micheli nikel rodrigues aplicaÇÃo da maternidade ... · sonho e pela coragem de seguir em frente...

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UNISALESIANO LINS CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM CURSO DE DIREITO MICHELI NIKEL RODRIGUES APLICAÇÃO DA MATERNIDADE SUBSTITUTIVA NO BRASIL LINS, 2016

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UNISALESIANO LINS

CENTRO UNIVERSITÁRIO CATÓLICO SALESIANO AUXILIUM

CURSO DE DIREITO

MICHELI NIKEL RODRIGUES

APLICAÇÃO DA MATERNIDADE SUBSTITUTIVA NO BRASIL

LINS, 2016

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MICHELI NIKEL RODRIGUES

APLICAÇÃO DA MATERNIDADE SUBSTITUTIVA NO BRASIL

Monografia apresentada ao curso de

Direito do UniSALESIANO, Centro

Universitário Católico Salesiano Auxilium,

sob a orientação do Professor Me.

Vinicius Roberto Prioli de Souza como um

dos requisitos para obtenção do título de

bacharel em Direito.

LINS, 2016

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MICHELI NIKEL RODRIGUES

APLICAÇÃO DA MATERNIDADE SUBSTITUTIVA NO BRASIL

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, para

obtenção do título em Direito.

Aprovada em: 21/06/2016

Banca Examinadora:

Professor Mestre Vinicius Roberto Prioli de Souza (Orientador)

Professora Mestre Meire Cristina Queiroz

Professor Mestre Dorival Fernandes Queiroz

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Dedico o sucesso desta monografia ao

meu querido Deus, por conceder a

realização deste momento;

A minha família, pelo total apoio no

decorrer desse caminho;

Ao meu professor orientador Prof. Me.

Vinicius Roberto Prioli de Souza, pela

paciência e pela dedicação com o

presente trabalho;

A todos os professores e colaboradores,

que de alguma forma me guiaram para

que este trabalho fosse desenvolvido e

concluído;

Enfim, a todos que de forma direta ou

indireta torceram por mim.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, por me conceder a plenitude do meu

sonho e pela coragem de seguir em frente mesmo diante das dificuldades;

Aos meus pais Sonia Luzinete Nikel e João Rodrigues, por toda a ajuda e

dedicação para que esse momento acontecesse;

Ao meu companheiro Gabriel Gazeta e aos meus filhos Fernando e

Bianca, por toda paciência e apoio nos momentos de elaboração do trabalho;

Ao meu orientador Prof. Me. Vinicius Roberto Prioli de Souza, por toda

dedicação e colaboração no trabalho desenvolvido;

Ao meu coordenador Prof. Me. Juliano Napoleão pela ajuda, pelas

dúvidas tiradas ao longo dessa caminhada e pelo incentivo na conclusão do

trabalho;

Aos meus amigos da 2ª turma de Direito do UniSalesiano e também

formandos em 2016, por sempre estarem presentes ajudando uns aos outros, além

da amizade e companheirismo de cada um;

A todos aqueles que, de alguma forma, me incentivaram, me deram

coragem para poder seguir em frente e torceram por mim.

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“Determinação, coragem e autoconfiança são fatores decisivos para o sucesso. Se estamos possuídos por uma inabalável determinação conseguiremos superá-los. Independentemente das circunstâncias devemos ser sempre humildes, recatados e despidos de orgulho.” (Dalai Lama).

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RESUMO

A presente pesquisa tem como principal enfoque analisar o cabimento ou não da

maternidade substitutiva no ordenamento jurídico brasileiro, suas técnicas, sua

aplicação e avaliar precisamente a regulamentação jurídica, embasados na

legalidade dos princípios com relação á filiação, ao poder familiar e o direito de

família. Ao passo que essa problemática traz controvérsias sobre a filiação da

criança, que deve ser pesquisado e ponderar as hipóteses que permitem a sub

rogação do útero. Utilizando-se do método de pesquisa descritiva e explicativa,

analisa-se o procedimento da técnica substitutiva, bem como das posições

referentes ao assunto. Ao longo do decorrer do trabalho confirma-se a possibilidade

do empréstimo temporário do útero para pessoas que tem impossibilidade de gerar

por alguma patologia, a necessidade de legislação para sanar os questionamentos

de sua validade, bem como de responsabilização civilmente ou penalmente de quem

abusar desta técnica para outros fins. No mesmo sentido, verifica-se que esta

técnica reprodutiva como sendo um meio gerador de planejamento no âmbito

familiar para as pessoas constituírem o sonho da maternidade e paternidade,

garantindo as famílias o exercício do direito estabelecido pela lei, no que tange a

permissão de cada um planejar a composição de sua família. No entanto, é uma

problemática que deve ser discutida, pois, sem regulamentação, fica adstrita a

questões controversas e a apreciação de decisões pelo Conselho Regional de

Medicina e pelo juiz.

PALAVRAS-CHAVE: Maternidade substitutiva. Regulamentação. Possibilidade.

Validade.

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ABSTRACT

This research has as its main focus analyze the appropriateness or not of surrogate

motherhood in the Brazilian legal system, their techniques, their application and

accurately assess the legal regulation grounded on the legality of the principles

regarding affiliation to family power and family law. While this issue brings

controversy about the parentage of the child, which should be researched and

consider the assumptions that allow subrogation of uterus. Utilizing is the descriptive

and explanatory research method analyzes the procedure of replacement technique

as well as relating to the subject positions. Over the course of the work confirms the

possibility of temporary uterus loan to people who are unable to generate for some

disease, the need for legislation to address the questions of its validity, as well as

civilly liability or criminal who abuse this technique for other purposes. Similarly, it

appears that this reproductive technique as a planning generator means in the family

for people constitute the dream of maternity and paternity, guaranteeing families the

exercise of the right established by law, regarding the permission of each one plan

the composition of your family. However, it is an issue that should be discussed,

because, without regulation, is hosted by the controversial matter to the decision by

the Regional Council of Medicine and the judge.

KEYWORDS: Maternity Substitution. Regulation. Possibility. Shelf life.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 12

2 MATERNIDADE SUBSTITUTIVA ...................................................................... 16

2.1 Evolução histórica das técnicas de reprodução humana assistida ......... 16

2.2 As técnicas de reprodução humana assistida ............................................ 17

2.2.1 Inseminação artificial.............................................................................. 17

2.2.2 Fertilização ou fecundação in vitro ....................................................... 20 2.2.3 Transferência de gametas e transferência intratubária de zigoto para as trompas de falópio ............................................................................................. 21 2.2.4 Clonagem reprodutiva ............................................................................ 23

2.2.5 Fecundação post mortem ...................................................................... 24

2.3 Maternidade substitutiva e seu cabimento ................................................. 26

2.4 Princípios do direito de família embasada na reprodução assistida ........ 28

2.5 Paradigma da resolução do Conselho Federal de Medicina e suas

atribuições ............................................................................................................... 32

3 FILIAÇÃO SUBSTITUTIVA ................................................................................ 35

3.1 Cabimento da filiação ................................................................................... 35

3.2 Princípios do direito de filiação ................................................................... 38

3.3 Critérios de filiação (biológico, socioafetivo e legal) ................................. 40

3.4 Maternidade substitutiva e o direito sucessório ........................................ 43

3.5 Regulamentação jurídica na sub-rogação do útero ................................... 46

4 RESPONSABILIDADE JURIDICA ADVINDA DA UTILIZAÇÃO DAS

TECNICAS REPRODUTIVAS HUMANAS E DO EXERCICIO DO PODER

FAMILIAR ................................................................................................................. 50

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4.1 Princípios do poder familiar embasada na maternidade substitutiva ...... 52

4.2 Direito à vida no âmbito jurídico atual ......................................................... 54

4.3 Responsabilidade civil das técnicas reprodutivas humanas .................... 57

4.4 Limitação penal na reprodução assistida ................................................... 60

4.5 Aspectos do direito comparado com relação a essa forma de gestação. 64

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................... 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 75

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo principal avaliar as regras da

possibilidade da aplicação da maternidade substitutiva no Brasil, girando em torno

de sua regulamentação e da sua problemática perante aos efeitos decorrentes de

sua utilização.

Diante de toda a conflituosidade em relação à criança gerada por meio da

maternidade substitutiva, levanta-se os aspectos principais desta técnica, já que

envolve muitas controvérsias e inovações.

A maternidade substitutiva no Brasil é conhecida pela expressão “barriga de

aluguel” – termo equivocado, pois não há nenhum valor cobrado, mas sim envolve

um ato de solidariedade e de amor para realizar o tão sonhado momento gestacional

para alguém, de forma totalmente gratuita, sem nenhum fim lucrativo, apenas se

limitando às custas do procedimento.

Em linha conceitual, a maternidade substitutiva ocorre quando uma mulher

concorda em ser inseminada ou receber pré-embriões, sendo estes transferidos

para o seu órgão procriador, tendo ela a compreensão de que a criança que irá

gestar, ao nascer, será criada pelas pessoas que propuseram o procedimento (ou

seja, é um empréstimo temporário do útero).

Analisa-se a possibilidade da gestação substituta para fins terminantemente

patológicos, como quando o casal não conseguir gerar filhos por causa de

determinada doença ou dificuldade, como descreve o Conselho Federal de Medicina

em seu dispositivo, enfatizando que, nestes casos, deve ser atestada pelo médico a

contraindicação da gestação.

Verifica-se a permissão do uso desta técnica em qualquer parente de até

quarto grau, podendo haver outras possibilidades – nestas situações, é obrigatório

passar pelo crivo do Conselho Federal de Medicina (CFM) e ser concedida expressa

autorização do juiz.

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Em linhas gerais, esse método gestacional traz muita insegurança jurídica

com relação à criança que nascerá, porém, por outro lado, promove o exercício do

direito de cada cidadão de poder planejar a sua própria família. No entanto, afere-se

que diante de sua não regulamentação jurídica, fica difícil estabelecer com exatidão

as limitações sobre o tema, ficando adstritas às normas do Conselho Federal de

Medicina e às decisões do próprio juiz por qualquer ocorrência que vier a acontecer.

Avalia-se que, mesmo sem a regulamentação específica do legislador, todo

aquele que sofreu danos decorrentes desta técnica moderna reprodutiva detém o

direito de responsabilizar o causador do sinistro.

Do mesmo modo, deve ser verificada a situação sucessória do filho nascido

por meio da técnica de reprodução em comento, na qual deve ser levada em conta a

igualdade dos filhos, conforme estabelece a Constituição Federal, fazendo-se mister

avaliar as formas concebidas pelo Código Civil em relação à reprodução assistida.

É analisada toda a parte principiológica que engloba as técnicas de

reprodução humana assistida, além do direito à filiação e os aspectos gerais do

poder familiar. Diante de todo fato narrado, nota-se que esse assunto repercute

muito além das limitações da presente pesquisa.

Este trabalho foi construído e dividido em sede de quatro capítulos,

apresentando-se no primeiro capítulo o tema em questão e suas delimitações na

parte introdutória.

No segundo capítulo elabora-se o histórico das evoluções do campo

científico com relação aos métodos de reprodução humana assistida, destacando-se

a sua importância, inclusive constando análise sobre qual técnica dentre as

apresentadas é possível se socorrer.

Estabelece-se, desta maneira, os parâmetros das principais formas de

reprodução, dando enfoque na maternidade substitutiva, tema central desta

pesquisa, explicando de maneira sucinta as hipóteses em que pode haver sua

utilização, abordando-se os princípios norteadores do âmbito familiar para melhor

compreensão sobre o assunto. Neste capítulo, igualmente, há a averiguação das

atribuições do Conselho Federal de Medicina (CFM) e sua normatização, levando

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em consideração que a norma do CFM surgiu em 1992, muito tempo depois do

nascimento do primeiro bebê de proveta que se teve notícia.

O terceiro capítulo se dedica a avaliar e explicar como se estabelece a

filiação nos casos do uso das técnicas de reprodução assistida, ainda mais com a

entrada de uma terceira pessoa na gestação do casal, além de analisar a pretensão

da maternidade e paternidade, distinguindo-se a mãe gestacional da mãe genética

ou mãe social.

Investiga-se também os princípios do Direito de Filiação, já que há vários

direitos fundamentais embutidos implicitamente nos mesmos, bem como os critérios

de filiação quanto ao estado legal, socioafetivo e biológico, os quais são passíveis

de muitas limitações de entendimento.

Investiga-se ainda explicações em relação ao direito sucessório decorrente

das técnicas de reprodução humana assistida, mostrando como fica a situação da

criança nascida destes métodos, se realmente não existe nenhuma discriminação

entre os filhos, como estabelecem vários dispositivos na legislação brasileira.

Ao mesmo tempo, faz-se uma análise da futura regulamentação jurídica em

relação ao uso da técnica de maternidade substitutiva, investigando as ocorrências

da sua não regulamentação, que de uma forma geral fica adstrita a não ter sanções

que visem o equilíbrio de seu funcionamento, levando-se em conta que o que não é

proibido presume-se permitido.

No quarto capítulo ressalta-se a importância do poder familiar, bem como

faz-se a abordagem dos princípios referentes ao assunto, trazendo um panorama do

direito à vida na atualidade jurídica, com o intuito de propiciar indagações sobre o

direito inerente a toda pessoa de se reproduzir, além de quem for concebido ser

considerado sujeito de direitos, independente do procedimento envolvido.

Busca-se ainda, analisar a responsabilidade de todos os integrantes desta

manipulação assistida, destacando a culpa como sendo ponto central da

responsabilização, além das limitações penais referente à utilização desta técnica,

devendo todo aquele que sentir lesado em seu direito, por qualquer ato dos

participantes, procurar meios judiciais para ser ressarcido.

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Por fim, salienta-se os aspectos referentes à permissão da maternidade

substitutiva no direito comparado, explicando como é feita a utilização da gestação

substituta em outros países onde há ou não a regulamentação desta prática,

observando-se que em muitos deles não há gratuidade da mesma (como as normas

do CFM estabelecem no Brasil). Porém, mediante o estudo realizado, é perceptível a

tendência de adaptação a estas novas técnicas de reprodução humana assistida no

mundo moderno, devido às inovações trazidas pelas mesmas.

Para encerrar, ressalta-se a importância do Brasil como fonte de procura do

método da maternidade substitutiva para a formação familiar, sempre sujeita às

normas do Conselho Federal de Medicina e às decisões do juiz nos casos que

necessitem de intervenções por meio de sentença.

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2 MATERNIDADE SUBSTITUTIVA

2.1 Evolução histórica das técnicas de reprodução humana assistida

As técnicas de reprodução humana assistida alcançaram seu

desenvolvimento através das inseminações artificiais, que de forma crescente

passaram a ser a esperança para casais impossibilitados de gerar ou gestacionar

uma vida humana. Através dos resultados clínicos dos pacientes, se analisa em qual

técnica assistida seu problema é encaixado, para assim ser submetido ao

procedimento artificial, conforme o entendimento de Renata Malta Vilas Boas:

Dessa forma, temos a fecundação artificial, que é resultante da reprodução medicamente assistida, é utilizada em substituição da concepção natural, quando houver dificuldade ou impossibilidade de um ou de ambos gerar. (2011, p. 128).

