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543 Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005 FLEXIBILIZAÇÃO DA INADIMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS Michelle Aurélio de Carvalho* Sumário: 1. Introdução. 2. A prova: conceito e considerações gerais. 3. As provas ilícitas. 3.1. Conceito e evolução. 3.2. O princípio da proporcionalidade. 3.2.1. O princípio da proporcionalidade e a prova ilícita pro reo. 3.3. The fruits of the poisonous tree. 3.4. As provas ilícitas na Constituição de 1988. 3.5. A postura do juiz: admitir ou não as provas ilícitas? 4. conclusão 1. Introdução O presente trabalho tem por escopo o estudo das provas no processo brasileiro, dando enfoque prioritário ao tratamento conferido às provas obtidas por meio ilícito, objeto de grandes debates nos ramos do processo penal e também do processo civil. No primeiro momento, serão apresentados alguns conceitos de prova, elaborados por renomados juristas, bem como aspectos gerais acerca da instrução processual. A compreensão desta temática contextualizará o estudo das provas ilícitas. No que tange, então, ao foco central deste trabalho, serão abordados aspectos como conceito de provas ilícitas, sua evolução, tratamento dispensado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Princípio da Proporcionalidade e Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. *Mestranda pela Faculdade de Direito de Campos

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MICHELLE AURÉLIO DE CARVALHO 543

Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, Nº 6 - Junho de 2005

FLEXIBILIZAÇÃO DA INADIMISSIBILIDADE DASPROVAS ILÍCITAS

Michelle Aurélio de Carvalho*

Sumário: 1. Introdução. 2. A prova: conceito econsiderações gerais. 3. As provas ilícitas. 3.1.Conceito e evolução. 3.2. O princípio daproporcionalidade. 3.2.1. O princípio daproporcionalidade e a prova ilícita pro reo. 3.3. Thefruits of the poisonous tree. 3.4. As provas ilícitas naConstituição de 1988. 3.5. A postura do juiz: admitirou não as provas ilícitas? 4. conclusão

1. Introdução

O presente trabalho tem por escopo o estudo dasprovas no processo brasileiro, dando enfoque prioritárioao tratamento conferido às provas obtidas por meio ilícito,objeto de grandes debates nos ramos do processo penale também do processo civil.

No primeiro momento, serão apresentados algunsconceitos de prova, elaborados por renomados juristas,bem como aspectos gerais acerca da instruçãoprocessual. A compreensão desta temática contextualizaráo estudo das provas ilícitas.

No que tange, então, ao foco central deste trabalho,serão abordados aspectos como conceito de provasilícitas, sua evolução, tratamento dispensado pelaConstituição da República Federativa do Brasil de 1988,Princípio da Proporcionalidade e Teoria dos Frutos daÁrvore Envenenada.

*Mestranda pela Faculdade de Direito de Campos

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O objeto do presente estudo cingir-se-á naverificação das situações nas quais as provas ilícitasdevem ser admitidas na instrução processual o queimplica na flexibilização da regra geral aplicada ao tema.

2. A prova: conceito e considerações gerais

A prova é o elemento que forma a convicção dojulgador acerca dos fatos que se apresentam comofundamento da pretensão das partes.

As dúvidas sobre a veracidade dasafirmações de fato feitas pelo autor oupor ambas as partes no processo, apropósito de dada pretensão deduzidaem juízo, constituem as questões defato que devem ser resolvidas pelo juiz,à vista da prova dos fatos pretéritosrelevantes.” 1

O festejado Doutor Leonardo Greco, fazendoreferência a Carlo Lessona, traz em seu artigo umadefinição de prova eminentemente prática. Segundo ele,provar é “dar ao juiz a certeza do ser e do modo de serdos fatos controvertidos.” 2

Todavia, a palavra prova não é unívoca. MoacyrAmaral Santos traz em sua obra três acepções possíveis:prova como atividade, prova como meio e prova comoresultado.3 A prova como atividade é o conjunto dos atosprocessuais praticados no intuito de se averiguar a verdadee formar o convencimento do juiz; a prova vista como meio

1 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO,Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. 16.ª ed. São Paulo: Malheiros ,1999. p. 352.2 GRECO, Leonardo. Conceito de Prova. Disponível na biblioteca da Faculdadede Direito de Campos dos Goytacazes/ RJ, p. 01.3 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova Judiciária no Cível e Comercial, v. I, 2.ªEd., São Paulo: Max Limond, 1952. p. 04.

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representa os caminhos utilizados na aludida averiguaçãoe, finalmente, a prova como resultado é a constatação ounão da veracidade dos fatos alegados.

Nesta linha de idéias pode-se afirmar que, para quese possa falar em direito de ação e para que seja garantidoo contraditório, é imprescindível conferir oportunidade aosinteressados de representarem ao julgador a realidade dosfatos narrados. As partes devem ter assegurado o direitode influir sobre o desenvolvimento e sobre o resultado dolitígio, o que se dá mediante a produção de provas.

