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Microbiologia Geral

Universidade Federal de Viçosa

ReitoraNilda de Fátima Ferreira Soares

Vice-ReitorDemétrius David da Silva

BATISTA, Wendel e PASSOS, Flávia Maria. Crescimento e regulação do metabolismo micro-biano. Viçosa, 2012.

Layout: Diogo Rodrigues

Capa:

Editoração Eletrônica: Cibelih Hespanhol

Revisão Final: João Batista Mota

DiretorFrederico Vieira Passos

Prédio CEE, Avenida PH Rolfs s/nCampus Universitário, 36570-000, Viçosa/MGTelefone: (31) 3899 2858 | Fax: (31) 3899 3352

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

Sumário

introdução

CreSCimento miCrobiano

CreSCimento diáuxiCo

ViSão geral da regulação do metaboliSmo miCrobiano

FatoreS ambientaiS que aFetam o CreSCimento

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Microbiologia Geral

Introdução

Conteúdo integrante da disciplina Microbiologia Geral (MBI 100)Professor Wendel Batista da Silveira

Professora Flávia Maria Lopes PassosDepartamento de Microbiologia

Entender o crescimento microbiano é importante em Microbiologia, pois nenhuma atividade microbiana é de interesse do homem se for exercida por apenas uma célula. É a capacidade de formar populações de milhões de células que amplifica os efeitos. Os micro-organismos têm uma incrível capacidade de se adaptar e crescer nos mais diversos ambientes. Em resposta à variação das condições ambientais, os micro-organismos regulam seu metabolismo para utilizar, da melhor forma possível, os recursos disponíveis no meio e, assim, ajustam seu crescimento de acordo com o metabolismo.

Neste texto, a expressão do crescimento de micro-organismos unicelulares, como bactérias, será definida como uma progressão geométrica de populações de células que se dividem por fissão binária. Os parâmetros velocidade específica de crescimento, número de gerações e tempo de geração serão identificados. Em seguida, serão descritas as fases do crescimento de populações microbianas e os fatores que limitam o crescimento. Serão discutidos os efeitos dos fatores ambientais temperatura, pH, disponibilidade de água e de oxigênio sobre o crescimento. Finalmente, considerando que o crescimento é ajustado com o metabolismo microbiano e esse é regulado pela atividade e/ou síntese das enzimas, serão descritos também alguns exemplos de regulação da síntese e atividade de enzimas em resposta à variação do tipo e concentração de nutriente.

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

Crescimento microbiano

Muitas bactérias se reproduzem por um processo de divisão celular denominado fissão binária. Entretanto, existem bactérias que se reproduzem por brotamento, enquanto outras por fragmentação de filamentos. Além disso, certas bactérias filamentosas do grupo actinomicetos se reproduzem pela formação de esporos, que são carregados externamente nas pontas dos filamentos.

1.1. Divisão celular por fissão bináriaNo processo de divisão celular por fissão binária, ocorre a divisão da célula-

mãe em duas células-filhas de tamanho idêntico. Neste texto, será considerada a divisão celular por fissão binária da bactéria Escherichia coli (E. coli) (Figura 1).

O crescimento microbiano pode ser definido como o aumento da densidade populacional, isto é, o aumento do número ou de massa de

células.

Capítulo 1

Figura 1: Divisão celular por fissão binária Fonte: Madigan et al., 2004 – Microbiologia de Brock 10ª edição

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Microbiologia Geral

A replicação do cromossomo é iniciada quando E. coli atinge uma massa celular crítica. Para ocorrer a partição dos cromossomos entre as duas células, o DNA cromossomal tem de estar ligado à membrana citoplasmática durante a divisão. A formação do septo é iniciada com o crescimento da membrana citoplasmática e da parede celular para o interior da célula. Quando o septo é finalizado, ocorre a separação das células-filhas. O tempo requerido para a célula bacteriana se dividir é chamado de tempo de geração. Durante o período de geração, o crescimento bacteriano é dito balanceado, isto é, os constituintes celulares aumentam proporcionalmente, dobrando a cada divisão celular.