Ao longo dos séculos XIX e XX, foram estudadas diversas formas de

reprodução assistida através de manipulação em ratos, coelhos, peixes e até em

cavalos, para assim se chegar ao sucesso de uma gestação saudável de um bebê

artificialmente implantado ou manipulado. De acordo com Fernandes, “a década de

1970 foi decisiva para a evolução das procriações artificiais.” (2005, p. 23).

Depois de diversos esforços e estudos de vários geneticistas para a

elaboração de um meio de se obter uma gravidez que seja levada a termo, além de

muitos experimentos invasivos que contrariam a razão humana, se chegou ao

resultado almejado em 1978, nascendo o primeiro bebê de proveta.

Conforme ilustra Juliana Frozel de Camargo: “Desde o nascimento do

primeiro bebê de proveta, ocorrido na Inglaterra em 1978, a biomedicina vive uma

mudança repentina.” (2003, p. 24-25). Importante salientar que este sucesso

somente aconteceu no Brasil em 1984, com o nascimento do primeiro bebê por meio

artificial após muitos anos de pesquisa e diversos estudos e experimentos negativos,

conforme narra Juliana Frozel de Camargo:

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No Brasil, Nakamura e seus colaboradores conseguiram esse sucesso em 7 de outubro de 1984, com o nascimento de Ana Paula Caldeira, 23ª tentativa realizada no laboratório de fecundação in vitro do Hospital Santa Catarina. Foi uma cesariana, com recém-nascido pesando 3.350 kg e 0,50 cm. (2003, p. 26).

Depois dessas inúmeras tentativas e após ter sucesso em realizar o

nascimento da menina, a norma do Conselho Federal de Medicina surgiu para

regular esta prática somente em 1992, conforme prescreve Juliana Frozel de

Camargo: “Importante ressaltar que somente oito anos depois deste nascimento é

que foi instituída norma brasileira a respeito dessas técnicas, a Resolução nº

1358/92.” (2003, p. 26).

2.2 As técnicas de reprodução humana assistida

2.2.1 Inseminação artificial

Atualmente, existem diversas formas de conseguir gerar uma criança através

das técnicas de manipulação, até mesmo pode se socorrer da doação por meio uma

terceira pessoa. Busca salientar que a primeira técnica de reprodução assistida foi a

inseminação artificial, conforme prescreve Fernandes: “Essa é a primeira técnica de

reprodução assistida de que se teve notícia.” (2005, p. 28). Após surgiram várias

outras que ganharam espaço na atualidade.

A inseminação artificial é uma das técnicas mais simples e que não necessita

de tantas intervenções. Consiste na retirada do material genético masculino e

introduzido por meio artificial na cavidade uterina, consistindo em um meio que

facilita ou substitui alguma fase da ovulação normal. Conforme prescreve Queiroz

apud Savin:

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A inseminação artificial consiste na técnica de fecundação intracorpórea, na

qual o espermatozoide é retirado de seu doador (o próprio marido ou de um

terceiro) e posteriormente introduzido na cavidade uterina da mulher, de

maneira artificial (2009, 58-59).

No entanto, essa técnica não tem como datar com exatidão o que está

acontecendo na fecundação, pois pode ocorrer que o material genético acoplado

não seja aderido, conforme o entendimento de Camargo:

Assim, no processo deminação artificial não é garantida a fecundação do

óvulo, esta técnica será utilizada para designar tão somente a introdução do

sêmen na cavidade uterina, podendo, a partir de então, ocorrer ou não a

fecundação, fusão do ovulo e espermatozoide. (2003, p. 28).

Desta forma, pode não haver nenhuma gravidez com esta fusão.

Como neste tipo de inseminação artificial não há como datar exatamente se

houve a fecundação, pois se trata de uma introdução não ovular, assim deve toda a

equipe médica constar no termo de consentimento a declaração do que pode

acontecer ou não na tentativa de buscar o filho. Prescreve Camargo: “que antes de

submeter um casal à inseminação, devem assegurar que este será o único

tratamento capaz de contornar a infertilidade e esterilidade, pois, é um processo

complexo gerador de muita ansiedade e incerteza.” (2005, p. 29).

Esta forma de reprodução pode se dar na forma homóloga, consistindo em

utilizar o material genético do marido ou companheiro previamente selecionado, para

ser introduzido no útero da mulher na época em que o óvulo esteja apto para

fecundação, sendo indicado em casos de deficiência no material genético. Conforme

discorre Fernandes:

Homóloga, consistente na introdução dos espermatozóides do marido ou companheiro, previamente colhidos através de masturbação, no útero da mulher. O liquido seminal é injetado pelo médico, na época em que o óvulo encontra apto a ser fertilizado. É indicado para os casos de

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incompatibilidade ou hostilidade do muco cervical, oligospermia (baixo número ou reduzida motilidade dos espermatozóides), retroejaculação (retenção dos espermatozóides na bexiga), hipofertilidade, perturbações das relações sexuais e esterilidade secundária após tratamento esterilizante. (2005, p. 29).

A inseminação artificial também pode se dar na forma heteróloga, que

consiste na introdução do material genético masculino de um doador compatível,

para assim ser introduzido no óvulo da mulher, sendo indicado em casos de

doenças. É necessário o total consentimento do parceiro para que possa se

submeter a esse procedimento, de acordo com Fernandes:

Heteróloga ou Exogâmica ocorre com a introdução do sêmen de doador fértil, que não o marido ou companheiro, no útero da mulher, para tanto, é imprescindível o consentimento do casal. É indicada nos casos de graves doenças hereditárias, esterilidade masculina irreversível por ausência completa de espermatozóides (azoospermia) ou quando a produção dos mesmos é alterada (azoospermia secretória), nos casos de insuficiência espermática (hipofertilidade), por uma anomalia morfológica (teratospermia) ou na mobilidade (astenospermia), bem como quando ocorrer incompatibilidade do tipo sanguíneo do casal, que poderia interromper a gestação. (2005, p. 30).

Por outro lado, a inseminação artificial também possui a forma Bisseminal,

consistente em utilizar material genético masculino de duas pessoas diferentes para

inseminar no óvulo da mulher, ou seja, utiliza-se o sêmen do marido e o sêmen do

doador geneticamente misturado para obtenção da gravidez desejada, conforme

descreve Fernandes:

Se empregar material germinativo fecundante de duas pessoas distintas, por existir uma insuficiência de espermatozóide do marido ou companheiro, mistura-se o sêmen do marido ou companheiro com o do doador fértil desconhecido do casal. (2005, p. 30-31).

Assim, este é um dos procedimentos para se obter a tão sonhada gravidez,

existindo outras formas que serão abordadas nas próximas seções.

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2.2.2 Fertilização ou fecundação in vitro

Salienta-se que a fertilização ou fecundação in vitro é a técnica mais utilizada,

reproduzindo no ambiente laboratorial, por meio de um tubo de ensaio, todo o

processo de fecundação, para que ao final seja introduzido no útero ou nas trompas

da mulher, para que possa assim o feto possa se desenvolver. Nesse sentido:

Consiste na fecundação do ovulo in vitro, ou seja, os gametas masculinos e femininos são previamente recolhidos e colocados em contato in vitro para que sejam fecundados. O embrião resultante é transferido para o útero ou para as trompas. (NICOLAU JÚNIOR apud ALDROVANDI; FRANÇA, 2011,

p. 57).

No entanto, a fertilização in vitro é indicada em casos de doenças que

acarretam a impossibilidade de gerar filhos, como “nos casos de esterilidade tubária

bilateral feminina ou obstrução irreversível nas trompas, hipofertilidade masculina,

oligozoospermia, falha de tratamento cirúrgico tubário, endometriose e esterilidade

inexplicável sem causa aparente.” (FERNANDES, 2005, p. 32).

Para se obter sucesso na utilização da fertilização in vitro é necessário que a

mulher siga o procedimento descrito pelo médico para que se alcance a proeza de

ser mãe, sendo injetados hormônios para estimulação da ovulação. Doutrina

Camargo que “medicamentos hormonais superestimulam a liberação de óvulos em

média de 5 a 20 por ciclo ao qual é retirado da mulher.” (2003, p. 29).

A coleta do material genético da mulher é feita através de equipamentos

específicos para sua retirada, para poder ser armazenado para sua alteração,

fazendo-se “a coleta dos mesmos por laparoscopia ecográfica ou por punção

transvaginal.” (FERNANDES, 2005, p. 33).

Ressalta-se que a fertilização in vitro também pode se dar nas formas

mencionadas acima, pois, acopla diversas modalidades quanto ao procedimento dos

óvulos e do sêmen. “É importante ressaltar que a fecundação pode ser classificada

em homóloga, heteróloga ou mista.” (CAMARGO, 2003, p. 30).

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2.2.3 Transferência de gametas e transferência intratubária de zigoto para as

trompas de falópio

Na transferência de gametas tem-se procedimento igual ao da fertilização in

vitro, pois existe a possibilidade de a fecundação ser dentro do corpo da mulher,

conforme ensina Fernandes: “Permite que a fecundação ocorra dentro do corpo

humano, não difere da fertilização in vitro quanto a estimulação, coleta e

preparação.” (2005, p. 35).

No entanto, essa técnica demonstra chances de insucesso, porque existe a

desvantagem de sua fecundação ser intra corpórea, ou seja, ocorrendo no ambiente

natural. Conforme prescreve Camargo: “para que a concepção não ocorra num

laboratório, mas sim no próprio organismo da mulher.” (2003, p. 32).

Também há a dificuldade de não haver um acompanhamento total do

embrião, pois este será introduzido para que aconteça o processo naturalmente,

segundo explica Camargo:

A desvantagem do método em relação à fertilização in vitro decorre do fato de que a visualização do embrião é de grande importância para que se avalie a qualidade da fertilização, pois que pode ser detectada a presença de um embrião euplóide (número de pró-núcleos). Pela mesma, perde-se a oportunidade de identificar casos de polispermia. (2003, p. 32).

Este método também está relacionado a casos diagnosticados como

interferência para gestação, como “esterilidade sem causa aparente, fator cervical,

fator masculino, endometriose, fator imunológico e aderências anexas que

prejudiquem a captação de óvulos.” (FERNANDES, 2005, p. 36).

No tocante à técnica de transferência de zigoto, se opera sob os mesmos

procedimentos da transferência citada anteriormente, porém se difere no sentido de

que realiza o procedimento da fecundação dentro de um laboratório, possibilitando

de visualizar toda qualidade da fertilização:

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Exige os mesmos procedimentos da transferência de gametas, mas a fecundação se dá em laboratório. Neste caso, a transferência é feita quando a célula fusionada possui dois núcleos. Posteriormente, o pré-embrião ou zigoto é transferido para a trompa da mulher. (CAMARGO, 2003, p. 33).

Desta forma, é possível reproduzir em laboratório a fase onde se pode

observar a qualidade da fertilização, realizando a fecundação no seu lugar natural,

ou seja, dentro da trompa da mulher. De acordo com Camargo, “a técnica combina

as vantagens de se poder constatar a fertilização e sua qualidade, bem como a de

colocar no seu habitat ideal.” (2003, p.33). Sua utilização apresenta problemas

idênticos mencionados acima.

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2.2.4 Clonagem reprodutiva

A clonagem reprodutiva é uma técnica completamente manipulada, sendo

uma das formas de se obter um ser humano, consistindo em unir códigos genéticos

de uma pessoa para formar um embrião, o qual terá a mesma carga genética

daquele pelo qual foi alterado. Conforme ensinamentos de Camargo, é “uma forma

de reprodução assexuada (sem a união do óvulo e espermatozóide) e que origina

indivíduo com genoma idêntico ao provedor do DNA.” (2003, p. 34).

Foi em 1996 que nasceu o primeiro animal, uma ovelha, fruto de uma

clonagem feita por célula somática de uma ovelha adulta. “A superstar da grande

ciência, a ovelha Dolly nasceu no dia 05 de julho de 1996, data que passou a ser o

marco da história genética.” (CAMARGO, 2003, p. 35). Todavia, foi uma descoberta

exorbitante e difícil para os pesquisadores, pois com o passar do tempo, “Dolly

precisou ser sacrificada em fevereiro de 2003, após a descoberta de sinais de uma

doença pulmonar progressiva.” (CAMARGO, 2003, p. 36).

Esse acontecimento ficou gravado de várias possibilidades negativas de se

criar um clone, pois podem haver mutações genéticas e anomalias devido ao

nascimento normal com código genético único.

Além disso, o Instituto Roslin relatou, na época, que Dolly sofria de artrite no quadril e joelho da pata traseira esquerda, o que não é comum em uma ovelha com poucos anos de vida. A despeito de ter nascido aparentemente saudável e de ter gerado seis filhotes de maneira natural, temia-se, desde o início que Dolly pudesse sofrer de envelhecimento precoce, uma vez que ela foi criada a partir de uma célula adulta de seis anos e não de um

embrião. (CAMARGO, 2003, p. 37).

No que concerne a sua validade jurídica, a clonagem reprodutiva no Brasil é

proibida, pois não se pode admitir que seja gerado um ser humano com mesmo

código genético de uma pessoa. “No Brasil a clonagem reprodutiva está proibida,

mas novas medidas legislativa devem ser criadas sobre a matéria para que

complementem as existentes.” (CAMARGO, 2003, p. 40).

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Também, a Lei de Biossegurança Nacional nº 8974/95, que proíbe

terminantemente atividades relacionadas à clonagem humana, figura em seus arts.

8° e 13:

Art. 8°: É vedado as atividades relacionadas a OGM:

II - A manipulação genética de células germinais humanas.

Art.13: Constituem crimes: I - A manipulação genética de células germinais humanas. (Lei de Biossegurança Nacional).

Sustentando essa proibição, a Declaração Universal do Genoma Humano e

dos Direitos Humanos do Comitê Internacional de Bioética da UNESCO em 1997,

afirma em seu art. 11: “Não serão permitidas práticas contrárias à dignidade

humana, tais como a clonagem reprodutiva em seres humanos”.

Essa técnica constitui para a lei brasileira, uma afronta aos direitos da

personalidade por conta da clonagem de células do mesmo código genético.

2.2.5 Fecundação post mortem

A fecundação post mortem consiste na utilização dos gametas tanto

masculinos do marido ou companheiro, quanto dos gametas femininos da mulher,

para assim poder, mesmo após a morte, gerar a criança planejada, conforme leciona

Camargo:

A possibilidade da geração de filhos, mesmo após a morte, tornou-se viável com o advento do congelamento de gametas. Ou seja, ainda que o pai ou a mãe tenham falecido, desde que tenham depositados os seus gametas para criopreservação, será possível a utilização da técnica. (2003, p. 132).

Ocorre que com o surgimento da fecundação post mortem homóloga surge o

questionamento sobre os direitos sucessórios para a criança que nasce desta

técnica.

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Existem duas correntes dominantes que se diferem uma da outra: A primeira

prega que a criança futura não tem direitos sucessórios por ser concebida depois da

morte do sucessor, conforme ilustra o art. 1.798 do Código Civil (CC): “Legitimam-se

a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da

sucessão”. Ou seja, só tem direito sucessório aquela pessoa que já estava

concebida ou já nascida no momento da morte do autor da herança.

