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MAYRA DE MATTOS MICROCRÉDITO EM SANTA CATARINA: REDES, ESCALAS E AGENTES O CASO DO PLANORTE Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina para obtenção do título de Mestre em Geografia. Orientadora: Professora Dra. Leila Christina Dias. Florianópolis 2016.

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MAYRA DE MATTOS

MICROCRÉDITO EM SANTA CATARINA: REDES, ESCALAS

E AGENTES – O CASO DO PLANORTE

Dissertação submetida ao Programa de

Pós-graduação em Geografia da

Universidade Federal de Santa Catarina

para obtenção do título de Mestre em

Geografia.

Orientadora: Professora Dra. Leila

Christina Dias.

Florianópolis

2016.

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Mayra de Mattos

TÍTULO: MICROCRÉDITO EM SANTA CATARINA: REDES,

ESCALAS E AGENTES – O CASO DO PLANORTE

Esta dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de Mestre

em Geografia e aprovada em sua forma final pelo Programa de Pós-

graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina.

Florianópolis, 10 de junho de 2016.

_______________________

Prof. Dr. Aloysio Marthins de Araújo Junior

Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

_______________________

Prof. Dra. Leila Christina Duarte Dias

Orientadora

_______________________

Prof. Dr. Carlos José Espíndola

_______________________

Prof. Dr. Clécio Azevedo da Silva

_______________________

Dra. Talita Cristina Zechner Lenz

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a CAPES pela concessão de apoio financeiro durante o

período do mestrado, sem o qual esta pesquisa não teria sido realizada.

Agradeço também ao CNPq pelo apoio financeiro concedido para a

realização do trabalho de campo por meio do projeto 30357/2015-3. Ao

Programa de Pós-graduação em Geografia da UFSC, pela oportunidade

de realizar esta etapa de minha formação profissional e pessoal. À equipe

do Planorte pela recepção e disposição em colaborar com a pesquisa, em

especial ao Nivel Brey Júnior e ao agente de crédito Anderson

Diefentheler.

Meus sinceros agradecimentos à Professora Leila Christina Dias

pela orientação atenta, dedicação, paciência e por ter sido uma pessoa

com quem eu pude contar. Agradeço à minha família por todo o apoio

durante este ano, essencial para a conclusão dessa etapa, especialmente à

tia Albertina, ao meu pai e meus avós Selço e Celina. Agradeço ao meu

querido namorado Caio, pelo companheirismo, amizade, incentivo, pelo

olhar atento e por me ajudar a sempre descobrir o melhor de mim. Aos

meus amigos por serem quem são e estarem sempre ao meu lado. À

natureza a à vida pela generosidade.

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RESUMO

O presente trabalho analisou o processo de expansão territorial da rede de

instituições de microcrédito de Santa Catarina, em especial o Banco do

Planalto Norte (Planorte), localizado na cidade de Canoinhas, Planalto

Norte do Estado, compreendendo os condicionantes internos e externos

para a constituição de sua rede de atendimento bem como a rede de

relações que asseguram os interesses do Planorte, articulando diferentes

escalas espaciais. A instituição foi escolhida pois é membro da

Microcredit Summit Campaign – rede global de apoio ao microcrédito –

e transcende a fronteira estadual em direção ao Paraná, tendo como pilar

de sua atuação os agentes de crédito. Os objetivos específicos desta

pesquisa foram: 1) identificar as instituições de microcrédito presentes

em Santa Catarina e as mudanças em suas respectivas redes entre 2006 e

2016 – antes e depois da mudança de papel da Agência de Fomento do

Estado de Santa Catarina (BADESC); 2) compreender como

condicionantes internos e externos se combinaram para permitir a

constituição da rede de instituições de microcrédito no estado, através do

estudo de caso; 3) analisar o processo histórico de construção da rede

comandada pelo Planorte, levando em consideração sua conexão com a

Microcredit Summit Campaign e o atendimento através dos agentes de

crédito; 4) analisar a possível relação entre a expansão da rede de

atendimento das instituições de microcrédito e as demandas dos setores

econômicos predominantes regionais, identificando de que maneira as

atividades dos tomadores de empréstimos estão mais ou menos inscritas

nos setores predominantes da economia regional. A metodologia do

trabalho consistiu em: levantamento bibliográfico de autores brasileiros e

estrangeiros; levantamento de dados; levantamento de normas jurídicas

que regulamentam o microcrédito e as microfinanças no Brasil; leitura de

relatórios oficiais; pesquisa de campo realizada no Planorte e com

tomadores de empréstimos atendidos por ele, no município de Canoinhas

em maio de 2016; representação cartográfica da rede de atendimento das

instituições de microcrédito em diferentes momentos do tempo. O

trabalho tem como principais conclusões: 1) o estabelecimento e a

expansão da rede de instituições de microcrédito em Santa Catarina se

deve à iniciativa estatal por meio do BADESC no Programa Crédito de

Confiança, nos fins da década de 1990, ao nível de articulação na escala

local de lideranças que levaram à frente a proposta do Programa e

instalaram organizações distribuídas por todo o Estado e ainda a outras

organizações na escala estadual e nacional; 2) o mercado de microcrédito

no Brasil foi intencionalmente construído e reflexo de um processo de

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expansão das finanças, inclusão financeira e da construção de um ideário

para superação da pobreza; 3) o Planorte dialoga com o ideário

mundialmente difundido do microcrédito como alternativa para superar a

pobreza, gerar emprego e renda; 4) os tomadores de empréstimo estão

pouco inseridos nas atividades econômicas predominantes da região, ao

contrário, se consolidam em ocupações referentes a atividades cotidianas

da vida social da população. Por fim, há uma rede de relações sociais na

escala do lugar que é fundamental para a consolidação da rede de

microcrédito.

PALAVRAS-CHAVE: Microcrédito. Santa Catarina. Planorte. Rede

microfinanceira.

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ABSTRACT

This work analyzed the territorial expansion process of the microcredit

institutions network based in the Brazilian state of Santa Catarina,

particularly the Banco do Planalto Norte (Planorte), located in Canoinhas

city, in the Planalto Norte region, comprising internal and external

constraints for its client base establishment, as well as the relationship

network that assure the bank`s interests, articulating different spatial

scales. The institution was chosen due to its membership on the

Microcredit Summit Campaign – microcredit global support network –

and also due to its growth towards the state of Paraná, with credit agents

playing as a key role in its acting. The specific objectives of this research

were: 1) identify the microcredit institutions based in Santa Catarina and

the changes in their networks between 2006 and 2016 – respectively

before and after the shift in the role of the Agência de Fomento do Estado

de Santa Catarina (BADESC); 2) understand how the internal and

external constraints combined to conform the constitution of the

microcredit institutions network in the state of Santa Catarina, through a

case study. 3) analyze the historical construction process of the network

leaded by the Planorte, taking into consideration its connection with the

Microcredit Summit Campaign and the acting of the credit agents. 4)

analyse the possible relation between the expansion of the microcredit

institutions’ relationship network and the demands from the predominant

regional economic sectors, identifying the way the activities from the

credit takers are more or less included in the predominant sectors of the

regional economy. This work methodology consisted in: bibliographical

survey on Brazilians and foreigners authors; data collection; search on

juridical standards that rule the microcredit and microfinance in Brazil;

reading of official reports; field survey on Planorte and with their credit

takers, on Canoinhas city, on May 2016; cartographical representation of

the microcredit institutions’ relationship network in different time

periods. The work has the following conclusions: 1) The establishment

and the expansion of the microcredit institutions network in the state of

Santa Catarina is due to state efforts from BADESC in the Programa

Crédito de Confiança, from the end of the 90’s, due to the level of

articulation at local scale from leaderships that took forward the proposal

from the Act and installed organizations spread all over the state area and

also due to others organizations at national and state scale; 2) the

microcredit market in Brazil was intentionally built and is a reflex of a

process of finance expansion, finance inclusion and the construction of

ideas to overcoming poverty; 3) Planorte dialogues with the globally

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spread ideas of microcredit as an alternative to poverty overcome,

creating jobs and wealth; 4) credit takers are not inserted on the regional’s

predominant economic activities, on the contrary, they consolidate

themselves in activities related to the community’s social life. Finally,

there is a social relation network at local scale that is fundamental to the

consolidation of the microcredit network.

KEYWORDS: Microcredit. Santa Catarina. Planorte. Microfinancial

network.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Índice de inclusão financeira: unidades da federação e

Brasil, anos 2000, 2005 e 2010. ............................................................ 64

FIGURA 2 – Santa Catarina: rede de instituições de microcrédito, 2006

............................................................................................................... 84

FIGURA 3 – Região Sul: rede de instituições de microcrédito sediadas

em Santa Catarina, 2015. ....................................................................... 88

FIGURA 4- Planorte: evolução da rede de atendimento, 2006, 2012 e

2016. ...................................................................................................... 96

FIGURA 5 – Planorte: rede de interações, 2016. .................................. 98

FIGURA 6– Planalto Norte Catarinense: Região de influência de Curitiba

e Florianópolis, 2007. .......................................................................... 100

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1– Definições de microcrédito, microfinanças e microcrédito

produtivo orientado (MPO) segundo diferentes organizações, 2015. ... 48

QUADRO 2– Brasil: Periodização normativa do microcrédito entre 1999

e 2015. ................................................................................................... 56

QUADRO 3 – Santa Catarina: Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresário de Pequeno Porte (SCMEPPs) em

funcionamento por município, 2007 a 2016. ......................................... 67

QUADRO 4 – Brasil: instituições oficiais ofertadoras de microcrédito.

............................................................................................................... 71

QUADRO 5– Regiões do Brasil: Membros da Microcredit Summit

Campaign por cidade, 2016. ................................................................. 75

QUADRO 6 – Organizações de microcrédito fundadoras da AMCRED e

respectivas cidades sede, 2006. ............................................................. 86

QUADRO 7 – Banco do Planalto Norte: linhas de crédito por tipo,

valores, prazos e juros e finalidade, 2016.............................................. 92

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1- Brasil: clientes ativos por gênero no PNMPO, anos de 2007,

2011, 2015. ............................................................................................ 51

TABELA 2 – Brasil: valor concedido por gênero dos clientes, primeiros

trimestres de 2011 e 2015. ..................................................................... 51

TABELA 3 – Brasil: clientes ativos por situação jurídica no PNMPO,

anos de 2007, 2011 e 2015. ................................................................... 52

TABELA 4 – Brasil: valor concedido por situação jurídica dos clientes,

primeiros trimestres de 2011 e 2015. .................................................... 52

TABELA 5 – Brasil: clientes ativos por ramos de atividade no PNMPO,

anos de 2007, 2011, 2015. ..................................................................... 53

TABELA 6 – Brasil: valor concedido por ramo de atividade, primeiros

trimestres de 2011 e 2015. ..................................................................... 53

TABELA 7 – Santa Catarina: total de canais de acesso às OSCIPs de

microcrédito em 2006, 2012 e 2016. ..................................................... 68

TABELA 8 – Brasil e Santa Catarina: total de Organizações da Sociedade

Civil de Interessa Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs) e

Cooperativas habilitadas no PNMPO, 2016. ......................................... 69

TABELA 9 – Brasil: carteira ativa em reais das instituições operadoras

do PNMPO por AGI, IMPO e IFO e por constituição jurídica, 1º trimestre

de 2012 e 2015. ..................................................................................... 73

TABELA 10 – Santa Catarina: média dos empréstimos por OSCIP de

microcrédito, 2014. ............................................................................... 94

TABELA 11 – Brasil: média dos empréstimos, contratos realizados,

clientes atendidos e valor concedido pelo PNMPO por Unidade da

Federação (UF), primeiro trimestre de 2015. ...................................... 113

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACIL: Associação Comercial e Industrial de Lages

AEVC: Associação dos Engenheiros e Arquitetos do Vale do Canoinhas

AGI: Agentes de Intermediação

AMCRED: Associação das Organizações de Microcrédito e

Microfinanças de Santa Catarina

AMPLANORTE: Associação dos Municípios do Planalto Norte

Catarinense

ATM: Automated Teller Machines

BACEN: Banco Central do Brasil

BADESC: Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina

BAPEM: Banco do Pequeno Empreendedor

BDE: Banco de Desenvolvimento Econômico de Santa Catarina

BESC: Banco do Estado de Santa Catarina

BID: Banco Interamericano de Desenvolvimento

BNDES: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

BRDE: Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul

CEPAL: Comissão de Estudos Econômicos para a América Latina

CMN: Conselho Monetário Nacional

DIEESE: Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos

Socioeconômicos

ECINF: Economia Informal Urbana

FACISC: Federação das Associações Empresariais de Santa Catarina

FAMPESC: Federação das Associações de Micro e Pequenas Empresas

e Empreendedor Individual de Santa Catarina

FAT: Fundo de Amparo ao Trabalhador

FCDL: Federação dos dirigentes lojistas

FECESC: Federação dos Empregados no Comércio de Santa Catarina

FEPESE: Fundação de pesquisas socioeconômicas

FUNDESC: Fundo de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina

IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IFO: Instituições Financeiras Operadoras

IIF: Índice de Inclusão Financeira

IMF: instituição microfinanceira

IMPO: Instituições Operadoras de Microcrédito Produtivo Orientado

INSCOOP: Instituto Antônio Sergio do Sector Cooperativo

MEI: Microempreendedor Individual

MPO: Microcrédito Produtivo Orientado

MPV: Medida Provisória

MTE: Ministério do Trabalho e Emprego

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OAB: Ordem dos Advogados do Brasil

ONGE: Organização Não governamental

OSCIP: Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

PA: Postos de Atendimento

PAA: Postos Avançados de Atendimento

PAB: Postos de Atendimento Bancário

PAC: Postos de Atendimento Cooperativo

PAE: Ponto de Atendimento Eletrônico

PAE: Postos de Atendimento Bancário Eletrônico

PAM: Postos de Atendimento de Microcrédito

PNMPO Programan Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado

POS: Points of sale

PROCAPE: Programa Especial de Apoio a Capitalização de Empresas

PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura

Familiar

PSI: Processo de Substituições de Importação

QL: Quociente Locacional

SCMEPP: Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e a Empresa de

Pequeno Porte

SDR: Secretarias de Desenvolvimento Regional

SEBRAE: Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas

SFN: Sistema Financeiro Nacional

SINCOVAC: Sindicato do Comércio Varejista do Vale do Canoinhas

SINDICONT: Sindicato dos Contabilistas de Canoinhas

SINDIVALE: Sindicato da Empresas de Transporte Rodoviário de

Cargas do Vale do Canoinhas

UF: Unidade da Federação

UNC: Universidade do Contestado

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 21

CAPÍTULO 1: MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA E O LUGAR DA

IDEOLOGIA DO MICROCRÉDITO ................................................... 27

1.1 Redefinições sobre o desenvolvimento no cenário de

mundialização financeira ............................................................... 28

1.2 Intelectuais mediadores e o ideário do Banco Mundial ......... 36

Conclusão ......................................................................................... 43

CAPÍTULO 2: INCLUSÃO FINANCEIRA E

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MICROCRÉDITO NO BRASIL ..... 45

2.1 O viés neonstitucionalista e conceituação do microcrédito .... 45

2.2 Quem são os tomadores de microempréstimos no Brasil? .... 49

2.3 Histórico normativo das microfinanças no Brasil .................. 54

2.4 Os fixos geográficos ................................................................... 61

Conclusão ......................................................................................... 76

CAPÍTULO 3: EXPANSÃO DO MICROCRÉDITO EM SANTA

CATARINA E UM ESTUDO DE CASO: O PLANORTE .................. 77

3.1 As instituições, o crédito e a regionalização em Santa Catarina

.......................................................................................................... 77

3.2 Consolidação do microcrédito em Santa Catarina e o processo

de expansão ...................................................................................... 80

3.3 Um estudo de caso: o Planorte ................................................. 91

3.4 Afinal, porque o microcrédito em Santa Catarina chama

atenção? ......................................................................................... 112

Conclusão ....................................................................................... 115

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 117

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ............................................... 121

APÊNDICE – ROTEIRO DA ENTREVISTA.................................... 129

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21

INTRODUÇÃO

A motivação para esta pesquisa iniciou com o desenvolvimento de

um projeto de um Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica

(PIBIC) iniciado em 2011 que convergiu para a monografia de conclusão

de curso, em 2014. A monografia objetivou investigar de que maneira

agentes sociais contribuem para a configuração territorial do microcrédito

em Santa Catarina, do ponto de vista da construção de redes e da

articulação entre diferentes escalas de ação, analisando particularmente a

instituição Banco do Empreendedor – Organização da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIP), sediada em Florianópolis e fundada em 1999.

Objetivou-se, com isso, identificar as escalas de atuação do Banco do

Empreendedor e sua rede de interações, assim como os agentes que

contribuíram com sua fundação e com mudanças ao longo de sua

trajetória.

As principais conclusões da monografia apontaram (MATTOS,

2014): 1) embora as orientações do Banco Mundial norteiem e

justifiquem o microcrédito como alternativa para a superação da pobreza,

na prática esta atividade se afasta desse propósito e se aproxima do

mainstream1 financeiro; 2) a mudança do papel de agentes-chave na

constituição de rede de instituições de microcrédito catarinense

possibilitou novas formas de interação entre as organizações levando a

dinâmicas econômicas de fusão, aquisição e concorrência. Com isso,

novas questões de pesquisa emergiram.

A relevância deste tema se dá pois esta atividade tem sido

frequentemente incluída nas agendas de desenvolvimento

socioeconômico e superação da pobreza, especialmente em países em

desenvolvimento. A pesquisa bibliográfica mostrou que, na última

década, esse tema foi objeto de pesquisa predominantemente de campos

do conhecimento como economia, administração, contabilidade,

sociologia, direito entre outros e que em meio a estes as pesquisas de

cunho geográfico se mostram tímidas.

O microcrédito em Santa Catarina chama atenção, entre outros

motivos, por ter o maior número de Organizações da Sociedade Civil de

Interesse Público (OSCIPs) de microcrédito em comparação aos demais

1 Em estudo sobre a inclusão financeira no Brasil, Feltrin, Ventura e Dodl (2009)

assumem que quanto mais o mercado se desenvolve e os stakeholders se

profissionalizam, mais os serviços de microfinanças se assemelham ao

mainstream financeiro, no sentido da exigência de qualificação e geração de

resultados; o que foi verificado pelas pesquisas de campo em Mattos (2014).

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estados brasileiros. Chama atenção também por contar com três dos nove

membros da Campanha da Microcredit Summit2 no Brasil – os demais

membros encontram-se no Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará,

Pernambuco e Pará. A particularidade da rede urbana no estado e a

distribuição de atividades econômicas diversas pelas diferentes regiões

catarinenses imprime, também, uma especificidade à essa unidade da

federação. O Planorte (nome fantasia: Banco do Planalto Norte), sediado

no município de Canoinhas, é um desses membros da referida campanha,

que tem a sua frente uma das organizações responsáveis pela construção

de um ideário das microfinanças no mundo ao lado do Banco Mundial.

Além desse, há mais dois motivos que justificam o interesse em estudar

essa OSCIP: O Planorte foi uma das organizações fundadas pelo

programa Crédito de Confiança – programa levado a cabo pelo BADESC

no fim da década de 1990 – e é uma das organizações catarinenses que

transcende a fronteira estadual, atendendo municípios de Paraná, tendo

como pilar de sua atuação os agentes de crédito.

É possível dizer que o microcrédito como alternativa para a

superação da pobreza tenha sido afirmado na Conferência Global do

Microcrédito, evento ocorrido em Washington D.C., nos Estados Unidos,

na década de 1990, organizado pelo Banco Mundial e com a presença de

representantes do setor em todo o mundo. Embora a prática de pequenos

empréstimos já acontecesse muito antes mesmo desta conferência, foi

nela que elaborou-se um plano de ação que inspirou políticas públicas e

o debate sobre o tema no país. O encontro entre ideias e planos

provenientes de organismos internacionais e economias

particulares/locais não é novidade nos debates de cunho econômico e

político entre as ciências humanas e é justamente nisso que reside o

interesse da geografia pelos processos espaciais da atividade de oferta de

microcrédito.

Não há consenso sobre a conceituação de microempréstimos por

parte das diversas instituições que lidam com o tema. No presente

trabalho ficará claro que no Brasil predominam as noções de microcrédito

dentro das políticas públicas elaboradas e que pouco se mencionam as

2 “A Microcredit Summit Campaign reúne praticantes das microfinanças,

advogados, instituições educacionais, agencias doadoras, instituições financeiras

internacionais, organizações não-governamentais e outros envolvidos com as

microfinanças para promover melhores práticas, estimular intercâmbio de

conhecimento a trabalhar para alcançar as metas da campanha.” (tradução nossa)

Fonte: <http://www.microcreditsummit.org/about-the-campaign2.html>. Acesso

em 23 março 2015.

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microfinanças. Este trabalho compreende que o microcrédito é a ação de

oferta e tomada de crédito propriamente dita, enquanto as microfinanças

envolvem outros serviços financeiros disponíveis para a população com

foco nos microempreendedores e população de baixa renda; por fim o

microcrédito produtivo orientado (MPO) é compreendido tal qual o

microcrédito mas com enfoque em atividades produtivas de pequeno

porte.

O objetivo geral da pesquisa foi analisar o processo de expansão

territorial da rede de instituições de microcrédito de Santa Catarina, em

especial o Banco do Planalto Norte (Planorte), localizado na cidade de

Canoinhas, Planalto Norte do Estado, compreendendo os condicionantes

internos e externos para a constituição de sua rede de atendimento bem

como rede de relações que asseguram os interesses do Planorte,

articulando diferentes escalas espaciais. Os objetivos específicos dessa

pesquisa foram:

i) Identificar as instituições de microcrédito presentes em

Santa Catarina e as mudanças em suas respectivas redes

entre 2006 e 2016 (antes e depois da mudança de papel

do BADESC).

ii) Compreender como condicionantes internos e externos

se combinaram para permitir a constituição da rede de

instituições de microcrédito no estado, através do estudo

de caso do Planorte:

iii) Analisar o processo histórico de construção da rede

comandada pelo Planorte, levando em consideração sua

conexão com a Microcredit Summit Campaign e o

atendimento através dos agentes de crédito.

iv) Analisar a possível relação entre a expansão da rede de

atendimento das instituições de microcrédito e as

demandas dos setores econômicos predominantes

regionais, identificando de que maneira as atividades

dos tomadores de empréstimos estão mais ou menos

inscritas nos setores predominantes da economia

regional.

Para delinear a problemática da pesquisa e explicar a inserção de

Santa Catarina no contexto nacional e mundial do microcrédito e da

evolução das finanças, foi necessário escolher diferentes lentes. Isto é,

diferentes caminhos metodológicos entre tantos outros possíveis. Esta

dissertação está dividida em três capítulos.

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O primeiro capítulo procura mostrar que o microcrédito tem seu

lugar no processo de mundialização econômica e nas redefinições sobre

desenvolvimento que acompanharam tais mudanças em nível global. As

propostas de superação da pobreza através das finanças se inserem num

contexto de mudança das relações capitalistas globais. Ao mesmo tempo

em que há o processo de expansão das finanças por diversas dimensões

da vida econômica e social, há também propostas originárias de

organizações da cooperação internacional e de intelectuais sobre o

desenvolvimento, a superação da pobreza e a adoção do microcrédito para

tais fins enquanto uma ideologia.

A construção desse capítulo se valeu de levantamento bibliográfico

de autores brasileiros e estrangeiros. A leitura de François Chesnais

(1995; 1996) apresentou o processo contemporâneo de mundialização do

capital. Os estudos de Elsa Kraychete (2002; 2005a; 2005b; 2006)

trouxeram contribuições para analisar as orientações do Banco Mundial

sobre o desenvolvimento, compreender o papel de organizações da

cooperação internacional e de intelectuais mediadores das ideias de

desenvolvimento e microcrédito. De Amartya Sen (2000) e Gustavo Lins

Ribeiro (2008) foram trazidos apontamentos teóricos sobre

desenvolvimento, de Ricardo Abramovay (2004) foi extraída uma leitura

da sociologia brasileira acerca do microcrédito e da pobreza. Há, ainda, a

contribuição de outros autores não menos importantes.

Para compreender como se deu a incorporação do ideário do

microcrédito no Brasil, expresso pela institucionalização do setor, foi

construído o segundo capítulo. Por meio do levantamento de normas

jurídicas, da caracterização dos tomadores de empréstimo brasileiros e

dos fixos geográficos como um reflexo concreto de políticas públicas de

inclusão financeira e expansão das finanças no país, foi possível perceber

que há correspondência entre o modelo proposto e o retrato das

microfinanças no país, ou seja, o discurso converge com a realidade

observada. Esse capítulo mostra também que há um grande grupo de

instituições não bancárias e cooperativas a frente desse setor no Brasil.

A compreensão da incorporação desse ideário foi feita por meio de

pesquisa bibliográfica, levantamento de dados (do Ministério do Trabalho

e Emprego, do DIEESE, do IBGE entre outros), pesquisa de normas

jurídicas que regulamentam a atividade de microcrédito e microfinanças

no Brasil e leitura de relatórios oficiais. Elsa Kraychete contribuiu

novamente, desta vez com aspectos relacionados ao debate sobre

institucionalização ao lado de Douglas North. Os trabalhos de Milton

Santos (2002) e Fábio Contel (2009, 2011) permitiram construir uma

lente baseada na ideia de fixos geográficos para enxergar a

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institucionalização concreta do microcrédito no Brasil. Foi construída

uma periodização das normas jurídicas do microcrédito no país como

estratégia para melhor compreender o processo histórico de

institucionalização desse setor. Novamente, outros autores não menos

importantes foram chave para a construção desse capítulo.

Por fim, o terceiro capítulo traz o processo de expansão das

instituições de microcrédito em Santa Catarina, em especial o caso do

Planorte, OSCIP de microcrédito sediada em Canoinhas, no Planalto

Norte catarinense. O estudo de caso se justifica pelo interesse em

compreender como a atividade de microcrédito institucionalizada no

Brasil se espacializa; compreender de que forma condicionantes internos

e externos se combinam para permitir a constituição da rede de

atendimento e de relações do Planorte; analisar o processo histórico de

construção da rede comandada por esse banco; por fim, identificar como

se dá a inserção das atividades dos tomadores de empréstimo nos setores

predominantes da economia regional.

Foi realizada pesquisa de campo na OSCIP de microcrédito

Planorte, localizada no município de Canoinhas, no Planalto Norte de

Santa Catarina, em maio de 2016. A pesquisa foi realizada em dois

momentos. Em um primeiro momento realizou-se uma entrevista com o

Gerente Executivo do Banco do Planalto Norte, Nivaldo Brey Junior; essa

entrevista contou com um roteiro pré-estruturado (Apêndice A). O

segundo momento consistiu em acompanhar o agente de crédito

Anderson Diefentheler em visitas a tomadores de empréstimos da região

especialmente selecionados para mostrar a diversidade dos tomadores de

empréstimo do Planorte. Foram visitados quatro domicílios, sendo que

em dois deles havia duas atividades diferentes desempenhadas por

diferentes membros da família, totalizando, portanto seis diferentes

atividades produtivas (serralheiro, produtor de frios, revendedora de

roupas e semi-jóias, revenda de material reciclável, cozinheira e

mecanógrafo). Durante as visitas foi possível conversar com essas

pessoas e conhecer suas instalações. Esta parte do trabalho de campo teve

como pauta compreender quem são eles, se estão ou não inseridos nas

atividades econômicas mais dinâmicas da região, como e porque tomaram

crédito com o Planorte e, por fim, o que faziam antes e porque resolveram

trabalhar por conta própria. A análise da expansão da rede de microcrédito

de Santa Catarina e do Planorte teve também como base a representação

cartográfica da rede de atendimento das instituições de microcrédito em

diferentes momentos do tempo: 2006, 2012 e 2016 no caso do Planorte;

e 2006 e 2015 no caso de Santa Catarina. As considerações finais

sintetizam os principais resultados da pesquisa.