1.2. Cinética de crescimentoEm condições ótimas, quando nenhum fator físico-químico é limitante, o

crescimento da cultura bacteriana é dito balanceado e ocorre com velocidade específica máxima. Essa etapa de crescimento é denominada fase exponencial ou log. Durante o crescimento exponencial, o número de células bacterianas que se dividem por fissão binária dobra a cada geração (Figura 2).

Figura 2: Crescimento balanceado de uma cultura bacteriana que se divide por fissão binária

Portanto, o crescimento exponencial bacteriano é uma progressão geométrica de quociente 2. Sua equação é

Onde N = número total de células na população, n = número de gerações e No= número inicial de células.

Tal equação pode ser resolvida adicionando a função logarítmica (log10) nos dois lados da equação, que assim pode ser representada:

Considerando que ,

Onde T = tempo de crescimento exponencial e tg = tempo de geração, pode-se representar a equação como:

Quando se constrói um gráfico,no qual o número de células é plotado em escala logarítmica (log10) no eixo Y e o tempo é plotado em escala aritmética, obtém-se uma linha reta que reflete uma relação linear entre o logN versus o tempo de crescimento exponencial (Figura 3).

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

A velocidade específica de crescimento (µ) corresponde ao coeficiente angular da reta tangente,

µ=

Portanto, determinando a velocidade específica de crescimento, que é calculada a partir da inclinação da função linear obtida de um gráfico semilogarítmico de crescimento exponencial, pode-se determinar o tempo de geração.

1.3. Fases do crescimento populacionalA cultura microbiana que cresce em um recipiente fechado contendo

um meio de cultivo é denominada cultura em batelada. Quando se mede o crescimento da cultura em batelada ao longo do tempo é possível construir um gráfico semilogarítmico do logN em relação ao tempo de cultivo, chamado curva de crescimento. Ao se analisar a curva de crescimento em batelada, quatro fases de crescimento são observadas: a fase lag, a fase exponencial, a fase estacionária e a fase de morte (Figura 4).

Figura 3: Velocidade específica de crescimento de uma cultura microbiana

Figura 4 : Curva de crescimento de uma cultura microbiana em batelada

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1.3.1. Fase lagGeralmente, a primeira etapa do crescimento é a fase lag, também conhecida

como fase de latência. Nela, a massa celular não aumenta, porque as células estão se adaptando ao meio para crescer. Existem duas situações em que frequentemente se observa a fase lag. Na primeira, uma cultura velha em fase estacionária é transferida para um novo meio de composição química idêntica ao anterior. Geralmente, isto ocorre porque as células requerem um tempo para se recuperar do estado de latência em que se encontravam, devido ao estresse por restrição nutricional ou produtos tóxicos do metabolismo que acumularam no meio da cultura anterior, tais como ácidos e álcoois.

Na segunda situação, uma população microbiana cultivada em um meio de cultura é transferida para outro meio de composição diferente. Isto ocorre porque novas enzimas e coenzimas são necessárias para metabolizar os novos substratos do meio para o qual a cultura foi transferida. Além disso, também se observa a fase lag quando células microbianas, que foram injuriadas pela exposição a tratamentos físicos ou químicos, mas não foram destruídas, são inoculadas em um meio cultivo. Nessa situação, não se observa inicialmente um aumento na massa celular, pois as células requerem um tempo para reparar os danos provocados pela injúria.

Contudo, a fase lag não ocorre quando uma cultura bacteriana em crescimento exponencial é transferida para um novo meio de composição idêntica ao anterior e as condições de cultivo são as mesmas. Nessa situação, a população microbiana entra imediatamente em crescimento exponencial.

1.3.2 Fase exponencialA fase lag é seguida pela fase exponencial de crescimento (fase log), na

qual a massa celular aumenta exponencialmente com o tempo, pois nenhum fator físico-químico limita o crescimento microbiano. Assim, se as condições de cultivo não se tornarem limitantes, o tempo de geração não muda, e a velocidade específica de crescimento é máxima. Tanto a velocidade específica de crescimento, quanto o tempo de geração variam de acordo com os fatores ambientais, isto é, composição do meio de cultivo, pH, temperatura, disponibilidade de água e de oxigênio. Por exemplo, a velocidade específica de crescimento de um micro-organismo é maior quando ele é cultivado em meios complexos nos quais os fatores de crescimento encontram-se disponíveis, do que em um meio mínimo contendo somente o açúcar, glicose e sais minerais. Isto ocorre porque, no cultivo em meio mínimo, o micro-organismo terá de sintetizar todos os fatores de crescimento, pois estes não se encontram disponíveis.