Já a segunda corrente decorre do inconformismo com esta situação, por

conta do direito da criança que ainda vai nascer. Conforme este segundo

entendimento aplica-se a sucessão testamentária com base no art. 1.799, I, Código

Civil:

Art. 1799: Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão.

Diante de todo o exposto, afere-se que essa medida é inconstitucional, pois a

Constituição Federal assegura a igualdade dos filhos, não ocorrendo na fecundação

post mortem, conforme Delfim sustenta: “é incontestável que em relação ao direito

sucessório do filho havido por fecundação post mortem, estamos diante de uma

lacuna infraconstitucional.” (2011, p. 18).

Salienta-se que devido às modificações que estão ocorrendo no campo

familiar, as regras sobre o assunto devem ser sempre revistas, pois, como na

fecundação post mortem, há a possibilidade de alguém já falecido ser pai, urgindo-

se amparar os sujeitos de direito que estão por vir.

A socialidade pode servir para fundamentar o parentesco civil decorrente da paternidade socioafetiva, isso porque a sociedade muda, a família se altera e o Direito deve acompanhar essas transformações (DELFIM apud SIMÃO;

TARTUCE, 2011, p. 19).

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2.3 Maternidade substitutiva e seu cabimento

A maternidade por substituição é a prática da cessão temporária do útero,

sendo este o termo mais utilizado nesta esfera. Não é correta a expressão “barriga

de aluguel”, pois não é permitida no Brasil, já que consiste em uma forma onerosa

de se conceber um filho para outra pessoa: “[...] a vulgar denominação de barriga de

aluguel é considerada imprópria, não sendo lícita falar em contrato, o termo mais

correto é cessão ou doação temporária do útero.” (BORGES JÚNIOR; OLIVEIRA,

2000, p. 49).

Na técnica de cessão ou doação temporária do útero, consiste numa doação

por uma terceira pessoa alheia ao relacionamento conjugal de forma gratuita, com o

fim de gestar a criança para que ao final seja entregue para o casal por livre e

espontânea vontade da doadora, que deve se apegar somente no ato de

solidariedade que está praticando, para não gerar problemas jurídicos. Conforme

ilustra Fernandes:

A mãe de substituição, durante um determinado período, carrega em seu ventre uma criança para outra mulher; findo esse prazo entregará a esta mulher a criança que alimentou, carregou e protegeu durante a gravidez. (2005, p. 96).

A maternidade substitutiva é considerada uma das técnicas de reprodução

humana assistida que vem sendo utilizada no meio jurídico-social de forma

acelerada e crescente, já que, através desta técnica, que gera diversas

interpretações, viabiliza-se uma maneira de se obter a gravidez para casais inférteis,

estéreis ou em casos em que a gestação é contraindicada.

Atualmente, com os avanços tecnológicos ligados à área de reprodução

humana assistida, busca-se esta forma de gestação para realizar o sonho de se

tornar mãe ou pai, seja por meio de outra pessoa ou por material genético alheio.

Conforme Cunha leciona, “diante da possibilidade da cessão temporária do

útero e a posterior entrega da criança, sem o material genético da mãe substituta,

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haverá uma mudança no conceito de maternidade na qual sofrerá adaptações para

se adequar à nova realidade.” (2005, p. 97).

Desta forma, esta nova realidade vem crescendo de modo que gera diversos

questionamentos sobre sua validade jurídica. Observa-se que somente deve ser

usada esta técnica se realmente houver necessidade, devido a problemas

hormonais que impeçam que a gravidez aconteça naturalmente, não sendo

permitido o uso exclusivo para fins de estética da mulher:

Esse procedimento está limitado às hipóteses de existência de problema médico que impeça ou contra-indique a gestação na doadora genética, sendo inadmissível a utilização da técnica apenas por vaidade da mulher que não pretende se submeter aos desconfortos da gravidez ou em razão profissional. (FERNANDES, 2005, p. 38).

Destarte, este método somente é possível em casos discriminados na norma

do Conselho Regional de Medicina. Se a mulher tem condições para gestacionar

uma criança, essa técnica não deve ser utilizada, bem como não é permitida se for

de forma onerosa – só deve ser realizada se for de forma extremamente gratuita.

Assim, a doadora que se submeter a este procedimento somente deve pensar

na ajuda que está oferecendo ao casal. Conforme verifica Camargo, “o recurso a

maternidade por substituição tem que ser um procedimento gratuito.” (2003, p. 124).

A maternidade substitutiva é um meio que facilita o acesso à filiação para

casais que não têm a possibilidade de gerar um filho, seja por problemas hormonais

em que não há a compatibilidade entre os genes cromossômicos do casal, ou por

esterilidade de ambos, ou por causa de infertilidade referente à ausência de útero na

mulher, ou até mesmo por falta de espermatozoides do homem. Pode ser utilizado

também em casos de patologia uterina adquirida por qualquer intervenção cirúrgica,

em casos de insuficiência renal severa ou diabetes grave, ou quando a gravidez é

contraindicada pelo médico, tanto para a mulher quanto para o marido.

Nestas hipóteses, a solução para este impasse maternal é a doação, onde se

estabelece um vínculo entre o casal e a doadora, sendo um dos métodos a ser

aderido para se ter um filho, por não ter primordialmente a necessidade de se

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chamar uma terceira pessoa para ingressar neste tão aguardado momento.

Conforme prescreve Camargo:

Indica-se se o empréstimo de útero apenas por questões medica infertilidade vinculada a uma ausência de útero, ou a patologia uterina de qualquer tratamento cirúrgico; ou contra indicações médicas para uma eventual gravidez, insuficiência renal severa ou diabete grave insulino dependentes (2003, COLOCAR PAGINA).

Diante de todo esse contexto, aprecia-se que a maternidade por substituição

é cabível apenas nas hipóteses onde há problemas referentes a não possibilidade

de gerar uma criança, bem como é admitida somente para doadoras que sejam da

família do casal, conforme Resolução do Conselho Regional de Medicina, que em

seu art. 1º reluz que as doadoras devem pertencer à família da paciente ou do

marido, até o quarto grau de parentesco; outros casos estarão sujeitos à autorização

do CRM.

2.4 Princípios do direito de família embasada na reprodução assistida

Em relação à maternidade por substituição, está cada vez mais surgindo na

atualidade questionamentos sobre sua validade. Salienta-se que não há uma

regulamentação sobre o tema, no entanto a maternidade por substituição tem como

principal objetivo a construção de uma família completa para o casal que tem sérios

problemas para gerar sozinho um filho, acabando por utilizar esta técnica de

procriação assistida, seja ela de forma homológa ou heteróloga. Conforme descreve

Camargo, “a reprodução assistida, um avanço tecnológico e cientifico de ponta,

trouxe grandes esperanças e já contabiliza inúmeros casos de sucesso.” (2003, p.

147).

Este procedimento está assegurado em vários princípios constitucionais e

civis que demonstram sua efetividade e, por enquanto, por não ser proibido, resulta

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sua permissão perante as técnicas de reprodução humana assistida na modalidade

de cessão temporária do útero. Na qual prevê Fernandes:

A utilização das mães de substituição nos parece extremamente excessiva e pouco louvável para justificar o desejo de ter um filho, porque a gravidez levada a termo por uma terceira pessoa estranha a relação do casal, parece ser contrária a todos os ensinamentos éticos que sempre pautaram os movimentos sociais. (2005, p. 101).

Atualmente, diante dos avanços tecnológicos que preveem a funcionalidade

desta técnica, o ordenamento constitucional estabelece em seu art. 226, caput, a

proteção da família pelo Estado. Todavia, sempre tem que se verificar o melhor

interesse da pessoa e proteção de todas as entidades familiares, abrangendo as

mais variadas formas contemporâneas de concepção de família.

Segundo esclarece Vilas Boas, “dessa forma, é o cotidiano, as necessidades

e os avanços sociais que se encarregam da concretização dos tipos, e uma vez

formado os núcleos familiares merecem igualmente proteção legal.” (2011, p. 28).

Tendo em vista a proteção do Estado à entidade familiar, analisa-se que

diversos princípios tabulados na Constituição Federal são encarregados de efetivá-la

mediante a permissão de utilização da técnica em tela, porém, não sendo uma

autorização explícita. O uso destas técnicas confrontam com o princípio da

dignidade da pessoa humana por usar um ser humano (mulher) somente para o

propósito de gerar uma criança. Percebe-se, diante do exposto, que há uma grande

lacuna jurídica, devendo ser apontados mecanismos legais que serão seguidos de

acordo com o disposto pelo Conselho Federal de Medicina.

Segundo menciona Fernandes, “Não parece condizente com a dignidade

humana que uma mulher utilize seu útero como incubadora para a criança de outra

mulher.” (2005, p. 101).

Ainda se deve verificar o princípio da pluralidade das entidades familiares,

que reluz que as famílias atuais estão se modificando cada vez mais, surgindo

novas figuras familiares.

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A Constituição Federal, em seu art. 226, §7º, condiz expressamente com o

princípio do planejamento familiar – onde se verifica o direito fundamental inerente

ao casal de escolher livremente o projeto familiar, podendo optar pela forma de

concepção mais adequada quando o meio natural lhe for limitado, introduzindo-se

assim as técnicas de reprodução humana assistida, além de poder escolher a forma

de educação e o número de filhos, tudo isso sem a interferência do Estado.

É importante observar que o referido princípio deverá ser seguido

conjuntamente com a Lei do Planejamento Familiar (Lei nº 9.263/1996):

[...] esta lei regulamentou o planejamento familiar, considerando-o como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direito igual de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal, não fazendo nenhuma menção a orientação sexual. Trata-se de um ato consciente de escolha entre ter ou não filhos, de acordo com seus planos e as suas expectativas. (GUERRA; ROSA, 2015, p. 30).

Assim, o Estado deve orientar e incentivar o planejamento familiar, criando

políticas públicas de prevenção e conscientização, estando os pais cientes das

possibilidades de se ter um alcance maior do projeto parental, sem distinção de

raça, sexualidade ou estado civil, pois o direito de procriar é inerente à vida humana,

conforme expõe Maria Helena Diniz: “o planejamento familiar é livre decisão do

casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o

exercício desse direito.” (2010, p. 24).

Ressalta-se que, com as técnicas de cessão temporária do útero, surgem

outros princípios associados, como o do melhor interesse e a proteção integral da

criança, o qual encontra amparo legal no art. 227, caput, da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do estado assegurar a criança e ao adolescente com absoluta prioridade, o direito à vida, a alimentação, a educação, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, o respeito, a liberdade e a convivência familiar além de colocá-los a salvo de toda forma

de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A técnica em comento neste trabalho não é um meio natural de se gerar um

filho, pois é necessário o intermédio de uma terceira pessoa para realizar o

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procedimento e, por conta dos riscos que a própria gestação traz para a parturiente,

é inadmissível qualquer manipulação para converter o andamento natural da

gestação. Preleciona Fernandes que “a maternidade de substituição deve ser

utilizada como recurso derradeiro quando todos os demais tratamentos disponíveis

tenham se tornados inócuos para a solução daquele caso de infertilidade.” (2005, p.

100).

Todavia, como já mencionado acima, surge a figura do princípio da dignidade

da pessoa humana, no sentido de que deve ser submetido à dignidade todo

procedimento neste sentido, perseguindo-se sempre proteger a vida em questão,

advinda da doadora do útero, além a integridade e o respeito de todos os

participantes desta relação de solidariedade, e, por fim, assegurar os direitos da

personalidade concernentes a esta modalidade, como descreve Diniz:

[...] constitui a base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e adolescente. (2010, p. 23).

Assim, pode-se falar sobre a importância do planejamento familiar em relação

ao consentimento na realização deste procedimento.

Diante de todos os princípios expostos que embasam esta técnica e a sua

existência no meio familiar, busca-se avaliar também o princípio da afetividade,

consoante com as mudanças referentes ao conceito de família diante das grandes

transformações da atualidade, ao passo em que o ambiente familiar se torna

composto por uma pluralidade de tipos familiares. De acordo com Maria Helena

Diniz: “traço dominante da evolução da família é a sua tendência em tornar o grupo

familiar cada vez menos organizado e hierarquizado, fundando-se cada vez mais na

afeição mútua.” (2010, p. 24).

Além disso, as relações familiares estão cada vez mais fundadas no afeto,

como explica Gagliano e Pamplona Filho: “[...] toma por base o afeto como vetor de

orientação comportamental dos pais ou representantes, inclusive no que tange a

inserção em família substituta.” (2014, p. 92).

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Para se adequar às transformações advindas da tecnologia, o legislador deve

avaliar cada caso, e levar em consideração o aspecto familiar da criança que está

convivendo ou que pode conviver, embasando-se na premissa dos laços familiares.

Preconiza Gagliano e Pamplona Filho:

De fato interpretar o Direito de Família, nesse panorama de observância do princípio da afetividade, deve-se aplicar ao caso concreto uma interpretação racional discursiva, compreender as partes envolvidas e valorizando acima de tudo os laços de afeto. (2014, p. 94).

Desta forma, a partir da segurança jurídica dada pelos princípios, analisa-se

as possibilidades de invocar a tecnologia humana na vida familiar.

2.5 Paradigma da resolução do Conselho Federal de Medicina e suas

atribuições

Com a crescente mudança no conceito de filiação e com o aparecimento das

técnicas de reprodução humana assistida na modalidade de cessão ou doação

temporária do útero, procura-se enfatizar que até o presente momento não há uma

regulamentação cogente, com força de lei, trazendo sanções para seu

descumprimento ilícito tanto na esfera penal como na esfera cível. De acordo com

Camargo: “Falta, portanto, um dispositivo legal com normas cogentes, com todas as

características de direito e regulamentação, ou seja, com força de lei.” (2003, p. 192-

193).

Diante dessa lacuna jurídica, para amparar os casos que se utilizam da

técnica em tela, os mesmos são submetidos ao Conselho Regional de Medicina e

aos artigos do Código de Ética Médica, que trazem algumas restrições, causas e

parâmetros em seu bojo. Conforme ilustra Camargo em seu entendimento: “a

reprodução humana assistida é tratada com especificidade somente por uma norma

deontológica, a qual, em razão de sua natureza, restringe-se à comunidade médica.”

(2003, p. 192).

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Quanto à possibilidade da utilização da cessão temporária do útero, ainda por

não ter regulamentação específica, os parâmetros da referida norma deontológica

não são suficientes. Desta forma, o que vem sendo discutido sobre o assunto carece

de muito estudo quando se depara com algum caso concreto. “E diante a omissão

legislativa, acaba o judiciário tendo que decidir as questões que são submetidas a

eles.” (BOAS, 2011, p. 140).

As normas que são instituídas pelo Conselho Federal de Medicina são

progressivas, ou seja, com o passar do tempo sofrem alterações para suprir as

necessidades que vem surgindo na atualidade. Isto posto, a resolução nº 1358/1992

foi revogada pela resolução nº 1957/2010, seguida da nº 2013/2013, que dispõe em

seu dispositivo:

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, alterada pela Lei nº 11.000, de 15 de dezembro de 2004, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e pelo Decreto nº 6.821, de 14 de abril de 2009, e o

Art. 2º Revogar a Resolução CFM nº 2.013/2013, publicada no D.O.U. de 9 de maio de 2013, Seção I, p. 119 e demais disposições em contrário.

