microcrÉdito em santa catarina: redes, escalas e agentes o caso do … · 2017-03-11 · e agentes...
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MAYRA DE MATTOS
MICROCRÉDITO EM SANTA CATARINA: REDES, ESCALAS
E AGENTES – O CASO DO PLANORTE
Dissertação submetida ao Programa de
Pós-graduação em Geografia da
Universidade Federal de Santa Catarina
para obtenção do título de Mestre em
Geografia.
Orientadora: Professora Dra. Leila
Christina Dias.
Florianópolis
2016.
Mayra de Mattos
TÍTULO: MICROCRÉDITO EM SANTA CATARINA: REDES,
ESCALAS E AGENTES – O CASO DO PLANORTE
Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre
em Geografia e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-
graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.
Florianópolis, 10 de junho de 2016.
_______________________
Prof. Dr. Aloysio Marthins de Araújo Junior
Coordenador do Curso
Banca Examinadora:
_______________________
Prof. Dra. Leila Christina Duarte Dias
Orientadora
_______________________
Prof. Dr. Carlos José Espíndola
_______________________
Prof. Dr. Clécio Azevedo da Silva
_______________________
Dra. Talita Cristina Zechner Lenz
AGRADECIMENTOS
Agradeço a CAPES pela concessão de apoio financeiro durante o
período do mestrado, sem o qual esta pesquisa não teria sido realizada.
Agradeço também ao CNPq pelo apoio financeiro concedido para a
realização do trabalho de campo por meio do projeto 30357/2015-3. Ao
Programa de Pós-graduação em Geografia da UFSC, pela oportunidade
de realizar esta etapa de minha formação profissional e pessoal. À equipe
do Planorte pela recepção e disposição em colaborar com a pesquisa, em
especial ao Nivel Brey Júnior e ao agente de crédito Anderson
Diefentheler.
Meus sinceros agradecimentos à Professora Leila Christina Dias
pela orientação atenta, dedicação, paciência e por ter sido uma pessoa
com quem eu pude contar. Agradeço à minha família por todo o apoio
durante este ano, essencial para a conclusão dessa etapa, especialmente à
tia Albertina, ao meu pai e meus avós Selço e Celina. Agradeço ao meu
querido namorado Caio, pelo companheirismo, amizade, incentivo, pelo
olhar atento e por me ajudar a sempre descobrir o melhor de mim. Aos
meus amigos por serem quem são e estarem sempre ao meu lado. À
natureza a à vida pela generosidade.
RESUMO
O presente trabalho analisou o processo de expansão territorial da rede de
instituições de microcrédito de Santa Catarina, em especial o Banco do
Planalto Norte (Planorte), localizado na cidade de Canoinhas, Planalto
Norte do Estado, compreendendo os condicionantes internos e externos
para a constituição de sua rede de atendimento bem como a rede de
relações que asseguram os interesses do Planorte, articulando diferentes
escalas espaciais. A instituição foi escolhida pois é membro da
Microcredit Summit Campaign – rede global de apoio ao microcrédito –
e transcende a fronteira estadual em direção ao Paraná, tendo como pilar
de sua atuação os agentes de crédito. Os objetivos específicos desta
pesquisa foram: 1) identificar as instituições de microcrédito presentes
em Santa Catarina e as mudanças em suas respectivas redes entre 2006 e
2016 – antes e depois da mudança de papel da Agência de Fomento do
Estado de Santa Catarina (BADESC); 2) compreender como
condicionantes internos e externos se combinaram para permitir a
constituição da rede de instituições de microcrédito no estado, através do
estudo de caso; 3) analisar o processo histórico de construção da rede
comandada pelo Planorte, levando em consideração sua conexão com a
Microcredit Summit Campaign e o atendimento através dos agentes de
crédito; 4) analisar a possível relação entre a expansão da rede de
atendimento das instituições de microcrédito e as demandas dos setores
econômicos predominantes regionais, identificando de que maneira as
atividades dos tomadores de empréstimos estão mais ou menos inscritas
nos setores predominantes da economia regional. A metodologia do
trabalho consistiu em: levantamento bibliográfico de autores brasileiros e
estrangeiros; levantamento de dados; levantamento de normas jurídicas
que regulamentam o microcrédito e as microfinanças no Brasil; leitura de
relatórios oficiais; pesquisa de campo realizada no Planorte e com
tomadores de empréstimos atendidos por ele, no município de Canoinhas
em maio de 2016; representação cartográfica da rede de atendimento das
instituições de microcrédito em diferentes momentos do tempo. O
trabalho tem como principais conclusões: 1) o estabelecimento e a
expansão da rede de instituições de microcrédito em Santa Catarina se
deve à iniciativa estatal por meio do BADESC no Programa Crédito de
Confiança, nos fins da década de 1990, ao nível de articulação na escala
local de lideranças que levaram à frente a proposta do Programa e
instalaram organizações distribuídas por todo o Estado e ainda a outras
organizações na escala estadual e nacional; 2) o mercado de microcrédito
no Brasil foi intencionalmente construído e reflexo de um processo de
expansão das finanças, inclusão financeira e da construção de um ideário
para superação da pobreza; 3) o Planorte dialoga com o ideário
mundialmente difundido do microcrédito como alternativa para superar a
pobreza, gerar emprego e renda; 4) os tomadores de empréstimo estão
pouco inseridos nas atividades econômicas predominantes da região, ao
contrário, se consolidam em ocupações referentes a atividades cotidianas
da vida social da população. Por fim, há uma rede de relações sociais na
escala do lugar que é fundamental para a consolidação da rede de
microcrédito.
PALAVRAS-CHAVE: Microcrédito. Santa Catarina. Planorte. Rede
microfinanceira.
ABSTRACT
This work analyzed the territorial expansion process of the microcredit
institutions network based in the Brazilian state of Santa Catarina,
particularly the Banco do Planalto Norte (Planorte), located in Canoinhas
city, in the Planalto Norte region, comprising internal and external
constraints for its client base establishment, as well as the relationship
network that assure the bank`s interests, articulating different spatial
scales. The institution was chosen due to its membership on the
Microcredit Summit Campaign – microcredit global support network –
and also due to its growth towards the state of Paraná, with credit agents
playing as a key role in its acting. The specific objectives of this research
were: 1) identify the microcredit institutions based in Santa Catarina and
the changes in their networks between 2006 and 2016 – respectively
before and after the shift in the role of the Agência de Fomento do Estado
de Santa Catarina (BADESC); 2) understand how the internal and
external constraints combined to conform the constitution of the
microcredit institutions network in the state of Santa Catarina, through a
case study. 3) analyze the historical construction process of the network
leaded by the Planorte, taking into consideration its connection with the
Microcredit Summit Campaign and the acting of the credit agents. 4)
analyse the possible relation between the expansion of the microcredit
institutions’ relationship network and the demands from the predominant
regional economic sectors, identifying the way the activities from the
credit takers are more or less included in the predominant sectors of the
regional economy. This work methodology consisted in: bibliographical
survey on Brazilians and foreigners authors; data collection; search on
juridical standards that rule the microcredit and microfinance in Brazil;
reading of official reports; field survey on Planorte and with their credit
takers, on Canoinhas city, on May 2016; cartographical representation of
the microcredit institutions’ relationship network in different time
periods. The work has the following conclusions: 1) The establishment
and the expansion of the microcredit institutions network in the state of
Santa Catarina is due to state efforts from BADESC in the Programa
Crédito de Confiança, from the end of the 90’s, due to the level of
articulation at local scale from leaderships that took forward the proposal
from the Act and installed organizations spread all over the state area and
also due to others organizations at national and state scale; 2) the
microcredit market in Brazil was intentionally built and is a reflex of a
process of finance expansion, finance inclusion and the construction of
ideas to overcoming poverty; 3) Planorte dialogues with the globally
spread ideas of microcredit as an alternative to poverty overcome,
creating jobs and wealth; 4) credit takers are not inserted on the regional’s
predominant economic activities, on the contrary, they consolidate
themselves in activities related to the community’s social life. Finally,
there is a social relation network at local scale that is fundamental to the
consolidation of the microcredit network.
KEYWORDS: Microcredit. Santa Catarina. Planorte. Microfinancial
network.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Índice de inclusão financeira: unidades da federação e
Brasil, anos 2000, 2005 e 2010. ............................................................ 64
FIGURA 2 – Santa Catarina: rede de instituições de microcrédito, 2006
............................................................................................................... 84
FIGURA 3 – Região Sul: rede de instituições de microcrédito sediadas
em Santa Catarina, 2015. ....................................................................... 88
FIGURA 4- Planorte: evolução da rede de atendimento, 2006, 2012 e
2016. ...................................................................................................... 96
FIGURA 5 – Planorte: rede de interações, 2016. .................................. 98
FIGURA 6– Planalto Norte Catarinense: Região de influência de Curitiba
e Florianópolis, 2007. .......................................................................... 100
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1– Definições de microcrédito, microfinanças e microcrédito
produtivo orientado (MPO) segundo diferentes organizações, 2015. ... 48
QUADRO 2– Brasil: Periodização normativa do microcrédito entre 1999
e 2015. ................................................................................................... 56
QUADRO 3 – Santa Catarina: Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresário de Pequeno Porte (SCMEPPs) em
funcionamento por município, 2007 a 2016. ......................................... 67
QUADRO 4 – Brasil: instituições oficiais ofertadoras de microcrédito.
............................................................................................................... 71
QUADRO 5– Regiões do Brasil: Membros da Microcredit Summit
Campaign por cidade, 2016. ................................................................. 75
QUADRO 6 – Organizações de microcrédito fundadoras da AMCRED e
respectivas cidades sede, 2006. ............................................................. 86
QUADRO 7 – Banco do Planalto Norte: linhas de crédito por tipo,
valores, prazos e juros e finalidade, 2016.............................................. 92
LISTA DE TABELAS
TABELA 1- Brasil: clientes ativos por gênero no PNMPO, anos de 2007,
2011, 2015. ............................................................................................ 51
TABELA 2 – Brasil: valor concedido por gênero dos clientes, primeiros
trimestres de 2011 e 2015. ..................................................................... 51
TABELA 3 – Brasil: clientes ativos por situação jurídica no PNMPO,
anos de 2007, 2011 e 2015. ................................................................... 52
TABELA 4 – Brasil: valor concedido por situação jurídica dos clientes,
primeiros trimestres de 2011 e 2015. .................................................... 52
TABELA 5 – Brasil: clientes ativos por ramos de atividade no PNMPO,
anos de 2007, 2011, 2015. ..................................................................... 53
TABELA 6 – Brasil: valor concedido por ramo de atividade, primeiros
trimestres de 2011 e 2015. ..................................................................... 53
TABELA 7 – Santa Catarina: total de canais de acesso às OSCIPs de
microcrédito em 2006, 2012 e 2016. ..................................................... 68
TABELA 8 – Brasil e Santa Catarina: total de Organizações da Sociedade
Civil de Interessa Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs) e
Cooperativas habilitadas no PNMPO, 2016. ......................................... 69
TABELA 9 – Brasil: carteira ativa em reais das instituições operadoras
do PNMPO por AGI, IMPO e IFO e por constituição jurídica, 1º trimestre
de 2012 e 2015. ..................................................................................... 73
TABELA 10 – Santa Catarina: média dos empréstimos por OSCIP de
microcrédito, 2014. ............................................................................... 94
TABELA 11 – Brasil: média dos empréstimos, contratos realizados,
clientes atendidos e valor concedido pelo PNMPO por Unidade da
Federação (UF), primeiro trimestre de 2015. ...................................... 113
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACIL: Associação Comercial e Industrial de Lages
AEVC: Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Vale do Canoinhas
AGI: Agentes de Intermediação
AMCRED: Associação das Organizações de Microcrédito e
Microfinanças de Santa Catarina
AMPLANORTE: Associação dos Municípios do Planalto Norte
Catarinense
ATM: Automated Teller Machines
BACEN: Banco Central do Brasil
BADESC: Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina
BAPEM: Banco do Pequeno Empreendedor
BDE: Banco de Desenvolvimento Econômico de Santa Catarina
BESC: Banco do Estado de Santa Catarina
BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
BRDE: Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
CEPAL: Comissão de Estudos Econômicos para a América Latina
CMN: Conselho Monetário Nacional
DIEESE: Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
Socioeconômicos
ECINF: Economia Informal Urbana
FACISC: Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina
FAMPESC: Federação das Associações de Micro e Pequenas Empresas
e Empreendedor Individual de Santa Catarina
FAT: Fundo de Amparo ao Trabalhador
FCDL: Federação dos dirigentes lojistas
FECESC: Federação dos Empregados no Comércio de Santa Catarina
FEPESE: Fundação de pesquisas socioeconômicas
FUNDESC: Fundo de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IFO: Instituições Financeiras Operadoras
IIF: Índice de Inclusão Financeira
IMF: instituição microfinanceira
IMPO: Instituições Operadoras de Microcrédito Produtivo Orientado
INSCOOP: Instituto Antônio Sergio do Sector Cooperativo
MEI: Microempreendedor Individual
MPO: Microcrédito Produtivo Orientado
MPV: Medida Provisória
MTE: Ministério do Trabalho e Emprego
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil
ONGE: Organização Não governamental
OSCIP: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
PA: Postos de Atendimento
PAA: Postos Avançados de Atendimento
PAB: Postos de Atendimento Bancário
PAC: Postos de Atendimento Cooperativo
PAE: Ponto de Atendimento Eletrônico
PAE: Postos de Atendimento Bancário Eletrônico
PAM: Postos de Atendimento de Microcrédito
PNMPO Programan Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado
POS: Points of sale
PROCAPE: Programa Especial de Apoio a Capitalização de Empresas
PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura
Familiar
PSI: Processo de Substituições de Importação
QL: Quociente Locacional
SCMEPP: Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e a Empresa de
Pequeno Porte
SDR: Secretarias de Desenvolvimento Regional
SEBRAE: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SFN: Sistema Financeiro Nacional
SINCOVAC: Sindicato do Comércio Varejista do Vale do Canoinhas
SINDICONT: Sindicato dos Contabilistas de Canoinhas
SINDIVALE: Sindicato da Empresas de Transporte Rodoviário de
Cargas do Vale do Canoinhas
UF: Unidade da Federação
UNC: Universidade do Contestado
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .................................................................................... 21
CAPÍTULO 1: MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA E O LUGAR DA
IDEOLOGIA DO MICROCRÉDITO ................................................... 27
1.1 Redefinições sobre o desenvolvimento no cenário de
mundialização financeira ............................................................... 28
1.2 Intelectuais mediadores e o ideário do Banco Mundial ......... 36
Conclusão ......................................................................................... 43
CAPÍTULO 2: INCLUSÃO FINANCEIRA E
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MICROCRÉDITO NO BRASIL ..... 45
2.1 O viés neonstitucionalista e conceituação do microcrédito .... 45
2.2 Quem são os tomadores de microempréstimos no Brasil? .... 49
2.3 Histórico normativo das microfinanças no Brasil .................. 54
2.4 Os fixos geográficos ................................................................... 61
Conclusão ......................................................................................... 76
CAPÍTULO 3: EXPANSÃO DO MICROCRÉDITO EM SANTA
CATARINA E UM ESTUDO DE CASO: O PLANORTE .................. 77
3.1 As instituições, o crédito e a regionalização em Santa Catarina
.......................................................................................................... 77
3.2 Consolidação do microcrédito em Santa Catarina e o processo
de expansão ...................................................................................... 80
3.3 Um estudo de caso: o Planorte ................................................. 91
3.4 Afinal, porque o microcrédito em Santa Catarina chama
atenção? ......................................................................................... 112
Conclusão ....................................................................................... 115
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 117
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ............................................... 121
APÊNDICE – ROTEIRO DA ENTREVISTA.................................... 129
21
INTRODUÇÃO
A motivação para esta pesquisa iniciou com o desenvolvimento de
um projeto de um Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica
(PIBIC) iniciado em 2011 que convergiu para a monografia de conclusão
de curso, em 2014. A monografia objetivou investigar de que maneira
agentes sociais contribuem para a configuração territorial do microcrédito
em Santa Catarina, do ponto de vista da construção de redes e da
articulação entre diferentes escalas de ação, analisando particularmente a
instituição Banco do Empreendedor – Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP), sediada em Florianópolis e fundada em 1999.
Objetivou-se, com isso, identificar as escalas de atuação do Banco do
Empreendedor e sua rede de interações, assim como os agentes que
contribuíram com sua fundação e com mudanças ao longo de sua
trajetória.
As principais conclusões da monografia apontaram (MATTOS,
2014): 1) embora as orientações do Banco Mundial norteiem e
justifiquem o microcrédito como alternativa para a superação da pobreza,
na prática esta atividade se afasta desse propósito e se aproxima do
mainstream1 financeiro; 2) a mudança do papel de agentes-chave na
constituição de rede de instituições de microcrédito catarinense
possibilitou novas formas de interação entre as organizações levando a
dinâmicas econômicas de fusão, aquisição e concorrência. Com isso,
novas questões de pesquisa emergiram.
A relevância deste tema se dá pois esta atividade tem sido
frequentemente incluída nas agendas de desenvolvimento
socioeconômico e superação da pobreza, especialmente em países em
desenvolvimento. A pesquisa bibliográfica mostrou que, na última
década, esse tema foi objeto de pesquisa predominantemente de campos
do conhecimento como economia, administração, contabilidade,
sociologia, direito entre outros e que em meio a estes as pesquisas de
cunho geográfico se mostram tímidas.
O microcrédito em Santa Catarina chama atenção, entre outros
motivos, por ter o maior número de Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIPs) de microcrédito em comparação aos demais
1 Em estudo sobre a inclusão financeira no Brasil, Feltrin, Ventura e Dodl (2009)
assumem que quanto mais o mercado se desenvolve e os stakeholders se
profissionalizam, mais os serviços de microfinanças se assemelham ao
mainstream financeiro, no sentido da exigência de qualificação e geração de
resultados; o que foi verificado pelas pesquisas de campo em Mattos (2014).
22
estados brasileiros. Chama atenção também por contar com três dos nove
membros da Campanha da Microcredit Summit2 no Brasil – os demais
membros encontram-se no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará,
Pernambuco e Pará. A particularidade da rede urbana no estado e a
distribuição de atividades econômicas diversas pelas diferentes regiões
catarinenses imprime, também, uma especificidade à essa unidade da
federação. O Planorte (nome fantasia: Banco do Planalto Norte), sediado
no município de Canoinhas, é um desses membros da referida campanha,
que tem a sua frente uma das organizações responsáveis pela construção
de um ideário das microfinanças no mundo ao lado do Banco Mundial.
Além desse, há mais dois motivos que justificam o interesse em estudar
essa OSCIP: O Planorte foi uma das organizações fundadas pelo
programa Crédito de Confiança – programa levado a cabo pelo BADESC
no fim da década de 1990 – e é uma das organizações catarinenses que
transcende a fronteira estadual, atendendo municípios de Paraná, tendo
como pilar de sua atuação os agentes de crédito.
É possível dizer que o microcrédito como alternativa para a
superação da pobreza tenha sido afirmado na Conferência Global do
Microcrédito, evento ocorrido em Washington D.C., nos Estados Unidos,
na década de 1990, organizado pelo Banco Mundial e com a presença de
representantes do setor em todo o mundo. Embora a prática de pequenos
empréstimos já acontecesse muito antes mesmo desta conferência, foi
nela que elaborou-se um plano de ação que inspirou políticas públicas e
o debate sobre o tema no país. O encontro entre ideias e planos
provenientes de organismos internacionais e economias
particulares/locais não é novidade nos debates de cunho econômico e
político entre as ciências humanas e é justamente nisso que reside o
interesse da geografia pelos processos espaciais da atividade de oferta de
microcrédito.
Não há consenso sobre a conceituação de microempréstimos por
parte das diversas instituições que lidam com o tema. No presente
trabalho ficará claro que no Brasil predominam as noções de microcrédito
dentro das políticas públicas elaboradas e que pouco se mencionam as
2 “A Microcredit Summit Campaign reúne praticantes das microfinanças,
advogados, instituições educacionais, agencias doadoras, instituições financeiras
internacionais, organizações não-governamentais e outros envolvidos com as
microfinanças para promover melhores práticas, estimular intercâmbio de
conhecimento a trabalhar para alcançar as metas da campanha.” (tradução nossa)
Fonte: <http://www.microcreditsummit.org/about-the-campaign2.html>. Acesso
em 23 março 2015.
23
microfinanças. Este trabalho compreende que o microcrédito é a ação de
oferta e tomada de crédito propriamente dita, enquanto as microfinanças
envolvem outros serviços financeiros disponíveis para a população com
foco nos microempreendedores e população de baixa renda; por fim o
microcrédito produtivo orientado (MPO) é compreendido tal qual o
microcrédito mas com enfoque em atividades produtivas de pequeno
porte.
O objetivo geral da pesquisa foi analisar o processo de expansão
territorial da rede de instituições de microcrédito de Santa Catarina, em
especial o Banco do Planalto Norte (Planorte), localizado na cidade de
Canoinhas, Planalto Norte do Estado, compreendendo os condicionantes
internos e externos para a constituição de sua rede de atendimento bem
como rede de relações que asseguram os interesses do Planorte,
articulando diferentes escalas espaciais. Os objetivos específicos dessa
pesquisa foram:
i) Identificar as instituições de microcrédito presentes em
Santa Catarina e as mudanças em suas respectivas redes
entre 2006 e 2016 (antes e depois da mudança de papel
do BADESC).
ii) Compreender como condicionantes internos e externos
se combinaram para permitir a constituição da rede de
instituições de microcrédito no estado, através do estudo
de caso do Planorte:
iii) Analisar o processo histórico de construção da rede
comandada pelo Planorte, levando em consideração sua
conexão com a Microcredit Summit Campaign e o
atendimento através dos agentes de crédito.
iv) Analisar a possível relação entre a expansão da rede de
atendimento das instituições de microcrédito e as
demandas dos setores econômicos predominantes
regionais, identificando de que maneira as atividades
dos tomadores de empréstimos estão mais ou menos
inscritas nos setores predominantes da economia
regional.
Para delinear a problemática da pesquisa e explicar a inserção de
Santa Catarina no contexto nacional e mundial do microcrédito e da
evolução das finanças, foi necessário escolher diferentes lentes. Isto é,
diferentes caminhos metodológicos entre tantos outros possíveis. Esta
dissertação está dividida em três capítulos.
24
O primeiro capítulo procura mostrar que o microcrédito tem seu
lugar no processo de mundialização econômica e nas redefinições sobre
desenvolvimento que acompanharam tais mudanças em nível global. As
propostas de superação da pobreza através das finanças se inserem num
contexto de mudança das relações capitalistas globais. Ao mesmo tempo
em que há o processo de expansão das finanças por diversas dimensões
da vida econômica e social, há também propostas originárias de
organizações da cooperação internacional e de intelectuais sobre o
desenvolvimento, a superação da pobreza e a adoção do microcrédito para
tais fins enquanto uma ideologia.
A construção desse capítulo se valeu de levantamento bibliográfico
de autores brasileiros e estrangeiros. A leitura de François Chesnais
(1995; 1996) apresentou o processo contemporâneo de mundialização do
capital. Os estudos de Elsa Kraychete (2002; 2005a; 2005b; 2006)
trouxeram contribuições para analisar as orientações do Banco Mundial
sobre o desenvolvimento, compreender o papel de organizações da
cooperação internacional e de intelectuais mediadores das ideias de
desenvolvimento e microcrédito. De Amartya Sen (2000) e Gustavo Lins
Ribeiro (2008) foram trazidos apontamentos teóricos sobre
desenvolvimento, de Ricardo Abramovay (2004) foi extraída uma leitura
da sociologia brasileira acerca do microcrédito e da pobreza. Há, ainda, a
contribuição de outros autores não menos importantes.
Para compreender como se deu a incorporação do ideário do
microcrédito no Brasil, expresso pela institucionalização do setor, foi
construído o segundo capítulo. Por meio do levantamento de normas
jurídicas, da caracterização dos tomadores de empréstimo brasileiros e
dos fixos geográficos como um reflexo concreto de políticas públicas de
inclusão financeira e expansão das finanças no país, foi possível perceber
que há correspondência entre o modelo proposto e o retrato das
microfinanças no país, ou seja, o discurso converge com a realidade
observada. Esse capítulo mostra também que há um grande grupo de
instituições não bancárias e cooperativas a frente desse setor no Brasil.
A compreensão da incorporação desse ideário foi feita por meio de
pesquisa bibliográfica, levantamento de dados (do Ministério do Trabalho
e Emprego, do DIEESE, do IBGE entre outros), pesquisa de normas
jurídicas que regulamentam a atividade de microcrédito e microfinanças
no Brasil e leitura de relatórios oficiais. Elsa Kraychete contribuiu
novamente, desta vez com aspectos relacionados ao debate sobre
institucionalização ao lado de Douglas North. Os trabalhos de Milton
Santos (2002) e Fábio Contel (2009, 2011) permitiram construir uma
lente baseada na ideia de fixos geográficos para enxergar a
25
institucionalização concreta do microcrédito no Brasil. Foi construída
uma periodização das normas jurídicas do microcrédito no país como
estratégia para melhor compreender o processo histórico de
institucionalização desse setor. Novamente, outros autores não menos
importantes foram chave para a construção desse capítulo.
Por fim, o terceiro capítulo traz o processo de expansão das
instituições de microcrédito em Santa Catarina, em especial o caso do
Planorte, OSCIP de microcrédito sediada em Canoinhas, no Planalto
Norte catarinense. O estudo de caso se justifica pelo interesse em
compreender como a atividade de microcrédito institucionalizada no
Brasil se espacializa; compreender de que forma condicionantes internos
e externos se combinam para permitir a constituição da rede de
atendimento e de relações do Planorte; analisar o processo histórico de
construção da rede comandada por esse banco; por fim, identificar como
se dá a inserção das atividades dos tomadores de empréstimo nos setores
predominantes da economia regional.
Foi realizada pesquisa de campo na OSCIP de microcrédito
Planorte, localizada no município de Canoinhas, no Planalto Norte de
Santa Catarina, em maio de 2016. A pesquisa foi realizada em dois
momentos. Em um primeiro momento realizou-se uma entrevista com o
Gerente Executivo do Banco do Planalto Norte, Nivaldo Brey Junior; essa
entrevista contou com um roteiro pré-estruturado (Apêndice A). O
segundo momento consistiu em acompanhar o agente de crédito
Anderson Diefentheler em visitas a tomadores de empréstimos da região
especialmente selecionados para mostrar a diversidade dos tomadores de
empréstimo do Planorte. Foram visitados quatro domicílios, sendo que
em dois deles havia duas atividades diferentes desempenhadas por
diferentes membros da família, totalizando, portanto seis diferentes
atividades produtivas (serralheiro, produtor de frios, revendedora de
roupas e semi-jóias, revenda de material reciclável, cozinheira e
mecanógrafo). Durante as visitas foi possível conversar com essas
pessoas e conhecer suas instalações. Esta parte do trabalho de campo teve
como pauta compreender quem são eles, se estão ou não inseridos nas
atividades econômicas mais dinâmicas da região, como e porque tomaram
crédito com o Planorte e, por fim, o que faziam antes e porque resolveram
trabalhar por conta própria. A análise da expansão da rede de microcrédito
de Santa Catarina e do Planorte teve também como base a representação
cartográfica da rede de atendimento das instituições de microcrédito em
diferentes momentos do tempo: 2006, 2012 e 2016 no caso do Planorte;
e 2006 e 2015 no caso de Santa Catarina. As considerações finais
sintetizam os principais resultados da pesquisa.