1.3.3. Fase estacionáriaDurante a fase exponencial, o crescimento microbiano não é limitado por

nenhum fator, porém, com o decorrer do tempo, ocorrem mudanças no meio de cultivo que limitam o crescimento da cultura microbiana. Quando isso ocorre, a cultura entra em fase estacionária, na qual não se observa aumento ou diminuição líquido no número de células, isto é, a velocidade específica de crescimento corresponde a zero.

Um dos fatores que limita o crescimento da cultura em batelada é o consumo de nutrientes; outro é a limitação de oxigênio. Além disso, o crescimento é inibido pelo acúmulo de metabólitos tóxicos que são excretados no meio de cultivo. Em resposta a essas condições de estresse ambiental, as células que entram em fase estacionária se modificam no intuito de evitar a morte celular. Geralmente, as células em fase estacionária são mais resistentes aos estresses ambientais do que aquelas em fase exponencial. As principais alterações que ocorrem nas células microbianas que entram em fase estacionária são: mudanças na superfície

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

celular, no tamanho, na forma, na composição da membrana, na composição de proteínas e na atividade metabólica.

1.3.4. Fase de morteO período em que os micro-organismos permanecem viáveis durante a

fase estacionária não é o mesmo, pois as mudanças celulares que ocorrem na fase estacionária, a fim de garantir a sobrevivência, variam de micro-organismo para micro-organismo. Contudo, mesmos aqueles que permanecem viáveis por períodos mais longos, eventualmente, entrarão em fase de morte se as condições do meio de crescimento continuarem desfavoráveis. Geralmente, a morte das células microbianas em fase estacionária decorre do esgotamento da energia celular e da atividade de enzimas autolíticas.

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Microbiologia Geral

Crescimento diáuxico

Alguns micro-organismos, quando cultivados em uma mistura de duas fontes de carbono e energia, utilizam preferencialmente uma delas para crescer. O consumo da segunda fonte de carbono ocorre somente quando a fonte preferencial é completamente utilizada. O crescimento preferencial em uma determinada fonte de carbono, em detrimento de outra, gera uma curva de crescimento com duas fases exponenciais e uma fase lag entre elas. Esse perfil de crescimento é chamado crescimento diáuxico.

Muitas bactérias, incluindo a bactéria modelo E. coli, utilizam preferencialmente a glicose quando cultivadas em meio contendo mistura de glicose e outra fonte de carbono. Por exemplo, quando a bactéria E. coli é inoculada em um meio definido contendo uma mistura de glicose e lactose, como únicas fontes de carbono e energia, o gráfico de crescimento revela um perfil bifásico, com duas fases exponenciais distintas (Figura 5). Quando se analisa o consumo de glicose e lactose ao longo do tempo, verifica-se que inicialmente a glicose é consumida, enquanto a lactose permanece no meio sem ser consumida (Figura 5).

Figura 5 : Crescimento diáuxico de E. coli cultivada em uma mistura de glicose e lactose

Ao se analisar a atividade de β-galactosidase, enzima que hidrolisa o dissacarídeo lactose formando glicose e galactose, observa-se que não há atividade na presença de glicose. Isto porque a síntese de β-galactosidase não ocorre na presença de glicose, fenômeno conhecido como repressão catabólica ou repressão por glicose. A atividade de β-galactosidase é detectada somente quando a lactose começa a ser consumida, o que ocorre após o esgotamento da glicose.

Entretanto, nem todas as bactérias utilizam preferencialmente a glicose como fonte de carbono. Algumas bactérias aeróbias utilizam preferencialmente ácidos orgânicos quando cultivadas em um meio contendo mistura de glicose e ácido orgânico. Por exemplo, bactérias do gênero Rhizobium cultivadas em um meio contendo mistura de glicose e ácido succínico utilizam preferencialmente o ácido succínico, ao invés da glicose. Nesse exemplo, também ocorre repressão catabólica, porém, o efeito repressor é exercido pelo ácido orgânico.

