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Michel Temer

Presidente da República

Ronaldo Fonseca de Souza

Ministro de Estado Chefe da

Secretaria-Geral da Presidência da República

Hussein Kalout

Secretário Especial de Assuntos Estratégicos

Marcelo Baumbach

Secretário Especial Adjunto

Marden de Melo Barboza

Secretário de Ações Estratégicas

Carlos Roberto Pio da Costa Filho

Secretário de Planejamento Estratégico

Luis Ferreira Marques

Diretor de Assuntos de Defesa e Segurança

Georgia Renata Sanchez Diogo

Diretora de Assuntos Internacionais Estratégicos

Ana Paula Lindgren Alves Repezza

Diretora de Integração Produtiva e Desenvolvimento Econômico

Maurício Estellita Lins Costa

Diretor de Projetos Especiais

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DIÁLOGOSESTRATÉGICOSAs opiniões expressadas na Revista Diálogos Estratégicos representam apenas a visão dos autores, não obrigatoriamente correspondendo à visão da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos.

Todos os direitos reservados. As informações contidas nesta publicação poderão ser reproduzidas, desde que citada a fonte. Não é permitida a reprodução para fins comerciais.

© 2018 Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos

Editores:

Carlos Pio e Ana Paula Repezza, SAE/SG/PR

Colaboradores:

Luis Gustavo Gonçalves Montes e Luis Mateus das Neves de Oliveira, SAE/SG/PR

Nota dos editores: nossos sinceros agradecimentos a todos os autores por suas generosas contribuições, sem as quais não teria sido possível realizar esta publicação.

DIÁLOGOS ESTRATÉGICOS

VOLUME 1, NÚMERO 2 – JULHO/18

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9EDITORIAL

A INDÚSTRIA 4.0, O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BRASIL

A ABERTURA É PARA ONTEM: O “BRAZIL” DENTRO DO BRASIL

COMPETIÇÃO, COMPETIÇÃO

DESAFIOS PARA A INDÚSTRIA 4.0: ALÉM DA ECONOMIA

COMPETIVIDADE E COMPETIÇÃO

UMA INDÚSTRIA EM AGONIA

CRESCIMENTO ECONÔMICO: FENÔMENO MACROECONÔMICO?

A IMPORTÂNCIA DA INDÚSTRIA 4.0 PARA O BRASIL

Carlos Pio e Ana Paula Repezza

Carlos Pio, Ana Paula Repezza,Rebeca Gouget e Luis Gustavo Montes

Gustavo Franco

Vinícius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello

Antônio Márcio Buainain

Martin Raiser

Humberto Pereira

Samuel Pessoa

Rafael Moreira

SUMÁRIO

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UM PENSAMENTO SISTÊMICO PARA O BRASIL

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E MERCADO DE TRABALHO

O FUTURO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO NO BRASIL

A DIGITALIZAÇÃO DA CADEIA DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOSE COMO ISSO IMPACTA O SETOR DO AGRONEGÓCIO

O FUTURO DA EDUCAÇÃO NA INDÚSTRIA 4.0

O QUE PODEMOS ESPERAR DO MERCADO DE TRABALHO NO MUNDO 4.0?

APLICANDO OS CONCEITOS DA QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL À PRÁTICA:

EXPERIÊNCIAS DE UMA MULTINACIONAL BRASILEIRA

Octavio de Barros

Naércio Menezes Filho

Cláudia Costin

Mariana Vasconcelos

Maria Helena Guimarães Castro

Marcello Estevão

Ricardo Ávila

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EDITORIALA segunda edição da série de eventos Diálogos Estratégicos, realizada no dia 08 de março em São Paulo, teve como tema “O Brasil e os desafios da quarta revolução industrial: a economia política do futuro”. A partir desse pano de fundo, foram debatidos aspectos tais como o modelo de inserção internacional do Brasil e seus efeitos sobre o potencial de crescimento da economia digital no país e as estratégias de qualificação profissional necessárias para desenvolver nos trabalhadores brasileiros as competências essenciais a processos produtivos em crescente digitalização.

Reunidos com um público de aproximadamente 350 pessoas entre empresários, acadêmicos e representantes de associações setoriais, os painelistas discutiram as diferentes nuances que impactam a economia global em tempos de adoção acelerada de tecnologias disruptivas como internet das coisas, customização digital em massa e agricultura de precisão.

Este segundo número da Revista Diálogos Estratégicos traz aos seus leitores os artigos de opinião desses painelistas, versando sobre temas como instrumentos de financiamento voltados à inovação, programas de requalificação profissional, comércio digital e seus reflexos sobre o potencial de inserção do Brasil nas cadeias globais de valor, cada vez mais fragmentadas e estruturadas em redes que acompanham a velocidade do processo inovativo. Esperamos assim, estimular a implementação de iniciativas direcionadas a um modelo de desenvolvimento econômico e social mais dinâmico e inclusivo para o Brasil.

A todos, boa leitura.

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A 4ª Revolução Industrial

A chamada 4ª Revolução Industrial está mudando não apenas o quê, como e onde se produz riqueza no mundo, mas também a própria natureza das firmas, do capitalismo e do funcionamento do governo. A principal marca desse processo é a chamada digitalização, ou seja, a incorporação de sensores digitais, integrados à internet, às diversas etapas das atividades produtivas, o que permite a geração de grandes volumes de dados. Em tempo real e até remotamente, esses dados são agrupados e analisados por sistemas autônomos de gerenciamento. Sempre que necessário, esses sistemas promovem ajustes automáticos nas calibragens das máquinas para maximizar a produtividade das firmas, em diversos setores da economia.

Espera-se, para um futuro próximo, que a parcela mais significativa do valor dos produtos e tecnologias esteja, justamente, na prestação de serviços inteligentes pós-venda. Trata-se tanto de (a) serviços de coleta, processamento, análise e armazenamento de dados, quanto (b) de novos serviços criados a partir da existência de “a”, ou seja, da disponibilidade daqueles primeiros dados armazenados e/ou que derivam da análise daqueles dados. E esta expectativa serve tanto para os dados gerados a partir de usuários domésticos de bens de consumo durável (computadores, tablets, smartphones, GPS)1, quanto do uso de máquinas e equipamentos profissionais ou para a produção em escala – em empresas manufatureiras, do agronegócio ou do setor de serviços.

1 - Assim, de um lado as “pegadas digitais” [digital footprints] deixadas durante a navegação (numa rede social, por exemplo) precisam ser armazenadas; de outro, o fato dessas pegadas se tornarem disponíveis permite o desenvolvimento de novos serviços que fazem uso desses dados armazenados Por exemplo, uma firma que passa a oferecer produtos ou serviços normalmente consumidos por outros usuários da mesma rede social que deixaram pegadas digitais semelhantes.

A INDÚSTRIA 4.0, O COMÉRCIO INTERNACIONAL E O BRASIL

Carlos Pio,Ana Paula Repezza,Rebeca Gouget eLuis Gustavo Montes

Carlos Pio é Secretário; Ana Paula Repezza é Diretora de Integração Produtiva e Desenvolvimento Econômico; Rebeca Gouget é Coordenadora-Geral de Políticas de Desenvolvimento; e Luís Gustavo Montes é Assessor Técnico de Desenvolvimento Econômico, todos na Secretaria de Planejamento Estratégico da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.

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O processamento dos dados gerados por sensores embutidos ou acoplados às máquinas permite o posterior desenvolvimento de novos produtos, novas tecnologias e novos serviços, estabelecendo um processo contínuo, em forma de espiral ascendente [feedback loop], de reinvenção das firmas e do próprio sistema econômico. A produção se mistura à oferta desses serviços inteligentes e se torna cada vez mais autônoma, integrada em rede e customizada. Já as relações de produção e comercialização (B2B, B2C) se tornam quase ininterruptas e assentadas na lógica da criação de riqueza, e não da redistribuição da riqueza disponível, o que é potencializado pelo impacto da digitalização sobre a produtividade.

Essa lógica de aplicação de sensores, integrados em rede para coleta, processamento, análise e armazenamento de grande volume de dados e desenvolvimento de novos serviços a partir desses dados tem encontrado aplicação em praticamente todos os setores da economia – da agricultura e da pecuária à indústria; da mineração e da infraestrutura ao próprio setor de serviços. Prolifera a criação de termos para designar essa revolução da “digitalização” do capitalismo: internet das coisas, virtualização, agricultura de precisão, pecuária 4.0 e indústria 4.0 (ou manufatura avançada). Quando aplicada aos serviços públicos providos aos cidadãos, como nos casos de sistemas de tráfego e transporte, usinas elétricas, redes de abastecimento de água, gerenciamento de resíduos, aplicação da lei de informação, escolas, bibliotecas, hospitais e outros serviços comunitários, fala-se em “cidades inteligentes”.

O restante deste breve artigo priorizará uma análise da política de comércio exterior necessária ao adensamento da Indústria 4.0 (I4) no Brasil. Apesar disso, consideramos que todas as observações feitas podem ser facilmente extrapoladas para discutir a digitalização ou “servicização” dos demais setores e atividades econômicas.

Comércio Internacional 4.0

Parece seguro dizer que essas mesmas transformações do sistema econômico afetarão qualitativamente o comércio internacional. Tendem a crescer não apenas as exportações das máquinas e equipamentos que compõem a onda da digitalização da economia, como também, e principalmente, os fluxos de dados e os serviços relacionados àquelas tecnologias.

A estreita relação dessas tecnologias com os serviços, inevitavelmente fará crescer a importância da agenda regulatória do comércio exterior. Essa agenda é distinta daquela tradicional, baseada em medidas at the border. No passado, os países negociavam o acesso de produtores estrangeiros aos seus respectivos mercados nacionais. Trocavam concessões tarifárias e não-tarifárias (BNTs) em negociações de acordos bi, pluri ou multilaterais. Em contraste, a agenda consistente com a I4 enfrentará questões que até há pouco eram vistas como estritamente domésticas, behind the border.