27
CAPÍTULO 1: MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA E O LUGAR DA
IDEOLOGIA DO MICROCRÉDITO
Este capítulo procura mostrar que o microcrédito está inscrito no
processo de mundialização econômica e nas redefinições sobre
desenvolvimento. Há, por um lado, o processo de expansão das finanças
pelas diversas dimensões da vida econômica e social, também conhecida
como mundialização financeira – debatida especialmente por François
Chesnais – que implica repensar a matriz ideológica do desenvolvimento.
Por outro lado, há as proposições de agentes internacionais e de
intelectuais sobre o desenvolvimento, a superação da pobreza e o papel
do microcrédito enquanto uma ideologia. Cabe explicitar aqui que o
termo ideologia é empregado como um conjunto definido de ideias, não
sendo empregado necessariamente o corrente sentido depreciativo que a
expressão carrega. Isto é, a intenção do texto não é desqualificar esse
ideário, e sim situá-lo num contexto abrangente de mudanças do
capitalismo global.
As propostas de superação da pobreza através das finanças se
inserem num contexto de mudança das relações capitalistas globais em
que há, simultaneamente, emergência de um espaço
financeiro global e reorganização de seus
subsistemas – econômicos e geográficos. Nessa
perspectiva, a configuração dos sistemas financeiro
e bancário, nos diferentes países, resulta do
encontro entre a globalização das finanças e os
determinantes internos de cada Estado-Nação
(históricos, geográficos, econômico,
organizacionais e políticos) (DIAS, 2010, p. 163). Há um discurso que coloca o microcrédito mundialmente como
alternativa para a superação da pobreza em países em desenvolvimento,
especificamente apoiado pelo Banco Mundial através da Cúpula do
Microcrédito – The Microcredit Summit – ocorrida em 1997 em
Washington, nos Estados Unidos. As diretrizes desse Banco que
nortearam ações de combate à pobreza através do microcrédito ressaltam
a importância do setor informal para geração de emprego e renda e
propõem a criação de organizações específicas para os pobres. A questão
das finanças informais e das alternativas ao sistema bancário tradicional
é oriunda de processos de exclusão social e financeira dentro do qual pode
ser inserida a prática de microcrédito enquanto empréstimos a pequenos
28
empreendedores informais ou de baixa renda. Esse ideário está inscrito
no processo de mundialização financeira.
1.1 Redefinições sobre o desenvolvimento no cenário de
mundialização financeira
Chesnais (1995) afirma que a economia mundial no século XX
caracterizou-se pelo capitalismo predominantemente rentista cujo
funcionamento parecia estar subordinado às necessidades das novas
formas de centralização3. O capital industrial e financeiro beneficiou-se
do fundamental apoio dos principais Estados capitalistas sob a forma de
políticas de liberalização, privatização e desregulamentação. Dessa
forma, o capital desfrutou de liberdade para se movimentar no âmbito
internacional de um país para o outro (CHESNAIS, 1995).
A mundialização do capital resulta de dois movimentos conjuntos,
estreitamente ligados, mas distintos (CHESNAIS, 1996). O primeiro
movimento seria a mais longa fase de acumulação de capital, desde 1914.
O segundo diz respeito às políticas de liberalização, privatização,
desregulamentação e desmantelamento das conquistas sociais e
democráticas que ocorreram desde o início dos anos 1980. O autor
defende que o processo de mundialização do capital faz parte do esforço
dos países centrais para manter posições adquiridas no período de
expansão anterior – 30 anos gloriosos – reforçado pelas profundas
modificações ocorridas nos modos de distribuição da renda entre capital
e trabalho na maioria dos países, a partir de 1975.
Desde a crise da década de 1970, o capital buscou romper as
amarras das relações sociais, leis e regulamentações de proteção dos
assalariados atadas no pós-crise de 1929 e pós-segunda Guerra,
materializadas como intervenção estatal na economia. Neste movimento
de ruptura, o capital industrial e financeiro beneficiou-se do apoio de
Estados capitalistas por meio de políticas de liberalização,
desregulamentação e privatizações, personificadas nas figuras de M.
3 Ellen Wood (2014), por outro lado, chama atenção para o papel que o sistema
produtivo continuará desempenhando frente ao processo de mundialização do
capital, para a autora “o capital financeiro fará o seu melhor para ganhar dinheiro
em booms produtivos onde quer que esteja ou possa fazer isso, e agravará crises,
ou até mesmo as gerará, por lucrar com a especulação ou retirar-se no momento
em que a produção rentável declinar. Em ambos os casos seguirá o destino do
capital produtivo [...]” (WOOD, 2014, P. 146).
29
Thatcher4 e R. Reagan5. É válido ressaltar, como bem colocou Chesnais
(1995) em sua nota de rodapé, que este apoio reflete a influência própria
da esfera política num mecanismo de reforço mútuo, não podendo ser
reduzido ao movimento próprio do capital.
A globalização da economia se forjou, portanto, como inevitável à
qual os países não teriam opção a não ser se adaptar; globalização6
constituída como a própria expressão da modernidade. Numa análise mais
de perto, sugerida por Chesnais (1995), é possível observar que o
conteúdo efetivo da globalização refere-se não a mundialização das
trocas, mas à mundialização das operações de capital em suas formas
tanto industrial como financeira por meio de empresas transnacionais,
predominantemente – com suas matrizes, filiais ou subcontratadas além
das fronteiras.
A importância relativa dos fatores geradores de interdependência
entre os países mudou com a globalização (CHESNAIS, 1995),
destacando-se os seguintes fatos:
O investimento internacional é predominante na
internacionalização, mais do que as trocas;
4 Margaret Thatcher (1925 – 2013), a “Dama de Ferro”, foi primeira-ministra do
Reino Unido entre 1970 e 1990 reconhecida por suas políticas econômicas
centradas na desregulamentação do setor financeiro, flexibilização do mercado
de trabalho e privatizações das empresas estatais. 5 Ronald Reagan (1911 – 2004), republicano eleito duas vezes presidente dos
Estados Unidos, em 1980 e em 1984, implementou uma série de políticas de
recuperação econômica incluindo medidas de desregulamentação, redução de
gastos públicos e corte de impostos. 6 Sobre as origens do termo ‘global’: surgiu nos anos 1980 nas escolas americanas
de business manegement. “Numa perspectiva de administração de empresas, o
termo foi então utilizado para mandar aos grandes grupos o seguinte recado: ‘os
obstáculos ao desenvolvimento de suas atividades em qualquer lugar onde
exista a possibilidade de realizar lucros estão sendo derrubados graças à
liberalização e à desregulamentação; a teleinformática (ou telematics) e os
satélites de comunicações colocam a sua disposição ferramentas fantásticas de
comunicação e de controle; vocês devem reorganizar-se e reformular suas
estratégias conseqüentemente’. Essa gênese confirma a idéia segundo a qual se
trata, de fato, do movimento do capital, porém a ótica das “Business schools”
dá uma visão por demais restrita. Torna a globalização um fenômeno apenas
de tipo microeconômico, de modo que a globalização financeira, por exemplo,
surge como um fenômeno totalmente distinto dos investimentos diretos
estrangeiros e das novas formas de organização e administração das operações
internacionais dos grupos, conquanto se trata de processos estreitamente ligados.”
(CHESNAIS, 1995, p. 5).
30
O fluxo de trocas intrafirmas adquire peso cada vez maior;
O investimento internacional é claramente fortalecido
pela globalização das instituições bancárias e financeiras
que facilitam as fusões e aquisições transnacionais;
Aparecem novas formas de troca internacional de
tecnologia interempresas, além das franquias e comércio
de patentes, que, frequentemente, se tornaram o principal
meio para as empresas e os países terem acesso a novos
conhecimentos e tecnologias-chave.
Aparecem novas empresas multinacionais com
organização do tipo rede.
Ao mesmo tempo houve uma ‘desconexão forçada’ pela qual
passaram países em desenvolvimento, na expressão de Mouhoud (1993
apud Chesnais, 1995), isto é, um processo de marginalização de partes
inteiras de continentes em relação ao sistema de intercâmbios global. Essa
tendência à marginalização dos países em desenvolvimento foi marcada,
durante a década de 1980, pela diminuição dos investimentos diretos
estrangeiros e das transferências de tecnologia destinados a grande
maioria desses países (CHESNAIS, 1995). Outra marca desse processo é
a exclusão dos países produtores de produtos de base do circuito mundial,
a medida que há a substituição de recursos tradicionais por produtos
industrializados.
A noção de internacionalização é genérica e envolve um conjunto
de processos que tecem relações de interdependência entre economias
nacionais distintas e supostamente autônomas. O autor salienta, contudo,
que a utilização do termo globalização faz referência vaga aos aspectos
econômicos, lhe parece preferível falar em ‘globalização do capital’ sob
a forma tanto de capital produtivo aplicado nas indústrias e serviços
quanto do capital concentrado, que se valoriza conservando a forma
dinheiro (CHESNAIS, 1995). Assim, a expansão das relações financeiras
pelos diversos campos da vida social bem como sua difusão pelo território
parece consequência desse processo.
Pode-se, então, dar mais um passo, nas palavras de Chesnais
(1995), e falar em “mundialização” em vez de “globalização”, mais
especificamente mundialização do capital. Juntar mundialização ao
conceito de capital indica que parte dos segmentos mais decisivos dos
mercados financeiros é mundializado com modalidades e instrumentos
variados; indica, ainda, que o campo no qual o capital industrial
31
concentrado se desenvolve é aquele do oligopólio mundial, o qual domina
os mercados internos em países diversos (CHESNAIS, 1995).
Diante desse cenário, a consequência para os países periféricos
quando recai sobre o consumo das famílias, pode se dar de forma a
diminuir a renda geral do trabalhador assalariado, afirma Chesnais
(1995). Países onde o nível de desemprego é alto e há pouca ‘cultura’ de
trabalhos informais são os mais afetados pela queda do consumo das
famílias. Como consequência, a tendência de poupar diante de cenários
instáveis leva à diminuição do consumo. Ou seja, o fortalecimento dos
mercados informais e trabalhar por conta própria se mostram como
alternativas para que as economias nacionais na escala dos consumidores
e das famílias seja mais resiliente, convergindo para a inclusão financeira.
Para a construção do cenário sobre o qual as microfinanças se
desenvolvem é necessário compreender, além do processo de
mundialização do capital, como o discurso da pobreza passa a fazer parte
da fala do Banco Mundial e como as instituições são vistas nesse
contexto. Kraychete (2005b) fez um amplo levantamento de documentos
institucionais do Banco Mundial, em especial de Relatórios sobre o
Desenvolvimento Mundial. As constatações mais relevantes para a
presente pesquisa são tratadas adiante.
Nos anos 1980, mudanças nos indicadores macroeconômicos e,
sobretudo, as modificações nas relações de trabalho indicavam um novo
movimento cíclico do capitalismo (KRAYCHETE, 2005b). Observaram-
se, então, movimentos de ajustes das políticas econômicas e sociais em
busca de um novo modelo de desenvolvimento, que inclui a minoração
da pobreza. Isso se deu, por um lado, em resposta à crise econômica que
não abria espaço para a retomada do crescimento e, por outro lado, à
reestruturação produtiva (KRAYCHETE, 2005b).
Houve uma mudança no discurso do Banco Mundial acerca de suas
concepções do desenvolvimento, incluindo a pobreza como um desafio a
ser vencido. A partir das décadas de 1970 e 1980 a estratégia do Banco
caminha no sentido de combinar crescimento econômico com
investimentos sociais num movimento de retroalimentação. Ou seja, a
questão da pobreza passa a incorporar um modelo alicerçado em
concepções liberais.
Esse novo paradigma amplia o âmbito de atuação do Banco; isso
ocorre a partir de reflexões sobre o modelo anteriormente seguido e novas
recomendações. Sinteticamente, em relação ao antigo modelo de
crescimento, se criticou a cobrança de impostos à agricultura para
financiar o desenvolvimento industrial; se criticou, ainda, as políticas de
substituição de importações vistas, então, como protecionistas e voltadas
32
para o mercado interno. A conclusão foi de que essas medidas eram
contraproducentes.
A partir desse diagnóstico das décadas de 1970 e 1980, foram
formuladas as seguintes recomendações (KRAYCHETE, 2005b):
continuar apoiando a modernização da agricultura, com uso intensivo de
maquinário e fertilizantes tendo em vista padrões de produção; corrigir as
distorções do setor industrial, isso é, facilitar o aumento da
competitividade internacional; por fim, liberalização do comércio
internacional visando o aumento da participação dos países
subdesenvolvidos no comércio internacional. Além disso, o Estado estava
no alvo das críticas. Era visto como o responsável pelo fracasso das
políticas anteriormente implementadas.
Foi constatado que o crescimento econômico por si só não
diminuiu a pobreza e que uma crise era eminente. Esse ambiente foi
favorável para a inclusão da temática do combate à pobreza na agenda do
Banco Mundial, tida como a satisfação das necessidades básicas da
população, mas sem que comprometesse o crescimento econômico. Para o Banco, ambos os objetivos tornaram-se
componentes de uma mesma estratégia e,
formalmente, apresentam-se com hierarquia igual.
No entanto, para compreender o seu verdadeiro
significado, devem ser entendidos como objetivos
encadeados no tempo: o “ataque à pobreza” exige
grandes investimentos em infraestrutura produtiva
e social, em educação, saúde, moradia, controle
demográfico, nutrição, criação de empregos etc., e
estes recursos só podem provir dos aumentos da
produtividade. [...] isto é, para o Banco, a satisfação
das necessidades básicas está subordinada ao
crescimento econômico, ou seja, à acumulação de
capital. (LICHTENSTEJN e BAER apud
KRAYCHETE, 2005b, p. 68)
A lógica é simples: aumento da produção leva ao aumento do
emprego que, por sua vez, leva ao aumento dos rendimentos pessoais,
levando ao aumento do consumo e retornando ao aumento da produção.
Nesse ciclo, a pobreza diminuiria a medida que os rendimentos pessoais
e capacidade de compra aumentassem.
O discurso dos anos 70 e 80 pode ser caracterizado como de
transição no que se refere ao desenvolvimento e à definição de políticas
de combate à pobreza (KRAYCHETE, 2005b). É o discurso dos anos 90
que consolida o objetivo central de transformação da sociedade, com uma
33
fala voltada para os países subdesenvolvidos e colocando o
desenvolvimento como um desafio: O desenvolvimento é o mais importante desafio
enfrentado pela raça humana. Apesar das enormes
oportunidades criadas pela revolução tecnológica
do século XX, mais de 1 bilhão de pessoas, um
quinto da população mundial, vivem com menos de
um dólar por dia – padrão de vida que a Europa
Ocidental e os EUA já haviam atingido há 200 anos
(BANCO MUNDIAL, 1991, p. 1 tradução nossa).
Nesse sentido, o relatório de 1991 enumera pré-condições para
vencer o subdesenvolvimento e enuncia ações. Entre as pré-condições, se
destaca a necessidade de criar ambiente favorável aos investidores
externos em busca do acesso ao capital a aos mercados globais. Já as
ações são orientadas em quatro direções:
1) Investir no ser humano: considerando que os investimentos em
capital humano trazem retornos econômicos altos e que não se
pode esperar que os mercados dos países subdesenvolvidos
ofereçam o suprimento adequado de necessidades como
educação, saúde e nutrição.
2) Proporcionar ambiente favorável ao empreendedorismo: uso
produtivo de capital, incentivos aos mercados no sentido de que
os empresários tenham acesso a uma infraestrutura adequada de
serviços de pesquisa e extensão e de difusão de novas
tecnologias.
3) Integrar as economias nacionais com a dinâmica mundial:
abertura da economia visando o livre fluxo de bens, serviços,
capital, mão de obra e tecnologia.
4) Garantir a estabilidade macroeconômica: redução das taxas de
inflação, equilíbrio das contas públicas e recuperação da
capacidade creditícia externa visando restaurar a confiança do
setor privado.
Este é um ponto em que a política econômica dos países, bem como
suas instituições, aparecem como cruciais para o desenvolvimento. Há um
aprofundamento das discussões sobre o papel das instituições,
aprofundamento esse que busca ressaltar a importância das políticas
liberalizantes para a estabilidade econômica. É como considerar que a
agenda do desenvolvimento não pode abster-se da política e das
instituições políticas (FUKUYAMA, 2003).
34
O Relatório de 2001 orienta o desenho de instituições eficazes e de
boa governança, no sentido de promover o desenvolvimento institucional.
As premissas para isso por parte do Banco são: ofertar instituições
eficazes para respaldar o mercado; criar demanda para tais instituições; e
promover forças favoráveis às mudanças. Melhor explicando, respaldar
os mercados significa alargar as oportunidades de mercado observando
os custos de transação, o respeito ao direito de propriedade e, por fim, a
entrada de novos participantes.
Neste sentido, o Banco Mundial propôs a reavaliação dos papéis
desempenhados pelo mercado e pelo Estado, considerando que Os mercados competitivos constituem o melhor
meio encontrado até hoje de organizar
eficientemente a produção e a distribuição de bens
e serviços. A competitividade interna e externa
proporciona os incentivos que desencadeiam o
espírito empresarial e o progresso tecnológico. Mas
os mercados não podem funcionar no vácuo –
necessitam da estrutura jurídica e normativa que
somente os governos podem oferecer. E, em
muitas outras tarefas, os mercados às vezes
resultam inadequados ou fracassam
completamente (BANCO MUNDIAL, 1991, p. 1
tradução nossa).
No âmbito da economia informal urbana, as recomendações
ressaltam a importância do setor informal dado seu papel de gerador de
empregos e renda. Além disso, ressalta a importância da promoção de
investimentos em infraestrutura para atender pequenas empresas e
unidades familiares, onde muitas atividades informais se desenvolvem.
Ao lado disso, o Banco propõe a participação dos pobres no
crescimento por meio da definição de políticas específicas para este
segmento da população. Melhor dizendo, essas políticas se orientam no
sentido do acesso ao crédito, serviços e infraestruturas públicos. Por fim
propõe a criação de instituições financeiras específicas para os pobres a
luz do exemplo dos credores informais: A saída para propiciar serviços financeiros aos
pobres está no exemplo tomado dos credores
informais que, operando com custos fixos baixos,
ofertam créditos a clientes de baixa renda a partir
do conhecimento pessoal ou comercial, sem as
exigências de garantias do sistema formal de
créditos (KRAYCHETE, 2005b, p. 80).
35
A partir da década de 1970, concomitantemente à
computadorização e primeiras tecnologias da informação, surgiam novos
agentes e novos acordos para a regulação das transações financeiras
internacionais (WARF, 2006; CONTEL, 2011). A partir desse mesmo
período, formou-se uma verdadeira indústria de serviços financeiros dada
a importância que ganha essa atividade frente a diferentes tipos de
instituição: Estados Nacionais através de seus Bancos Centrais, bancos
comerciais e de investimento, companhias de seguro, empresas de
consultoria financeira, corretoras, companhias de cartão de crédito, entre
outras (CONTEL, 2011).
Toda a autonomia relativa das finanças – que é também em grande
parte potencial –, fomentada pela lógica de reprodução do capital, só
ganha concretude, afirma Contel (2011), a partir de dados objetivos que
fazem parte da constituição de cada território, isto é, quando passam a
fazer parte de “espaços nacionais” da economia global – quando se
localizam. Sendo assim, os ‘circuitos financeiros globais’ (GARRETSEN,
KITSON e MARTIN, 1999) são também
dependentes de uma base técnica para fazer
circular seus ativos, assim como são influenciados
por todas as normas jurídicas e macro-econômicas
que compõem cada território nacional (CONTEL,
2011, p. 8).
Segundo Garagorry (2007), no Brasil o processo de
financeirização da sociedade seguiu, em linhas gerais, as transformações
econômicas e políticas ocorridas no interior do capitalismo de forma
simétrica, porém, temporalmente defasada e revestida de especificidades.
Com vistas a inserção no sistema econômico global, segundo Paulani
(2008) o Brasil buscou constituir-se como plataforma de valorização
financeira. A autora afirma que na década de 1990 o Banco Central
promoveu a abertura financeira do país por meio de contas exclusivas
para não-residentes que permitem a livre disposição de recursos em
divisas, lei da década de 1960, e outras mudanças que produziram a forma
da inserção do país nas finanças de mercado internacionalizadas. A autora
argumenta ainda que os governos pós plano real buscaram, com todas as
reformas econômicas, um lugar de destaque em meio aos países
emergentes como sendo seguro do ponto de vista das aplicações
financeiras. Sendo assim, a tendência seria de que a financeirização da
economia brasileira se internacionalize cada vez mais.
36
No contexto brasileiro da expansão das finanças, uma das razões
que explicam o crescimento da economia no país nos anos 2000, segundo
o DIEESE (2014), é exatamente a ampliação do mercado de crédito. O
relatório do DIEESE revela que em 2002, a relação crédito/PIB era de
23,8% e em 2014 essa relação cresceu para 55,8%. No entanto, a atuação
das instituições financeiras brasileiras no processo recente de ampliação
do crédito não ocorreu de forma homogênea. Até 2007, a expansão do
crédito era mais expressiva nos bancos privados, mas desde o início da
crise financeira mundial de 2008, como estratégia do governo para
enfrentar a crise internacional, os bancos privados reduziram a oferta de
crédito e os bancos públicos passaram a sustentá-la, financiando os
setores industrial, agrícola e habitacional do país (DIEESE, 2014).
Ainda de acordo com o DIEESE os empréstimos de recursos livres
apresentaram crescimento real acumulado de 70% entre 2008 e 2013,
enquanto o crédito com recursos direcionados teve expansão real 176%
no mesmo período. Isto significa dizer que houve relevante crescimento
daqueles créditos que devem ser obrigatoriamente aplicados em
determinadas linhas, definidas por leis e regulamentações, com taxas de
juros subsidiados – no qual se encaixam parte dos recursos do Programa
Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO) – frente aos
recursos que as instituições financeiras poderiam aplicar onde e como
quisessem.
1.2 Intelectuais mediadores e o ideário do Banco Mundial
Ao lado do processo de mundialização do capital e das
reformulações das concepções de desenvolvimento econômico do Banco
Mundial, conjuntos de intelectuais formulam suas propostas e suas
leituras do que é a pobreza e o desenvolvimento de forma geral.
Trataremos aqui de dois autores em especial – Amartya Sen e Ricardo
Abramovay – e da organização ligada ao Banco Mundial, a Microcredit
Summit Organization, da qual fazem parte agências doadoras, advogados,
organizações educacionais e todos aqueles interessados e participantes
das práticas do microcrédito pelo mundo.
A mediação entre o ideário do microcrédito, consolidado
internacionalmente, e o Brasil se dá em duas esferas: a esfera ideológica,
na qual atuam os intelectuais como interlocutores e a esfera institucional,
por meio de programas governamentais e regulamentos. Abramovay, em
estudos sobre o Brasil, analisa as dimensões da economia na escala das
famílias, dos pequenos negócios e do microcrédito. Sen propõe uma visão
de desenvolvimento pautada na liberdade como fim e meio para tal.
37
O desenvolvimento é compreendido como um dos discursos mais
inclusivos no senso comum e na literatura especializada; sua importância
para a organização das relações econômicas, políticas e sociais faz com
que seja considerada “uma das ideias básicas da cultura europeia
ocidental moderna” (RIBEIRO, 2008, p. 117), inquestionada.
A plasticidade e as múltiplas facetas do desenvolvimento
asseguram sua continuidade à medida que seu discurso está sempre em
processo de transformação; há numerosos adjetivos que fazem parte de
sua história: industrial, capitalista, para dentro, para fora, comunitário,
desigual, dependente, sustentável, humano (RIBEIRO, 2008). O autor
argumenta, ainda, que essas variações refletem não apenas experiências
históricas de tensão entre diferentes grupos hegemônicos, mas também
diferentes momentos de integração do sistema capitalista mundial.
Além disso, o discurso do desenvolvimento busca transitar entre
dois diferentes polos, concebidos para designar o espaço ou a ordem de
forma hierarquizada: desenvolvido/subdesenvolvido, adiantado/atrasado,
Primeiro Mundo/Terceiro Mundo etc. como uma tentativa de sugerir que
haja um ponto a ser atingido para um futuro melhor (RIBEIRO, 2008).
Kraychete (2005b) defende que o modelo de desenvolvimento
oriundo das organizações da cooperação internacional absorve as ideias
liberais do economista Amartya Sen. O centro do pensamento de Sen
(2000) está na ideia da justiça distributiva e de liberdade. Segundo o autor,
o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das
liberdades reais desfrutadas pelas pessoas. O seu trabalho se orienta para
a formulação de políticas com especial preocupação com a construção de
um espaço de avaliação do desenvolvimento, que considere variáveis
focais relevantes, e de uma base informacional correspondente.
Sen (2000) argumenta que o senso de liberdade pode ter
importância direta sobre a qualidade de vida e bem-estar de uma pessoa.
Escolher é parte de viver bem, viver uma certa vida por escolha é diferente
do que viver a mesma vida sem que se tenha escolhido por ela. Interessa
a Sen a garantia das liberdades substantivas individuais. Neste sentido, a
ideia de desenvolvimento não está relacionada a parâmetros de renda,
como acumulação de riquezas e crescimento do Produto Interno Bruto. A
renda seria apenas uma das variáveis em um conjunto maior que envolve
o comportamento humano, pois em muitas situações ela não pode ser
convertida em capacidade.
A pobreza, a carência de oportunidades econômicas, a negligência
dos serviços públicos, tirania entre outras são as principais fontes de
privação de liberdades de acordo com Sen (2000) e devem ser removidas.
Os indivíduos são vistos como os agentes condutores do processo de
38
desenvolvimento. Para que atuem de fato é necessário que tenham
liberdade para expandir as capacidades que detêm e mobilizar novas.
Na leitura de Sen (2000) sobre o desenvolvimento, a liberdade
desempenha um papel constitutivo e um papel instrumental nesse
processo. O papel constitutivo está ligado com a capacidade de evitar
privações como fome, subnutrição, morte prematura, restrição do acesso
à educação, falta de garantia do direito a participação política, entre outros
enquanto formas de assegurar a liberdade substantiva. O papel
instrumental afirma que as liberdades substantivas contribuem de forma
eficaz para o desenvolvimento econômico a medida em que garante
liberdades em relação à política, facilidades econômicas, oportunidades
sociais etc.
Sen relativiza o crescimento econômico como medida do
desenvolvimento argumentando que para tal é necessária a melhoria das
condições de vida e garantia das liberdades. O autor critica os
economistas que restringem suas leituras sobre a desigualdade e pobreza
à desigualdade de renda apenas, sem levar em consideração as
diversidades individuais. Dessa forma, não haveria espaço para variações
interpessoais importantes na conversão de renda em bem-estar.