2 Capítulo

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

Visão geral da regulação do metabolismo microbiano

O metabolismo microbiano é controlado pela regulação das enzimas que catalisam as reações catabólicas e anabólicas. Existem dois mecanismos básicos de regulação de enzimas: regulação da síntese e da atividade da enzima.

A síntese de uma enzima pode ser regulada em níveis transcricional e traducional. No nível transcricional, a indução ou repressão da transcrição regula a quantidade de RNA mensageiro (mRNA) sintetizada. Na regulação em nível traducional, a tradução do RNA mensageiro pode ser inibida ou ativada, isto é, a síntese proteica propriamente dita. No tocante à regulação da síntese de enzimas, destaca-se a regulação da transcrição de genes que codificam enzimas metabólicas.

Algumas dessas enzimas são requeridas apenas em determinadas condições de crescimento e, por isso, têm sua síntese induzida em resposta a certos componentes do meio. Tais enzimas, portanto, são chamadas induzidas. Podemos citar, por exemplo, as enzimas envolvidas no metabolismo do açúcar lactose, que têm sua síntese induzida somente quando este açúcar está presente no meio. De fato, não é uma boa estratégia para uma célula microbiana gastar energia para sintetizar proteínas que, sob determinada condição de crescimento, não são necessárias. Por isso, quando a bactéria E. coli é cultivada na ausência de lactose, as enzimas do metabolismo desse açúcar têm sua síntese reprimida.

Neste texto, atenção especial também será dada à regulação da atividade de algumas enzimas das vias metabólicas centrais, essenciais para o crescimento independente do meio, por exemplo, a via glicolítica, a via da pentose fosfato ou o ciclo do acido tricarboxílico (ciclo de Krebs). Algumas dessas enzimas são requeridas em concentrações aproximadamente idênticas, independentemente da condição de crescimento. Tais enzimas, referidas como constitutivas, são reguladas principalmente na sua atividade, isto é, estão sujeitas a uma regulação pós-traducional. Como exemplo, pode-se citar a enzima fosfofrutocinase da via glicolítica.

3.1.Regulação da síntese de enzimas em nível transcricional

3.1.1.Visão geral da regulação da transcriçãoPara estudar a regulação da síntese de enzimas em nível transcricional,

é importante relembrar algumas características do processo de transcrição. A síntese de mRNA é catalisada pela enzima RNA polimerase. Para iniciar a síntese, tal enzima reconhece sítios de iniciação na molécula de DNA, chamados promotores. A RNA polimerase de bactérias é constituída por cinco subunidades proteicas diferentes. Quatro dessas subunidades (β, β’, α e ω) constituem o cerne da enzima. A subunidade δ, também chamada de fator sigma, é responsável por reconhecer os promotores (Figura 6).

Capítulo 3

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Microbiologia Geral

Figura 6 : Regulação da atividade de enzimas alostéricas

Após a síntese de um pequeno segmento de RNA, o fator sigma se dissocia do cerne da enzima. Mesmo com a dissociação desse fator, a síntese de RNA mensageiro não é interrompida, pois o cerne da enzima é responsável pela elongação do RNA mensageiro. Além da RNA polimerase, existem outras proteínas de ligação ao DNA que podem atuar como ativadoras ou repressoras da transcrição.

Outro ponto importante do estudo da regulação da síntese de enzimas em nível transcricional é o entendimento da organização de genes que codificam enzimas metabólicas em regiões do genoma, denominadas operons. Em um operon, dois ou mais genes de uma mesma via metabólica ou de funções relacionadas são transcritos em um único mRNA, chamado RNA mensageiro policistrônico, que está sob o controle do mesmo promotor e da mesma região reguladora.

Em geral, a região reguladora é constituída pelo promotor (onde se liga a RNA polimerase), uma sequência ativadora (onde se ligam proteínas ativadoras) e uma sequência operadora (onde se ligam proteínas repressoras). Em geral, a sequência operadora está localizada na extremidade inicial do primeiro gene que codifica as proteínas, que exercem atividade metabólica na célula. Nessa região é que ocorre a ligação de proteínas repressoras que bloqueiam a transcrição.