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Uma agenda de comércio internacional voltada para o fortalecimento da Indústria 4.0 no Brasil deve envolver, entre outros, temas como facilitação de comércio, harmonização regulatória, liberalização de serviços e maior convergência com os níveis tarifários de bens de alta tecnologia praticados em países com economias e níveis de desenvolvimento semelhantes aos nossos. A importância da racionalização tarifária para os bens de alta tecnologia, imprescindíveis à agenda I4 por constituírem a plataforma física a partir da qual bens e serviços de alto valor agregado poderão ser produzidos, muitas vezes é relegada ao segundo plano quando se discute a digitalização da economia brasileira.

No tema da facilitação de comércio, o Brasil tem atuado de forma consistente e consertada com os diversos órgãos anuentes da esfera federal, o que nos coloca na vanguarda na aplicação dos compromissos do Acordo de Facilitação de Comércio da OMC e certamente trará ganhos de eficiência nas transações comerciais internacionais. Estamos avançando também na agenda regulatória, com iniciativas como a racionalização das normas brasileiras de comércio exterior, proposta pela CAMEX, bem como a análise do estoque regulatório nacional, necessária ao processo de acessão do Brasil à OCDE, formalizada em maio de 2017. Persiste, ainda, uma lacuna importante no que diz respeito a total inclusão do comércio internacional de serviços nas agendas de facilitação de comércio e melhoria regulatória no Brasil. Como importante vetor de digitalização e servicização da economia, o comércio internacional de serviços precisa, o quanto antes, alçar a mesma agilidade nos tratamentos administrativos, aduaneiros e cambiais que o Portal Único do Comércio Exterior já confere às operações que envolvem somente bens.

Uma vez que as tecnologias embarcadas na I4 estão relacionadas à geração automática e à transmissão de dados pela internet, os quais são armazenados remotamente (“na nuvem”), é necessário que o país avance muito (e rapidamente) nas discussões relativas a comércio digital, tanto no âmbito do Mercosul quanto em negociações bi e multilaterais. É positivo o fato de já termos assinado acordos bilaterais de serviços e, especialmente, o Acordo Geral de Comércio de Serviços (GATS, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio - OMC; entretanto, é também inegável que temas da fronteira 4.0, tais como a proteção de dados industriais e a propriedade intelectual no âmbito de processos como a digitalização da manufatura, não estão ainda contempladas nesses acordos2.

No que tange os níveis tarifários, o Brasil está ainda mais atrasado. Em 2011, as tarifas nominais aplicadas sobre importações de máquinas e equipamentos, computadores e eletrônicos e aparelhos elétricos eram mais de três vezes superiores às dos países de renda alta e média e duas vezes às dos países de renda baixa. Os principais atores no comércio mundial dos bens ligados à tecnologia da informação já aplicam tarifas nula sobre as importações, pois participam do Acordo de Tecnologias da Informação (ITA, na sigla em inglês), da OMC.

2 - Como esses dados são vulneráveis à espionagem digital, a catástrofes naturais e a políticas de segurança nacional dos governos, as empresas demandam fortes garantias de segurança em seu armazenamento. Naturalmente, a armazenagem segura desses dados, ou bancos de dados, se torna elemento fundamental para a própria sobrevivência das firmas, que investem somas significativas de recursos para garantir acesso contínuo e seguro à informação, que se tornou um insumo dos mais estratégicos.

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No entanto, a atual estrutura regulatória e tributária para a importação de bens e serviços de alta tecnologia no Brasil dificulta que as empresas tomem conhecimento destas tecnologias3, como também dificulta sua aquisição em razão dos altos custos envolvidos nos processos de importação.

O protecionismo brasileiro em segmento tão essencial ao avanço da I4 implica em maiores custos para a indústria nacional adquirir as tecnologias, mesmo quando elas são produzidas localmente. Os mecanismos disponíveis para a indústria local pleitear uma alíquota mais baixa, tais como o regime de ex-tarifários, a Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum do Mercosul - LETEC e a Lista de Exceções de Bens de Informática e de Telecomunicações - LEBIT, são onerosos e se limitam a tecnologias não produzidas no Brasil. Além disso, os prazos para exame dos pedidos pelo governo são longos, e o período de validade da exceção tributária concedida aos importadores muito curto face à rapidez da mudança tecnológica, o que implica a necessidade de submissão de novos pedidos de exceção sempre que os equipamentos são atualizados.

Política Industrial e de Comércio Exterior para um Brasil 4.0

Se o governo brasileiro optar pelo delineamento de uma política industrial contendo medidas de incentivo à produção doméstica de tecnologias associadas à I4, é fundamental que não incorra mais uma vez no erro histórico de garantir mercado cativo a produtores locais menos eficientes que seus concorrentes já estabelecidos na economia global.

A proteção do mercado nacional inevitavelmente limita e encarece a imediata adoção das melhores opções tecnológicas por uma ampla parcela das firmas estabelecidas no país. Isso impede tanto os ganhos imediatos de produtividade quanto o acesso aos serviços vinculados a essas tecnologias que poderiam alavancar as empresas a novos patamares de eficiência e rentabilidade.

O avanço da I4 no Brasil exige uma concepção de política industrial e comercial que seja capaz de induzir a adoção massiva de tecnologias já disponíveis no resto do mundo, sem obstaculizar a produção local de tecnologias específicas no país. Isso requer ampliar o acesso das empresas localizadas no país a bens, tecnologias e serviços de ponta a preços internacionais, sem restrições, para forçar eventuais produtores locais de tecnologia a buscarem nichos que façam sentido diante dos contornos que assumir a dinâmica econômica do país e da região.

Essa agenda, eminentemente liberal, está voltada para eliminar todas as formas de tratamento discriminatório de firmas estrangeiras que exportam (ou poderiam exportar) para o nosso país. Ela visa estabelecer um ambiente local de negócios compatível com a interdependência

3 - Estudo da Confederação Nacional da Indústria mostrou que o conhecimento da indústria brasileira sobre as tecnologias digitais e sua incorporação à produção é pouco difundido. (Cf. CNI. “Indústria 4.0. Sondagem especial”. Brasília, n. 66, maio 2016.)

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produtiva, comercial e financeira que caracteriza o capitalismo avançado, tanto nas dimensões do comércio de bens (e.g., máquinas e equipamentos autocalibráveis por sensores e sistemas digitais embarcados) quanto do comércio de serviços e aos fluxos de dados associados à I4.

Neste particular, o Brasil se encontra muito mal posicionado para tirar proveito das novas estruturas e dinâmicas do capitalismo global que marcam a expansão da 4ª Revolução Industrial. Ainda prevalece no país uma visão razoavelmente autárquica do processo de desenvolvimento econômico. De acordo com ela, a prosperidade depende da produção local de bens, serviços e tecnologias caras – erroneamente identificados como “produtos de alto valor agregado4.”

De acordo com essa visão, caberia à política industrial viabilizar a “competitividade” das empresas por meio da concessão de estímulos creditícios e tributários, além de proteção comercial. Os defensores dessa visão eximem-se da responsabilidade de discutir os custos de oportunidade e mesmo os impactos da adoção de políticas para promover a produção local. Esse modelo autárquico e mercantilista gera extrema rigidez no ambiente de negócios do país, que, por sua vez, impede o desenvolvimento de empresas mais produtivas (estabelecidas nos setores em que há vantagens comparativas e competitivas) e mais internacionalizadas.

O padrão de avanço da I4 no Brasil será função da opção do País entre manter ou reverter a estrutura de incentivos que dificulta o uso intensivo das melhores tecnologias e serviços atualmente existentes na economia global. A difusão dessas tecnologias e serviços requer ampla liberdade de compra de máquinas e equipamentos dos fornecedores mais eficientes do mundo, e a custo de mercado; requer também a liberdade para adotar novos materiais, o uso da internet das coisas, do big data e da computação em nuvem, o uso da inteligência artificial e da robótica avançada, sem maiores impedimentos ou dificuldades regulatórias.

Em contraste com o que acaba de ser dito, a opção pelo incentivo governamental ao desenvolvimento no Brasil de fornecedores de tecnologias necessárias à I4 requererá que se mantenha a economia fechada às importações de tecnologias de ponta, elevando artificialmente as rendas dos produtores locais dessas tecnologias. A opção por estender o modelo autárquico para fomentar a produção local terá, inescapavelmente, um elevado peso sobre a arrecadação e o orçamento público, difícil de ser enfrentado no atual contexto de estrangulamento fiscal por que passa o país.

Além disso, essa opção tenderá a restringir a adoção massiva das tecnologias habilitantes da I4 pelo tecido industrial brasileiro, uma vez que o protecionismo as tornará mais caras e de pior qualidade do que as opções hoje disponíveis na economia global. Por fim, o atraso na adoção massiva dessas tecnologias reduzirá incentivos à oferta local de serviços a elas associados, prejudicando a alavancagem deste que é um dos setores mais dinâmicos do atual momento do capitalismo global.

4 - Sobre o equívoco dos analistas brasileiros de políticas públicas em torno do conceito de “valor agregado”, vide Eduard Amadeo, “Política Industrial: Historiografia e condicionantes de seu sucesso” (In: CASTRO, Ana Célia (Org.). Desenvolvimento em debate. Rio de Janeiro: Editora Mauad, 2002. v. 2), especialmente pp. 177-180.