Por fim, os indivíduos são considerados como agentes com
capacidade para atuar e construir o futuro que desejam. Isto é, o
desenvolvimento concebido como manifestação da liberdade dos
indivíduos. Sen defende a liberdade de transação, por consequência os
mecanismos de mercado. A este respeito ele argumenta que a ação
governamental tem papel importante no sentido de garantir a equidade e
a eficiência do mercado. Esse papel e o de outras instituições políticas da
sociedade devem ser equilibrados com o funcionamento do mercado; a
intervenção poderia, segundo o autor, ser voltada para programas de bem-
estar e construção de redes de segurança social.
O microcrédito faz parte da estratégia de desenvolvimento
econômico do final dos anos 1990, que propunha a inclusão financeira
como alternativa para a superação da pobreza especialmente naqueles
países não desenvolvidos, com clara inspiração nas propostas do Banco
Mundial (KRAYCHETE, 2002, 2005a, 2005b, 2006; THE
MICROCREDIT SUMMIT, 1997; CAMPAIGN, 2013).
Elsa Kraychete fez um vasto estudo sobre o ideário desse Banco
acerca do microcrédito (2002, 2005a, 2005b, 2006). A autora (2006)
salienta que as diretrizes provenientes dessa estratégia, que davam ao
mercado lugar central nas articulações para oferta de serviços creditícios,
assinalavam que a oferta desses serviços não deveria ficar restrita ao setor
estatal, cabendo à iniciativa privada oferecê-lo. Segundo o Banco
39
Mundial (1991), a crítica ao modelo de desenvolvimento cuja estratégia
tinha o Estado como principal articulador já não recomendava que o setor
financeiro representado pelos bancos públicos cumprisse o papel de
ofertar créditos aos pobres7. O centro da crítica a esse modelo recai sobre
o crédito subsidiado; a principal queixa é que os programas implantados
não alcançavam os pobres e corroíam os cofres públicos.
Ao mesmo tempo, foi diagnosticado que o mercado de créditos
convencional era incapaz de difundir os serviços de microcrédito, já que
esses serviços demandam garantias e metodologia diferenciadas. Como
resultado, parte da população encontrava-se excluída do acesso a esses
serviços (KRAYCHETE, 2006). Esse diagnóstico revela que as mudanças
estratégicas com vista à inserção dos pobres nos
mercados financeiros não poderiam ficar restritas a
uma simples redefinição quanto ao lugar que o
Estado e o mercado deveriam ocupar na oferta de
créditos a este segmento da população. Instigadas
pelo impasse que tanto apontava para dificuldades
das políticas comandadas pelo Estado, como
também das lideradas pela iniciativa privada em
ofertar serviços financeiros a segmentos
expressivos da população, instituições acadêmicas,
organizações da cooperação internacional e
governos nacionais, guiadas pela ideia de maior
eficiência do mercado, buscam alternativas que
envolvem desde redefinições teóricas sobre o
mercado de créditos, a indicação de procedimentos
metodológicos que contribuam para que o sistema
financeiro atinja ao pobre, até o redesenho
institucional, seja redefinindo o papel de
instituições existentes, seja constituindo
organizações de novo tipo.(KRAYCHETE, p. 4,
2006)
Na ocasião da Cúpula do Microcrédito foi proposto um Plano de
Ação e criada a Microcredit Summit Organization com o propósito de
organizar ações em todos os continentes para avaliar o desenvolvimento
das microfinanças, traçar metas e fazer proposições constituindo assim
uma rede de articulações. Após este primeiro encontro, de 1997, foram
realizados mais dez que construíram a agenda de ação dessa instituição.
7 Veremos a diante que de acordo com estudo do DIEESE (2014) não é
exatamente isto que vem acontecendo no Brasil.
40
A campanha tem quatro temas principais, além das metas específicas:
atingir os mais pobres, empoderar as mulheres, promover auto
sustentabilidade financeira e por fim promover impacto positivo
mensurável (CAMPAIGN, 2013).
Segundo essa Organização, o foco nas pessoas mais pobres,
especialmente nas mulheres, se dá pois a experiência tem mostrado que
frequentemente estas pessoas estão fora dos programas de erradicação da
pobreza. É defendido que, mesmo nas nações mais desenvolvidas, os
programas sociais de ajuda aos pobres têm falhado pois oferecem poucos
caminhos para sair da dependência, uma vez que os programas preveem
sobrevivência física mínima, ao invés de focar em criar condições para o
emprego.
Além disso, segundo Campaign (2013), as opções de autoemprego
são frequentemente barradas por regulamentações e pela
indisponibilidade de empréstimos e capital para iniciar investimentos. Por
fim, a organização defende que há uma consciência crescente de que as
pessoas pobres estão dispostas a se colocarem fora da pobreza se tiverem
acesso a serviços econômicos básicos e em ambiente propício – isto é,
acesso a serviços de microcrédito e microfinanças.
A vida financeira de famílias vivendo próximo à linha da pobreza
no Brasil é objeto de estudo de Abramovay (2004) em seu livro Laços
Financeiros na Luta Contra Pobreza, organizado em colaboração com
outros autores. O intuito da obra é mostrar que essas famílias têm
demandas por serviços financeiros apesar de estarem a margem do
sistema bancário formal. Segundo o estudo, esta demanda aponta para
uma grande diversidade de usos desses serviços por famílias urbanas e
rurais.
Aponta também para o crédito, a poupança e os seguros como
serviços financeiros que atendem, simultaneamente, as necessidades das
famílias e seus empreendimentos econômicos – geralmente há uma
fronteira sensível entre os dois nos negócios de pequeno porte. "Mais que
um setor, as finanças informais são a própria rede de relações sociais de
que dependem os indivíduos e as famílias" (ABRAMOVAY, 2004, p.
22), a reprodução dessas relações passa por laços que são sociais, muitas
vezes pessoais e quase sempre financeiros. Os trabalhos apresentados no
livro respondem à hipótese apoiada na teoria dos comportamentos
intertemporais, segundo a qual o acesso a recursos financeiros e suas
modalidades são fatores cruciais na determinação da renda obtida pelas
famílias.
Abramovay (2004) ressalta que nem todos os serviços e ligações
financeiras de que dependem uma família podem ser supridos por
41
organizações formais. Isto significa que os laços financeiros construídos
por essas famílias são mais amplos e ricos que os contidos na frieza e
impessoalidade dos serviços bancários formais. A sociologia econômica contemporânea, ao
contrário, insiste na ideia de que a vida econômica
– e financeira – das famílias só pode ser
compreendida a partir de sua inserção [...] nos
círculos sociais que lhe imprimem conteúdo e lhe
dão sentido (ABRAMOVAY, 2004 apud
ABRAMOVAY, 2004, p. 23).
Neste sentido, as finanças pessoais são eficientes no âmbito de
relações localizadas de amizade a até pessoais.
Sobre os limites das finanças informais para preencher a lacuna
entre os pobres e os serviços financeiros de que necessitam, Abramovay
(2004) é claro. O problema de encarar as finanças informais como
alternativa de suprir a demanda por serviços financeiros dos que estão
fora do sistema bancário é que frequentemente ela liga proximidade e
baixos custos de transação à dominação clientelista e formas perversas de
exploração do trabalho. É nessa virtude de proximidade que reside o
limite das finanças informais.
O alcance social das finanças informais restringe-se sempre a um
círculo delimitado de relações onde o interconhecimento e a partilha de
um universo moral relativamente comum permitem a expectativa
verossímil de obtenção dos recursos e de seu pagamento. Se é verdade
[...] que toda moeda supõe hierarquia, valores e poder, no âmbito das
finanças informais estes atributos são particularizados em certas figuras
sociais que, em situações e regiões de pobreza, fazem dos laços
financeiros um dos mais importantes meios de perpetuar sua dominação.
(ABRAMOVAY, 2004, p. 25)
Entre 1995 e 1999 foram desenvolvidos no Brasil estudos, com
apoio do Conselho da Comunidade Solidária, que serviram de base para
a construção do marco legal e regulatório para institucionalização do
microcrédito no país (SOARES E MELO SOBRINHO, 2008). Por marco
legal entende-se, conforme Martins (2008), duas concepções diferentes
mas não antagônicas: a primeira que determina o quadro sistêmico sobre
o qual se constitui o direito de uma atividade ou pessoa (legal framework),
e a segunda determinada por um momento de constituição ou
remodelação do direito (legal iniciative) – melhor explorado no capítulo
seguinte. Isto é, deu-se início ao movimento de construção do legal framework do microcrédito no Brasil. Para além do sistema jurídico, a
42
noção de instituição de Douglass North (1990, apud COX, 2011) é clara
ao compreender o processo de instituir ou uma instituição em si como
normas que moldam a interação, as regras do jogo.
Segundo Soares e Melo Sobrinho (2008), nos estudos
mencionados acima foram discutidos dois modelos, correntes de
pensamento, ligadas ao escopo dos clientes atendidos pelo microcrédito.
A primeira corrente, denominada desenvolvimentista, defende que os
programas de microcrédito devem estar voltados ao combate à pobreza e
concebe as instituições de microcrédito como agentes de
desenvolvimento social, estabelece ainda que o crédito deve estar
vinculado a outras formas de apoio ao pequeno empreendedor que o
ajudem a romper com a pobreza na qual se encontra. A segunda,
minimalista, entende que a instituição de microcrédito somente deve
cumprir sua função se atingir sustentabilidade em termos financeiros. De
acordo com Soares e Melo Sobrinho (2008), o segundo modelo balizou a
criação de instituições de microcrédito reguladas no país.
Outra pista da mediação em questão, desta vez refletida na esfera
institucional, é o Programa Crédito de Confiança de Santa Catarina. Esse
programa foi implantado no fim da década de 1990 em Santa Catarina
pelo Governo do Estado com apoio de entidades locais relevantes. Entre
essas entidades está o BADESC, a Federação das Associações de Micro
e Pequenas Empresas e Empreendedor Individual de Santa Catarina
(FAMPESC) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE).
O livro publicado por Sachet, Waterkemper e Sachet (2001) conta
a história desse programa e revela que o mesmo teve forte inspiração em
experiências de sucesso do microcrédito no Brasil e no mundo: Grameen
Bank8 de Bangladesh, PortoSol de Porto Alegre, Vivacred do Rio do
Janeiro, entre outras. Além disso, o programa se inspirou nos resultados
da Conferência Global do Microcrédito – The Microcredit Summit9 –,
8 O Grameen Bank é considerado o primeiro banco de microcrédito do mundo,
fundado em 1976 por Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em
2006 pela iniciativa. Yunus e Jolis publicaram o livro ‘O Banqueiro dos Pobres’
(YUNUS; JOLIS, 2008) no qual é contada a trajetória de Yunus e a do banco. 9 De acordo com o documento final publicado pela Cúpula, o propósito da
conferência foi iniciar um movimento global e alcançar as 100 milhões de
famílias mais pobres do mundo, especialmente as mulheres dessas famílias, com
autoemprego e serviços financeiros até o ano de 2005. A declaração publicada
salienta que a economia global está marcada pela crescente desigualdade
econômica e que pouco tem sido feito para aliviar as consequências sociais e
psicológicas da pobreza e da dependência. Salienta, ainda, que a pobreza tanto
43
ocorrida em 1997 em Washington, USA, que apontou a expressividade
da utilização do crédito para o autoemprego ao redor do mundo.
Conclusão
A expansão da dimensão financeira sobre os diversos campos da
vida social não é fato novo, como expresso por Dias (2010). Nessa leitura
percebeu-se que há, sim, lugar para as atividades financeiras que a
população de baixa renda pode vir a realizar. Mais do que isso, os micro
e pequenos empreendedores participam desse processo de expansão como
agentes geradores de renda e emprego e demandantes de serviços
financeiros específicos.
A análise das ideias expostas neste capítulo permite concluir que o
microcrédito é um mercado intencionalmente construído e é baseado em
um conjunto consolidado de ideias. Além disso, sua consolidação vai ao
encontro do movimento do capitalismo em escala global. É uma peça do
mesmo jogo. Então a criação de condições institucionais e o discurso dos
intelectuais não é mero acaso, mas um reflexo e um esforço de adequação
em prol de uma visão de desenvolvimento econômico e social na qual se
aposta.
nos países em desenvolvimento como nos industrializados, tem uma cara
feminina, o que acarreta em altos níveis e natalidade e subdesenvolvimento
infantil. Ao lado disso, o documento traz a constatação de que os programas de
ajuda têm falhado em atingir as pessoas mais pobres pois oferecem poucos
caminhos para sair da dependência, pois ao invés de criar condições para o
emprego, preveem a sobrevivência mínima. Ainda segundo o documento, são
frequentes os entraves impostos por regulamentações para atividades informais e
esse tipo de iniciativa é frequentemente ignorada pois virtualmente o custo de um
de uma transação de um grande empréstimo é o mesmo que de um pequeno.
(CAMPAIGN, 2013; THE MICROCREDIT SUMMIT, 1997).
45
CAPÍTULO 2: INCLUSÃO FINANCEIRA E
INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MICROCRÉDITO NO BRASIL
Neste capítulo será exposta a incorporação do ideário do
microcrédito no Brasil expresso pela institucionalização do setor, por
meio do histórico das normas jurídicas, da caracterização do tomador de
empréstimo brasileiro e dos fixos geográficos como um reflexo concreto
da construção de políticas de inclusão financeira no país. O viés
neoinstitucionalista vai ao encontro das proposições do Banco Mundial
ao enxergar a evolução das instituições como aliada ao desenvolvimento
econômico. A respeito das proposições sobre microcrédito oriundas de
organizações estrangeiras percebe-se que há correspondência entre o
modelo proposto e o retrato dos tomadores no país, ou seja, o discurso
converge com a realidade observada.
O histórico normativo do microcrédito vem apresentar como, de
forma gradativa, foi sendo constituído um aparato institucional para
realização da atividade no país. Primeiramente construindo organizações
de novo tipo ou adaptando as existentes, em seguida, elaborando um
modelo nacional e garantindo fontes de recursos. Por fim, a convergência
do esforço de institucionalização com as políticas e a prática se dá no
território expresso em fixos geográficos; em que há um grande grupo de
instituições não bancárias e cooperativas a frente do setor no Brasil.
2.1 O viés neonstitucionalista e conceituação do microcrédito
Há duas afirmações que parecem consenso no debate sobre
pobreza e inclusão financeira. A primeira é de que a população pobre tem
demanda por serviços financeiros (ABRAMOVAY, 2004); e a segunda
de que o sistema financeiro formal não dá conta de atender a essa
demanda – seja por falta de interesse ou falta de metodologia específica.
Pimentel e Kerstenetzky (2008) afirmam que as principais barreiras são
as incertezas em relação aos clientes potenciais, aos intermediários
financeiros e rentabilidade insuficiente. Além disso, Nitsch e Santos
(2001) argumentam que os critérios básicos de garantias que determinam
a concessão de um empréstimo nos bancos tradicionais são inadequados
frente ao microcrédito. Isto é, uma característica marcante das propostas
para o microcrédito é que envolvem flexibilidade, proximidade entre
46
cliente e instituição e adaptação à demanda dos clientes como estratégias
para contornar a assimetria de informações10.
Kraychete (2005b) afirma que o papel das instituições é tido como
indispensável para o desenvolvimento econômico, nesse sentido, as
noções de desenvolvimento que emanam do Banco Mundial têm suas
raízes no novo institucionalismo. Isto significa o reconhecimento de que
as instituições reduzem as incertezas ao oferecerem estabilidade às
relações cotidianas a partir de regras formais (leis, decretos, normas) e
informais (convenções e códigos de conduta).
O neoinstitucionalismo é uma corrente teórica que surgiu na
década de 1970 e repercutiu sobre as organizações de cooperação
internacional e os governos na definição de suas políticas
(KRAYCHETE, 2005b). Essa corrente traz uma nova visão à abordagem
econômica da teoria neoclássica afirmando que a escolha racional dos
indivíduos e o sistema de preços não são os reguladores exclusivos da
economia. Além disso, “a chave para atingir a explicação dos diferentes
estágios de desenvolvimento entre as nações está, segundo Douglass
North, na evolução das instituições” (KRAYCHETE, 2005b, p. 57).
Para Douglass North, o papel das instituições no mercado vai além
de aumentar a eficácia na alocação dos recursos e reduzir os custos de
transação, é também politicamente orientado. O ponto de partida para
uma teoria das instituições é a ideia de que nas relações de troca, a busca
por informações, o estabelecimento e o cumprimento dos contratos nem
sempre está disponível de forma simétrica (KRAYCHETE, 2005b). Isto
incorre, portanto, em custos diferenciados de transação a depender da
disponibilidade e possibilidade de acesso a informações.
Surgem, então, nesse cenário as propostas para programas de
microcrédito com foco em contornar a assimetria de informações. Neste
sentido, é valorizado o contato face a face com o cliente por meio de
entrevistas, visitas ao negócio a fim de conhecer as condições nas quais o
empreendimento se desenvolve. As principais metodologias de operação
do microcrédito são o crédito individual e o crédito em grupo (NITSCH
e SANTOS, 2001). O crédito em grupo é usual para atender pessoas
extremamente pobres em um sistema no qual um grupo de pessoas se
responsabiliza pelos empréstimos uns dos outros, é o modelo do Grameen
Bank, de Bangladesh. Já o crédito individual, por outro lado, é uma
10 Assimetria de informação é uma condição na qual “alguns sujeitos econômicos
são melhor informados sobre aspectos relevantes de um objeto de contratação do
que outros, tendo consciência de sua vantagem informativa”, segundo Nitsch e
Santos (2001, p. 175).
47
alternativa mais flexível para aqueles que conseguiram consolidar seus
negócios, atendendo trabalhadores autônomos e donos de pequenas
empresas.
É perceptível que o microcrédito é uma noção ampla, por isso é
conceituado de maneiras distintas por diferentes instituições e diferentes
autores. Por vezes o microcrédito é tratado como sinônimo de
microfinança, que é um conceito que envolve além de pequenos
empréstimos, outras atividades deste segmento econômico, como
poupança e seguros (DIAS, 2010; PANTEL, 2007).
Soares e Melo Sobrinho (2008), por sua vez, definem que o
microcrédito está contido na microfinança. Para os autores, o termo
microfinança refere-se a prestação de serviços financeiros adequados e
sustentáveis para a população de baixa renda, excluída do sistema
financeiro tradicional. As instituições microfinanceiras (IMFs) são
entendidas, portanto, como aquelas pertencentes ao mercado
microfinanceiro especializadas em oferecer este tipo de serviço:
Organizações não Governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor (SCMs), cooperativas, fundos públicos e, por fim,
bancos comerciais públicos e privados por meio de correspondentes
bancários.
Já o microcrédito seria a atividade que, no contexto da
microfinança, se dedica a prestar serviços exclusivamente a pessoas
físicas e jurídicas empreendedoras de pequeno porte (SOARES e MELO
SOBRINHO, 2008). É a principal atividade do setor das microfinanças
pela importância dentro das políticas públicas de superação de pobreza e
geração de emprego e renda; difere-se dos demais tipos de crédito pela
metodologia utilizada. É a partir daí que surge o conceito de Microcrédito
Produtivo Orientado (MPO) consolidado pela Lei 11.110/2005 que define
o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado. O quadro a
seguir ilustra esses conceitos do ponto de vista de diferentes instituições
que lidam com o tema.
48
QUADRO 1– Definições de microcrédito, microfinanças e microcrédito produtivo orientado (MPO) segundo diferentes organizações, 2015.
Quem define? MICROCRÉDITO MICROFINANÇAS MPO
Programa Nacional de
Microcrédito Produtivo e
Orientado - PNMPO (Lei
11.110 de 2005)
Crédito concedido para o atendimento das
necessidades financeiras de pessoas físicas e
jurídicas empreendedoras de atividades
produtivas de pequeno porte, utilizando
metodologia baseada no relacionamento
direto com os empreendedores no local onde
é executada a atividade econômica.
Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico e
Social – BNDES
Concessão de empréstimos de pequeno valor a
microempreendedores formais e informais,
normalmente sem acesso ao sistema financeiro
tradicional.
Serviços financeiros como crédito,
poupança e seguros para pessoas e
empresas de baixa renda.
Serviço Brasileiro de Apoio à
Micro e Pequena Empresa –
SEBRAE
Modalidade de financiamento direcionada a negócios
de pequeno porte. O seu objetivo é viabilizar
oportunidades de negócios em camadas sociais de
menor renda.
Banco Central do Brasil –
BANCEN
Operação de crédito realizada com empreendedor
urbano ou rural, pessoa natural ou jurídica,
independentemente da fonte dos recursos, observadas
as seguintes condições: I - a operação deve ser
conduzida com uso de metodologia específica e equipe
especializada; e II - o somatório do valor da operação
de microcrédito com o saldo devedor de outras
operações de crédito com o mesmo tomador deve ser
inferior a três vezes o valor do Produto Interno Bruto
(PIB) per capita, excetuando-se desse limite as
operações de crédito habitacional.
Agência do Fomento do Estado
de Santa Catarina - BADESC Segue orientação do PNMPO.
Banco Interamericano de
Desenvolvimeno - BID
Empréstimos de pequeno valor concedido em larga
escala para pessoas e empresas.
Banco Mundial
Empréstimo de pequeno valor com garantias não
tradicionais de forma contínua e crescente; tendo
metodologias simplificadas de análise, concessão e
acompanhamento de crédito; e ainda formas seguras de
poupança.
Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de: SEBRAE disponíveis em <http://www.sebraepr.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/Microcr%C3%A9dito>, com acesso em
21 janeiro 2016; Banco Central do Brasil (2015b); Martins, Winograd e Salles (2002, p. 60) apud Dias (2010) e as referidas legislações.
49
O que há de comum entre as diferentes definições é o
reconhecimento da atividade como alternativa ao modelo de crédito
vigente, representado pelos grandes bancos. Além disso, é notável o foco
em pequenos empreendedores ou pessoas de baixa renda. Neste trabalho
será explorado o modelo de microcrédito definido pelas normas jurídicas
vigentes, isto é, o PNMPO e as regulamentações do Banco Central do
Brasil.
2.2 Quem são os tomadores de microempréstimos no Brasil?
Em estudo sobre metodologia de análise de impactos do
microcrédito, Santos (2007) salienta que por vezes o limiar entre crédito
para consumo familiar e para o empreendimento é tênue quando família
e firma tem um caixa único. Nesse sentido, por um lado a análise do
impacto é dificultada já que o destino do financiamento pode ser outro
que não o declarado, por outro lado, a família em si pode ter benefícios
possibilitados pelo crédito disponível para o negócio.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou,
nos anos de 1997 e 2003, a pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF)
com o objetivo de captar informações para conhecer o papel e a dimensão
do setor informal no país. O estudo considera que trabalhadores informais
são aqueles que trabalham por conta própria ou são pequenos
empregadores (até 5 empregados), com 10 anos ou mais de idade,
ocupados em atividades não-agrícolas e moradores de áreas urbanas11.
Assim sendo, ela deixa de cobrir atividades não-agrícolas realizadas por
moradores de domicílios rurais – como a pequena indústria alimentar,
serviços, artesanato –; tal restrição se justifica, segundo IBGE (2003),
pelo elevado custo que levaria à pesquisa e pela evidência empírica de
que é nos centros urbanos que se concentram a parcela mais expressiva
da economia informal.
A pesquisa do IBGE (2003) constatou que 94% das empresas do
setor informal não havia usado crédito para o desenvolvimento de suas
atividades, embora os empresários da indústria de transformação e
extrativa, comércio e reparação, serviços de alojamento e alimentação,
transporte, armazenagem e comunicação pesquisados considerem que o
11 A ausência de registro, embora útil para fins analíticos, segundo IBGE (2003),
não apresenta uma base conceitual clara para caracterizar a economia informal,
pois a informalidade refere-se ao modo de organização e funcionamento da
atividade econômica, não ao status legal da mesma uma vez que há diversos tipos
de registro.
50
crédito é o serviço mais importante para o desenvolvimento dos seus
negócios. Entre aqueles que utilizaram, a principal fonte de recursos
foram ou bancos públicos e privados (58% das empresas), fornecedores
(16%) e amigos ou parentes (16%) (IBGE, 2003). É notável aqui a
predominância da oferta de crédito por parte de bancos que, como
debatido por Nitsche e Santos (2001) e Pimentel e Kerstenetzky (2008),
não são as instituições mais bem preparadas e mais interessadas em
realizar este tipo de operação.
Há um grande lapso de tempo entre o estudo realizado pelo IBGE
e os dias atuais; essa lacuna é relevante pois nesse período houve
mudanças significativas nos aspectos institucionais de microcrédito e
microempreendedores. Em 2004 surgiu o PNMPO, política que
consolidou a visibilidade e operacionalidade desse setor no Brasil; em
2008 foi criada a categoria de Microempreendedor Individual (MEI), pela
Lei complementar 128 daquele ano, com o objetivo de estimular a
formalização dos microempreendedores.
Existem basicamente duas linhas de oferta de microcrédito: o de
baixa renda, também conhecido como microcrédito ao consumo, e o
microcrédito para empreendedores. Dados do DIEESE (2014) mostram
que os recursos garantidos pelo Programa Nacional de Microcrédito
Produtivo e Orientado (PNMPO), dentro dos recursos direcionados, para
a segunda linha de crédito mencionada acarretaram numa inversão do uso
predominante do microcrédito: em 2008 o microcrédito para consumo
representava 73% do total e para microempreendedores 27%; em 2013 o
crédito para consumo caiu para 10% dando lugar a 90% para o
microcrédito produtivo. Esses dados do DIEESE referem-se apenas as
ofertas realizadas por bancos públicos. Há ainda outras instituições
ofertadoras de microcrédito, com características relevantes para o setor,
que serão tratadas mais a diante neste capítulo.
Após a criação do PNMPO, mais especificamente a partir de 2007,
o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passou a alimentar um banco
de dados sobre o programa. Assim, é possível traçar um perfil do
microempreendedor atendido. São trazidos aqui dados sobre a atividade
econômica dos clientes, gênero e situação jurídica. Tal com sugerido pela
Microcredit Summit (1997), a maior parte dos clientes são mulheres
(TABELA 1), assim como a maior carteira de valor concedido (TABELA
2).
51
TABELA 1- Brasil: clientes ativos por gênero no PNMPO, anos de 2007,
2011, 2015. 2007* 2011** 2015**
Absoluto % Absoluto % Absoluto %
Mulheres 324.749 63,30 321.760 64,36 2.107.805 62,16
Homens 183.204 35,71 170.306 35,64 1.282.953 37,84
Não
declarados
5.079 0,99 - -
*Dados relativos ao ano; **dados relativos ao primeiro semestre de cada ano.
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2007; 2011;
2015a).
TABELA 2 – Brasil: valor concedido por gênero dos clientes, primeiros
trimestres de 2011 e 2015.
2011 2015
Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %
MULHERES 430.570.948,65 62,67 1.611.845.796,05 62,31
HOMENS 256.424.057,83 37,33 975.142.273,26 37,69
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2011;
2015a).