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CAPÍTULO 1: MUNDIALIZAÇÃO FINANCEIRA E O LUGAR DA

IDEOLOGIA DO MICROCRÉDITO

Este capítulo procura mostrar que o microcrédito está inscrito no

processo de mundialização econômica e nas redefinições sobre

desenvolvimento. Há, por um lado, o processo de expansão das finanças

pelas diversas dimensões da vida econômica e social, também conhecida

como mundialização financeira – debatida especialmente por François

Chesnais – que implica repensar a matriz ideológica do desenvolvimento.

Por outro lado, há as proposições de agentes internacionais e de

intelectuais sobre o desenvolvimento, a superação da pobreza e o papel

do microcrédito enquanto uma ideologia. Cabe explicitar aqui que o

termo ideologia é empregado como um conjunto definido de ideias, não

sendo empregado necessariamente o corrente sentido depreciativo que a

expressão carrega. Isto é, a intenção do texto não é desqualificar esse

ideário, e sim situá-lo num contexto abrangente de mudanças do

capitalismo global.

As propostas de superação da pobreza através das finanças se

inserem num contexto de mudança das relações capitalistas globais em

que há, simultaneamente, emergência de um espaço

financeiro global e reorganização de seus

subsistemas – econômicos e geográficos. Nessa

perspectiva, a configuração dos sistemas financeiro

e bancário, nos diferentes países, resulta do

encontro entre a globalização das finanças e os

determinantes internos de cada Estado-Nação

(históricos, geográficos, econômico,

organizacionais e políticos) (DIAS, 2010, p. 163). Há um discurso que coloca o microcrédito mundialmente como

alternativa para a superação da pobreza em países em desenvolvimento,

especificamente apoiado pelo Banco Mundial através da Cúpula do

Microcrédito – The Microcredit Summit – ocorrida em 1997 em

Washington, nos Estados Unidos. As diretrizes desse Banco que

nortearam ações de combate à pobreza através do microcrédito ressaltam

a importância do setor informal para geração de emprego e renda e

propõem a criação de organizações específicas para os pobres. A questão

das finanças informais e das alternativas ao sistema bancário tradicional

é oriunda de processos de exclusão social e financeira dentro do qual pode

ser inserida a prática de microcrédito enquanto empréstimos a pequenos

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empreendedores informais ou de baixa renda. Esse ideário está inscrito

no processo de mundialização financeira.

1.1 Redefinições sobre o desenvolvimento no cenário de

mundialização financeira

Chesnais (1995) afirma que a economia mundial no século XX

caracterizou-se pelo capitalismo predominantemente rentista cujo

funcionamento parecia estar subordinado às necessidades das novas

formas de centralização3. O capital industrial e financeiro beneficiou-se

do fundamental apoio dos principais Estados capitalistas sob a forma de

políticas de liberalização, privatização e desregulamentação. Dessa

forma, o capital desfrutou de liberdade para se movimentar no âmbito

internacional de um país para o outro (CHESNAIS, 1995).

A mundialização do capital resulta de dois movimentos conjuntos,

estreitamente ligados, mas distintos (CHESNAIS, 1996). O primeiro

movimento seria a mais longa fase de acumulação de capital, desde 1914.

O segundo diz respeito às políticas de liberalização, privatização,

desregulamentação e desmantelamento das conquistas sociais e

democráticas que ocorreram desde o início dos anos 1980. O autor

defende que o processo de mundialização do capital faz parte do esforço

dos países centrais para manter posições adquiridas no período de

expansão anterior – 30 anos gloriosos – reforçado pelas profundas

modificações ocorridas nos modos de distribuição da renda entre capital

e trabalho na maioria dos países, a partir de 1975.

Desde a crise da década de 1970, o capital buscou romper as

amarras das relações sociais, leis e regulamentações de proteção dos

assalariados atadas no pós-crise de 1929 e pós-segunda Guerra,

materializadas como intervenção estatal na economia. Neste movimento

de ruptura, o capital industrial e financeiro beneficiou-se do apoio de

Estados capitalistas por meio de políticas de liberalização,

desregulamentação e privatizações, personificadas nas figuras de M.

3 Ellen Wood (2014), por outro lado, chama atenção para o papel que o sistema

produtivo continuará desempenhando frente ao processo de mundialização do

capital, para a autora “o capital financeiro fará o seu melhor para ganhar dinheiro

em booms produtivos onde quer que esteja ou possa fazer isso, e agravará crises,

ou até mesmo as gerará, por lucrar com a especulação ou retirar-se no momento

em que a produção rentável declinar. Em ambos os casos seguirá o destino do

capital produtivo [...]” (WOOD, 2014, P. 146).

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Thatcher4 e R. Reagan5. É válido ressaltar, como bem colocou Chesnais

(1995) em sua nota de rodapé, que este apoio reflete a influência própria

da esfera política num mecanismo de reforço mútuo, não podendo ser

reduzido ao movimento próprio do capital.

A globalização da economia se forjou, portanto, como inevitável à

qual os países não teriam opção a não ser se adaptar; globalização6

constituída como a própria expressão da modernidade. Numa análise mais

de perto, sugerida por Chesnais (1995), é possível observar que o

conteúdo efetivo da globalização refere-se não a mundialização das

trocas, mas à mundialização das operações de capital em suas formas

tanto industrial como financeira por meio de empresas transnacionais,

predominantemente – com suas matrizes, filiais ou subcontratadas além

das fronteiras.

A importância relativa dos fatores geradores de interdependência

entre os países mudou com a globalização (CHESNAIS, 1995),

destacando-se os seguintes fatos:

O investimento internacional é predominante na

internacionalização, mais do que as trocas;

4 Margaret Thatcher (1925 – 2013), a “Dama de Ferro”, foi primeira-ministra do

Reino Unido entre 1970 e 1990 reconhecida por suas políticas econômicas

centradas na desregulamentação do setor financeiro, flexibilização do mercado

de trabalho e privatizações das empresas estatais. 5 Ronald Reagan (1911 – 2004), republicano eleito duas vezes presidente dos

Estados Unidos, em 1980 e em 1984, implementou uma série de políticas de

recuperação econômica incluindo medidas de desregulamentação, redução de

gastos públicos e corte de impostos. 6 Sobre as origens do termo ‘global’: surgiu nos anos 1980 nas escolas americanas

de business manegement. “Numa perspectiva de administração de empresas, o

termo foi então utilizado para mandar aos grandes grupos o seguinte recado: ‘os

obstáculos ao desenvolvimento de suas atividades em qualquer lugar onde

exista a possibilidade de realizar lucros estão sendo derrubados graças à

liberalização e à desregulamentação; a teleinformática (ou telematics) e os

satélites de comunicações colocam a sua disposição ferramentas fantásticas de

comunicação e de controle; vocês devem reorganizar-se e reformular suas

estratégias conseqüentemente’. Essa gênese confirma a idéia segundo a qual se

trata, de fato, do movimento do capital, porém a ótica das “Business schools”

dá uma visão por demais restrita. Torna a globalização um fenômeno apenas

de tipo microeconômico, de modo que a globalização financeira, por exemplo,

surge como um fenômeno totalmente distinto dos investimentos diretos

estrangeiros e das novas formas de organização e administração das operações

internacionais dos grupos, conquanto se trata de processos estreitamente ligados.”

(CHESNAIS, 1995, p. 5).

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O fluxo de trocas intrafirmas adquire peso cada vez maior;

O investimento internacional é claramente fortalecido

pela globalização das instituições bancárias e financeiras

que facilitam as fusões e aquisições transnacionais;

Aparecem novas formas de troca internacional de

tecnologia interempresas, além das franquias e comércio

de patentes, que, frequentemente, se tornaram o principal

meio para as empresas e os países terem acesso a novos

conhecimentos e tecnologias-chave.

Aparecem novas empresas multinacionais com

organização do tipo rede.

Ao mesmo tempo houve uma ‘desconexão forçada’ pela qual

passaram países em desenvolvimento, na expressão de Mouhoud (1993

apud Chesnais, 1995), isto é, um processo de marginalização de partes

inteiras de continentes em relação ao sistema de intercâmbios global. Essa

tendência à marginalização dos países em desenvolvimento foi marcada,

durante a década de 1980, pela diminuição dos investimentos diretos

estrangeiros e das transferências de tecnologia destinados a grande

maioria desses países (CHESNAIS, 1995). Outra marca desse processo é

a exclusão dos países produtores de produtos de base do circuito mundial,

a medida que há a substituição de recursos tradicionais por produtos

industrializados.

A noção de internacionalização é genérica e envolve um conjunto

de processos que tecem relações de interdependência entre economias

nacionais distintas e supostamente autônomas. O autor salienta, contudo,

que a utilização do termo globalização faz referência vaga aos aspectos

econômicos, lhe parece preferível falar em ‘globalização do capital’ sob

a forma tanto de capital produtivo aplicado nas indústrias e serviços

quanto do capital concentrado, que se valoriza conservando a forma

dinheiro (CHESNAIS, 1995). Assim, a expansão das relações financeiras

pelos diversos campos da vida social bem como sua difusão pelo território

parece consequência desse processo.

Pode-se, então, dar mais um passo, nas palavras de Chesnais

(1995), e falar em “mundialização” em vez de “globalização”, mais

especificamente mundialização do capital. Juntar mundialização ao

conceito de capital indica que parte dos segmentos mais decisivos dos

mercados financeiros é mundializado com modalidades e instrumentos

variados; indica, ainda, que o campo no qual o capital industrial

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concentrado se desenvolve é aquele do oligopólio mundial, o qual domina

os mercados internos em países diversos (CHESNAIS, 1995).

Diante desse cenário, a consequência para os países periféricos

quando recai sobre o consumo das famílias, pode se dar de forma a

diminuir a renda geral do trabalhador assalariado, afirma Chesnais

(1995). Países onde o nível de desemprego é alto e há pouca ‘cultura’ de

trabalhos informais são os mais afetados pela queda do consumo das

famílias. Como consequência, a tendência de poupar diante de cenários

instáveis leva à diminuição do consumo. Ou seja, o fortalecimento dos

mercados informais e trabalhar por conta própria se mostram como

alternativas para que as economias nacionais na escala dos consumidores

e das famílias seja mais resiliente, convergindo para a inclusão financeira.

Para a construção do cenário sobre o qual as microfinanças se

desenvolvem é necessário compreender, além do processo de

mundialização do capital, como o discurso da pobreza passa a fazer parte

da fala do Banco Mundial e como as instituições são vistas nesse

contexto. Kraychete (2005b) fez um amplo levantamento de documentos

institucionais do Banco Mundial, em especial de Relatórios sobre o

Desenvolvimento Mundial. As constatações mais relevantes para a

presente pesquisa são tratadas adiante.

Nos anos 1980, mudanças nos indicadores macroeconômicos e,

sobretudo, as modificações nas relações de trabalho indicavam um novo

movimento cíclico do capitalismo (KRAYCHETE, 2005b). Observaram-

se, então, movimentos de ajustes das políticas econômicas e sociais em

busca de um novo modelo de desenvolvimento, que inclui a minoração

da pobreza. Isso se deu, por um lado, em resposta à crise econômica que

não abria espaço para a retomada do crescimento e, por outro lado, à

reestruturação produtiva (KRAYCHETE, 2005b).

Houve uma mudança no discurso do Banco Mundial acerca de suas

concepções do desenvolvimento, incluindo a pobreza como um desafio a

ser vencido. A partir das décadas de 1970 e 1980 a estratégia do Banco

caminha no sentido de combinar crescimento econômico com

investimentos sociais num movimento de retroalimentação. Ou seja, a

questão da pobreza passa a incorporar um modelo alicerçado em

concepções liberais.

Esse novo paradigma amplia o âmbito de atuação do Banco; isso

ocorre a partir de reflexões sobre o modelo anteriormente seguido e novas

recomendações. Sinteticamente, em relação ao antigo modelo de

crescimento, se criticou a cobrança de impostos à agricultura para

financiar o desenvolvimento industrial; se criticou, ainda, as políticas de

substituição de importações vistas, então, como protecionistas e voltadas

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para o mercado interno. A conclusão foi de que essas medidas eram

contraproducentes.

A partir desse diagnóstico das décadas de 1970 e 1980, foram

formuladas as seguintes recomendações (KRAYCHETE, 2005b):

continuar apoiando a modernização da agricultura, com uso intensivo de

maquinário e fertilizantes tendo em vista padrões de produção; corrigir as

distorções do setor industrial, isso é, facilitar o aumento da

competitividade internacional; por fim, liberalização do comércio

internacional visando o aumento da participação dos países

subdesenvolvidos no comércio internacional. Além disso, o Estado estava

no alvo das críticas. Era visto como o responsável pelo fracasso das

políticas anteriormente implementadas.

Foi constatado que o crescimento econômico por si só não

diminuiu a pobreza e que uma crise era eminente. Esse ambiente foi

favorável para a inclusão da temática do combate à pobreza na agenda do

Banco Mundial, tida como a satisfação das necessidades básicas da

população, mas sem que comprometesse o crescimento econômico. Para o Banco, ambos os objetivos tornaram-se

componentes de uma mesma estratégia e,

formalmente, apresentam-se com hierarquia igual.

No entanto, para compreender o seu verdadeiro

significado, devem ser entendidos como objetivos

encadeados no tempo: o “ataque à pobreza” exige

grandes investimentos em infraestrutura produtiva

e social, em educação, saúde, moradia, controle

demográfico, nutrição, criação de empregos etc., e

estes recursos só podem provir dos aumentos da

produtividade. [...] isto é, para o Banco, a satisfação

das necessidades básicas está subordinada ao

crescimento econômico, ou seja, à acumulação de

capital. (LICHTENSTEJN e BAER apud

KRAYCHETE, 2005b, p. 68)

A lógica é simples: aumento da produção leva ao aumento do

emprego que, por sua vez, leva ao aumento dos rendimentos pessoais,

levando ao aumento do consumo e retornando ao aumento da produção.

Nesse ciclo, a pobreza diminuiria a medida que os rendimentos pessoais

e capacidade de compra aumentassem.

O discurso dos anos 70 e 80 pode ser caracterizado como de

transição no que se refere ao desenvolvimento e à definição de políticas

de combate à pobreza (KRAYCHETE, 2005b). É o discurso dos anos 90

que consolida o objetivo central de transformação da sociedade, com uma

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fala voltada para os países subdesenvolvidos e colocando o

desenvolvimento como um desafio: O desenvolvimento é o mais importante desafio

enfrentado pela raça humana. Apesar das enormes

oportunidades criadas pela revolução tecnológica

do século XX, mais de 1 bilhão de pessoas, um

quinto da população mundial, vivem com menos de

um dólar por dia – padrão de vida que a Europa

Ocidental e os EUA já haviam atingido há 200 anos

(BANCO MUNDIAL, 1991, p. 1 tradução nossa).

Nesse sentido, o relatório de 1991 enumera pré-condições para

vencer o subdesenvolvimento e enuncia ações. Entre as pré-condições, se

destaca a necessidade de criar ambiente favorável aos investidores

externos em busca do acesso ao capital a aos mercados globais. Já as

ações são orientadas em quatro direções:

1) Investir no ser humano: considerando que os investimentos em

capital humano trazem retornos econômicos altos e que não se

pode esperar que os mercados dos países subdesenvolvidos

ofereçam o suprimento adequado de necessidades como

educação, saúde e nutrição.

2) Proporcionar ambiente favorável ao empreendedorismo: uso

produtivo de capital, incentivos aos mercados no sentido de que

os empresários tenham acesso a uma infraestrutura adequada de

serviços de pesquisa e extensão e de difusão de novas

tecnologias.

3) Integrar as economias nacionais com a dinâmica mundial:

abertura da economia visando o livre fluxo de bens, serviços,

capital, mão de obra e tecnologia.

4) Garantir a estabilidade macroeconômica: redução das taxas de

inflação, equilíbrio das contas públicas e recuperação da

capacidade creditícia externa visando restaurar a confiança do

setor privado.

Este é um ponto em que a política econômica dos países, bem como

suas instituições, aparecem como cruciais para o desenvolvimento. Há um

aprofundamento das discussões sobre o papel das instituições,

aprofundamento esse que busca ressaltar a importância das políticas

liberalizantes para a estabilidade econômica. É como considerar que a

agenda do desenvolvimento não pode abster-se da política e das

instituições políticas (FUKUYAMA, 2003).

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O Relatório de 2001 orienta o desenho de instituições eficazes e de

boa governança, no sentido de promover o desenvolvimento institucional.

As premissas para isso por parte do Banco são: ofertar instituições

eficazes para respaldar o mercado; criar demanda para tais instituições; e

promover forças favoráveis às mudanças. Melhor explicando, respaldar

os mercados significa alargar as oportunidades de mercado observando

os custos de transação, o respeito ao direito de propriedade e, por fim, a

entrada de novos participantes.

Neste sentido, o Banco Mundial propôs a reavaliação dos papéis

desempenhados pelo mercado e pelo Estado, considerando que Os mercados competitivos constituem o melhor

meio encontrado até hoje de organizar

eficientemente a produção e a distribuição de bens

e serviços. A competitividade interna e externa

proporciona os incentivos que desencadeiam o

espírito empresarial e o progresso tecnológico. Mas

os mercados não podem funcionar no vácuo –

necessitam da estrutura jurídica e normativa que

somente os governos podem oferecer. E, em

muitas outras tarefas, os mercados às vezes

resultam inadequados ou fracassam

completamente (BANCO MUNDIAL, 1991, p. 1

tradução nossa).

No âmbito da economia informal urbana, as recomendações

ressaltam a importância do setor informal dado seu papel de gerador de

empregos e renda. Além disso, ressalta a importância da promoção de

investimentos em infraestrutura para atender pequenas empresas e

unidades familiares, onde muitas atividades informais se desenvolvem.

Ao lado disso, o Banco propõe a participação dos pobres no

crescimento por meio da definição de políticas específicas para este

segmento da população. Melhor dizendo, essas políticas se orientam no

sentido do acesso ao crédito, serviços e infraestruturas públicos. Por fim

propõe a criação de instituições financeiras específicas para os pobres a

luz do exemplo dos credores informais: A saída para propiciar serviços financeiros aos

pobres está no exemplo tomado dos credores

informais que, operando com custos fixos baixos,

ofertam créditos a clientes de baixa renda a partir

do conhecimento pessoal ou comercial, sem as

exigências de garantias do sistema formal de

créditos (KRAYCHETE, 2005b, p. 80).

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A partir da década de 1970, concomitantemente à

computadorização e primeiras tecnologias da informação, surgiam novos

agentes e novos acordos para a regulação das transações financeiras

internacionais (WARF, 2006; CONTEL, 2011). A partir desse mesmo

período, formou-se uma verdadeira indústria de serviços financeiros dada

a importância que ganha essa atividade frente a diferentes tipos de

instituição: Estados Nacionais através de seus Bancos Centrais, bancos

comerciais e de investimento, companhias de seguro, empresas de

consultoria financeira, corretoras, companhias de cartão de crédito, entre

outras (CONTEL, 2011).

Toda a autonomia relativa das finanças – que é também em grande

parte potencial –, fomentada pela lógica de reprodução do capital, só

ganha concretude, afirma Contel (2011), a partir de dados objetivos que

fazem parte da constituição de cada território, isto é, quando passam a

fazer parte de “espaços nacionais” da economia global – quando se

localizam. Sendo assim, os ‘circuitos financeiros globais’ (GARRETSEN,

KITSON e MARTIN, 1999) são também

dependentes de uma base técnica para fazer

circular seus ativos, assim como são influenciados

por todas as normas jurídicas e macro-econômicas

que compõem cada território nacional (CONTEL,

2011, p. 8).

Segundo Garagorry (2007), no Brasil o processo de

financeirização da sociedade seguiu, em linhas gerais, as transformações

econômicas e políticas ocorridas no interior do capitalismo de forma

simétrica, porém, temporalmente defasada e revestida de especificidades.

Com vistas a inserção no sistema econômico global, segundo Paulani

(2008) o Brasil buscou constituir-se como plataforma de valorização

financeira. A autora afirma que na década de 1990 o Banco Central

promoveu a abertura financeira do país por meio de contas exclusivas

para não-residentes que permitem a livre disposição de recursos em

divisas, lei da década de 1960, e outras mudanças que produziram a forma

da inserção do país nas finanças de mercado internacionalizadas. A autora

argumenta ainda que os governos pós plano real buscaram, com todas as

reformas econômicas, um lugar de destaque em meio aos países

emergentes como sendo seguro do ponto de vista das aplicações

financeiras. Sendo assim, a tendência seria de que a financeirização da

economia brasileira se internacionalize cada vez mais.

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No contexto brasileiro da expansão das finanças, uma das razões

que explicam o crescimento da economia no país nos anos 2000, segundo

o DIEESE (2014), é exatamente a ampliação do mercado de crédito. O

relatório do DIEESE revela que em 2002, a relação crédito/PIB era de

23,8% e em 2014 essa relação cresceu para 55,8%. No entanto, a atuação

das instituições financeiras brasileiras no processo recente de ampliação

do crédito não ocorreu de forma homogênea. Até 2007, a expansão do

crédito era mais expressiva nos bancos privados, mas desde o início da

crise financeira mundial de 2008, como estratégia do governo para

enfrentar a crise internacional, os bancos privados reduziram a oferta de

crédito e os bancos públicos passaram a sustentá-la, financiando os

setores industrial, agrícola e habitacional do país (DIEESE, 2014).

Ainda de acordo com o DIEESE os empréstimos de recursos livres

apresentaram crescimento real acumulado de 70% entre 2008 e 2013,

enquanto o crédito com recursos direcionados teve expansão real 176%

no mesmo período. Isto significa dizer que houve relevante crescimento

daqueles créditos que devem ser obrigatoriamente aplicados em

determinadas linhas, definidas por leis e regulamentações, com taxas de

juros subsidiados – no qual se encaixam parte dos recursos do Programa

Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado (PNMPO) – frente aos

recursos que as instituições financeiras poderiam aplicar onde e como

quisessem.

1.2 Intelectuais mediadores e o ideário do Banco Mundial

Ao lado do processo de mundialização do capital e das

reformulações das concepções de desenvolvimento econômico do Banco

Mundial, conjuntos de intelectuais formulam suas propostas e suas

leituras do que é a pobreza e o desenvolvimento de forma geral.

Trataremos aqui de dois autores em especial – Amartya Sen e Ricardo

Abramovay – e da organização ligada ao Banco Mundial, a Microcredit

Summit Organization, da qual fazem parte agências doadoras, advogados,

organizações educacionais e todos aqueles interessados e participantes

das práticas do microcrédito pelo mundo.

A mediação entre o ideário do microcrédito, consolidado

internacionalmente, e o Brasil se dá em duas esferas: a esfera ideológica,

na qual atuam os intelectuais como interlocutores e a esfera institucional,

por meio de programas governamentais e regulamentos. Abramovay, em

estudos sobre o Brasil, analisa as dimensões da economia na escala das

famílias, dos pequenos negócios e do microcrédito. Sen propõe uma visão

de desenvolvimento pautada na liberdade como fim e meio para tal.

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O desenvolvimento é compreendido como um dos discursos mais

inclusivos no senso comum e na literatura especializada; sua importância

para a organização das relações econômicas, políticas e sociais faz com

que seja considerada “uma das ideias básicas da cultura europeia

ocidental moderna” (RIBEIRO, 2008, p. 117), inquestionada.

A plasticidade e as múltiplas facetas do desenvolvimento

asseguram sua continuidade à medida que seu discurso está sempre em

processo de transformação; há numerosos adjetivos que fazem parte de

sua história: industrial, capitalista, para dentro, para fora, comunitário,

desigual, dependente, sustentável, humano (RIBEIRO, 2008). O autor

argumenta, ainda, que essas variações refletem não apenas experiências

históricas de tensão entre diferentes grupos hegemônicos, mas também

diferentes momentos de integração do sistema capitalista mundial.

Além disso, o discurso do desenvolvimento busca transitar entre

dois diferentes polos, concebidos para designar o espaço ou a ordem de

forma hierarquizada: desenvolvido/subdesenvolvido, adiantado/atrasado,

Primeiro Mundo/Terceiro Mundo etc. como uma tentativa de sugerir que

haja um ponto a ser atingido para um futuro melhor (RIBEIRO, 2008).

Kraychete (2005b) defende que o modelo de desenvolvimento

oriundo das organizações da cooperação internacional absorve as ideias

liberais do economista Amartya Sen. O centro do pensamento de Sen

(2000) está na ideia da justiça distributiva e de liberdade. Segundo o autor,

o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das

liberdades reais desfrutadas pelas pessoas. O seu trabalho se orienta para

a formulação de políticas com especial preocupação com a construção de

um espaço de avaliação do desenvolvimento, que considere variáveis

focais relevantes, e de uma base informacional correspondente.

Sen (2000) argumenta que o senso de liberdade pode ter

importância direta sobre a qualidade de vida e bem-estar de uma pessoa.

Escolher é parte de viver bem, viver uma certa vida por escolha é diferente

do que viver a mesma vida sem que se tenha escolhido por ela. Interessa

a Sen a garantia das liberdades substantivas individuais. Neste sentido, a

ideia de desenvolvimento não está relacionada a parâmetros de renda,

como acumulação de riquezas e crescimento do Produto Interno Bruto. A

renda seria apenas uma das variáveis em um conjunto maior que envolve

o comportamento humano, pois em muitas situações ela não pode ser

convertida em capacidade.

A pobreza, a carência de oportunidades econômicas, a negligência

dos serviços públicos, tirania entre outras são as principais fontes de

privação de liberdades de acordo com Sen (2000) e devem ser removidas.

Os indivíduos são vistos como os agentes condutores do processo de

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desenvolvimento. Para que atuem de fato é necessário que tenham

liberdade para expandir as capacidades que detêm e mobilizar novas.

Na leitura de Sen (2000) sobre o desenvolvimento, a liberdade

desempenha um papel constitutivo e um papel instrumental nesse

processo. O papel constitutivo está ligado com a capacidade de evitar

privações como fome, subnutrição, morte prematura, restrição do acesso

à educação, falta de garantia do direito a participação política, entre outros

enquanto formas de assegurar a liberdade substantiva. O papel

instrumental afirma que as liberdades substantivas contribuem de forma

eficaz para o desenvolvimento econômico a medida em que garante

liberdades em relação à política, facilidades econômicas, oportunidades

sociais etc.

Sen relativiza o crescimento econômico como medida do

desenvolvimento argumentando que para tal é necessária a melhoria das

condições de vida e garantia das liberdades. O autor critica os

economistas que restringem suas leituras sobre a desigualdade e pobreza

à desigualdade de renda apenas, sem levar em consideração as

diversidades individuais. Dessa forma, não haveria espaço para variações

interpessoais importantes na conversão de renda em bem-estar.