O direito à produção probatória é assegurado pelaConstituição da República Federativa do Brasil de 1988,vez que representa um dos desdobramentos do direito deação e da garantia do contraditório e da ampla defesa.Dada a amplitude deste direito, em tese, os fatos alegadospelas partes podem ser provados de forma indistinta.Neste sentido, José Carlos Barbosa Moreira esclarece deforma pertinente:

É evidente que o direito à prova implica,no plano conceitual, a ampla possibilidadede utilizar quaisquer meios probatóriosdisponíveis. A regra é a admissibilidadedas provas; e as exceções precisam sercumpridamente justificadas por algumarazão relevante. 4

Não existe um rol taxativo dos meios de prova nalegislação, mesmo porque tal enumeração exaustiva seriauma tarefa impossível. Por outro lado, “o processo só podefazer-se dentro de uma escrupulosa regra moral, que regea atividade do juiz e das partes.”5 Assim, diante destequadro, infere-se que as partes podem se valer de provasnão previstas em lei, denominadas atípicas, desde queestas sejam obtidas por um meio idôneo.

4 Ibidem, p. 108.5 GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO,Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 7ª ed., São Paulo: RT,2001, p. 130.

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Fixa-se, então, a regra geral da inadmissibilidade dasprovas obtidas por meio ilícito, consubstanciada no artigo5º, inciso LVI, da CRFB/88.

3. As provas ilícitas

3.1. Conceito e evolução

Conforme lição de Luiz Francisco Torquato Avolio,

“por prova ilícita, ou ilicitamente obtida,é de se entender a prova colhida cominfração de normas ou princípios dedireito material - sobretudo de ordemconstitucional, porque (...) aproblemática da prova ilícita se prendesempre à questão das liberdadespúblicas, onde estão assegurados osdireitos e garantias atinentes àintimidade, à liberdade, à dignidadehumana; mas, também, de direitopenal, civil, administrativo, onde já seencontram definidos na ordeminfraconstitucional outros direitos oucominações legais que podem secontrapor às exigências de segurançasocial, investigação criminal eacertamento da verdade, tais os depropriedade, inviolabilidade dodomicílio, sigilo da correspondência, eoutros”6

Os debates acerca da temática “provas ilícitas”foram mantidos por um longo período na superficialidade.Segundo Nicolò Trocker, a possibilidade de que asdecisões judiciais fossem baseadas no livre

6 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas, InterceptaçõesTelefônicas e Gravações Clandestinas. 2ª ed. São Paulo: RT, 1999. p. 44.

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convencimento do julgador e a visão autoritária da funçãojurisdicional que dava prioridade à busca da verdade realprejudicavam estudos mais aprofundados acerca depossíveis vedações probatórias.7

A doutrina nacional e estrangeira dividiu-se por muitotempo em apenas duas correntes radicais e antagônicasque ainda hoje possuem muitos adeptos. Barbosa Moreiraensina que os seguidores da primeira corrente acreditamque deva prevalecer o interesse da justiça nodescobrimento da verdade e, assim, a prova ilícita podeser utilizada, sem prejuízo da punição do infrator da normajurídica.8 Já aqueles que seguem a segunda corrente nãoadmitem o uso da prova ilícita vez que tal utilizaçãorepresentaria uma forma de privilegiar condutasantijurídicas, capazes de ocasionar prejuízo alheio.

Como acima explicitado, a Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil de 1988, suprindo a omissão daConstituição antecessora, foi categórica no sentido deproibir a utilização de provas ilicitamente obtidas, adotandodesta forma o segundo posicionamento acima aludido.

A postura radical adotada pelo legislador constituinteem parte se justifica pelo fato de que o país acabara desair de um regime autoritário, onde a supressão de direitose garantias fundamentais era a regra. Assim, como pairavanos anseios da sociedade a necessidade de proteção, obanimento da admissão das provas ilícitas representouum dos modos de salvaguardar os indivíduos contra osarbítrios do Estado.

Todavia, não há que se negar que a adoção deposicionamentos radicais não se apresenta hábil a solucionarproblemas acerca dos conflitos existentes entre uma vastagama de interesses. O aplicador do direito, sob a ótica dapolítica legislativa, é colocado por muitas vezes em umaverdadeira “encruzilhada entre a busca da verdade em defesa

7 TROCKER, Nicolò. Op. cit., nota 05, p. 563.8 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit. nota 07, p. 109.

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da sociedade e o respeito a direitos fundamentais que podemver-se afetados por esta investigação.”9