Como mencionado anteriormente, alguns genes têm sua transcrição ativada ou reprimida dependendo das condições de crescimento do micro-organismo. Como exemplo, será descrita a regulação da transcrição dos genes do operon da lactose (operon lac), que codificam enzimas de assimilação de lactose, destacando o mecanismo de repressão e indução da transcrição. Será destacada também a regulação da transcrição dos genes do operon lac, quando E. coli é cultivada em meio contendo uma mistura de glicose e lactose, condição na qual ocorre repressão catabólica ou repressão por glicose.

3.1.2 Repressão e indução da transcrição dos genes do operonlac

Quando E. coli é cultivada na ausência de lactose, os genes do operon lac têm sua transcrição reprimida. Isto porque a proteína repressora LacI se liga ao operador, localizado na frente do promotor, bloqueandoa ligação da RNA polimerase aopromotor e impedindo a mobilidade da RNA polimerase. Assim, a transcrição ocorre somente em nível basal (muito baixo). Esse mecanismo de repressão evita que a bactéria gaste energia para sintetizar proteínas que não têm função na ausência da lactose.

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

Por outro lado, os genes do operon lac são transcritos quando E. coli é cultivada na presença de lactose (acesse a animação no link – Indução do operon da lactose, disponibilizado no PVANet). Nessa condição, o açúcar é transportado para o citoplasma da bactéria e algumas moléculas de lactose são convertidas em alolactose. A reação em que a lactose é convertida em alolactose é catalisada pela enzima β-galactosidase (codificada pelo gene lacZ). A alolactose é uma molécula indutora, que, ao se ligar à proteína repressora LacI, altera sua conformação. Essa alteração inativa o repressor, impedindo sua ligação ao operador. Dessa maneira, a transcrição é desbloqueada.

3.1.3. Repressão catabólicaNo crescimento diaúxico de deE.coli numa mistura de glicose e lactose,

verificou-se que E. coli não consome lactose na presença de glicose. De fato, na presença de glicose, a atividade da enzima β-galactosidase, responsável por catalisar a reação de hidrólise da lactose, não é detectada (Figura 5). Isto indica que não há a indução dos genes do operon lac nessa condição,evidenciando o efeito repressor exercido por glicose, chamado repressão catabólica.

Portanto, não basta apenas a presença de lactose para a completa indução do operonlac, é necessário também ausência de um açúcar preferencial, tal como a glicose para E. coli. Na ausência de glicose, há um aumento de AMP cíclico na célula. A molécula de AMP cíclico se liga a uma proteína ativadora da transcrição (PCA),o que é fundamental para que ela se ligue no sítio ativador. Uma vez nesse sítio, a proteína auxilia a RNA polimerase a se ligar ao promotor para conduzir eficientemente a transcrição (acesse a animação no link – Repressão catabólica e Indução do operon da lactose, disponibilizado no PVANet). Esse evento, associado à presença de lactose no meio, constitui o cenário ideal para a plena transcrição dos genes lacZ, lacY e lacA, que codificam as enzimas de assimilação de lactose β-galactosidase, permease e transacetilase, respectivamente, em E. coli.

3.2.Regulação da atividade de enzimasAo contrário das enzimas de assimilação da lactose - sintetizadas somente

quando a lactose está presente no meio,chamadas enzimas induzidas -, as enzimas das vias metabólicas centrais, denominadas constitutivas, estão sempre presentes na célula, independentemente da fonte de carbono. As enzimas constitutivas são reguladas principalmente na sua atividade. Existem três mecanismos básicos de regulação da atividade enzimática: o primeiro é próprio de enzimas alostéricas sujeitas a interações não apenas com substratos, mas também com metabólitos; o segundo mecanismo envolve modificações covalentes das enzimas,tais como fosforilação e adenilação, e, por fim, o mecanismo de regulação relacionado às propriedades cinéticas das enzimas.

3.2.1 Regulação de enzimas alostéricasPara estudar a regulação da atividade de enzimas alostéricas, será descrita

aregulação da atividade da enzima fosfofrutocinase, que catalisa a terceira reação da via glicolítica, na qual frutose-6-P é fosforilada a frutose-1,6-P. Uma enzima alostérica é aquela que existe em duas conformações - a conformação da enzima alostérica alterna em função da sua ligação com um efetor alostérico. (Figura 7).