Por fim, os indivíduos são considerados como agentes com

capacidade para atuar e construir o futuro que desejam. Isto é, o

desenvolvimento concebido como manifestação da liberdade dos

indivíduos. Sen defende a liberdade de transação, por consequência os

mecanismos de mercado. A este respeito ele argumenta que a ação

governamental tem papel importante no sentido de garantir a equidade e

a eficiência do mercado. Esse papel e o de outras instituições políticas da

sociedade devem ser equilibrados com o funcionamento do mercado; a

intervenção poderia, segundo o autor, ser voltada para programas de bem-

estar e construção de redes de segurança social.

O microcrédito faz parte da estratégia de desenvolvimento

econômico do final dos anos 1990, que propunha a inclusão financeira

como alternativa para a superação da pobreza especialmente naqueles

países não desenvolvidos, com clara inspiração nas propostas do Banco

Mundial (KRAYCHETE, 2002, 2005a, 2005b, 2006; THE

MICROCREDIT SUMMIT, 1997; CAMPAIGN, 2013).

Elsa Kraychete fez um vasto estudo sobre o ideário desse Banco

acerca do microcrédito (2002, 2005a, 2005b, 2006). A autora (2006)

salienta que as diretrizes provenientes dessa estratégia, que davam ao

mercado lugar central nas articulações para oferta de serviços creditícios,

assinalavam que a oferta desses serviços não deveria ficar restrita ao setor

estatal, cabendo à iniciativa privada oferecê-lo. Segundo o Banco

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Mundial (1991), a crítica ao modelo de desenvolvimento cuja estratégia

tinha o Estado como principal articulador já não recomendava que o setor

financeiro representado pelos bancos públicos cumprisse o papel de

ofertar créditos aos pobres7. O centro da crítica a esse modelo recai sobre

o crédito subsidiado; a principal queixa é que os programas implantados

não alcançavam os pobres e corroíam os cofres públicos.

Ao mesmo tempo, foi diagnosticado que o mercado de créditos

convencional era incapaz de difundir os serviços de microcrédito, já que

esses serviços demandam garantias e metodologia diferenciadas. Como

resultado, parte da população encontrava-se excluída do acesso a esses

serviços (KRAYCHETE, 2006). Esse diagnóstico revela que as mudanças

estratégicas com vista à inserção dos pobres nos

mercados financeiros não poderiam ficar restritas a

uma simples redefinição quanto ao lugar que o

Estado e o mercado deveriam ocupar na oferta de

créditos a este segmento da população. Instigadas

pelo impasse que tanto apontava para dificuldades

das políticas comandadas pelo Estado, como

também das lideradas pela iniciativa privada em

ofertar serviços financeiros a segmentos

expressivos da população, instituições acadêmicas,

organizações da cooperação internacional e

governos nacionais, guiadas pela ideia de maior

eficiência do mercado, buscam alternativas que

envolvem desde redefinições teóricas sobre o

mercado de créditos, a indicação de procedimentos

metodológicos que contribuam para que o sistema

financeiro atinja ao pobre, até o redesenho

institucional, seja redefinindo o papel de

instituições existentes, seja constituindo

organizações de novo tipo.(KRAYCHETE, p. 4,

2006)

Na ocasião da Cúpula do Microcrédito foi proposto um Plano de

Ação e criada a Microcredit Summit Organization com o propósito de

organizar ações em todos os continentes para avaliar o desenvolvimento

das microfinanças, traçar metas e fazer proposições constituindo assim

uma rede de articulações. Após este primeiro encontro, de 1997, foram

realizados mais dez que construíram a agenda de ação dessa instituição.

7 Veremos a diante que de acordo com estudo do DIEESE (2014) não é

exatamente isto que vem acontecendo no Brasil.

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A campanha tem quatro temas principais, além das metas específicas:

atingir os mais pobres, empoderar as mulheres, promover auto

sustentabilidade financeira e por fim promover impacto positivo

mensurável (CAMPAIGN, 2013).

Segundo essa Organização, o foco nas pessoas mais pobres,

especialmente nas mulheres, se dá pois a experiência tem mostrado que

frequentemente estas pessoas estão fora dos programas de erradicação da

pobreza. É defendido que, mesmo nas nações mais desenvolvidas, os

programas sociais de ajuda aos pobres têm falhado pois oferecem poucos

caminhos para sair da dependência, uma vez que os programas preveem

sobrevivência física mínima, ao invés de focar em criar condições para o

emprego.

Além disso, segundo Campaign (2013), as opções de autoemprego

são frequentemente barradas por regulamentações e pela

indisponibilidade de empréstimos e capital para iniciar investimentos. Por

fim, a organização defende que há uma consciência crescente de que as

pessoas pobres estão dispostas a se colocarem fora da pobreza se tiverem

acesso a serviços econômicos básicos e em ambiente propício – isto é,

acesso a serviços de microcrédito e microfinanças.

A vida financeira de famílias vivendo próximo à linha da pobreza

no Brasil é objeto de estudo de Abramovay (2004) em seu livro Laços

Financeiros na Luta Contra Pobreza, organizado em colaboração com

outros autores. O intuito da obra é mostrar que essas famílias têm

demandas por serviços financeiros apesar de estarem a margem do

sistema bancário formal. Segundo o estudo, esta demanda aponta para

uma grande diversidade de usos desses serviços por famílias urbanas e

rurais.

Aponta também para o crédito, a poupança e os seguros como

serviços financeiros que atendem, simultaneamente, as necessidades das

famílias e seus empreendimentos econômicos – geralmente há uma

fronteira sensível entre os dois nos negócios de pequeno porte. "Mais que

um setor, as finanças informais são a própria rede de relações sociais de

que dependem os indivíduos e as famílias" (ABRAMOVAY, 2004, p.

22), a reprodução dessas relações passa por laços que são sociais, muitas

vezes pessoais e quase sempre financeiros. Os trabalhos apresentados no

livro respondem à hipótese apoiada na teoria dos comportamentos

intertemporais, segundo a qual o acesso a recursos financeiros e suas

modalidades são fatores cruciais na determinação da renda obtida pelas

famílias.

Abramovay (2004) ressalta que nem todos os serviços e ligações

financeiras de que dependem uma família podem ser supridos por

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organizações formais. Isto significa que os laços financeiros construídos

por essas famílias são mais amplos e ricos que os contidos na frieza e

impessoalidade dos serviços bancários formais. A sociologia econômica contemporânea, ao

contrário, insiste na ideia de que a vida econômica

– e financeira – das famílias só pode ser

compreendida a partir de sua inserção [...] nos

círculos sociais que lhe imprimem conteúdo e lhe

dão sentido (ABRAMOVAY, 2004 apud

ABRAMOVAY, 2004, p. 23).

Neste sentido, as finanças pessoais são eficientes no âmbito de

relações localizadas de amizade a até pessoais.

Sobre os limites das finanças informais para preencher a lacuna

entre os pobres e os serviços financeiros de que necessitam, Abramovay

(2004) é claro. O problema de encarar as finanças informais como

alternativa de suprir a demanda por serviços financeiros dos que estão

fora do sistema bancário é que frequentemente ela liga proximidade e

baixos custos de transação à dominação clientelista e formas perversas de

exploração do trabalho. É nessa virtude de proximidade que reside o

limite das finanças informais.

O alcance social das finanças informais restringe-se sempre a um

círculo delimitado de relações onde o interconhecimento e a partilha de

um universo moral relativamente comum permitem a expectativa

verossímil de obtenção dos recursos e de seu pagamento. Se é verdade

[...] que toda moeda supõe hierarquia, valores e poder, no âmbito das

finanças informais estes atributos são particularizados em certas figuras

sociais que, em situações e regiões de pobreza, fazem dos laços

financeiros um dos mais importantes meios de perpetuar sua dominação.

(ABRAMOVAY, 2004, p. 25)

Entre 1995 e 1999 foram desenvolvidos no Brasil estudos, com

apoio do Conselho da Comunidade Solidária, que serviram de base para

a construção do marco legal e regulatório para institucionalização do

microcrédito no país (SOARES E MELO SOBRINHO, 2008). Por marco

legal entende-se, conforme Martins (2008), duas concepções diferentes

mas não antagônicas: a primeira que determina o quadro sistêmico sobre

o qual se constitui o direito de uma atividade ou pessoa (legal framework),

e a segunda determinada por um momento de constituição ou

remodelação do direito (legal iniciative) – melhor explorado no capítulo

seguinte. Isto é, deu-se início ao movimento de construção do legal framework do microcrédito no Brasil. Para além do sistema jurídico, a

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noção de instituição de Douglass North (1990, apud COX, 2011) é clara

ao compreender o processo de instituir ou uma instituição em si como

normas que moldam a interação, as regras do jogo.

Segundo Soares e Melo Sobrinho (2008), nos estudos

mencionados acima foram discutidos dois modelos, correntes de

pensamento, ligadas ao escopo dos clientes atendidos pelo microcrédito.

A primeira corrente, denominada desenvolvimentista, defende que os

programas de microcrédito devem estar voltados ao combate à pobreza e

concebe as instituições de microcrédito como agentes de

desenvolvimento social, estabelece ainda que o crédito deve estar

vinculado a outras formas de apoio ao pequeno empreendedor que o

ajudem a romper com a pobreza na qual se encontra. A segunda,

minimalista, entende que a instituição de microcrédito somente deve

cumprir sua função se atingir sustentabilidade em termos financeiros. De

acordo com Soares e Melo Sobrinho (2008), o segundo modelo balizou a

criação de instituições de microcrédito reguladas no país.

Outra pista da mediação em questão, desta vez refletida na esfera

institucional, é o Programa Crédito de Confiança de Santa Catarina. Esse

programa foi implantado no fim da década de 1990 em Santa Catarina

pelo Governo do Estado com apoio de entidades locais relevantes. Entre

essas entidades está o BADESC, a Federação das Associações de Micro

e Pequenas Empresas e Empreendedor Individual de Santa Catarina

(FAMPESC) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas (SEBRAE).

O livro publicado por Sachet, Waterkemper e Sachet (2001) conta

a história desse programa e revela que o mesmo teve forte inspiração em

experiências de sucesso do microcrédito no Brasil e no mundo: Grameen

Bank8 de Bangladesh, PortoSol de Porto Alegre, Vivacred do Rio do

Janeiro, entre outras. Além disso, o programa se inspirou nos resultados

da Conferência Global do Microcrédito – The Microcredit Summit9 –,

8 O Grameen Bank é considerado o primeiro banco de microcrédito do mundo,

fundado em 1976 por Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em

2006 pela iniciativa. Yunus e Jolis publicaram o livro ‘O Banqueiro dos Pobres’

(YUNUS; JOLIS, 2008) no qual é contada a trajetória de Yunus e a do banco. 9 De acordo com o documento final publicado pela Cúpula, o propósito da

conferência foi iniciar um movimento global e alcançar as 100 milhões de

famílias mais pobres do mundo, especialmente as mulheres dessas famílias, com

autoemprego e serviços financeiros até o ano de 2005. A declaração publicada

salienta que a economia global está marcada pela crescente desigualdade

econômica e que pouco tem sido feito para aliviar as consequências sociais e

psicológicas da pobreza e da dependência. Salienta, ainda, que a pobreza tanto

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ocorrida em 1997 em Washington, USA, que apontou a expressividade

da utilização do crédito para o autoemprego ao redor do mundo.

Conclusão

A expansão da dimensão financeira sobre os diversos campos da

vida social não é fato novo, como expresso por Dias (2010). Nessa leitura

percebeu-se que há, sim, lugar para as atividades financeiras que a

população de baixa renda pode vir a realizar. Mais do que isso, os micro

e pequenos empreendedores participam desse processo de expansão como

agentes geradores de renda e emprego e demandantes de serviços

financeiros específicos.

A análise das ideias expostas neste capítulo permite concluir que o

microcrédito é um mercado intencionalmente construído e é baseado em

um conjunto consolidado de ideias. Além disso, sua consolidação vai ao

encontro do movimento do capitalismo em escala global. É uma peça do

mesmo jogo. Então a criação de condições institucionais e o discurso dos

intelectuais não é mero acaso, mas um reflexo e um esforço de adequação

em prol de uma visão de desenvolvimento econômico e social na qual se

aposta.

nos países em desenvolvimento como nos industrializados, tem uma cara

feminina, o que acarreta em altos níveis e natalidade e subdesenvolvimento

infantil. Ao lado disso, o documento traz a constatação de que os programas de

ajuda têm falhado em atingir as pessoas mais pobres pois oferecem poucos

caminhos para sair da dependência, pois ao invés de criar condições para o

emprego, preveem a sobrevivência mínima. Ainda segundo o documento, são

frequentes os entraves impostos por regulamentações para atividades informais e

esse tipo de iniciativa é frequentemente ignorada pois virtualmente o custo de um

de uma transação de um grande empréstimo é o mesmo que de um pequeno.

(CAMPAIGN, 2013; THE MICROCREDIT SUMMIT, 1997).

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CAPÍTULO 2: INCLUSÃO FINANCEIRA E

INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MICROCRÉDITO NO BRASIL

Neste capítulo será exposta a incorporação do ideário do

microcrédito no Brasil expresso pela institucionalização do setor, por

meio do histórico das normas jurídicas, da caracterização do tomador de

empréstimo brasileiro e dos fixos geográficos como um reflexo concreto

da construção de políticas de inclusão financeira no país. O viés

neoinstitucionalista vai ao encontro das proposições do Banco Mundial

ao enxergar a evolução das instituições como aliada ao desenvolvimento

econômico. A respeito das proposições sobre microcrédito oriundas de

organizações estrangeiras percebe-se que há correspondência entre o

modelo proposto e o retrato dos tomadores no país, ou seja, o discurso

converge com a realidade observada.

O histórico normativo do microcrédito vem apresentar como, de

forma gradativa, foi sendo constituído um aparato institucional para

realização da atividade no país. Primeiramente construindo organizações

de novo tipo ou adaptando as existentes, em seguida, elaborando um

modelo nacional e garantindo fontes de recursos. Por fim, a convergência

do esforço de institucionalização com as políticas e a prática se dá no

território expresso em fixos geográficos; em que há um grande grupo de

instituições não bancárias e cooperativas a frente do setor no Brasil.

2.1 O viés neonstitucionalista e conceituação do microcrédito

Há duas afirmações que parecem consenso no debate sobre

pobreza e inclusão financeira. A primeira é de que a população pobre tem

demanda por serviços financeiros (ABRAMOVAY, 2004); e a segunda

de que o sistema financeiro formal não dá conta de atender a essa

demanda – seja por falta de interesse ou falta de metodologia específica.

Pimentel e Kerstenetzky (2008) afirmam que as principais barreiras são

as incertezas em relação aos clientes potenciais, aos intermediários

financeiros e rentabilidade insuficiente. Além disso, Nitsch e Santos

(2001) argumentam que os critérios básicos de garantias que determinam

a concessão de um empréstimo nos bancos tradicionais são inadequados

frente ao microcrédito. Isto é, uma característica marcante das propostas

para o microcrédito é que envolvem flexibilidade, proximidade entre

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cliente e instituição e adaptação à demanda dos clientes como estratégias

para contornar a assimetria de informações10.

Kraychete (2005b) afirma que o papel das instituições é tido como

indispensável para o desenvolvimento econômico, nesse sentido, as

noções de desenvolvimento que emanam do Banco Mundial têm suas

raízes no novo institucionalismo. Isto significa o reconhecimento de que

as instituições reduzem as incertezas ao oferecerem estabilidade às

relações cotidianas a partir de regras formais (leis, decretos, normas) e

informais (convenções e códigos de conduta).

O neoinstitucionalismo é uma corrente teórica que surgiu na

década de 1970 e repercutiu sobre as organizações de cooperação

internacional e os governos na definição de suas políticas

(KRAYCHETE, 2005b). Essa corrente traz uma nova visão à abordagem

econômica da teoria neoclássica afirmando que a escolha racional dos

indivíduos e o sistema de preços não são os reguladores exclusivos da

economia. Além disso, “a chave para atingir a explicação dos diferentes

estágios de desenvolvimento entre as nações está, segundo Douglass

North, na evolução das instituições” (KRAYCHETE, 2005b, p. 57).

Para Douglass North, o papel das instituições no mercado vai além

de aumentar a eficácia na alocação dos recursos e reduzir os custos de

transação, é também politicamente orientado. O ponto de partida para

uma teoria das instituições é a ideia de que nas relações de troca, a busca

por informações, o estabelecimento e o cumprimento dos contratos nem

sempre está disponível de forma simétrica (KRAYCHETE, 2005b). Isto

incorre, portanto, em custos diferenciados de transação a depender da

disponibilidade e possibilidade de acesso a informações.

Surgem, então, nesse cenário as propostas para programas de

microcrédito com foco em contornar a assimetria de informações. Neste

sentido, é valorizado o contato face a face com o cliente por meio de

entrevistas, visitas ao negócio a fim de conhecer as condições nas quais o

empreendimento se desenvolve. As principais metodologias de operação

do microcrédito são o crédito individual e o crédito em grupo (NITSCH

e SANTOS, 2001). O crédito em grupo é usual para atender pessoas

extremamente pobres em um sistema no qual um grupo de pessoas se

responsabiliza pelos empréstimos uns dos outros, é o modelo do Grameen

Bank, de Bangladesh. Já o crédito individual, por outro lado, é uma

10 Assimetria de informação é uma condição na qual “alguns sujeitos econômicos

são melhor informados sobre aspectos relevantes de um objeto de contratação do

que outros, tendo consciência de sua vantagem informativa”, segundo Nitsch e

Santos (2001, p. 175).

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alternativa mais flexível para aqueles que conseguiram consolidar seus

negócios, atendendo trabalhadores autônomos e donos de pequenas

empresas.

É perceptível que o microcrédito é uma noção ampla, por isso é

conceituado de maneiras distintas por diferentes instituições e diferentes

autores. Por vezes o microcrédito é tratado como sinônimo de

microfinança, que é um conceito que envolve além de pequenos

empréstimos, outras atividades deste segmento econômico, como

poupança e seguros (DIAS, 2010; PANTEL, 2007).

Soares e Melo Sobrinho (2008), por sua vez, definem que o

microcrédito está contido na microfinança. Para os autores, o termo

microfinança refere-se a prestação de serviços financeiros adequados e

sustentáveis para a população de baixa renda, excluída do sistema

financeiro tradicional. As instituições microfinanceiras (IMFs) são

entendidas, portanto, como aquelas pertencentes ao mercado

microfinanceiro especializadas em oferecer este tipo de serviço:

Organizações não Governamentais (ONGs), Organizações da Sociedade

Civil de Interesse Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor (SCMs), cooperativas, fundos públicos e, por fim,

bancos comerciais públicos e privados por meio de correspondentes

bancários.

Já o microcrédito seria a atividade que, no contexto da

microfinança, se dedica a prestar serviços exclusivamente a pessoas

físicas e jurídicas empreendedoras de pequeno porte (SOARES e MELO

SOBRINHO, 2008). É a principal atividade do setor das microfinanças

pela importância dentro das políticas públicas de superação de pobreza e

geração de emprego e renda; difere-se dos demais tipos de crédito pela

metodologia utilizada. É a partir daí que surge o conceito de Microcrédito

Produtivo Orientado (MPO) consolidado pela Lei 11.110/2005 que define

o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado. O quadro a

seguir ilustra esses conceitos do ponto de vista de diferentes instituições

que lidam com o tema.

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QUADRO 1– Definições de microcrédito, microfinanças e microcrédito produtivo orientado (MPO) segundo diferentes organizações, 2015.

Quem define? MICROCRÉDITO MICROFINANÇAS MPO

Programa Nacional de

Microcrédito Produtivo e

Orientado - PNMPO (Lei

11.110 de 2005)

Crédito concedido para o atendimento das

necessidades financeiras de pessoas físicas e

jurídicas empreendedoras de atividades

produtivas de pequeno porte, utilizando

metodologia baseada no relacionamento

direto com os empreendedores no local onde

é executada a atividade econômica.

Banco Nacional do

Desenvolvimento Econômico e

Social – BNDES

Concessão de empréstimos de pequeno valor a

microempreendedores formais e informais,

normalmente sem acesso ao sistema financeiro

tradicional.

Serviços financeiros como crédito,

poupança e seguros para pessoas e

empresas de baixa renda.

Serviço Brasileiro de Apoio à

Micro e Pequena Empresa –

SEBRAE

Modalidade de financiamento direcionada a negócios

de pequeno porte. O seu objetivo é viabilizar

oportunidades de negócios em camadas sociais de

menor renda.

Banco Central do Brasil –

BANCEN

Operação de crédito realizada com empreendedor

urbano ou rural, pessoa natural ou jurídica,

independentemente da fonte dos recursos, observadas

as seguintes condições: I - a operação deve ser

conduzida com uso de metodologia específica e equipe

especializada; e II - o somatório do valor da operação

de microcrédito com o saldo devedor de outras

operações de crédito com o mesmo tomador deve ser

inferior a três vezes o valor do Produto Interno Bruto

(PIB) per capita, excetuando-se desse limite as

operações de crédito habitacional.

Agência do Fomento do Estado

de Santa Catarina - BADESC Segue orientação do PNMPO.

Banco Interamericano de

Desenvolvimeno - BID

Empréstimos de pequeno valor concedido em larga

escala para pessoas e empresas.

Banco Mundial

Empréstimo de pequeno valor com garantias não

tradicionais de forma contínua e crescente; tendo

metodologias simplificadas de análise, concessão e

acompanhamento de crédito; e ainda formas seguras de

poupança.

Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de: SEBRAE disponíveis em <http://www.sebraepr.com.br/sites/PortalSebrae/sebraeaz/Microcr%C3%A9dito>, com acesso em

21 janeiro 2016; Banco Central do Brasil (2015b); Martins, Winograd e Salles (2002, p. 60) apud Dias (2010) e as referidas legislações.

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49

O que há de comum entre as diferentes definições é o

reconhecimento da atividade como alternativa ao modelo de crédito

vigente, representado pelos grandes bancos. Além disso, é notável o foco

em pequenos empreendedores ou pessoas de baixa renda. Neste trabalho

será explorado o modelo de microcrédito definido pelas normas jurídicas

vigentes, isto é, o PNMPO e as regulamentações do Banco Central do

Brasil.

2.2 Quem são os tomadores de microempréstimos no Brasil?

Em estudo sobre metodologia de análise de impactos do

microcrédito, Santos (2007) salienta que por vezes o limiar entre crédito

para consumo familiar e para o empreendimento é tênue quando família

e firma tem um caixa único. Nesse sentido, por um lado a análise do

impacto é dificultada já que o destino do financiamento pode ser outro

que não o declarado, por outro lado, a família em si pode ter benefícios

possibilitados pelo crédito disponível para o negócio.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou,

nos anos de 1997 e 2003, a pesquisa Economia Informal Urbana (ECINF)

com o objetivo de captar informações para conhecer o papel e a dimensão

do setor informal no país. O estudo considera que trabalhadores informais

são aqueles que trabalham por conta própria ou são pequenos

empregadores (até 5 empregados), com 10 anos ou mais de idade,

ocupados em atividades não-agrícolas e moradores de áreas urbanas11.

Assim sendo, ela deixa de cobrir atividades não-agrícolas realizadas por

moradores de domicílios rurais – como a pequena indústria alimentar,

serviços, artesanato –; tal restrição se justifica, segundo IBGE (2003),

pelo elevado custo que levaria à pesquisa e pela evidência empírica de

que é nos centros urbanos que se concentram a parcela mais expressiva

da economia informal.

A pesquisa do IBGE (2003) constatou que 94% das empresas do

setor informal não havia usado crédito para o desenvolvimento de suas

atividades, embora os empresários da indústria de transformação e

extrativa, comércio e reparação, serviços de alojamento e alimentação,

transporte, armazenagem e comunicação pesquisados considerem que o

11 A ausência de registro, embora útil para fins analíticos, segundo IBGE (2003),

não apresenta uma base conceitual clara para caracterizar a economia informal,

pois a informalidade refere-se ao modo de organização e funcionamento da

atividade econômica, não ao status legal da mesma uma vez que há diversos tipos

de registro.

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50

crédito é o serviço mais importante para o desenvolvimento dos seus

negócios. Entre aqueles que utilizaram, a principal fonte de recursos

foram ou bancos públicos e privados (58% das empresas), fornecedores

(16%) e amigos ou parentes (16%) (IBGE, 2003). É notável aqui a

predominância da oferta de crédito por parte de bancos que, como

debatido por Nitsche e Santos (2001) e Pimentel e Kerstenetzky (2008),

não são as instituições mais bem preparadas e mais interessadas em

realizar este tipo de operação.

Há um grande lapso de tempo entre o estudo realizado pelo IBGE

e os dias atuais; essa lacuna é relevante pois nesse período houve

mudanças significativas nos aspectos institucionais de microcrédito e

microempreendedores. Em 2004 surgiu o PNMPO, política que

consolidou a visibilidade e operacionalidade desse setor no Brasil; em

2008 foi criada a categoria de Microempreendedor Individual (MEI), pela

Lei complementar 128 daquele ano, com o objetivo de estimular a

formalização dos microempreendedores.

Existem basicamente duas linhas de oferta de microcrédito: o de

baixa renda, também conhecido como microcrédito ao consumo, e o

microcrédito para empreendedores. Dados do DIEESE (2014) mostram

que os recursos garantidos pelo Programa Nacional de Microcrédito

Produtivo e Orientado (PNMPO), dentro dos recursos direcionados, para

a segunda linha de crédito mencionada acarretaram numa inversão do uso

predominante do microcrédito: em 2008 o microcrédito para consumo

representava 73% do total e para microempreendedores 27%; em 2013 o

crédito para consumo caiu para 10% dando lugar a 90% para o

microcrédito produtivo. Esses dados do DIEESE referem-se apenas as

ofertas realizadas por bancos públicos. Há ainda outras instituições

ofertadoras de microcrédito, com características relevantes para o setor,

que serão tratadas mais a diante neste capítulo.

Após a criação do PNMPO, mais especificamente a partir de 2007,

o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) passou a alimentar um banco

de dados sobre o programa. Assim, é possível traçar um perfil do

microempreendedor atendido. São trazidos aqui dados sobre a atividade

econômica dos clientes, gênero e situação jurídica. Tal com sugerido pela

Microcredit Summit (1997), a maior parte dos clientes são mulheres

(TABELA 1), assim como a maior carteira de valor concedido (TABELA

2).

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51

TABELA 1- Brasil: clientes ativos por gênero no PNMPO, anos de 2007,

2011, 2015. 2007* 2011** 2015**

Absoluto % Absoluto % Absoluto %

Mulheres 324.749 63,30 321.760 64,36 2.107.805 62,16

Homens 183.204 35,71 170.306 35,64 1.282.953 37,84

Não

declarados

5.079 0,99 - -

*Dados relativos ao ano; **dados relativos ao primeiro semestre de cada ano.

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2007; 2011;

2015a).

TABELA 2 – Brasil: valor concedido por gênero dos clientes, primeiros

trimestres de 2011 e 2015.

2011 2015

Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %

MULHERES 430.570.948,65 62,67 1.611.845.796,05 62,31

HOMENS 256.424.057,83 37,33 975.142.273,26 37,69

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2011;

2015a).