Segundo a Microcredit Summit (1997), as mulheres estão no foco
das iniciativas de superação da pobreza, pois elas têm se mostrado adeptas
à poupança, empreendedoras criativas e comprometidas com as
necessidades familiares. Os dados acima vão ao encontro da constatação
da relevância das mulheres quando revelam uma dupla predominância,
tanto em número de clientes como em valor concedido, do gênero
feminino na atividade de microcrédito registrada pelo MTE.
Além do gênero, a informalidade é característica marcante do
microcrédito. O fato de o PNMPO estar também voltado para os
microempreendedores dessa situação jurídica, corrobora tal afirmação.
As duas tabelas a seguir mostram a proporção entre tomadores de
empréstimo formais e informais em número e valor concedido.
52
TABELA 3 – Brasil: clientes ativos por situação jurídica no PNMPO,
anos de 2007, 2011 e 2015. 2007* 2011** 2015**
FORMAIS 4,24% 3,40% 5,20%
INFORMAIS 94,68% 96,60% 94,80%
NÃO DECLARADOS 1,08% - -
*Dados relativos ao ano.
**Dados relativos ao primeiro semestre de cada ano.
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2007; 2011;
2015a).
TABELA 4 – Brasil: valor concedido por situação jurídica dos clientes,
primeiros trimestres de 2011 e 2015.
2011 2015
Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %
FORMAIS 47.080.728,69 6,85 140.968.971,56 5,45
INFORMAIS 639.914.277,79 93,15 2.446.019.997,75 94,55
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2011;
2015a).
Assim como em relação ao gênero, há uma dupla predominância
dos tomadores de empréstimo informais, embora neste caso seja ainda
mais acentuada. A maioria de informais se manteve nos anos
apresentados, mesmo após a criação do MEI em 2008. Outra informação
evidente nos dados acima é o aumento do valor concedido que saltou da
casa dos milhões, em 2011, para bilhões, em 2015.
A atividade econômica dos clientes do PNMPO manteve um
padrão entre 2009, 2011 e 2015, apresentando alguma mudança em 2015
(TABELA 5). Em seguida (TABELA 6) apresenta-se o valor concedido
por ramo de atividade.
53
TABELA 5 – Brasil: clientes ativos por ramos de atividade no PNMPO,
anos de 2007, 2011, 2015. 2007* 2011** 2015**
COMÉRCIO 77,62% 88,79% 56,98%
SERVIÇOS 14,54% 8,15% 5,67%
INDÚSTRIA 4,97% 2,41% 1,67
AGRICULTURA 1,69% 0,45% 0,75%
OUTROS 1,18% 0,20% 34,93%
*Dados relativos ao ano.
**Dados relativos ao primeiro semestre de cada ano.
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2007, 2011,
2015a).
TABELA 6 – Brasil: valor concedido por ramo de atividade, primeiros
trimestres de 2011 e 2015.
2011 2015
Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %
COMÉRCIO 589.024.204,00 85,74 1.793.301.485,16 69,32
SERVIÇOS 69.566.982,74 10,13 191.096.903,26 7,39
INDÚSTRIA 18.558.183,00 2,70 50.930.091,69 1,97
AGRICULTURA 7.700.854,83 1,12 8.402.666,19 0,32
OUTROS 2.144.782,00 0,31 543.256.923,01 21,00
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2011,
2015a).
Considerando que há linhas de crédito voltadas especialmente
para a atividade agrícola – seja de grande porte ou pequena como o
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF) – é coerente que esta atividade tenha uma porcentagem
pequena de clientes, assim como de valor concedido. O comércio
predominou nos anos apresentados, embora em 2015 tivesse cedido
espaço relevante para a categoria de outras atividades em número de
clientes ativos. Esta categoria corresponde a atividades que combinam
mais de um ramo, como comércio e serviços ou indústria e comércio, em
uma mesma empresa – por exemplo: oficina mecânica e venda de
autopeças em um mesmo estabelecimento. Por outro lado, a respeito do
54
valor concedido em 2015, a predominância do comércio é ainda bem
expressiva.
Por fim, a demanda no mercado brasileiro das microfinanças, pode
ser resumidamente estratificada a partir da faixa de renda12 da seguinte
forma (SOARES e MELO SOBRINHO, 2008):
Faixas A, B e C: público de interesse dos bancos
tradicionais;
Faixas C, D e E: representam a faixa na qual o ambiente é
o mais propício para a formação de cooperativas de
crédito;
Faixas E e H: faixa em que se situa o público-alvo das
microfinanças.
Faixas C e E: zonas de concorrência.
No Brasil, 80% das pessoas estão entre as faixas E e H, isto é,
encontram-se na faixa de renda compatível com o mercado das
microfinanças (SOARES E MELO SOBRINHO, 2008).
2.3 Histórico normativo das microfinanças no Brasil
Em estudo sobre a inclusão financeira no Brasil, Feltrin, Ventura e
Dodl (2009) assumem que quanto mais o mercado se desenvolve e os
stakeholders se profissionalizam, mais os serviços de microfinanças se
assemelham ao mainstream financeiro, no sentido da exigência de
qualificação e geração de resultados. Ao encontro das conclusões desses
autores, se verá adiante como o ambiente institucional das microfinanças
no Brasil se caracterizou, a princípio por influência do mencionado
ideário do Banco Mundial e, posteriormente, pelo Estado como mediador
e indutor de regras de atuação e abordagem estratégica do setor. A política
de governo de acesso a crédito a partir de 2003 pautou-se na bancarização
das camadas mais pobres da população, processo no qual os bancos
públicos tiveram papel fundamental operando redes de correspondentes
bancários pelo país (BARONE; SADER, 2008).
A análise de Leis, Medidas Provisórias, Decretos, Resoluções,
Circulares, Cartas-Circulares e comunicados levou-nos à construção de
uma periodização normativa do microcrédito no Brasil, entre os anos de
1999 e 2016. O primeiro período é definido do ano de 1999 a 2003 e o
segundo de 2004 até 2015. Observou-se maior relevância das leis e
12 Faixa A: mais de 20 salários mínimos (SM); Faixa B: de 10 a 20 SM; Faixa C:
de 5 a 10 SM; Faixa D: de 3 a 5 SM; Faixa E: de 2 a 3 SM; Faixa F: de 1 a 2 SM;
Faixa G: até 1 SM; Faixa H: sem rendimento.
55
medidas provisórias em relação as outras normas no sentido das
mudanças que implicaram na prática do microcrédito, por isso a
periodização baseia-se nesses dois formatos.
Roberto Lobato Corrêa sugere que a periodização, como
construção intelectual do pesquisador, pode tornar inteligíveis os tempos
históricos. Ela é construída com propósitos bem definidos que levam a
seleção de temas com base em uma lógica que os une (CORRÊA, 2011).
Sendo assim, o que foi central para a divisão dos períodos aqui expostos
foi o argumento da necessidade de redefinição do microcrédito baseado
nas recomendações do Banco Mundial que aponta o microcrédito como
alternativa para superação da pobreza em países em desenvolvimento
(KRAYCHETE, 2002; 2005a; 2005b; 2006). Isto é, são priorizados
aspectos relativos à criação de novos formatos institucionais de
ofertadores de microcrédito alternativos ao sistema financeiro
convencional e aos bancos públicos.
O argumento da necessidade de redefinição do microcrédito
converge com a proposta de inserir no mercado de créditos
microempreendedores informais e autoempregados, no discurso do
Banco Mundial, excluídos do sistema financeiro tradicional e que situam-
se, também, na camada pobre da população dos países não desenvolvidos.
Neste sentido, é destacável a participação dos Ministérios do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Trabalho e da Justiça.
Embora haja desde antes da década de 1990 preocupação com o
tema de geração de trabalho e renda envolvendo o crédito a
microempreendedores, é a partir de 1999 (QUADRO 2) que a política
adotada no Brasil sobre o microcrédito começa a tomar corpo jurídico na
busca por redefinições organizacionais. Aos poucos, o quadro normativo
do microcrédito no país vai ganhando complexidade com a entrada de
agentes não apenas estritamente ligados ao sistema financeiro – como o
Banco Central e Conselho Monetário Nacional – mas vinculados a outros
interesses na esfera da geração de emprego, renda e riqueza para a
população – Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Emprego e
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.
56
QUADRO 2– Brasil: Periodização normativa do microcrédito entre 1999 e 2015.
Fonte: Elaborado por Mayra de Mattos com base em informações coletadas no sitio da Presidência do Brasil
(www.presidencia.gov.br), do Ministério do Trabalho (www.mte.gov.br/pnmpo) e Mattos (2014).
NORMA MUDANÇA ORGANIZACIONAL ÓRGÃOS FISCALIZADORES
E/OU DISCIPLINADORES
1º
PE
RÍO
DO
(19
99
– 2
003
)
Lei 9.790 de 1999 Institui as Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP) Ministério da Justiça
Medida Provisória (MPV) 1894-19 de
1999
Institui as Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor (SCM)
Conselho Monetário Nacional
(CMN) e Banco Central do Brasil
(BACEN)
Lei 10.194 de 2001 Idem MPV 1894-19. Idem MPV 1894-19.
Resolução 3.058
de 2002
Possibilita a formação de cooperativas de
pequenos empresários, microempresários
e microempreendedores responsáveis por
negócios de natureza industrial, comercial
ou de prestação de serviços, incluídas as
atividades da área rural
CMN e BACEN
Medida Provisória 122
de 2003
Institui que bancos comerciais, bancos
múltiplos com carteira comercial e a
Caixa Econômica Federal devem manter
aplicada em operações de microcrédito
parcela dos recursos oriundos dos
depósitos a vista por eles captados.
CMN e BACEN
Lei 10.735 de 2003 Idem MPV 122. Idem MPV 122.
2º
PE
RÍO
DO
(2004 –
2015)
Medida Provisória 226
(convertida na Lei
11.110 - PNMPO) de
2004
Institui o PNMPO e assegura recursos de
duas fontes: 1) do Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT);
2) parcela dos depósitos captados a vista
de que trata a Lei 10.735.
Ministério do Trabalho e
Emprego, CMN e Conselho
Deliberativo do Fundo de Amparo
ao Trabalhador (Codefat). Comitê
interministerial do PNMPO
(composto pelo Ministério do
Trabalho e Emprego, Ministério
da Fazenda e Ministério do
Desenvolvimento Social e
Combate à Fome).
Lei 11.110 (PNMPO)
de 2005 Idem MPV 226. Idem MPV 226.
Medida Provisória 554
de 2011
Altera a Lei 11.110 autorizando a União a
conceder subvenção econômica para os
bancos comerciais, os bancos múltiplos
com carteira comercial, a Caixa
Econômica Federal, bancos de
desenvolvimento e agências de fomento
sob forma de equalização de parte dos
custos para contratação e
acompanhamento de operações de
microcrédito produtivo orientado.
BACEN e Ministério da Fazenda.
Lei 12.666 de 2012 Idem MPV 554. Idem MPV 554.
57
O primeiro período, de 1999 a 2003, é marcado pela criação das
OSCIPs, das Sociedade de Crédito ao Microempreendedor (SCM) e pela
inclusão das cooperativas dos pequenos e microempresários em
cooperativas de crédito. Isso inaugura dois novos formatos institucionais
de operadores de microcrédito no país. Podem se qualificar como OSCIPs
pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, com objetivos
sociais e normas estatutárias definidas pela lei que as institui (BRASIL,
1999). Entre os objetivos sociais, os quais a organização deve ter pelo
menos um, está a promoção do desenvolvimento econômico e social e
combate à fome e a experimentação não lucrativa de sistemas alternativos
de produção, comércio, emprego e crédito. A lei institui ainda que pode
ser firmado um Termo de Parceria entre o Poder Público e as entidades
qualificadas como OSCIPs, formando um vínculo de cooperação para a
execução das atividades de interesse público previstas na lei (BRASIL,
1999). As OSCIPs são fiscalizadas pelo Ministério da Justiça. Martins
(2008) salienta que a lei das OSCIPs não se ateve a conceituar a atividade
microfinanceira em si, mas apenas permiti-la, incluindo-a em um amplo
e genérico conceito de interesse público; o reconhecimento desse
interesse se deu pelo compromisso que essa atividade teria na alteração
do quadro socioeconômico de intensa desigualdade do país.
As SCMs, por sua vez, são disciplinadas pelo CMN e fiscalizadas
pelo BACEN, equiparando-se às instituições financeiras. O objeto social
das SCMs, segundo a lei que as institui, define-se como a “concessão de
financiamentos a pessoas físicas e microempresas, com vistas a
viabilização de empreendimentos de natureza profissional, comercial,
industrial de pequeno porte” (BRASIL, 2001). Vale ressaltar, segundo
Martins (2008), que a lei que institui as SCMs nada fala sobre a atividade
microfinanceira em si, esta lei centra-se em definir a pessoa SCM bem
como relacioná-la a pessoa microempreendedor. Martins (2008)
acrescenta ainda que a constituição de iniciativas microfinanceiras passou
a não ser derivada de política social, mas retornou ao universo regulado
dentro do SFN, modelo que até esse momento não conseguiu criar
alternativas à exclusão de grande parte da população dos serviços
financeiros. Sobre a instituição das SCMs, Martins afirma ainda que “a
regulamentação do CMN/BACEN em agosto de 1999 revela que, na falta
de conceituação do que seriam essas atividades (microfinanceiras), as
restringia ao crédito, e desde que não fosse para consumo, concedido
preferencialmente a pessoa física, no limite de até 10.000,00 (dez mil
reais) por cliente” (2008, p. 20).
Contudo, vale ressaltar ainda que as SCMs não conseguiram
cumprir seu papel de instituição financeira adequada para o microcrédito.
58
Segundo Andrade Neto (2010), desse modo surgiu a necessidade de
aperfeiçoamento do modelo institucional passando a atender não apenas
o microempreendedor, mas as empresas de pequeno porte – Sociedade de
Crédito ao Microempreendedor e a Empresa de Pequeno Porte
(SCMEPP). Quando as SCMs foram criadas, pretendia-se que as OSCIPs
que operavam microcrédito migrassem para o novo formato institucional,
porém, mesmo dez anos após a criação das SCMs isto não havia ocorrido.
A importância desse modelo se dá por conjugar o viés social e experiência
das OSCIPs com atributos de instituições reguladas pelo Sistema
Financeiro Nacional (ANDRADE NETO, 2010). Para Andrade Neto
(2010), as possíveis causas para a não migração foram: não concordância
com o modelo, receios sobre a atuação e fiscalização do BACEN, inércia,
percepção de que o ambiente regulatório das SCMs seria mais
desfavorável, possibilidade de receber mais apoio como OSCIP ou ONG,
e falta de incentivos.
Em dezembro de 2002, foi editada a Resolução 3.058 do Banco
Central que possibilitou a formação de cooperativas de crédito de
pequenos empresários, microempresários e microempreendedores
responsáveis por negócios de natureza industrial, comercial ou de
prestação de serviços, incluídas as atividades da área rural. Essa norma
refletiu a importância do segmento econômico das micro e pequenas
empresas na geração de empregos e renda no país. Para Soares e Melo
Sobrinho (2008), a essência dessa norma está na constituição de
cooperativas sem a exigência de segmentação por ramo de atividade,
facilitando a constituição deste tipo de associação e dando mais liberdade
em relação as normas anteriores. Ainda segundo esses autores, essa nova
regulamentação, permitindo que em uma mesma cooperativa haja
empresários rurais e urbanos, conferiu as associações mais estabilidade
em relação às flutuações econômicas dos diferentes segmentos
participantes.
Em 2003, iniciando como Medida Provisória (MPV) 122 e sendo
convertida neste mesmo ano na Lei 10.735, recursos oriundos de
depósitos captados a vista por bancos comerciais, bancos múltiplos,
cooperativas de crédito e pela Caixa Econômica Federal passaram a fazer
parte dos recursos disponíveis para operações de microcrédito
compulsoriamente. Segundo essa lei, os bancos mencionados devem
manter aplicada parcela dos recursos captados por depósitos à vista em
operações de microcrédito para microempreendedores e população de
baixa renda. Até então, com exceção da lei das OSCIPs que é fiscalizada
pelo Ministério da Justiça, as outras leis, assim como as medidas
provisórias são fiscalizadas e disciplinadas pelo CMN e pelo BACEN.
59
O segundo período, de 2004 a 2015, é marcado pela mudança de
caráter da institucionalização do microcrédito no Brasil. A partir de então,
com o PNMPO, um conceito e modelo de microcrédito foram
convencionados para o país, evidenciando a crescente complexificação
do setor. Até então haviam sido criados os formatos institucionais
necessários para operacionalizar projetos no setor (OSCIP, SCMEPP e
cooperativas) e direcionados recursos para o microcrédito. A lei 11.110,
que define PNMPO, apresenta um discurso conceitual mais elaborado
sobre a atividade microcreditícia (MARTINS, 2008), isto é: a lei define o
que é o microcrédito produtivo orientado do ponto de vista legal;
menciona a necessidade de que o atendimento ao cliente seja feito por
pessoa treinada para elaborar o levantamento socioeconômico do cliente
e ainda preste orientação educativa sobre o planejamento do negócio;
salienta que o contato com o tomador do recurso deve ser feito durante
todo o período do contrato a fim de acompanhar o crescimento e garantir
o melhor aproveitamento e sustentabilidade da iniciativa.
O Programa foi um divisor de águas na prática da oferta de
microcrédito no Brasil, pois além de consolidar o conceito de
microcrédito institucionalmente, funcionou como um direcionador de
recursos – valendo-se do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e,
compulsoriamente, de parcela dos depósitos captados a vista pelos bancos
múltiplos comerciais e pela Caixa Econômica Federal. Juntamente com
isso, orientações para as instituições e acompanhamento para tomadores
de empréstimo são propostas com o fim de utilizar adequadamente os
recursos e diminuir as possibilidades de endividamento e inadimplência.
Apesar de que uma primeira conceituação do que seja o microcrédito
tenha aparecido em 2003, essa definição, segundo Martins (2008) foi
simplista em definir as microfinanças como um conjunto de produtos
bancários destinados a população de baixa renda; essa definição em nada
menciona o termo empreendimento.
O Programa foi construído com os seguintes objetivos: incentivar
a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares,
disponibilizar recursos para o microcrédito produtivo e oferecer apoio
técnico para as instituições. As instituições financeiras autorizadas a
trabalhar com o PNMPO são: Sociedade de Crédito ao
Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPP),
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), bancos
comerciais, bancos múltiplos com carteira comercia, Caixa Econômica
Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
60
É assim, através do PNMPO, com a entrada dos três novos agentes
– os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Trabalho
e Fazenda – que um projeto orientador de execução do microcrédito é
proposto no âmbito nacional, envolvendo desde o viés
desenvolvimentista do crédito ao minimalista; contemplando o ideal de
combate à pobreza através do microcrédito concebido pelo Banco
Mundial e a sustentabilidade do setor. A partir de então o Ministério do
Trabalho e Emprego, o CMN, o Conselho Deliberativo do Fundo de
Amparo ao Trabalhador e um Comitê Interministerial são incumbidos da
fiscalização e do disciplinamento do PNMPO. Esta iniciativa surgiu
primeiramente em 2004 através da MPV 226 e tornou-se a Lei 11.110 em
2005. O Comitê Interministerial é composto pelo Ministério do Trabalho
em Emprego, Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome. O objetivo do Comitê é subsidiar a
coordenação e implementação das diretrizes previstas neste Programa.
Por fim, a subvenção econômica de parte dos custos operacionais
das operações de microcrédito, Lei 12.666, oferecida aos bancos
comerciais, bancos múltiplos, Caixa Econômica Federal, bancos de
desenvolvimento e agências de fomento, reafirma a especificidade desta
atividade financeira, pois propõe apoio às instituições financeiras
convencionais nas operações de microcrédito produtivo orientado.
Segundo Martins (2008) o que prepondera na lei do PNMPO é a
metodologia de orientação e acompanhamento do empreendedor, sendo o
suporte dado a este muito importante para o bom desemprenho da
iniciativa empreendedora. Os trechos da Lei 11.110/05 abaixo
demonstram pontos chave do que foi definido: § 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se
Microcrédito produtivo orientado o crédito
concedido para o atendimento das necessidades
financeiras de pessoas físicas e jurídicas
empreendedoras de atividades produtivas de
pequeno porte, utilizando metodologia baseada no
relacionamento direto com os empreendedores no
local onde é executada a atividade econômica,
devendo ser considerado, ainda, que:
I - o atendimento ao tomador final dos recursos
deve ser feito por pessoas treinadas para efetuar o
levantamento socioeconômico e prestar orientação
educativa sobre o planejamento do negócio, para
definição das necessidades de crédito e de gestão
voltadas para o desenvolvimento do
empreendimento;
61
II - o contato com o tomador final dos recursos
deve ser mantido durante o período do contrato,
para acompanhamento e orientação, visando ao seu
melhor aproveitamento e aplicação, bem como ao
crescimento e sustentabilidade da atividade
econômica; e
III - o valor e as condições do crédito devem ser
definidos após a avaliação da atividade e da
capacidade de endividamento do tomador final dos
recursos, em estreita interlocução com este e em
consonância com o previsto nesta Lei. (BRASIL,
2005)
2.4 Os fixos geográficos
A noção de fixos adotada neste trabalho é oriunda de Milton Santos
(2002) que argumenta que o espaço geográfico pode ser compreendido
como um conjunto de fixos e fluxos. Isto é, fixos e fluxos interagindo
podem expressar a realidade geográfica. “Os elementos fixos, fixados em
cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar” (SANTOS,
2002, p. 19). Já os fluxos atravessam e se instalam nos fixos recriando
condições sociais e ambientais e redefinindo cada lugar; ao mesmo tempo
em que modificam o significação e valor dos fixos, se modificam.
A recente evolução dos fixos geográficos bancários (agências,
postos de atendimento, caixas eletrônicos) no Brasil mostra novidades na
acessibilidade a serviços financeiros por parte da população urbana e
rural, afirma Contel (2009), uma vez que o alcance desses serviços é
ampliado e simplificado. Contudo, a difusão dos fixos geográficos pelo
território embora promova acesso da população a serviços financeiros,
como contas correntes e poupança, não necessariamente implica acesso a
crédito, seja produtivo, seja para consumo. Desde 2010 o Banco Central
do Brasil realiza Relatórios de Inclusão Financeira com foco em
compartilhar informações acerca do acesso e uso de serviços financeiros
no país e em construir base de dados sobre o tema.
Para medir a exclusão financeira no Brasil o Banco Central propôs
no Relatório de 2011 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011) o Índice
de Inclusão Financeira (IIF), que agrega diversos indicadores de inclusão
financeira; entre os mais utilizados estão: número de agências bancárias
por adulto, número de postos bancários por adulto, número de caixas de
autoatendimento por adulto, quantidade de crédito disponível e volume
de depósitos. Cada um desses indicadores revela um aspecto específico
da questão da inclusão financeira. Segundo esse relatório, no qual a
62
proposta é apresentada, o interesse em elaborar um IIF se dá pela ideia de
que a inclusão financeira poderia ser acompanhada temporalmente e
diferentes unidades geográficas poderiam ser comparadas. Outra
justificativa é a possibilidade de acompanhar o impacto de políticas
públicas que visem a inclusão financeira e a realização de comparações
entre este índice e outros índices de desenvolvimento humano.
O Relatório de 2015 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2015a)
apresentou a evolução da inclusão financeira do país sobre três aspectos:
(i) acesso – disponibilidade de serviços e produtos financeiros; (ii) uso –
extensão e profundidade de uso de serviços financeiros; e (iii) qualidade
- relevância dos serviços e produtos financeiros para a vida diária do
consumidor. Sem abandonar a proposta do IIF, este relatório é encerrado
sem apresentar uma atualização do índice, apenas menciona-se a intenção
de atualizá-lo futuramente. Outra novidade do relatório mais recente é a
inclusão de um capítulo específico para as operações de microcrédito
entre os anos 2013 e 201413.
Segundo o Relatório de 2015, todos os municípios brasileiros
contavam em 2014 com algum ponto de atendimento do sistema
financeiro – exceto o município Pescaria Brava de Santa Catarina,
fundado no ano anterior. É destacado que no processo de inclusão
financeira destaca-se o papel fundamental que o modelo de
correspondentes bancários teve na promoção do desenvolvimento
socioeconômico da população, ao promover a prestação de serviços para
a população de baixa renda. É concluído pelo Banco Central do Brasil
(2015a) que a estratégia de inclusão financeira brasileira engloba não
apenas políticas de inclusão e educação financeira, mas, também,
reformas regulatórias que visam mitigar a assimetria de informações,
reduzir os custos de transação e amentar e melhorar o acesso, uso e
diversificação dos serviços financeiros oferecidos a população.
O processo de exclusão financeira em um país envolve diversas
dimensões e o conceito de inclusão financeira é multidimensional
(BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011). Segundo Kempson e Whyley
(1999 apud Banco Central do Brasil, 2011) é possível identificar cinco
formas de exclusão financeira:
13 Como será melhor abordado adiante, para o Banco Central a oferta de
microcrédito se dá a partir de Cooperativas de Crédito, Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresas de Pequeno Porte (SCMEPP), Bancos e
Agências de Fomento. As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(OSCIP) não fazem parte da análise do Banco Central uma vez que não estão
inseridas no Sistema Financeiro Nacional (SFN).
63
1) exclusão de acesso: relaciona-se a um isolamento geográfico,
em virtude de localizações remotas e baixa capilaridade do sistema
financeiro
2) exclusão de condição: quando as condições específicas de oferta
de certo tipo de serviço financeiro são inadequadas às
especificidades de um grupo de indivíduos.
3) exclusão de preço: preços elevados incompatíveis com o
orçamento de certo grupo.
4) exclusão de mercado: associa-se ao fato de parte da população
estar fora do público-alvo de certas instituições financeiras.
5) auto exclusão: ocorre quando certas pessoas por medo, barreiras
psicológicas ou razões ideológicas não utilizam os serviços
ofertados pelo sistema financeiro oficial.
Finalmente, a inclusão financeira é definida como “processo de
efetivo acesso e uso pela população de serviços financeiros adequados às
suas necessidades, contribuindo com sua qualidade de vida” (BANCO
CENTRAL DO BRASIL, 2015a, p. 19).
A partir do IIF do Banco Central do Brasil (BACEN) de 2011,
Santa Catarina pode ser vista como uma das unidades da federação mais
incluídas financeiramente. O gráfico a seguir (FIGURA 1) situa Santa
Catarina em relação as demais Unidades da Federação. O Estado manteve
seu índice maior que a média nacional nos anos estudados e em 2010 teve
o terceiro maior IIF no país, sendo o Distrito Federal o primeiro e o Estado
de São Paulo o segundo maior.
64
FIGURA 1 – Índice de inclusão financeira: unidades da federação e
Brasil, anos 2000, 2005 e 2010.
Fonte: Banco Central do Brasil (2011, p. 147).
65
Não só Santa Catarina chama atenção como toda a Região Sul do
Brasil, possivelmente isso se deve a base produtiva regional de pequenas
propriedades, isto é, com muitas unidades produtivas. O que se pode
inferir também é que há ritmos de crescimento diferentes entre as
unidades da federação.