Diante do risco de engessamento do sistema, adoutrina vem tentando encontrar, embora ainda de formaincipiente, um ponto de equilíbrio entre as duas correntesextremistas já aludidas. Estão sendo sugeridosposicionamentos mais flexíveis que compatibilizem,conforme lição de Barbosa Moreira,

a gravidade do caso, a índole darelação controvertida, a dificuldadepara o litigante de demonstrar averacidade de suas alegações medianteprocedimentos perfeitamenteortodoxos, o vulto do dano causado eoutras circunstâncias (...).” 10

3.2. O princípio da proporcionalidade

Conforme acima explicitado, a adoção deposicionamentos rígidos no que tange à admissão ou nãodas provas ilícitas na instrução processual não representaa postura mais adequada a ser adotada pelo aplicador dodireito. “O princípio constitucional de proibição das provasilícitas é apenas um ‘ponto de partida’ para o tratamentoda questão, pois, para a sua aplicação nos casosconcretos, há um longo caminho a ser percorrido.”11

Deve-se ter em mente que as provas ilícitas sãoaquelas obtidas mediante infração, primordialmente, dosdireitos da personalidade. Todavia, diante do casoconcreto, princípios e valores fundamentais encontram-se freqüentemente em posições contrapostas e a

9 GRINOVER, Ada Pellegrini. op. cit., nota 09, p. 132.10 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit. nota 07, p. 110/111.11 VASCONCELLOS, Roberto Prado de. Provas Ilícitas (Enfoque Constitucional)In: Revista dos Tribunais, nº 791, setembro de 2001. p.460.

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determinação da prevalência de um em detrimento dooutro geralmente é tarefa árdua.

Ada Pellegrini ensina que:

os direitos do homem, segundo amoderna doutrina constitucional, nãopodem ser entendidos em sentidoabsoluto, em face da natural restriçãoresultante do princípio da convivência dasliberdades, pelo que não se permite quequalquer delas seja exercida de mododanoso à ordem pública e às liberdadesalheias. As grandes linhas evolutivas dosdireitos fundamentais, após oliberalismo, acentuaram a transformaçãodos direitos individuais em direitos dohomem inserido na sociedade. De talmodo que não é mais exclusivamentecom relação ao indivíduo, mas noenfoque de sua inserção na sociedade,que se justificam, no Estado social dedireito, tanto os direitos como as suaslimitações.12

Assim, devido ao fato de a utilização de provas ilícitasenvolver freqüentemente conflitos entre direitosindisponíveis, aduz Roberto Prado de Vasconcellos que:

o juiz, ao ter que enfrentar um casoem que esteja sendo discutida aadmissibilidade de uma provailicitamente obtida, deve atentar parauma boa administração das liberdadesem conflito de forma a tornar possívela incidência do ‘justo’ na decisão finala ser proferida.13

12 GRINOVER, Ada Pelegrini. Op. cit., nota 11, p. 46.13 VASCONCELLOS, Roberto Prado de. Op. cit., nota 16, p. 461.

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Trata-se de uma ponderação de interesses emconflito que se faz possível diante da constatação de quea proibição das provas ilícitas é um princípio processuale, como tal, traduz-se em um instrumento para aconsecução de um fim maior, qual seja, a corretaprestação jurisdicional.

A utilização do princípio da proporcionalidade,consagrada nos Tribunais Alemães como forma de avaliara possibilidade de admissão de provas ilícitas na instruçãoprocessual, é bastante atacada por festejados autores.Questiona-se muito como determinados valores, postosem confronto, podem sobrepujar-se a outros. Também secritica muito o casuísmo e o risco de arbítrio judicial.

O ilustre Doutor Leonardo Greco, por exemplo, aduznão ser tão segura a aplicação do princípio daproporcionalidade:

porque a falta de uma clara hierarquiaentre os direitos fundamentais, salvoos mais relevantes, como a vida, aintegridade física, reduz em grandeparte a discussão à ponderação inconcreto dos interesses em conflito,onde são inevitáveis o casuísmo e umagrande dose de arbítrio.14

Luiz Francisco Torquato Avolio, citando NicolòTrocker, afirma que:

não é de causar estranheza o ceticismodaqueles que vêem no princípio daproporcionalidade um parâmetroexcessivamente vago e perigoso parauma satisfatória sistematização dasvedações probatórias. Sem dúvida,existe o perigo, percebido nosprecedentes jurisprudenciais

14 GRECO, Leonardo. A prova no processo civil: do código de 1973 ao novocódigo civil. p. 09. Disponível na biblioteca da Faculdade de Direito de Camposdos Goytacazes/ RJ, p. 12.