Segundo a Microcredit Summit (1997), as mulheres estão no foco

das iniciativas de superação da pobreza, pois elas têm se mostrado adeptas

à poupança, empreendedoras criativas e comprometidas com as

necessidades familiares. Os dados acima vão ao encontro da constatação

da relevância das mulheres quando revelam uma dupla predominância,

tanto em número de clientes como em valor concedido, do gênero

feminino na atividade de microcrédito registrada pelo MTE.

Além do gênero, a informalidade é característica marcante do

microcrédito. O fato de o PNMPO estar também voltado para os

microempreendedores dessa situação jurídica, corrobora tal afirmação.

As duas tabelas a seguir mostram a proporção entre tomadores de

empréstimo formais e informais em número e valor concedido.

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52

TABELA 3 – Brasil: clientes ativos por situação jurídica no PNMPO,

anos de 2007, 2011 e 2015. 2007* 2011** 2015**

FORMAIS 4,24% 3,40% 5,20%

INFORMAIS 94,68% 96,60% 94,80%

NÃO DECLARADOS 1,08% - -

*Dados relativos ao ano.

**Dados relativos ao primeiro semestre de cada ano.

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2007; 2011;

2015a).

TABELA 4 – Brasil: valor concedido por situação jurídica dos clientes,

primeiros trimestres de 2011 e 2015.

2011 2015

Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %

FORMAIS 47.080.728,69 6,85 140.968.971,56 5,45

INFORMAIS 639.914.277,79 93,15 2.446.019.997,75 94,55

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2011;

2015a).

Assim como em relação ao gênero, há uma dupla predominância

dos tomadores de empréstimo informais, embora neste caso seja ainda

mais acentuada. A maioria de informais se manteve nos anos

apresentados, mesmo após a criação do MEI em 2008. Outra informação

evidente nos dados acima é o aumento do valor concedido que saltou da

casa dos milhões, em 2011, para bilhões, em 2015.

A atividade econômica dos clientes do PNMPO manteve um

padrão entre 2009, 2011 e 2015, apresentando alguma mudança em 2015

(TABELA 5). Em seguida (TABELA 6) apresenta-se o valor concedido

por ramo de atividade.

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53

TABELA 5 – Brasil: clientes ativos por ramos de atividade no PNMPO,

anos de 2007, 2011, 2015. 2007* 2011** 2015**

COMÉRCIO 77,62% 88,79% 56,98%

SERVIÇOS 14,54% 8,15% 5,67%

INDÚSTRIA 4,97% 2,41% 1,67

AGRICULTURA 1,69% 0,45% 0,75%

OUTROS 1,18% 0,20% 34,93%

*Dados relativos ao ano.

**Dados relativos ao primeiro semestre de cada ano.

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2007, 2011,

2015a).

TABELA 6 – Brasil: valor concedido por ramo de atividade, primeiros

trimestres de 2011 e 2015.

2011 2015

Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %

COMÉRCIO 589.024.204,00 85,74 1.793.301.485,16 69,32

SERVIÇOS 69.566.982,74 10,13 191.096.903,26 7,39

INDÚSTRIA 18.558.183,00 2,70 50.930.091,69 1,97

AGRICULTURA 7.700.854,83 1,12 8.402.666,19 0,32

OUTROS 2.144.782,00 0,31 543.256.923,01 21,00

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em dados de MTE (2011,

2015a).

Considerando que há linhas de crédito voltadas especialmente

para a atividade agrícola – seja de grande porte ou pequena como o

Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar

(PRONAF) – é coerente que esta atividade tenha uma porcentagem

pequena de clientes, assim como de valor concedido. O comércio

predominou nos anos apresentados, embora em 2015 tivesse cedido

espaço relevante para a categoria de outras atividades em número de

clientes ativos. Esta categoria corresponde a atividades que combinam

mais de um ramo, como comércio e serviços ou indústria e comércio, em

uma mesma empresa – por exemplo: oficina mecânica e venda de

autopeças em um mesmo estabelecimento. Por outro lado, a respeito do

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valor concedido em 2015, a predominância do comércio é ainda bem

expressiva.

Por fim, a demanda no mercado brasileiro das microfinanças, pode

ser resumidamente estratificada a partir da faixa de renda12 da seguinte

forma (SOARES e MELO SOBRINHO, 2008):

Faixas A, B e C: público de interesse dos bancos

tradicionais;

Faixas C, D e E: representam a faixa na qual o ambiente é

o mais propício para a formação de cooperativas de

crédito;

Faixas E e H: faixa em que se situa o público-alvo das

microfinanças.

Faixas C e E: zonas de concorrência.

No Brasil, 80% das pessoas estão entre as faixas E e H, isto é,

encontram-se na faixa de renda compatível com o mercado das

microfinanças (SOARES E MELO SOBRINHO, 2008).

2.3 Histórico normativo das microfinanças no Brasil

Em estudo sobre a inclusão financeira no Brasil, Feltrin, Ventura e

Dodl (2009) assumem que quanto mais o mercado se desenvolve e os

stakeholders se profissionalizam, mais os serviços de microfinanças se

assemelham ao mainstream financeiro, no sentido da exigência de

qualificação e geração de resultados. Ao encontro das conclusões desses

autores, se verá adiante como o ambiente institucional das microfinanças

no Brasil se caracterizou, a princípio por influência do mencionado

ideário do Banco Mundial e, posteriormente, pelo Estado como mediador

e indutor de regras de atuação e abordagem estratégica do setor. A política

de governo de acesso a crédito a partir de 2003 pautou-se na bancarização

das camadas mais pobres da população, processo no qual os bancos

públicos tiveram papel fundamental operando redes de correspondentes

bancários pelo país (BARONE; SADER, 2008).

A análise de Leis, Medidas Provisórias, Decretos, Resoluções,

Circulares, Cartas-Circulares e comunicados levou-nos à construção de

uma periodização normativa do microcrédito no Brasil, entre os anos de

1999 e 2016. O primeiro período é definido do ano de 1999 a 2003 e o

segundo de 2004 até 2015. Observou-se maior relevância das leis e

12 Faixa A: mais de 20 salários mínimos (SM); Faixa B: de 10 a 20 SM; Faixa C:

de 5 a 10 SM; Faixa D: de 3 a 5 SM; Faixa E: de 2 a 3 SM; Faixa F: de 1 a 2 SM;

Faixa G: até 1 SM; Faixa H: sem rendimento.

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55

medidas provisórias em relação as outras normas no sentido das

mudanças que implicaram na prática do microcrédito, por isso a

periodização baseia-se nesses dois formatos.

Roberto Lobato Corrêa sugere que a periodização, como

construção intelectual do pesquisador, pode tornar inteligíveis os tempos

históricos. Ela é construída com propósitos bem definidos que levam a

seleção de temas com base em uma lógica que os une (CORRÊA, 2011).

Sendo assim, o que foi central para a divisão dos períodos aqui expostos

foi o argumento da necessidade de redefinição do microcrédito baseado

nas recomendações do Banco Mundial que aponta o microcrédito como

alternativa para superação da pobreza em países em desenvolvimento

(KRAYCHETE, 2002; 2005a; 2005b; 2006). Isto é, são priorizados

aspectos relativos à criação de novos formatos institucionais de

ofertadores de microcrédito alternativos ao sistema financeiro

convencional e aos bancos públicos.

O argumento da necessidade de redefinição do microcrédito

converge com a proposta de inserir no mercado de créditos

microempreendedores informais e autoempregados, no discurso do

Banco Mundial, excluídos do sistema financeiro tradicional e que situam-

se, também, na camada pobre da população dos países não desenvolvidos.

Neste sentido, é destacável a participação dos Ministérios do

Desenvolvimento Social e Combate à Fome, do Trabalho e da Justiça.

Embora haja desde antes da década de 1990 preocupação com o

tema de geração de trabalho e renda envolvendo o crédito a

microempreendedores, é a partir de 1999 (QUADRO 2) que a política

adotada no Brasil sobre o microcrédito começa a tomar corpo jurídico na

busca por redefinições organizacionais. Aos poucos, o quadro normativo

do microcrédito no país vai ganhando complexidade com a entrada de

agentes não apenas estritamente ligados ao sistema financeiro – como o

Banco Central e Conselho Monetário Nacional – mas vinculados a outros

interesses na esfera da geração de emprego, renda e riqueza para a

população – Ministério da Justiça, Ministério do Trabalho e Emprego e

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

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QUADRO 2– Brasil: Periodização normativa do microcrédito entre 1999 e 2015.

Fonte: Elaborado por Mayra de Mattos com base em informações coletadas no sitio da Presidência do Brasil

(www.presidencia.gov.br), do Ministério do Trabalho (www.mte.gov.br/pnmpo) e Mattos (2014).

NORMA MUDANÇA ORGANIZACIONAL ÓRGÃOS FISCALIZADORES

E/OU DISCIPLINADORES

PE

RÍO

DO

(19

99

– 2

003

)

Lei 9.790 de 1999 Institui as Organizações da Sociedade

Civil de Interesse Público (OSCIP) Ministério da Justiça

Medida Provisória (MPV) 1894-19 de

1999

Institui as Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor (SCM)

Conselho Monetário Nacional

(CMN) e Banco Central do Brasil

(BACEN)

Lei 10.194 de 2001 Idem MPV 1894-19. Idem MPV 1894-19.

Resolução 3.058

de 2002

Possibilita a formação de cooperativas de

pequenos empresários, microempresários

e microempreendedores responsáveis por

negócios de natureza industrial, comercial

ou de prestação de serviços, incluídas as

atividades da área rural

CMN e BACEN

Medida Provisória 122

de 2003

Institui que bancos comerciais, bancos

múltiplos com carteira comercial e a

Caixa Econômica Federal devem manter

aplicada em operações de microcrédito

parcela dos recursos oriundos dos

depósitos a vista por eles captados.

CMN e BACEN

Lei 10.735 de 2003 Idem MPV 122. Idem MPV 122.

PE

RÍO

DO

(2004 –

2015)

Medida Provisória 226

(convertida na Lei

11.110 - PNMPO) de

2004

Institui o PNMPO e assegura recursos de

duas fontes: 1) do Fundo de Amparo ao

Trabalhador (FAT);

2) parcela dos depósitos captados a vista

de que trata a Lei 10.735.

Ministério do Trabalho e

Emprego, CMN e Conselho

Deliberativo do Fundo de Amparo

ao Trabalhador (Codefat). Comitê

interministerial do PNMPO

(composto pelo Ministério do

Trabalho e Emprego, Ministério

da Fazenda e Ministério do

Desenvolvimento Social e

Combate à Fome).

Lei 11.110 (PNMPO)

de 2005 Idem MPV 226. Idem MPV 226.

Medida Provisória 554

de 2011

Altera a Lei 11.110 autorizando a União a

conceder subvenção econômica para os

bancos comerciais, os bancos múltiplos

com carteira comercial, a Caixa

Econômica Federal, bancos de

desenvolvimento e agências de fomento

sob forma de equalização de parte dos

custos para contratação e

acompanhamento de operações de

microcrédito produtivo orientado.

BACEN e Ministério da Fazenda.

Lei 12.666 de 2012 Idem MPV 554. Idem MPV 554.

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57

O primeiro período, de 1999 a 2003, é marcado pela criação das

OSCIPs, das Sociedade de Crédito ao Microempreendedor (SCM) e pela

inclusão das cooperativas dos pequenos e microempresários em

cooperativas de crédito. Isso inaugura dois novos formatos institucionais

de operadores de microcrédito no país. Podem se qualificar como OSCIPs

pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, com objetivos

sociais e normas estatutárias definidas pela lei que as institui (BRASIL,

1999). Entre os objetivos sociais, os quais a organização deve ter pelo

menos um, está a promoção do desenvolvimento econômico e social e

combate à fome e a experimentação não lucrativa de sistemas alternativos

de produção, comércio, emprego e crédito. A lei institui ainda que pode

ser firmado um Termo de Parceria entre o Poder Público e as entidades

qualificadas como OSCIPs, formando um vínculo de cooperação para a

execução das atividades de interesse público previstas na lei (BRASIL,

1999). As OSCIPs são fiscalizadas pelo Ministério da Justiça. Martins

(2008) salienta que a lei das OSCIPs não se ateve a conceituar a atividade

microfinanceira em si, mas apenas permiti-la, incluindo-a em um amplo

e genérico conceito de interesse público; o reconhecimento desse

interesse se deu pelo compromisso que essa atividade teria na alteração

do quadro socioeconômico de intensa desigualdade do país.

As SCMs, por sua vez, são disciplinadas pelo CMN e fiscalizadas

pelo BACEN, equiparando-se às instituições financeiras. O objeto social

das SCMs, segundo a lei que as institui, define-se como a “concessão de

financiamentos a pessoas físicas e microempresas, com vistas a

viabilização de empreendimentos de natureza profissional, comercial,

industrial de pequeno porte” (BRASIL, 2001). Vale ressaltar, segundo

Martins (2008), que a lei que institui as SCMs nada fala sobre a atividade

microfinanceira em si, esta lei centra-se em definir a pessoa SCM bem

como relacioná-la a pessoa microempreendedor. Martins (2008)

acrescenta ainda que a constituição de iniciativas microfinanceiras passou

a não ser derivada de política social, mas retornou ao universo regulado

dentro do SFN, modelo que até esse momento não conseguiu criar

alternativas à exclusão de grande parte da população dos serviços

financeiros. Sobre a instituição das SCMs, Martins afirma ainda que “a

regulamentação do CMN/BACEN em agosto de 1999 revela que, na falta

de conceituação do que seriam essas atividades (microfinanceiras), as

restringia ao crédito, e desde que não fosse para consumo, concedido

preferencialmente a pessoa física, no limite de até 10.000,00 (dez mil

reais) por cliente” (2008, p. 20).

Contudo, vale ressaltar ainda que as SCMs não conseguiram

cumprir seu papel de instituição financeira adequada para o microcrédito.

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Segundo Andrade Neto (2010), desse modo surgiu a necessidade de

aperfeiçoamento do modelo institucional passando a atender não apenas

o microempreendedor, mas as empresas de pequeno porte – Sociedade de

Crédito ao Microempreendedor e a Empresa de Pequeno Porte

(SCMEPP). Quando as SCMs foram criadas, pretendia-se que as OSCIPs

que operavam microcrédito migrassem para o novo formato institucional,

porém, mesmo dez anos após a criação das SCMs isto não havia ocorrido.

A importância desse modelo se dá por conjugar o viés social e experiência

das OSCIPs com atributos de instituições reguladas pelo Sistema

Financeiro Nacional (ANDRADE NETO, 2010). Para Andrade Neto

(2010), as possíveis causas para a não migração foram: não concordância

com o modelo, receios sobre a atuação e fiscalização do BACEN, inércia,

percepção de que o ambiente regulatório das SCMs seria mais

desfavorável, possibilidade de receber mais apoio como OSCIP ou ONG,

e falta de incentivos.

Em dezembro de 2002, foi editada a Resolução 3.058 do Banco

Central que possibilitou a formação de cooperativas de crédito de

pequenos empresários, microempresários e microempreendedores

responsáveis por negócios de natureza industrial, comercial ou de

prestação de serviços, incluídas as atividades da área rural. Essa norma

refletiu a importância do segmento econômico das micro e pequenas

empresas na geração de empregos e renda no país. Para Soares e Melo

Sobrinho (2008), a essência dessa norma está na constituição de

cooperativas sem a exigência de segmentação por ramo de atividade,

facilitando a constituição deste tipo de associação e dando mais liberdade

em relação as normas anteriores. Ainda segundo esses autores, essa nova

regulamentação, permitindo que em uma mesma cooperativa haja

empresários rurais e urbanos, conferiu as associações mais estabilidade

em relação às flutuações econômicas dos diferentes segmentos

participantes.

Em 2003, iniciando como Medida Provisória (MPV) 122 e sendo

convertida neste mesmo ano na Lei 10.735, recursos oriundos de

depósitos captados a vista por bancos comerciais, bancos múltiplos,

cooperativas de crédito e pela Caixa Econômica Federal passaram a fazer

parte dos recursos disponíveis para operações de microcrédito

compulsoriamente. Segundo essa lei, os bancos mencionados devem

manter aplicada parcela dos recursos captados por depósitos à vista em

operações de microcrédito para microempreendedores e população de

baixa renda. Até então, com exceção da lei das OSCIPs que é fiscalizada

pelo Ministério da Justiça, as outras leis, assim como as medidas

provisórias são fiscalizadas e disciplinadas pelo CMN e pelo BACEN.

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59

O segundo período, de 2004 a 2015, é marcado pela mudança de

caráter da institucionalização do microcrédito no Brasil. A partir de então,

com o PNMPO, um conceito e modelo de microcrédito foram

convencionados para o país, evidenciando a crescente complexificação

do setor. Até então haviam sido criados os formatos institucionais

necessários para operacionalizar projetos no setor (OSCIP, SCMEPP e

cooperativas) e direcionados recursos para o microcrédito. A lei 11.110,

que define PNMPO, apresenta um discurso conceitual mais elaborado

sobre a atividade microcreditícia (MARTINS, 2008), isto é: a lei define o

que é o microcrédito produtivo orientado do ponto de vista legal;

menciona a necessidade de que o atendimento ao cliente seja feito por

pessoa treinada para elaborar o levantamento socioeconômico do cliente

e ainda preste orientação educativa sobre o planejamento do negócio;

salienta que o contato com o tomador do recurso deve ser feito durante

todo o período do contrato a fim de acompanhar o crescimento e garantir

o melhor aproveitamento e sustentabilidade da iniciativa.

O Programa foi um divisor de águas na prática da oferta de

microcrédito no Brasil, pois além de consolidar o conceito de

microcrédito institucionalmente, funcionou como um direcionador de

recursos – valendo-se do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e,

compulsoriamente, de parcela dos depósitos captados a vista pelos bancos

múltiplos comerciais e pela Caixa Econômica Federal. Juntamente com

isso, orientações para as instituições e acompanhamento para tomadores

de empréstimo são propostas com o fim de utilizar adequadamente os

recursos e diminuir as possibilidades de endividamento e inadimplência.

Apesar de que uma primeira conceituação do que seja o microcrédito

tenha aparecido em 2003, essa definição, segundo Martins (2008) foi

simplista em definir as microfinanças como um conjunto de produtos

bancários destinados a população de baixa renda; essa definição em nada

menciona o termo empreendimento.

O Programa foi construído com os seguintes objetivos: incentivar

a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares,

disponibilizar recursos para o microcrédito produtivo e oferecer apoio

técnico para as instituições. As instituições financeiras autorizadas a

trabalhar com o PNMPO são: Sociedade de Crédito ao

Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPP),

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), bancos

comerciais, bancos múltiplos com carteira comercia, Caixa Econômica

Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia, Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

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60

É assim, através do PNMPO, com a entrada dos três novos agentes

– os Ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Trabalho

e Fazenda – que um projeto orientador de execução do microcrédito é

proposto no âmbito nacional, envolvendo desde o viés

desenvolvimentista do crédito ao minimalista; contemplando o ideal de

combate à pobreza através do microcrédito concebido pelo Banco

Mundial e a sustentabilidade do setor. A partir de então o Ministério do

Trabalho e Emprego, o CMN, o Conselho Deliberativo do Fundo de

Amparo ao Trabalhador e um Comitê Interministerial são incumbidos da

fiscalização e do disciplinamento do PNMPO. Esta iniciativa surgiu

primeiramente em 2004 através da MPV 226 e tornou-se a Lei 11.110 em

2005. O Comitê Interministerial é composto pelo Ministério do Trabalho

em Emprego, Ministério da Fazenda e Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome. O objetivo do Comitê é subsidiar a

coordenação e implementação das diretrizes previstas neste Programa.

Por fim, a subvenção econômica de parte dos custos operacionais

das operações de microcrédito, Lei 12.666, oferecida aos bancos

comerciais, bancos múltiplos, Caixa Econômica Federal, bancos de

desenvolvimento e agências de fomento, reafirma a especificidade desta

atividade financeira, pois propõe apoio às instituições financeiras

convencionais nas operações de microcrédito produtivo orientado.

Segundo Martins (2008) o que prepondera na lei do PNMPO é a

metodologia de orientação e acompanhamento do empreendedor, sendo o

suporte dado a este muito importante para o bom desemprenho da

iniciativa empreendedora. Os trechos da Lei 11.110/05 abaixo

demonstram pontos chave do que foi definido: § 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se

Microcrédito produtivo orientado o crédito

concedido para o atendimento das necessidades

financeiras de pessoas físicas e jurídicas

empreendedoras de atividades produtivas de

pequeno porte, utilizando metodologia baseada no

relacionamento direto com os empreendedores no

local onde é executada a atividade econômica,

devendo ser considerado, ainda, que:

I - o atendimento ao tomador final dos recursos

deve ser feito por pessoas treinadas para efetuar o

levantamento socioeconômico e prestar orientação

educativa sobre o planejamento do negócio, para

definição das necessidades de crédito e de gestão

voltadas para o desenvolvimento do

empreendimento;

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61

II - o contato com o tomador final dos recursos

deve ser mantido durante o período do contrato,

para acompanhamento e orientação, visando ao seu

melhor aproveitamento e aplicação, bem como ao

crescimento e sustentabilidade da atividade

econômica; e

III - o valor e as condições do crédito devem ser

definidos após a avaliação da atividade e da

capacidade de endividamento do tomador final dos

recursos, em estreita interlocução com este e em

consonância com o previsto nesta Lei. (BRASIL,

2005)

2.4 Os fixos geográficos

A noção de fixos adotada neste trabalho é oriunda de Milton Santos

(2002) que argumenta que o espaço geográfico pode ser compreendido

como um conjunto de fixos e fluxos. Isto é, fixos e fluxos interagindo

podem expressar a realidade geográfica. “Os elementos fixos, fixados em

cada lugar, permitem ações que modificam o próprio lugar” (SANTOS,

2002, p. 19). Já os fluxos atravessam e se instalam nos fixos recriando

condições sociais e ambientais e redefinindo cada lugar; ao mesmo tempo

em que modificam o significação e valor dos fixos, se modificam.

A recente evolução dos fixos geográficos bancários (agências,

postos de atendimento, caixas eletrônicos) no Brasil mostra novidades na

acessibilidade a serviços financeiros por parte da população urbana e

rural, afirma Contel (2009), uma vez que o alcance desses serviços é

ampliado e simplificado. Contudo, a difusão dos fixos geográficos pelo

território embora promova acesso da população a serviços financeiros,

como contas correntes e poupança, não necessariamente implica acesso a

crédito, seja produtivo, seja para consumo. Desde 2010 o Banco Central

do Brasil realiza Relatórios de Inclusão Financeira com foco em

compartilhar informações acerca do acesso e uso de serviços financeiros

no país e em construir base de dados sobre o tema.

Para medir a exclusão financeira no Brasil o Banco Central propôs

no Relatório de 2011 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011) o Índice

de Inclusão Financeira (IIF), que agrega diversos indicadores de inclusão

financeira; entre os mais utilizados estão: número de agências bancárias

por adulto, número de postos bancários por adulto, número de caixas de

autoatendimento por adulto, quantidade de crédito disponível e volume

de depósitos. Cada um desses indicadores revela um aspecto específico

da questão da inclusão financeira. Segundo esse relatório, no qual a

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62

proposta é apresentada, o interesse em elaborar um IIF se dá pela ideia de

que a inclusão financeira poderia ser acompanhada temporalmente e

diferentes unidades geográficas poderiam ser comparadas. Outra

justificativa é a possibilidade de acompanhar o impacto de políticas

públicas que visem a inclusão financeira e a realização de comparações

entre este índice e outros índices de desenvolvimento humano.

O Relatório de 2015 (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2015a)

apresentou a evolução da inclusão financeira do país sobre três aspectos:

(i) acesso – disponibilidade de serviços e produtos financeiros; (ii) uso –

extensão e profundidade de uso de serviços financeiros; e (iii) qualidade

- relevância dos serviços e produtos financeiros para a vida diária do

consumidor. Sem abandonar a proposta do IIF, este relatório é encerrado

sem apresentar uma atualização do índice, apenas menciona-se a intenção

de atualizá-lo futuramente. Outra novidade do relatório mais recente é a

inclusão de um capítulo específico para as operações de microcrédito

entre os anos 2013 e 201413.

Segundo o Relatório de 2015, todos os municípios brasileiros

contavam em 2014 com algum ponto de atendimento do sistema

financeiro – exceto o município Pescaria Brava de Santa Catarina,

fundado no ano anterior. É destacado que no processo de inclusão

financeira destaca-se o papel fundamental que o modelo de

correspondentes bancários teve na promoção do desenvolvimento

socioeconômico da população, ao promover a prestação de serviços para

a população de baixa renda. É concluído pelo Banco Central do Brasil

(2015a) que a estratégia de inclusão financeira brasileira engloba não

apenas políticas de inclusão e educação financeira, mas, também,

reformas regulatórias que visam mitigar a assimetria de informações,

reduzir os custos de transação e amentar e melhorar o acesso, uso e

diversificação dos serviços financeiros oferecidos a população.

O processo de exclusão financeira em um país envolve diversas

dimensões e o conceito de inclusão financeira é multidimensional

(BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2011). Segundo Kempson e Whyley

(1999 apud Banco Central do Brasil, 2011) é possível identificar cinco

formas de exclusão financeira:

13 Como será melhor abordado adiante, para o Banco Central a oferta de

microcrédito se dá a partir de Cooperativas de Crédito, Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresas de Pequeno Porte (SCMEPP), Bancos e

Agências de Fomento. As Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIP) não fazem parte da análise do Banco Central uma vez que não estão

inseridas no Sistema Financeiro Nacional (SFN).

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1) exclusão de acesso: relaciona-se a um isolamento geográfico,

em virtude de localizações remotas e baixa capilaridade do sistema

financeiro

2) exclusão de condição: quando as condições específicas de oferta

de certo tipo de serviço financeiro são inadequadas às

especificidades de um grupo de indivíduos.

3) exclusão de preço: preços elevados incompatíveis com o

orçamento de certo grupo.

4) exclusão de mercado: associa-se ao fato de parte da população

estar fora do público-alvo de certas instituições financeiras.

5) auto exclusão: ocorre quando certas pessoas por medo, barreiras

psicológicas ou razões ideológicas não utilizam os serviços

ofertados pelo sistema financeiro oficial.

Finalmente, a inclusão financeira é definida como “processo de

efetivo acesso e uso pela população de serviços financeiros adequados às

suas necessidades, contribuindo com sua qualidade de vida” (BANCO

CENTRAL DO BRASIL, 2015a, p. 19).

A partir do IIF do Banco Central do Brasil (BACEN) de 2011,

Santa Catarina pode ser vista como uma das unidades da federação mais

incluídas financeiramente. O gráfico a seguir (FIGURA 1) situa Santa

Catarina em relação as demais Unidades da Federação. O Estado manteve

seu índice maior que a média nacional nos anos estudados e em 2010 teve

o terceiro maior IIF no país, sendo o Distrito Federal o primeiro e o Estado

de São Paulo o segundo maior.

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FIGURA 1 – Índice de inclusão financeira: unidades da federação e

Brasil, anos 2000, 2005 e 2010.

Fonte: Banco Central do Brasil (2011, p. 147).

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Não só Santa Catarina chama atenção como toda a Região Sul do

Brasil, possivelmente isso se deve a base produtiva regional de pequenas

propriedades, isto é, com muitas unidades produtivas. O que se pode

inferir também é que há ritmos de crescimento diferentes entre as

unidades da federação.