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As empresas industriais do País adotarão tecnologias associadas à I4 quando forem compelidas a buscar ganhos de produtividade. O imperativo de baixar custos, aumentar a agilidade da gestão, aumentar a qualidade dos produtos, customizar a produção e produzir bens e serviços mais rentáveis advém, quase exclusivamente, da pressão da concorrência. Por isso as empresas se dispõem a adquirir as máquinas e equipamentos e serviços mais eficientes. A percepção desta necessidade advém de dois mecanismos que, apesar de parecerem dissociados, têm alto nível de complementaridade entre si. O primeiro deles é a exposição a essas novas tecnologias, seja pelo aumento da concorrência, seja pelo estabelecimento de parcerias com empresas mais avançadas tecnologicamente. O segundo é a ampliação da oferta dessas tecnologias no mercado doméstico, reduzindo o custo de sua aquisição e, consequentemente, viabilizando a sua adoção por maior quantidade de empresas.

Os dois mecanismos descritos acima dependem, inerentemente, de uma maior integração da economia brasileira aos fluxos de comércio internacional. Enquanto o primeiro mecanismo ocorre por meio de mais exportações e de processos de internacionalização e na participação em cadeias de suprimento transnacionais, o segundo decorre de uma maior abertura do mercado doméstico a bens e serviços de alta tecnologia produzidos em terceiros países.

De acordo com o World Trade Report 2017, publicado pela Organização Mundial do Comércio5, o resultado dessa maior integração à economia global tende a levar os países em desenvolvimento a ciclos virtuosos de crescimento e ganhos de produtividade, em que uma maior abertura comercial leva a avanços tecnológicos, que por sua vez geram maior competitividade das firmas localizadas no país e possibilitam graus ainda maiores de abertura e subsequentes saltos tecnológicos.

Num país mais integrado à economia global, a competitividade da indústria brasileira dependerá da capacidade do produtor nacional em incorporar essas novas tecnologias. Disso dependerá não apenas a possibilidade de conquistar novos mercados, como também a manutenção do mercado doméstico. É necessário, portanto, garantir ao produtor nacional o acesso a essas novas tecnologias, sejam elas obtidas no mercado nacional ou internacional.

Diante de tudo aqui discutido, resta claro que uma agenda comercial que viabilize o desenvolvimento de uma indústria 4.0 no Brasil envolve, primordialmente, integrar o Brasil à economia global e disponibilizar à indústria nacional as tecnologias necessárias a preços competitivos. Com isso estaremos aumentando a competitividade da indústria brasileira, permitindo que ela possa competir em igualdade de condições em seu mercado interno e externo. Ao mesmo tempo, estaremos possibilitando que aqueles setores nacionais com capacidade de desenvolver essas mesmas tecnologias possam se especializar nos nichos nos quais possuem competitividade, proporcionando, assim, o seu desenvolvimento sustentável no tempo.

5 - Disponível em https://www.wto.org/english/news_e/news17_e/wtr_27sep17_e.htm

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mais propriamente, a rede internacional de valor.

Pense no seu smartphone (que já está quase entrando no dicionário) e repare que a fabricação pode se dar na China, com componentes vindos de diversos países, com peças e software de outros, e o desenvolvimento, o branding e o marketing em outros. Ou pense num call center nos EUA onde os atendentes estão na Índia ou na Bahia e os data centers na nuvem. A globalização, às vezes, parece propaganda de um curso de inglês, não é mesmo?

Nos anos 1950 e 1960 as grandes empresas, sobretudo americanas começaram a abrir filiais no exterior, em muitos casos apenas para atender os desejos de “substituição de importações”, ou de “produção local”, em países clientes que se tornaram mais protecionistas. Com o tempo, o número e o volume de produção e vendas do conjunto das filiais no exterior foi crescendo (relativamente ao que se passava na “matriz”) a ponto de mudar a

A produção industrial vem se tornando um fenômeno cada vez internacional, assunto que tem trazido um misto de contrariedade e excitação quanto às suas vastas consequências. Trata-se aqui de um dos capítulos mais intrincados da globalização, tanto que apenas pode ser descrito, infelizmente, com palavras em inglês capazes de embaralhar as falas mais amestradas, além sacudir os brios dos nacionalistas do idioma: offshoring e outsourcing.

Não há uma tradução para isso, como frequentemente ocorre com novos e complexos processos relativos à economia global. O leitor deve olhar para esses vocábulos como ideogramas, ou, talvez, deixar-se embriagar pela sua sonoridade, pela associação com coisas referentes à alta tecnologia ou com relações internacionais. Talvez um dia entrem para o vernáculo, como o abajur, o bonde e a manicure.

Concretamente, trata-se de processo pelo qual a produção industrial se desagrega em etapas que vão sendo implantadas ou transferidas para diversos países, conforme a vantagem locacional, e de sorte a reduzir a exposição a variações cambiais e otimizar a cadeia, ou,

A ABERTURA É PARA ONTEM: O “BRAZIL” DENTRO DO BRASIL

Gustavo Franco Ex-presidente do Banco Central, fundador da Rio Bravo Investimentos

A história desses processos tem muito a ver com outro fenômeno que outrora

pareceu perturbador: a empresa multinacional.

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natureza dessas organizações, que deixaram de ser federações de réplicas da mãe, e foram assumindo uma personalidade distintamente transnacional. A divisão internacional do trabalho se aprofundou dentro da empresa, o que pode ser documentado pelos números da Tabela 1 abaixo com as “propensões a exportar”, ou a parcela da produção local total destinada ao mercado externo. Note-se que, para o Brasil e para o México, paradigmas da substituição de importações nos anos 1950 e 1960, as propensões a exportar das empresas estrangeiras dessa amostra1 são muito pequenas, da ordem de 3% do total, muito menor do que o praticado para filiais estrangeiras em outras partes do mundo. Na pesquisa de 1977 já aparecem as filiais na Ásia emergente, para as quais não havia registro em 1966, com propensões a exportar superiores a 80% na partida. Fica claro que o investimento direto americano na Ásia possui uma clara orientação exportadora em contraste com o que se passa na América Latina onde a prioridade é o mercado interno.

Note-se que, com o tempo, as propensões a exportar vão crescendo em toda parte, inclusive no México, com exceção da Ásia onde vão caindo para níveis menores indicando a presença de um mercado interno que tinha muito pouca expressão nos anos 1966. A Tabela 1 revela com muita clareza uma das turbinas mais importantes da globalização, a saber, a internacionalização no interior da empresa multinacional. A partir da mudança na dinâmica de comportamento dessas empresas é que se observa o explosivo crescimento do fenômeno do “comércio intra-firma” (entre

1 - A s empresas dessa amostra são apenas as americanas e com controle americano, denominadas majority owned foreign affiliates na linguagem do Departamento de Comércio americano.

partes relacionadas) que, já nos anos 1990, tinha ultrapassado 1/3 do comércio mundial. Vale lembrar que outro terço do comércio internacional envolvia empresas multinacionais e partes não relacionadas, e o terço restante era predominantemente de comércio em commodities. As multinacionais se tornaram, portanto, uma presença dominante no comércio mundial de manufaturas.Tabela 1: Propensões a exportar, MOFAs (majority owned foreign affiliates), 1966-2014

1966 1977 1984 1990 1995 2000 2005 2007 2008 2010 2014

Todos os países 18,6 30,8 37,3 39,3 42,4 44,5 45,6 46,2 45,5 44,3 43,4

Canadá 16,1 29,9 39,4 40,1 47,7 43,2 39,3 38,3 35,4 37,0 27,8

Europa 25,8 37,7 42,2 42,4 45,3 47,9 49,4 51,7 51,9 51,2 51,9

Brasil 3,0 8,7 19,2 13,6 14 ,0 22,4 32,3 31,0 32,4 25,1 17,5

México 3,2 10,4 23,9 45,9 48,8 44,7 44,0 44,7 45,1 36,6

"Tigres" asiáticos* n.d. 81,2 74,3 65,4 62,6 59,3 52,5 52,5 45,9 52,2 53,1

* Coreia do Sul, Taiwan, Cingapra, Hong Kong.

Fonte: US Department of Commerce

Em tempos mais recentes, o processo de internacionalização das empresas multinacionais se acelerou ainda mais diante da ascensão industrial da China e do investimento estrangeiro no exterior de países emergente. O Brasil poderia estar na crista da onda desse vendaval de transformações, pois a presença de multinacionais no país é imensa e muitas empresas brasileiras ensaiaram seus primeiros passos para se tornarem multinacionais.

A partir de 1995, o Banco Central do Brasil passou a fazer um censo de empresas estrangeiras no Brasil em bases quinquenais2. Alguns dos principais resultados podem ser vistos na Tabela 2. Em 2010, como é possível ver na tabela, tínhamos 16.844 empresas estrangeiras no país, conforme reportado pelo Censo. Como eram 6.322

2 - Para detalhes operacionais e análises dos censos anteriores a 2010 ver Franco, 2011.

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em 1995, pode-se dizer que duas novas empresas estrangeiras abriram suas portas no Brasil a cada dia ao longo desses quinze anos. Duas por dia entre 1995 e 2010, a década que seguiu ao Plano Real! O censo para 2015 teve 19.537 declarantes, o que estaria a indicar um ritmo ligeiramente menor, mas ainda impressionante: 1,5 empresa estrangeira nova por dia.Tabela 2: Censos de capital estrangeiro no Brasil, 1995-2015

1995 2000 2005 2010 2015

declarantes 6.322 11.4 04 17.605 16.844 19.537

Faturamento 223 510 1.294 1.587 3.486

PIB do grupo % do Brasil 18% 25% 34% 23% 33%

Ativos 273 914 1.528 2.449 5.012

Patrimônio líquido 105 254 437 947 1.688

% do PIB 6% 17% 18% 25% 24%

exportaçõess (USD Bi) 22 33 65 87 66

% do total do país 43% 53% 50% 38% 29%

empregos (mil) 1.352 1.709 2.092 2.263 3.419

% do total do país 2,0% 2,5% 2,3% 2,4% 3,4%

Companias do Censo 74,2 134,2 278,4 301,6 430,9

Brasil 10,1 8,8 10,0 24,4 15,1

razão 13,6% 6,6% 3,6% 8,1% 3,5%

Memo: V alor adicionado por trabalhador empregado (US$ correntes)

Fonte: Banco Central do Brasil

Em 2015 essas empresas tinham ativos de R$ 5,0 trilhões, faturamento de R$ 3,5 trilhões e eram responsáveis por percentuais da ordem de 30% do comércio exterior brasileiro. É interessante pensar na contribuição das empresas desse grupo para o PIB brasileiro considerando o valor adicionado que realmente produziram, em vez de simplesmente comparar seus números para faturamento e ativos com o número para o PIB. Em geral se compara os números em reais nominais com o PIB apenas como ferramenta de deflacionamento para comparar grandezas nominais em diferentes momentos do tempo. Outra coisa completamente diferente é perguntar que percentual do PIB de 2015 essas empresas efetivamente produziram.