Seguindo uma atualização normativa de 2012 (Resolução nº 4.072
de 26 de abril de 2012) que simplificou as regras de instalação de agências
e demais dependências financeiras visando reduzir o custo de ampliação
da rede de atendimento, o Relatório de 2015 apresenta os seguintes canais
de acesso aos serviços financeiros no Brasil:
A) Agências: são dependências das instituições financeiras ou
daquelas autorizadas pelo BACEN a funcionar, geralmente
apresentam a maior variedade de serviços com os quais a
instituição opera.
B) Postos de Atendimento (PA): são dependências subordinadas à
agência ou à sede da instituição destinada ao atendimento ao
público, podendo ser fixa ou móvel. É um tipo de dependência com
estrutura mais simples e flexível na qual os serviços podem ser
livremente definidos.
C) Ponto de Atendimento Eletrônico (PAE): dependência
constituída por uma ou mais terminais de autoatendimento
destinada a prestação de serviço por meio eletrônico. Ou seja, é
constituído por um conjunto de Automated Teller Machines
(ATM).
D) Correspondentes no país: são empresas contratadas por
instituições financeiras para prestarem determinada gama de
serviços em nome e sob responsabilidade da contratante. Por
exemplo: casas lotéricas, postos do correio, padarias, lojas e
supermercados. Os correspondentes representam importante
interface entre o sistema financeiro e a população ao
intermediarem serviços usuais, como pagamento, recebimento e
movimentação de contas.
E) ATM: equipamento eletrônico que funciona como caixa de
autoatendimento mediante utilização de cartão e senha.
F) Points of sale (POS): equipamento eletrônico utilizado por
estabelecimentos para recebimento de pagamentos através de
cartões de crédito, débito e pré-pagos.
Em termos de inclusão os ATMs e POSs são os equipamentos mais
restritos, segundo o estudo do Banco Central do Brasil (2011). Estes
equipamentos limitam-se a intermediar relações financeiras
66
exclusivamente transacionais. Os POSs, embora ampliem
significativamente o uso de cartões de plástico, em geral oferecem a
população apenas pagamento e alguns serviços complementares como
recarga de celular.
Esta atualização conforme a legislação reduziu de nove para seis
os tipos de canais de acesso e pontos de atendimento dos serviços
financeiros. Anteriormente eram os seguintes: agências, Postos de
Atendimento Bancário (PAB), Postos Avançados de Atendimento (PAA),
Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento de
Microcrédito (PAM), Correspondentes no País, Postos de Atendimento
Bancário Eletrônico (PAE), Caixas Eletrônicos (ATMs) e Points of sale
(POS). Isto aponta para uma simplificação do setor, facilitadora da
ampliação.
Embora a classificação dos canais de acesso a serviços financeiros
tenha mudado em 2012 excluindo a categoria Postos de Atendimento de
Microcrédito (PAM), os dados de 2011 ainda são significativos para
ilustrar que esta não foi a alternativa principal de oferta de microcrédito
em Santa Catarina assim como no Brasil. O PAM era uma modalidade de
atendimento exclusiva para clientes das Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPP). Em 2011,
Santa Catarina não apresentava Posto de Atendimento de Microcrédito
(PAM) e havia quatro SCMEPPs registradas; o Brasil contava com 12
PAMs e 42 SCMEPPs14.
Observa-se que o microcrédito em Santa Catarina não entrou no
Sistema Financeiro Nacional (SFN) pela via dos Postos de Atendimento
de Microcrédito (PAM); além disso, na dimensão nacional 12 PAMs é
um número insignificativo em termos de inclusão. Tampouco entrou no
Sistema Financeiro Nacional pelas Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs), que
apresentam números inexpressivos tanto na esfera Estadual como
nacional.
O Banco Central do Brasil permite ter acesso a relação de
instituições em funcionamento do país. Os dados sobre SCMEPPs estão
disponíveis desde 2007, embora este formato institucional para oferta de
microcrédito já exista desde 1999. Entre os anos de 2007 e 2015, Santa
Catarina contou com no máximo quatro instituições desse tipo em
funcionamento simultaneamente. O quadro a seguir apresenta essas
instituições por período de funcionamento e município sede.
14 Fonte: BANCO CENTRAL DO BRASIL (2011).
67
QUADRO 3 – Santa Catarina: Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresário de Pequeno Porte (SCMEPPs) em
funcionamento por município, 2007 a 2016.
Período SCMEPP, município
2007 Credishow, Indaial
2006 – 2016 Pólocred, Florianópolis
2007 – 2012 Siframar, Itapema
2009 – 2016 AJB Cred., Florianópolis
2009 – 2016 Regra Lander, São José Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de <
http://www.bcb.gov.br/?RED-RELINST>, acesso em 02 fevereiro 2016.
Há instituições que permaneceram por todo ou maior parte do
período estudado – é o caso da Pólocred, da AJB Créd. e da Regra Lander
– e outras que deixaram de existir: Credishow e Siframar. Segundo o sítio
da instituição15, a Pólocred foi fundada em 2006 dado o potencial de
crescimento da indústria microfinanceira no Brasil, considerando o
contingente de empreendedores excluídos do sistema financeiro
tradicional. A partir de 2009, a Pólocred firmou parcerias com a Caixa
Econômica Federal, o BNDES e o Fundo Internacional Holandês
OIKOCREDIT.
A AJB Créd. é a primeira empresa do Grupo AJB Latino América,
fundado em 2005 com suas atividades voltadas para investidores e
fomento mercantil. Entre os segmentos das empresas do grupo, cita-se:
transporte aéreo, administração e consultoria, corretora de seguros,
produção de alimentos, turismo, tecnologia, entre outros. Segundo o sítio
do Grupo16, a AJB Créd. é voltada para a prestação de serviços para
alavancagem dos pequenos negócios, se valendo de orientações de
agentes de crédito especializados.
A Regra Lander foi fundada em 2009, tem sua sede em São José e
filiais em Blumenau e Goiânia-GO, a área de atuação da instituição
abrange cerca de 110 municípios. As três instituições que permaneceram
são habilitadas no Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e
Orientado (PNMPO).
15 Fonte: disponível em
<http://www.polocred.com.br/index.php?option=com_content&view=category
&layout=blog&id=42&Itemid=91>, acesso em 22 março 2016. 16 Fonte: disponível em: <
http://www.grupolatinoamerica.com.br/estrutura_ajbcred.php>, acesso em 22
março 2016.
68
Por outro lado, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse
Público (OSCIPs) (TABELA 7) se mostram mais representativas que as
SCMEPPS em número de canais de acesso ao microcrédito em Santa
Catarina. No mesmo período do quadro anterior, havia em Santa Catarina
pelo menos 19 OSCIPs17 operadoras de microcrédito no Estado.
TABELA 7 – Santa Catarina: total de canais de acesso às OSCIPs de
microcrédito em 2006, 2012 e 2016.
2006 2012 2016
Sedes 19 19 23
Postos de
atendimento
e agências
68 73 106
Total de
canais 87 92 123
Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de Pantel
(2007), Mattos (2014) e <http://www.jurozero.sc.gov.br/instituicoes-de-
microcredito-tt.html> e <http://www.amcredsc.org.br/>, acesso em 05 de maio
de 2016.
Observa-se que houve crescimento no número de postos de
atendimento das OSCIPs e agências entre 2006 e 2016, podendo-se
concluir que há uma tendência crescente desse formato institucional para
oferta de microcrédito no Estado.
Além das SCMs e OSCIPs, há as cooperativas que são bastante
representativas no Estado. É importante esclarecer que as cooperativas
são aptas a reunir empreendedores urbanos e rurais, portanto os dados a
respeito desse setor não são exclusivos da atividade microempreendedora
urbana. Além disso, para tomar empréstimos nas cooperativas é
necessário ser cooperado. A tabela a seguir situa Santa Catarina no Brasil
em relação aos números desses três canais de acesso mencionados.
17 Fonte: MATTOS (2014).
69
TABELA 8 – Brasil e Santa Catarina: total de Organizações da Sociedade
Civil de Interessa Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao
Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs) e
Cooperativas habilitadas no PNMPO, 2016.
Brasil Santa Catarina
Absoluto Absoluto %
OSCIP 165 23 14%
SCMEPP 27 3 11%
Cooperativas 296 91 31%
Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em <
http://www3.mte.gov.br/sistemas/pnmpo/conteudo/instituicoes_habilitadas/defa
ult.asp>, acesso em 05 de maio de 2016.
Observa-se que o número de cooperativas habilitadas para operar
o PNMPO em Santa Catarina é bastante representativo, quase um terço
do total nacional. Embora em 2016 haja 39 Sociedades de Crédito do
Microempreendedor em Empreendedor e Empresa de Pequeno Porte
(SCMEPPs) registradas pelo Banco Central do Brasil18, apenas 27 delas
são habilitadas a aperar o PNMPO. Isto pode significar duas coisas: ou o
número de SCMEPPs vêm caindo, eram 42 em 2011, e algumas delas
nem sequer operem de fato; ou esse tipo de instituição tem pouco interesse
de operar o modelo do PNMPO. Por outro lado, em relação a Santa
Catarina, o número de SCMEPPs é sim de relevo se considerar-se que a
média nacional seria de uma por unidade da federação (UFs).
As OSCIPs, por sua vez, além de apresentar tendência de
crescimento no Estado, anteriormente debatida, mostram uma
representatividade relevante também em relação à média por UFs. As
OSCIPs são um tipo de Organização Não Governamental (ONG), que
diferentemente das tradicionais ONGs não são submetidas à Lei da Usura
por financiar pequenos empréstimos – o que significa não limitar os juros
praticados a 12% ao ano. Dados de Sachet, Waterkemper e Sachet (2001)
revelam que no fim da década de 1990 e início dos anos 2000, Santa
Catarina já contava com oito ONGs com a finalidade de ofertar
microcrédito e que posteriormente se transformaram em OSCIPs.
Neste ponto é importante salientar a distinção entre aquelas
instituições de oferta de microcrédito vinculadas ao Sistema Financeiro
Nacional (SFN) e aquelas fora dele que operam este tipo de transação
18 Fonte: disponível em http://www.bcb.gov.br/?RELINST, acesso em 05 maio
de 2016.
70
legalmente (QUADRO 4). O Banco Central do Brasil considera que as
instituições concedentes de microcrédito concentram-se em quatro
segmentos: agências de fomento, bancos, cooperativas de crédito e
SCMEPPs – todas supervisionadas pelo Banco Central do Brasil que, por
sua vez, tem o Conselho Monetário Nacional (CMN) como órgão
normativo. As OSCIPs são fiscalizadas e disciplinadas pelo Ministério da
Justiça e ao contrário das SCMEPPs, que tem a finalidade exclusiva de
ofertar serviços microfinanceiros, as OSCIPs têm esse como um dos
objetivos sociais possível entre outros.
71
QUADRO 4 – Brasil: instituições oficiais ofertadoras de microcrédito.
TIPO O QUE É? QUEM REGULAMENTA?
ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE
INTERESSE PÚBLICO (OSCIP)
Organização sem fins lucrativos, não submetidas a Lei da Usura. Devem
cumprir pelo menos um dos objetivos sociais previstos em lei, entre os quais a
experimentação não lucrativa de sistemas alternativos de crédito.
Ministério da Justiça
SOCIEDADE DE CRÉDITO AO
MICROEMPREENDEDOR E EMPRESA DE
PEQUENO PORTE (SCMEPP)
Organização que tem por objetivo social a concessão de financiamento e
prestação de garantias a pessoas físicas e jurídicas classificadas como
microempresas, para o financiamento de atividades de natureza profissional,
comercial ou industrial de pequeno porte.
Sistema Financeiro Nacional, Banco
Central do Brasil e Conselho
Monetário Nacional
COOPERATIVA DE CRÉDITO
Organização formada pela associação autônoma de pessoas unidas
voluntariamente, sem fins lucrativos, constituída para ofertar serviços aos
seus associados.
Sistema Financeiro Nacional, Banco
Central do Brasil e Conselho
Monetário Nacional
BANCOS Instituições públicas ou privadas que realizam operações ativas e passivas,
sendo eles: bancos múltiplos, bancos comercias, banco de investimento.
Sistema Financeiro Nacional, Banco
Central do Brasil e Conselho
Monetário Nacional
AGÊNCIA DE FOMENTO*
Organização que tem como objeto social a concessão de financiamento de
capital fixo e de giro associado a projetos na Unidade da Federação onde
tenha sede
Sistema Financeiro Nacional, Banco
Central do Brasil e Conselho
Monetário Nacional
BANCO DE DESENVOLVIMENTO
Instituição financeira pública não federal com objetivo de proporcionar
recursos necessários ao financiamento de programas e projetos que visem
promover o desenvolvimento econômico e social do estado no qual é sediado.
Sistema Financeiro Nacional, Banco
Central do Brasil e Conselho
Monetário Nacional
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em informações da Lei 9.790/99 e Banco Central do Brasil disponíveis em: http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?idioma=P, acesso em 20 janeiro
2016. *A principal diferença entre Bancos de Desenvolvimento e Agências de Fomento é que as agências não podem captar recursos de terceiros, somente operam valores repassados pelo governo.
72
Conclui-se que o Banco Central do Brasil é o grande
regulamentador da atividade de microcrédito no país. Ele é responsável
por regular cinco diferentes fixos geográficos que, por sua vez, tem a
maior parte da carteira de crédito ativa. Numa rápida comparação vemos
que as OSCIPs tiveram em 2012 um montante correspondente a 15% da
carteira ativa dos Agentes de Intermediação (Bancos de Desenvolvimento
e Agências de Fomento), isto é, da carteira ativa repassada pelos Agentes
de Intermediação para instituições ofertadoras de microcrédito. Em 2015
a proporção destinada às OSCIPs foi ainda menor, 5%19, enquanto o
restante cabia aos modelos institucionais do Banco Central.
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também organiza
relatórios sobre o microcrédito, por sua vez com foco no Programa
Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO). Em seus
relatórios, o MTE apresenta todas as modalidades oficiais conhecidas de
oferta de microcrédito no Brasil sendo vinculadas ou não ao SFN. São
elas: agências de fomento, bancos de desenvolvimento, cooperativas de
crédito, Instituições Financeiras Operadoras (IFO), SCMEPPs e
finalmente OSCIPs.
É importante salientar que há distinção entre essas instituições. As
agências de fomento e bancos de desenvolvimento são Agentes de
Intermediação (AGI), isto é, emprestam funding para instituições que
lidam diretamente com os clientes; essas, por sua vez, são as Instituições
Operadoras de Microcrédito Produtivo Orientado (IMPO), ou seja,
SCMEPPs, cooperativas de crédito e OSCIPs. Há ainda as Instituições
Financeiras Operadoras (IFOs), que são uma terceira categoria
representadas pelos bancos em geral, privados ou públicos, que operam o
PNMPO. A tabela a seguir traz dados dos mencionados relatórios do MTE
acerca da carteira ativa das instituições operadoras de microcrédito.
19 Fonte: dados do MTE (2012;2015).
73
TABELA 9 – Brasil: carteira ativa em reais das instituições operadoras
do PNMPO por AGI, IMPO e IFO e por constituição jurídica, 1º trimestre
de 2012 e 2015.
1º trimestre 2012 1ºtrimestre 2015
AGI*: Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %
Ag. de
Fomento 21.977.280,26 1,9 55.133.318,01 2,1
Banco de
Desenv. 1.149.690.445,99 98,1 2.568.333.734,38 97,9
Total 1.171.667.726,25 100,0 2.623.467.052,39 100,0
IMPO**: Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %
Coop. de
Crédito 53.353.001,73 19,5 294.209.922,39 56,4
OSCIP 210.230.329,51 76,9 131.846.036,56 25,3
SCMEPPS 9.831.661,56 3,6 95.582.483,85 18,3
Total 273.414.992,80 100,0 521.638.442,80 100,0
IFO***: Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %
IFO 17.971.293,51 100,0 3.047.867.702,37 100,0 *AGI: agentes de intermediação; **IMPO: instituições operadoras de
microcrédito produtivo orientado; ***IFO: instituições financeiras operadoras.
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em informações de MTE
(2012;2015a).
Por carteira ativa entende-se o saldo a receber dos valores
emprestados, daí a separação dos dados de AGIs, IMPOs e IFOs para que
não haja possível dupla contagem dos dados. Em ambos trimestres
representados, os bancos de desenvolvimento tiveram claro predomínio
do montante emprestado. No Brasil, os bancos de desenvolvimento
habilitados pelo MTE são quatro: Banco do Nordeste do Brasil S/A,
sediado em Fortaleza; Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo,
sediado em Vitória; Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, sediado
em Belo Horizonte; e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo
Sul, sediado em Porto Alegre. Já as Agências de Fomento são onze,
predominantemente sediadas na Região Nordeste (cinco delas) e duas
sediadas no Estado de Santa Catarina: Agência de Fomento do Estado de
Santa Catarina (BADESC), sediada em Florianópolis e Cooperativa de
74
Crédito Rural com Interação Solidária de Pouso Redondo (CRESOL),
sediada em Pouso Redondo20.
Entre as IMPOs é notável que as OSCIPS cederam espaço para as
cooperativas e SCMs. Além disso, houve uma inversão da predominância
entre as OSCIPSs, que correspondiam a maioria absoluta do montante em
2012, e as cooperativas que abarcaram metade do montante em 2015. É
de se destacar, ainda, que as SCMEPPS saíram de uma condição de
minoria do montante em 2012 para próxima às OSCIPs em 2015. Sobre
o ganho de espaço das cooperativas, uma possível explicação é que há um
crescente interesse no ramo do microcrédito que, desde a criação do
PNMPO – que inclui as cooperativas como instituições que podem se
habilitar no programa –, vem ganhando notoriedade a medida que o ramo
cooperativo já é bastante consolidado no país e está presente em grande
parte dos municípios brasileiros.
Como exposto no capítulo anterior, é claro o papel de definir e
defender as microfinanças por parte de organizações estrangeiras. Neste
capítulo ficou claro que houve influência nas definições de microcrédito
criadas e incorporadas pelo Brasil, além disso, na implantação de modelos
refletidos como fixo geográficos pelo território. Nesse sentido, ao avaliar
a rede ao redor do mundo articulada pela Microcredit Summit
Organization vemos que há presença significativa da organização no
Brasil por meio de organizações ofertadoras de microcrédito. Vemos
ainda a relevância do Estado de Santa Catarina frente ao país por contar
com três dos nove membros dessa organização situados nesse estado
No sítio da Microcredit Summit Organization é possível ter acesso
ao mapa de membros da campanha. Os membros são divididos em
algumas categorias, entre financiadores e investidores, organizações de
suporte e praticantes de microcrédito. No Brasil há apenas membros dessa
última categoria, mostrados por região no a seguir (QUADRO 5). A maior
concentração dessa categoria está na América Central e México e no Sul
Asiático, com aproximadamente 300 membros em cada região. Os
financiadores e investidores predominam na Europa e nos Estados
Unidos, com 34 e 40 membros respectivamente.
20 Dados disponível em
<http://www3.mte.gov.br/sistemas/pnmpo/conteudo/instituicoes_habilitadas/ha
bilitadas_AGI.asp>, acesso em 20 fevereiro 2016.
75
QUADRO 5– Regiões do Brasil: Membros da Microcredit Summit Campaign por cidade, 2016.
Região Norte
Belém, PA Associação de Apoio a Economia
Popular Amazônica
OSCIP* fundada em 2006, a organização desenvolve o programa de microcrédito Amazônia Florescer, como um braço do
PNMPO*, em parceria com o Banco da Amazônia. A organização conta com unidades rurais e urbanas, distribuídas em
municípios dos seguintes estados da Região Norte: PA, AM, AP, AC e RO.
Região Nordeste
Fortaleza, CE Banco do Nordeste S/A O Banco do Nordeste é um Banco de Desenvolvimento que atua no microcrédito através de dois programas: Crediamigo,
criado em 1998, e Agroamigo, criado em 2005. O Crediamigo é o maior programa de microcrédito produtivo orientado da
América do Sul, ele faz parte do Programa Crescer, uma das estratégias do Plano Brasil sem Miséria. O Crediamigo
funciona através de grupos solidários e do crédito individual. O AgroAmigo é voltado para financiar atividades daquelas
famílias inscritas no PRONAF*, sendo o maior programa de microfinança rural da América Latina.
Recife, PE Agência Nacional de
Desenvolvimento
Microempresarial (ANDE)
A ANDE nasceu como uma OSCIP* dentro dos ideais da ONG* internacional Visão Mundial – fundada na década de
1950, com abertura de escritório no Brasil em 1975 (Belo Horizonte) e 1982 (Recife). O trabalho da ANDE realizou-se
entre os anos de 2005 e 2012. Apesar do encerramento dos programas de microcrédito desenvolvidos em parceria com a
ANDE, a Visão Mundial permaneceu conectada com a subsidiária microfinanceira Vision Fund Internacional.
Região Sudeste
Rio de
Janeiro, RJ
Sociedade de Crédito do
Microempreendedor S/A
Fundada em 2001, é uma SCMEPP* que atende todo o estado do Rio de Janeiro, sendo que os clientes de menor porte são
atendidos apenas dentro da região metropolitana e serrana da capital. A instituição atende MEIs*, micro e pequenas
empresas e profissionais liberais. Isto é, não atende microempreendedores informais. É parceira do Oikocredit, organização
holandesa ofertadora de funding.
São Paulo, SP Empresta Fundada em 2004, a Empresta é uma SCMEPP* que oferta microcrédito a pessoas físicas e jurídicas, micro e pequenos
empreendedores. A empresa é pioneira com a criação do primeiro fundo de investimento em microfinanças no Brasil
(RPW EMPRESTA Capital Microfinanças FIDC Aberto).
Região Sul
Francisco
Beltrão, PR
Central Cresol Baser Fundada de 1995, a Cooperativa Central de Crédito Rural com Intenção Solidária (Cresol) é uma Cooperativa Central
voltada para as atividades rurais, principalmente aquelas inscritas no PRONAF* e PRONAMP*.
Lages, SC Banco da Família OSCIP* fundada em 1998 dentro da Associação Comercial e Industrial de Lages. Oferta crédito para clientes formais e
informais, realiza troca de cheque, financia reformas e tem ainda grupos solidários de crédito. É filiada à rede internacional
Women’s World Banking e tem a Oikocredit e o Grupo BNP Paribas como parceiros.
Canoinhas,
SC
Banco do Planalto Norte OSCIP* fundada em 2000 no âmbito do programa Microcrédito Santa Catarina. Atende microempreendedores formais e
informais, tendo linhas de crédito voltadas para baixa renda, reforma, capital de giro e troca de cheques.
Caçador, SC Banco do Pequeno
Empreendedor (BAPEM)
OSCIP* fundada em 2000 na cidade de Caçador para o atendimento de pessoas físicas que desenvolvam atividades
produtivas de micro e pequeno porte; com linhas de crédito voltadas para aquisição de estoque, mercadorias, matéria-
prima, aquisição de ferramentas e reformas. Em 2012, teve sua carteira de crédito comprada pelo Banco do Empreendedor,
também OSCIP, sediado em Florianópolis. *Siglas: PNMPO: Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado; PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; PRONAMP: Programa Nacional de Apoio
ao Médio Produtor Rural; OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público; ONG: Organização não Governamental; SCMEPP: Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e Empresa
de Pequeno Porte; MEI: Microempreendedor individual.Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de <http://www.microcreditsummit.org/campaign-members-map.html>, acesso
em 17 março 2016.
76
É possível perceber que são diversas as atividades dos mesmos.
Por um lado há os programas Crediamigo e Agroamigo vinculados a um
grande banco de desenvolvimento do país; por outro, há iniciativas mais
independentes como as cooperativas, as OSCIPs e as SCMEPPs, esta
última representando um verdadeiro mercado à luz do exemplo da
Empresta, que construiu o primeiro fundo de investimentos em
microfinanças no Brasil.
Conclusão
Embora o microcrédito esteja contido nas microfinanças, que é um
conceito mais amplo que envolve outros serviços além do crédito, não há
consenso na conceituação dessas atividades uma vez que organizações
diversas que lidam com o tema elaboram suas definições visando sua
finalidade. A partir da periodização das normas jurídicas sobre
microcrédito é notável que houve dois momentos distintos, um no qual as
instituições de microcrédito foram criadas ou adaptadas (OSCIPs, SCM e
cooperativas) e outro no qual propôs-se o PNMPO como modelo
metodológico para a atividade.
O reflexo concreto disso sobre o território são redes de instituições,
localizadas em diferentes pontos do espaço por meio de seus fixos
geográficos, que articulam ações em diferentes esferas (ideológica,
institucional, normativa, financeira). A capilarização das finanças pelo
território, quando voltada para o público específico das microfinanças, se
deu preponderantemente por instituições não bancárias e cooperativas
utilizando metodologia alternativa ao sistema financeiro tradicional.
Sendo assim, é motivada a construção do próximo capítulo desta
dissertação, fundamentado em um estudo de caso. O objetivo desse estudo
de caso é entender como novas políticas de expansão do microcrédito,
que não são vinculadas apenas a superação da pobreza, mas ao
microempreendedorismo, se refletem no Estado e como os agentes sociais
aqui presentes se apropriaram desse discurso para realizar seus interesses.
E ainda, compreender qual a conexão entre a evolução da atividade
microfinanceira na escala local e os arranjos produtivos também locais na
região de atuação do Planorte; em uma visão mais ampla, conhecer a
demanda por microcrédito. O interesse pelo Planorte se dá pois é uma das
organizações membro da Microcredit Summit Campaign no Brasil, atua
atendendo municípios de Santa Catarina e do Paraná e tem como pilar de
atuação o agende de crédito.
77
CAPÍTULO 3: EXPANSÃO DO MICROCRÉDITO EM SANTA
CATARINA E UM ESTUDO DE CASO: O PLANORTE
A organização da atividade microfinanceira em Santa Catarina
pode ser compreendida como um encontro entre forças políticas e
econômicas locais e extralocais que atuam na escala dos lugares. Entre a
segunda metade da década de 1990 e 2006, lideranças políticas e
econômicas catarinenses iniciaram a implantação de instituições
microfinanceiras pelo estado com apoio financeiro e institucional da
Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC).
A partir de 2006, treze instituições localizadas em quase todas as
regiões do estado fundaram a Associação das Organizações de
Microcrédito e Microfinanças de Santa Catarina (AMCRED); desde
então as redes das organizações de microcrédito catarinenses passaram
por processos de retração e expansão territorial – inclusive além da
fronteira estadual –, densificação e, ainda, protagonizam processos
econômicos de fusão e aquisição. O processo de formação econômica do
Estado justifica a localização das instituições de microcrédito e o papel
de instituições estatais na orientação de políticas estaduais. Ao mesmo
tempo em que há, na escala dos lugares, lideranças locais que exercem
influência.
Um estudo de caso se justifica pelo interesse em compreender
como a atividade de microcrédito institucionalizada no Brasil se
espacializa; quem são os agentes responsáveis por esse processo; e onde
ele ocorre e por que. O caso do Planorte chama atenção por se localizar
em uma parte do Estado que não é reconhecida como a mais dinâmica
economicamente, por atender municípios do Paraná, Estado vizinho, e por
ter filiação com a rede internacional responsável, ao lado do Banco
Mundial, pela fundação do ideário das microfinanças na escala mundial.