Seguindo uma atualização normativa de 2012 (Resolução nº 4.072

de 26 de abril de 2012) que simplificou as regras de instalação de agências

e demais dependências financeiras visando reduzir o custo de ampliação

da rede de atendimento, o Relatório de 2015 apresenta os seguintes canais

de acesso aos serviços financeiros no Brasil:

A) Agências: são dependências das instituições financeiras ou

daquelas autorizadas pelo BACEN a funcionar, geralmente

apresentam a maior variedade de serviços com os quais a

instituição opera.

B) Postos de Atendimento (PA): são dependências subordinadas à

agência ou à sede da instituição destinada ao atendimento ao

público, podendo ser fixa ou móvel. É um tipo de dependência com

estrutura mais simples e flexível na qual os serviços podem ser

livremente definidos.

C) Ponto de Atendimento Eletrônico (PAE): dependência

constituída por uma ou mais terminais de autoatendimento

destinada a prestação de serviço por meio eletrônico. Ou seja, é

constituído por um conjunto de Automated Teller Machines

(ATM).

D) Correspondentes no país: são empresas contratadas por

instituições financeiras para prestarem determinada gama de

serviços em nome e sob responsabilidade da contratante. Por

exemplo: casas lotéricas, postos do correio, padarias, lojas e

supermercados. Os correspondentes representam importante

interface entre o sistema financeiro e a população ao

intermediarem serviços usuais, como pagamento, recebimento e

movimentação de contas.

E) ATM: equipamento eletrônico que funciona como caixa de

autoatendimento mediante utilização de cartão e senha.

F) Points of sale (POS): equipamento eletrônico utilizado por

estabelecimentos para recebimento de pagamentos através de

cartões de crédito, débito e pré-pagos.

Em termos de inclusão os ATMs e POSs são os equipamentos mais

restritos, segundo o estudo do Banco Central do Brasil (2011). Estes

equipamentos limitam-se a intermediar relações financeiras

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exclusivamente transacionais. Os POSs, embora ampliem

significativamente o uso de cartões de plástico, em geral oferecem a

população apenas pagamento e alguns serviços complementares como

recarga de celular.

Esta atualização conforme a legislação reduziu de nove para seis

os tipos de canais de acesso e pontos de atendimento dos serviços

financeiros. Anteriormente eram os seguintes: agências, Postos de

Atendimento Bancário (PAB), Postos Avançados de Atendimento (PAA),

Postos de Atendimento Cooperativo (PAC), Postos de Atendimento de

Microcrédito (PAM), Correspondentes no País, Postos de Atendimento

Bancário Eletrônico (PAE), Caixas Eletrônicos (ATMs) e Points of sale

(POS). Isto aponta para uma simplificação do setor, facilitadora da

ampliação.

Embora a classificação dos canais de acesso a serviços financeiros

tenha mudado em 2012 excluindo a categoria Postos de Atendimento de

Microcrédito (PAM), os dados de 2011 ainda são significativos para

ilustrar que esta não foi a alternativa principal de oferta de microcrédito

em Santa Catarina assim como no Brasil. O PAM era uma modalidade de

atendimento exclusiva para clientes das Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPP). Em 2011,

Santa Catarina não apresentava Posto de Atendimento de Microcrédito

(PAM) e havia quatro SCMEPPs registradas; o Brasil contava com 12

PAMs e 42 SCMEPPs14.

Observa-se que o microcrédito em Santa Catarina não entrou no

Sistema Financeiro Nacional (SFN) pela via dos Postos de Atendimento

de Microcrédito (PAM); além disso, na dimensão nacional 12 PAMs é

um número insignificativo em termos de inclusão. Tampouco entrou no

Sistema Financeiro Nacional pelas Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs), que

apresentam números inexpressivos tanto na esfera Estadual como

nacional.

O Banco Central do Brasil permite ter acesso a relação de

instituições em funcionamento do país. Os dados sobre SCMEPPs estão

disponíveis desde 2007, embora este formato institucional para oferta de

microcrédito já exista desde 1999. Entre os anos de 2007 e 2015, Santa

Catarina contou com no máximo quatro instituições desse tipo em

funcionamento simultaneamente. O quadro a seguir apresenta essas

instituições por período de funcionamento e município sede.

14 Fonte: BANCO CENTRAL DO BRASIL (2011).

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QUADRO 3 – Santa Catarina: Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresário de Pequeno Porte (SCMEPPs) em

funcionamento por município, 2007 a 2016.

Período SCMEPP, município

2007 Credishow, Indaial

2006 – 2016 Pólocred, Florianópolis

2007 – 2012 Siframar, Itapema

2009 – 2016 AJB Cred., Florianópolis

2009 – 2016 Regra Lander, São José Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de <

http://www.bcb.gov.br/?RED-RELINST>, acesso em 02 fevereiro 2016.

Há instituições que permaneceram por todo ou maior parte do

período estudado – é o caso da Pólocred, da AJB Créd. e da Regra Lander

– e outras que deixaram de existir: Credishow e Siframar. Segundo o sítio

da instituição15, a Pólocred foi fundada em 2006 dado o potencial de

crescimento da indústria microfinanceira no Brasil, considerando o

contingente de empreendedores excluídos do sistema financeiro

tradicional. A partir de 2009, a Pólocred firmou parcerias com a Caixa

Econômica Federal, o BNDES e o Fundo Internacional Holandês

OIKOCREDIT.

A AJB Créd. é a primeira empresa do Grupo AJB Latino América,

fundado em 2005 com suas atividades voltadas para investidores e

fomento mercantil. Entre os segmentos das empresas do grupo, cita-se:

transporte aéreo, administração e consultoria, corretora de seguros,

produção de alimentos, turismo, tecnologia, entre outros. Segundo o sítio

do Grupo16, a AJB Créd. é voltada para a prestação de serviços para

alavancagem dos pequenos negócios, se valendo de orientações de

agentes de crédito especializados.

A Regra Lander foi fundada em 2009, tem sua sede em São José e

filiais em Blumenau e Goiânia-GO, a área de atuação da instituição

abrange cerca de 110 municípios. As três instituições que permaneceram

são habilitadas no Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e

Orientado (PNMPO).

15 Fonte: disponível em

<http://www.polocred.com.br/index.php?option=com_content&view=category

&layout=blog&id=42&Itemid=91>, acesso em 22 março 2016. 16 Fonte: disponível em: <

http://www.grupolatinoamerica.com.br/estrutura_ajbcred.php>, acesso em 22

março 2016.

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Por outro lado, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse

Público (OSCIPs) (TABELA 7) se mostram mais representativas que as

SCMEPPS em número de canais de acesso ao microcrédito em Santa

Catarina. No mesmo período do quadro anterior, havia em Santa Catarina

pelo menos 19 OSCIPs17 operadoras de microcrédito no Estado.

TABELA 7 – Santa Catarina: total de canais de acesso às OSCIPs de

microcrédito em 2006, 2012 e 2016.

2006 2012 2016

Sedes 19 19 23

Postos de

atendimento

e agências

68 73 106

Total de

canais 87 92 123

Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de Pantel

(2007), Mattos (2014) e <http://www.jurozero.sc.gov.br/instituicoes-de-

microcredito-tt.html> e <http://www.amcredsc.org.br/>, acesso em 05 de maio

de 2016.

Observa-se que houve crescimento no número de postos de

atendimento das OSCIPs e agências entre 2006 e 2016, podendo-se

concluir que há uma tendência crescente desse formato institucional para

oferta de microcrédito no Estado.

Além das SCMs e OSCIPs, há as cooperativas que são bastante

representativas no Estado. É importante esclarecer que as cooperativas

são aptas a reunir empreendedores urbanos e rurais, portanto os dados a

respeito desse setor não são exclusivos da atividade microempreendedora

urbana. Além disso, para tomar empréstimos nas cooperativas é

necessário ser cooperado. A tabela a seguir situa Santa Catarina no Brasil

em relação aos números desses três canais de acesso mencionados.

17 Fonte: MATTOS (2014).

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TABELA 8 – Brasil e Santa Catarina: total de Organizações da Sociedade

Civil de Interessa Público (OSCIPs), Sociedades de Crédito ao

Microempreendedor e Empresa de Pequeno Porte (SCMEPPs) e

Cooperativas habilitadas no PNMPO, 2016.

Brasil Santa Catarina

Absoluto Absoluto %

OSCIP 165 23 14%

SCMEPP 27 3 11%

Cooperativas 296 91 31%

Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em <

http://www3.mte.gov.br/sistemas/pnmpo/conteudo/instituicoes_habilitadas/defa

ult.asp>, acesso em 05 de maio de 2016.

Observa-se que o número de cooperativas habilitadas para operar

o PNMPO em Santa Catarina é bastante representativo, quase um terço

do total nacional. Embora em 2016 haja 39 Sociedades de Crédito do

Microempreendedor em Empreendedor e Empresa de Pequeno Porte

(SCMEPPs) registradas pelo Banco Central do Brasil18, apenas 27 delas

são habilitadas a aperar o PNMPO. Isto pode significar duas coisas: ou o

número de SCMEPPs vêm caindo, eram 42 em 2011, e algumas delas

nem sequer operem de fato; ou esse tipo de instituição tem pouco interesse

de operar o modelo do PNMPO. Por outro lado, em relação a Santa

Catarina, o número de SCMEPPs é sim de relevo se considerar-se que a

média nacional seria de uma por unidade da federação (UFs).

As OSCIPs, por sua vez, além de apresentar tendência de

crescimento no Estado, anteriormente debatida, mostram uma

representatividade relevante também em relação à média por UFs. As

OSCIPs são um tipo de Organização Não Governamental (ONG), que

diferentemente das tradicionais ONGs não são submetidas à Lei da Usura

por financiar pequenos empréstimos – o que significa não limitar os juros

praticados a 12% ao ano. Dados de Sachet, Waterkemper e Sachet (2001)

revelam que no fim da década de 1990 e início dos anos 2000, Santa

Catarina já contava com oito ONGs com a finalidade de ofertar

microcrédito e que posteriormente se transformaram em OSCIPs.

Neste ponto é importante salientar a distinção entre aquelas

instituições de oferta de microcrédito vinculadas ao Sistema Financeiro

Nacional (SFN) e aquelas fora dele que operam este tipo de transação

18 Fonte: disponível em http://www.bcb.gov.br/?RELINST, acesso em 05 maio

de 2016.

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legalmente (QUADRO 4). O Banco Central do Brasil considera que as

instituições concedentes de microcrédito concentram-se em quatro

segmentos: agências de fomento, bancos, cooperativas de crédito e

SCMEPPs – todas supervisionadas pelo Banco Central do Brasil que, por

sua vez, tem o Conselho Monetário Nacional (CMN) como órgão

normativo. As OSCIPs são fiscalizadas e disciplinadas pelo Ministério da

Justiça e ao contrário das SCMEPPs, que tem a finalidade exclusiva de

ofertar serviços microfinanceiros, as OSCIPs têm esse como um dos

objetivos sociais possível entre outros.

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QUADRO 4 – Brasil: instituições oficiais ofertadoras de microcrédito.

TIPO O QUE É? QUEM REGULAMENTA?

ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE

INTERESSE PÚBLICO (OSCIP)

Organização sem fins lucrativos, não submetidas a Lei da Usura. Devem

cumprir pelo menos um dos objetivos sociais previstos em lei, entre os quais a

experimentação não lucrativa de sistemas alternativos de crédito.

Ministério da Justiça

SOCIEDADE DE CRÉDITO AO

MICROEMPREENDEDOR E EMPRESA DE

PEQUENO PORTE (SCMEPP)

Organização que tem por objetivo social a concessão de financiamento e

prestação de garantias a pessoas físicas e jurídicas classificadas como

microempresas, para o financiamento de atividades de natureza profissional,

comercial ou industrial de pequeno porte.

Sistema Financeiro Nacional, Banco

Central do Brasil e Conselho

Monetário Nacional

COOPERATIVA DE CRÉDITO

Organização formada pela associação autônoma de pessoas unidas

voluntariamente, sem fins lucrativos, constituída para ofertar serviços aos

seus associados.

Sistema Financeiro Nacional, Banco

Central do Brasil e Conselho

Monetário Nacional

BANCOS Instituições públicas ou privadas que realizam operações ativas e passivas,

sendo eles: bancos múltiplos, bancos comercias, banco de investimento.

Sistema Financeiro Nacional, Banco

Central do Brasil e Conselho

Monetário Nacional

AGÊNCIA DE FOMENTO*

Organização que tem como objeto social a concessão de financiamento de

capital fixo e de giro associado a projetos na Unidade da Federação onde

tenha sede

Sistema Financeiro Nacional, Banco

Central do Brasil e Conselho

Monetário Nacional

BANCO DE DESENVOLVIMENTO

Instituição financeira pública não federal com objetivo de proporcionar

recursos necessários ao financiamento de programas e projetos que visem

promover o desenvolvimento econômico e social do estado no qual é sediado.

Sistema Financeiro Nacional, Banco

Central do Brasil e Conselho

Monetário Nacional

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em informações da Lei 9.790/99 e Banco Central do Brasil disponíveis em: http://www.bcb.gov.br/glossario.asp?idioma=P, acesso em 20 janeiro

2016. *A principal diferença entre Bancos de Desenvolvimento e Agências de Fomento é que as agências não podem captar recursos de terceiros, somente operam valores repassados pelo governo.

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Conclui-se que o Banco Central do Brasil é o grande

regulamentador da atividade de microcrédito no país. Ele é responsável

por regular cinco diferentes fixos geográficos que, por sua vez, tem a

maior parte da carteira de crédito ativa. Numa rápida comparação vemos

que as OSCIPs tiveram em 2012 um montante correspondente a 15% da

carteira ativa dos Agentes de Intermediação (Bancos de Desenvolvimento

e Agências de Fomento), isto é, da carteira ativa repassada pelos Agentes

de Intermediação para instituições ofertadoras de microcrédito. Em 2015

a proporção destinada às OSCIPs foi ainda menor, 5%19, enquanto o

restante cabia aos modelos institucionais do Banco Central.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) também organiza

relatórios sobre o microcrédito, por sua vez com foco no Programa

Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO). Em seus

relatórios, o MTE apresenta todas as modalidades oficiais conhecidas de

oferta de microcrédito no Brasil sendo vinculadas ou não ao SFN. São

elas: agências de fomento, bancos de desenvolvimento, cooperativas de

crédito, Instituições Financeiras Operadoras (IFO), SCMEPPs e

finalmente OSCIPs.

É importante salientar que há distinção entre essas instituições. As

agências de fomento e bancos de desenvolvimento são Agentes de

Intermediação (AGI), isto é, emprestam funding para instituições que

lidam diretamente com os clientes; essas, por sua vez, são as Instituições

Operadoras de Microcrédito Produtivo Orientado (IMPO), ou seja,

SCMEPPs, cooperativas de crédito e OSCIPs. Há ainda as Instituições

Financeiras Operadoras (IFOs), que são uma terceira categoria

representadas pelos bancos em geral, privados ou públicos, que operam o

PNMPO. A tabela a seguir traz dados dos mencionados relatórios do MTE

acerca da carteira ativa das instituições operadoras de microcrédito.

19 Fonte: dados do MTE (2012;2015).

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TABELA 9 – Brasil: carteira ativa em reais das instituições operadoras

do PNMPO por AGI, IMPO e IFO e por constituição jurídica, 1º trimestre

de 2012 e 2015.

1º trimestre 2012 1ºtrimestre 2015

AGI*: Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %

Ag. de

Fomento 21.977.280,26 1,9 55.133.318,01 2,1

Banco de

Desenv. 1.149.690.445,99 98,1 2.568.333.734,38 97,9

Total 1.171.667.726,25 100,0 2.623.467.052,39 100,0

IMPO**: Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %

Coop. de

Crédito 53.353.001,73 19,5 294.209.922,39 56,4

OSCIP 210.230.329,51 76,9 131.846.036,56 25,3

SCMEPPS 9.831.661,56 3,6 95.582.483,85 18,3

Total 273.414.992,80 100,0 521.638.442,80 100,0

IFO***: Absoluto (R$) % Absoluto (R$) %

IFO 17.971.293,51 100,0 3.047.867.702,37 100,0 *AGI: agentes de intermediação; **IMPO: instituições operadoras de

microcrédito produtivo orientado; ***IFO: instituições financeiras operadoras.

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em informações de MTE

(2012;2015a).

Por carteira ativa entende-se o saldo a receber dos valores

emprestados, daí a separação dos dados de AGIs, IMPOs e IFOs para que

não haja possível dupla contagem dos dados. Em ambos trimestres

representados, os bancos de desenvolvimento tiveram claro predomínio

do montante emprestado. No Brasil, os bancos de desenvolvimento

habilitados pelo MTE são quatro: Banco do Nordeste do Brasil S/A,

sediado em Fortaleza; Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo,

sediado em Vitória; Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, sediado

em Belo Horizonte; e Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo

Sul, sediado em Porto Alegre. Já as Agências de Fomento são onze,

predominantemente sediadas na Região Nordeste (cinco delas) e duas

sediadas no Estado de Santa Catarina: Agência de Fomento do Estado de

Santa Catarina (BADESC), sediada em Florianópolis e Cooperativa de

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Crédito Rural com Interação Solidária de Pouso Redondo (CRESOL),

sediada em Pouso Redondo20.

Entre as IMPOs é notável que as OSCIPS cederam espaço para as

cooperativas e SCMs. Além disso, houve uma inversão da predominância

entre as OSCIPSs, que correspondiam a maioria absoluta do montante em

2012, e as cooperativas que abarcaram metade do montante em 2015. É

de se destacar, ainda, que as SCMEPPS saíram de uma condição de

minoria do montante em 2012 para próxima às OSCIPs em 2015. Sobre

o ganho de espaço das cooperativas, uma possível explicação é que há um

crescente interesse no ramo do microcrédito que, desde a criação do

PNMPO – que inclui as cooperativas como instituições que podem se

habilitar no programa –, vem ganhando notoriedade a medida que o ramo

cooperativo já é bastante consolidado no país e está presente em grande

parte dos municípios brasileiros.

Como exposto no capítulo anterior, é claro o papel de definir e

defender as microfinanças por parte de organizações estrangeiras. Neste

capítulo ficou claro que houve influência nas definições de microcrédito

criadas e incorporadas pelo Brasil, além disso, na implantação de modelos

refletidos como fixo geográficos pelo território. Nesse sentido, ao avaliar

a rede ao redor do mundo articulada pela Microcredit Summit

Organization vemos que há presença significativa da organização no

Brasil por meio de organizações ofertadoras de microcrédito. Vemos

ainda a relevância do Estado de Santa Catarina frente ao país por contar

com três dos nove membros dessa organização situados nesse estado

No sítio da Microcredit Summit Organization é possível ter acesso

ao mapa de membros da campanha. Os membros são divididos em

algumas categorias, entre financiadores e investidores, organizações de

suporte e praticantes de microcrédito. No Brasil há apenas membros dessa

última categoria, mostrados por região no a seguir (QUADRO 5). A maior

concentração dessa categoria está na América Central e México e no Sul

Asiático, com aproximadamente 300 membros em cada região. Os

financiadores e investidores predominam na Europa e nos Estados

Unidos, com 34 e 40 membros respectivamente.

20 Dados disponível em

<http://www3.mte.gov.br/sistemas/pnmpo/conteudo/instituicoes_habilitadas/ha

bilitadas_AGI.asp>, acesso em 20 fevereiro 2016.

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QUADRO 5– Regiões do Brasil: Membros da Microcredit Summit Campaign por cidade, 2016.

Região Norte

Belém, PA Associação de Apoio a Economia

Popular Amazônica

OSCIP* fundada em 2006, a organização desenvolve o programa de microcrédito Amazônia Florescer, como um braço do

PNMPO*, em parceria com o Banco da Amazônia. A organização conta com unidades rurais e urbanas, distribuídas em

municípios dos seguintes estados da Região Norte: PA, AM, AP, AC e RO.

Região Nordeste

Fortaleza, CE Banco do Nordeste S/A O Banco do Nordeste é um Banco de Desenvolvimento que atua no microcrédito através de dois programas: Crediamigo,

criado em 1998, e Agroamigo, criado em 2005. O Crediamigo é o maior programa de microcrédito produtivo orientado da

América do Sul, ele faz parte do Programa Crescer, uma das estratégias do Plano Brasil sem Miséria. O Crediamigo

funciona através de grupos solidários e do crédito individual. O AgroAmigo é voltado para financiar atividades daquelas

famílias inscritas no PRONAF*, sendo o maior programa de microfinança rural da América Latina.

Recife, PE Agência Nacional de

Desenvolvimento

Microempresarial (ANDE)

A ANDE nasceu como uma OSCIP* dentro dos ideais da ONG* internacional Visão Mundial – fundada na década de

1950, com abertura de escritório no Brasil em 1975 (Belo Horizonte) e 1982 (Recife). O trabalho da ANDE realizou-se

entre os anos de 2005 e 2012. Apesar do encerramento dos programas de microcrédito desenvolvidos em parceria com a

ANDE, a Visão Mundial permaneceu conectada com a subsidiária microfinanceira Vision Fund Internacional.

Região Sudeste

Rio de

Janeiro, RJ

Sociedade de Crédito do

Microempreendedor S/A

Fundada em 2001, é uma SCMEPP* que atende todo o estado do Rio de Janeiro, sendo que os clientes de menor porte são

atendidos apenas dentro da região metropolitana e serrana da capital. A instituição atende MEIs*, micro e pequenas

empresas e profissionais liberais. Isto é, não atende microempreendedores informais. É parceira do Oikocredit, organização

holandesa ofertadora de funding.

São Paulo, SP Empresta Fundada em 2004, a Empresta é uma SCMEPP* que oferta microcrédito a pessoas físicas e jurídicas, micro e pequenos

empreendedores. A empresa é pioneira com a criação do primeiro fundo de investimento em microfinanças no Brasil

(RPW EMPRESTA Capital Microfinanças FIDC Aberto).

Região Sul

Francisco

Beltrão, PR

Central Cresol Baser Fundada de 1995, a Cooperativa Central de Crédito Rural com Intenção Solidária (Cresol) é uma Cooperativa Central

voltada para as atividades rurais, principalmente aquelas inscritas no PRONAF* e PRONAMP*.

Lages, SC Banco da Família OSCIP* fundada em 1998 dentro da Associação Comercial e Industrial de Lages. Oferta crédito para clientes formais e

informais, realiza troca de cheque, financia reformas e tem ainda grupos solidários de crédito. É filiada à rede internacional

Women’s World Banking e tem a Oikocredit e o Grupo BNP Paribas como parceiros.

Canoinhas,

SC

Banco do Planalto Norte OSCIP* fundada em 2000 no âmbito do programa Microcrédito Santa Catarina. Atende microempreendedores formais e

informais, tendo linhas de crédito voltadas para baixa renda, reforma, capital de giro e troca de cheques.

Caçador, SC Banco do Pequeno

Empreendedor (BAPEM)

OSCIP* fundada em 2000 na cidade de Caçador para o atendimento de pessoas físicas que desenvolvam atividades

produtivas de micro e pequeno porte; com linhas de crédito voltadas para aquisição de estoque, mercadorias, matéria-

prima, aquisição de ferramentas e reformas. Em 2012, teve sua carteira de crédito comprada pelo Banco do Empreendedor,

também OSCIP, sediado em Florianópolis. *Siglas: PNMPO: Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado; PRONAF: Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar; PRONAMP: Programa Nacional de Apoio

ao Médio Produtor Rural; OSCIP: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público; ONG: Organização não Governamental; SCMEPP: Sociedade de Crédito ao Microempreendedor e Empresa

de Pequeno Porte; MEI: Microempreendedor individual.Organizado por Mayra de Mattos com base em informações de <http://www.microcreditsummit.org/campaign-members-map.html>, acesso

em 17 março 2016.

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É possível perceber que são diversas as atividades dos mesmos.

Por um lado há os programas Crediamigo e Agroamigo vinculados a um

grande banco de desenvolvimento do país; por outro, há iniciativas mais

independentes como as cooperativas, as OSCIPs e as SCMEPPs, esta

última representando um verdadeiro mercado à luz do exemplo da

Empresta, que construiu o primeiro fundo de investimentos em

microfinanças no Brasil.

Conclusão

Embora o microcrédito esteja contido nas microfinanças, que é um

conceito mais amplo que envolve outros serviços além do crédito, não há

consenso na conceituação dessas atividades uma vez que organizações

diversas que lidam com o tema elaboram suas definições visando sua

finalidade. A partir da periodização das normas jurídicas sobre

microcrédito é notável que houve dois momentos distintos, um no qual as

instituições de microcrédito foram criadas ou adaptadas (OSCIPs, SCM e

cooperativas) e outro no qual propôs-se o PNMPO como modelo

metodológico para a atividade.

O reflexo concreto disso sobre o território são redes de instituições,

localizadas em diferentes pontos do espaço por meio de seus fixos

geográficos, que articulam ações em diferentes esferas (ideológica,

institucional, normativa, financeira). A capilarização das finanças pelo

território, quando voltada para o público específico das microfinanças, se

deu preponderantemente por instituições não bancárias e cooperativas

utilizando metodologia alternativa ao sistema financeiro tradicional.

Sendo assim, é motivada a construção do próximo capítulo desta

dissertação, fundamentado em um estudo de caso. O objetivo desse estudo

de caso é entender como novas políticas de expansão do microcrédito,

que não são vinculadas apenas a superação da pobreza, mas ao

microempreendedorismo, se refletem no Estado e como os agentes sociais

aqui presentes se apropriaram desse discurso para realizar seus interesses.

E ainda, compreender qual a conexão entre a evolução da atividade

microfinanceira na escala local e os arranjos produtivos também locais na

região de atuação do Planorte; em uma visão mais ampla, conhecer a

demanda por microcrédito. O interesse pelo Planorte se dá pois é uma das

organizações membro da Microcredit Summit Campaign no Brasil, atua

atendendo municípios de Santa Catarina e do Paraná e tem como pilar de

atuação o agende de crédito.

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CAPÍTULO 3: EXPANSÃO DO MICROCRÉDITO EM SANTA

CATARINA E UM ESTUDO DE CASO: O PLANORTE

A organização da atividade microfinanceira em Santa Catarina

pode ser compreendida como um encontro entre forças políticas e

econômicas locais e extralocais que atuam na escala dos lugares. Entre a

segunda metade da década de 1990 e 2006, lideranças políticas e

econômicas catarinenses iniciaram a implantação de instituições

microfinanceiras pelo estado com apoio financeiro e institucional da

Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC).

A partir de 2006, treze instituições localizadas em quase todas as

regiões do estado fundaram a Associação das Organizações de

Microcrédito e Microfinanças de Santa Catarina (AMCRED); desde

então as redes das organizações de microcrédito catarinenses passaram

por processos de retração e expansão territorial – inclusive além da

fronteira estadual –, densificação e, ainda, protagonizam processos

econômicos de fusão e aquisição. O processo de formação econômica do

Estado justifica a localização das instituições de microcrédito e o papel

de instituições estatais na orientação de políticas estaduais. Ao mesmo

tempo em que há, na escala dos lugares, lideranças locais que exercem

influência.