Tomando uma razão entre valor bruto da

produção e valor adicionado de 1,76 para 2010 e 2015, os números para o faturamento das empresas estrangeiras no Brasil estariam a indicar que esse grupo teria sido responsável pela geração de 23% do PIB brasileiro em 2010, percentual que aumenta em 2015 para 33%.

Esse PIB “estrangeiro” dentro do Brasil estaria entre US$ 523 bilhões e US$ 592 bilhões, o que colocaria este “país” (chamemos de “Brazil”) numa posição em torno do vigésimo PIB deste planeta (em 2010/15), entre Suécia (US$ 560/541 bi) e Polônia (US$ 516/509 bi).

Há várias observações importantes a fazer sobre o “Brazil” e seu papel dentro do Brasil, esta nota destaca apenas o comércio exterior. A despeito da contribuição do “Brazil” para as exportações brasileiras, conforme pode ser observado na Tabela 2 (entre 29% e 53% do total entre 1995 e 2015) é importante observar que as empresas estrangeiras no Brasil exportam muito pouco, especialmente quando comparado:

i. ao Brasil, pois o “Brazil” exportou em 2010 algo como 17% de seu PIB (cerca de US$ 87 bi), não muito mais que o Brasil (10,5%). Em 2015 o desempenho foi ainda pior, cerca de 11% do PIB do “Brazil”;

ii. a países “comparáveis”, Polônia e Suécia, que exportam 39% e 32% de seus respectivos PIBs; e

iii. às filiais de multinacionais estabelecidas pelo mundo, cuja propensão a exportar, segundo dados da OCDE,

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deve ser superior a 45%, conforme pode ser visto na Tabela 1, que trata apenas das empresas americanas.

Essas contas servem para mostrar que as empresas estrangeiras estabelecidas no Brasil, que responderam por 30% do comércio exterior do país em 2015, poderiam estar exportando o dobro ou o triplo, o mesmo valendo para a importação, se estivessem se comportando de modo minimamente parecido com o que fazem, em média, em outros países. Se o “Brazil” estivesse exportando na faixa de 45% de seu PIB suas vendas no exterior teriam sido cerca de US$ 150 bilhões maiores do que foram em 2015. É claro que, para isso, teriam que estar importando valor semelhante. Estaríamos falando de uma corrente de comércio de US$ 300 bilhões adicionais, o que acrescentaria dezesseis pontos percentuais no grau de abertura do país em 2015.

A pergunta que não quer calar é muito simples: por que, então, as multinacionais estabelecidas no Brasil exportam tão pouco? Por que o “Brazil” é tão isolado do mundo?

É claro que a resposta começa pelo fato de que todas as razões que levam o Brasil a exportar pouco, sobretudo em manufaturas, valem para o “Brazil”. O intrigante é que, no “Brazil”, há bastante mais competitividade, a julgar pelos níveis de produtividade, que são cerca de dez vezes maiores relativamente ao Brasil. Repare na Tabela 2 que as quase 20 mil empresas estrangeiras declarantes do Censo de 2015 produziram algo como um terço do PIB brasileiro com apenas 3,4% da mão de obra empregada. Se o resto da população

ocupada produz apenas 2/3 do PIB, segue-se que a produtividade no “Brazil” é cerca de 14 vezes a do Brasil!

É claro que a abertura teria imensos efeitos sobre o PIB do Brasil, pois, muito provavelmente, mais gente ia trabalhar no “Brazil” e essa mudança desloca mão de obra do pedaço menos produtivo para o mais produtivo do país.

Mas o que seria esta transformação? Por que mesmo as multinacionais localizadas no Brasil não plugam mais intensamente as suas operações no Brasil com suas cadeias internacionais de valor? O que teria que ser feito para que o “Brazil” fosse aberto como potencialmente pode ser, a julgar pelo que se passa em outros países?

Pode-se dizer que há um problema de nascença, pois essas empresas vieram para o Brasil pensando no mercado interno, em contraste com o que se passou na Ásia, e o período de hiperinflação nos subtraiu ainda mais da globalização, conforme documentado na Tabela 1. Com a passagem do tempo, todavia, o “Brazil” deveria ficar mais exportador (e a Ásia menos), e, de fato, considerando uma amostra de filiais americanas da tabela, a razão

Não deveríamos pensar duas vezes quando se trata dos efeitos positivos de

uma transformação nas políticas públicas que fizesse com que as empresas estrangeiras localizadas no Brasil passassem a se comportar como se pudessem se integrar perfeitamente em suas cadeias internacionais de valor.

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exportações/PIB, que estava em 14% para 1995 (para as filiais no Brasil, contra 63% para as filiais na Ásia e 42% para a média mundial) sobe para 32% em 2005 (contra 52% para a Ásia e 46% para a o mundo), mas despenca para 17,5% em 2014, à mercê do aumento substancial do protecionismo e dos “requisitos de conteúdo local” na esteira dos mecanismos da “Nova Matriz Econômica”.

Nada pode ser mais prejudicial à ideia de elevar as exportações do “Brazil”, e a enriquecer os laços do Brasil com o resto do mundo, que esse protecionismo velho, que confunde soberania com autarquia e que privilegia a balança comercial em vez da corrente de comércio, e que enfatiza o “conteúdo local”. E mais: preferimos investir em parcerias “Sul-Sul” em vez de entrar para a OCDE e em acordos comerciais que nos colocam no mapa da produção internacional.

Nossa diplomacia se acostumou com uma tola e encrencada aritmética de reciprocidades e parece não se dar conta do fracasso em que se insere. Sim, o grau de abertura do Brasil é um fracasso também da diplomacia brasileira e que lembra muito o tempo em que os economistas brasileiros, quando no exterior, se esmeravam

em explicar que era normal a inflação permanecer acima de 1000% anuais, pois tínhamos indexação e tantos outros truques para “neutralizar” a inflação.

O reduzido grau de abertura da economia brasileira é uma patologia imensa e o fato de o comércio internacional de manufaturados ser conduzido, principalmente, entre empresas multinacionais, todas elas presentes e operantes em território brasileiro, apenas piora a situação. Entramos profundamente no terreno do ridículo quando afirmamos que a indústria brasileira é “nascente” ou “despreparada” para a globalização.

Estamos perdendo tempo com políticas comerciais e industriais mercantilistas e obsoletas, que parecem combater e contestar a globalização (e os estrangeirismos), quando ela já está firmemente absorvida dentro de casa e nos oferece oportunidades que fingimos não enxergar.

REFERÊNCIAS

Gustavo H. B. Franco (2011). O Brasil e a globalização na primeira década após o Plano Real: Os censos do capital estrangeiro no Brasil, 1995, 2000 e 2005 em Edmar Bacha e Monica B. de Bolle (orgs.) Novos Dilemas da Política Econômica, ensaios em homenagem a Dionisio Dias Carneiro, Rio de Janeiro, LTC-GEN Editora, IEPE/CdG.

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Ao fim de 2015, após o primeiro ano do então governo Dilma Rousseff, duas armadilhas levavam o país a uma crise de difícil solução. Inflação alta e baixo crescimento explicitavam os profundos problemas de oferta com os quais nos deparávamos. Não menos preocupante, o escândalo de corrupção da Petrobras sugeria um inovador conluio entre ex-diretores e funcionários e um cartel de fornecedores.

No cerne de ambas as armadilhas, estava a ausência de competição que assola o país. O retorno da credibilidade da autoridade monetária reduziu, ainda que temporariamente, já que uma solução permanente depende de solução de nosso problema fiscal, drasticamente as taxas de inflação.

Qual o efeito da competição sobre o bem-estar social? É evidente que a

competição beneficia o consumidor. Menos óbvio é seu impacto na produtividade e, consequentemente, no crescimento de longo-prazo, uma vez que este depende de aumentos de produtividade. Mais competição aumenta a produtividade de várias formas. Primeiro, com mais competição na provisão de bens intermediários, as empresas têm acesso a insumos mais baratos e de melhor qualidade, o que diminui seus custos. Segundo, pressionadas pela competição, as empresas produzem mais (e a um menor custo) e melhor, além de inovarem continuamente. Terceiro, há um efeito de seleção: empresas que sobrevivem em mercados competitivos são mais produtivas que as que sucumbem. Por fim, a competição no setor financeiro faz os recursos se moverem de atividades de baixa produtividade para atividades de alta, melhorando a alocação de recursos.

O que foi feito nos anos 2003-2015? Ampliaram-se as políticas de “Regras de Conteúdo Local”, que impõem aos produtores a utilização de um percentual

COMPETIÇÃO,COMPETIÇÃO1

1 - Texto adaptado do artigo originalmente publicado no jornal Valor Econômico de 09/02/2015.

Vinícius Carrasco2 eJoão Manoel Pinho de Mello3

2 PhD em Economia pela Universidade Stanford, professor de economia da PUC-Rio3 Secretário de Promoção da Competividade e Advocacia da Concorrência do Ministério da Fazenda

Infelizmente, apesar de nobres tentativas de setores do governo de estimular a

competição, interesses privados acabam por impedir avanços nessa frente.