Atualmente a norma vigente é a resolução nº 2121/2015, que traz um rol de

informações referentes às técnicas de reprodução humana assistida com atribuição

na gestação substitutiva. Em seus artigos traz o requisito de parentesco até o quarto

grau entre a doadora do útero com pelo menos um dos componentes do casal.

Outros casos de doação ficam sujeitos à autorização do Conselho Federal de

Medicina:

1 - As doadoras temporárias do útero devem pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau – mãe; segundo grau – irmã/avó; terceiro grau – tia; quarto grau – prima). Demais casos estão sujeitos à autorização do Conselho Regional de Medicina (Norma do CFM).

Todavia, todo esse procedimento não pode de maneira alguma usar de algum

meio de remuneração, devendo ser totalmente gratuito, com base na solidariedade,

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de acordo com a norma da CFM: “2 - A doação temporária do útero não poderá ter

caráter lucrativo ou comercial”.

Na maternidade substitutiva deve ser verificada a legalidade quanto ao

método, sendo obrigatório fazer todo o procedimento documental para o sucesso da

técnica, alertando ao casal dos possíveis aspectos negativos, a fim de proteger a

clínica de eventual ação por erro no termo de consentimento, conforme descreve a

resolução vigente nº 2121/2015 da CFM:

3. Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos e observações deverão constar no prontuário do paciente:

3.1. Termo de consentimento livre e esclarecido informado assinado pelos pacientes e pela doadora temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação (Norma do Conselho Federal de Medicina).

3.2. Relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos:

3.3. Termo de Compromisso entre os pacientes e a doadora temporária do útero (que receberá o embrião em seu útero), estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

3.4. Garantia, por parte dos pacientes contratantes de serviços de RA, de tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mãe que doará temporariamente o útero, até o puerpério;

3.5. Garantia do registro civil da criança pelos pacientes (pais genéticos) devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez;

3.6. Aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a doadora temporária do útero for casada ou viver em união estável.

Assim, devem ser seguidos todos os requisitos previstos para o andamento

do procedimento, se tornando assim claramente possível que tudo ocorra com

grandes chances de sucesso e sem nenhuma responsabilidade civil, bem como

nenhuma implicação penal por causa de eventual violação dos requisitos.

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3 FILIAÇÃO SUBSTITUTIVA

3.1 Cabimento da filiação

Antes de adentrar no mérito da filiação substitutiva, enfatiza-se que a filiação

é um vínculo que se estabelece desde a concepção entre os filhos e os pais,

resultante dos direitos e obrigações, conforme afirma Gonçalves: “Filiação é a

relação jurídica que liga o filho a seus pais.” (2015, p. 323).

A filiação na maternidade substitutiva gera controvérsia sobre sua validade,

embora o principal problema jurídico está em torno do fato de uma terceira pessoa

adentrar no relacionamento conjugal, conforme descreve Oliveira: “Os tratamentos

de infertilidade provocaram uma verdadeira revolução nos antigos conceitos e

presunções de paternidade.” (2000, p. 38).

Ao analisar os vínculos obtidos por este meio artificial se verifica que existem

várias intercorrências que podem acontecer devido ao empréstimo do útero, assim

prescrevendo Fernandes: “A prática da utilização tem trazido sérios problemas

éticos e jurídicos.” (2005, p. 95).

Com a evolução das técnicas de reprodução assistida, o conceito de cessão

temporária do útero modificou-se exasperadamente. Anteriormente, o vínculo de

filiação era presumidamente certo, como explica Garcez: “A presunção mater est

semper certa também nunca foi absoluta, podendo, agora como antes ceder à prova

em contrário.” (2011, p. 85).

Seguindo tal raciocínio, era considerada a mãe da criança aquela que gerava

o feto sendo que, assim que o mesmo nascesse, efetivamente ocorreria o registro

civil sem problemas. Entrementes, com o advento das novas possibilidades de

doação de sêmen, óvulos e útero por pessoa alheia à relação do casal, adotou-se

um novo conceito de mãe:

A mãe de substituição era sempre a mãe biológica da criança, contudo, com

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o avanço das técnicas de reprodução assistida, atualmente, a mãe de substituição pode não ter nenhuma ligação genética com a criança que esta gestando. (FERNANDES, 2005, p. 95).

Enfatiza-se que, com relação à paternidade, é necessária a concordância do

marido ou companheiro para realização do procedimento, constando tal

consentimento em ato expresso que comprova seu conhecimento, para não desdizer

o vínculo obtido ao nascimento, não se permitindo que haja a impugnação da

paternidade. À luz do pensamento de Camargo: “não é permitido ao marido que teve

conhecimento e consentiu com a reprodução heteróloga de impugnar a

paternidade.” (2003, p. 126).

A filiação notadamente se verifica conforme cada caso, pois pode acontecer

de a pessoa que gestaciona o bebê (chamada de mãe substituta, mãe portadora ou

mãe sub-rogada), ou a doadora dos óvulos, ou a que deseja ter o bebê (denominada

mãe genética ou mãe social), serem a mesma pessoa. Observa-se também que o

pai pode ser o doador do material genético, tendo a possibilidade de ser o marido ou

um doador anônimo. Sobre assunto, interessante é a explicação de Camargo:

Se a mulher solicitante forneceu o óvulo, será a mãe genética; se foi a mãe de substituição quem forneceu também o óvulo será esta a mãe genética e geradora, ao mesmo tempo, o pai genético, por sua vez, pode ser o marido ou companheiro da mulher solicitante bem como de um doador anônimo (2003, p. 96).

Com base nesta classificação, deve ser analisado o vínculo de filiação para

assim lavrar o assento do registro civil da criança com a informação da verdadeira

família. Entrementes, gera mais controvérsias o momento do parto na maternidade,

uma vez que com o nascimento é expedida a Declaração de Nascido Vivo, com a

finalidade de lavrar o registro, na qual contém dados da parturiente (que é a mãe de

substituição). Prescreve Oliveira: “Seguramente, na maioria das vezes, o hospital ou

maternidade, após o parto, na declaração de nascido vivo a ser emitida fará constar

como mãe a parturiente e não a mãe biológica ou social.” (2000, p. 55).

No que tange às soluções para se atribuir com exatidão a filiação do bebê

gerado na cessão temporária do útero, o profissional médico que fez o procedimento

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assistido e o parto da mãe substituta pode exprimir a verdade dos fatos na

declaração, constando o nome da mãe biológica ou social, mesmo não sendo esta

que gerou a criança, conforme ilustra Oliveira:

Possuindo o médico que realizou o parto a certeza de que a mãe é a biológica ou a social, ou seja, a mulher que se submeteu ao tratamento de infertilidade, sem dúvida que ele pode emitir a declaração de nascido vivo nesse sentido, sem incorrer em crime de falsidade, haja vista que um dos princípios que norteiam os registros públicos é o de que o registro deve exprimir a verdade real. (2000, p. 56).

Se o médico não possuir a certeza de quem é a mãe verdadeira por algum

motivo, é expedida declaração no nome da parturiente, devendo a mãe biológica ou

social requerer junto ao Juiz Corregedor do Cartório de Registros Públicos

autorização para que seja lavrado o registro da criança em seu nome. No entanto,

se for a parturiente a doadora dos óvulos, deve-se lavrar o termo de doação para

que seja feito o convencimento do magistrado.

Emitida a declaração de nascido vivo em nome de parturiente, poderá a mãe biológica ou social requerer, ao Juiz Corregedor do Registro Civil da Comarca que nasceu a criança, pedido de autorização para lavratura de assento de nascimento, instruindo-o com contrato de doação temporária do útero, o laudo médico atestando o procedimento de fertilização e a declaração de nascido vivo. Não possuindo dúvidas quanto a maternidade mandará lavrar o registro de nascimento em nome da mãe biológica ou social, existindo duvidas poderá determinar o exame de DNA e caso seja a parturiente a doadora dos óvulos deverá constar o requerimento da prova da doação. (2000, p. 56).

Se o magistrado entender que a mãe verdadeira é a mãe substituta, deverá a

mãe social ou biológica impetrar recurso em instância superior, postulando

investigação de maternidade para o esclarecimento da verdade real da filiação.

Nesse sentido, assinala Oliveira: “Se o registro de nascimento vier no nome da

parturiente, poderá a mãe biológica ou social requerer a anulação do assento, com

base na investigação de maternidade a ser realizada em ação judicial.” (2000, p. 58).

Conclui-se que, para não ocorrer injustiça, deverá a mãe biológica ou social

procurar assistência jurídica para esclarecer a maternidade.

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3.2 Princípios do direito de filiação

Salienta-se a importância dos princípios assegurados pela Constituição

Federativa do Brasil ao apontar em seu texto legal o direito à vida, à integridade

física e à filiação, devendo ser assegurados independentemente de sua origem

genética. Nos dias de hoje, se torna mais importante a busca pela verdade afetiva

do que o uso de teste de DNA para se confirmar a maternidade ou paternidade,

conforme prega Fernandes:

Com o advento das procriações artificiais todo esse estado de coisas foi alterado, uma vez que a verdade biológica deve ser desconsiderada em proveito da verdade afetiva. Nesse sentido, a verdadeira filiação nos dias atuais está calcada na intensidade das relações afetivas que unem pais e filhos independentes da origem genética. (2005, p. 61).

Essa verdade afetiva ocorre devido à possibilidade do texto legal assegurar

em seu art. 227 todos os deveres inerentes aos pais como forma de apontar a

obrigação decorrida da obtenção da filiação:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No entanto, busca-se demonstrar a importância em analisar o principal

princípio em torno destas manipulações genéticas, qual seja, a dignidade da pessoa

humana, que assegura a plenitude da proteção ao nascituro deste a sua concepção,

conforme prega Camargo: “O princípio da Dignidade da Pessoa Humana obriga-nos

a um compromisso inafastável: o do absoluto e irrestrito respeito à dignidade e à

integridade de todo ser humano.” (2003, p. 182).

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Ao mesmo tempo, descarta-se de forma implícita a não possibilidade de

venda de qualquer natureza: “Isso porque o homem é sujeito de direitos e jamais

objeto de direitos e, muito menos objeto mais ou menos livremente manipulável.”

(CAMARGO, 2003, p. 182).

Desta forma, enfatiza-se na presente pesquisa a observância do princípio

supracitado (dignidade da pessoa humana) em relação à prática das técnicas de

reprodução humana assistida, sendo admissível tais métodos somente na forma

gratuita para não afrontar outros princípios e artigos constitucionais:

Portanto, as técnicas de reprodução humana assistida só se apresentam admissíveis se levarem em conta a dignidade da pessoa humana. Consequentemente, não se pode admitir pratica de mercancia, do ato de comercio, tais como a venda de sêmen, o “aluguel” do útero, etc (CAMARGO, 2003, p. 183-184).

No que concerne aos direitos do casal, deve-se observar o princípio do livre

planejamento familiar, estampado no art. 226, §7º da CF, o qual confirma a liberdade

de planejar a criação das famílias e outras formas de procriação. Todavia, necessita-

se da atuação do Estado para contribuir e suprir os métodos para que esse princípio

consagre. Deve-se levar em conta, sobretudo, a vida da criança que vai nascer ou já

é nascida. Nessa toada, do escólio de Gama:

No âmbito do planejamento familiar, o principio em tela deve não somente ser aplicado no sentido de garantir o exercício desse direito pelo casal, como também na proteção daquele que poderá vir a nascer e o conflito entre essas duas perspectivas deve ser solucionado, em regra em favor desse último (2008, p. 70).

Destaca-se também a importância do princípio do melhor interesse do menor,

sob a luz do art. 227, caput e seus parágrafos, que reza que a criança deve ser

tutelada como principal fonte de direitos e deveres inerentes à família, bem como do

Estado. Desta forma, deve-se ter mecanismos para seu desenvolvimento e ser

assegurado tratamento diferenciado por causa de sua condição. De acordo com

Gama: “o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente representa

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importante mudança de eixo nas relações paterno-materno-filiais, em que o filho

deixa de ser objeto para ser alçado a sujeito de direitos.” (2008, p. 80).

Do ponto de vista de Fernandes, “deve-se levar em consideração até que

ponto é legítimo o desejo de procriar a qualquer custo, recorrendo-se a um

processo, em que após o nascimento a criança é retirada de sua mãe natural (mãe

de substituição).” (2005, p. 97).

Dessa forma, verificam-se vários pensamentos contraditórios relativos a essa

prática, trazendo várias colisões de direito.

No que tange ao princípio da igualdade entre os filhos, faz-se mister verificar

se não existem desigualdades entre eles para constituir a filiação, com base no texto

da Constituição Federal, conforme explica Tartuce:

Prevê o art. 227, § 6º, da Constituição Federal que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. [...] Essa igualdade abrange também os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação heteróloga (com material genético de terceiro). (2006, p. 7-8).

Em suma, não pode haver nenhuma distinção entre os filhos de qualquer

natureza, por ferir uma série de princípios que impedem essa diferenciação.

3.3 Critérios de filiação (biológico, socioafetivo e legal)

Com o passar do tempo e com as técnicas de reprodução humana assistida,

os critérios de filiação foram alterados em sua estrutura, ao passo que surgiram

novas concepções de filiação atreladas não tão somente ao fato de quem é a

doadora genética, mas como também de quem planejou a gestação e quem se

submeteu aos desconfortos da gravidez emprestada:

No mundo ocidental, toda a relação de parentesco estava embasada na

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presunção de paternidade ligada à legitimidade decorrente do casamento, essa presunção, todavia, em decorrência da evolução cientifica, foi cedendo lugar à filiação biológica, assim, a filiação estabelecida pelo registro de nascimento passou a ser questionada em contraposição a verdade estabelecida biologicamente. (FERNANDES, 2005, p. 61).

Nestes procedimentos devem ser analisadas as verdades afetiva e biológica,

pois são situações em que os direitos se colidem, levando-se em consideração o

amor pelo projeto gestacional, ou seja, o casal que planejou um filho pela

impossibilidade de gerarem por si só e se submeteram ao processo de manipulação

genética, criando sentimentos e expectativas, conforme explana Fernandes: ”Com o

advento das procriações artificiais todo esse estado de coisas foi alterado, uma vez

que a verdade biológica deve ser desconsiderada em proveito da verdade afetiva.”

(2005, p. 61). Na visão de João Baptista Villela “ser pai ou mãe não está tanto no

fato de gerar, quanto na circunstância de amar e servir” (2005, p. 39).

O critério biológico é aquele feito através de exames laboratoriais para

diagnosticar sua certeza em relação à maternidade ou paternidade da criança,

assim, como explica Oliveira: “a verdade biológica, no caso de fácil comprovação a

partir de exames de DNA, verdadeira carteira de identidade da pessoa.” (2000, p.

66)”.