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Figura 7 : Regulação da atividade da enzima alostérica fosfofrutocinase

Quando a enzima alostérica está ligada ao efetor alostérico negativo, a afinidade da enzima pelo substrato diminui e, consequentemente, a sua atividade é baixa. Por outro lado, a interação com o efetor alostérico positivo aumenta a afinidade da enzima pelo substrato e, consequentemente, a atividade enzimática é alta. A enzima fosfofrutocinase interage tanto com efetores alostéricos positivos quanto negativos.

O aumento da concentração de AMP e ADP no citoplasma da célula é acompanhado pela diminuição da concentração de ATP. Nessa condição, a enzima fosfofrutocinase tem sua atividade aumentada, em função do aumento da concentração dos efetores alostéricos positivos AMP e ADP (Figura 7). Assim, haverá uma maior síntese de ATP pela célula, pois o ATP é um dos produtos finais da via glicolítica. Por outro lado, alta concentração de ATP no citoplasma sinaliza que esse metabólito está sendo produzido mais rápido do que consumido. Nessa condição, a atividade da enzima fosfofrutocinase diminui, pois o ATP age como um efetor alostérico negativo (Figura 8).

Figura 8 : Regulação da atividade da enzima Isocitrato desidrogenase por fosforilação

Portanto, uma enzima alostérica pode ter sua atividade aumentada ou diminuída em resposta à concentração dos seus efetores alostéricos.

3.2.2 Regulação da atividade de enzimas por modificações covalentes

Para descrever a regulação da atividade enzimática, envolvendo modificação covalente e propriedades cinéticas de enzimas, buscaremos no ciclo de Krebs e

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

desvio do glioxilato o exemplo que ilustra tanto a modificação covalente, quanto propriedades cinéticas. O desvio do glioxilato, também referido como ciclo do glioxilato, é crucial para o metabolismo de micro-organismos cultivados em meio contendo ácido acético como única fonte de carbono e energia. A enzima-chave desse ciclo, isocitratoliase, compete com a enzima isocitrato desidrogenase (do ciclo de Krebs) pelo mesmo substrato isocitrato. Na presença de ácido acético, a enzima isocitrato desigrogenase tem sua atividade parcialmente inibida por uma modificação covalente chamada fosforilação (Figura 9).

Figura 9 : Efeito da temperatura no crescimento microbiano

Dessa forma, uma maior concentração de isocitrato estará disponível para a enzima isocitrato liase do desvio do glioxilato, que possui baixa afinidade por este substrato, isto é alto Km.

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Microbiologia Geral

Fatores ambientais que afetam o crescimento

Nos tópicos anteriores, discutiu-se a influência do tipo e da disponibilidade de nutriente sobre a regulação do metabolismo e, consequentemente, sobre o crescimento microbiano. Lembre-se que o crescimento microbiano depende das reações metabólicas do catabolismo e anabolismo. Além do fator nutricional, outros fatores ambientais também influenciam o crescimento dos micro-organismos. A seguir, serão destacados os efeitos da temperatura, do pH, da disponibilidade de água e de oxigênio sobre o crescimento microbiano.

4.1 Efeitos da temperatura

Cada micro-organismo apresenta uma temperatura mínima, ótima e máxima de crescimento (Figura 10).

Figura 10 : Classificação dos micro-organismos quanto à temperatura de crescimento

Abaixo da temperatura mínima de crescimento, o transporte de substâncias e quaisquer reações químicas são tão lentos que o micro-organismo não cresce. Entretanto, na medida em que a temperatura é elevada acima da mínima de crescimento, os micro-organismos crescem. Note quea taxa de crescimento aumenta linearmente com o aumento da temperatura. Isto ocorre porque a velocidade das reações químicas na célula aumenta com a elevação da temperatura. Observa-se que existe uma determinada faixa de temperatura, chamada ótima de crescimento, na qual a taxa de crescimento é máxima, porque as reações enzimáticas ocorrem na maior velocidade possível. Acima dessa temperatura, ocorre uma queda brusca na taxa de crescimento até cair a zero, pois ocorre desnaturação proteica e lise celular que tornam o crescimento

4 Capítulo

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

microbiano inviável. Os micro-organismos podem ser classificados, quanto à temperatura de

crescimento, em pelo menos quatro grupos principais: psicrófilos, mesófilos, termófilos e hipertermófilos (Figura 11).