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de insumos produzidos localmente. O objetivo é estimular a produção nacional. Uma análise mais detida sugere tratar-se de política de desestímulo à produção. A política dá poder de mercado aos produtores de insumos locais, causando aumento de preços e redução de produção. Os produtores de bens finais, forçados a comprar insumos locais com preços inflados, têm seus custos aumentados. Uma petroleira toma o preço do bem que produz como dado e não consegue repassar esse aumento de custos. Um fabricante de automóveis tampouco consegue repassar integralmente o aumento de custos. A consequência é a redução das quantidades produzidas. Às vezes, de forma drástica: é informativo ler a entrevista à “Veja” do presidente mundial da JAC-Motors sobre as razões de sua desistência de produzir no Brasil. Cresceu também o protecionismo, com efeitos similares às Regras de Conteúdo Local: aumentam os custos dos produtores ao dificultar o acesso a insumos baratos e de qualidade vindos de fora, além de insular os produtores de bens finais (como os da indústria automobilística, ainda nascente aos 60 anos, como diz Marcos Lisboa).

A intermediação financeira não foi melhor. O governo tentou aumentar a competição, mas de forma artificial e sem atacar os problemas de fundo, como a insegurança jurídica. Resultado: Caixa descapitalizada, Banco do Brasil com balanço estressado e spreads bancários no mesmo (e alto) nível de antes, conforme previmos em artigo no Estadão em abril de 2012.

Nas licitações públicas e de empresas estatais, como a Petrobáas, a menção a arranjos de cartelização são recorrentes, muitas vezes combinados com corrupção. Em “Corruption and Competition in Procurement Auctions”, Thierry Verdier e coautores mostram que a corrupção facilita a cartelização. De fato, arranjos colusivos se deparam com uma restrição: devem inibir a tentação de seus participantes de trair o cartel e cobrar menores preços. Como a possibilidade de corromper um comprador reduz os incentivos para que fornecedores cobrem preços menores, a corrupção torna menos relevante essa restrição com a qual um cartel se depara e, portanto, facilita a coordenação dos fornecedores em um arranjo colusivo. Segue, portanto, que o combate à corrupção, por si só, aumenta a competição em licitações.

Estimular a competição também requer o desenho adequado dos leilões, de maneira a encorajar a participação e induzir que os participantes façam lances efetivos. Os fatos de ter havido somente um lance no leilão de Libra, e nenhuma oferta pela concessão da BR-262 sugerem haver pouca competição

O BNDES aumentou seu balanço e o fez de maneira não competitiva,

ignorando sinais de preço: ao conceder empréstimos com taxas subsidiadas a projetos que não as justificam, inflou-se artificialmente o retorno de atividades não necessariamente de maior produtividade.

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no mercado de grandes PPPs; os poucos concorrentes no último leilão 4G e ausência de lances por determinados lotes no leilão de linhas de transmissão da Aneel durante o período de limitação de retorno dos projetos também mostram que vamos mal nesse quesito. Lembrando: dada a precariedade da nossa infraestrutura, todos esses leilões deveriam ter sido sucessos estrondosos.

Mesmo quando as licitações pareceram competitivas, como no caso das concessões aeroportuárias, a análise cautelosa sugere o contrário. Pelas regras desenhadas, a Infraero retém 49% de participação nas concessões. Isso possivelmente torne a operação desejável para o parceiro privado (o que induzirá maior competição no leilão), mas pelos motivos errados. Matéria do Valor, de 26 de novembro de 2014, mostra a preocupação de que parte dos retornos dos concessionários venha da

contratação de partes relacionadas para a prestação de serviços a preços inflados (não competitivos). Como em qualquer situação na qual não haja competição, a conta sairá mais cara. Sendo a Infraero o sócio generoso, pagará a conta o Tesouro. Além disso, haverá uma peculiar distorção na alocação de recursos. Podendo contratar partes relacionadas contando com o bolso alheio, haverá excesso de investimento.

Sem aumento de produtividade, não conseguiremos crescer de maneira significativa. Interesses privados e cartoriais que preservem de maneira artificial barreiras à competição inibirão nosso crescimento potencial e os ganhos de bem-estar que isso gera. Combater esses interesses de poucos em defesa da maioria talvez seja a nossa tarefa mais importante como acadêmicos, policy makers e cidadãos.

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Competitividade vem de competição, não de proteção. É preciso combater o hábito de formular políticas de proteção com subsídios e barreiras comerciais direcionadas a favorecer setores ou mesmo empresas específicas. Antes de mais nada, não há base moral para que um governo que deveria atuar de forma isonômica eleja campeões nacionais sem justificar por que um setor ou empresa foi escolhido. Justificativas habituais são traídas pela própria forma da política empregada: o argumento de proteção à indústria nascente, por exemplo, deveria levar naturalmente a políticas com fim definido, e não à presunção de que sempre haverá um novo plano para os próximos 12 anos. Políticas que visam ostensivamente a promover a adoção de novas tecnologias apenas transferem a crítica que fiz da empresa para o produto: por que o país deve apostar em carros com motores a combustão mais eficientes, e não em carros elétricos ou bicicletas?

É sempre bom lembrar que a teoria econômica tem uma mensagem clara sobre eleições de campeões nacionais. O esforço de puxar uma perna para cima faz com que a outra perna afunde ainda mais, e ao se debater o país afunda cada vez mais no poço de areia movediça da baixa produtividade.

O que há que se fazer é estabelecer políticas horizontais que permitam que a competição aconteça, e traga com ela os ganhos de produtividade que queremos. Isso requer vigilância e emprego das ferramentas de política antitruste; mas mais que isso também. Como afirmou T. Bresnahan, “o objetivo deve ser garantir eficiência dinâmica, não eficiência estática no presente, (…). O subobjetivo de política não deve ser decidir qual tecnologia, estrutura da indústria, ou outro resultado deve prevalecer. Ao invés disso, a política deve buscar a influência dos consumidores na escolha dos resultados.”1

Esse artigo se organiza da seguinte forma: a seção seguinte articula essa visão de eficiência dinâmica. A segunda parte avalia alguns elementos da substancial agenda de reformas microeconômicas proposta e em 1 - No original, “The goal should be to insure dynamic efficiency, not static efficiency in the present (…). The immediate policy subgoal should not be deciding which technology, industry structure, or other outcome is right. Instead, policy should attempt to maxing the influence of demanders in determining outcomes.” Timothy Bresnahan, New Modes of Competition: Implications for the Future Structure of the Compute Industry, Junho de 1998, p. 3.

COMPETITIVIDADEE COMPETIÇÃO

Leonardo Rezende PhD em Economia pela Universidade Stanford, professor associado da PUC-RJ

Subsídios e barreiras favorecem os que foram protegidos, mas prejudicam

todos os outros – e o prejuízo é sempre maior do que o beneficio.

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boa parte implementada pelo Governo Temer, em particular as medidas anunciadas pelos Ministério da Fazenda e Planejamento em dezembro de 2016.2

O diagnóstico geral é de substancial concordância com os princípios propostos aqui, mas há também sugestões de melhorias pontuais.

Eficiência Dinâmica

Políticas de estímulo à produtividade devem buscar tanto a eficiência estática através de competição agora, quanto eficiência dinâmica através da competição Schumpeteriana. O primeiro tipo de política busca fazer com que as empresas existentes compitam através de preços mais baixos e maior qualidade, enquanto o segundo se preocupa em garantir que a economia possa evoluir, com a entrada de novas firmas, novos produtos e novos mercados. Não há necessariamente contradição entre essas políticas, embora em certas circunstâncias medidas o primeiro tipo de competição possam prejudicar o segundo.

Uma excelente forma de ilustrar a diferença entre os modos de competição é através da indústria de computadores. O arranjo típico é a presença de uma firma com forte dominância em cada segmento, seja por vantagens tecnológicas ou externalidade de renda; do ponto de vista estático, parece se tratar de uma indústria com pouca competição. Mas ao longo do tempo lideranças vão mudando, na medida em que com o avanço da tecnologia a importância de cada segmento se

2 - Crescimento, Produtividade e Desburocratização”, apresentação de 15 de Dezembro de 2016.

transforma: de IBM para Microsoft e Intel, e então Apple, Google, Amazon e Facebook. A indústria foi alvo de alguns dos maiores litígios antitruste, cujo efeito no entanto não foi o desejado: o caso Microsoft por exemplo não levou a uma quebra do monopólio de sistemas operacionais para PC, que continua dominado pelo Windows; por outro lado, Linux é hoje o sistema operacional instalado no maior número de processadores, e a Microsoft ocupa “apenas” a terceira posição na lista de maiores empresas do mundo.

Me parece que as autoridades antitruste devem prosseguir atuando, mas com consciência desse modo de competição dinâmica. Medidas que busquem reduzir barreiras à entrada de novas firmas são, portanto, altamente desejáveis em ambos os modos de competição. É importante observar que essas medidas podem ser benéficas mesmo quando a entrada de novas firmas não ocorre, já que a pressão competitiva pode levar ao desenvolvimento de novos mercados ou melhor conduta das empresas incumbentes.

Igualmente importante é introduzir, quando possível, reformas para reduzir economias de escala que conduzem configurações mais concentradas. Pode ser possível, por exemplo,

Que lições tirar dessa história? Não necessariamente que inação

é a melhor opção; os esforços de intervenção apesar de não terem o efeito imediato esperado talvez tenham contribuido positivamente para a evolução da indústria.

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eliminar economias de escala associadas ao controle da informação, como discutiremos abaixo no mercado de crédito.

A possibilidade de competição dinâmica nos obriga a ter consciência de que a indústria pode evoluir de forma inesperada; é, portanto, desejável evitar remédios que presumam que o ambiente atual não vá mudar, como por exemplo, a fixação de preços, ou o estabelecimento de condutas para as empresas dominantes, que no futuro próximo podem já não ser as mesmas. Veremos um exemplo dessa versão na crítica de Lucas sobre o mercado de cartões de crédito.