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colacionados, de que os juízes, nadefinição da fattispecie singular,venham a orientar-se somente combase nas circunstâncias particularesdo caso concreto e percam de vista asdimensões do fenômeno no planogeral”. 15

Leciona o Doutor Leonardo Greco, fazendoreferência a Vittorio Denti, que “o problema das provasilícitas não pode ser analisado no plano meramenteprocessual, mas como garantia de respeito a direitosfundamentais protegidos por normas constitucionais. Paraele, não se protegem direitos fundamentais suprimindodireitos fundamentais.”16

Apesar de todas estas críticas, tem-se que não hácomo garantir a harmonia do sistema jurídico sem sereconhecer que existem valores e normas que secontrapõem de modo inexorável. A rigidez na exclusão dasprovas ilícitas pode ocasionar resultados gravementedesproporcionais. Diante desta constatação tem-se que:

“só a atenta ponderação comparativados interesses em jogo no casoconcreto afigura-se capaz de permitirque se chegue a solução conforme àjustiça. É exatamente a isso que visao recurso ao princípio daproporcionalidade.” 17

15 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit. nota 10, p. 71.16 GRECO, Leonardo, op. cit., nota 22, p.13.17 MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit. nota 07, p. 114.

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3.2.1. O princípio da proporcionalidade e a prova ilícitapro reo

Praticamente a unanimidade da doutrina e dajurisprudência aceita a aplicação do princípio daproporcionalidade para admitir a utilização de provas ilícitasna instrução do processo penal, desde que em benefício dadefesa. Invocando-se o princípio do favor rei, juristas negamaplicabilidade ao preceito constitucional da inadmissibilidadedas provas ilícitas se estas forem empregadas como formade o réu demonstrar sua inocência.

Ocorre que, diante deste quadro, uma indagação sefaz imprescindível: a quebra do veto constitucional para adefesa e a manutenção do mesmo, em sua plenitude, paraa acusação não feriria o Princípio da Igualdade das Partes?Barbosa Moreira18 levanta o argumento de que a acusação,os órgãos de persecução penal, dispõem de melhoresrecursos do que o réu. Assim sendo, favorecendo-se adefesa no campo probatório estaria-se, a despeito de umaigualdade formal, restabelecendo uma igualdadesubstancial entre as partes.

Todavia, o ilustre autor somente analisa a questãosob a ótica das ações penais públicas, vez que oargumento de que a acusação dispõe de mais armas doque a defesa cai por terra diante de ações penais privadas.Além disso, como o próprio autor reconhece, diante dacriminalidade organizada que hoje assola a sociedade, ficacomplicado afirmar, em qualquer hipótese, que a defesa émais fraca e vulnerável do que a acusação.

Roberto Prado de Vasconcellos critica compropriedade a questão da utilização do princípio daproporcionalidade como forma de admitir as provas ilícitassomente em favor da defesa:

18 Ibidem, p. 112.

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“É um vício constante da doutrinaafirmar que as provas ilícitasincriminatórias não podem jamais serutilizadas contra o réu. O problema dese tratar assuntos tão importantesapenas no âmbito da abstração, semtestar suas construções doutrináriascom exemplos hipotéticos, leva ainjustiças freqüentes, bem como aoesquecimento do problemas crônicosque necessitam de soluções urgentes.Exemplifique-se com o caso docombate ao tráfico. Não se pode negarque é notória a freqüência com que osmeios convencionais fracassam naresolução destes problemas.” 19

Há quem sustente a tese de que quando o próprioacusado colhe uma prova de forma inidônea, não podeesta ser considerada ilícita vez que estaria ele, o réu,coberto pelo manto da legítima defesa. Ocorre que nãoseria bem o caso de se falar na excludente da legítimadefesa e sim, a princípio, estaríamos diante de um casode estado de necessidade. Na legítima defesa “ocorre ochoque entre interesses lícitos de um lado e ilícitos dooutro, a agressão é injusta. No estado de necessidadeocorre justamente a colisão de interesses juridicamenteprotegidos.”20

19 VASCONCELLOS, Roberto Prado de, op. cit., nota 16, p. 465.20 Ibidem, o autor aduz em seu artigo que mesmo a excludente do estado denecessidade não pode ser invocada como forma de justificar a utilização deprovas ilícitas em favor do réu. Segundo ele, o estado de necessidadeclassifica-se em justificante e exculpante. O estado de necessidadejustificante, excludente de ilicitude, tem lugar quando o bem sacrificado émenor do que o bem resguardado. A situação de perigo deve ser atual e éexatamente neste ponto que surgem problemas atinentes à sua invocaçãocomo justificativa para as provas: “é possível (e bastante comum) que, emsede processual, esta “atualidade” que se exige em direito penal dure algunsanos” O estado de necessidade exculpante, por sua vez, exclui a culpabilidade

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3.3. The fruits of the poisonous tree

A Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada ou “TheFruits of the Poisonous Tree”, é originária da jurisprudêncianorte americana. A primeira decisão da corte americanaa empregá-la foi a do caso “Silverthorne Lumber Co. v.United States” (251 US 385; 40 S.Ct. 182; 64 L.Ed. 319),no ano de 1920.21