Figura 11 : Velocidade específica de crescimento de micro-organismos (µ) em função do pH

A temperatura ótima de crescimento dos psicrófilos é de aproximadamente 15oC, embora esses micro-organismos possam crescer em temperaturas de 0oC ou inferiores (Figura 11). Eles são encontrados em ambientes frios, tais como águas dos oceanos, gelo marinho, superfícies de campos com neve e geleiras.

Os mesófilos são micro-organismos cuja temperatura ótima de crescimento varia entre 25° e 40oC. São frequentemente encontrados em ambientes terrestres e aquáticos de latitudes temperadas e tropicais, e em animais de sangue quente.

Boa parte dos termófilos tem uma temperatura ótima de crescimento entre 50° e 60oC. Tais micro-organismos são encontrados em ambientes quentes, como fontes termais, superfície de solos expostos à intensa irradiação solar e materiais em fermentação (por exemplo, pilhas de esterco e silagem). Os hipertermófilos crescem bem em temperaturas ainda mais elevadas que os termófilos, apresentando uma faixa ótima de crescimento em 80oC ou superior. Esses micro-organismos são frequentemente encontrados em fontes termais ferventes.

4.2 Efeito do pHOutro fator ambiental importante que afeta o crescimento microbiano

é a concentração de prótons H+, isto é, o pH. Esse fator afeta a velocidade de crescimento dos micro-organismos na medida em que afeta a ionização do sítio ativo das proteínas e enzimas. O gráfico que mostra a velocidade específica de crescimento dos micro-organimos em relação ao pH apresenta o perfil típico da velocidade de uma reação enzimática em função do pH (Figura 12).

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Microbiologia Geral

Figura 12 : Classificação dos micro-organismos quanto à faixa de pH de crescimento

Para não comprometer as macromoléculas celulares, o pH intracelular deve ser mantido próximo à neutralidade.

A maioria dos micro-organismos cresce bem em valores de pH próximos a 7. Contudo, alguns são adaptados para crescer em baixos ou altos valores de pH. Portanto, o pH ótimo de crescimento varia de micro-organismo para micro-organismo. Considerando o pH ótimo de crescimento, os micro-organismos podem ser classificados comoacidófilos, neutrófilos e alcalífilicos (Figura 13).

Figura 13 : Classificação dos micro-organismos quanto à concentração de NaCl requerida para o crescimento

Os acidófilos crescem melhor em pH ácido, normalmente abaixo de 6. Já os neutrófilos crescem bem em valores de pH próximos a 7. Aqueles micro-organismos que exibem pH ótimo de crescimento ≥ 9 são chamados de alcalifílicos .

4.3. Efeito da disponibilidade de água A disponibilidade de água também afeta consideravelmente o crescimento

dos micro-organismos e não está relacionada apenas à umidade do meio,

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

mas também ao tipo e à concentração de solutos dissolvidos na água. Em termos físicos, essa disponibilidade é expressa como atividade de água, que é definida como a razão entre a pressão de vapor do ar em equilíbrio com uma substância ou solução em relação à pressão de vapor da água pura. Os valores de atividade de água variam de 0 a 1. É importante ter em mente que quanto maior for a concentração de solutos no meio, menor será a atividade de água, pois quando ela está ligada a solutos não se encontra disponível para o crescimento microbiano.

O efeito da disponibilidade de água sobre o crescimento microbiano é facilmente observado em ambientes com presença de sal (cloreto de sódio). Os micro-organismos podem ser classificados de acordo com as faixas de concentração de sal nas quais conseguem crescer (Figura 14).

Figura 14 : Mecanismos de destoxificação: enzimas que eliminam a formas reativas de oxigênio

Os halófilos são micro-organismos geralmente encontrados em águas marinhas, que dependem da presença de concentração relativamente elevada de cloreto de sódio para crescer. A concentração requerida varia conforme o micro-organismo. Diferentemente dos halófilos, os halófilos extremos crescem somente em concentrações muito altas de cloreto de sódio, entre 15% e 30%. Os micro-organismos halotolerantes, porém, desenvolvem-se melhor na ausência ou em concentrações baixas (até 3%), embora também o façam em concentrações maiores de cloreto de sódio. Já os não halófilos têm o seu crescimento inibido na presença de concentrações mais elevadas, pois sofrem plasmólise, isto é, perdem água para o meio com alta concentração de solutos por osmose.