Um estudo de caso se justifica pelo interesse em compreender

como a atividade de microcrédito institucionalizada no Brasil se

espacializa; quem são os agentes responsáveis por esse processo; e onde

ele ocorre e por que. O caso do Planorte chama atenção por se localizar

em uma parte do Estado que não é reconhecida como a mais dinâmica

economicamente, por atender municípios do Paraná, Estado vizinho, e por

ter filiação com a rede internacional responsável, ao lado do Banco

Mundial, pela fundação do ideário das microfinanças na escala mundial.

Compreender, por fim, os condicionantes internos e externos para a

constituição da rede de relações que asseguram os interesses do banco

articulando diferentes escalas espaciais, bem como compreender a rede

de atendimento do Planorte.

3.1 As instituições, o crédito e a regionalização em Santa Catarina

Goularti Filho (2012) estuda a trajetória do crédito em Santa

Catarina com foco nos bancos de fomento e nos programas

governamentais de incentivos fiscais. O autor afirma que apesar de

algumas diferenças conceituais entre Karl Marx, Joseph Schumpeter,

Rufolf Hilferndig e John Maynard Keynes, todos concordam que há uma

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estreita relação entre crédito e crescimento econômico. Nas economias de

industrialização tardia, o Estado viu-se obrigado a assumir o papel de

financiador do crescimento econômico; no Brasil esse foi o padrão de

financiamento e teve o BNDES a sua frente (GOULARTI FILHO, 2012).

O autor avança na sua análise afirmando que vinculado ao BNDES,

foi criada em vários estados uma rede de bancos de fomento com o

propósito de financiar o desenvolvimento; em Santa Catarina não foi

diferente. O contexto em que mudanças na base concreta da economia

catarinense começam a acontecer é descrito por Goularti Filho (2012)

como tendo início nos anos 1940. Essas mudanças exigiam novos arcabouços institucionais e

financeiros e novos investimentos em

infraestrutura social. As condições concretas não se

adaptavam mais às necessidades de expansão do

capital, diminuindo, com isso, seu ritmo de

acumulação. O livre desenvolvimento das forças

produtivas estava sendo barrado, pela falta de

infraestrutura e de capital financeiro. Para entrar

numa nova fase de crescimento e mudar o seu

padrão eram necessários investimentos vultuosos.

[...] somente o Estado, tanto no âmbito nacional

como estadual, dispunha de capital suficiente e

capacidade de articulação para comandar os

investimentos perseguidos pelo capital industrial.

(GOULARTI FILHO, 2012, p. 124)

Era um contexto em que, a partir dos anos 1940, a base da

economia catarinense passou por mudanças no sentido de ampliar as

capacidades produtivas instaladas em setores consolidados na época

(carvão, têxtil, madeira e alimentos); além disso, passava também pelo

surgimento de novas indústrias (cerâmica, metalomecânica e papel),

caracterizando diversificação produtiva (GOULARTI FILHO, 2012). O

autor prossegue afirmando que desde então até 1962 houve uma fase

transitória, nesta fase predominava ainda a pequena produção mercantil e

atividades extrativistas, e então começou a emergir o alargamento da

divisão social do trabalho e um aprofundamento das especializações

regionais, correspondendo ao médio e grande capital industrial. O entrave

na área financeira se dava pois no estado havia diversas casas bancárias

de pequeno porte que eram incapazes de oferecer e assumir empréstimos

grandes e de alto risco para esses projetos industrial emergentes

(GOULARTI FILHO, 2012).

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Surgem, então, planos por parte do Governo do Estado a fim de

ampliar a reprodução do capital em Santa Catarina (GOULARTI FILHO,

2012). Em relação ao sistema de crédito, segundo o autor, na década de

1960 foram criados dois bancos de fomento: o Banco de

Desenvolvimento Econômico de Santa Catarina (BDE) e em conjunto

com Paraná e Rio Grande do Sul o Banco Regional de Desenvolvimento

do Extremo Sul (BRDE); foi criado também o Fundo de Desenvolvimento

do Estado de Santa Catarina (FUNDESC), com o propósito de promover

incentivos fiscais às indústrias. O BRDE nasceu, segundo Goularti Filho

(2012), da necessidade de alavancar a indústria que se consolidava no sul

do Brasil já que os bancos locais não dispunham de capital suficiente. No

fim da década de 1960, o BDE transformou-se no Banco do Estado de

Santa Catarina (BESC), deixando de ser um banco de fomento e passando

a operar somente com correntistas (GOULARTI FILHO, 2012).

Já na década de 1970 foi criado o BADESC (na época chamado de

Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina) que tornou-se o

principal agente de fomento catarinense, especialmente do setor público;

o FUNDESC foi substituído por um novo programa, o Programa Especial

de Apoio à Capitalização de Empresas (PROCAPE) (GOULARTI

FILHO, 2012). Na década de 1980, segundo Goularti Filho (2012), em

resposta às taxas negativas de crescimento da economia brasileira, o

PROCAPE foi extinto, passando então o BADESC a atender mais às

demandas do setor privado; em 1998 o BADESC passou a se chamar

Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina e é quando o

microcrédito começa a fazer parte da iniciativa governamental: o

BADESC passou a atuar também como financiador para o microcrédito.

A partir de 2003, o governo do estado, na contramão do governo

federal, reforçou o localismo e a fragmentação do território por meio de

descentralização do governo, criando as Secretarias de Desenvolvimento

Regional (SDRs) (GOULARTI FILHO, 2012). O movimento de

regionalização de Santa Catarina tem seus princípios em 1971, como

estudou Marcon (2009), quando o governo estadual adotou 13 unidades

regionais polarizadas no estado. Acompanhando o movimento nacional

de regionalização, em 1971 foram adotadas pelo Governo Estadual 13

unidades regionais polarizadas em Santa Catarina. O sistema de unidades

polarizadas teve inspiração nos modelos neoclássicos de estudos urbanos

e regionais que veem a região como recorte espacial para a elaboração de

programas de desenvolvimento econômico (MARCON, 2009). A partir

dos anos 1990, uma reforma administrativa ocorrida no estado

institucionaliza, primeiramente 29 regiões de desenvolvimento, as

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Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), em 2005 cria mais

uma e em 2007 mais seis, totalizando 36 SDRs.

Essas secretarias são tidas como responsáveis pela regionalização

do planejamento e da execução orçamentária, pela integração e

participação da população, como braços operacionais do governo nas

regiões de desenvolvimento (MARCON, 2009). Embora os processos de

regionalização ganhem concretude na esfera institucional formal, ele foi

também fruto dos novos movimentos sociais presentes em

Santa Catarina a partir da década de setenta do

século XX, as entidades não governamentais têm

um papel ativo na construção regional. As suas

formas e conteúdos são percebíveis pela escala da

sua ação social, definida pelas interações

socioespaciais manifestadas em redes associativas,

que conceituam as políticas de escala como uma

construção social a partir da discussão sobre o

conteúdo e a forma das políticas de espaço:

‘espaços de dependência e espaços de

compromisso’. (MARCON, 2009, p. 33)

Marcon (2009) defende que o processo de regionalização, tem sua

natureza e significado relacionados com as relações de produção, com as

simbologias, os valores, códigos de comunicação, que são transformados

e internalizados por relações de poder, “dentro de uma temporalidade

específica e não simplesmente um recorte ou somatório de unidades

político-administrativas” (MARCON, 2009, P. 351).

3.2 Consolidação do microcrédito em Santa Catarina e o processo de

expansão

Mendes (2007) salienta que é preciso territorializar a aplicação do

microcrédito, adaptando o instrumento à diversidade de situações de

pobreza e exclusão no nível local. Essa vertente associada ao

desenvolvimento de iniciativas microempreendedoras é destacada num

estudo português – promovido pelo Instituto Antônio Sergio do Sector

Cooperativo (INSCOOP) – que defende que o empreendedorismo ou seu

déficit é dependente do contexto local, o que pode potencializar ou travar

o desenvolvimento de projetos de negócios. Afonso (2010) salienta que

há dois argumentos que reforçam a importância do contexto.

O primeiro argumento relaciona-se com as diferentes origens

sociais e culturais do indivíduo, que influenciam sua propensão a

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empreender, havendo grupos mais ou menos propensos a empreender por

conta própria (AFONSO, 2010). No Brasil, Castro (2003) salienta a

contribuição da geografia para a análise das bases institucionais da ação

social que está na possibilidade de revelar os complexos institucionais no

território, responsáveis por condutas e práticas sociais diferenciadas;

neste sentido a localização é um dado fundamental na organização desses

complexos. Portela et al (2008) apresentam um segundo argumento que

se relaciona a cultura institucional e de inovação existente no nível local,

o que pode ou não incentivar o empreendedorismo.

O contexto assume, assim, relevância na criação de um ambiente

favorável ao empreendedorismo. Ao nível das microempresas, e mesmo

naquelas em áreas mais tradicionais, a existência de um ambiente

potencializador do crescimento e desenvolvimento económico das

regiões é fundamental para que haja mercado também para estes pequenos

negócios (AFONSO, 2010, p.53).

Com isto, pode ser interpretado também que o arcabouço

institucional e normativo é de relevante importância para que as

iniciativas individuais ou microempreendedoras encontrem suporte para

seu estabelecimento e alavancagem. Klein, Fontan e Tremblay (2009)

referindo-se a iniciativas locais associadas à economia social, defendem

que estas iniciativas, embora tenham papel relevante na minimização da

situação de pobreza, por si só não dão conta desta tarefa, sendo

particularmente importante o papel de agentes públicos cuja ação muitas

vezes depende da tomada de decisão fora do âmbito local.

No caso catarinense, o estabelecimento da rede de microcrédito no

fim dos anos 1990 se deve especialmente ao papel do Governo do Estado

de Santa Catarina, enquanto responsável por implantar o Programa

Crédito de Confiança. O Programa teve como forte inspiração

experiências de sucesso no Brasil e no mundo: Grameen Bank de

Bangladesh, PortoSol de Porto Alegre, Vivacred do Rio de Janeiro, entre

outras. O programa se inspirou ainda nos resultados da Conferência

Global do Microcrédito – The Microcredit Summit – que apontava a

expressividade da utilização do crédito para o autoemprego ao redor do

mundo (SACHET, WATERKEMPER, SACHET, 2001).

Neste escopo, a Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina

(BADESC) atuou como o principal aportador de funding e, ainda, como

responsável por implementar a iniciativa desde a fundação do programa

em 1999. A instituição já era razoavelmente capilarizada pelo território

estadual, com gerências regionais em Florianópolis, Blumenau, Joinville,

Lages, Chapecó e Criciúma. Fundou, portanto, oito instituições de

microcrédito com apoio do Serviço Brasileiro de Apoio a Micro e

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Pequena Empresa (SEBRAE) e da Federação das Associações de Micro

e Pequenas Empresas e Empreendedor Individual de Santa Catarina

(FAMPESC) nas seguintes cidades: Florianópolis, Blumenau, Joinville,

Lages, Videira, Canoinhas, Chapecó, São Miguel do Oeste, Criciúma e

Itajaí

Além disso, o BADESC colaborou com a gestão das instituições

cedendo gerente regional e participando dos seus conselhos

administrativos (DUTRA, 2012). A proposta do Programa era que as

instituições de microcrédito fossem ONGs, pois assim poderiam

congregar esforços de diferentes entidades interessadas no microcrédito

(SACHET, WATERKEMPER; SACHET, 2001). Atualmente, a maior

parte das instituições são OSCIPs, pois assim são autorizadas a ter fins

econômicos.

O Banco do Empreendedor, sediado em Florianópolis, foi a

primeira organização fundada pelo Programa. Na época de sua

implementação havia duas instituições previamente fundadas: uma em

Blumenau e outra em Lages, somando portanto 10 instituições (SACHET,

WATERKEMPER; SACHET, 2001). Em Blumenau foi concebida a

Instituição Comunitária de Crédito Blumenau-Solidariedade (ICC-

Blusol) em 1997, como iniciativa da prefeitura e de outros membros

fundadores21. O Blusol foi inspirado na instituição gaúcha ICC-PortoSol,

de Porto Alegre; na época Blumenau, assim como Porto Alegre, tinham a

frente da prefeitura o Partido dos Trabalhadores (PT). Em Lages,

concebido pela Associação Comercial e Industrial de Lages (ACIL), foi

fundado em 1998 o Banco da Mulher – hoje Banco da Família (DIAS,

2010).

A área de atuação das instituições fundadas pelo Programa definia-

se pelos respectivos estatutos, correspondendo, relativamente, a área de

abrangência das Associações de Municípios do estado. Em 2006 (FIGURA

2), a rede das instituições era composta por sedes e postos de atendimento.

Outro elemento que compunha a rede das instituições de grande relevância

e que permanece é o agente de crédito, eles podem ser considerados como

agentes da capilaridade da rede. O agente é uma pessoa treinada que oferece

o microcrédito no local onde é executada a atividade. Dessa forma, além do

contato próximo com os tomadores de empréstimo, os custos operacionais

21 Associação Blumenauense de Artesãos, Associação das Pequenas e

Microempresas de Blumenau, Câmara dos Dirigentes Lojistas de Blumenau e

União de Micro e Pequenos Empresários de Blumenau (DIAS, 2010).

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das instituições diminuem à medida em que não são instalados postos fixos

em todas as cidades atendidas, o agente de crédito faz essa ponte.

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FIGURA 2 – Santa Catarina: rede de instituições de microcrédito, 2006

Fonte: Pantel, 2007.

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Em entrevista com a AMCRED e com o Banco do Empreendedor,

ambas em 2012, foi possível perceber a relevância deste trabalho quando

se compreende os agentes como pessoas capazes de dialogar com o

público tomador do empréstimo, conectando a instituição e o

microempreendedor, incorporando as diferenciações espaciais, como fica

evidente na fala a seguir: O nosso diferencial [...] é o agente [de crédito] que

vai até o empreendedor. O empreendedor sozinho

ele não pode tirar um dia inteiro pra ficar no banco.

[...] Especialmente em bairros de índice de

criminalidade maior, pega aqui um Brejarú da vida,

que até serviu de base para o treinamento do

exército antes de ir para o Haiti, que era o lugar

mais próximo, mais semelhante ao que eles iam

enfrentar lá e a gente aqui tão perto e desconhece

isso. Tu tens que saber que hora tu podes entrar lá

dentro, com quem tu podes falar se não tu não sais.

É capaz de entrar e não sair. Então tu tens que

conhecer bem isso, no litoral a cultura é muito

diferente, o nosso estado é muito rico. Isso falando

só de Santa Catarina. O litoral é um jeito, o oeste é

outro. A abordagem, a fala, a roupa, a maneira, o

jeito, é tudo diferente. (BERTO, 2012)

Em 2006 havia pouca concorrência entre as instituições em relação

às suas áreas de atendimento – expressa pela localização das sedes e

postos –, ou seja, cada organização tinha sua área de atendimento bem

definida e exclusiva, salvo exceção do Vale do Itajaí. Possivelmente isso

se deve a iniciativa de distribuição geográfica das instituições de

microcrédito no Programa Crédito de Confiança, já que o BADESC era o

principal aportador de funding não faria sentido promover concorrência

com o próprio dinheiro. A localização das sedes das organizações

correspondeu às cidades dos maiores níveis da hierarquia urbana do

estado (capitais regionais e centros sub-regionais), classificadas pelo

IBGE (2008). Sendo capitais regionais: Florianópolis, Chapecó,

Blumenau, Joinville e Criciúma; e centros sub-regionais: Lages, Rio do

Sul, São Miguel d’Oeste, Caçador, Concórdia e Tubarão.

Com o crescimento das instituições de microcrédito no estado e

com a complexificação desta atividade, possibilitada pela evolução da

institucionalização do setor, o BADESC deixou de participar dos

conselhos de administração das instituições, conforme argumenta Dutra

(2012):

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houve então a necessidade de o BADESC sair dos

conselhos, porque imagina, ele é aportador e o

próprio gestor do recurso. Isso gerava um conflito

de interesses, então ele sai dos conselhos para ser

mais parceiro, ele sai de dentro das instituições e aí

pode firmar um Termo de Parceria e desenvolver

mais o projeto. (DUTRA, 2012)

Neste movimento de saída do BADESC é fundada a AMCRED,

justamente motivada pelas novas conexões a serem estabelecidas entre as

organizações de microcrédito, os aportadores de recursos e as

possibilidades de interação que já compunham um cenário diferente

daquele em que o Programa Crédito de Confiança fora idealizado. Foram

treze instituições de microcrédito de diferentes lugares de Estado que se

mobilizaram entre 2004 e 2005 para fundar a AMCRED (QUADRO 6).

QUADRO 6 – Organizações de microcrédito fundadoras da AMCRED e

respectivas cidades sede, 2006.

ORGANIZAÇÃO CIDADE SEDE

ACREDITE Rio do Sul

Banco da Família Lages

Banco do Empreendedor Florianópolis

Banco do Povo Chapecó

Banco do Vale Blumenau

BAPEM Caçador

BLUSOL Blumenau

Casa do Empreendedor Joinville

CREDIAMAI Xanxerê

CREDICONFIANÇA São José

CREDIOESTE Chapecó

EXTRACREDI São Miguel do Oeste

PLANORTE Canoinhas

Fonte: Mattos (2014).

As microfinanças foram incorporadas à AMCRED em 2009,

atendendo à complexificação do setor. A AMCRED tem como objetivo

principal articular o trabalho das organizações de microcrédito, o

desenvolvimento de práticas e modelos alternativos de desenvolvimento

econômico. Especificamente, entre as finalidades da AMCRED cita-se:

buscar fontes alternativas de recursos; promover programas de

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capacitação; promover ações de incentivo ao voluntariado, para o

desenvolvimento econômico e social objetivando o combate à pobreza.

A mudança de papel do BADESC, enquanto participante dos

conselhos administrativos das instituições e principal financiador,

possibilitou transformações na dinâmica das instituições.

Temporalmente, essas mudanças coincidem com o segundo período

normativo do microcrédito, iniciado em 2004, abordado anteriormente;

período no qual o cenário institucional das organizações já está construído

e o objetivo de superar a pobreza através de uma política pública de

inclusão financeira fica mais claro.

A espacialização da rede de instituições de microcrédito sediadas

em Santa Catarina em 2015 (FIGURA 3) mostra claramente essa nova

dinâmica. As instituições passaram a operar para além das áreas restritas

relativas às associações de municípios, atendendo regiões mais distantes

de sua sede. O Banco da Família, de Lages, instalou filiais em três cidades

do Rio Grande do Sul, a partir de 2007 aproximadamente, enquanto em

Santa Catarina estabeleceu sub-redes vinculadas às suas filiais; o

Planorte, de Canoinhas, também transcendeu a fronteira estadual e passou

a atender duas cidades do Paraná, ampliando seu alcance espacial; o

Extracredi, de São Miguel D’Oeste instalou um posto de atendimento

também no Paraná; o Credioeste de Chapecó e o Juriti de Jaraguá do Sul

expandiram sua rede para cidades do Rio Grande do Sul; o Banco do

Empreendedor, de Florianópolis, estabeleceu mais lugares de conexões,

intalando agências em cidades do Vale do Itajaí e nas Regiões Norte,

Serrana e Oeste; o Bancri, de Itajaí, instalou agência em Joinville e na

Grande Florianópolis.

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FIGURA 3 – Região Sul: rede de instituições de microcrédito sediadas em Santa Catarina, 2015.

Fonte: Elaborado por Mayra de Mattos.

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Mattos (2014) explora três processos de fusão protagonizadas pelo

Banco do Empreendedor. Isto é, os três processos em que Banco do

Empreendedor passou a operar no lugar de três instituições de

microcrédito até que todos os empréstimos, quando renovados,

estivessem atrelados a carteira do Banco do Empreendedor – dessa forma,

as antigas organizações foram diminuindo aos poucos. Em 2012 ocorreu

a fusão com a OSCIP Crédito de Confiança de São José. Esse processo se

deu mais por vontade política do que estratégia econômica. Quando o

então prefeito de São José torna-se prefeito do Florianópolis, deixa de

haver razão para que haja duas organizações em cidades tão próximas,

como explica Dutra (2012): Aí se cria a Crediconfiança em São José, então,

muito mais pela vontade política do que

estratégica. Dário [Berger] passa a ser prefeito de

Florianópolis e então não havia mais necessidade

de existir as duas, por isso em 2008 acontece a

fusão do Banco do Empreendedor e da

Crediconfiança. Imagina, o Banco do

Empreendedor fazia um anúncio que pegava algum

cliente do Kobrassol, mas não podia ser atendido,

porque quem atendia lá era Crediconfiança. Todas

as instituições tinham sua região definida pelo seu

próprio estatuto, principalmente essas criadas pelo

incentivo do governo. (DUTRA, 2012)

Em 2012 foi adquirida a carteira de crédito do BAPEM, sediado

em Caçador, localizadas em diferentes cidades como mostra a fala a

seguir: O BAPEM, que está com crescimento negativo,

teve problemas de recurso e problemas de gestão.

Mas esta é uma excelente área para se trabalhar, as

cidades do interior são muito melhores que as

cidades do litoral. Tem muito mais “fio de bigode”

no negócio, as pessoas se conhecem melhor, para o

microcrédito isto é fundamental. E nós adquirimos

quatro unidades do BAPEM este ano. Nós

compramos a certeira deles em quatro regiões, nós

pegamos em Curitibanos, Campos Novos, Joaçaba

e Fraiburgo. Estamos ainda em negociação para

pegar outras duas, e digamos comprar basicamente

a instituição como um todo, que é Videira e

Caçador. (DUTRA, 2012)

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Em 2013 iniciou-se o processo de fusão com a Casa do

Empreendedor de Joinville. Neste caso, o fato que induziu a fusão foi o

compartilhamento entre as duas organizações de um mesmo diretor

superintendente, conforme Mattos (2014). O Banco do Empreendedor foi

inicialmente fundado como uma ONG e em 2002 certificou-se como

OSCIP junto ao Ministério da Justiça. Diante dos processos descritos

anteriormente, o Banco do Empreendedor manifesta interesse em operar

uma SCM. Desta forma, passaria ser regulado pelo BACEN e não pelo

Ministério de Justiça; com isso pode ter fins lucrativos, e equipara-se a

instituições financeiras, o que vai ao encontro do objetivo do Bando do

Empreendedor de em 2020 operar um banco de pequenos negócios,

segundo Dutra (2012).

Percebe-se maior densidade da rede em Florianópolis, Blumenau e

Joinville e no Nordeste catarinense (Norte e Vale do Itajaí) como um todo.

A abrangência espacial da rede de atendimento do Planorte, centralizada

em Canoinhas, é considerável, apesar de não se tratar de capital regional

nem centro sub-regional (IBGE, 2008), por transcender a fronteira

estadual e atender praticamente sozinha grande parte do Planalto Norte

do Estado. A comparação entre o mapa de 2006 e 2015 mostra que houve:

expansão da rede na região Nordeste do estado; expansão nas regiões

Norte, Vale do Itajaí e Grande Florianópolis; expansão da rede em direção

à Região Serrana e Oeste; diminuição de agências e postos de

atendimento no Sul catarinense; surgimento de instituições e extinção de

outras.

Com isso conclui-se que desde 2006 a rede de instituições de

microcrédito em Santa Catarina tem passado por mudanças relevantes.

Primeiramente, no início dos anos 2000, constituiu-se uma rede de

atendimento sob a égide de BADESC que buscou abranger todas as

regiões do estado, coincidindo com o esforço de regionalização e

descentralização da atuação estatal que vinha ocorrendo em Santa

Catarina; posteriormente, com a saída do BADESC dos conselhos de

administração das Instituições Microfinanceiras (IMFs), estas passaram a

incorporar dinâmicas de concorrência, fusão e aquisição – próprias do

processo de expansão capitalista.

Essas mudanças vão ao encontro da constatação de Feltrin,

Ventura e Dodl (2009), quando afirmam que a profissionalização do setor

faz com que cada vez mais as microfinanças se aproximem do

mainstream financeiro. Isso se revela a partir dos processos de fusão e

aquisição protagonizados pelas instituições como é o caso: do Banco do

Empreendedor, que recentemente adquiriu a carteira de crédito de

algumas instituições no Estado – Casa do Empeendedor de Joinville,

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Crediconfiança de São José, e BAPEM de Caçador; do Planorte que

atende a demanda paranaense além da catarinense; do Banco da Família

que expandiu sua rede em direção ao Rio Grande do Sul; e da Juriti,

sediada em Jaraguá do Sul, que desde o princípio teve ramificações para

o Paraná e Rio Grande do Sul.

3.3 Um estudo de caso: o Planorte

O Planorte (nome fantasia: Banco do Planalto Norte) foi uma

OSCIP fundada no escopo do programa Crédito de Confiança no início

dos anos 2000, com o objetivo de atender essa região, considerada como

um das regiões com menor IDH do estado. Segundo Brey Junior (2016),

por iniciativa do BADESC foram feitas reuniões de sensibilização na

região de onde surgiu um comitê local para estudar o caso. Em

aproximadamente um ano a organização já estava operando, tempo

necessário para estabelecer o estatuto, regulamento interno e para

contratação de pessoal.

A área de atuação do banco compreende a região da Associação do

Municípios do Norte Catarinense (AMPLANORTE) e contempla os

seguintes municípios: Mafra, Itaiópolis, Papanduva, Monte Castelo,

Major Vieira, Três Barras, Canoinhas, São Bento do Sul, Campo

Alegre, Rio Negrinho, Bela Vista do Toldo, Irineópolis, Porto União

e Matos Costa. Além dos catarinenses, atende municípios Sul do

Paraná: Rio Negro, Campo Tenente, União da Vitória, General Carneiro,

Cruz Machado, Pien e São Matheus do Sul.

A atuação do banco baseia-se em cinco linhas de crédito: Capital

de Giro, Crédito R$1.000,00, Desconto de Cheques, Investimento Fixo e

Reforma e Construção, conforme quadro a seguir.

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QUADRO 7 – Banco do Planalto Norte: linhas de crédito por tipo,

valores, prazos e juros e finalidade, 2016.

TIPO VALOR PRAZOS E

JUROS

FINALIDADE

Capital de

Giro

R$200,00 a

R$20.000,00

12 meses e

3,98% a.m.

Investimentos em

empreendimentos

formais ou

informais, compra

de maquinário, de

matéria-prima ou

reforma do local de

trabalho.

Crédito

R$1.000,00

R$1.000,00

a

R$3.000,00

3 a 12 meses

e 4,98% a.m.

Famílias de baixa

renda, pessoa física.

Desconto de

cheque

R$200,00 a

R$15.000,00

4,98% a.m. Empresas.

Investimento

Fixo (capital

de giro, fixo

ou misto)

R$200,00 a

R$20.000,00

3 a 24 meses

e os juros

variam

conforme a

categoria

Clientes formais ou

informais,

trabalhadores por

conta própria ou

micro/pequeno

empresários.

Reforma e

Construção

R$200,00 a

R$8.000,00

Até 24 meses

e 4,98% a.m.

Pessoas que

exerçam atividades

formais ou

informais.

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em informações de <

http://www.bancodoplanaltonorte.org.br/index.php?menu=solucoes&s=

credito>. Acesso em 01 junho 2016.

A linha Capital de Giro é destinada a investimentos em

empreendimentos formais ou informais, para compra de maquinário, de

matéria-prima ou mesmo reforma do local de trabalho. O valor do crédito

pode ser entre R$200,00 e R$20.000,00. Entre as condições para a

concessão do crédito está a presença de um avalista com renda

comprovada ou bens e maquinas e a avaliação feita por um agente de

crédito do Banco.