Essa Teoria nada mais é do que uma simplesconseqüência lógica da aplicação do princípio dainadmissibilidade das provas ilícitas. Segundo ela, “o víciode origem se transmite a todos os elementos probatóriosobtidos graças à prova ilícita (...).” 22

Conforme lição de Luiz Francisco Torquato Avolio,estamos diante de uma prova ilícita por derivação nashipóteses em que:

a prova foi obtida de forma lícita, masa partir da informação extraída de umaprova obtida por meio ilícito. É o casoda confissão extorquida mediantetortura, em que o acusado indica ondese encontra o produto do crime, quevem a ser regularmente apreendido; ouda interceptação telefônica

e o bem sacrificado não é menor do que aquele que foi preservado. “Portanto,a princípio, não serve o estado de necessidade exculpante para resolver osproblemas ligados às provas ilicitamente obtidas. Não é possível admitir umaprova ilícita quando o bem sacrificado for o maior; a sistemática penal eleboradapara este instituto simplesmente não tem como ser transportada para oprocesso”. Nesta linha de idéias, conclui o autor que “ não se pode descartara possibilidade de uma construção de uma teoria sobre as provas ilícitaspara o processo baseada na que foi feita para o direito penal. O problemamaior de uma tal teoria residiria na complexidade de sua adaptação para odireito processual, pois os princípios e garantias, assim como os objetivos dodireito penal e processual, apesar de não discrepantes, não são de todosemelhantes”. – todas essas citações estão na pág 468, não sei como fazerpra colocar a paginação neste caso de nota explicativa!21 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit. nota 10, p.73.22 MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit. nota 07 , p. 115.

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clandestina, pela qual se venham aconhecer circunstâncias que,licitamente colhidas levem à apuraçãodos fatos. 23

A aplicação da Teoria tem por objetivo impedir queos agentes produtores de uma prova ilícita possam delase valer para a obtenção de novas provas, cuja existênciasomente seria notada a partir daquela – ilícita. Se issoocorresse, a ilicitude da conduta seria facilmente driblada.

Juristas de renome atestam a importância em sebanir do processo as provas obtidas por meio de provasilícitas. Nas palavras do ilustre Doutor Leonardo Greco,por exemplo,“as provas derivadas das provas ilícitas (oschamados frutos da árvore venenosa) devem reputar-seigualmente ilícitas, sob pena de, por via indireta, acabarpor legitimar-se o desrespeito a direitos fundamentais.”24

Luiz Francisco Torquato Avolio, por sua vez, citandoAda Pellegrini Grinover, aduz que:

a posição mais sensível às garantias dapessoa humana, e conseqüentementemais intransigentes com os princípios enormas constitucionais, é a que professaa transmissão da ilicitude da obtençãoda prova às provas derivadas, que são,assim, igualmente banidas doprocesso.25

Todavia, no plano prático podem surgir algumasdificuldades à aplicação irrestrita da Teoria dos Frutos daÁrvore Envenenada. Isso ocorre porque é difícil delimitarcom a precisão necessária quais provas são realmentederivadas de uma prova ilícita.

23 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., nota 10, p. 73.24 GRECO, Leonardo, op. cit., nota 22, p. 13.25 AVOLIO, Luiz Francisco Torquato, op. cit., nota 10, p. 76.

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Excepcionam-se da vedaçãoprobatória as provas derivadas da ilícita,quando a conexão entre umas e outraé tênue, de modo a não se colocarema primária e as secundárias comocausa e efeito; ou ainda quando asprovas derivadas da ilícita poderiam dequalquer modo ser descobertas deoutra maneira. Fala-se, no primeirocaso em independent source e, nosegundo, na inevitable discovery. 26

De fato, seria completamente equivocado defendera declaração da nulidade de uma prova quando não ficarcabalmente demonstrado que a sua origem foi uma provaobtida por meios ilícitos, ou quando a descoberta do fatoprovado for inevitável; “ainda que aquele meio não tivessesido utilizado, a verdade chegaria ao processo por outravia, (...). A inevitabilidade do resultado almejado operacomo fator fundamental para a sua admissibilidade.”27

Cabe, portanto, ao juiz, diante do caso concreto,analisar minuciosamente as circunstâncias da produçãoprobatória, avaliando a real derivação da ilicitude.

3.4. As provas ilícitas na Constituição de 1988

Conforme já explicitado, a CRFB/88 adotou umapostura radical ao inadmitir de modo contundente as provasobtidas por meio ilícito. Todavia, para se aferir a realabrangência do ditame constitucional, imprescindível aanálise conjunta de dois dos seus dispositivos: artigo 5º,inciso LVI, que contém a vedação supramencionada, eartigo 5º, inciso XII, que dispõe in verbis:

26 GRINOVER, Ada Pelegrini, op. cit., nota 11 , p. 138.27 VASCONCELLOS, Roberto Prado de, op. cit., nota 16, p. 480.

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art. 5º (...)XII – é inviolável o sigilo dacorrespondência e das comunicaçõestelegráficas, de dados e dascomunicações telefônicas, salvo, noúltimo caso, por ordem judicial, nashipóteses e na forma que a leiestabelecer para fins de investigaçãocriminal ou instrução processual penal.