Medidas de Desburocratização

Estão sendo implantadas diversas medidas de desburocratização, inclusive especificamente para a simplificação e registro de empresas, todas na direção certa de aumentar o dinamismo da economia brasileira. Difícil argumentar que essas medidas bastem, na ausência de uma reforma tributária que simplifique e racionalize o sistema existente.

Difícil evitar também que o debate, quando vier, se transforme num cabo de guerra entre os que buscam ampliar o volume arrecadado e os que buscam reduzir a carga tributária.

Além dos efeitos sobre os custos operacionais de conformidade, há também potenciais efeitos distorcivos: quando a alíquota do

imposto não incide de forma uniforme, isso leva a distorções nas decisões de empresas e cidadãos que geram ineficiências tangíveis.

Num recente trabalho3, Juan Rios adaptou métodos de estatística eficiente em finanças públicas para estimar o efeito desse tipo de distorção no relativamente insuspeito Programa Bolsa Família, que conta com uma descontinuidade causada pelo limite de renda para participação. Examinando a reforma implementada em 2014, ele conclui que na margem 12% dos recursos adicionais transferidos foram desperdiçados. Provavelmente desperdícios ainda maiores ocorrem na tributação de empresas, dada a complexidade das regras.

Medidas no Mercado de Crédito para a Redução do Spread

As taxas de juros são tão altas no Brasil por que há poucas garantias para credores e forte inadimplência ou por que há grande concentração e pouca competição efetiva? A concentração vem do fato de que grandes bancos têm uma vantagem substancial de informação sobre potenciais tomadores ou por que a regulação impõe barreiras excessivas aos entrantes?

Cadastro Positivo

O governo tem introduzido medidas que atuam sobre todas essas potenciais causas. Tem atuado para reduzir economias de escala baseadas em vantagens informacionais, com a mudança na Lei do Cadastro

3 - Juan Rios, “Welfare Analysis of Transfer Programs with Jumps in Reported Income: Evidence from the Brazilian Bolsa Familia”, Stanford University, January 2018.

Há, no entanto, espaço para consenso em medidas que reduzam a complexidade

dos tributos.

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Positivo. Vale observar que a lei original “não pegou” não apenas por inércia dos consumidores, mas principalmente pelo próprio desinteresse dos bancos em promover o compartilhamento de seus cadastros – o que sugere, numa interpretação otimista, que a redução dessas vantagens informacionais pode vir a ter um impacto substancial no mercado.

Duplicata Eletrônica e Trava Bancária

Outra medida importante foi a Lei da Duplicata Eletrônica, que amplia a oferta de garantias de empréstimo para pessoas jurídicas. Sabemos o impacto que maiores garantias podem vir a ter no mercado de crédito, como as reformas anteriores do consignado e da alienação fiduciária.

No que diz respeito a empréstimos lastreados em recebíveis de cartão, é importante atentar também para o dispositivo da trava bancária, realizado pela Câmara Interbancária de Pagamentos (CIP) através do Sistema de Controle de Garantias (SCG). Como implementado atualmente, o sistema trava todo o fluxo de recebíveis do lojista indpendentemente do montante antecipado, o que não permite que haja competição na provisão de crédito na margem intensiva e favorece os bancos com maior capilaridade. Alterações no funcionamento desse mercado, seja através de uma reforma do SCG, seja através da criação de registradoras com arranjos alternativos, podem ser um complemento para realizar o potencial desse tipo de colateral no mercado de crédito corporativo.

Regulação Prudencial e Fintechs

O terceiro componente potencial é a presença de barreiras regulatórias. Ao contrário de muitas das barreiras regulatórias à entrada em outros mercados, no caso de atividade bancária há uma razão clara para impor barreiras, já que aqui o regulador também tem a responsabilidade de reduzir o risco de corridas bancárias. Dentro da agenda BC+ o Banco Central tem se mostrado sensível a aperfeiçoar sua regulação prudencial, segmentado as regras de acordo com o porte da instituição. Fica aqui a sugestão no sentido de segmentar a regulação de acordo com as atividades de cada instituição. Alguém que deseja atuar apenas como credor precisa de bem menos regulação do que quem atua captando depósitos à vista do público em geral. Isso é particularmente relevante no contexto que já vivemos da chegada das fintechs, que atuam buscando entrar de forma inovadora em alguns segmentos do mercado financeiro e não em outros. A regulação precisa acompanhar essa flexibilidade.

O aparecimento das fintechs é um exemplo muito apropriado do fenômeno de competição Shumpeteriana discutido no início do artigo. O que se deve evitar, antes de mais nada, é que regulação excessiva impeça que esse impacto positivo aconteça.

As fintechs podem ter um impacto importante na eficiência do mercado

bancário brasileiro, mesmo que terminem por não alterar a concentração ou a lista de grandes players nesse mercado.

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Medidas no Mercado de Cartões de Crédito

A agenda de reformas inclui também mudanças importantes no mercado de cartão de crédito, para além do crédito na antecipação de recebíveis.

Compatibilidade entre bandeiras e credenciadoras

Um tema importante é a universalização das formas de pagamento, ou seja, a política de exigir que as bandeiras sejam compatíveis com todas as credenciadoras. A compatilidade é uma importante intervenção do CADE nesse setor, mas por razões históricas aplicava-se apenas à Visa/Visanet por força de um TCC (Termo de Compromisso de Cessação) firmado em 2009. Um indicador claro de que a compatibilidade levou a um substancial aumento de competição nesse mercado foi o desempenho da Elo, uma nova bandeira criada pelo grupo que controlava a Visanet não sujeita ao requerimento original de compatibilidade. A forte expansão da bandeira por parte de emissores vinculados à Cielo e a prática de tarifas aos lojistas substancialmente acima das cobradas por credenciadoras não exclusivas sugere que exclusividade por ser lucrativa ao reduzir a concorrência no mercado credenciador.

Recentemente, o CADE firmou um TCC para exigir a compatibilidade também da bandeira Elo, um passo importante paa garantir a competição no mercado credenciador. Um passo adicional seria estabelecer a compatibilidade para todas as operadoras, independente de TCCs individuais.

Descontos à vista

Outro elemento do pacote de reformas é a permissão para que lojistas diferenciem preços conforme meios de pagamento, o que pode introduzir uma nova dimensão de competição ao expor o consumidor a uma margem de escolha entre formas de pagamento.

Um aspecto curioso é que a medida envolveu a necessidade de promulgar uma lei, já que havia uma jurisprudência bizarra interpretando a prática como ilegal. (Em outros países há também uma “no surcharge rule”, mas essa é proveniente de regras impostas por bandeiras e credenciadoras aos comerciantes, e não fruto de ativismo judicial.) Há claramente um entendimento equivocado no campo do direito do consumidor sobre discriminação de preço. Um exemplo recente foi a denúncia por parte do Ministério Público do Rio de Janeiro contra a Decolar.com; se prosperar o entendimento de que discriminação de preços em passagens aéreas é crime, viveremos um novo apagão aéreo, com todas as agências de viagens e todas as companhias aéreas tendo sérios problemas legais.

Redução do Prazo

A terceira medida anunciada em 2016 pode, inadvertidamente, ter o efeito o oposto de reduzir a competição no mercado de crédito corporativo e de emissão e credenciamento de cartões. Trata-se da ideia de reduzir o prazo de recebimento de recebíveis pelo lojista.

No Brasil, lojistas recebem as vendas por cartão de crédito apenas 30 dias após a venda. Quando o comprador paga a fatura

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integralmente, seu credor efetivo é o lojista, não o emissor. O emissor, tipicamente o banco que tem relacionamento com o usuário, tem apenas o papel crucial de avaliar o crédito do consumidor. O lojista, que tem o interesse direto na concessão de crédito (já que lucrará com a venda) é o responsável imediato por prover o crédito. O arranjo reparte responsabilidade de acordo com o interesse e competência de cada ator, e funciona eficientemente, desde que haja um mercado competitivo de antecipação de recebíveis.

Sob essa ótica, a medida proposta colapsa as duas atividades numa só, expulsando do mercado agentes interessados em atuar apenas como emissores (por que têm expertise em avaliar usuários, mas não desejam incorrer em custo de capital de prover o crédito integralmente) e aquele interessados apenas prover crédito lastreado em recebíveis aos lojistas (uma atividade hoje desvinculada do risco de crédito dos usuários). Essa verticalização forçada tornaria o mercado de cartão de crédito menos contestável, obrigando potenciais entrantes a realizar as duas atividades necessariamente.

Observações Finais

Nesse artigo, buscamos comentar um subconjunto admitidamente incompleto de medidas na agenda de reformas microeconômicas recentemente propostas e em grande parte já implementadas com o objetivo de promover a competitividade, comparando com alguns princípios que buscam promover o que Bresnahan chamou de eficiência dinâmica. O veredito é bastante positivo: apenas uma das propostas foi criticada nesse exercício conceitual.

O próprio exercício conceitual, por sua vez, está sujeito a uma óbvia e importante crítica: a ausência de avaliação empírica do efeito dessas medidas. Por maiores que sejam os méritos de uma proposta no papel, seu efeito prático pode ser sempre menor do que o esperado, ou suscitar efeitos inesperados pela teoria. Atrás dessa agenda de reformas, vem, portanto, uma ampla agenda de avaliação desses efeitos, que espero que seja realizada em colaboração entre acadêmicos, policy makers e atores privados.

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A Grande Depressão, a crise da queda da bolsa americana de 29, gerou uma situação inusitada na economia. A economia americana passou a operar com elevadíssima taxa de ociosidade. Desemprego próximo de 25% da força de trabalho e grande queda do produto.

O caso da grande depressão norte americana representa, provavelmente, um dos poucos casos em que um problema muito complexo teve solução relativamente simples. Ao menos de implementação simples. De fato, não foi simples a construção da teoria que produziu o entendimento do fenômeno e permitiu a adoção das políticas que solucionaram o problema.