A mãe de substituição pode não ter nenhum vínculo com a criança, conforme

ilustra Camargo: “a técnica de fecundação in vitro pôde fazer de uma mãe natural,

uma simples mãe de substituição, capaz de emprestar seu útero, sem nenhuma

ligação genética com o embrião.” (2003, p. 128), ao passo que constitui uma forma

de filiação embasada na orla dos laços de consanguinidade, presumindo a

maternidade ou paternidade certa.

O critério socioafetivo, derivando do princípio da afetividade, estabelece que a

filiação se manifesta através do afeto e do amor dos futuros pais e seu projeto

parental, emanados de situações em que o casal, na sub-rogação do útero, pratica

durante todo o processo da manipulação e a participação na gestação, de acordo

com Fernandes:

Atualmente, tendo em vista as conquistas médicas, que separando o vínculo parental da hereditariedade, abalaram claramente as estruturas

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familiares, o vínculo de filiação deixa de ser exclusivamente biológico e passa a ser afetivo, porque a criança é querida, desejada. Aparece a paternidade de intenção, na qual os pais são reconhecidos como tais por seus filhos. (2005, p. 66).

Diante desse impasse, João Baptista Villela, preconiza que “aventou a

possibilidade de desbiologização da paternidade, referindo-se a ela como um fato

cultural que nasce de uma decisão espontânea.” (2005, p. 67).

Reconhecida a paternidade ou maternidade socioafetivo, surge as inovações

inerentes à filiação, na qual os sentimentos de afeto, amor e respeito se tornam cada

vez mais utilizados para caracterização da verdade real, conforme preleciona Silva e

Catalan: “O vínculo afetivo entre um adulto e uma criança, ou mesmo um adulto e o

nascituro, muitas vezes se sobressai em relação ao vinculo biológico, não é o DNA

que torna alguém pai ou mãe, apenas comprova origens da criança.” (2015, p. 22).

Acrescenta-se a esta linha de raciocínio o critério legal, consistindo na

presunção da lei para verificar os pais da criança, com base no casamento e no

parto. No entanto, para fins de reprodução assistida não deve ser levado em conta

por haver espaços de tempo. Oliveira leciona que “as presunções legais de

paternidade e maternidade não subsistiram as técnicas de reprodução assistida,

pois diante de congelamento não se pode condicionar valor legal da paternidade.”

(2000, p. 66).

No que tange ao aspecto legal, a filiação é estabelecida logo após o

nascimento da criança, ou seja, presume-se mãe aquela que concebeu a criança,

como preleciona Camargo: “Os atuais conceitos legais brasileiros consideram mãe

aquela que deu à luz, indicando que a filiação se estabelece pelo parto.” (2003, p.

129).

Desta forma, a mãe gestacional pode ser chamada de mãe para os efeitos

legais. Todavia, sobressaindo quaisquer discussões sobre a verdadeira filiação da

criança, caberá ao juiz decidir sobre a questão, pois não há previsão legal, conforme

ilustra Camargo: “havendo disputa entre a mãe genética ou social com a mãe

substituta, caberá ao Poder Judiciário, diante da imprevisão legal analisar o caso

concreto.” (2003, p. 129).

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Frisa-se que, no que tange às soluções de conflitos, como não há previsão

expressa sobre seus mecanismos pormenorizados, cabe ao juiz decidir a filiação da

criança advinda desta técnica de maternidade substitutiva.

3.4 Maternidade substitutiva e o direito sucessório

Com as mudanças impulsionadas pela modernidade com o passar dos anos,

a família, tutelada pela Constituição Federal, passou por modificações, e trouxe

inovações com relação ao direito sucessório, pautadas no sentido de que não há

qualquer discriminação entre os filhos, estabelecendo assim igualdade de direitos,

conforme preconiza Camargo: “Como foi visto, o Instituto Família sofreu um

alargamento a partir da Constituição Federal de 1988, que proibiu qualquer tipo de

discriminação entre os filhos.” (2003, p. 220).

Atualmente, com a tecnologia da reprodução humana assistida, ficou ainda

mais comprometido o apontamento da sucessão perante os filhos advindos desta

técnica, conforme elucida Camargo: “Com o advento das técnicas de reprodução

humana assistida, os institutos jurídicos foram ainda mais profundamente abalados

(2003, p. 221)”.

Ao passo que Fernandes apud Thyco Brache Fernandes tem o singelo

entendimento:

No que tange aos direitos sucessórios, não há dúvida de que os filhos havidos por meio de qualquer das técnicas de reprodução humana assistida têm os mesmos direitos que aqueles nascidos em razão de fecundação dita natural, e para que possam herdar, é necessário apenas que tenham sido concebidos ao tempo da abertura da sucessão (2003, p. 257).

Segue o conceito de direito das sucessões na visão de Maria Helena Diniz:

O direito das sucessões vem a ser o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento. Consiste, portanto, no complexo de

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disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro. (2010, p. 3).

Quanto às formas de herança entre os pais e filhos, estabelece o art. 1.786 do

Código Civil a sucessão legitima e testamentária, como comenta Gonçalves:

“Proclama o art. 1.786 do Código Civil: A sucessão dá-se por lei ou por disposição

de ultima vontade.” (2014, p. 41).

Para a efetivação do direito à herança, salienta-se que os herdeiros devem

existir ao tempo da abertura da sucessão, ou seja, à época da morte do autor da

herança já concebida ou já nascida, conforme explica Camargo:

Para receber bens por sucessão legítima, tal embrião deverá estar implantado no útero feminino, pois só assim terá capacidade sucessória para herdar os bens do falecido. Portanto, se com a morte do de cujus, o embrião para cuja fertilização consentiu, já estiver implantado no útero feminino, não há dúvidas de que a filiação lhe será assegurada, bem como o direito de herança. (2003, p. 257).

Conforme ainda ilustra no Código Civil: “Art. 1.798. Legitimam-se a suceder

as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.

Ao tratar desse enfoque, deve-se analisar a sucessão em relação aos filhos

que ainda não foram concebidos, porém, que estão previstos em um projeto

fecundante, como explica Camargo: “este não poderá herdar por sucessão legítima,

uma vez que ainda não é nascituro, ficando, portanto, à mercê de um testamento

deixado pelo de cujus que pode contemplá-lo como prole eventual.” (2003, p. 257-

258).

Sobre o assunto, o Código Civil reza que:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

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A possibilidade de o testador invocar em vida o testamento beneficiando uma

criança que ainda não nasceu, para assegurar o seu direito a participação na

herança, faz incidir o art. 1.799, §§ 3º e 4º do mesmo diploma legal:

§ 3° Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador. § 4° Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.

Existem muitos questionamentos com relação a este dispositivo, no sentido

de que há ou não uma descriminalização ao diferenciar os filhos por conta da

sucessão legítima e testamentária.

Justamente a sucessão testamentária, segundo alguns, foi a solução encontrada pelo novo Código Civil para garantir os direitos sucessórios da criança nascida por meio de inseminação post mortem, conforme previsão já citado no art. 1.799, I, CC. Tal solução, com certeza, ainda irá gerar muita polêmica, em razão do tratamento distinto que o Código Civil confere a criança nascida por meio desta técnica, visto que os filhos naturais, os adotivos, os havidos por inseminação heteróloga e até de fecundação in vitro terão direitos à sucessão hereditária, enquanto os havidos de inseminação post mortem somente terão direito à sucessão testamentária (CAMARGO, 2003, p. 256).

Importante ressaltar que o Código Civil vislumbra normas que devem ser

seguidas conforme o direito de sucessão, mas se questiona o tratamento distinto

dado aos filhos, uma vez que na ordem da vocação hereditária se contempla como

sucessor os descendentes na sucessão legítima, sem especificar de qual espécie,

como ilustra a primeira parte do art. 1.829, CC: “Art. 1.829. A sucessão legítima

defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes [...].”

Contudo, há diversos pensamentos doutrinários em relação a essa temática,

como aduz Camargo: “Enfim, são diversas incertezas, incoerências e dúvidas sobre

essa temática e que parecem estar longe de serem resolvidas,” (2003, p. 256).

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Salienta-se que em todos os aspectos sucessórios e de filiação se deve

sempre levar em conta o art. 227, §6º da Constituição Federal, que estabelece a

igualdade entre os filhos.

3.5 Regulamentação jurídica na sub-rogação do útero

Como já mencionado, as técnicas de reprodução humana assistida, como o

empréstimo do útero e todas as formas manipuláveis de concepção de um feto, não

são amparados pelo legislador no Código Civil de 2002, devendo se recorrer à

Resolução do Conselho Regional de Medicina, atual nº 2121/2015, “[...], enquanto

não há lei determinando o contrário, não é absoluto, tendo em vista a natureza dos

direitos envolvidos.” (OLIVEIRA, 2000, p. 49).

Percebe-se que Direito, como sistema de limitações de comportamentos da

pessoa humana, não se adequou às grandes inovações trazidas pela modernidade,

como explica Juliana Frozel de Camargo: “O Direito é, na verdade, ordenamentos do

comportamento humano, que impõe limites à autonomia dos indivíduos e surge

diante das necessidades sociais.” (2003, p. 146-147).

No entanto, as inovações advindas da técnica da maternidade substitutiva

trouxeram ao legislador a possibilidade de acompanhar as suas evoluções, que até

o presente momento não foram abordadas:

É notório que o Direito, ciência mais estagnada que a Medicina, por sua própria natureza, não tenha acompanhado lado a lado a evolução das técnicas reprodutivas e, para que não haja imposição de limites que restrinjam o progresso em virtude de conceitos mais antiquados, nem permissividade exagerada que provoque a violação de valores básicos para a vida em sociedade, é fundamental a análise de seu campo de incidência, de sua intervenção nas práticas. (CAMARGO, 2003, p. 147).

Estas transformações na área cível, no tocante a essas técnicas, devem ser

analisadas, pois demorou muito tempo para que tomassem ciência do início das

mesmas: “O primeiro bebê de proveta brasileiro já tinha quase oito anos, em

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novembro de 1992, quando foi divulgado o primeiro código de normas éticas para a

reprodução assistida no país.” (CAMARGO, 2003, p. 148).

Verifica-se que com entrada em vigor da Lei nº 10.406/02 (Código Civil),

prescreveu-se no texto legal mecanismos referentes a algumas inovações do

método de reprodução assistida em tela, porém ainda são necessários ajustes, nas

palavras de Camargo: “Ressalte-se que o Novo Código Civil, que entrou em vigor

em 2003, trouxe algumas inovações sobre a temática, mas ainda está muito longe

de suprir as lacunas jurídicas.” (2003, p. 148).

No Código Civil, são elencados em seu art. 1.597, incisos III, IV, V a

permissão para o uso das técnicas reprodutivas:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Todavia, a gestação por substituição não tem previsões no Código Civil,

apenas na Resolução, por ter muitas consequências jurídicas inerentes à esta

prática, conforme preconiza Fernandes: “A prática da utilização de mães de

substituição tem trazido sérios problemas éticos e jurídicos.” (2005, p. 95).

Dessa forma, ocorre que muitos projetos de lei foram estipulados, uns dando

a oportunidade para a gestação de substituição, outros condenando totalmente esta

prática, conforme explica Vilas Boas: “Atualmente, se encontra apensado na Câmara

dos Deputados, o Projeto de Lei nº 1184/2003, para parecer, que veda toda e

qualquer forma de gestação de substituição.” (2011, p. 139).

No entanto, o Projeto de Lei nº 115/2015, que fora apensado ao PL nº

4892/2012 estabelece as seguintes proposições:

Capitulo V- Da Cessão Temporária do útero.

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Art. 21. A cessão temporária de útero é permitida para casos em que a indicação médica identifique qualquer fator de saúde que impeça ou contra-indique a gestação por um dos cônjuges, companheiros ou pessoa que se submete ao tratamento.

Art. 22. A cessão temporária de útero não poderá implicar em nenhuma retribuição econômica à mulher que cede seu útero à gestação.

Art. 23. A cessionária deverá pertencer à família dos cônjuges ou companheiros, em um parentesco até 2º. Grau. Parágrafo único. Excepcionalmente e desde que comprovadas a indicação e compatibilidade da receptora, serão admitidas a gestação por pessoa que não seja parente do casal, após parecer prévio do Conselho Regional de Medicina.

Art. 24. Em todos os casos indicados, a cessão temporária de útero será formalizada por pacto de gestação de substituição, homologado judicialmente antes do início dos procedimentos médicos de implantação. Parágrafo único. São nulos os pactos de gestação de substituição sem a devida homologação judicial, considerando-se, nesse caso, a mulher que suportou a gravidez como a mãe, para todos os efeitos legais, da criança que vier a nascer.

Art. 25. A gestação de substituição não poderá ter caráter lucrativo ou comercial.

Art. 26. Para que seja lavrado o assento de nascimento da criança nascida em gestação de substituição, será levado ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais o pacto de substituição homologado, juntamente com a comprovação do nascimento emitida pelo hospital, declaração do médico responsável pelo tratamento descrevendo a técnica empregada e o termo de consentimento médico informado.

O Enunciado nº 129 da Jornada de Direito Civil propõe uma nova redação

para o art. 1.597 do Código Civil, conforme ilustra Renata Malta Vilas Boas:

A maternidade será presumida pela gestação. Parágrafo único: Nos casos de utilização das técnicas de reprodução assistida, a maternidade será estabelecida em favor daquela que forneceu o material genético, ou que, tendo planejado a gestação, valeu-se da técnica de reprodução assistida heteróloga. (2011, p. 140).

Ao analisar esse artigo verifica-se que foi pensado no direito que a família tem

de optar pela melhor forma de concepção quando as técnicas naturais não lhes são

viáveis. “Trata-se preservar o direito a saúde e o direito de escolha da família e da

paternidade responsável.” (BOAS, 2011, p. 140).

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Atualmente, se encontra apensado na Câmara dos Deputados, o Projeto de

Lei nº 1184/2003, para parecer, que veda toda e qualquer forma de gestação de

substituição, conforme estabelece Vilas Boas (2011, p. 139).

Por fim, é importante esclarecer que por mais que existam projetos de lei,

ainda há a omissão do legislador quanto à modernidade científica, pois cada projeto

deixa vedado uso de alguma técnica:

A reprodução assistida ainda tem muito que ser analisada e ponderada. Apesar de o projeto de lei apresentado ao Senado Federal, que se encontra em tramitação na Câmara dos Deputados, não abranger todas as hipóteses, é preferível ele a não termos nenhuma legislação sobre o assunto. E, diante da omissão legislativa, acaba o Judiciário tendo que decidir questões que são submetidas a eles. Muitas vezes, o que temos de parâmetro não é suficiente para termos uma decisão que seja segura e justa. (BOAS, 2011, p. 140).

O Poder Legislativo deve seguir as tendências científicas para criar leis

referentes ao assunto, para assim o Poder Judiciário poder julgar com base legal em

cada caso concreto que necessite da intervenção jurisdicional.

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4 ASPECTOS DO PODER FAMILIAR NAS RELAÇÕES FAMILIARES

MODERNAS

No Código Civil anterior ao de 2002, faziam-se paralelos machistas em

relação ao pátrio poder, tendo efeitos sobre quem era submetido a esta forma não

racional de proteção dos filhos, conforme entende Gagliano e Pamplona Filho:

“O Código Civil de 1916 dispunha em seu art. 379, que os filhos legítimos ou

legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estariam sujeitos ao pátrio

poder enquanto menores.” (2013, p. 591).