Do confronto destes dispositivos constitucionais épossível levantar alguns pontos relevantes. Em primeirolugar, tem-se que a CRFB/88 admitiu a prova produzidapor meio de escuta telefônica autorizada judicialmente ena forma prevista em lei. Ocorre que a promulgação da leidisciplinadora da matéria tardou por demais.28 “O projetoMiro Teixeira (Projeto de Lei 3.514/89 da Câmara dosDeputados), após a aprovação da Câmara, foi arquivadono Senado, nos termos regimentais, por não ter sidoapreciado no decorrer da legislatura”. A lacuna legislativasomente foi preenchida com a publicação da Lei 9.296 de24 de Julho de 1996.

A falta da lei regulamentadora da permissãoconstitucional, inclusive, foi um dos argumentos utilizadospelo Supremo Tribunal Federal no julgamento, em 07 deDezembro de 1994, da ação penal nº 307-3-DF que tinhacomo réus, dentre outros, o ex – Presidente da República,Fernando Collor de Melo, e Paulo César Farias: 29 a defesapautou-se na argüição preliminar da ilicitude das provascolhidas por meio de escuta telefônica clandestina e pormeio da extração de dados do computador da empresaVerax, apreendido sem autorização judicial. Tal tese foiacatada, aduzindo o Ministro Relator, Ilmar Galvão, que,na falta de lei definidora das hipóteses e da forma dainterceptação telefônica, esta não seria possível; tampouco

28 GRINOVER, Ada Pelegrini, op. cit., nota 09, p.180.29 MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit. nota 07 , p. 116.

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se poderia considerar lícita a extração de dadosparticulares do computador da empresa.

Outro ponto que se pode questionar é que apenas acomunicação telefônica foi alvo da ressalva constitucional.Toda prova obtida por meio de violação de sigilo decorrespondência e de comunicação telegráfica e de dadosfoi tida por ilícita, não cabendo autorização judicial; ainviolabilidade do sigilo, nestes casos, é absoluta. “Não é fácilperceber a razão de política legislativa capaz de justificar adisciplina heterogênea da matéria no tocante, por um lado,às comunicações telefônicas e, por outro, aos demais tiposde comunicação.” 30 Sobre o tema, denota Barbosa Moreira,citando Alcino Pinto Falcão, a existência de grande

incoerência entre o texto do art. 5º, XII,e as disposições dos arts. 136, parágrafo1º, I, “b” e “c” e 139, III, nos quais, aoenumerar as restrições imponíveis aosdireitos fundamentais por ocasião do“estado de defesa” e do “estado de sítio”,respectivamente, a Constituição se refereindiscriminadamente à inviolabilidade decorrespondência e ao sigilo das outrasmodalidades de comunicação. 31

Finalmente, é possível se apontar mais umaincoerência no texto constitucional quando nele restouestabelecido que a violação do sigilo de comunicaçãotelefônica autorizada judicialmente só pode ser meioprobatório na esfera penal, não abrangendo a esfera cível.Ora, tal distinção não possui qualquer embasamento.Poderia-se argumentar que a sentença penal trazconseqüências mais gravosas porque lida com a liberdadedo indivíduo, ao passo que, no âmbito cível, é o patrimônio

30 Ibidem, p. 11731 Ibidem, p. 117.

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que está em jogo. Porém, inúmeras são as vezes em queo litígio cível sai da esfera patrimonial adentrando o foroíntimo das partes, como ocorre, por exemplo, nas causasde Direito de Família; por muitas vezes, é ultrapassada arelação jurídica de caráter privado, prestando-se oprocesso civil a solucionar questões de DireitoAdministrativo, Direito Tributário, que envolvem toda umacoletividade, toda uma sociedade.32 Ademais, aConstituição não sustentou esta diferenciação em outrosdispositivos, a exemplo do art. 5º, inciso LV, no qual,garantiu-se o direito ao contraditório e à ampla defesa emtodo processo judicial e administrativo, sem nenhumadistinção.

3.5. A postura do juiz : admitir ou não as provas ilícitas?

Conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco, “(...)a sentença constitui o ato de positivação do poder, porconter a formal afirmação, pelo titular deste, de umavaloração feita em torno de fatos apreciados, comsubseqüente decisão a respeito (é arbitrário falar-se empositivação somente com referência à lei).” 33

O objetivo da prestação jurisdicional é a corretacomposição da lide e, para atingir tal finalidade, necessáriose faz o descobrimento da verdade, ou, quando tal não forpossível, o descobrimento do que lhe seja, pelo menos,próximo. Para tanto, vem se sugerindo uma postura maisativa do julgador, “tal postura não significa a perda daimparcialidade mas, tão somente, um exercício mais efetivodo dever de julgar.