Keynes percebeu que, nessa situação, a política macroeconômica – que àquela época não existia – poderia estimular a demanda agregada e, com ela, levar a economia novamente à situação de pleno emprego.

Assim, a melhor receita em um contexto de alto desemprego, forte perda de produto, risco deflacionário e juros nominais muito baixos ou nulos, seria estimular a economia com o gasto público. Mesmo que esse fosse

para construir as pirâmides do Egito ou para cavar buracos e, em seguida, tampá-los.

A renda paga aos trabalhadores nessas atividades geraria demanda por consumo, que estimularia a contratação de trabalhadores e o funcionamento de capacidade produtiva que até esse momento encontrava-se ociosa. O crescimento surgiria como que por encanto. Ainda melhor, o endividamento produzido para financiar o gasto com os trabalhadores que construiriam as pirâmides ou cavariam as valas para em seguida enterrá-las seria mais do que compensado pelo crescimento econômico. No final do processo, a dívida como proporção do produto da economia reduzir-se-ia.

CRESCIMENTO ECONÔMICO: FENÔMENO MACROECONÔMICO?

Samuel Pessoa Doutor em Economia pela Universidade de São Paulo (USP), sócio da Reliance Consultoria em Investimentos, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV-RJ e colunista do jornal Folha de São Paulo

Para uma economia que sofre uma queda acentuada da demanda

e, por esse motivo, experimenta desemprego aberto e grande queda na produção, a receita é: apertemos os botões da política macroeconômica. Juro para baixo e déficit público para cima.

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A solução foi tão engenhosa e, no caso, tão simples que houve tentação para que todos os problemas econômicos fossem tratados dessa forma. Entramos em uma época de engenharia econômica. Apertos de botões resolveriam nossos problemas.

Assim, o problema da superação do subdesenvolvimento passou a ser tratado como se fosse um problema de engenharia econômica. Subdesenvolvimento seria resolvido apertando-se o botão do capital, e, portanto, a prescrição foi subsidiar a acumulação de capital; ou com forte acumulação de capital humano; ou ainda estimular a indústria de transformação; etc. O subdesenvolvimento resultava de alguma falta e a eliminação dessa falta contribuiria para a superação do subdesenvolvimento. O subdesenvolvimento era visto essencialmente como um fenômeno macroeconômico.

Essa visão mecanicista do processo de desenvolvimento econômico vigorou do pós-guerra até os anos 70. A partir da segunda metade dos anos 80, as organizações multilaterais, principalmente o Banco Mundial, começaram a questionar esse enfoque. Simultaneamente, os trabalhos do historiador econômico Douglas North passaram a ser mais conhecidos nos departamentos de economias.

Hoje, a visão majoritária é que o desenvolvimento econômico é essencialmente um fenômeno microeconômico. O desenvolvimento resulta da adoção de instituições que o promovam.

Evidentemente, esse enunciado é muito geral e não tem aplicação imediata. Cada sociedade tem o desafio de adaptar esse enunciado à sua história e realidade específica.

Ainda são muito populares no Brasil visões de que o crescimento econômico é uma questão macroeconômica. Por exemplo, entre os autodenominados novos-desenvolvimentistas o crescimento depende do câmbio e da taxa de juros no lugar correto.

A ideia novo-desenvolvimentista é que a indústria de transformação é o setor que lidera o crescimento e que políticas que elevem a participação da indústria no produto aceleram o crescimento. Assim, se a formulação da política macroeconômica atuar para desvalorizar o câmbio nominal e simultaneamente baixar os juros, a economia encontrará um equilíbrio com maior participação da indústria no produto e, portanto, maior crescimento. Temos uma nova versão da visão mecânica do crescimento econômico. Sem melhorar as instituições, sem melhorar a qualidade da educação, sem melhorar a alocação do investimento ou a eficiência do setor público em geral colhe-se, fruto dessa política, mais crescimento.

Como escreveu Douglas North, o desenvolvimento ocorre sempre que as

instituições vigentes em uma sociedade alinharem os retornos privados que advém das ações dos indivíduos aos retornos sociais dessas mesmas ações.

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Há alguma evidência empírica de que as coisas podem transcorrer dessa forma desde que o processo de valorização do câmbio nominal não seja corroído pela inflação e, portanto, gere uma desvalorização do câmbio real e consequente elevação da relação câmbio-salários. A mecânica é relativamente simples e já havia sido tratada formalmente no modelo de Kaldor-Pasinetti dos anos 60: a desvalorização do câmbio real reduz o salário e eleva a participação dos lucros na renda e a taxa de poupança, dado que os capitalistas poupam mais. A maior poupança gera maior investimento e crescimento. O efeito é bem pequeno e pode ser, para efeitos práticos, desconsiderado.

A produtividade desses países é elevada, entre outros motivos, pela qualidade da educação, medida pelo alto desempenho dos alunos em provas de proficiência. Adicionalmente, a participação da indústria no PIB é elevada em função da poupança ser muito elevada. A poupança é muito elevada pois essas economias não configuram Estados de bem-estar social amplo e abrangente. As famílias poupam para fazer construir um fundo que permita que elas enfrentem as incertezas típicas de uma economia de mercado: doença, perda de capacidade laboral com o envelhecimento, desemprego e incapacitação.

Ou seja, a elevada participação da indústria no PIB das economias do leste asiático é consequência da elevada taxa de poupança, e não causa da elevada taxa de crescimento dessas economias.

Assim, meu entendimento é que há consenso relativamente amplo de que o processo de desenvolvimento é um fenômeno microeconômico e institucional. Não há atalhos ao desenvolvimento.

É comum as pessoas apontarem os países do leste asiático como países

que crescem muito em função da elevada participação da indústria no produto. No entanto essas pessoas invertem a causalidade. Esses países crescem muito pois a produtividade é muito elevada em todos os setores, inclusive indústria de transformação e serviços.

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A 4ª. Revolução Industrial baseia-se na fusão de diversas tecnologias (Inteligência Artificial, Internet das Coisas – IoT, Sistemas Ciber-Físicos – CPS, Biologia Sintética, etc), configurando-se como um movimento com forte integração com a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação. O rápido avanço e disponibilização destas tecnologias tem caracterizado a mudança disruptiva em diversos segmentos econômicos. Comumente chamada também de “Indústria 4.0”,a 4ª. Revolução Industrial tem por definição a utilização de tecnologias digitais associadas com outras tecnologias na estrutura industrial recente, permitindo ganhos de escala, maior eficiência, customização em massa e novos processos fabris.

Nesse contexto, para alcançarem novos patamares de produtividade e competitividade as empresas precisam incorporar essas novas competências tecnológicas e de negócios, diante dos avanços trazidos pela indústria 4.0. Muito mais do que uma política tecnológica, a visão da 4ª. Revolução Industrial possui uma agenda de economia e produtividade, com grandes impactos sociais.

Como nossa indústria está se preparando para esta 4ª. Revolução Industrial? Um bom começo de análise seria avaliarmos o nível de robotização do tecido industrial nacional. Conforme relatório da International Federation of Robotics (IFR), o mercado mundial de robôs industriais totalizou 294.312 unidades em 2016, com 74% do volume concentrado em cinco mercados: China (30%), Coréia do Sul (14%), Japão (13%), Estados Unidos (11%) e Alemanha (7%) (IFR, 2017a, p. 16). A defasagem do Brasil é imensa neste quesito: adquirimos 1.207 unidades em 2016, representando menos de 0,5% da demanda mundial, sendo que o país possui 10 robôs/10.000 empregados, contra 71 robôs/10.000 empregados na média mundial, existindo casos de países com 500-600 robôs/10.000 empregados.

A 4ª. Revolução Industrial é, a nosso ver, necessariamente transfronteiriça. Pela sua íntima correlação com as tecnologias de comunicação modernas – cuja dinâmica e agilidade não têm paralelo na história humana – nos parece essencial a compreensão de que estratégias que tentam erguer “muros” domésticos estarão mal direcionadas. Ou, em outras palavras, a internet não respeita fronteiras, sendo fundamental uma maior conexão global de nossa economia para uma melhor alocação dos investimentos, ampliando a formação bruta de capital fixo da economia brasileira.

A IMPORTÂNCIA DA INDÚSTRIA 4.0PARA O BRASIL

Rafael Moreira Secretário de Inovação e Novos Negócios no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC).

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Quanto mais atrasos o Brasil acumular, o catching up de nossa economia no futuro se tornará ainda mais difícil. O Brasil corre o risco se se tornar um mero consumidor e usuário de tecnologia digital, não nos diferenciando em termos de competitividade. Todos os modelos de negócios estão sendo “disruptados” e no plano industrial vivemos uma clara “destaylorização” das fábricas e uma “servicização” da indústria. Além disso, assistimos ao declínio das cadeias globais de valor com a perda de relevância da territorialidade no processo decisório de investimento. Fatores locacionais clássicos como salários baixos ou custos baixos de produção são cada vez menos decisivos nas decisões de investimentos.

Neste aspecto, podemos identificar que outros países estão avançando rápido na robotização e digitalização de suas indústrias, como é o caso da China (China Manufacturing 2025), França (Industrie du Futur), Japão (Society 5.0) e Alemanha (Industrie 4.0), com políticas arrojadas para uma rápida transformação da indústria em direção ao paradigma da 4ª. Revolução Industrial, dosando medidas que apoiem a geração destas tecnologias em suas economias, mas também privilegiando a rápida adoção tecnológica à jusante em diferentes cadeias produtivas.

Neste contexto, o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) anunciou, em março passado, a Agenda Brasileira para a Indústria 4.0, envolvendo comércio internacional, políticas de pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem como uma nova geração de políticas industriais no Brasil, lidando com temas como facilitação de comércio, harmonização regulatória, apoio ao desenvolvimento de startups, formação e requalificação de recursos humanos, políticas transversais, adequação de normas de segurança do trabalho, incentivos em contrapartidas de P,D&I e abertura econômica.