Compreender, por fim, os condicionantes internos e externos para a
constituição da rede de relações que asseguram os interesses do banco
articulando diferentes escalas espaciais, bem como compreender a rede
de atendimento do Planorte.
3.1 As instituições, o crédito e a regionalização em Santa Catarina
Goularti Filho (2012) estuda a trajetória do crédito em Santa
Catarina com foco nos bancos de fomento e nos programas
governamentais de incentivos fiscais. O autor afirma que apesar de
algumas diferenças conceituais entre Karl Marx, Joseph Schumpeter,
Rufolf Hilferndig e John Maynard Keynes, todos concordam que há uma
78
estreita relação entre crédito e crescimento econômico. Nas economias de
industrialização tardia, o Estado viu-se obrigado a assumir o papel de
financiador do crescimento econômico; no Brasil esse foi o padrão de
financiamento e teve o BNDES a sua frente (GOULARTI FILHO, 2012).
O autor avança na sua análise afirmando que vinculado ao BNDES,
foi criada em vários estados uma rede de bancos de fomento com o
propósito de financiar o desenvolvimento; em Santa Catarina não foi
diferente. O contexto em que mudanças na base concreta da economia
catarinense começam a acontecer é descrito por Goularti Filho (2012)
como tendo início nos anos 1940. Essas mudanças exigiam novos arcabouços institucionais e
financeiros e novos investimentos em
infraestrutura social. As condições concretas não se
adaptavam mais às necessidades de expansão do
capital, diminuindo, com isso, seu ritmo de
acumulação. O livre desenvolvimento das forças
produtivas estava sendo barrado, pela falta de
infraestrutura e de capital financeiro. Para entrar
numa nova fase de crescimento e mudar o seu
padrão eram necessários investimentos vultuosos.
[...] somente o Estado, tanto no âmbito nacional
como estadual, dispunha de capital suficiente e
capacidade de articulação para comandar os
investimentos perseguidos pelo capital industrial.
(GOULARTI FILHO, 2012, p. 124)
Era um contexto em que, a partir dos anos 1940, a base da
economia catarinense passou por mudanças no sentido de ampliar as
capacidades produtivas instaladas em setores consolidados na época
(carvão, têxtil, madeira e alimentos); além disso, passava também pelo
surgimento de novas indústrias (cerâmica, metalomecânica e papel),
caracterizando diversificação produtiva (GOULARTI FILHO, 2012). O
autor prossegue afirmando que desde então até 1962 houve uma fase
transitória, nesta fase predominava ainda a pequena produção mercantil e
atividades extrativistas, e então começou a emergir o alargamento da
divisão social do trabalho e um aprofundamento das especializações
regionais, correspondendo ao médio e grande capital industrial. O entrave
na área financeira se dava pois no estado havia diversas casas bancárias
de pequeno porte que eram incapazes de oferecer e assumir empréstimos
grandes e de alto risco para esses projetos industrial emergentes
(GOULARTI FILHO, 2012).
79
Surgem, então, planos por parte do Governo do Estado a fim de
ampliar a reprodução do capital em Santa Catarina (GOULARTI FILHO,
2012). Em relação ao sistema de crédito, segundo o autor, na década de
1960 foram criados dois bancos de fomento: o Banco de
Desenvolvimento Econômico de Santa Catarina (BDE) e em conjunto
com Paraná e Rio Grande do Sul o Banco Regional de Desenvolvimento
do Extremo Sul (BRDE); foi criado também o Fundo de Desenvolvimento
do Estado de Santa Catarina (FUNDESC), com o propósito de promover
incentivos fiscais às indústrias. O BRDE nasceu, segundo Goularti Filho
(2012), da necessidade de alavancar a indústria que se consolidava no sul
do Brasil já que os bancos locais não dispunham de capital suficiente. No
fim da década de 1960, o BDE transformou-se no Banco do Estado de
Santa Catarina (BESC), deixando de ser um banco de fomento e passando
a operar somente com correntistas (GOULARTI FILHO, 2012).
Já na década de 1970 foi criado o BADESC (na época chamado de
Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina) que tornou-se o
principal agente de fomento catarinense, especialmente do setor público;
o FUNDESC foi substituído por um novo programa, o Programa Especial
de Apoio à Capitalização de Empresas (PROCAPE) (GOULARTI
FILHO, 2012). Na década de 1980, segundo Goularti Filho (2012), em
resposta às taxas negativas de crescimento da economia brasileira, o
PROCAPE foi extinto, passando então o BADESC a atender mais às
demandas do setor privado; em 1998 o BADESC passou a se chamar
Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina e é quando o
microcrédito começa a fazer parte da iniciativa governamental: o
BADESC passou a atuar também como financiador para o microcrédito.
A partir de 2003, o governo do estado, na contramão do governo
federal, reforçou o localismo e a fragmentação do território por meio de
descentralização do governo, criando as Secretarias de Desenvolvimento
Regional (SDRs) (GOULARTI FILHO, 2012). O movimento de
regionalização de Santa Catarina tem seus princípios em 1971, como
estudou Marcon (2009), quando o governo estadual adotou 13 unidades
regionais polarizadas no estado. Acompanhando o movimento nacional
de regionalização, em 1971 foram adotadas pelo Governo Estadual 13
unidades regionais polarizadas em Santa Catarina. O sistema de unidades
polarizadas teve inspiração nos modelos neoclássicos de estudos urbanos
e regionais que veem a região como recorte espacial para a elaboração de
programas de desenvolvimento econômico (MARCON, 2009). A partir
dos anos 1990, uma reforma administrativa ocorrida no estado
institucionaliza, primeiramente 29 regiões de desenvolvimento, as
80
Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), em 2005 cria mais
uma e em 2007 mais seis, totalizando 36 SDRs.
Essas secretarias são tidas como responsáveis pela regionalização
do planejamento e da execução orçamentária, pela integração e
participação da população, como braços operacionais do governo nas
regiões de desenvolvimento (MARCON, 2009). Embora os processos de
regionalização ganhem concretude na esfera institucional formal, ele foi
também fruto dos novos movimentos sociais presentes em
Santa Catarina a partir da década de setenta do
século XX, as entidades não governamentais têm
um papel ativo na construção regional. As suas
formas e conteúdos são percebíveis pela escala da
sua ação social, definida pelas interações
socioespaciais manifestadas em redes associativas,
que conceituam as políticas de escala como uma
construção social a partir da discussão sobre o
conteúdo e a forma das políticas de espaço:
‘espaços de dependência e espaços de
compromisso’. (MARCON, 2009, p. 33)
Marcon (2009) defende que o processo de regionalização, tem sua
natureza e significado relacionados com as relações de produção, com as
simbologias, os valores, códigos de comunicação, que são transformados
e internalizados por relações de poder, “dentro de uma temporalidade
específica e não simplesmente um recorte ou somatório de unidades
político-administrativas” (MARCON, 2009, P. 351).
3.2 Consolidação do microcrédito em Santa Catarina e o processo de
expansão
Mendes (2007) salienta que é preciso territorializar a aplicação do
microcrédito, adaptando o instrumento à diversidade de situações de
pobreza e exclusão no nível local. Essa vertente associada ao
desenvolvimento de iniciativas microempreendedoras é destacada num
estudo português – promovido pelo Instituto Antônio Sergio do Sector
Cooperativo (INSCOOP) – que defende que o empreendedorismo ou seu
déficit é dependente do contexto local, o que pode potencializar ou travar
o desenvolvimento de projetos de negócios. Afonso (2010) salienta que
há dois argumentos que reforçam a importância do contexto.
O primeiro argumento relaciona-se com as diferentes origens
sociais e culturais do indivíduo, que influenciam sua propensão a
81
empreender, havendo grupos mais ou menos propensos a empreender por
conta própria (AFONSO, 2010). No Brasil, Castro (2003) salienta a
contribuição da geografia para a análise das bases institucionais da ação
social que está na possibilidade de revelar os complexos institucionais no
território, responsáveis por condutas e práticas sociais diferenciadas;
neste sentido a localização é um dado fundamental na organização desses
complexos. Portela et al (2008) apresentam um segundo argumento que
se relaciona a cultura institucional e de inovação existente no nível local,
o que pode ou não incentivar o empreendedorismo.
O contexto assume, assim, relevância na criação de um ambiente
favorável ao empreendedorismo. Ao nível das microempresas, e mesmo
naquelas em áreas mais tradicionais, a existência de um ambiente
potencializador do crescimento e desenvolvimento económico das
regiões é fundamental para que haja mercado também para estes pequenos
negócios (AFONSO, 2010, p.53).
Com isto, pode ser interpretado também que o arcabouço
institucional e normativo é de relevante importância para que as
iniciativas individuais ou microempreendedoras encontrem suporte para
seu estabelecimento e alavancagem. Klein, Fontan e Tremblay (2009)
referindo-se a iniciativas locais associadas à economia social, defendem
que estas iniciativas, embora tenham papel relevante na minimização da
situação de pobreza, por si só não dão conta desta tarefa, sendo
particularmente importante o papel de agentes públicos cuja ação muitas
vezes depende da tomada de decisão fora do âmbito local.
No caso catarinense, o estabelecimento da rede de microcrédito no
fim dos anos 1990 se deve especialmente ao papel do Governo do Estado
de Santa Catarina, enquanto responsável por implantar o Programa
Crédito de Confiança. O Programa teve como forte inspiração
experiências de sucesso no Brasil e no mundo: Grameen Bank de
Bangladesh, PortoSol de Porto Alegre, Vivacred do Rio de Janeiro, entre
outras. O programa se inspirou ainda nos resultados da Conferência
Global do Microcrédito – The Microcredit Summit – que apontava a
expressividade da utilização do crédito para o autoemprego ao redor do
mundo (SACHET, WATERKEMPER, SACHET, 2001).
Neste escopo, a Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina
(BADESC) atuou como o principal aportador de funding e, ainda, como
responsável por implementar a iniciativa desde a fundação do programa
em 1999. A instituição já era razoavelmente capilarizada pelo território
estadual, com gerências regionais em Florianópolis, Blumenau, Joinville,
Lages, Chapecó e Criciúma. Fundou, portanto, oito instituições de
microcrédito com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e
82
Pequena Empresa (SEBRAE) e da Federação das Associações de Micro
e Pequenas Empresas e Empreendedor Individual de Santa Catarina
(FAMPESC) nas seguintes cidades: Florianópolis, Blumenau, Joinville,
Lages, Videira, Canoinhas, Chapecó, São Miguel do Oeste, Criciúma e
Itajaí
Além disso, o BADESC colaborou com a gestão das instituições
cedendo gerente regional e participando dos seus conselhos
administrativos (DUTRA, 2012). A proposta do Programa era que as
instituições de microcrédito fossem ONGs, pois assim poderiam
congregar esforços de diferentes entidades interessadas no microcrédito
(SACHET, WATERKEMPER; SACHET, 2001). Atualmente, a maior
parte das instituições são OSCIPs, pois assim são autorizadas a ter fins
econômicos.
O Banco do Empreendedor, sediado em Florianópolis, foi a
primeira organização fundada pelo Programa. Na época de sua
implementação havia duas instituições previamente fundadas: uma em
Blumenau e outra em Lages, somando portanto 10 instituições (SACHET,
WATERKEMPER; SACHET, 2001). Em Blumenau foi concebida a
Instituição Comunitária de Crédito Blumenau-Solidariedade (ICC-
Blusol) em 1997, como iniciativa da prefeitura e de outros membros
fundadores21. O Blusol foi inspirado na instituição gaúcha ICC-PortoSol,
de Porto Alegre; na época Blumenau, assim como Porto Alegre, tinham a
frente da prefeitura o Partido dos Trabalhadores (PT). Em Lages,
concebido pela Associação Comercial e Industrial de Lages (ACIL), foi
fundado em 1998 o Banco da Mulher – hoje Banco da Família (DIAS,
2010).
A área de atuação das instituições fundadas pelo Programa definia-
se pelos respectivos estatutos, correspondendo, relativamente, a área de
abrangência das Associações de Municípios do estado. Em 2006 (FIGURA
2), a rede das instituições era composta por sedes e postos de atendimento.
Outro elemento que compunha a rede das instituições de grande relevância
e que permanece é o agente de crédito, eles podem ser considerados como
agentes da capilaridade da rede. O agente é uma pessoa treinada que oferece
o microcrédito no local onde é executada a atividade. Dessa forma, além do
contato próximo com os tomadores de empréstimo, os custos operacionais
21 Associação Blumenauense de Artesãos, Associação das Pequenas e
Microempresas de Blumenau, Câmara dos Dirigentes Lojistas de Blumenau e
União de Micro e Pequenos Empresários de Blumenau (DIAS, 2010).
83
das instituições diminuem à medida em que não são instalados postos fixos
em todas as cidades atendidas, o agente de crédito faz essa ponte.
84
FIGURA 2 – Santa Catarina: rede de instituições de microcrédito, 2006
Fonte: Pantel, 2007.
85
Em entrevista com a AMCRED e com o Banco do Empreendedor,
ambas em 2012, foi possível perceber a relevância deste trabalho quando
se compreende os agentes como pessoas capazes de dialogar com o
público tomador do empréstimo, conectando a instituição e o
microempreendedor, incorporando as diferenciações espaciais, como fica
evidente na fala a seguir: O nosso diferencial [...] é o agente [de crédito] que
vai até o empreendedor. O empreendedor sozinho
ele não pode tirar um dia inteiro pra ficar no banco.
[...] Especialmente em bairros de índice de
criminalidade maior, pega aqui um Brejarú da vida,
que até serviu de base para o treinamento do
exército antes de ir para o Haiti, que era o lugar
mais próximo, mais semelhante ao que eles iam
enfrentar lá e a gente aqui tão perto e desconhece
isso. Tu tens que saber que hora tu podes entrar lá
dentro, com quem tu podes falar se não tu não sais.
É capaz de entrar e não sair. Então tu tens que
conhecer bem isso, no litoral a cultura é muito
diferente, o nosso estado é muito rico. Isso falando
só de Santa Catarina. O litoral é um jeito, o oeste é
outro. A abordagem, a fala, a roupa, a maneira, o
jeito, é tudo diferente. (BERTO, 2012)
Em 2006 havia pouca concorrência entre as instituições em relação
às suas áreas de atendimento – expressa pela localização das sedes e
postos –, ou seja, cada organização tinha sua área de atendimento bem
definida e exclusiva, salvo exceção do Vale do Itajaí. Possivelmente isso
se deve a iniciativa de distribuição geográfica das instituições de
microcrédito no Programa Crédito de Confiança, já que o BADESC era o
principal aportador de funding não faria sentido promover concorrência
com o próprio dinheiro. A localização das sedes das organizações
correspondeu às cidades dos maiores níveis da hierarquia urbana do
estado (capitais regionais e centros sub-regionais), classificadas pelo
IBGE (2008). Sendo capitais regionais: Florianópolis, Chapecó,
Blumenau, Joinville e Criciúma; e centros sub-regionais: Lages, Rio do
Sul, São Miguel d’Oeste, Caçador, Concórdia e Tubarão.
Com o crescimento das instituições de microcrédito no estado e
com a complexificação desta atividade, possibilitada pela evolução da
institucionalização do setor, o BADESC deixou de participar dos
conselhos de administração das instituições, conforme argumenta Dutra
(2012):
86
houve então a necessidade de o BADESC sair dos
conselhos, porque imagina, ele é aportador e o
próprio gestor do recurso. Isso gerava um conflito
de interesses, então ele sai dos conselhos para ser
mais parceiro, ele sai de dentro das instituições e aí
pode firmar um Termo de Parceria e desenvolver
mais o projeto. (DUTRA, 2012)
Neste movimento de saída do BADESC é fundada a AMCRED,
justamente motivada pelas novas conexões a serem estabelecidas entre as
organizações de microcrédito, os aportadores de recursos e as
possibilidades de interação que já compunham um cenário diferente
daquele em que o Programa Crédito de Confiança fora idealizado. Foram
treze instituições de microcrédito de diferentes lugares de Estado que se
mobilizaram entre 2004 e 2005 para fundar a AMCRED (QUADRO 6).
QUADRO 6 – Organizações de microcrédito fundadoras da AMCRED e
respectivas cidades sede, 2006.
ORGANIZAÇÃO CIDADE SEDE
ACREDITE Rio do Sul
Banco da Família Lages
Banco do Empreendedor Florianópolis
Banco do Povo Chapecó
Banco do Vale Blumenau
BAPEM Caçador
BLUSOL Blumenau
Casa do Empreendedor Joinville
CREDIAMAI Xanxerê
CREDICONFIANÇA São José
CREDIOESTE Chapecó
EXTRACREDI São Miguel do Oeste
PLANORTE Canoinhas
Fonte: Mattos (2014).
As microfinanças foram incorporadas à AMCRED em 2009,
atendendo à complexificação do setor. A AMCRED tem como objetivo
principal articular o trabalho das organizações de microcrédito, o
desenvolvimento de práticas e modelos alternativos de desenvolvimento
econômico. Especificamente, entre as finalidades da AMCRED cita-se:
buscar fontes alternativas de recursos; promover programas de
87
capacitação; promover ações de incentivo ao voluntariado, para o
desenvolvimento econômico e social objetivando o combate à pobreza.
A mudança de papel do BADESC, enquanto participante dos
conselhos administrativos das instituições e principal financiador,
possibilitou transformações na dinâmica das instituições.
Temporalmente, essas mudanças coincidem com o segundo período
normativo do microcrédito, iniciado em 2004, abordado anteriormente;
período no qual o cenário institucional das organizações já está construído
e o objetivo de superar a pobreza através de uma política pública de
inclusão financeira fica mais claro.
A espacialização da rede de instituições de microcrédito sediadas
em Santa Catarina em 2015 (FIGURA 3) mostra claramente essa nova
dinâmica. As instituições passaram a operar para além das áreas restritas
relativas às associações de municípios, atendendo regiões mais distantes
de sua sede. O Banco da Família, de Lages, instalou filiais em três cidades
do Rio Grande do Sul, a partir de 2007 aproximadamente, enquanto em
Santa Catarina estabeleceu sub-redes vinculadas às suas filiais; o
Planorte, de Canoinhas, também transcendeu a fronteira estadual e passou
a atender duas cidades do Paraná, ampliando seu alcance espacial; o
Extracredi, de São Miguel D’Oeste instalou um posto de atendimento
também no Paraná; o Credioeste de Chapecó e o Juriti de Jaraguá do Sul
expandiram sua rede para cidades do Rio Grande do Sul; o Banco do
Empreendedor, de Florianópolis, estabeleceu mais lugares de conexões,
intalando agências em cidades do Vale do Itajaí e nas Regiões Norte,
Serrana e Oeste; o Bancri, de Itajaí, instalou agência em Joinville e na
Grande Florianópolis.
88
FIGURA 3 – Região Sul: rede de instituições de microcrédito sediadas em Santa Catarina, 2015.
Fonte: Elaborado por Mayra de Mattos.
89
Mattos (2014) explora três processos de fusão protagonizadas pelo
Banco do Empreendedor. Isto é, os três processos em que Banco do
Empreendedor passou a operar no lugar de três instituições de
microcrédito até que todos os empréstimos, quando renovados,
estivessem atrelados a carteira do Banco do Empreendedor – dessa forma,
as antigas organizações foram diminuindo aos poucos. Em 2012 ocorreu
a fusão com a OSCIP Crédito de Confiança de São José. Esse processo se
deu mais por vontade política do que estratégia econômica. Quando o
então prefeito de São José torna-se prefeito do Florianópolis, deixa de
haver razão para que haja duas organizações em cidades tão próximas,
como explica Dutra (2012): Aí se cria a Crediconfiança em São José, então,
muito mais pela vontade política do que
estratégica. Dário [Berger] passa a ser prefeito de
Florianópolis e então não havia mais necessidade
de existir as duas, por isso em 2008 acontece a
fusão do Banco do Empreendedor e da
Crediconfiança. Imagina, o Banco do
Empreendedor fazia um anúncio que pegava algum
cliente do Kobrassol, mas não podia ser atendido,
porque quem atendia lá era Crediconfiança. Todas
as instituições tinham sua região definida pelo seu
próprio estatuto, principalmente essas criadas pelo
incentivo do governo. (DUTRA, 2012)
Em 2012 foi adquirida a carteira de crédito do BAPEM, sediado
em Caçador, localizadas em diferentes cidades como mostra a fala a
seguir: O BAPEM, que está com crescimento negativo,
teve problemas de recurso e problemas de gestão.
Mas esta é uma excelente área para se trabalhar, as
cidades do interior são muito melhores que as
cidades do litoral. Tem muito mais “fio de bigode”
no negócio, as pessoas se conhecem melhor, para o
microcrédito isto é fundamental. E nós adquirimos
quatro unidades do BAPEM este ano. Nós
compramos a certeira deles em quatro regiões, nós
pegamos em Curitibanos, Campos Novos, Joaçaba
e Fraiburgo. Estamos ainda em negociação para
pegar outras duas, e digamos comprar basicamente
a instituição como um todo, que é Videira e
Caçador. (DUTRA, 2012)
90
Em 2013 iniciou-se o processo de fusão com a Casa do
Empreendedor de Joinville. Neste caso, o fato que induziu a fusão foi o
compartilhamento entre as duas organizações de um mesmo diretor
superintendente, conforme Mattos (2014). O Banco do Empreendedor foi
inicialmente fundado como uma ONG e em 2002 certificou-se como
OSCIP junto ao Ministério da Justiça. Diante dos processos descritos
anteriormente, o Banco do Empreendedor manifesta interesse em operar
uma SCM. Desta forma, passaria ser regulado pelo BACEN e não pelo
Ministério de Justiça; com isso pode ter fins lucrativos, e equipara-se a
instituições financeiras, o que vai ao encontro do objetivo do Bando do
Empreendedor de em 2020 operar um banco de pequenos negócios,
segundo Dutra (2012).
Percebe-se maior densidade da rede em Florianópolis, Blumenau e
Joinville e no Nordeste catarinense (Norte e Vale do Itajaí) como um todo.
A abrangência espacial da rede de atendimento do Planorte, centralizada
em Canoinhas, é considerável, apesar de não se tratar de capital regional
nem centro sub-regional (IBGE, 2008), por transcender a fronteira
estadual e atender praticamente sozinha grande parte do Planalto Norte
do Estado. A comparação entre o mapa de 2006 e 2015 mostra que houve:
expansão da rede na região Nordeste do estado; expansão nas regiões
Norte, Vale do Itajaí e Grande Florianópolis; expansão da rede em direção
à Região Serrana e Oeste; diminuição de agências e postos de
atendimento no Sul catarinense; surgimento de instituições e extinção de
outras.
Com isso conclui-se que desde 2006 a rede de instituições de
microcrédito em Santa Catarina tem passado por mudanças relevantes.
Primeiramente, no início dos anos 2000, constituiu-se uma rede de
atendimento sob a égide de BADESC que buscou abranger todas as
regiões do estado, coincidindo com o esforço de regionalização e
descentralização da atuação estatal que vinha ocorrendo em Santa
Catarina; posteriormente, com a saída do BADESC dos conselhos de
administração das Instituições Microfinanceiras (IMFs), estas passaram a
incorporar dinâmicas de concorrência, fusão e aquisição – próprias do
processo de expansão capitalista.
Essas mudanças vão ao encontro da constatação de Feltrin,
Ventura e Dodl (2009), quando afirmam que a profissionalização do setor
faz com que cada vez mais as microfinanças se aproximem do
mainstream financeiro. Isso se revela a partir dos processos de fusão e
aquisição protagonizados pelas instituições como é o caso: do Banco do
Empreendedor, que recentemente adquiriu a carteira de crédito de
algumas instituições no Estado – Casa do Empeendedor de Joinville,
91
Crediconfiança de São José, e BAPEM de Caçador; do Planorte que
atende a demanda paranaense além da catarinense; do Banco da Família
que expandiu sua rede em direção ao Rio Grande do Sul; e da Juriti,
sediada em Jaraguá do Sul, que desde o princípio teve ramificações para
o Paraná e Rio Grande do Sul.
3.3 Um estudo de caso: o Planorte
O Planorte (nome fantasia: Banco do Planalto Norte) foi uma
OSCIP fundada no escopo do programa Crédito de Confiança no início
dos anos 2000, com o objetivo de atender essa região, considerada como
um das regiões com menor IDH do estado. Segundo Brey Junior (2016),
por iniciativa do BADESC foram feitas reuniões de sensibilização na
região de onde surgiu um comitê local para estudar o caso. Em
aproximadamente um ano a organização já estava operando, tempo
necessário para estabelecer o estatuto, regulamento interno e para
contratação de pessoal.
A área de atuação do banco compreende a região da Associação do
Municípios do Norte Catarinense (AMPLANORTE) e contempla os
seguintes municípios: Mafra, Itaiópolis, Papanduva, Monte Castelo,
Major Vieira, Três Barras, Canoinhas, São Bento do Sul, Campo
Alegre, Rio Negrinho, Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Porto União
e Matos Costa. Além dos catarinenses, atende municípios Sul do
Paraná: Rio Negro, Campo Tenente, União da Vitória, General Carneiro,
Cruz Machado, Pien e São Matheus do Sul.
A atuação do banco baseia-se em cinco linhas de crédito: Capital
de Giro, Crédito R$1.000,00, Desconto de Cheques, Investimento Fixo e
Reforma e Construção, conforme quadro a seguir.
92
QUADRO 7 – Banco do Planalto Norte: linhas de crédito por tipo,
valores, prazos e juros e finalidade, 2016.
TIPO VALOR PRAZOS E
JUROS
FINALIDADE
Capital de
Giro
R$200,00 a
R$20.000,00
12 meses e
3,98% a.m.
Investimentos em
empreendimentos
formais ou
informais, compra
de maquinário, de
matéria-prima ou
reforma do local de
trabalho.
Crédito
R$1.000,00
R$1.000,00
a
R$3.000,00
3 a 12 meses
e 4,98% a.m.
Famílias de baixa
renda, pessoa física.
Desconto de
cheque
R$200,00 a
R$15.000,00
4,98% a.m. Empresas.
Investimento
Fixo (capital
de giro, fixo
ou misto)
R$200,00 a
R$20.000,00
3 a 24 meses
e os juros
variam
conforme a
categoria
Clientes formais ou
informais,
trabalhadores por
conta própria ou
micro/pequeno
empresários.
Reforma e
Construção
R$200,00 a
R$8.000,00
Até 24 meses
e 4,98% a.m.
Pessoas que
exerçam atividades
formais ou
informais.
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em informações de <
http://www.bancodoplanaltonorte.org.br/index.php?menu=solucoes&s=
credito>. Acesso em 01 junho 2016.
A linha Capital de Giro é destinada a investimentos em
empreendimentos formais ou informais, para compra de maquinário, de
matéria-prima ou mesmo reforma do local de trabalho. O valor do crédito
pode ser entre R$200,00 e R$20.000,00. Entre as condições para a
concessão do crédito está a presença de um avalista com renda
comprovada ou bens e maquinas e a avaliação feita por um agente de
crédito do Banco.