É regra geral que as provas ilícitas devem serrechaçadas do processo, contudo a questão não é tão

32 Ibidem, p. 118.33 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo, 6ª ed.,São Paulo: Malheiros, 1998, p. 91.

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simples quanto parece, há muitos casos nos quais não sepode bani-las definitivamente sob pena de conseqüênciasdesastrosas. Assim, o juiz, que detém em suas mãos umaenorme responsabilidade, se vê diante de uma tarefa árdua:discernir acerca da admissão ou não das provas ilícitas.

Como ponto de partida para solucionar o problemadeve-se abandonar o positivismo extremo, radical, vez que,em nome do cumprimento da lei em sua estrita literalidade,desconsidera-se o restante do ordenamento, e prolatam-se inúmeras decisões incorretas. O operador do direito devesempre ter em mente a unidade do sistema, bem como oconjunto de princípios e valores que o compõem. Deve elesempre lançar mão do método teleológico de interpretação,buscando os fins a que as normas se propõem. Conformelição de Hésio Fernandes Pinheiro, “é necessário conhecero Direito no seu conjunto, as leis que sobre o mesmoassunto existam, os trabalhos da doutrina e dajurisprudência.”34

Há que se conferir razão às palavras de RobertoPrado de Vasconcellos quanto a este tema tão polêmico.Segundo ele,

o tratamento das provas ilícitas naConstituição é, (...), extremamentedefeituoso visto que o conteúdo literaldas normas a elas relevantes,aparentemente, não tolera umentendimento mais flexível no sentidode conciliar interesses em conflito,deixando-se de lado a aplicação doprincípio de justiça que ensina que deve-se tratar igualmente o que for igual, edesigualmente o que for desigual, namedida de sua desigualdade.35

34 PINHEIRO, Hésio Fernandes. Técnica Legislativa, 2ª ed., Rio de Janeiro:Freitas Bastos, 1962, p. 15.35 VASCONCELLOS, Roberto Prado de, op. cit., nota 16, p. 482.

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Acerca da obrigatoriedade das normas constitucionais,prossegue este autor em seus comentários, citando Otto Bachof:

“Essa obrigatoriedade só existirá, em primeiro lugar,se e na medida em que o legislador tome em conta osprincípios constitutivos de toda e qualquer ordem jurídicae, nomeadamente, se deixe guiar pela aspiração à justiçae evite regulamentações arbitrárias”36

Além disso, para se aferir acerca da utilização daprova ilícita necessário ter em mente que a presença, nocaso concreto, de valores conflitantes é inevitável e, assim,imprescindível é o sacrifício do bem menor para que restesalvaguardado o de maior valia. Nestes termos, cabe aojuiz averiguar os pormenores do caso concreto, tudo aquiloque, de alguma forma circunda o processo como osinteresses em jogo, o vulto do dano causado, a conjunturada sociedade, dentre outros aspectos que devem sersopesados. Não se trata de casuísmo e sim de tentativade obter-se um ponto de equilíbrio, onde casossemelhantes, ocorridos em circunstâncias semelhantes,serão julgados de maneira análoga.

A problemática das provas ilícitas deveser pensada não apenas dedutivamente,como costuma fazer a doutrinatradicional, mas também indutivamente.É preciso enfrentar exemplos para poderdiferenciar grupos de casos que mereçamo mesmo tratamento daqueles que devamser tratados de forma diferenciada devidoà sua natureza, pois por prova ilícitapodem-se ter os mais diversos graus deafetação de bem jurídico (daí aimpossibilidade de permanecer nageneralização das soluções).” 37

36 Ibidem, p. 482.37 Ibidem, p. 482.

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Logicamente que todas as decisões judiciais devemser exaustivamente fundamentadas, o que representa umaforma de se fugir da chamada “ditadura dos juízes”. Quandoo juiz indica pormenorizadamente os motivos que o levaramà tomada daquela determinada decisão, mesmo que nãose aplique a lei de forma literal, está ele contribuindo para aformação de uma jurisprudência sólida, estável, e trazendomaior segurança jurídica a essa temática tão polêmica.

Enfim, apesar dessa não ser a posição majoritáriada doutrina e jurisprudência brasileiras, entende-se quenada impede que o juiz baseie seu convencimento emuma prova ilícita desde que, assumindo ele uma posturamais ativa, venha a utilizar-se do princípio daproporcionalidade para sopesar as circunstâncias do casoconcreto, os valores e os bens envolvidos, buscando-seo ponto de equilíbrio entre os interesses conflitantes.

À primeira vista, a violação do disposto no artigo 5º,inciso LVI da CRFB/88 conduz à ineficácia das provasilícitas e a conseqüente nulidade da sentença que nelasse baseou. Todavia, não parece razoável que uma provailícita tenha o condão de anular uma decisão quando estarefletir a correta composição da lide.