Atualmente, foi readaptado o conceito básico de poder familiar, “como sendo

o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da ideia de família

democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas no afeto.”

(TARTUCE, 2014, p. 437). No entanto, para a doutrina vigente usa-se o termo

“autoridade parental”, adaptando-se assim às mudanças.

As transformações significativas no conceito deste poder se configuram na

premissa de que se deve sempre pensar no melhor para a criança, de acordo com

Paulo Luiz Neto Lobo:

A evolução gradativa deu-se no sentido da transformação de um poder sobre os outros em autoridade natural com relação aos filhos, como pessoas dotadas de dignidade, no melhor interesse deles e de convivência familiar. Essa é sua natureza atual. (2011, p. 21).

O poder familiar vem estabelecido no Código Civil e no Estatuto da Criança e

do Adolescente, conforme preconiza Daniel Ivo Odon: “Os arts. 1.630 e seguintes do

Código Civil, bem como o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente,

vislumbram o poder familiar exercido após nascimento com vida do filho.” (2015, p.

10).

O art. 1.634 traz em seu âmbito a enumeração dos deveres do exercício do

poder familiar, in verbis:

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Art. 1634. Compete aos pais à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação. II - tê-los em sua companhia e guarda. III - conceder-lhe ou negar-lhe consentimento para casarem. IV - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VI- exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Sob o entendimento de Gagliano e Pamplona Filho, esclarece-se que os seis

primeiros incisos são de fácil intelecção e reforçam a linha de entendimento segundo

a qual, posto que o poder familiar traduz uma prerrogativa dos pais, a sua existência

somente é justificada sob a ótica de proteção do interesse existencial do próprio

menor. A parte final estabelece que que se espera do menor não um potencial

imediato de exercício de capacidade laborativa, mas sim, o exercício de tarefas

compatíveis com seu estágio de desenvolvimento (2013, p. 593).

Neste enfoque, salienta-se a importância dos deveres e obrigações impostos

aos pais diante de seus filhos independente da origem na qual foram concebidos. O

Estado impõe condições para exercer esse poder familiar, bem como estabelece

que esse poder não fica adstrito ao viés paternal, conforme entendimento de Paulo

Luiz Neto Lobo:

Assim, o poder familiar, sendo menos poder e mais dever, converteu-se em múnus, concebido como encargo legalmente atribuído a alguém, em virtude de certas circunstâncias, a que não se pode fugir. O poder familiar dos pais é ônus que a sociedade organizada a eles atribui, em virtude das circunstâncias da parentalidade, no interesse dos filhos. O exercício do múnus não é livre, mas necessário no interesse de outrem. (2011, p. 21).

Contudo, toda esta relação entre os pais com o poder familiar estabelecidos

pela lei, transformada na ideia de proteger a criança de todas as violações de seus

direitos, deve-se abster aos princípios relacionados, segundo conclui Tartuce: “O

preceito deve ser lido à luz da dignidade da pessoa humana e da proteção integral

da criança e do adolescente.” (2014, p. 439).

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As leis devem ser contextualizadas com as modificações do conceito de

família, agregando-se vários entendimentos para cada caso concreto.

4.1 Princípios do poder familiar embasada na maternidade substitutiva

Como explicado anteriormente, o poder familiar sofreu mudanças e

adaptações com o passar dos anos, sendo-lhe atribuído princípios que regem seu

funcionamento. Cabe ressaltar e esclarecer que são princípios norteadores capazes

de convalidar direitos e obrigações inerentes a toda família, à sociedade e ao

Estado.

O princípio da solidariedade familiar enseja uma solidariedade mútua entre os

agentes familiares para que dessa forma possam idealizar um projeto familiar

democrático, o qual vem demonstrado na Constituição Federal, como preconiza

Tartuce:

A solidariedade social é reconhecida como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil pelo art. 3º, inc. I, da Constituição Federal de 1988, no sentido de buscar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Por razões óbvias, esse princípio acaba repercutindo nas relações familiares, já que a solidariedade deve existir nesses relacionamentos pessoais (2006, p. 3).

No mesmo sentido, vale conferir o referido texto legal: “Art. 3º: Constituem

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma

sociedade livre, justa e solidária;”

Este princípio também abrange as intervenções do Estado em relação à

família, porém deixando bem claro que primeiramente cabe a ela o dever de

instrução, somente depois entrando o Estado com seus mecanismos de repreensão,

segundo entendimento de Tartuce:

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Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado (CF 227) o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação. Entretanto, mesmo assim, o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (art. 226, § 8º, da CF/88) – o que consagra também a solidariedade social na ótica familiar. (2006, p. 7).

Enfim, importante frisar que o princípio da solidariedade familiar também

implica em respeito e consideração mútuos em relação aos membros de toda

relação familiar.

Cabe analisar o princípio da igualdade na chefia familiar, que consta na

Constituição Federal, bem como no Código Civil, que fala da igualdade de poder

entres os pais, como explica Tartuce: “o princípio da igualdade na chefia familiar,

que deve ser exercida tanto pelo homem quanto pela mulher em um regime

democrático de colaboração, podendo, inclusive, os filhos opinarem.” (2006, p. 9).

Ilustrando o entendimento, o texto do Código Civil esclarece: “Art. 1.631.

Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta

ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade”.

Desta forma, salienta-se que a relação entre o homem (pai) e a mulher (mãe)

se constitui de forma equilibrada e igualitária, não devendo nenhum dos dois se

sobrepor entre si. Na visão de Tartuce: “O regime é de companheirismo ou

colaboração, não de hierarquia.” (2006, p. 9).

O princípio da liberdade e da não intervenção vem estampado no art. 1.513,

Código Civil, in verbis: “É defeso a qualquer pessoa de direito público ou direito

privado interferir na comunhão de vida instituída pela família”.

Portanto, o Estado não pode interferir nos interesses das famílias e no seu

planejamento, porém pode proporcionar mecanismos de controlar a reprodução

exagerada por parte de muitas famílias e ainda instituir mecanismo para incentivar

ou ajudar pessoas que por si só não conseguem realizar o projeto parental:

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O Estado ou mesmo um ente privado não pode intervir coativamente nas relações de família. Entretanto, o Estado poderá incentivar o controle da natalidade e o planejamento familiar por meio de políticas públicas. Vale lembrar, também, que a Constituição Federal de 1988 incentiva a paternidade responsável e o próprio planejamento familiar, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desses direitos, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais e privadas. Além disso, o Estado deve assegurar a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integra, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (TARTUCE, 2006, p. 11).

Desta forma, consagra-se o princípio da não intervenção, instituindo a família

o poder de decidir todo o planejamento familiar, bem como o projeto parental que

cada indivíduo tem direito.

É importante também analisar o princípio da função social da família, que dita

que se deve verificar a função social ditada pela família na sociedade geral, bem

como em cada lugar do país é necessário invocar o instituto da família, conforme

descreve Tartuce: “as relações familiares devem ser analisadas dentro do contexto

social e diante das diferenças regionais de cada localidade. Sem dúvida, a

socialidade também deve ser aplicada aos institutos do Direito de Família.” (2006, p.

14).

Dessa forma, a socialidade constitui mecanismo de avaliar a parentalidade

derivada do afeto, bem como deve ser interpretada como função social às famílias,

no escólio de Tartuce: “a socialidade pode servir para fundamentar o parentesco civil

decorrente da paternidade socioafetiva. Não reconhecer função social à família e à

interpretação do ramo jurídico que a estuda.” (2006, p. 14).

Todos os princípios citados no decorrer da pesquisa servem como base das

relações familiares, sendo garantidos pelo legislador. Além disso, há uma relação

entre eles, a fim de garantir direitos aos nascidos e para aqueles que nascerão

futuramente.

4.2 Direito à vida no âmbito jurídico atual

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O preceito de que a vida é um bem tutelado, protegido pelo ordenamento

jurídico brasileiro e que se ameaçada haverá penalidades, está previsto no art. 2º do

Código Civil e o art. 5º, caput da Constituição Federal, porém não fazendo nenhuma

distinção de como seria formada essa vida em questão, ou qual é o momento em

ganha juridicidade:

Art. 2° do Código Civil: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Art. 5º da Constituição Federal: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

A Resolução nº 2.121/2015 (atual resolução do Conselho Federal de

Medicina) vem ilustrado alguns dos princípios basilares que tratam do direito das

pessoas em se procriar através das técnicas disponíveis de reprodução, conforme

se verifica no primeiro artigo da resolução: “1 - As técnicas de reprodução assistida

(RA) têm o papel de auxiliar na resolução dos problemas de reprodução humana,

facilitando o processo de procriação.” (2015, p. 3).

Atualmente, o estudo do direito à vida vem sofrendo transformações com a

modernidade, porém em momento algum deixa de ser tutelado pelo legislador, que

estabelece direitos e vários meios para sua proteção. Nessa toada, preconiza Paz:

O primeiro direito, que é o direito à vida, deve ser preservado, e para isso já existem dispositivos constitucionais e de aplicabilidade imediata. Portanto deve haver o cumprimento do dever legal do Estado como protetor e fomentador principal dos direitos humanos e da preservação da vida para a continuação da espécie, em que a igualdade prevalece, todos tem o direito de nascer, independentemente de sua posição social e agora poderíamos acrescentar biológica. (2003, p. 31).

Destaca-se que o direito de constituir uma família se completa com a

introdução de um descendente, mesmo que não pelas formas naturais. Com a

manipulação artificial, tornou-se cada vez mais crescente o número de pessoas que

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possuem algum tipo de esterilidade se recorrerem às técnicas de reprodução

assistida para ter seu direito de procriação constituído, conforme explica Camargo:

Percebe-se que a esterilidade afeta o ser humano não apenas na sua vida íntima, mas traz consequências para o convívio familiar, na sua relação com a sociedade como um todo. Assim, é extremamente compreensível que a pessoa estéril busque todos os meios possíveis para a superação dessa incapacidade reprodutiva, na tentativa não apenas de resolver a falta do tão almejado filho, mas, sobretudo, para restabelecer-se psicológica, sentimental e socialmente. (2003, p. 141-142).

Para alguns doutrinadores, a realidade jurídica é a de que há o direito de uma

pessoa se procriar, segundo Camargo: “a Declaração Universal dos Direitos do

Homem, em que disciplina o direito a igualdade e a dignidade da pessoa humana e

a Constituição Brasileira de 1988, de onde se extrai o direito à procriação, da

liberdade de constituir famílias.” (2003, p. 142).

No mesmo entendimento, analisa-se que tal direito é previsto na lei maior do

Brasil, a Constituição Federal, na qual estampa em seus artigos a proteção à família

e o incentivo aos estudos da procriação artificial:

Não teria lógica a proibição de procriar por meio das técnicas de reprodução assistida, uma vez que decorrem de avanços científicos e garantem o surgimento de uma família normal e sadia, considerando que a Constituição Federal prevê que o estado: promova e incentive o desenvolvimento científico, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico (artigo 218); proteja a família (caput do artigo 226); propicie recursos educacionais e científicos para o planejamento familiar (§7º do artigo 226).Assim, o Estado não pode negar as pessoas que se beneficiem dos avanços advindos de áreas a que ele mesmo dá especial proteção. (CAMARGO, 2003, p. 143).

Embasando-se neste direito previsto na lei máxima do Brasil, se houver

impedimento ou qualquer meio de coerção às pessoas que buscam técnicas de

reprodução assistida devem ser punidos, pois atinge o direito de procriar e afeta a

dignidade da pessoa humana. Rosa e Guerra elucidam que: “O projeto parental está

atrelado ao direito de procriar e de formar uma família baseada no afeto e qualquer

prática que o obstacularize, é um desrespeito a própria dignidade da pessoa

humana.” (2015, p. 30-31).

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Contudo, verifica-se que o direito à vida continua sendo o bem maior tutelado

mesmo com tantos avanços tecnológicos, sendo que o Estado deve regular todos os

mecanismos de constituição de família. Por não haver nenhuma proibição expressa

em relação à vida artificial, presume-se implicitamente que qualquer meio que

suprima o desejo parental não é admitido, conforme descreve Oliveira:

Não fosse a procriação um direito assegurado pelo Estado, pela análise dos costumes, do direito comparado, da analogia, dos princípios básicos de nossa sociedade e da Constituição, a utilização das técnicas de reprodução assistida seria como de fato lícita pelos princípios da legalidade e anterioridade. (2003, p. 16).

Analisa-se que o direito à vida é a base principal do ser humano em evolução,

pois dele decorrem vários outros direitos individuais e coletivos, que mesmo com o

passar dos anos e das modificações científicas, continua sendo tutelado pelo poder

público.

4.3 Responsabilidade civil das técnicas reprodutivas humanas

De acordo com as mudanças tecnológicas ligadas à procriação assistida,

salienta-se a importância de se pesquisar sobre a responsabilidade civil de todos os

participantes deste procedimento, conforme estabelece Fernandes:

Deve-se ressaltar a importância de se investigar a questão da responsabilidade civil decorrente da utilização das técnicas de reprodução humana artificial, visto que todos os agentes que participam do processo, sejam eles médicos, clinicas, doadores, receptores, estão sujeitos a sofrerem ou causarem dano a outrem. (2005, p. 127).

De tal forma, com essa modernização surge também limitações. Cabe

ressaltar que os pacientes devem recorrer à lei diante de uma conduta danosa que

vierem a sofrer. Assim preconiza Camargo:

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Essas novas técnicas, “criando” seres humanos em laboratório com o intuito de satisfazer o direito à descendência, fazendo nascer pessoas quando e como se quer, entusiasmaram a embriologia e a engenharia genética, constituindo um grande desafio para direito e para a ciência jurídica pelos enormes problema ético- jurídico que gera, sendo imprescindível não só impor limitações legais à utilização das técnicas, mas também estabelecer normas sobre responsabilidade civil por dano moral e patrimonial que venha a causar. (2003, p. 149).

Para melhor entendimento, é interessante conceituar o que seria essa

responsabilidade civil, a qual obriga o causador do dano a repará-lo: “A

responsabilidade pode ser definida como sendo a aplicação de medidas que

obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiro.”

(FERNANDES, 2005, p. 127).

No mesmo enfoque, em visão geral, analisa-se a obrigação do responsável

médico no plano jurídico, não ficando obrigado a garantir o resultado, assim

entendendo Camargo: “a relação é típica de meio, ou seja, o médico não se obriga a

garantir o êxito na ocorrência da gestação e seu termo.” (2003, p. 149).

Desta forma, parte-se da premissa de que os médicos só terão suas condutas

contestadas para indenização, caso for provada sua culpa: “O médico somente terá

sua responsabilidade civil configurada, devendo ressarcir os prejuízos sofridos pelo

paciente, se agiu com imprudência, negligência e imperícia.” (CAMARGO, 2003, p.

149).