A linha Crédito R$1.000,00 é voltada para a compra de quaisquer

bens ou serviços sem necessidade de comprovação de investimento,

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objetivando atingir famílias de baixa renda. Nas palavras do entrevistado

se a “pessoa quer comprar um óculos, dentadura, até aliança, nós

financiamos” (BREY JUNIOR, 2016). O valor dos empréstimos varia de

R$1.000,00 a R$3.000,00. Apesar no nome crédito R$1.000,00, pode ser

emprestado apenas o montante necessário, mesmo que seja menor que mil

reais.

O Desconto de Cheques é destinado a empresas para aplicação na

mesma como capital de giro, fixo ou misto. O valor nominal de cada

cheque poderá ser de R$50,00 a R$1.700,00, sendo que o valor total a ser

compensado deve estar entre R$200,00 a R$15.000,00.

O Investimento Fixo destina-se a duas categorias de clientes:

formais e informais. Os formais devem ser pessoas jurídicas de direito

privado classificadas como microempresa ou empresa de pequeno porte,

denominação dada pela junta comercial do Estado. A empresa deve ser

nacional e a atividade produtiva deve desenvolver-se na área de atuação

do Banco com registro de pelo menos seis meses – clientes formais com

menos de seis meses de experiência serão considerados informais. A

receita bruta anual para as empresas deve ser de no máximo

R$2.400.000,00. Os clientes informais são pessoas físicas que trabalham

por conta própria e que atendam aos seguintes requisitos: ser brasileiro o

estrangeiro com residência permanente, professores e estudante

universitário ou de curso técnico, ou profissionais liberais. As finalidades

do crédito podem ser para capital fixo, de giro ou misto. O valor pode

variar de R$200,00 a R$20.000,00 e ambas categorias contam com

análise realizada por agente de crédito.

Por fim, a linha Reforma e Construção consiste em empréstimo

para compra de material de construção e contratação de mão-de-obra para

pessoas que exerçam atividades formais ou informais. Os valores variam

entre R$200,00 e R$8.000,00. Entre as condições para concessão do

financiamento está a análise do agente de crédito.

Em relação das demais OSCIPs de microcrédito de Santa Catarina,

o Planorte tem uma das menores média de empréstimo, é o segundo

menor (TABELA 10). Os dados da tabela abaixo compreendem o número

total de clientes e a carteira ativa em 2014 de cada uma das organizações.

Daí tem-se a média dos empréstimos por cliente ativo.

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TABELA 10 – Santa Catarina: média dos empréstimos por OSCIP de

microcrédito, 2014. CARTEIRA

ATIVA (R$)

CLIENTES

ATIVOS

MÉDIA

EMPRÉSTIMOS

(R$)

BANCRI 9.256.773,00 1.226 7.550,39

ACREVI 6.748.551,46 1.022 6.603,28

PROFOMENTO 8.222.725,13 1.378 5.967,14

CREDISOL 13.870.349,28 2.391 5.801,07

BANCO DO

POVO

1.448.164,69 285 5.081,28

ACREDITE 4.140.304,49 861 4.808,72

POLOCRED 1.008.581,00 239 4.220,00

JURITI 7.069.071,47 1.754 4.030,26

CRECERTO 11.785.726,02 3.191 3.693,43

EXTRACREDI 15.805.755,85 4.460 3.543,89

CASA DO

MICROCREDITO

8.507.373,55 2.471 3.442,89

BANCO DO

EMPREENDEDOR

25.719.300,85 8.098 3.176,01

CREDIOESTE 5.500.914,20 1.751 3.141,58

CREDIAMAI 4.598.260,87 1.541 2.983,95

BLUSOL 31.549.296,76 11.373 2.774,05

BANCO DO

PLANALTO

NORTE

4.954.126,53 1.792 2.764,58

BANCO DA

FAMÍLIA

27.131.599,73 10.724 2.529,99

Fonte: Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em AMCRED (2014).

De acordo com Brey Junior (2016), o Planorte tem reconhecimento

relevante no Estado pois foi uma das poucas iniciativas de microcrédito

do programa que não estiveram instaladas dentro das dependências do

BADESC. Isto é, grande parte das instituições foram fundadas em cidades

na qual havia uma gerência regional do BADESC e por isso puderam ter

benefícios como espaço físico, infraestrutura, apoio de pessoal entre

outros apoios devidos a essa proximidade.

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Além do BADESC, o Planorte tem conexão com uma série de

organizações da região do Planalto Norte catarinense e outras de atuação

estadual ou regional. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas

Empresas (SEBRAE) e Associação das Organizações de Microcrédito e

Microfinanças de Santa Catarina (AMCRED) prestam assistência técnica

tanto à organização como ao microempreendedor – caso do SEBRAE. O

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a

Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) são os

principais aportadores de fundos do Planorte. O Conselho Consultivo do

Planorte é formado por: Federação das Associações Empresariais de

Santa Catarina (FACISC), Associação dos Engenheiros e Arquitetos do

Vale do Canoinhas (AEVC), Federação dos dirigentes lojistas (FCDL),

Associação dos Municípios do Planalto Norte Catarinense

(AMPLANORTE), Federação dos Empregados no Comércio de Santa

Catarina (FECESC), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sindicato

do Comércio Varejista do Vale do Canoinhas (SINCOVAC), Sindicato

dos Contabilistas de Canoinhas (SINDICONT), Sindicato da Empresas

de Transporte Rodoviário de Cargas do Vale do Canoinhas

(SINDIVALE) e a Universidade do Contestado (UNC).

Incialmente, o Planorte prestava atendimento apenas para

municípios catarinenses. Seus primeiros postos de atendimento

avançados foram nas cidades de Mafra e Porto União, fundados em 2001.

Mais de dez anos depois, em 2013, um novo posto foi fundado em São

Bento do Sul, cidade que já era, e ainda é, atendida pela Casa do

Empreendedor, de Joinville. Refletindo o movimento de mudança do

papel do BADESC, a partir de 2007 o Planorte começou a atender

municípios do Paraná. (FIGURA 4).

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FIGURA 4- Planorte: evolução da rede de atendimento, 2006, 2012 e 2016.

Fonte: organizado por Mayra de Mattos com base em Pantel (2007) e Mattos (2014).

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Ao longo do processo de constituição do banco e do

estabelecimento de sua rede de atendimento, alianças precisaram ser

formadas com outras instituições em prol de garantir os interesses do

Planorte (FIGURA 5). A primeira delas foi o BADESC no contexto do

Programa Crédito de Confiança. Além de aportador de funding o

BADESC atuou como articulador do microcrédito no Estado,

posteriormente, o papel de articulação foi passado para a AMCRED que

hoje é a organização de congrega todas as iniciativas de microcrédito

catarinenses. Além dessas organizações, houve também articulação com

o Ministério da Justiça para a habilitação como OSCIP, a qual o Planorte

necessita para a realização de suas atividades. O BNDES, ao lado do

BADESC também participa aportando funding. Por fim, a filiação com a

Microcredit Summit Campaign, organização sediada em Washington, que

além de propor um plano de ação e realizar um diagnóstico do

microcrédito na década de 1990, é uma organização de reúne agentes e

instituições comprometidas com o microcrédito por todo o mundo.

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FIGURA 5 – Planorte: rede de interações, 2016.

Fonte: Organizado por Leila C. Dias e Mayra de Mattos com base em pesquisa de campo realizada em 2016 e sítio do banco em 2016 www.bancodoplanaltonorte.org.br. Realização: Caio Brito

Peres.

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O Programa Nacional de Microcrédito Produtivo e Orientado

(PNMPO) exige que para captar recursos junto ao BNDES e BADESC

para operações de microcrédito produtivo orientado a instituição seja

habilitada junto ao Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo o

entrevistado, os maiores aportadores de funding são esses, são eles que

sustentam a operação do Planorte.

A filiação à Microcredit Summit Campaign foi concretizada por

razões simbólicas. Na prática do dia-a-dia do Planorte, a Microcredit

Summit Campaign não exerce influência ou presta auxílio algum. Mas

para que a filiação fosse realizada, foi necessário que a Microcredit

Summit Campaign recebesse a aceitasse uma série de documentos e dados

do Planorte. Essa aceitação implica no reconhecimento de que o Planorte

é uma instituição séria e comprometida com a causa do microcrédito. Nas

palavras do entrevistado: Tem vários órgãos internacionais que estudam e

apoiam as microfinanças. Para nós foi bom porque

deu uma visibilidade, muita gente perguntou e tal.

E os nossos dados foram aceitos, nossa

documentação foi aceita, mostrou uma boa

transparência, foi bacana. (BREY JUNIOR, 2016)

Como mencionado anteriormente, o movimento de saída do

BADESC dos conselhos administrativos das instituições fundadas por ele

inaugurou, em 2006, uma nova dinâmica espacial das organizações de

microcrédito em Santa Catarina. Os processos de fusão e aquisição

protagonizados por algumas instituições foram também acompanhados

por movimentos de expansão do atendimento que, no caso do Planorte,

condiz com a estrutura de rede urbana nacional.

Os municípios da sede e dos postos avançados do Planorte

localizam-se próximos a fronteira com o Paraná. Ao observar-se o estudo

da Região de Influência das Cidades do IBGE (IBGE, 2008) é perceptível

que a rede urbana do planalto norte catarinense está muito mais conectada

com a Metrópole de Curitiba e com Joinville (Capital Regional B) do que

com a Capital Regional A representada por Florianópolis, embora seja a

capital do estado em que se localiza (FIGURA 6).

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FIGURA 6– Planalto Norte Catarinense: Região de influência de Curitiba

e Florianópolis, 2007.

Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em IBGE (2008)

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É perceptível que há um vazio de influência histórica exercida por

Florianópolis na Região Norte do Estado. Inclusive Joinville se mostra

relativamente mais conectada com Curitiba do que com Florianópolis.

Isso ajuda a explicar o porquê do avanço do Planorte em direção aos

municípios sul paranaenses e não aos do interior do próprio estado de

Santa Catarina. Outro elemento que vai ao encontro disso, que pode ser

confirmado em campo, é a contiguidade entre os municípios da região

atendida pelo banco, separados por uma fronteira político-administrativa

que, neste caso, é simbólica – a luz do exemplo de cidades

transfronteiriças. Mafra é muito interessante, pois o rio corta a cidade

de Mafra e Rio Negro do Paraná [...]. União da

Vitória é a mesma coisa, Porto União e União da

Vitória é separado pelo trilho de trem, então está o

tempo todo ali. O pessoal vem, nós vamos, assim

por diante. (BREY JUNIOR, 2016)

Os municípios atendidos pelo Planorte em Santa Catarina

coincidem com duas Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs),

a SDR de Canoinhas e a SDR de Mafra, com exceção de Matos Costa que

faz parte da SDR de Caçador.

A SDR de Canoinhas congrega seis municípios na Região do

Planalto Norte (Canoinhas, Porto União, Ireneópolis, Bela Vista do

Toldo, Três Barras e Major Vieira). Canoinhas é o maior centro urbano

da região, seguido por Porto União e Três Barras. Em 2011, essa região

detinha aproximadamente 2% da população do Estado, sendo que cerca

de 30% dessa população era rural (FEPESE, 2016a).

Dados do ano de 2000 da FEPESE (2016a) mostram que a região

tinha forte concentração da atividade industrial dos produtos de madeira

e celulose-papel, com 76% do pessoal ocupado nesses setores. No período

de 2000 a 2011, embora tenha havido crescimento desses setores na

região, cresceu à taxa inferior à média regional, que por sua vez cresceu

a médias inferiores ao do crescimento da indústria estadual. Tomando por

base esse mesmo período, percebe-se que Canoinhas possui aglomerados

produtivos de elevado Quociente Locacional22 (QL) em setores de base

florestal (FEPESE, 2016a).

22 “Tradicional na literatura de economia regional, o QL procura comparar duas

estruturas setoriais-espaciais. Ele é uma razão entre duas estruturas econômias:

no numerador tem-se a ‘economia’ em estudo e no denominador uma ‘economia

de referência’” (CROCCO et al, 2006, p. 218). Segue exemplo conforme Crocco

(2006):

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A região de Canoinhas tem sua indústria fortemente voltada ao

processamento de matérias-primas de base florestal e atividades voltadas

a pecuária e agricultura, típicas da Região do Planalto. A FEPESE

(2016a) aponta que o principal setor da região (produtos de madeira)

sofreu retração na primeira década dos anos 2000, isso refletiu na queda

de participação da população no setor e do emprego industrial do Estado.

Contudo, os dados não apontam se houve o surgimento de novo setor de

atividades para compensar a referida queda e sustentar o crescimento

regional, reduzindo as desigualdades em relação a outras regiões do

Estado.

A SDR de Mafra situa-se também no Planalto Norte do Estado e,

por sua vez, é formada por sete municípios: Mafra, Monte Castelo,

Papanduva, Itaiópolis, Rio Negrinho, São Bento do Sul e Campo Alegre.

A região detinha, em 2011, cerca de 3,6% da população estadual sendo

que, diferentemente da SDR de Canoinhas, aproximadamente 20% da

população vivia em área rural (FEPESE, 2016b). Nessa região, São Bento

do Sul e Mafra são os maiores centros urbanos.

Dados dos anos de 2000 e 2011 apontam para uma retração

considerável nos setores de mobiliário e produtos de madeira (FEPESE,

2016b). No ano 2000, 68% do pessoal ocupado na atividade industrial

estava nesses setores, já em 2011, embora o número de empregos na

indústria tivesse aumentado na região, o percentual de pessoal ocupado

no setor de mobiliário e produtos de madeira caiu para 48%. O estudo da

FEPESE (2016b) aponta que tal queda se deve ao problema da apreciação

cambial sofrido pelo setor mobiliário especializado em exportação a partir

de meados da década de 2000.

Ainda assim, verifica-se que a região de Mafra possui, com base

no QL, aglomerados produtivos nos setores de base florestal, mobiliário,

produtos de madeira, produção de papel e celulose e produção florestal.

Segundo o estudo da FEPESE (2016b), outras aglomerações produtivas

relevantes são as de produtos minerais não metálicos, agricultura-

pecuária e segmentos do setor metal mecânico.

A região de Mafra, por fim, possui municípios voltados a cadeia

de base florestal e municípios voltados à pecuária e agricultura típicas da

região do Planalto. Embora tenha havido queda do setor madeireiro

voltado à exportação, outros setores elevaram sua participação, como o

QL = (Eij/Ei)/(EiBR/EBR), onde Eij: emprego da atividade industrial i na região

j; Ei: emprego industrial total na região j; EiBR: emprego da atividade industrial

i no Brasil; EBR: emprego industrial total no Brasil. No caso dos QLs das SDR a

referência foi Santa Catarina, não o Brasil.

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103

metal-mecânico como possibilidade de aumentar a diversificação da

economia regional considerando a proximidade com o pólo industrial de

Joinville (FEPESE, 2016b).

Ambas SDRs apresentam relevante semelhança no que se refere a

base da economia regional: o setor florestal e produtos derivados da

madeira, no âmbito industrial, e agricultura típica do Planalto. Apesar da

coincidência da área de atendimento em Santa Catarina com as SDRs de

Canoinhas e Mafra, há pouca inserção das atividades dos tomadores de

empréstimo nos setores predominantes da economia regional, como foi

possível identificar em trabalho de campo23. A maior parte deles realiza

atividades que se direcionam para a população, não para a indústria da

região, atividades como panificação, cabeleireiro, produção de

embutidos, revenda e confecção de roupas, entre outras do gênero. A

finalidade principal do crédito dos clientes do Planorte, em 2016, é para

atividades do ramo dos serviços, cerca de 45%, em seguida tem-se o ramo

do comércio, seguido pela produção e, por fim, misto – representando

26%, 17% e 12% respectivamente

O movimento de expansão do Planorte e sua estratégia de ação – e

do microcrédito em Santa Catarina – estão muito ligados a atuação dos

agentes de crédito. Eles são responsáveis pela penetração da instituição

no espaço na medida em que se valem da rede de relações construída pela

própria população entre si, o que incorre em baixos custos de manutenção

das áreas de atendimento para a organização de microcrédito, pois basta

que os agentes utilizem um carro.

Em campo foi possível reconhecer como é a atuação do agente de

crédito, o que essa ocupação tem de especial para o setor e como se dá a

formação de agentes de crédito em Santa Catarina. Antes de iniciar o

trabalho propriamente dito, os agentes passam por um treinamento de

cerca de uma semana no qual aprendem principalmente: a realizar o

levantamento socioeconômico, fazer análise da condição socioeconômica

e da capacidade de endividamento do possível tomador e, por fim, a emitir

pareceres favoráveis ou não ao empréstimo. No caso catarinense,

usualmente os cursos são realizados em conjunto, ou seja, um grupo de

agentes de diferentes instituições de microcrédito do Estado se reúnem

para contratar e fazer o curso, como ilustra a fala a seguir: Nós temos os consultores que ministram o curso

para os agentes de crédito. Então aqui em Santa

Catarina tem a AMCRED. Porque assim, a gente

23 Trabalho de campo realizado em maio de 2016 no município de Canoinhas,

SC.

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contratar um curso aqui só para a Planorte fica

inviável, então vocês se reúnem com a AMCRED,

marca um curso. Até vai ter um curso na semana

que vem lá em Florianópolis. Todas as afiliadas

encaminham seus agentes de crédito que precisam

ser treinados, são os novos normalmente. Quem

ministra o curso são as empresas que se qualificam

para tal. Nós temos a Criar Brasil, [...] muito

conhecida. Nós temos a CETEG, que é [...] de um

dos fundadores do Banco da Família de Lages, uma

das maiores organizações de microcrédito do

Estado. (BREY JUNIOR, 2016)

Com o treinamento, o agente de crédito é capaz de realizar o

levantamento socioeconômico através do preenchimento de um

formulário. Para que seja bem feita essa tarefa, a comunicação com os

clientes é relevante, pois a partir de uma boa comunicação o agente será

capaz de extrair todas as informações necessárias para compreender e

distinguir os gastos da casa e da família, os custos do negócio, identificar

se há contas não pagas, se há dívidas, o patrimônio da família e da

empresa, entre outros elementos de sutil distinção para esses pequenos

negócios familiares nos quais família e empresa tem, muitas vezes, caixa

único.

Segundo o agente de crédito, esse é o desafio que encontra nessa

fase da análise de crédito. Isso foi verificado não apenas através da fala

do agente de crédito explicando seu trabalho, como também em contato

com os empreendedores no local de suas atividades no momento em que,

com suas próprias palavras e conhecimentos, mostravam-nos como seu

negócio funciona e sua história24. Já houve, segundo Brey Junior (2016),

tentativas de trazer funcionários do sistema bancário tradicional para o

Planorte, mas não funcionou pois essas pessoas já estão doutrinadas, já receberam

uma orientação focada a classe A. Então eles têm

24 Foram visitados quatro microrepreendedores. Quase todos eles exerciam as

atividades em suas próprias residências. O primeiro deles era um serralheiro, que

apesar de bem empregado, preferiu trabalhar por conta própria. O segundo era,

na verdade, um casal. Ele tem uma pequena fábrica de embutidos que abriu para

podem empregar os filhos, ela revende roupas e semi-jóias. O terceiro era uma

família (pai, mãe e filho) que compram e revendem materiais recicláveis; neste

caso o galpão em que armazenam os produtos não é junto com a casa da família.

Por último, também um casal. Ela cozinha marmitas em fogão a lenha para vender

e ele faz serviços de mecanografia e revende balanças e máquinas registradoras.

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muitas barreiras e muitos preconceitos porque não

conhecem essa realidade. E aquela história, a partir

do momento em que você tem um modelo é difícil

mudar. (BREY JUNIOR, 2016)

Como o agente de crédito chega a cada uma dessas pessoas? A

prospecção dos clientes do Planorte pelo agente de crédito acontece de

porta em porta. O banco realiza propaganda em rádio, distribui panfletos,

mas é reconhecido que a forma mais eficiente de encontrar clientes é pelo

contato direto do agente de crédito. Olha só, você vê o seguinte como é interessante.

Muitas vezes você coloca panfleto, coloca no rádio

e não chama atenção. O que traz clientes para a

gente é o porte em porta, é a referência de um

cliente para o outro e o agente de crédito indo lá

fazer as divulgações. [...] é de casa em casa. Por

exemplo chega nessa casa aqui, na Silmira. A

Silmira vai lá e faz um empréstimo para ela, aí a

gente pergunta ‘Silmira, você tem alguém na sua

rua que você possa indicar, alguém que você

conheça que tenha uma atividade? Daí

normalmente ela fala de dois ou três

estabelecimentos que tem placa na frente, daí o

agente de crédito fala assim ‘não, eu já identifiquei

aquela empreendedora e até vou lá falar com ela

daqui a pouco. Mas você conhece alguém que de

repente não tem placa e que trabalha por conta

própria?’. Daí fala alguns exemplos: artesanato,

carpinteiro, eletricista aí ela começa a lembrar da

mulher que faz salgadinhos, que é artesã,

entendeu? E acaba identificando assim. Porque

aquilo que tem placa é fácil, muito simples, mas

aquilo que não tem nenhuma identificação você

tem que chegar através de alguma referência.

(BREY JUNIOR, 2016)

Assim fica claro como há uma rede de pessoas já estabelecida nos

bairros e vizinhanças da qual o agente de crédito se vale para identificar

os possíveis tomadores de empréstimos, capilarizando a ação da

instituição pelo território. Ou seja, fica claro que os habitantes da cidade

integram a rede.

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Além desse processo de difusão pelo espaço levado pelos agentes

de crédito de porta em porta, há o esforço de manutenção dos clientes.

Esta é uma característica do microcrédito produtivo orientado, a qual se

deve sua eficiência em atender a população excluída do sistema bancário

tradicional. Feito o levantamento sócio-econômico e dado o parecer

favorável pelo agente de crédito, cabe ao comitê de crédito da instituição

estudar o caso e dar o aval final. Concedido o empréstimo, o agente é

responsável por realizar revisitas periódicas ao cliente no local da

atividade para ter contato com o empreendedor, checar se algo precisa ser

ajustado, se há alguma dúvida ou desvio do foco do empréstimo, enfim,

manter o cliente no sistema de microcrédito. Inclusive, em uma das visitas

realizadas houve um retorno do cliente para o agente informando que a

irregularidade que o mesmo havia identificado nas contas do

microempreendedor e sugerido que fosse problema com o contador, de

fato era. O cliente sozinho não havia se dado conta de tal situação. Parte

do galpão desse mesmo cliente, que revende resíduos sólidos recicláveis,

sofreu um princípio de incêndio que comprometeu parte da estrutura e

provocou a perda de parte dos materiais, em 2011. Após esse incidente, o

banco “congelou” o pagamento das parcelas do empréstimo por cerca de

6 meses, até que o cliente reestruturasse e pudesse voltar a pagar

Caso o agente identifique algum problema pelo qual o cliente passa

e não possa resolver com seu próprio conhecimento, encaminha o

empreendedor ao SEBRAE. A fala a seguir ilustra como o preparo do

agente de crédito é importante para o funcionamento e a manutenção do

sistema de microcrédito O que ocorre, se você empresta tudo ao mesmo

instante é que a empresa não suporta. Ela não tem

capacidade de pagamento, digamos, para R$10 mil.

Ela tem para R$3.000 ou R$3.500. Então, por isso

que é feito o financiamento de forma progressiva:

o piso, a desdobradeira, depois o capital de giro e

tal e tal. Se o agente de crédito de repente não tem

aquela visão de negócios, vê que o cara tem uma

certa estrutura e pensa já ‘vamos fazer o seguinte,

já vamos fazer o piso, comprar a máquina, fazer o

reboco e um giro’. Não vai suportar, vai asfixiar.

Por isso é microcrédito produtivo e orientado.

(BREY JUNIOR, 2016)

Neste mesmo sentido, o entrevistado afirma: O nosso papel na verdade não é só de conceder o

crédito, nosso papel também é de orientar as

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pessoas. Porque o ‘não’ às vezes muito bem

colocado acaba fazendo a diferença na vida dessas

pessoas. Em cidades pequenas nós temos esse

privilégio de encontrar a pessoa na rua e ela dizer

‘ainda bem que vocês não concederam o crédito

naquele momento, porque realmente eu não estava

preparado para ser um empreendedor’, ou vem

agradecer por ter recebido o crédito. (BREY

JUNIOR, 2016)

Essa forma de atuação do banco está muito ligada com o seu

objetivo e com o ideário do microcrédito explorado no primeiro capítulo.

Percebeu-se que, no caso do Planorte, não há uma ingenuidade no sentido

de que serão capazes de resolver o problema da pobreza, é um discurso

apoiado no ideário do empreendedorismo. É clara a noção de que a

iniciativa em questão faz parte de uma política pública, dentre tantas

outras, que tem como foco uma parcela específica da população. A

consequência da realização dessa política é a inclusão em sistemas

financeiros alternativos de pessoas excluídas do sistema tradicional e, por

vezes, vulneráveis a situações de pobreza. É importante deixar claro que

os clientes atendidos pelo Planorte são aqueles que já tem alguma

atividade empreendedora em andamento. Nós não apoiamos essas pessoas porque eles estão

abaixo da linha da pobreza, eles não têm um

pequeno negócio. Nós temos que trabalhar e

incentivar as iniciativas, aquelas que geram

emprego e renda. Aqui são outras políticas públicas

que deverão ser prestadas para essa comunidade.

Mas eu ilustro com essas fotos e fiz questão de

trazer pra você porque é onde nós não queremos

chegar. Onde a sociedade não deve chegar, ou seja,

na pobreza extrema. Então alguma coisa tem que

ser feita para evitar. [...]. Aí você sabe, melhor do

que eu, que existem 500 ou 700 políticas públicas

voltadas para a comunidade, não sei exatamente o

número. Nós trabalhamos com uma delas. (BREY

JUNIOR, 2016)

Em campo foi visto que a maioria das casas visitadas eram casas

de alvenaria, mais ou menos bem estruturadas. Foi visto que os pequenos

negócios tinham alguma estrutura e que eram bastante conectados com a

família. No caso da cozinheira, Dona Marisa, estava sendo feita uma

reforma em sua casa para construir uma cozinha separada da cozinha da

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casa. Ela mencionou que quando a reforma ficasse pronta, ela poderia

contratar outra ajudante, além da que já tem, para poder produzir e atender

melhor a demanda; ela vende cerca de 30 marmitas por dia, algumas os

clientes vão buscar, outras são entregues pelo marido. Dona Marisa

trabalhava com o marido nos consertos de máquinas registradoras, mas

um dia, após passar mal pelo estresse que sentia em sua tarefa, resolveu

cozinhar para vender, ela comenta que sempre foi reconhecida pela

comida boa. Assim, deixou de trabalhar junto com ele. Para poder

comprar panelas material para ampliar sua produção, ela buscou a Caixa

Econômica Federal e a Sicredi. Na Caixa Econômica ela comenta que não

recebeu atenção, e na Sicredi não havia o produto adequado para ela.

Soube da Planorte e há quatro anos, em 2012, pegou o primeiro

empréstimo. Além da cozinha, a garagem e a varanda da casa estavam

sendo reformadas com os recursos do mesmo empréstimo, mas isto com

objetivo de atender à família, não ao negócio.

O caso da família que tem a fábrica de embutidos chama atenção.

