar que o ichthyol não é substancia que se pres te a se r incorporado, segundo aquella forma, demais que ella demonstra aber ta-mente que os seus auctores se contradizem, segundo a doutrina exposta no art igo «Pomadas» a proposito da divisão d 'es tes medicamentos , sob o ponto de vista do seu modo de preparação e das regras a seguir . Ainda a mesma fórmula não é concorde com a Índole do livro, segundo o que se acha ex-posto no prologo, pag. x: «Se, o medico pôde com facilidade adquirir os necessários conhecimentos ácerca de um medicamento novo, nem sempre poderá conservar na memoria as diversas propriedades physicas d'este medi-camento, de modo a poder formular sem hesitação e sem receio de errar».

Para que o medico podesse formular sem hesitação e sem receio de errar , formulando ichthyol e vaselina era preciso que aquel le fosse solúvel nesta , ou que então se empregasse u m a substancia que. ou dissolvendo o ichtyol se podesse depois incorporar homogeneamente á vaselina, ou que, ainda que o não dissolvesse, augmentasse comtudo a consistência á vase-lina por fórma a resul tar da mistura um producto egua lmente homogéneo. Quer dizer, a fórmula da pomada de ichthyol, inscripta rio formulário citado, não só contr ibue para que o clinico erre, como também contr ibue para levantar difficuldades aos pharmaceuticos.

Para que podesse satisfazer cabalmente seria preciso que ella prescre-vesse o emprego, ou de glycerina, na qual pr imeiro se dissolve o ichthyol para em seguida ser este soluto incorporado por mistura, ou de vaselina com, cera, para que assim o preparado egualmente satisfizesse pharmaceu-t icamente.

É de urgente necessidade a sua rectificação quer para médicos, quer para pharmaceut icos e ainda para a reputação dos seus auctores , pois q u e egualmente não é concorde com a doutr ina do artigo «Pomadas», como dissemos mais acima.

Antes, porém, de entrarmos na exposição daque l l a doutrina, seja-nos permit t ido recordar a lgumas noções de chimica mineral pa ra que ass im melhor possamos, do confronto d'ellas com a doutrina exposta 110 formu-lário officinal e magistral descr iminar a contradicção dos auctores , prove-niente de confusão de l inguagem chimico-pharmaceutica.

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Os differentes corpos do universo dividem-se, segundo a sua complexi-dade, em simples ou elementares e complexos ou nao elementares.

Chama-se s imples aquelles que pelos meios analyticos não tem sido possível até hoje desdobral-os em dois ou mais corpos differentes, bem como que pela synthese, á custa de corpos differentes, não tem, egual-mente, sido possível reconstituil-os.

E chama-se corpos complexos os que pelos meios physicos ou chi-micos podem ser desdobrados, pelo menos, em duas substancias diffe-

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permittindo assim com a sua auctoridade clinica toda e qual-

rentes. Es tas sub-dividem-se e m . corpos compostos (especies chimicas definidas) e corpos mixtos ou misturas.

D'estes, uns e outros podem ser desdobrados em dois ou mais compo-nentes , segundo a sua maior ou menor complexidade: differem, porém, no modo como se acham unidos : nos compostos ha a intima união dos compo-nentes, emquanto que nos mixtos se encontram tão somente juxt apostos.

Assim, a agua, uni sal, uma base, um acido, o álcool, etc., são corpos compostos, são especies chimicas definidas; enxofre incorporado com ferro, por mais homogeneo que pareça o producto resul tante , é uma m i s t u r a ; o microscopio denuncia a presença do ferro, separado d 'aquel le , assim como o iman o at trahe, o que indica que nas mis turas os componentes conservam as mesmas propr iedades que anter iormente e que d'ellas é possível sepa-ral-os.

Nas combinações de differentes e lementos estes por tal modo se con-fundem u n s com os outros que não se podem depois reconhecer pelas propr iedades que interiormente possuíam.

Além d'estas differenças ha mais que na formação dos corpos compostos ha producção de phenomenos, que se não notam na formação dos corpos mix tos : calor, luz, electricidade, alterações de volume, etc.

As mis turas ainda se dividem e m : physicas e meclianicas. São misturas physicas, por exemplo, as soluções de solidos em líquidos,

como, por exemplo, o soluto de iodeto de potássio, etc., soluções liquidas, como a mis tura de álcool e agua, e soluções gazosas, como* a agua car-bónica.

São misturas mechanicas, por exemplo, a de enxofre e ferro. Devemos ainda fazer notar que a massa d 'um corpo pôde apresentar -se por fórma a parecer que é homogenea, isto é, que em todos os seus pontos tem a egual-dade de composição e, portanto, de propr iedades physicas e chimicas, isto é, á simples vista, pa recer um corpo composto e, todavia, não o ser. O meio empregado para se reconhecer se é ou não uma mis tura é o micros-copio: se a massa ap re sen t a r a mesma composição e propr iedades em todos os pontos, é um composto; se não apresentar*es tes caracteres , é um corpo mixto ou mistura.

Postos estes princípios, vamos vêr, para confronto, quaes as r eg ra s estabelecidos para a confeição de pomadas, segundo os auctores do formu-lário officinal e magistral c i tado:

a) «Nas pomadas obtidas por simples mistura, o principio activo fica unicamente misturado com o excipiente que não o dissolve nem com elle se combina».

b) «Nas pomadas por solução, o principio activo fica dissolvido no exci-piente».

c) «Nas pomadas por combinação chimica, o corpo gordo fica p ro funda -mente alterado».

As regras geraes de preparação de todas es tas pomadas r eduzem-se a ter sempre em consideração o segu in te :

a') «Nas pomadas por simples mistura , ou esta se pôde fazer sem inter-venção de qualquer outra substancia, ou tem de empregar-se um liquido, que pôde ser, em geral, agua, álcool ou glycerina, quando em qualquer d'elles seja solúvel o principio activo».

b') «Nas pomadas em que a vaselina entra como excipiente, a addição

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