Em se tratando de responsabilidade civil, na qual figura nos artigos do Código

Civil, opera-se a teoria aplicada:

O Código Civil adota, em seus artigos 186 e 187, a teoria da responsabilidade civil que se baseia na culpa do agente, assim sempre caracterizada a culpa do autor, haverá o direito de indenização. Isso porque o direito visa a proteção de vários bens jurídicos como a vida, integridade física e moral, o patrimônio e a honra das pessoas. (FERNANDES, 2005, p. 129).

No entanto, para que esses artigos não se configurem de forma generalizada,

é necessário que o médico e a prestadora do procedimento se adequem à

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formalização documentos que comprovem que fora explanado todas as informações

imprescindíveis ao casal:

Deve, o casal, ter toda informação por parte do médico responsável, bem como por parte da Clínica de Reprodução. Deve, o médico, dar todas as informações necessárias sobre a porcentagem de êxito, o número de vezes em que o casal deverá ir ao Centro, os perigos da técnica, qual a melhor técnica a ser utilizada no caso concreto, bem como de todo o procedimento que possibilitará ao casal ter o filho desejado. O casal, sempre recorrer a essas clinicas deverá assinar documentos declarando que recebeu todas as informações, isentando responsabilidade para os profissionais envolvidos (CAMARGO, 2003, p. 150).

Verifica-se a responsabilidade de todos os participantes destes

procedimentos, ressaltando que caberá indenização se houver prejuízo de terceiro

mediante sua conduta, como descreve Fernandes: “a responsabilidade civil médica

decorre de culpa provada, assim o Código de Defesa do Consumidor dispõe que a

responsabilidade dos profissionais liberais será apurada mediante culpa.” (2005, p.

135).

No mesmo sentido, confere também o raciocínio da responsabilidade civil às

clinicas que realizam o procedimento: “a clínica tem o dever de prestar assistência

médico-hospitalar e hospedagem, sendo responsável pelos fatos danosos cometidos

por seus funcionários.” (FERNANDES, 2005, p. 138).

Segue o entendimento de Fernandes:

Trata-se da responsabilidade por fato de terceiro, também chamada de indireta ou reflexa, assim os proprietários e/ou diretores das clinicas de reprodução assistida, mesmo que não sejam médicos, se responsabilizam por ato praticado por outra pessoa que tenha causado qualquer espécie de lesão ao paciente. (2005, p. 138).

Também é importante discutir se há reparação diante dos doadores e

receptores que são participantes ativos deste procedimento, caso haja algum

problema com suas doações, conforme preconiza Fernandes:

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Como estamos falando de elementos e produto do corpo humano, sua utilização deve estar embasada em dois princípios fundamentais de direito: o da inviolabilidade e o da indisponibilidade do corpo humano. Assim, a violação desses princípios, podendo causar lesão a integridade física e moral do doador, dando ensejo a reparação de dano. (2005, p. 141).

O problema central dos participantes desta técnica é referente aos embriões

in vitro, pois como a lei assegura os direitos desde a concepção, qualquer

manipulação contrária faz instituir reparação, como verifica Fernandes:

“Assim sendo, deve-se pensar acerca dos danos morais e patrimoniais que estes

possam vir a sofrer quando in vitro, devendo ser a culpa apurada. O embrião tem

seus direitos resguardados desde a concepção.” (2004, p. 142).

Para isso, devem ser respeitados os direitos do embrião, na qual se houver

violação, deve ser reparado, como explica Fernandes: “Os embriões crio-

conservados in vitro devem ter respeitados seu direito a vida e à integridade física e

mental, assim qualquer lesão que venham a sofrer deve ser indenizada.” (2005, p.

143).

Por fim, na visão de Fernandes: “Logo, qualquer lesão que sofrer a algum

desses direitos deverá ser indenizada, daí a importância de legislar a respeito da

responsabilidade civil na reprodução assistida.” (2005, p. 146-147).

4.4 Limitação penal na reprodução assistida

Ao analisar o procedimento ligado à reprodução humana assistida e a sua

lacuna jurídica, conforme analisado, verifica-se que com o crescimento da

engenharia genética faz-se mister a introdução de mecanismos penais para coibir

futuras intervenções ilícitas, conforme aduz Camargo:

Diante de tantos avanços na biotecnologia, os quais podem acarretar danos irreversíveis à humanidade, é imprescindível a interferência do direito penal, criando novos crimes ligados aos abusos que poderão advir do avanço e dos impactos biomédicos. (2003, p. 184).

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Diante dos diversos conflitos ao se permitir uma alteração artificial, o

legislador expõe os direitos inerentes a esta técnica, porém não introduz sanções a

eventuais violações. Nesse sentido: “Diante dessa nova realidade, é possível

verificar aspectos conflitantes não só no Direito Civil, mas também no Direito Penal.”

(CAMARGO, 2003, p. 185).

A modernidade artificial gera uma série de incertezas em relação a vários

direitos fundamentais da pessoa humana, pois podem ocorrer diversas violações

dos mesmos, como explica Camargo:

Sobre este aspecto há que se levar em conta a possibilidade do uso criminoso das tecnologias reprodutivas, ou seja, pessoas irresponsáveis que tenham domínio sobre a técnica podem utilizá-la com fins ilícitos, como: eugenia (seleção artificial) por meio da produção de “super raças”; venda de óvulos, espermatozoide, embriões, ou até mesmo inseminações indesejadas visando ao lucro sobre pessoas abonadas financeiramente. (2003, p. 186).

No mesmo enfoque, conforme analisado, por existir a possibilidade de realizar

a reprodução artificial de maneira ilícita, é importante o legislador impor limites

jurídicos para que sejam compelidas eventuais violações, levando em consideração

sempre o bem-estar da sociedade e o principal bem tutelado que é a vida, conforme

descreve Camargo:

Assim, surge a necessidade de se criarem regras sobre esta temática para que as pessoas possam usufruir desses avanços da ciência da melhor maneira possível, coibindo abusos e manifestações criminosas, vindo a prevalecer o bem comum; o interesse coletivo. Criada tais regras, necessário se faz a apresentação de sanções inibitórias para punir aqueles que ultrapassem a linha limite da legalidade, passando a agir na ilegalidade. Deve-se, portanto, tutelar a vida, independentemente de ter sido a concepção artificial ou não. (2003, p. 186-187).

Tendo em vista que na legislação penal há a menção em seus arts. 124 a 128

da prática de aborto como forma de interrupção de gravidez, contendo em seu

dispositivo as penas referentes a este crime, decorre-se desses artigos que constitui

crime qualquer intervenção que resulte em descarte de embriões e uma

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consequente interrupção na reprodução artificial. Além disso, o Código Civil também

faz menção aos direitos do nascituro, como preconiza Camargo:

O Código Penal pátrio, nos artigos 124 a 128, não define o aborto, apenas faz referência à figura delituosa da interrupção da gravidez. Tendo em vista que o artigo 2º do Código Civil que põe a salvo os direitos do nascituro desde a sua concepção, e que o descarte deste embrião é uma violação a esse direito, e que, portanto, configuraria ação criminosa.

De acordo com Camargo, “a questão ainda deve ser muito discutida para que

possa ser elaborada uma norma especial para a proteção desses embriões”. (2003,

p. 187).

Até o atual momento a legislação penal não especifica sanções para

eventuais violações, no entanto há dispositivos constitucionais que asseguram

regras para fiscalização por parte do poder público, conforme esclarece Camargo:

Também na área penal não há legislação especifica regulamentando o procedimento da reprodução humana assistida, porém a constituição federal do Brasil, de 1988, prevê no art. 225, §1°, incisos II e V, a incumbência do poder público para: II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulações de material genético; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco de vida, qualidade de vida e ao meio ambiente. (2003, p. 187-188).

No mesmo sentido, a Lei nº 8974/95 estabelece em seus artigos as normas

de segurança e os mecanismos de fiscalização no uso das técnicas de engenharia

genética, bem como, em seu art. 13, prevê sanções a qualquer manipulação ilícita,

segundo entendimento de Camargo:

Do ponto de vista penal, a legislação brasileira é bastante severa, dispondo, o art. 13 da lei 8974/95, que constituem crime: I- a manipulação genética de células germinais humanas. Pena – Detenção de três meses a um ano. III - a produção, armazenamento ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível. Pena – Reclusão de seis a vinte anos. (2003, p. 189).

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Diante desse questionamento, busca-se analisar, segundo as posições

doutrinárias, se a eliminação de embriões constitui crime, conforme Camargo apud

Creus (2003, p. 190) sustenta que a ação típica do delito de aborto somente pode

ser concebida ante a existência de uma mulher grávida, sem que interesse o

procedimento por meio do qual se deu a gravidez (fecundação por contato carnal,

inseminação artificial ou implantação de embrião). Não é uma ação abortiva.

No entanto, para a posição favorável, no que concerne o mesmo enfoque, de

acordo com entendimento de Camargo apud Hungria (2003, p. 190) salienta que “o

concepto, como spes personae (sujeito de direito), já pode ser objeto de crime de

aborto, quem prática um aborto não opera in materiam brutam (ser não vivo), mas

contra um homem na ante sala da vida. O concepto é uma pessoa virtual, um

cidadão em germe. Assim a destruição de um embrião quer no útero ou fora dele é

passível de sanção.

Segue no mesmo entendimento Mirabete, que segundo Camargo:

Tutela-se nos artigos em estudo a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que desde a concepção (fecundação do óvulo) existe um ser em germe, que cresce, aperfeiçoa, assimila substancia, tem metabolismo orgânico exclusivo, e ao menos nos últimos meses de gravidez se movimenta-se e revela-se como uma atividade cardíaca, executando funções típicas de vida. Segundo a doutrina a vida intra-uterina se inicia com a fecundação ou constituição do ovo, ou seja a concepção. A morte do produto pode ocorrer no útero ou fora dele. (2003, p. 191).

Contudo, não há nenhuma lei penal que sanciona a violação dos direitos

inerentes às técnicas de reprodução humana assistida, a não preservação de

embriões ou a sua criminalização, transcrevendo vários apontamentos mas se

limitando ao patrimônio genético contido na Constituição Federal, de acordo com

Camargo:

Assim, o Código Penal não tipifica, por exemplo, da eliminação de embriões, o que é certo que a única regulamentação em matéria penal é do patrimônio genético, que apresenta insuficiente ante os problemas atualmente gerados. (2003, p. 189).

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Salienta-se que a disposição penal sobre essas modalidades artificiais tem

como parâmetro a proteção dos seres humanos futuros, bem como a intenção de

fiscalizar violações que descaracterizam os direitos fundamentais do nascituro como

sujeito de direitos, conforme explica Camargo:

Na verdade, a interferência do Direito Penal deve existir não para proibir, pura e simplesmente, as atividades da ciência, mas sim para regulá-la, fixar limites e sancionar eventuais violações com o objetivo de assegurar os benefícios e evitar danos aos seres humanos. (2003, p. 191-192).

Portanto, diante todas as formas de concepção analisadas acima têm como

principal efeito proteger o nascituro, o qual tem direitos, e fiscalizar para que esta

proteção se dê para aqueles que ainda não foram inseridos no útero materno.

4.5 Aspectos do direito comparado com relação a essa forma de gestação

Com o surgimento, a evolução e principalmente a transformação das técnicas

de reprodução humana assistida, verifica-se sua utilização em vários países do

continente, porém em alguns deles esta prática é proibida, sempre gerando muitos

debates pois abrange diversas controvérsias, conforme entende Camargo:

Ao contrário do que muitos pensam, a procriação artificial tornou-se acessível a aldeia global. Embora nos Estados Unidos, primeiramente e na Europa num segundo momento, a questão surgiu de forma evidente e provocadora, dali se espalhou pelo globo, atingindo países não industrializados ou pobres, gerando as mesmas duvidas e perplexidades dos principais centros de origem, ou de difusão das novas técnicas (2003, p. 272).

Analisa-se que diante de toda essa problemática diversos países buscam

legislar sobre o assunto, segundo explica Fernandes “[...] daí existir a crescente

preocupação de vários países em regulamentar as técnicas de reprodução artificial,

tentando solucionar os problemas existentes”, enfatizando que a “principal

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preocupação ainda recai sobre a melhor maneira de se tentar conciliar a liberdade

das pesquisas cientifica diante doas avanços tecnológicos.” (2005, p .151).

Vários países regulamentam as técnicas de reprodução humana assistida,

como por exemplo a Alemanha, Austrália, Canadá e Argentina.

No tocante à Alemanha, conforme o entendimento de Camargo: “Como na

maioria dos países ocorre o fenômeno das procriações artificiais, a Alemanha

também se questionou sobre sua validade e oportunidade de regulamentação.”

(2005, p. 273).

No impasse das inseminações, bem como da maternidade substitutiva,

aponta-se o que é permitido ou não na lei estrangeira.

A legislação da Alemanha considera crimes e até infrações administrativas o

uso inadequado de inseminações artificiais, conforme preceitua Camargo:

A lei alemã de Proteção aos Embriões nº 745/1990 inclui dispositivos (treze artigos, sendo que oito tipificam figuras delitivas e outro inclui uma infração administrativa, que é a conservação de embrião ou de óvulo humano, sem que seja por médico) sobre uma variedade de tópicos: uso inadequado de técnicas artificiais de reprodução humana e manipulação de embriões, transferência arbitrária de embriões e a fecundação artificial depois da morte, limites a atuação dos médicos e suas violações. (2003, p. 274).

Preconiza Fernandes: “Em 1985, foi apresentado o „Relatório Benda‟ sobre

fecundação in vitro, análise de genoma e terapias gênicas este foi o primeiro

documento alemão sobre o assunto.” (2005, p. 152).

Sobre as hipóteses de permissão e proibição das técnicas de reprodução

artificialmente assistida, de acordo com o pensamento de Camargo: “Atualmente

com relação a inseminação homóloga, esta só será autorizada se existir uma

indicação médica. A consulta médica antes de realizar a inseminação é obrigatória.

A autorização por escrito do marido é obrigatória. A inseminação post mortem é

terminantemente proibida.” (2003, p. 274).

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Quanto ao cabimento da inseminação heteróloga, preconiza Silvia da Cunha

Fernandes:

A inseminação artificial heteróloga pode ser autorizada em casos extremos, ou seja, quando houver perturbação duradoura da fecundidade do marido. O casal deve ter acompanhamento psicológico e o médico só poderá realizar este tipo de inseminação após receber consentimento escrito do marido, formalizando perante um notário. O esperma do doador somente poderá ser utilizado em uma única inseminação bem sucedida, sendo que as misturas seminais estão proibidas. O consentimento do marido exclui a possibilidade de contestar a paternidade. A criança tem a possibilidade de conhecer suas origens genética. Fica vedada a maternidade de substituição. A doação de óvulos, embriões é proibida. Somente a mulher que dá a luz é a mãe. (2005, p. 154-155).

A maternidade substitutiva é proibida na lei da Alemanha, considerando a sua

prática como crime. De acordo com Camargo: “A maternidade de substituição é

rechaçada pela ideologia alemã, estabelecendo pena de dois anos de prisão a todos

os envolvidos.” (2003, p. 276-277).

Nas palavras de Juliana Frozel de Camargo: “Procriação artificial de mulheres

solteiras fica terminantemente proibida.” (2003, p. 276).