Dona Antônia, trabalhava como doméstica, mas em razão de dar atenção

aos filhos recém nascidos, deixou de trabalhar fora de casa e começou a

revender roupas e semi-jóias para complementar a renda familiar. Anos

depois, Seu Luís que trabalhou mais de 30 anos em fábricas de embutidos

como empregado, deixou a fábrica e abriu a sua própria pela preocupação

de que os filhos tivessem emprego. Sua esposa inicialmente usava suas

próprias economias para sua revenda, mas após a constituição da pequena

fábrica, passou a aproveitar também os empréstimos para alavancar seu

negócio. Seu Luís emprega além dos filhos, um funcionário. Na sua

pequena fábrica no fundo do quintal tem, inclusive, uma sala de

defumação; tempero é plantado no quintal de casa.

Claudinei, serralheiro, está no processo de deixar de ser

Microempreendedor Individual (MEI) para se cadastrar no Simples

Nacional, do qual fazem parte microempresas. Assim poderia contratar

serviços financeiros mais adequados para sua pequena empresa.

Recentemente mudou-se de casa para ter um galpão maior para trabalhar.

Pretende mudar-se novamente para outra onde possa deixar a residência

da família separada do galpão e assim possa montar um pequeno

escritório e contratar um funcionário. Com esses relatos se vê como, de

fato, a população atendida pelo Planorte tem alguma estrutura e algum

recurso que lhes permita investir em uma atividade produtiva.

O Planorte tem como objetivos: conceder crédito por modelo

alternativo (microcrédito) visando a criação, crescimento e consolidação

de empreendimentos de micro e pequeno porte, formais e informais

dirigidos por pessoas de baixa renda; e a promoção do desenvolvimento

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econômico e social e combate à pobreza. Na fala a seguir do entrevistado

fica claro que há uma preocupação com o retorno financeiro do

empréstimo, afinal é dessa forma que a OSCIP se mantém. Nós entendemos que é uma das maiores políticas

públicas voltadas para a classe C, D e E sem

assistencialismo e sem paternalismo. Nós somos

uma organização do terceiro setor, nós temos a

consciência de que nós não podemos resolver todo

o problema da coletividade. Então nós temos que

fazer bem aquilo que nos propomos, ou seja,

conceder para alguns, não para todos. Nós não

temos essa capacidade de resolver o problema da

geração de emprego do Estado e do País. Nós

estamos contribuindo com o primeiro setor e com

o segundo setor, porque se fosse fácil o primeiro

setor já teria resolvido, o segundo setor também

teria resolvido. Então é sem paternalismo e sem

assistencialismo para filtrar, para atender

justamente aqueles que tem alguma capacidade

empreendedora e que tenha capacidade de gerar

emprego e renda para o seu sustento. (BREY

JUNIOR, 2016)

O microempreendedor atendido pelo Planorte é aquele que já tem

algum pequeno negócio em funcionamento. Segundo Planorte (2016), a

maior parte deles, cerca de 64%, é informal ou Microempreendedor

Individual (MEI). O Planorte não pratica garantias por aval solidário, isto

é, os créditos em grupos. Grande parte das garantias são prestadas por

fiador, como na fala a seguir: o que acontece é que alguém que tem uma renda de

mil reais ou dois mil reais pode ser o aval de uma

operação de 1.500 reais por exemplo. (BREY

JUNIOR, 2016)

O gênero dos tomadores de empréstimo é bem equilibrado, sendo

praticamente metade homens e metade mulheres. Quase 80% do capital

utilizado pelos por eles é para capital de giro, ou seja, para financiar a

continuidade das atividades da empresa. O nível de instrução dos

tomadores de empréstimo do Planorte é relativamente alto, mais da

metade tem ensino médio completo ou ensino superior – isso tem a ver

com o fato de não utilizar de aval solidário, o levantamento bibliográfico

mostrou que geralmente pessoas com nível de instrução mais elevado não

tem interesse em se responsabilizar por empréstimos alheios. Sobre o

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nível de renda, mais da metade recebe até 3 salários mínimos. Nas

palavras do entrevistado, os tomadores de empréstimo atendidos pelo

banco podem ser assim definidos:

Quem são os nossos clientes? São os pequenos

negócios que nós consideramos grandes

empreendedores. Porque grandes

empreendedores? Pela grande dificuldade, porque

o pequeno empresário/empreendedor ele tem que

produzir, comprar, vender, calcular custos, prestar

seu próprio marketing, ele é o RH, ele é tudo. Então

são grandes empreendedores pela dificuldade que

enfrentam. A maioria dos nossos clientes são

informais e sem garantias formais. Porque que o

microcrédito atinge a comunidade? Porque nós

precisamos só de fiador. As garantias só garantem

que quem não as tem não tem acesso ao crédito.

[...] Pessoas com dificuldades de acesso aos bancos

tradicionais, baixa escolaridade, envolvimento da

família no negócio – na grande maioria a família

está envolvida, a mulher, os filhos e o marido que

muitas vezes trabalha em uma fábrica mas no

horário de folga ou final de semana ele está

ajudando, auxiliando no negócio. Direcionado para

a população de baixo desenvolvimento humano

com objetivo de fomento e criação de capacidades

produtivas. (BREY JUNIOR, 2016)

É de se destacar que 45% dos tomadores de empréstimo não tem

conta em banco (PLANORTE, 2016). Esse dado sobre acesso a serviços

financeiros corrobora com o esforço do Banco Central que, através de

suas organizações oficiais, busca promover a inclusão financeira das

camadas mais excluídas da população. O que chama atenção nesse caso é

o fato de que a OSCIP não faz parte do sistema de instituições fiscalizadas

pelo Banco Central e mesmo assim uma parcela significativa de seus

clientes organizam suas finanças a parte do sistema financeiro tradicional.

Isso indica que, por um lado, embora a função da OSCIP seja de

oferta de microcrédito propriamente dito, ela cumpre um papel de incluir

financeiramente a medida em que grande parte de seus clientes não busca

as instituições tradicionais; por outro lado revela que há, ainda, uma

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significativa parte da população economicamente ativa que o sistema

financeiro tradicional não dá conta de atender.

Observa-se como o papel do agente de crédito é relevante para o

funcionamento da rede. Essa é uma figura pouco comum nos bancos

tradicionais, não faz parte das metodologias mais usuais dos bancos um

contato próximo e exclusivo com os clientes25. Geralmente os

procedimentos são de massa. No caso do microcrédito, o agente de crédito

é tanto sua estratégia de inserção quanto de manutenção no espaço. Então

o microcrédito pode ser considerado como um mecanismo de

financeirização da população.

Por fim, é uma escolha do banco de se constituir como OSCIP – já

foi apresentado neste trabalho que há outros formatos organizacionais

com os quais se pode operar o microcrédito no Brasil. Contudo, seguindo

a recomendação do programa Crédito de Confiança, que sugeria que

fossem ONGs, o Planorte mantém sua constituição jurídica por duas

razões: para manter sua especificidade dentro do mercado das

microfinanças e para cumprir a função social a qual se propõe. Então o que acontece que é nós podemos até dentro

da OSCIP ter em um braço uma SCM para fazer

um produto diferenciado que a OSCIP não possa

fazer, que a legislação não faça. [...] Mas eu penso

assim: nós somos criados com uma finalidade

social sem fins lucrativos, então você não pode ter

desvio da rota, do foco. Porque daqui a pouco, se

for para fazer o que o sistema financeiro faz,

porque uma SCM é vinculada ao Banco Central,

então não há necessidade. Por que quando chegar

lá você vai querer ter resultados só financeiros e tal.

Porque nós temos o econômico: geração de

emprego e renda, uma área social que nós fazemos.

E a instituição sustenta a si mesma. Claro que

precisaria mais apoio da legislação, até mesmo dos

fomentadores para ariscar mais e aquela coisa toda.

Mas eu entendo assim, que nós fomos criados com

essa finalidade e você tem que atender essa

finalidade. [...] Porque acontece o seguinte, se for

para fazer o que o sistema tradicional faz, não tem

25 Aliás, faz parte dos bancos privados para os clientes mais ricos. Os gerentes

dos grandes bancos privados nacionais visitam os clientes com altos

investimentos no banco. Ou seja, para a massa de clientes não há esse tipo de

serviços personalizado, mas há dois serviços semelhantes para públicos

antagônicos.

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a necessidade de ser uma OSCIP, se for regulado

pelo Banco Central vai atrás de lucro. [...] Aqui

não, aqui é interesse público. (BREY JUNIOR,

2016)

3.4 Afinal, porque o microcrédito em Santa Catarina chama atenção?

Santa Catarina é um estado com representatividade no setor das

microfinanças por um conjunto de razões, algumas pontuadas ao longo

deste trabalho. É especialmente relevante em relação ao microcrédito

representado pelas OSCIPs. Santa Catarina conta com mais OSCIPs

registradas no Programa Nacional de Microcrédito Produto Orientado

(PNMPO) do que a média nacional, como visto no capítulo II. Sozinho, o

estado tem 23 das 165 do país. A representatividade das cooperativas que

operam o PNMPO também chama atenção. São 91 das 296 do país, isto

é, cerca de 30% do total. Contudo, a história das OSCIP catarinenses de

microcrédito resulta de uma reunião de esforços de um conjunto de

agentes pelo estado em prol da causa específica do microcrédito do que

as cooperativas. É evidente que o cooperativismo no Estado tem

representatividade, porém as iniciativas cooperativas não estão única e

exclusivamente voltadas para o microcrédito, como é o caso das OSCIPs.

O programa Crédito de Confiança foi o grande responsável pela

distribuição de organizações de microcrédito pelo Estado todo. Uma

iniciativa que teve como ator central o Governo do Estado representado

pela Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) que se

valeu de lideranças locais e conjuntos de agentes sociais em diferentes

porções do espaço catarinense para se realizar. Isso remonta à ideia de

Cox (1998) que explica que os agentes sociais, num movimento de

realizar seus interesses, definem seus espaços de dependência e seus

espaços de compromisso. Os espaços de dependência são definidos como

um conjunto de relações sociais mais ou menos localizadas das quais se

depende para a realização de interesses essenciais e para as quais não há

substitutos. Para garantir a existência e continuação desse espaço de

dependência, as empresas, organizações, pessoas etc. precisam

comprometer-se com outros centros de poder social, os espaços de

compromisso: espaço no qual a política surge para garantir os espaços de

dependência.

A rede urbana do Estado, sem cidades primazes, em que há cidades

de porte médio distribuídas em todo o seu território, encaminha a um

desenvolvimento de forma particular. Isto é, embora haja centros

economicamente mais dinâmicos, há diversas cidades de médio porte, e

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dessa forma, demanda pelo microcrédito por todo o Estado como pode

ser visto, especialmente, no mapa do ano de 2015.

Moura e Santos (2011) ressaltam que a reorganização da rede

urbana nos estados de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul

ocorrida nas três últimas décadas expressa que há, por um lado, uma

continuidade no arranjo intraurbano com forte articulação em torno dos

polos metropolitanos; por outro lado traz uma articulação apoiada em

poucos centros isolados. Em Santa Catarina, além dos tradicionais centros

regionais de Joinville e Blumenau, “estendem-se novas aglomerações,

configurando uma densa rede de cidades, e define-se com maior nitidez a

importância de Chapecó na porção Oeste” (MOURA; SANTOS, 2011, p.

180).

Santa Catarina tem a maior média por empréstimo em todo o país,

a frente até mesmo do mais rico deles, o Estado de São Paulo (TABELA

11).

TABELA 11 – Brasil: média dos empréstimos, contratos realizados,

clientes atendidos e valor concedido pelo PNMPO por Unidade da

Federação (UF), primeiro trimestre de 2015.

Contratos

Realizados Clientes Atendidos Valor Concedido Média

UF Absoluto % Absoluto % Absoluto (R$) % R$

SC 26.160 2,03 25.157 1,95 126.676.247,54 4,50 4.842,36

RJ 25.242 1,95 20.411 1,58 66.897.889,48 2,38 2.650,26

MA 103.739 8,03 108.898 8,44 274.075.527,22 9,74 2.641,97

ES 7.752 0,60 7.439 0,58 19.759.357,57 0,70 2.548,94

DF 9.206 0,71 8.009 0,62 21.851.636,74 0,78 2.373,63

PR 18.265 1,41 17.023 1,32 41.836.205,24 1,49 2.290,51

GO 13.859 1,07 11.888 0,92 31.420.300,61 1,12 2.267,14

SE 52.296 4,05 56.827 4,40 117.340.561,95 4,17 2.243,78

RS 19.923 1,54 15.936 1,23 42.771.958,86 1,52 2.146,86

PE 83.655 6,48 83.381 6,46 175.706.097,28 6,25 2.100,37

RR 512 0,04 485 0,04 1.063.850,87 0,04 2.077,83

MT 5.038 0,39 4.812 0,37 10.457.837,45 0,37 2.075,79

RN 65.041 5,04 64.767 5,02 134.155.124,53 4,77 2.062,62

(Continua)

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(Conclusão)

Contratos

Realizados

Clientes

Atendidos Valos Concedido Média

UF Absoluto % Absoluto % Absoluto (R$) % R$

PA 5.745 0,44 5.541 0,43 11.716.930,58 0,42 2.039,50

BA 133.517 10,34 132.758 10,29 271.352.230,50 9,65 2.032,34

SP 80.679 6,25 72.128 5,59 163.623.399,84 5,82 2.028,08

AC 654 0,05 643 0,05 1.312.774,45 0,05 2.007,30

AL 54.703 4,24 55.361 4,29 107.733.393,33 3,83 1.969,42

PI 119.025 9,22 122.700 9,51 233.410.517,62 8,30 1.961,02

MG 77.177 5,98 74.909 5,80 149.570.126,63 5,32 1.938,01

PB 82.293 6,37 82.358 6,38 159.203.535,05 5,66 1.934,59

AP 655 0,05 629 0,05 1.262.898,99 0,04 1.928,09

TO 1.607 0,12 1.578 0,12 3.065.033,55 0,11 1.907,30

AM 1.476 0,11 1.443 0,11 2.801.191,91 0,10 1.897,83

RO 2.224 0,17 2.143 0,17 4.185.355,26 0,15 1.881,90

MS 3.738 0,29 3.658 0,28 6.655.455,32 0,24 1.780,49

CE 376.749 29,17 379.025 29,37 647.370.019,99 23,02 1.718,31

Fonte: Organizado por Mayra de Mattos com base em MTE (2015b).

Ao lado de Santa Catarina, o Estado do Ceará se destaca em

número de contratos realizados, clientes atendidos e valor concedido,

embora tenha a menor média nacional do valor dos empréstimos.

Provavelmente isso se deve ao papel do Banco do Nordeste que, através

do Crediamigo e Agroamigo, realiza microcrédito para clientes rurais e

urbanos.

Por fim, o argumento de Marcon (2009) muito justifica o sucesso

do esforço de constituição da rede de organizações de microcrédito em

Santa Catarina, o que significa que, não só o esforço do BADESC e do

governo estadual foram relevantes [...] Santa Catarina apresenta uma

densidade institucional e organizativa que a

torna referência nacional e demonstra que

seu capital social guarda uma relação muito

estreita com a sua formação

socioeconômica. Uma das experiências que

revelam essa densidade está presente no

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associativismo municipal que nasceu num

processo de “baixo para cima”, cujos atores

buscaram na parceria e na articulação

construir ‘escalas insurgentes’.

(MARCON, 2009, p. 357)

Conclusão

Pelo estudo do histórico da formação econômica de Santa Catarina,

percebe-se que a regionalização do estado funcionou como uma tentativa

de reforçar poderes políticos. Percebe-se também que há relevante

presença das instituições no desenvolvimento econômico do estado, de

tal modo que a iniciativa de fundar organizações de microcrédito partiu

também de uma instituição do poder público. Contudo, é válido observar

que a particularidade de Santa Catarina na sua experiência com o

microcrédito carrega, ao mesmo tempo, aspectos de ordem institucional

oriundas de organizações estatais e aquelas provenientes da articulação

de agentes na escala local.

O processo de localização e expansão da rede teve a ver tanto com

o papel das instituições levadas a cabo pelo Estado quanto com aquelas

localizadas que tem a frente lideranças locais em diversos setores da

sociedade, numa via de mão dupla. É perceptível, ainda no processo de

expansão da rede de instituições de microcrédito, as ‘regras do jogo’

ditadas pelo BADESC durante sua vigência como articulador da rede.

Assim, após sua mudança de papel, e consequentemente mudança das

regras, o jogo mudou.

O estabelecimento do Planorte dialoga com o ideário das

microfinanças como alternativa de superação da pobreza através do

autoemprego. O banco tem na OSCIP e no agente de crédito

especificidades que garantem a realização de seus interesses: pelo baixo

custo em manter conectadas áreas distantes da sede ou postos de

atendimento físicos, pelo aproveitamento da rede de relações firmada

entre membros da comunidade, e por ser capaz de contornar a assimetria

de informação.

Embora Santa Catarina conte com uma regionalização oficial que

divide o Estado em regiões por atividades econômicas, as SDRs, as

atividades dos tomadores de empréstimo na área de atuação do Planorte

não estão, necessariamente, ligadas a essas atividades que definem as

secretarias. O apoio primordial do qual se valem esses tomadores para a

realização de suas atividades não depende dos circuitos econômicos

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predominantes, pelo contrário, dependem da manutenção de atividades

cotidianas e da vida social da população.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estabelecimento da rede de instituições de microcrédito em

Santa Catarina se deve, em primeiro lugar, à iniciativa estatal por meio da

Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina (BADESC) que atuou

como órgão executor do Programa Crédito de Confiança, nos fins da

década de 1990. Em segundo lugar, se deve ao nível de articulação na

escala local de lideranças que levaram à frente a proposta do Programa e

instalaram organizações distribuídas por todo o Estado. Foram fundadas

oito instituições que seguiam relativamente a área de abrangência das

associações de municípios, sendo eles: Florianópolis, Joinville, Videira,

Canoinhas, Chapecó, São Miguel do Oeste, Criciúma e Itajaí – Lages e

Blumenau já contavam com organizações fundadas anteriormente fora do

escopo do Programa. O processo de expansão do microcrédito em Santa

Catarina se deve, ainda, ao papel de outras organizações como a

Associação das Organizações de Microcrédito e Microfinanças

(AMCRED), atuando na escala estadual, e o Banco Nacional de

Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Ministério da Justiça

e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae),

na escala nacional.

A implementação do mercado de microcrédito no Brasil não foi

por acaso, ele foi intencionalmente construído e reflexo de um processo

de expansão das finanças e inclusão financeira, mais especificamente, da

construção de um ideário para superação da pobreza em países em

desenvolvimento – ideário esse também intencionalmente produzido. A

consolidação desse mercado vai ao encontro do movimento do

capitalismo em escala global. É parte de uma mesma estratégia, sendo

assim a criação de condições institucionais e o discurso de intelectuais

mediadores pode ser visto como reflexo de um esforço de adequação no

sentido de uma visão de desenvolvimento econômico e social que

compartilham, como revela nossa análise das ideias de Abramovay

(2004).

No Brasil, o movimento de institucionalização do microcrédito

construiu regulações para a atividade de acordo com as proposições da

Microcredit Summit e do Banco Mundial, incorporando a informalidade

e metodologias alternativas como pontos-chave. Concluiu-se que o

conceito de microcrédito está contido no de microfinanças, a adoção das

diferentes definições depende da finalidade da organização que o utiliza.

A partir do estudo das normas jurídicas que regulamentam o microcrédito

no Brasil, é notável que há maior utilização do conceito de microcrédito,

especialmente microcrédito produtivo. É perceptível, também, que houve

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dois momentos distintos no histórico dessas normas. Um primeiro

momento no qual as instituições de microfinanças foram criadas ou

adaptadas (OSCIPs, SCMs e cooperativas) e outro no qual é proposto o

Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO)

como um modelo metodológico nacional para a realização da atividade.

O reflexo concreto da institucionalização do microcrédito sobre o

território são redes de instituições localizadas em diferentes pontos do

espaço como fixos geográficos que articulam ações em diferentes esferas

(ideológica, institucional, normativa, financeira). A capilarização das

microfinanças pelo território se deu, no caso catarinense,

predominantemente por meio de instituições não-bancárias e cooperativas

utilizando metodologia alternativa ao sistema financeiro tradicional. A

partir disso, foi possível compreender a configuração da rede de

instituições microfinanceira presentes em Santa Catarina,

compreendendo também as implicações da mudança de papel de um

agente-chave: a Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina

(BADESC), representando uma iniciativa governamental.

Na escala local, mais do que iniciativa governamental em fundar o

Programa Crédito de Confiança, fins dos anos 1990, foi necessário contar

com agentes e líderes locais responsáveis por implementar OSCIPs de

microcrédito. Estas, por sua vez, se valeram de relações já construídas

entre a população para efetivar sua expansão pelo espaço. Mais do isso, a

consolidação dos espaços de atendimento das instituições de microcrédito

perpassa, com a figura do agente de crédito, relações sociais construídas

nos bairros e vizinhanças. Depende, também, de um aparato institucional

constituído na escala nacional e estadual para que possa realizar acordos

que garantam sua continuidade.

No processo de implantação do Programa Crédito de Confiança

assim como no de expansão da rede de organizações de microcrédito no

Estado ficam claras as regras do jogo induzidas por mecanismos de

institucionalização; sejam elas trazidas da esfera nacional, as normas

jurídicas, ou sejam elas oriundas de agentes de financiamento como o

BADESC. A saída do BADESC dos conselhos de administração, em

2006, inaugurou uma nova dinâmica para as OSCIPs de microcrédito

catarinenses, que, de fato, se aproximaram do mainstream financeiro

buscando melhores estratégias de expansão e manutenção.

A dissertação mostrou que o Banco da Família e o Planorte

transcenderam a fronteira estadual para atender municípios do Rio

Grande do Sul e Paraná, respectivamente. Mostrou ainda que o Banco do

Empreendedor, de Florianópolis, se expandiu para áreas anteriormente

atendidas por outras instituições no Norte, no Vale do Itajaí e na região

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Serrana catarinenses. Essa organização, ainda, protagonizou três

processos de fusão: em 2008 com a OSCIP Crédito de Confiança,

localizada em São José; em 2012 adquiriu a carteira de crédito do

BAPEM, localizado em Caçador; e em 2013 iniciou o processo de fusão

com a Casa do Empreendedor de Joinville.

Santa Catarina parece ter características específicas que orientam

para a construção da rede de instituições de microcrédito distribuídas por

todo o estado. Há, por um lado, cidades médias espalhadas por todo o

território estadual configurando uma densa rede de cidades, por outro lado

há o esforço de regionalização do Governo do Estado como estratégia de

indução econômica e reforço de poderes políticos. Encaixado nisso, estão

as iniciativas de microcrédito que fazem a ponte com lideranças locais e

redes de relações sociais na escala da vizinhança. Isto é, percebe-se a

combinação de condicionantes internos e externos articulados para

permitir a constituição de rede de instituições de microcrédito de Santa

Catarina, entre elas o Planorte.

A constituição do Planorte dialoga com o ideário mundialmente

difundido das microfinanças como alternativa de superação da pobreza,

geração de emprego e renda a medida em que articula família e empresa,

geração e manutenção de emprego, sem atingir os mais pobres entre a

população pobre. A filiação à Microcredit Summit Campaign justifica-se

pelo caráter simbólico dessa conexão, isso é, confere visibilidade

internacional ao Planorte e reconhecimento de uma organização que é

referência mundial.

O Planorte se vale das especificidades das OSCIPs e do trabalho

do agente de crédito para garantir sua permanência: pelo baixo custo de

manter atendidas áreas distantes da sede e postos, pelo aproveitamento da

rede de relações firmada entre membros da vizinhança, por ser capaz de

contornar a assimetria de informação e por poder participar de programas

estaduais e nacionais de repasse financeiro.

As atividades dos tomadores de empréstimo do Planorte não estão

consideravelmente inscritas nos setores econômicos predominantes do

Planalto Norte catarinense. A expansão da rede de atendimento de

Planorte se deve não às demandas das atividades econômicas mais

dinâmicas de região, mas sim as ocupações da população daquela região,

que engloba tanto o Planalto Norte de Santa Catarina como parte do sul

do Paraná. Com isso pode se concluir, com base nos casos analisados, que

o crédito ofertado pelo Planorte não expande a base produtiva da região,

mas sim o consumo. Embora sua área de atendimento corresponda às

áreas de duas Secretarias de Desenvolvimento Regional (SDRs), de

Canoinhas e de Mafra, a manutenção das atividades dos tomadores de

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empréstimos do Planorte pouco se deve aos setores predominantes da

economia regional no caso do Planalto Norte Catarinense. Pelo contrário,

em campo foi possível perceber que é à permanência de atividades

cotidianas e da vida social da população que se devem tanto os tomadores

de empréstimos quanto manutenção dos interesses do Planorte.

Esta pesquisa permitiu, por fim, ver como esse conjunto de redes

que compõem o microcrédito são instáveis, móveis e inacabadas. Redes

nas quais entram e saem instituições e agentes e nas quais novos nós são

formados – tal qual as empresas criadas para oferecer serviços de

treinamento de agentes de crédito. Foi revelado, ainda, algo que de início

não estava apontado, que é o papel fundamental que tem as relações

sociais presentes na escala do lugar para a consolidação dessa rede. É um

movimento que vai desde a escala global, com a Microcredit Summit;

passando pela nacional, com o BNDES e o Ministério da Justiça; pela

regional e estadual, com o BADESC, AMCRED, associações de

municípios e outras organizações da sociedade civil; até, enfim, a escala

do lugar no qual redes de relações sociais que se encontram e se

entrelaçam no lócus particular são apropriadas. Isto é, há diferentes

escalas articuladas por meio de um conjunto de conexões que variam

historicamente como uma via de mão dupla, pois ao mesmo tempo em

que provocam mudanças, são também transformadas.

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APÊNDICE – ROTEIRO DA ENTREVISTA

1) Como e quando a instituição foi formada? Conte um pouco sobre

essa história.

2) Porque a opção pelo formato de OSCIP e não de SCM? Há

perspectiva de mudança?

3) Qual a relação entre a formação do banco, suas estratégias de

manutenção e operação e as atividades econômicas da Região?

4) Como se organiza o banco e como atuam os agentes de crédito,

qual o papel desses profissionais no Planorte?

5) No sítio da Microcrédit Summit Campaign (MSC) consta o

Banco do Planalto Norte como membro da campanha. Como se

dá essa ligação com a MSC, quais as trocas entre o Banco e a

MSC? Houve incentivo da MSC para a formação do Banco?

6) As OSCIP, que predominavam na carteira ativa em 2012,

perderam espaço para as cooperativas em 2015, que passaram a

predominar. Além disso, cresceu consideravelmente o montante

das SCMEPPs. Como você vê esse cenário? (Mostrar tabela)

“Você consegue me ajudar a entender?”

7) Quais são as opções de funding que o banco conta hoje? Isso

mudou com o passar do tempo?

8) Como é o padrão das pessoas que estão tomando empréstimo

hoje? Quais atividades econômicas desempenham, há algum

padrão? Qual o porte dos tomadores de empréstimo e o tamanho

dos empréstimos? (É possível acessar esses dados, tabelas...?)

9) Por fim, no cenário atual de crise, quais as perspectivas para o

setor das microfinanças?