A linha Crédito R$1.000,00 é voltada para a compra de quaisquer
bens ou serviços sem necessidade de comprovação de investimento,
93
objetivando atingir famílias de baixa renda. Nas palavras do entrevistado
se a “pessoa quer comprar um óculos, dentadura, até aliança, nós
financiamos” (BREY JUNIOR, 2016). O valor dos empréstimos varia de
R$1.000,00 a R$3.000,00. Apesar no nome crédito R$1.000,00, pode ser
emprestado apenas o montante necessário, mesmo que seja menor que mil
reais.
O Desconto de Cheques é destinado a empresas para aplicação na
mesma como capital de giro, fixo ou misto. O valor nominal de cada
cheque poderá ser de R$50,00 a R$1.700,00, sendo que o valor total a ser
compensado deve estar entre R$200,00 a R$15.000,00.
O Investimento Fixo destina-se a duas categorias de clientes:
formais e informais. Os formais devem ser pessoas jurídicas de direito
privado classificadas como microempresa ou empresa de pequeno porte,
denominação dada pela junta comercial do Estado. A empresa deve ser
nacional e a atividade produtiva deve desenvolver-se na área de atuação
do Banco com registro de pelo menos seis meses – clientes formais com
menos de seis meses de experiência serão considerados informais. A
receita bruta anual para as empresas deve ser de no máximo
R$2.400.000,00. Os clientes informais são pessoas físicas que trabalham
por conta própria e que atendam aos seguintes requisitos: ser brasileiro o
estrangeiro com residência permanente, professores e estudante
universitário ou de curso técnico, ou profissionais liberais. As finalidades
do crédito podem ser para capital fixo, de giro ou misto. O valor pode
variar de R$200,00 a R$20.000,00 e ambas categorias contam com
análise realizada por agente de crédito.
Por fim, a linha Reforma e Construção consiste em empréstimo
para compra de material de construção e contratação de mão-de-obra para
pessoas que exerçam atividades formais ou informais. Os valores variam
entre R$200,00 e R$8.000,00. Entre as condições para concessão do
financiamento está a análise do agente de crédito.
Em relação das demais OSCIPs de microcrédito de Santa Catarina,
o Planorte tem uma das menores média de empréstimo, é o segundo
menor (TABELA 10). Os dados da tabela abaixo compreendem o número
total de clientes e a carteira ativa em 2014 de cada uma das organizações.
Daí tem-se a média dos empréstimos por cliente ativo.
94
TABELA 10 – Santa Catarina: média dos empréstimos por OSCIP de
microcrédito, 2014. CARTEIRA
ATIVA (R$)
CLIENTES
ATIVOS
MÉDIA
EMPRÉSTIMOS
(R$)
BANCRI 9.256.773,00 1.226 7.550,39
ACREVI 6.748.551,46 1.022 6.603,28
PROFOMENTO 8.222.725,13 1.378 5.967,14
CREDISOL 13.870.349,28 2.391 5.801,07
BANCO DO
POVO
1.448.164,69 285 5.081,28
ACREDITE 4.140.304,49 861 4.808,72
POLOCRED 1.008.581,00 239 4.220,00
JURITI 7.069.071,47 1.754 4.030,26
CRECERTO 11.785.726,02 3.191 3.693,43
EXTRACREDI 15.805.755,85 4.460 3.543,89
CASA DO
MICROCREDITO
8.507.373,55 2.471 3.442,89
BANCO DO
EMPREENDEDOR
25.719.300,85 8.098 3.176,01
CREDIOESTE 5.500.914,20 1.751 3.141,58
CREDIAMAI 4.598.260,87 1.541 2.983,95
BLUSOL 31.549.296,76 11.373 2.774,05
BANCO DO
PLANALTO
NORTE
4.954.126,53 1.792 2.764,58
BANCO DA
FAMÍLIA
27.131.599,73 10.724 2.529,99
Fonte: Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em AMCRED (2014).
De acordo com Brey Junior (2016), o Planorte tem reconhecimento
relevante no Estado pois foi uma das poucas iniciativas de microcrédito
do programa que não estiveram instaladas dentro das dependências do
BADESC. Isto é, grande parte das instituições foram fundadas em cidades
na qual havia uma gerência regional do BADESC e por isso puderam ter
benefícios como espaço físico, infraestrutura, apoio de pessoal entre
outros apoios devidos a essa proximidade.
95
Além do BADESC, o Planorte tem conexão com uma série de
organizações da região do Planalto Norte catarinense e outras de atuação
estadual ou regional. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas
Empresas (SEBRAE) e Associação das Organizações de Microcrédito e
Microfinanças de Santa Catarina (AMCRED) prestam assistência técnica
tanto à organização como ao microempreendedor – caso do SEBRAE. O
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a
Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) são os
principais aportadores de fundos do Planorte. O Conselho Consultivo do
Planorte é formado por: Federação das Associações Empresariais de
Santa Catarina (FACISC), Associação dos Engenheiros e Arquitetos do
Vale do Canoinhas (AEVC), Federação dos dirigentes lojistas (FCDL),
Associação dos Municípios do Planalto Norte Catarinense
(AMPLANORTE), Federação dos Empregados no Comércio de Santa
Catarina (FECESC), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sindicato
do Comércio Varejista do Vale do Canoinhas (SINCOVAC), Sindicato
dos Contabilistas de Canoinhas (SINDICONT), Sindicato da Empresas
de Transporte Rodoviário de Cargas do Vale do Canoinhas
(SINDIVALE) e a Universidade do Contestado (UNC).
Incialmente, o Planorte prestava atendimento apenas para
municípios catarinenses. Seus primeiros postos de atendimento
avançados foram nas cidades de Mafra e Porto União, fundados em 2001.
Mais de dez anos depois, em 2013, um novo posto foi fundado em São
Bento do Sul, cidade que já era, e ainda é, atendida pela Casa do
Empreendedor, de Joinville. Refletindo o movimento de mudança do
papel do BADESC, a partir de 2007 o Planorte começou a atender
municípios do Paraná. (FIGURA 4).
96
FIGURA 4- Planorte: evolução da rede de atendimento, 2006, 2012 e 2016.
Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em Pantel (2007) e Mattos (2014).
97
Ao longo do processo de constituição do banco e do
estabelecimento de sua rede de atendimento, alianças precisaram ser
formadas com outras instituições em prol de garantir os interesses do
Planorte (FIGURA 5). A primeira delas foi o BADESC no contexto do
Programa Crédito de Confiança. Além de aportador de funding o
BADESC atuou como articulador do microcrédito no Estado,
posteriormente, o papel de articulação foi passado para a AMCRED que
hoje é a organização de congrega todas as iniciativas de microcrédito
catarinenses. Além dessas organizações, houve também articulação com
o Ministério da Justiça para a habilitação como OSCIP, a qual o Planorte
necessita para a realização de suas atividades. O BNDES, ao lado do
BADESC também participa aportando funding. Por fim, a filiação com a
Microcredit Summit Campaign, organização sediada em Washington, que
além de propor um plano de ação e realizar um diagnóstico do
microcrédito na década de 1990, é uma organização de reúne agentes e
instituições comprometidas com o microcrédito por todo o mundo.
98
FIGURA 5 – Planorte: rede de interações, 2016.
Fonte: Organizado por Leila C. Dias e Mayra de Mattos com base em pesquisa de campo realizada em 2016 e sítio do banco em 2016 www.bancodoplanaltonorte.org.br. Realização: Caio Brito
Peres.
99
O Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado
(PNMPO) exige que para captar recursos junto ao BNDES e BADESC
para operações de microcrédito produtivo orientado a instituição seja
habilitada junto ao Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo o
entrevistado, os maiores aportadores de funding são esses, são eles que
sustentam a operação do Planorte.
A filiação à Microcredit Summit Campaign foi concretizada por
razões simbólicas. Na prática do dia-a-dia do Planorte, a Microcredit
Summit Campaign não exerce influência ou presta auxílio algum. Mas
para que a filiação fosse realizada, foi necessário que a Microcredit
Summit Campaign recebesse a aceitasse uma série de documentos e dados
do Planorte. Essa aceitação implica no reconhecimento de que o Planorte
é uma instituição séria e comprometida com a causa do microcrédito. Nas
palavras do entrevistado: Tem vários órgãos internacionais que estudam e
apoiam as microfinanças. Para nós foi bom porque
deu uma visibilidade, muita gente perguntou e tal.
E os nossos dados foram aceitos, nossa
documentação foi aceita, mostrou uma boa
transparência, foi bacana. (BREY JUNIOR, 2016)
Como mencionado anteriormente, o movimento de saída do
BADESC dos conselhos administrativos das instituições fundadas por ele
inaugurou, em 2006, uma nova dinâmica espacial das organizações de
microcrédito em Santa Catarina. Os processos de fusão e aquisição
protagonizados por algumas instituições foram também acompanhados
por movimentos de expansão do atendimento que, no caso do Planorte,
condiz com a estrutura de rede urbana nacional.
Os municípios da sede e dos postos avançados do Planorte
localizam-se próximos a fronteira com o Paraná. Ao observar-se o estudo
da Região de Influência das Cidades do IBGE (IBGE, 2008) é perceptível
que a rede urbana do planalto norte catarinense está muito mais conectada
com a Metrópole de Curitiba e com Joinville (Capital Regional B) do que
com a Capital Regional A representada por Florianópolis, embora seja a
capital do estado em que se localiza (FIGURA 6).
100
FIGURA 6– Planalto Norte Catarinense: Região de influência de Curitiba
e Florianópolis, 2007.
Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em IBGE (2008)
101
É perceptível que há um vazio de influência histórica exercida por
Florianópolis na Região Norte do Estado. Inclusive Joinville se mostra
relativamente mais conectada com Curitiba do que com Florianópolis.
Isso ajuda a explicar o porquê do avanço do Planorte em direção aos
municípios sul paranaenses e não aos do interior do próprio estado de
Santa Catarina. Outro elemento que vai ao encontro disso, que pode ser
confirmado em campo, é a contiguidade entre os municípios da região
atendida pelo banco, separados por uma fronteira político-administrativa
que, neste caso, é simbólica – a luz do exemplo de cidades
transfronteiriças. Mafra é muito interessante, pois o rio corta a cidade
de Mafra e Rio Negro do Paraná [...]. União da
Vitória é a mesma coisa, Porto União e União da
Vitória é separado pelo trilho de trem, então está o
tempo todo ali. O pessoal vem, nós vamos, assim
por diante. (BREY JUNIOR, 2016)
Os municípios atendidos pelo Planorte em Santa Catarina
coincidem com duas Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs),
a SDR de Canoinhas e a SDR de Mafra, com exceção de Matos Costa que
faz parte da SDR de Caçador.
A SDR de Canoinhas congrega seis municípios na Região do
Planalto Norte (Canoinhas, Porto União, Ireneópolis, Bela Vista do
Toldo, Três Barras e Major Vieira). Canoinhas é o maior centro urbano
da região, seguido por Porto União e Três Barras. Em 2011, essa região
detinha aproximadamente 2% da população do Estado, sendo que cerca
de 30% dessa população era rural (FEPESE, 2016a).
Dados do ano de 2000 da FEPESE (2016a) mostram que a região
tinha forte concentração da atividade industrial dos produtos de madeira
e celulose-papel, com 76% do pessoal ocupado nesses setores. No período
de 2000 a 2011, embora tenha havido crescimento desses setores na
região, cresceu à taxa inferior à média regional, que por sua vez cresceu
a médias inferiores ao do crescimento da indústria estadual. Tomando por
base esse mesmo período, percebe-se que Canoinhas possui aglomerados
produtivos de elevado Quociente Locacional22 (QL) em setores de base
florestal (FEPESE, 2016a).
22 “Tradicional na literatura de economia regional, o QL procura comparar duas
estruturas setoriais-espaciais. Ele é uma razão entre duas estruturas econômias:
no numerador tem-se a ‘economia’ em estudo e no denominador uma ‘economia
de referência’” (CROCCO et al, 2006, p. 218). Segue exemplo conforme Crocco
(2006):
102
A região de Canoinhas tem sua indústria fortemente voltada ao
processamento de matérias-primas de base florestal e atividades voltadas
a pecuária e agricultura, típicas da Região do Planalto. A FEPESE
(2016a) aponta que o principal setor da região (produtos de madeira)
sofreu retração na primeira década dos anos 2000, isso refletiu na queda
de participação da população no setor e do emprego industrial do Estado.
Contudo, os dados não apontam se houve o surgimento de novo setor de
atividades para compensar a referida queda e sustentar o crescimento
regional, reduzindo as desigualdades em relação a outras regiões do
Estado.
A SDR de Mafra situa-se também no Planalto Norte do Estado e,
por sua vez, é formada por sete municípios: Mafra, Monte Castelo,
Papanduva, Itaiópolis, Rio Negrinho, São Bento do Sul e Campo Alegre.
A região detinha, em 2011, cerca de 3,6% da população estadual sendo
que, diferentemente da SDR de Canoinhas, aproximadamente 20% da
população vivia em área rural (FEPESE, 2016b). Nessa região, São Bento
do Sul e Mafra são os maiores centros urbanos.
Dados dos anos de 2000 e 2011 apontam para uma retração
considerável nos setores de mobiliário e produtos de madeira (FEPESE,
2016b). No ano 2000, 68% do pessoal ocupado na atividade industrial
estava nesses setores, já em 2011, embora o número de empregos na
indústria tivesse aumentado na região, o percentual de pessoal ocupado
no setor de mobiliário e produtos de madeira caiu para 48%. O estudo da
FEPESE (2016b) aponta que tal queda se deve ao problema da apreciação
cambial sofrido pelo setor mobiliário especializado em exportação a partir
de meados da década de 2000.
Ainda assim, verifica-se que a região de Mafra possui, com base
no QL, aglomerados produtivos nos setores de base florestal, mobiliário,
produtos de madeira, produção de papel e celulose e produção florestal.
Segundo o estudo da FEPESE (2016b), outras aglomerações produtivas
relevantes são as de produtos minerais não metálicos, agricultura-
pecuária e segmentos do setor metal mecânico.
A região de Mafra, por fim, possui municípios voltados a cadeia
de base florestal e municípios voltados à pecuária e agricultura típicas da
região do Planalto. Embora tenha havido queda do setor madeireiro
voltado à exportação, outros setores elevaram sua participação, como o
QL = (Eij/Ei)/(EiBR/EBR), onde Eij: emprego da atividade industrial i na região
j; Ei: emprego industrial total na região j; EiBR: emprego da atividade industrial
i no Brasil; EBR: emprego industrial total no Brasil. No caso dos QLs das SDR a
referência foi Santa Catarina, não o Brasil.
103
metal-mecânico como possibilidade de aumentar a diversificação da
economia regional considerando a proximidade com o pólo industrial de
Joinville (FEPESE, 2016b).
Ambas SDRs apresentam relevante semelhança no que se refere a
base da economia regional: o setor florestal e produtos derivados da
madeira, no âmbito industrial, e agricultura típica do Planalto. Apesar da
coincidência da área de atendimento em Santa Catarina com as SDRs de
Canoinhas e Mafra, há pouca inserção das atividades dos tomadores de
empréstimo nos setores predominantes da economia regional, como foi
possível identificar em trabalho de campo23. A maior parte deles realiza
atividades que se direcionam para a população, não para a indústria da
região, atividades como panificação, cabeleireiro, produção de
embutidos, revenda e confecção de roupas, entre outras do gênero. A
finalidade principal do crédito dos clientes do Planorte, em 2016, é para
atividades do ramo dos serviços, cerca de 45%, em seguida tem-se o ramo
do comércio, seguido pela produção e, por fim, misto – representando
26%, 17% e 12% respectivamente
O movimento de expansão do Planorte e sua estratégia de ação – e
do microcrédito em Santa Catarina – estão muito ligados a atuação dos
agentes de crédito. Eles são responsáveis pela penetração da instituição
no espaço na medida em que se valem da rede de relações construída pela
própria população entre si, o que incorre em baixos custos de manutenção
das áreas de atendimento para a organização de microcrédito, pois basta
que os agentes utilizem um carro.
Em campo foi possível reconhecer como é a atuação do agente de
crédito, o que essa ocupação tem de especial para o setor e como se dá a
formação de agentes de crédito em Santa Catarina. Antes de iniciar o
trabalho propriamente dito, os agentes passam por um treinamento de
cerca de uma semana no qual aprendem principalmente: a realizar o
levantamento socioeconômico, fazer análise da condição socioeconômica
e da capacidade de endividamento do possível tomador e, por fim, a emitir
pareceres favoráveis ou não ao empréstimo. No caso catarinense,
usualmente os cursos são realizados em conjunto, ou seja, um grupo de
agentes de diferentes instituições de microcrédito do Estado se reúnem
para contratar e fazer o curso, como ilustra a fala a seguir: Nós temos os consultores que ministram o curso
para os agentes de crédito. Então aqui em Santa
Catarina tem a AMCRED. Porque assim, a gente
23 Trabalho de campo realizado em maio de 2016 no município de Canoinhas,
SC.
104
contratar um curso aqui só para a Planorte fica
inviável, então vocês se reúnem com a AMCRED,
marca um curso. Até vai ter um curso na semana
que vem lá em Florianópolis. Todas as afiliadas
encaminham seus agentes de crédito que precisam
ser treinados, são os novos normalmente. Quem
ministra o curso são as empresas que se qualificam
para tal. Nós temos a Criar Brasil, [...] muito
conhecida. Nós temos a CETEG, que é [...] de um
dos fundadores do Banco da Família de Lages, uma
das maiores organizações de microcrédito do
Estado. (BREY JUNIOR, 2016)
Com o treinamento, o agente de crédito é capaz de realizar o
levantamento socioeconômico através do preenchimento de um
formulário. Para que seja bem feita essa tarefa, a comunicação com os
clientes é relevante, pois a partir de uma boa comunicação o agente será
capaz de extrair todas as informações necessárias para compreender e
distinguir os gastos da casa e da família, os custos do negócio, identificar
se há contas não pagas, se há dívidas, o patrimônio da família e da
empresa, entre outros elementos de sutil distinção para esses pequenos
negócios familiares nos quais família e empresa tem, muitas vezes, caixa
único.
Segundo o agente de crédito, esse é o desafio que encontra nessa
fase da análise de crédito. Isso foi verificado não apenas através da fala
do agente de crédito explicando seu trabalho, como também em contato
com os empreendedores no local de suas atividades no momento em que,
com suas próprias palavras e conhecimentos, mostravam-nos como seu
negócio funciona e sua história24. Já houve, segundo Brey Junior (2016),
tentativas de trazer funcionários do sistema bancário tradicional para o
Planorte, mas não funcionou pois essas pessoas já estão doutrinadas, já receberam
uma orientação focada a classe A. Então eles têm
24 Foram visitados quatro microrepreendedores. Quase todos eles exerciam as
atividades em suas próprias residências. O primeiro deles era um serralheiro, que
apesar de bem empregado, preferiu trabalhar por conta própria. O segundo era,
na verdade, um casal. Ele tem uma pequena fábrica de embutidos que abriu para
podem empregar os filhos, ela revende roupas e semi-jóias. O terceiro era uma
família (pai, mãe e filho) que compram e revendem materiais recicláveis; neste
caso o galpão em que armazenam os produtos não é junto com a casa da família.
Por último, também um casal. Ela cozinha marmitas em fogão a lenha para vender
e ele faz serviços de mecanografia e revende balanças e máquinas registradoras.
105
muitas barreiras e muitos preconceitos porque não
conhecem essa realidade. E aquela história, a partir
do momento em que você tem um modelo é difícil
mudar. (BREY JUNIOR, 2016)
Como o agente de crédito chega a cada uma dessas pessoas? A
prospecção dos clientes do Planorte pelo agente de crédito acontece de
porta em porta. O banco realiza propaganda em rádio, distribui panfletos,
mas é reconhecido que a forma mais eficiente de encontrar clientes é pelo
contato direto do agente de crédito. Olha só, você vê o seguinte como é interessante.
Muitas vezes você coloca panfleto, coloca no rádio
e não chama atenção. O que traz clientes para a
gente é o porte em porta, é a referência de um
cliente para o outro e o agente de crédito indo lá
fazer as divulgações. [...] é de casa em casa. Por
exemplo chega nessa casa aqui, na Silmira. A
Silmira vai lá e faz um empréstimo para ela, aí a
gente pergunta ‘Silmira, você tem alguém na sua
rua que você possa indicar, alguém que você
conheça que tenha uma atividade? Daí
normalmente ela fala de dois ou três
estabelecimentos que tem placa na frente, daí o
agente de crédito fala assim ‘não, eu já identifiquei
aquela empreendedora e até vou lá falar com ela
daqui a pouco. Mas você conhece alguém que de
repente não tem placa e que trabalha por conta
própria?’. Daí fala alguns exemplos: artesanato,
carpinteiro, eletricista aí ela começa a lembrar da
mulher que faz salgadinhos, que é artesã,
entendeu? E acaba identificando assim. Porque
aquilo que tem placa é fácil, muito simples, mas
aquilo que não tem nenhuma identificação você
tem que chegar através de alguma referência.
(BREY JUNIOR, 2016)
Assim fica claro como há uma rede de pessoas já estabelecida nos
bairros e vizinhanças da qual o agente de crédito se vale para identificar
os possíveis tomadores de empréstimos, capilarizando a ação da
instituição pelo território. Ou seja, fica claro que os habitantes da cidade
integram a rede.
106
Além desse processo de difusão pelo espaço levado pelos agentes
de crédito de porta em porta, há o esforço de manutenção dos clientes.
Esta é uma característica do microcrédito produtivo orientado, a qual se
deve sua eficiência em atender a população excluída do sistema bancário
tradicional. Feito o levantamento sócio-econômico e dado o parecer
favorável pelo agente de crédito, cabe ao comitê de crédito da instituição
estudar o caso e dar o aval final. Concedido o empréstimo, o agente é
responsável por realizar revisitas periódicas ao cliente no local da
atividade para ter contato com o empreendedor, checar se algo precisa ser
ajustado, se há alguma dúvida ou desvio do foco do empréstimo, enfim,
manter o cliente no sistema de microcrédito. Inclusive, em uma das visitas
realizadas houve um retorno do cliente para o agente informando que a
irregularidade que o mesmo havia identificado nas contas do
microempreendedor e sugerido que fosse problema com o contador, de
fato era. O cliente sozinho não havia se dado conta de tal situação. Parte
do galpão desse mesmo cliente, que revende resíduos sólidos recicláveis,
sofreu um princípio de incêndio que comprometeu parte da estrutura e
provocou a perda de parte dos materiais, em 2011. Após esse incidente, o
banco “congelou” o pagamento das parcelas do empréstimo por cerca de
6 meses, até que o cliente reestruturasse e pudesse voltar a pagar
Caso o agente identifique algum problema pelo qual o cliente passa
e não possa resolver com seu próprio conhecimento, encaminha o
empreendedor ao SEBRAE. A fala a seguir ilustra como o preparo do
agente de crédito é importante para o funcionamento e a manutenção do
sistema de microcrédito O que ocorre, se você empresta tudo ao mesmo
instante é que a empresa não suporta. Ela não tem
capacidade de pagamento, digamos, para R$10 mil.
Ela tem para R$3.000 ou R$3.500. Então, por isso
que é feito o financiamento de forma progressiva:
o piso, a desdobradeira, depois o capital de giro e
tal e tal. Se o agente de crédito de repente não tem
aquela visão de negócios, vê que o cara tem uma
certa estrutura e pensa já ‘vamos fazer o seguinte,
já vamos fazer o piso, comprar a máquina, fazer o
reboco e um giro’. Não vai suportar, vai asfixiar.
Por isso é microcrédito produtivo e orientado.
(BREY JUNIOR, 2016)
Neste mesmo sentido, o entrevistado afirma: O nosso papel na verdade não é só de conceder o
crédito, nosso papel também é de orientar as
107
pessoas. Porque o ‘não’ às vezes muito bem
colocado acaba fazendo a diferença na vida dessas
pessoas. Em cidades pequenas nós temos esse
privilégio de encontrar a pessoa na rua e ela dizer
‘ainda bem que vocês não concederam o crédito
naquele momento, porque realmente eu não estava
preparado para ser um empreendedor’, ou vem
agradecer por ter recebido o crédito. (BREY
JUNIOR, 2016)
Essa forma de atuação do banco está muito ligada com o seu
objetivo e com o ideário do microcrédito explorado no primeiro capítulo.
Percebeu-se que, no caso do Planorte, não há uma ingenuidade no sentido
de que serão capazes de resolver o problema da pobreza, é um discurso
apoiado no ideário do empreendedorismo. É clara a noção de que a
iniciativa em questão faz parte de uma política pública, dentre tantas
outras, que tem como foco uma parcela específica da população. A
consequência da realização dessa política é a inclusão em sistemas
financeiros alternativos de pessoas excluídas do sistema tradicional e, por
vezes, vulneráveis a situações de pobreza. É importante deixar claro que
os clientes atendidos pelo Planorte são aqueles que já tem alguma
atividade empreendedora em andamento. Nós não apoiamos essas pessoas porque eles estão
abaixo da linha da pobreza, eles não têm um
pequeno negócio. Nós temos que trabalhar e
incentivar as iniciativas, aquelas que geram
emprego e renda. Aqui são outras políticas públicas
que deverão ser prestadas para essa comunidade.
Mas eu ilustro com essas fotos e fiz questão de
trazer pra você porque é onde nós não queremos
chegar. Onde a sociedade não deve chegar, ou seja,
na pobreza extrema. Então alguma coisa tem que
ser feita para evitar. [...]. Aí você sabe, melhor do
que eu, que existem 500 ou 700 políticas públicas
voltadas para a comunidade, não sei exatamente o
número. Nós trabalhamos com uma delas. (BREY
JUNIOR, 2016)
Em campo foi visto que a maioria das casas visitadas eram casas
de alvenaria, mais ou menos bem estruturadas. Foi visto que os pequenos
negócios tinham alguma estrutura e que eram bastante conectados com a
família. No caso da cozinheira, Dona Marisa, estava sendo feita uma
reforma em sua casa para construir uma cozinha separada da cozinha da
108
casa. Ela mencionou que quando a reforma ficasse pronta, ela poderia
contratar outra ajudante, além da que já tem, para poder produzir e atender
melhor a demanda; ela vende cerca de 30 marmitas por dia, algumas os
clientes vão buscar, outras são entregues pelo marido. Dona Marisa
trabalhava com o marido nos consertos de máquinas registradoras, mas
um dia, após passar mal pelo estresse que sentia em sua tarefa, resolveu
cozinhar para vender, ela comenta que sempre foi reconhecida pela
comida boa. Assim, deixou de trabalhar junto com ele. Para poder
comprar panelas material para ampliar sua produção, ela buscou a Caixa
Econômica Federal e a Sicredi. Na Caixa Econômica ela comenta que não
recebeu atenção, e na Sicredi não havia o produto adequado para ela.
Soube da Planorte e há quatro anos, em 2012, pegou o primeiro
empréstimo. Além da cozinha, a garagem e a varanda da casa estavam
sendo reformadas com os recursos do mesmo empréstimo, mas isto com
objetivo de atender à família, não ao negócio.
O caso da família que tem a fábrica de embutidos chama atenção.