No que concerne às regulamentações da Austrália, verifica-se que este país

foi o que mais se adaptou às transformações das técnicas reprodutivas, tratando a

matéria Fernandes diz que “Este foi o primeiro país a regulamentar os

procedimentos relativos a reprodução assistida.” (2005, p. 155).

No tocante a sua proibição, salienta-se as principais estipulações sobre o

tema:

[...] as técnicas só poderão ser desenvolvidas em hospitais aprovados pelo Departamento de Saúde, os quais deverão manter um arquivo com todas as informações sobre doadores e requisitantes. Está proibida a venda de gametas, mas os doadores podem ser reembolsados das despesas médicas e de viagem. Os contratos de locação de útero são proibidos; bem como qualquer anúncio ou oferta de serviços de mães de substituição. Existe também uma lei que determina que o marido da mulher submetida a inseminação artificial sempre será o pai da criança, presume-se mãe da criança a mãe biológica, a clínica pode decidir sobre o destino e o armazenamento das células reprodutivas doadas, existe a possibilidade de

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pesquisas cientificas em embriões humanos crio-preservados. (FERNANDES, 2005, p. 155-156).

Observa-se a lei australiana está de acordo com as evoluções e

transformações humanas, enquanto que na Argentina ainda há a falta de

regulamentação. “Como em outros países a Argentina tem-se preocupado com o

avanço da fecundação assistida e com sua falta de legislação.” (CAMARGO, 2003,

p. 279).

Com relação à maternidade substitutiva, na lei argentina não se encontra

respaldo para a sua utilização, no escólio de Fernandes: “Com relação aos contratos

que tenham por objeto acordo sobre maternidade substitutiva, são nulos por razão

de ordem pública e porque seu objeto encontra-se fora do comércio.” (2003, p. 279).

Busca-se efetivar as possibilidades de utilização dessas técnicas. “A

fecundação homologa, como na maioria dos países, não apresenta maiores

problemas, já a heteróloga é assunto de muitas controvérsias.” (CAMARGO, 2003,

p. 280).

Há duas correntes, segundo Camargo, que estabelecem a legitimidade da

inseminação heteróloga:

Para os que defendem a proibição destas técnicas, o principal fundamento é que se trata de uma situação potencialmente conflitiva, porque introduz um elemento genético estranho ao casal. Cria uma situação de desigualdade entre o casal porque, embora a mulher esteja ligada ao filho pelo parto, homem não está. Põe em crise a figura do pai e, com relação ao doador, provoca uma dissociação entre a procriação e a responsabilidade. Portanto, para essa corrente são métodos eticamente inaceitáveis porque contrariam a dignidade do matrimônio. [...] Já para os que aceitam a regulamentação desta técnica, o principal fundamento é que a proibição é basicamente injusta, ineficaz, cega a realidade internacional, contraria os interesses dos filhos e é violadora do direito a procriação. Para estes, a proibição gera uma ilegítima discriminação entre mulheres férteis e inférteis, fomenta a clandestinidade, desconhece importantes avanços científicos, desconhece a realidade na qual estas práticas é praticada há 25 anos na Argentina. (2003, p. 280-281).

Salienta-se também que neste país há uma regulamentação penal para as

pessoas que violarem estas técnicas, segundo Camargo: “[...] prevê pena de prisão

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de um a cinco anos e inabilitação especial para emprego ou cargo público e de seis

a dez anos para profissão ou oficio que desviar a finalidade da procriação.” (2003, p.

281).

No que se refere a este tema, no Canadá somente dois Estados

regulamentam esse assunto, inserindo patamares a serem seguidos por toda

população, porém ainda sem legislação no resto do país, como descreve Fernandes

“Nesse país, somente Quebec e Yukon dispõem de legislação específica sobre o

tema”. (2005, p. 156).

Ainda sobre o assunto, preconiza Fernandes:

Em Ontário foi produzido um relatório que discutiu acerca da regulamentação da inseminação artificial, do consentimento do marido ou companheiro, do controle e armazenamento de embriões, do 14º dia como data limite para pesquisas científicas em embriões humanos. Com relação à locação do útero, foi sugerido que a mesma deveria ser regulamentada em lei, criando comitês específicos para supervisionar os acordos daí decorrentes. Proíbe-se a impugnação de paternidade pelo marido que consentiu na inseminação artificial heterologa. As informações nominativas relativas a procriação medicamente assistida de um filho assim procriada são confidenciais, ou de seus descendentes, estiver em grave risco, se ela for privada das informações que necessita, tem a intervenção do tribunal para assim permitir (FERNANDES, 2005, p .156).

Tabela 1 - Tabela explicativa dos países onde que há permissões ou

proibições da maternidade substitutiva, contendo o Brasil, Portugal, Estados Unidos

e França, segundo explicações de Oliveira, Fernandes e Camargo

BRASIL PORTUGAL ESTADOS UNIDOS

FRANÇA

Usuários

Não exige casamento ou união estável.

Exige casamento ou união estável.

Exige serem pessoas casadas.

Não exige casamento ou união estável. Proibição em relação aos

homossexuais.

Anonimato dos doadores

Mantêm o anonimato.

Mantêm o anonimato.

Mantêm o anonimato.

Mantêm o anonimato.

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Maternidade Substitutiva

É permitido pela

Resolução CFM.

É permitida pelo CC português.

É permitida pela lei

americana.

É permitido pela lei francesa.

Inseminação Heteróloga

Permitido pelo CC.

É permitida pela lei portuguesa.

É permitida sua utilização em 30 Estado Americano.

É permitida pela lei francesa.

Inseminação Homóloga

Permitido pelo CC.

É permitida pela lei portuguesa.

É permitida. É permitida.

Fonte: elaborada pelo autor.

Como foi analisado na tabela, verifica-se que existem países que permitem a

maternidade substitutiva e em alguns, inclusive, não é obrigatório ser de forma

gratuita.

Tabela 2 – Tabela explicativa dos países onde há permissões ou proibições

da maternidade substitutiva, contendo a Espanha, Suécia e Inglaterra, segundo

explicações de Oliveira, Fernandes e Camargo

Inglaterra Espanha Suécia

Usuários Não exige casamento ou união estável, apenas que tenha

mais 18 anos

Não exige casamento ou união estável, apenas que tenha

mais 18 anos.

Não exige casamento ou união

estável, apenas a idade de 18 anos.

Anonimato Mantêm o anonimato, porem o filho com 18 anos pode escolher

conhecer a sua origem.

Sigilo do ato tem a possibilidade do filho com 18 anos poder escolher conhecer a

sua origem.

Mantêm o anonimato.

Gratuidade Procedimento gratuito.

Totalmente gratuito. Gratuito.

Maternidade Substitutiva

É permitida. É permitida, mas a filiação se deduz pelo

parto.

Permitida na legislação sueca.

Inseminação Heterologa

Permitido. É permitida. Permitido.

Inseminação Homologa

Permitido. É permitida. Permitido.

Fonte: elaborada pelo próprio autor.

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Diante de tantos países que regulamentam as técnicas de reprodução

assistida, menciona-se que, com relação à maternidade substitutiva, fica difícil

estabilizar razões positivas, pois, estes assuntos afrontam princípios na qual a

ciência ainda não teve meios para solucionar, conforme preconiza Fernandes:

Após a verificação de tantas posições distintas sobre o mesmo tema, permanece em nós a sensação de que ainda não sabemos, e talvez nunca saibamos, qual é o melhor modelo jurídico capaz de disciplinar de forma efetiva as novas conquistas científicas sem esbarrar em institutos jurídicos ética e moralmente consolidados a muito tempo. (2005, p. 178).

Cada país exerce o seu poder de legislar de maneiras diferentes sobre o

mesmo assunto. Ao adentrar no mérito de cada país, analisa-se que se apegam em

pontos em comum e também em pontos divergentes, assim assinalando Camargo:

“a grande divergência legislativa está na fecundação heteróloga, bem como na

possibilidade de utilização de mãe de substituição e fecundação post mortem.”

(2003, p. 303).

Todavia, é necessário que todos os países se estabeleçam da melhor forma

sobre o assunto, buscando-se resolver qualquer imprevisto referente às diversas

formas de se tornar mãe.

É importante ressaltar que a matéria, objeto deste trabalho, avança a passos largos, e, portanto, a cada dia novos e diferentes dados surgem para resolver ou muitas vezes, para complicar a situação que por si só, já é de difícil solução. (CAMARGO, 2003, p. 303).

No entanto, a maternidade substitutiva é ainda uma forma de viabilizar a

gestação de um ser humano através de manipulações feitas por um médico

capacitado, estabelecendo-se requisitos e limites, bem como respeitando sempre

princípios, conforme ilustra Juliana Frozel de Camargo:

Em caso de aceitação da maternidade de substituição, fazem-se necessários exames médicos rigorosos e testes psicológicos na mãe substituta, para averiguar sua saúde física e mental e, especialmente, para

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que fique regulado a quem será determinada a filiação. Sobre este aspecto há, ainda a necessidade de estabelecer limite etário para a gravidez, especialmente nos casos de mulheres que estejam na fase pós-menopausa. (2003, p. 316).

Uma nova realidade vem sendo introduzida e aceita mundialmente, como se

verifica Camargo: “conceitos e posições já estratificados no passado sofrem abalos

profundos e mostram-se inapropriados diante uma realidade nova e dinâmica.”

(2003, p. 322).

As mudanças científicas evoluíram e as leis tendem a se adaptar a esses

métodos que cada vez mais vem ganhando espaço, com o objetivo de suprir lacunas

jurídicas que, por sua vez, podem abrir espaço para violações.

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5 CONCLUSÃO

Diante das evoluções no campo científico devido às inovações trazidas pelas

técnicas de reprodução humana assistida, confirma-se que ocorreu mudanças na

forma de constituir família. Com a introdução destes métodos, se tornou possível a

solução de eventuais problemas do casal em ter filhos a partir de uma análise clínica

laboratorial.

Ao apontar as possibilidades de escolha entre as técnicas de reprodução

assistida, busca-se mencionar que o Código Civil traz algumas inovações,

possibilitando a utilização da inseminação artificial na forma heteróloga, homóloga,

bem como a permissão para fecundação post mortem – previamente autorizada pelo

cônjuge antes da eventual morte.

Salienta-se que diante da presente pesquisa e das normas do Conselho

Federal de Medicina conclui-se que há a possibilidade do empréstimo temporário do

útero, ou seja, admite-se a maternidade substitutiva em casos meramente

patológicos, seja por conta de dificuldades ou doenças em que a gestação acaba

sendo contraindicada. Esta doação tem que ser feita por qualquer parente do casal

de até quarto grau, ficando outras pessoas sujeitas à autorização do CFM e do Juiz.

Ao analisar os princípios do direito de família, firma-se o entendimento, com

base na maternidade substitutiva, de que muitas vezes se fere o princípio da

dignidade da pessoa humana, pelo fato da mulher ser uma espécie de “incubadora

de filhos” para outra pessoa. No entanto, há a possibilidade de existência de várias

entidades familiares, respeitado o princípio do planejamento familiar, que reforça o

direito do casal em escolher o projeto parental, podendo optar, inclusive, dentre os

métodos de reprodução humana assistida disponíveis como forma de solução diante

da impossibilidade de gestacionar.

Contudo, afirma-se que para a utilização da maternidade substitutiva deve ser

feito todo o procedimento documental para que não haja nenhum ponto

controvertido que acarrete responsabilidade.

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A maternidade se estabelece pelo parto, porém com a introdução das

técnicas de reprodução assistida este parâmetro não se tornou absoluto, ficando

cada caso sujeito à averiguação da mãe genética da mãe gestacional.

Desta forma, o registro da criança, conforme a legislação estabelece, é

realizado no nome da parturiente, no entanto o médico aplicador da maternidade

substituta pode expedir na Declaração de Nascido Vivo o nome da mãe genética ou

social. Isso se dá porque, como profissional, tem o dever de exprimir a verdade real

do procedimento, sendo autoridade competente para estabelecer o vínculo

gestacional, ao passo que se houver dúvidas, deverá encaminhar ao Cartório de

Registro o termo de doação da mãe gestacional. No mesmo sentido, se o registro foi

feito no nome da mãe gestacional, deve este ser anulado para averiguação da

maternidade.

Diante dos aspectos da maternidade substitutiva em cada caso concreto, se

houver conflitos em relação ao registro de nascimento da criança, o juiz se norteará

conforme os critérios biológico, socioafetivo e legal para estabelecer a filiação da

criança.

Estabelecida a verdadeira filiação, é relevante afirmar os direitos da criança

advinda da gestação sub-rogada, concluindo-se que não deveria haver

discriminação entre os filhos. Porém, há discriminação devido ao fato de que se não

houvesse na lei da sucessão testamentária, um filho nascido da técnica de

reprodução humana assistida depois da morte do pai, sem que este tenha deixado

nenhum testamento, ficaria sem direito de herdar de forma igual aos outros filhos.

Diante do exposto, afirma-se que os filhos havidos por uma das técnicas de

reprodução humana assistida podem receber herança por sucessão legítima quando

já fora implantada no útero feminino à época da morte do autor da herança,

reforçando a possibilidade de herdar por sucessão testamentária quando este o

beneficiou e autorizou seu nascimento depois da eventual morte.

Além disso, cumpre dizer que o projeto de Lei nº 1184/2003 se encontra

equivocado ao vedar a utilização da maternidade por substituição, pois demonstra

total insegurança jurídica diante das inovações científicas.

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Em contrapartida, o projeto de Lei nº 115/2015 prevê a permissão da

maternidade substitutiva apenas ao parentesco de até segundo grau, necessitando

de um termo de pacto de substituição homologado pelo juiz para proceder ao

registro da criança sem eventuais problemas.

Garante-se o poder familiar a todos os filhos independente da sua forma de

concepção, tendo os pais deveres e obrigações em relação aos mesmos, nos

termos da legislação vigente. Leva-se em consideração também que o Estado deve

propiciar políticas públicas para o exercício do poder familiar, e ao mesmo tempo

buscando inovações para o uso da reprodução assistida, avaliando os direitos dos

seres humanos nascidos ou ainda não concebidos.

Diante do direito à vida, conclui-se que a mesma independe da forma de

concepção, sendo ao mesmo tempo o bem mais importante tutelado pela

Constituição Federal.

Dessa forma, avaliando todo o procedimento para a utilização da maternidade

substitutiva, conclui-se que enquanto não existir nenhuma legislação específica

sobre o tema deve haver aplicação de responsabilidade civil, sendo que somente

será responsabilizado o médico que agir com imprudência, negligência e imperícia,

recorrendo-se ao Código Civil, que adota a teoria da responsabilidade civil baseada

na culpa.

Diante de todo o exposto na presente pesquisa, para evitar erros e

discussões referentes à maternidade da criança, deve ser elaborada uma norma

específica para regulamentar e sancionar irregularidades, bem como criar um meio

de proteger os embriões advindos desta técnica. No entanto, é uma problemática

que ainda deve ser muito discutida e ponderada, pois trata-se de um assunto

delicado pelo simples motivo de ter como base principal a vida humana.

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