Ao contrário dos não halófilos, os micro-organismos halotolerantes, halófilos e halófilos extremos crescem em meios com baixa atividade de água (aw< 0,90). Isto ocorre porque, quando em meios hipertônicos (nos quais a concentração de solutos é maior que no citoplasma), esses micro-organismos são eficientes para sintetizar ou acumular solutos compatíveis no citoplasma, com a finalidade de evitar a perda de água para o meio externo e manter a célula em um equilíbrio aquoso positivo. Solutos compatíveis são substâncias que elevam a concentração de solutos intracelular, mas não afetam o metabolismo da célula e podem ser íons K+, aminoácidos como prolina, e metabólitos como glicerol, dentre outros, dependendo da espécie microbiana.

Fungos filamentosos e leveduras suportam concentrações osmóticas mais elevadas que a maioria das bactérias, isto é, podem crescer em meios relativamente hipertônicos, especialmente em concentrações mais elevadas de açúcar. Por isso, alimentos mais secos (frutas secas, grãos), salgados (carnes, peixes) ou com elevada concentração de açúcar (doces em geral) são mais frequentemente deteriorados por fungos e leveduras, e não por bactérias.

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Microbiologia Geral

4.4.Efeito da disponibilidade de oxigênio Durante o metabolismo celular, formas reativas de oxigênio são formadas

durante a redução do oxigênio a água. Essas formas causam danos às células microbianas. Portanto, o crescimento microbiano na presença de oxigênio está ligado à capacidade que os micro-organismos apresentam para tolerar essas formas tóxicas. As principais formas reativas de oxigênio formadas são: o ânion superóxido, o peróxido de hidrogênio e a radical hidroxila.

Apesar do efeito tóxico causado pelas formas reativas de oxigênio, alguns micro-organismos toleram essas formas. Isto ocorre porque os micro-organismos que crescem na presença de oxigênio possuem enzimas capazes de eliminar as formas tóxicas de oxigênio (Figura 15), enquanto aqueles que não toleram o oxigênio não possuem essas enzimas ou estas são deficientes.

Figura 15 : Classificação dos micro-ornismos quanto à disponibilidade de oxigênio requerida para crescimento

Uma vez que o superóxido e o peróxido de hidrogênio são as espécies reativas de oxigênio mais comuns, enzimas que eliminam estes compostos são amplamente disseminadas. O superóxido é destruído em uma reação catalisada pela enzima superóxido dismutase (SOD). Nessa reação há liberação de peróxido de hidrogênio e oxigênio. O peróxido de hidrogênio pode ser eliminado por duas enzimas: a catalase ou a peroxidase.

Dada a influência da disponibilidade de oxigênio sobre o crescimento dos micro-organismos, eles podem ser classificados em função da concentração de oxigênio requerida para o seu crescimento (Figura 16). Os aeróbios estritos são capazes de crescer em alta concentração de oxigênio, correspondente a aproximadamente 20%, como a tensão disponível na atmosfera. Já os microaerófilosse desenvolvem somente quando a tensãode oxigênio é inferior à do ar, ou seja, em baixa concentração, que é referida como condição micro-óxica. Os anaeróbios estritos, por sua vez,não conseguem crescer na presença de oxigênio, mesmo quando a condição é micro-óxica. Mas os anaeróbios facultativos se desenvolvem tanto na presença, quanto na ausência de oxigênio, embora tenham preferência por crescer em aerobiose realizando a respiração aeróbica. Os anaeróbios aerotolerantes também crescem na presença e na ausência de oxigênio. No entanto, eles não utilizam o oxigênio, ainda que tolerem sua presença.

Esses grupos de micro-organismos variam na capacidade de detoxificação das formas reativas de oxigênio, apresentando ou não sistemas eficientes de detoxificação. Assim, micro-organismos aeróbios estritos, anaeróbios facultativos e aerotolerantes têm sistemas de detoxificação eficientes. No

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Crescimento e regulação do metabolismo microbiano

entanto, os anaeróbios estritos (obrigatórios) e microaerófilos não possuem ou são deficientes nas enzimas responsáveis pela detoxificação.