Dona Antônia, trabalhava como doméstica, mas em razão de dar atenção
aos filhos recém nascidos, deixou de trabalhar fora de casa e começou a
revender roupas e semi-jóias para complementar a renda familiar. Anos
depois, Seu Luís que trabalhou mais de 30 anos em fábricas de embutidos
como empregado, deixou a fábrica e abriu a sua própria pela preocupação
de que os filhos tivessem emprego. Sua esposa inicialmente usava suas
próprias economias para sua revenda, mas após a constituição da pequena
fábrica, passou a aproveitar também os empréstimos para alavancar seu
negócio. Seu Luís emprega além dos filhos, um funcionário. Na sua
pequena fábrica no fundo do quintal tem, inclusive, uma sala de
defumação; tempero é plantado no quintal de casa.
Claudinei, serralheiro, está no processo de deixar de ser
Microempreendedor Individual (MEI) para se cadastrar no Simples
Nacional, do qual fazem parte microempresas. Assim poderia contratar
serviços financeiros mais adequados para sua pequena empresa.
Recentemente mudou-se de casa para ter um galpão maior para trabalhar.
Pretende mudar-se novamente para outra onde possa deixar a residência
da família separada do galpão e assim possa montar um pequeno
escritório e contratar um funcionário. Com esses relatos se vê como, de
fato, a população atendida pelo Planorte tem alguma estrutura e algum
recurso que lhes permita investir em uma atividade produtiva.
O Planorte tem como objetivos: conceder crédito por modelo
alternativo (microcrédito) visando a criação, crescimento e consolidação
de empreendimentos de micro e pequeno porte, formais e informais
dirigidos por pessoas de baixa renda; e a promoção do desenvolvimento
109
econômico e social e combate à pobreza. Na fala a seguir do entrevistado
fica claro que há uma preocupação com o retorno financeiro do
empréstimo, afinal é dessa forma que a OSCIP se mantém. Nós entendemos que é uma das maiores políticas
públicas voltadas para a classe C, D e E sem
assistencialismo e sem paternalismo. Nós somos
uma organização do terceiro setor, nós temos a
consciência de que nós não podemos resolver todo
o problema da coletividade. Então nós temos que
fazer bem aquilo que nos propomos, ou seja,
conceder para alguns, não para todos. Nós não
temos essa capacidade de resolver o problema da
geração de emprego do Estado e do País. Nós
estamos contribuindo com o primeiro setor e com
o segundo setor, porque se fosse fácil o primeiro
setor já teria resolvido, o segundo setor também
teria resolvido. Então é sem paternalismo e sem
assistencialismo para filtrar, para atender
justamente aqueles que tem alguma capacidade
empreendedora e que tenha capacidade de gerar
emprego e renda para o seu sustento. (BREY
JUNIOR, 2016)
O microempreendedor atendido pelo Planorte é aquele que já tem
algum pequeno negócio em funcionamento. Segundo Planorte (2016), a
maior parte deles, cerca de 64%, é informal ou Microempreendedor
Individual (MEI). O Planorte não pratica garantias por aval solidário, isto
é, os créditos em grupos. Grande parte das garantias são prestadas por
fiador, como na fala a seguir: o que acontece é que alguém que tem uma renda de
mil reais ou dois mil reais pode ser o aval de uma
operação de 1.500 reais por exemplo. (BREY
JUNIOR, 2016)
O gênero dos tomadores de empréstimo é bem equilibrado, sendo
praticamente metade homens e metade mulheres. Quase 80% do capital
utilizado pelos por eles é para capital de giro, ou seja, para financiar a
continuidade das atividades da empresa. O nível de instrução dos
tomadores de empréstimo do Planorte é relativamente alto, mais da
metade tem ensino médio completo ou ensino superior – isso tem a ver
com o fato de não utilizar de aval solidário, o levantamento bibliográfico
mostrou que geralmente pessoas com nível de instrução mais elevado não
tem interesse em se responsabilizar por empréstimos alheios. Sobre o
110
nível de renda, mais da metade recebe até 3 salários mínimos. Nas
palavras do entrevistado, os tomadores de empréstimo atendidos pelo
banco podem ser assim definidos:
Quem são os nossos clientes? São os pequenos
negócios que nós consideramos grandes
empreendedores. Porque grandes
empreendedores? Pela grande dificuldade, porque
o pequeno empresário/empreendedor ele tem que
produzir, comprar, vender, calcular custos, prestar
seu próprio marketing, ele é o RH, ele é tudo. Então
são grandes empreendedores pela dificuldade que
enfrentam. A maioria dos nossos clientes são
informais e sem garantias formais. Porque que o
microcrédito atinge a comunidade? Porque nós
precisamos só de fiador. As garantias só garantem
que quem não as tem não tem acesso ao crédito.
[...] Pessoas com dificuldades de acesso aos bancos
tradicionais, baixa escolaridade, envolvimento da
família no negócio – na grande maioria a família
está envolvida, a mulher, os filhos e o marido que
muitas vezes trabalha em uma fábrica mas no
horário de folga ou final de semana ele está
ajudando, auxiliando no negócio. Direcionado para
a população de baixo desenvolvimento humano
com objetivo de fomento e criação de capacidades
produtivas. (BREY JUNIOR, 2016)
É de se destacar que 45% dos tomadores de empréstimo não tem
conta em banco (PLANORTE, 2016). Esse dado sobre acesso a serviços
financeiros corrobora com o esforço do Banco Central que, através de
suas organizações oficiais, busca promover a inclusão financeira das
camadas mais excluídas da população. O que chama atenção nesse caso é
o fato de que a OSCIP não faz parte do sistema de instituições fiscalizadas
pelo Banco Central e mesmo assim uma parcela significativa de seus
clientes organizam suas finanças a parte do sistema financeiro tradicional.
Isso indica que, por um lado, embora a função da OSCIP seja de
oferta de microcrédito propriamente dito, ela cumpre um papel de incluir
financeiramente a medida em que grande parte de seus clientes não busca
as instituições tradicionais; por outro lado revela que há, ainda, uma
111
significativa parte da população economicamente ativa que o sistema
financeiro tradicional não dá conta de atender.
Observa-se como o papel do agente de crédito é relevante para o
funcionamento da rede. Essa é uma figura pouco comum nos bancos
tradicionais, não faz parte das metodologias mais usuais dos bancos um
contato próximo e exclusivo com os clientes25. Geralmente os
procedimentos são de massa. No caso do microcrédito, o agente de crédito
é tanto sua estratégia de inserção quanto de manutenção no espaço. Então
o microcrédito pode ser considerado como um mecanismo de
financeirização da população.
Por fim, é uma escolha do banco de se constituir como OSCIP – já
foi apresentado neste trabalho que há outros formatos organizacionais
com os quais se pode operar o microcrédito no Brasil. Contudo, seguindo
a recomendação do programa Crédito de Confiança, que sugeria que
fossem ONGs, o Planorte mantém sua constituição jurídica por duas
razões: para manter sua especificidade dentro do mercado das
microfinanças e para cumprir a função social a qual se propõe. Então o que acontece que é nós podemos até dentro
da OSCIP ter em um braço uma SCM para fazer
um produto diferenciado que a OSCIP não possa
fazer, que a legislação não faça. [...] Mas eu penso
assim: nós somos criados com uma finalidade
social sem fins lucrativos, então você não pode ter
desvio da rota, do foco. Porque daqui a pouco, se
for para fazer o que o sistema financeiro faz,
porque uma SCM é vinculada ao Banco Central,
então não há necessidade. Por que quando chegar
lá você vai querer ter resultados só financeiros e tal.
Porque nós temos o econômico: geração de
emprego e renda, uma área social que nós fazemos.
E a instituição sustenta a si mesma. Claro que
precisaria mais apoio da legislação, até mesmo dos
fomentadores para ariscar mais e aquela coisa toda.
Mas eu entendo assim, que nós fomos criados com
essa finalidade e você tem que atender essa
finalidade. [...] Porque acontece o seguinte, se for
para fazer o que o sistema tradicional faz, não tem
25 Aliás, faz parte dos bancos privados para os clientes mais ricos. Os gerentes
dos grandes bancos privados nacionais visitam os clientes com altos
investimentos no banco. Ou seja, para a massa de clientes não há esse tipo de
serviços personalizado, mas há dois serviços semelhantes para públicos
antagônicos.
112
a necessidade de ser uma OSCIP, se for regulado
pelo Banco Central vai atrás de lucro. [...] Aqui
não, aqui é interesse público. (BREY JUNIOR,
2016)
3.4 Afinal, porque o microcrédito em Santa Catarina chama atenção?
Santa Catarina é um estado com representatividade no setor das
microfinanças por um conjunto de razões, algumas pontuadas ao longo
deste trabalho. É especialmente relevante em relação ao microcrédito
representado pelas OSCIPs. Santa Catarina conta com mais OSCIPs
registradas no Programa Nacional de Microcrédito Produto Orientado
(PNMPO) do que a média nacional, como visto no capítulo II. Sozinho, o
estado tem 23 das 165 do país. A representatividade das cooperativas que
operam o PNMPO também chama atenção. São 91 das 296 do país, isto
é, cerca de 30% do total. Contudo, a história das OSCIP catarinenses de
microcrédito resulta de uma reunião de esforços de um conjunto de
agentes pelo estado em prol da causa específica do microcrédito do que
as cooperativas. É evidente que o cooperativismo no Estado tem
representatividade, porém as iniciativas cooperativas não estão única e
exclusivamente voltadas para o microcrédito, como é o caso das OSCIPs.
O programa Crédito de Confiança foi o grande responsável pela
distribuição de organizações de microcrédito pelo Estado todo. Uma
iniciativa que teve como ator central o Governo do Estado representado
pela Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) que se
valeu de lideranças locais e conjuntos de agentes sociais em diferentes
porções do espaço catarinense para se realizar. Isso remonta à ideia de
Cox (1998) que explica que os agentes sociais, num movimento de
realizar seus interesses, definem seus espaços de dependência e seus
espaços de compromisso. Os espaços de dependência são definidos como
um conjunto de relações sociais mais ou menos localizadas das quais se
depende para a realização de interesses essenciais e para as quais não há
substitutos. Para garantir a existência e continuação desse espaço de
dependência, as empresas, organizações, pessoas etc. precisam
comprometer-se com outros centros de poder social, os espaços de
compromisso: espaço no qual a política surge para garantir os espaços de
dependência.
A rede urbana do Estado, sem cidades primazes, em que há cidades
de porte médio distribuídas em todo o seu território, encaminha a um
desenvolvimento de forma particular. Isto é, embora haja centros
economicamente mais dinâmicos, há diversas cidades de médio porte, e
113
dessa forma, demanda pelo microcrédito por todo o Estado como pode
ser visto, especialmente, no mapa do ano de 2015.
Moura e Santos (2011) ressaltam que a reorganização da rede
urbana nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul
ocorrida nas três últimas décadas expressa que há, por um lado, uma
continuidade no arranjo intraurbano com forte articulação em torno dos
polos metropolitanos; por outro lado traz uma articulação apoiada em
poucos centros isolados. Em Santa Catarina, além dos tradicionais centros
regionais de Joinville e Blumenau, “estendem-se novas aglomerações,
configurando uma densa rede de cidades, e define-se com maior nitidez a
importância de Chapecó na porção Oeste” (MOURA; SANTOS, 2011, p.
180).
Santa Catarina tem a maior média por empréstimo em todo o país,
a frente até mesmo do mais rico deles, o Estado de São Paulo (TABELA
11).
TABELA 11 – Brasil: média dos empréstimos, contratos realizados,
clientes atendidos e valor concedido pelo PNMPO por Unidade da
Federação (UF), primeiro trimestre de 2015.
Contratos
Realizados Clientes Atendidos Valor Concedido Média
UF Absoluto % Absoluto % Absoluto (R$) % R$
SC 26.160 2,03 25.157 1,95 126.676.247,54 4,50 4.842,36
RJ 25.242 1,95 20.411 1,58 66.897.889,48 2,38 2.650,26
MA 103.739 8,03 108.898 8,44 274.075.527,22 9,74 2.641,97
ES 7.752 0,60 7.439 0,58 19.759.357,57 0,70 2.548,94
DF 9.206 0,71 8.009 0,62 21.851.636,74 0,78 2.373,63
PR 18.265 1,41 17.023 1,32 41.836.205,24 1,49 2.290,51
GO 13.859 1,07 11.888 0,92 31.420.300,61 1,12 2.267,14
SE 52.296 4,05 56.827 4,40 117.340.561,95 4,17 2.243,78
RS 19.923 1,54 15.936 1,23 42.771.958,86 1,52 2.146,86
PE 83.655 6,48 83.381 6,46 175.706.097,28 6,25 2.100,37
RR 512 0,04 485 0,04 1.063.850,87 0,04 2.077,83
MT 5.038 0,39 4.812 0,37 10.457.837,45 0,37 2.075,79
RN 65.041 5,04 64.767 5,02 134.155.124,53 4,77 2.062,62
(Continua)
114
(Conclusão)
Contratos
Realizados
Clientes
Atendidos Valos Concedido Média
UF Absoluto % Absoluto % Absoluto (R$) % R$
PA 5.745 0,44 5.541 0,43 11.716.930,58 0,42 2.039,50
BA 133.517 10,34 132.758 10,29 271.352.230,50 9,65 2.032,34
SP 80.679 6,25 72.128 5,59 163.623.399,84 5,82 2.028,08
AC 654 0,05 643 0,05 1.312.774,45 0,05 2.007,30
AL 54.703 4,24 55.361 4,29 107.733.393,33 3,83 1.969,42
PI 119.025 9,22 122.700 9,51 233.410.517,62 8,30 1.961,02
MG 77.177 5,98 74.909 5,80 149.570.126,63 5,32 1.938,01
PB 82.293 6,37 82.358 6,38 159.203.535,05 5,66 1.934,59
AP 655 0,05 629 0,05 1.262.898,99 0,04 1.928,09
TO 1.607 0,12 1.578 0,12 3.065.033,55 0,11 1.907,30
AM 1.476 0,11 1.443 0,11 2.801.191,91 0,10 1.897,83
RO 2.224 0,17 2.143 0,17 4.185.355,26 0,15 1.881,90
MS 3.738 0,29 3.658 0,28 6.655.455,32 0,24 1.780,49
CE 376.749 29,17 379.025 29,37 647.370.019,99 23,02 1.718,31
Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em MTE (2015b).
Ao lado de Santa Catarina, o Estado do Ceará se destaca em
número de contratos realizados, clientes atendidos e valor concedido,
embora tenha a menor média nacional do valor dos empréstimos.
Provavelmente isso se deve ao papel do Banco do Nordeste que, através
do Crediamigo e Agroamigo, realiza microcrédito para clientes rurais e
urbanos.
Por fim, o argumento de Marcon (2009) muito justifica o sucesso
do esforço de constituição da rede de organizações de microcrédito em
Santa Catarina, o que significa que, não só o esforço do BADESC e do
governo estadual foram relevantes [...] Santa Catarina apresenta uma
densidade institucional e organizativa que a
torna referência nacional e demonstra que
seu capital social guarda uma relação muito
estreita com a sua formação
socioeconômica. Uma das experiências que
revelam essa densidade está presente no
115
associativismo municipal que nasceu num
processo de “baixo para cima”, cujos atores
buscaram na parceria e na articulação
construir ‘escalas insurgentes’.
(MARCON, 2009, p. 357)
Conclusão
Pelo estudo do histórico da formação econômica de Santa Catarina,
percebe-se que a regionalização do estado funcionou como uma tentativa
de reforçar poderes políticos. Percebe-se também que há relevante
presença das instituições no desenvolvimento econômico do estado, de
tal modo que a iniciativa de fundar organizações de microcrédito partiu
também de uma instituição do poder público. Contudo, é válido observar
que a particularidade de Santa Catarina na sua experiência com o
microcrédito carrega, ao mesmo tempo, aspectos de ordem institucional
oriundas de organizações estatais e aquelas provenientes da articulação
de agentes na escala local.
O processo de localização e expansão da rede teve a ver tanto com
o papel das instituições levadas a cabo pelo Estado quanto com aquelas
localizadas que tem a frente lideranças locais em diversos setores da
sociedade, numa via de mão dupla. É perceptível, ainda no processo de
expansão da rede de instituições de microcrédito, as ‘regras do jogo’
ditadas pelo BADESC durante sua vigência como articulador da rede.
Assim, após sua mudança de papel, e consequentemente mudança das
regras, o jogo mudou.
O estabelecimento do Planorte dialoga com o ideário das
microfinanças como alternativa de superação da pobreza através do
autoemprego. O banco tem na OSCIP e no agente de crédito
especificidades que garantem a realização de seus interesses: pelo baixo
custo em manter conectadas áreas distantes da sede ou postos de
atendimento físicos, pelo aproveitamento da rede de relações firmada
entre membros da comunidade, e por ser capaz de contornar a assimetria
de informação.
Embora Santa Catarina conte com uma regionalização oficial que
divide o Estado em regiões por atividades econômicas, as SDRs, as
atividades dos tomadores de empréstimo na área de atuação do Planorte
não estão, necessariamente, ligadas a essas atividades que definem as
secretarias. O apoio primordial do qual se valem esses tomadores para a
realização de suas atividades não depende dos circuitos econômicos
116
predominantes, pelo contrário, dependem da manutenção de atividades
cotidianas e da vida social da população.
117
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estabelecimento da rede de instituições de microcrédito em
Santa Catarina se deve, em primeiro lugar, à iniciativa estatal por meio da
Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) que atuou
como órgão executor do Programa Crédito de Confiança, nos fins da
década de 1990. Em segundo lugar, se deve ao nível de articulação na
escala local de lideranças que levaram à frente a proposta do Programa e
instalaram organizações distribuídas por todo o Estado. Foram fundadas
oito instituições que seguiam relativamente a área de abrangência das
associações de municípios, sendo eles: Florianópolis, Joinville, Videira,
Canoinhas, Chapecó, São Miguel do Oeste, Criciúma e Itajaí – Lages e
Blumenau já contavam com organizações fundadas anteriormente fora do
escopo do Programa. O processo de expansão do microcrédito em Santa
Catarina se deve, ainda, ao papel de outras organizações como a
Associação das Organizações de Microcrédito e Microfinanças
(AMCRED), atuando na escala estadual, e o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Justiça
e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),
na escala nacional.
A implementação do mercado de microcrédito no Brasil não foi
por acaso, ele foi intencionalmente construído e reflexo de um processo
de expansão das finanças e inclusão financeira, mais especificamente, da
construção de um ideário para superação da pobreza em países em
desenvolvimento – ideário esse também intencionalmente produzido. A
consolidação desse mercado vai ao encontro do movimento do
capitalismo em escala global. É parte de uma mesma estratégia, sendo
assim a criação de condições institucionais e o discurso de intelectuais
mediadores pode ser visto como reflexo de um esforço de adequação no
sentido de uma visão de desenvolvimento econômico e social que
compartilham, como revela nossa análise das ideias de Abramovay
(2004).
No Brasil, o movimento de institucionalização do microcrédito
construiu regulações para a atividade de acordo com as proposições da
Microcredit Summit e do Banco Mundial, incorporando a informalidade
e metodologias alternativas como pontos-chave. Concluiu-se que o
conceito de microcrédito está contido no de microfinanças, a adoção das
diferentes definições depende da finalidade da organização que o utiliza.
A partir do estudo das normas jurídicas que regulamentam o microcrédito
no Brasil, é notável que há maior utilização do conceito de microcrédito,
especialmente microcrédito produtivo. É perceptível, também, que houve
118
dois momentos distintos no histórico dessas normas. Um primeiro
momento no qual as instituições de microfinanças foram criadas ou
adaptadas (OSCIPs, SCMs e cooperativas) e outro no qual é proposto o
Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO)
como um modelo metodológico nacional para a realização da atividade.
O reflexo concreto da institucionalização do microcrédito sobre o
território são redes de instituições localizadas em diferentes pontos do
espaço como fixos geográficos que articulam ações em diferentes esferas
(ideológica, institucional, normativa, financeira). A capilarização das
microfinanças pelo território se deu, no caso catarinense,
predominantemente por meio de instituições não-bancárias e cooperativas
utilizando metodologia alternativa ao sistema financeiro tradicional. A
partir disso, foi possível compreender a configuração da rede de
instituições microfinanceira presentes em Santa Catarina,
compreendendo também as implicações da mudança de papel de um
agente-chave: a Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina
(BADESC), representando uma iniciativa governamental.
Na escala local, mais do que iniciativa governamental em fundar o
Programa Crédito de Confiança, fins dos anos 1990, foi necessário contar
com agentes e líderes locais responsáveis por implementar OSCIPs de
microcrédito. Estas, por sua vez, se valeram de relações já construídas
entre a população para efetivar sua expansão pelo espaço. Mais do isso, a
consolidação dos espaços de atendimento das instituições de microcrédito
perpassa, com a figura do agente de crédito, relações sociais construídas
nos bairros e vizinhanças. Depende, também, de um aparato institucional
constituído na escala nacional e estadual para que possa realizar acordos
que garantam sua continuidade.
No processo de implantação do Programa Crédito de Confiança
assim como no de expansão da rede de organizações de microcrédito no
Estado ficam claras as regras do jogo induzidas por mecanismos de
institucionalização; sejam elas trazidas da esfera nacional, as normas
jurídicas, ou sejam elas oriundas de agentes de financiamento como o
BADESC. A saída do BADESC dos conselhos de administração, em
2006, inaugurou uma nova dinâmica para as OSCIPs de microcrédito
catarinenses, que, de fato, se aproximaram do mainstream financeiro
buscando melhores estratégias de expansão e manutenção.
A dissertação mostrou que o Banco da Família e o Planorte
transcenderam a fronteira estadual para atender municípios do Rio
Grande do Sul e Paraná, respectivamente. Mostrou ainda que o Banco do
Empreendedor, de Florianópolis, se expandiu para áreas anteriormente
atendidas por outras instituições no Norte, no Vale do Itajaí e na região
119
Serrana catarinenses. Essa organização, ainda, protagonizou três
processos de fusão: em 2008 com a OSCIP Crédito de Confiança,
localizada em São José; em 2012 adquiriu a carteira de crédito do
BAPEM, localizado em Caçador; e em 2013 iniciou o processo de fusão
com a Casa do Empreendedor de Joinville.
Santa Catarina parece ter características específicas que orientam
para a construção da rede de instituições de microcrédito distribuídas por
todo o estado. Há, por um lado, cidades médias espalhadas por todo o
território estadual configurando uma densa rede de cidades, por outro lado
há o esforço de regionalização do Governo do Estado como estratégia de
indução econômica e reforço de poderes políticos. Encaixado nisso, estão
as iniciativas de microcrédito que fazem a ponte com lideranças locais e
redes de relações sociais na escala da vizinhança. Isto é, percebe-se a
combinação de condicionantes internos e externos articulados para
permitir a constituição de rede de instituições de microcrédito de Santa
Catarina, entre elas o Planorte.
A constituição do Planorte dialoga com o ideário mundialmente
difundido das microfinanças como alternativa de superação da pobreza,
geração de emprego e renda a medida em que articula família e empresa,
geração e manutenção de emprego, sem atingir os mais pobres entre a
população pobre. A filiação à Microcredit Summit Campaign justifica-se
pelo caráter simbólico dessa conexão, isso é, confere visibilidade
internacional ao Planorte e reconhecimento de uma organização que é
referência mundial.
O Planorte se vale das especificidades das OSCIPs e do trabalho
do agente de crédito para garantir sua permanência: pelo baixo custo de
manter atendidas áreas distantes da sede e postos, pelo aproveitamento da
rede de relações firmada entre membros da vizinhança, por ser capaz de
contornar a assimetria de informação e por poder participar de programas
estaduais e nacionais de repasse financeiro.
As atividades dos tomadores de empréstimo do Planorte não estão
consideravelmente inscritas nos setores econômicos predominantes do
Planalto Norte catarinense. A expansão da rede de atendimento de
Planorte se deve não às demandas das atividades econômicas mais
dinâmicas de região, mas sim as ocupações da população daquela região,
que engloba tanto o Planalto Norte de Santa Catarina como parte do sul
do Paraná. Com isso pode se concluir, com base nos casos analisados, que
o crédito ofertado pelo Planorte não expande a base produtiva da região,
mas sim o consumo. Embora sua área de atendimento corresponda às
áreas de duas Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), de
Canoinhas e de Mafra, a manutenção das atividades dos tomadores de
120
empréstimos do Planorte pouco se deve aos setores predominantes da
economia regional no caso do Planalto Norte Catarinense. Pelo contrário,
em campo foi possível perceber que é à permanência de atividades
cotidianas e da vida social da população que se devem tanto os tomadores
de empréstimos quanto manutenção dos interesses do Planorte.
Esta pesquisa permitiu, por fim, ver como esse conjunto de redes
que compõem o microcrédito são instáveis, móveis e inacabadas. Redes
nas quais entram e saem instituições e agentes e nas quais novos nós são
formados – tal qual as empresas criadas para oferecer serviços de
treinamento de agentes de crédito. Foi revelado, ainda, algo que de início
não estava apontado, que é o papel fundamental que tem as relações
sociais presentes na escala do lugar para a consolidação dessa rede. É um
movimento que vai desde a escala global, com a Microcredit Summit;
passando pela nacional, com o BNDES e o Ministério da Justiça; pela
regional e estadual, com o BADESC, AMCRED, associações de
municípios e outras organizações da sociedade civil; até, enfim, a escala
do lugar no qual redes de relações sociais que se encontram e se
entrelaçam no lócus particular são apropriadas. Isto é, há diferentes
escalas articuladas por meio de um conjunto de conexões que variam
historicamente como uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em
que provocam mudanças, são também transformadas.
121
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APÊNDICE – ROTEIRO DA ENTREVISTA
1) Como e quando a instituição foi formada? Conte um pouco sobre
essa história.
2) Porque a opção pelo formato de OSCIP e não de SCM? Há
perspectiva de mudança?
3) Qual a relação entre a formação do banco, suas estratégias de
manutenção e operação e as atividades econômicas da Região?
4) Como se organiza o banco e como atuam os agentes de crédito,
qual o papel desses profissionais no Planorte?
5) No sítio da Microcrédit Summit Campaign (MSC) consta o
Banco do Planalto Norte como membro da campanha. Como se
dá essa ligação com a MSC, quais as trocas entre o Banco e a
MSC? Houve incentivo da MSC para a formação do Banco?
6) As OSCIP, que predominavam na carteira ativa em 2012,
perderam espaço para as cooperativas em 2015, que passaram a
predominar. Além disso, cresceu consideravelmente o montante
das SCMEPPs. Como você vê esse cenário? (Mostrar tabela)
“Você consegue me ajudar a entender?”
7) Quais são as opções de funding que o banco conta hoje? Isso
mudou com o passar do tempo?
8) Como é o padrão das pessoas que estão tomando empréstimo
hoje? Quais atividades econômicas desempenham, há algum
padrão? Qual o porte dos tomadores de empréstimo e o tamanho
dos empréstimos? (É possível acessar esses dados, tabelas...?)
9) Por fim, no cenário atual de crise, quais as perspectivas para o
setor das microfinanças?