4. Conclusão

A prova é o elemento que forma a convicção dojulgador acerca dos fatos que se apresentam comofundamento da pretensão das partes. A produçãoprobatória representa o cerne do processo e assumeimportância fundamental no provimento jurisdicional.

Assim, para que se possa falar em direito de ação epara que seja garantido o contraditório, é imprescindívelconferir oportunidade aos interessados de representaremao julgador a realidade dos fatos narrados.

Não existe um rol taxativo dos meios de prova nalegislação. Assim, infere-se que as partes podem se valer

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de provas não previstas em lei, denominadas atípicas,desde que estas sejam obtidas por um meio idôneo.

É nesta linha de idéias que se fixa a regra geral dainadmissibilidade das provas obtidas por meio ilícito,consubstanciada no artigo 5º, inciso LVI, da Constituiçãoda República Federativa do Brasil de 1988.

Por provas ilícitas é de se entender aquelas colhidascom infração de normas ou princípios de direito material,sobretudo na seara constitucional. Elas, de alguma forma,atentam contra as liberdades públicas, onde estãoassegurados os direitos e garantias atinentes à intimidade,à liberdade e à dignidade humana.

Quanto ao tema, a doutrina nacional e estrangeiradividiu-se por muito tempo em duas correntes radicais eantagônicas que ainda possuem muitos adeptos. Osseguidores da primeira corrente acreditam que devaprevalecer o interesse da justiça no descobrimento daverdade e, assim, as provas ilícitas podem ser utilizadaS,sem prejuízo da punição do infrator da norma jurídica. Jáaqueles que seguem a segunda corrente não admitem o usodas provas ilícitas vez que tal utilização representaria umaforma de privilegiar condutas antijurídicas, capazes deocasionar prejuízo alheio. A CRFB/88 seguiu esta última linha.

Porém, ante o risco de engessamento do sistema,a doutrina vem tentando encontrar, embora ainda de formaincipiente, um ponto de equilíbrio entre estas duascorrentes extremistas. Estão sendo sugeridosposicionamentos mais flexíveis que compatibilizem aspeculiaridades de cada caso concreto. Assim, ainadmissibilidade das provas ilícitas deve ser vista apenascomo um ponto de partida para o tratamento do tema,porque, na prática, diante de situações concretas, há umlongo caminho a se percorrer.

É através da utilização do Princípio daProporcionalidade, consagrado nos Tribunais Alemães ebastante criticado por juristas brasileiros, que se vai avaliara possibilidade de admissão de provas ilícitas na instrução

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processual. Ponderando-se interesses em conflito,verifica-se se a transgressão é necessária e tornaescusável o comportamento da parte; ou se, ao contrário,a parte poderia ter provado suas alegações por meiosregulares, tendo a infração gerado dano superior aobenefício trazido à instrução do processo.

O objetivo da prestação jurisdicional é a corretacomposição da lide e, para atingir tal finalidade, necessáriose faz o descobrimento da verdade, ou, quando tal não forpossível, o descobrimento do que lhe seja, pelo menos,próximo.

Banir definitivamente as provas ilícitas do processopode gerar conseqüências desastrosas, assim, o juiz devediscernir acerca da admissão ou não das mesmas. Emprimeiro lugar, o positivismo extremo tem ser colocado delado; em segundo lugar, deve-se ter em mente que apresença, no caso concreto, de valores conflitantes éinevitável e, assim, imprescindível é o sacrifício do bemmenor para que reste salvaguardado o de maior valia.

Apesar da maioria da doutrina e jurisprudênciabrasileiras não aceitarem as provas ilícitas na instruçãoprocessual, entende-se que nada impede que o juiz baseieseu convencimento em uma prova ilícita desde que sejautilizado o princípio da proporcionalidade para sopesar ascircunstâncias do caso concreto, buscando-se um pontode equilíbrio entre os interesses conflitantes. Não parecerazoável que uma prova ilícita tenha o condão de anularuma decisão quando esta refletir a correta composiçãoda lide.

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RESUMO

O presente artigo tem por objetivo o estudo das provas noprocesso brasileiro, dando enfoque prioritário ao tratamentoconferido às provas obtidas por meio ilícito, objeto de grandesdebates nos ramos de processo penal e também no processocivil, analisando, ao final, as situações nas quais as provasilícitas devem ser admitidas, implicando na flexibilização daregra geral aplicada ao tema.

ABSTRACT

This article aims at studying legal proof in Brazilian Law, focusingprimarily on the treatment given to illegal proofs, object of manydebates in the fields of criminal procedure as well as of civilprocedure, analysing, at the end, the situations whereby theillegal proofs must be admitted, implying the flexibilization ofthe general rule apllied to the topic.

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