A Agenda Brasileira para a Indústria 4.0 é resultado de debate com o setor produtivo nacional, liderado pelo MDIC ao longo de 2017. As medidas contemplam ações que vão da difusão deste novo conceito, passando por medidas de abertura comercial, até a disponibilização de linhas crédito mais acessíveis para que indústrias de todos os portes possam investir na adoção ou geração de novas tecnologias.

Como concepção, espera-se que tais iniciativas impulsionem a indústria 4.0 no Brasil, seguindo alguns casos práticos de aplicação, orientados para as seguintes questões técnicas: (a) Gêmeo digital (“digital twin”): refere-se ao modelo digital de um produto ou processo produtivo que inclui especificações de design e modelos de engenharia, envolvendo diversas etapas do processo de fabricação e distribuição; (b) Conectividade: projetos de engenharia que visem ampliar a conectividade por meio de sensores, atuadores e interfaces que otimizem a comunicação entre máquinas, sistemas e dispositivos; (c) módulos inteligentes de produção: pesquisa e desenvolvimento de ativos de produção modular e flexível, integrando fluxos distintos de produção; (d) tecnologias de visualização: utilização combinada de tecnologias de visualização (AR/VR, apps, dispositivos móveis, etc) para a

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tomada de decisão e execução de processos de manufatura; (e) produção flexível: incorporação de processos de produção flexível tais como manufatura aditiva, ampliando a flexibilidade da produção; (f) sistemas de manufatura (MES) e integração: integração de sistemas ciber-físicos em diferentes níveis e linguagens de máquinas, permitindo a entrega de componentes “just-in-sequence”; (g) manutenção preditiva: monitoramento remoto de máquinas com a utilização de tecnologias de big data e inteligência artificial para reparos e manutenções preditivas; (h) logística autônoma: sistemas capazes de operar soluções logísticas automatizadas; (i) novos materiais e biologia sintética: oportunidades de exploração da farta biomassa e biodiversidade brasileiras em cadeias produtivas específicas; e (j) Otimização centrada em dados: análise de dados em processos produtivos com fito de maximização de insumos utilizados nos processos produtivos.

Sabendo que o aumento da produtividade da indústria brasileira é uma das prioridades nacionais, em que pese, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a queda contínua da produtividade nos últimos 10 anos em comparação com outras nações competidoras, a adoção de tecnologias para a indústria 4.0 é urgente para que a defasagem tecnológica não amplie ainda mais este cenário negativo.

Dessa maneira, tal Agenda busca o desenvolvimento de uma indústria 4.0 no Brasil fortalecendo a jornada das empresas industriais rumo ao conceito da 4º Revolução Industrial. Com isso estaremos aumentando a competitividade da indústria brasileira, permitindo os saltos tecnológicos exponenciais advindos deste novo mundo 4.0.

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A emergência e consolidação da 4ª Revolução Tecnológica representa um desafio vital para a indústria brasileira, debilitada pelas sucessivas crises macroeconômicas, desequilíbrios estruturais e ambiente institucional adverso que marcaram a economia e sociedade brasileira nas últimas décadas.

Mas tem sobrevivido, e é justo reconhecer que isto se deve também à resiliência do empresariado e à sua capacidade para ajustar-se às circunstâncias adversas, aproveitar algumas vantagens advindas de uma política industrial

míope e as oportunidades que surgiram nos curtos ciclos de expansão da economia que ocorreram no passado recente para ganhar algum fôlego e tempo de sobrevida.

Trata-se, sem dúvida, de um empresariado empreendedor e inovador, mas que no contexto do país tem usado - e talvez desperdiçado - seu talento para assegurar certa proteção em relação aos concorrentes externos e simplesmente se acomodar a um contexto doméstico profundamente adverso. Para sobreviver!

A questão que se coloca, e que é crucial para o país, é se conseguirá sobreviver à 4ª Revolução Industrial. Crucial porque, a despeito do potencial do setor primário e da tendência de crescimento dos serviços, é ilusão - e enganação - pensar que um país com o tamanho, população e desequilíbrios sociais do Brasil pode se desenvolver sem contar com uma indústria sólida, dinâmica e competitiva. E a resposta é simples: sem mudanças de atitude, nas políticas, no contexto e nas instituições não há futuro para a indústria brasileira.

DESAFIOS PARA A INDÚSTRIA 4.0: ALÉM DA ECONOMIA

Antônio Márcio Buainain Professor do Instituto de Economia da Unicamp, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED), do Laboratório de Estudos sobre Organização da Pesquisa e da Inovação (Geopi/Unicamp) e do Núcleo de Economia Agrícola e Meio Ambiente (NEA/Unicamp).

A indústria tem sobrevivido, salvo notáveis exceções, à base de proteções e

incentivos insustentáveis do ponto de vista fiscal, ineficientes do ponto de vista da alocação de recursos públicos, ineficazes do ponto de vista dos resultados pretendidos e insuficientes para assegurar competividade no contexto de uma economia crescentemente globalizada.

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Mais do que os aspectos tecnológicos que singularizam a chamada indústria 4.0, gostaria de indicar alguns pontos mais gerais que permitem melhor qualificar o tamanho do desafio atual e dos obstáculos políticos e econômicos a serem enfrentados.

O primeiro se refere à centralidade da inovação e à mudança radical no processo inovativo que alimenta a dinâmica competitiva da indústria 4.0. Não é novo que as inovações que simbolizam o êxito de algumas empresas, ou marcam certas épocas, sejam o resultado de certo número de invenções/inovações intermediárias. E tampouco é novo que as inovações envolvam a aplicação de conhecimento oriundo de muitas áreas e combinem tecnologias às vezes bem específicas, que seguem trajetórias evolutivas próprias. E finalmente, também não é novidade o fato de as empresas inovadoras buscarem conhecimento e tecnologia gerados fora de seus laboratórios para viabilizar seus projetos e sustentar o drive inovador.

O que parece ser novo, talvez radicalmente novo pelas implicações que pode ter para os países, políticas públicas e empresas, é a intensidade e profundidade destes processos. Já não estamos falando de combinar duas ou três aplicações tecnológicas ou de contar com a colaboração externa de especialistas de uma ou duas áreas diferentes para viabilizar soluções inovadoras. Trata-se de um processo que é intrinsicamente fragmentado e se desenvolve em rede, envolve um grande número de instituições de pesquisa das mais diferentes áreas, empresas de diferentes portes, em diferentes países e continentes.

Estamos falando de inovações que resultam da combinação de robótica, big data, tecnologia da informação e comunicação (TIC), digitalização, internet das coisas, química ultrafina e novos materiais, dentre outras tecnologias avançadas. Tais tecnologias vêm se renovando em um ritmo frenético, que tornam obsoletas hoje as invenções e inovações de ontem, e que são suficientemente fortes para desbancar hoje as até ontem sólidas posições competitivas ocupadas por algumas empresas.

A radicalidade da fragmentação do processo de inovação tem impactos importantes. De um lado, eleva o risco e a incerteza que sempre caracterizaram a inovação, o que abre espaço para a emergência de novos atores, mais ousados e que tenham menos a perder com o fracasso, e exige mudança de atitude das empresas e arranjos de financiamento apropriados.

De outro, modifica as competências necessárias para se manter vencedor. No mundo 4.0 já não é suficiente ter competência própria em algumas áreas de especialização mais relevantes para a empresa; é preciso desenvolver capacidade para conhecer o que

O Estado continua um ator chave, mas cresce o papel dos atores privados

no financiamento, em particular de fundos de investimento com capacidade de assumir riscos elevados e acompanhar o ciclo de desenvolvimento e transformação de ideias em produtos.

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está ocorrendo em muitas outras áreas, para identificar ideias e tecnologias promissoras, mobilizar parcerias estratégicas em P&D, adquirir patentes e licenciar tecnologias. É preciso ter rumo, projeto, saber planejar, executar e comprar. Gestão de conhecimento e inovação passam a ser ativos muito valiosos para as empresas, mesmo as pequenas e de médio porte que não estejam na vanguarda do processo inovativo.

O segundo aspecto se refere à geografia do processo de inovação e de produção da indústria 4.0, que está inserida - de forma radical - em cadeias globais de valor. A globalização da inovação e do processo produtivo torna mais que obsoleto o paradigma da indústria nacional, que ainda vem guiando não apenas a política industrial brasileira, como também corações e mentes de muitos políticos e acadêmicos influentes, de formuladores de políticas públicas e de empresários.

O processo de produção e de inovação é global, conformado em redes formais e informais espalhadas em múltiplos países.

A globalização da inovação se refere também

ao perfil da mão de obra demandada, o que coloca para o Brasil um desafio que vai além de formar recursos humanos qualificados: é preciso atrair e reter mão de obra qualificada em diferentes países, inclusive no próprio Brasil. Trata-se de um problema sério porque, salvo exceções, nossas instituições se mantêm relativamente fechadas e as regras vigentes estão longe de facilitar o intercâmbio de cérebros. Basta conferir a presença irrisória de professores e pesquisadores estrangeiros nas universidades brasileiras. E de brasileiros que trabalham no exterior e que interagem com instituições e colegas brasileiros.

O fato é que, até hoje, a despeito de alguns esforços, não se conseguiu consolidar, no Brasil, um sistema de inovação efetivo e nem criar um ambiente favorável à inovação. Em grande medida, as empresas e as instituições de pesquisa continuam se olhando com preconceito - alguns fundados e outros nem tanto; o Estado continua tratando CT&I com regras de administração pública inadequadas e com visão de curto prazo, via incentivos fiscais e tributários à inovação privada que apenas reduzem o custo de realizar o que, muito provavelmente, seria executado independente dos benefícios.

A recente aprovação, sanção e regulamentação do novo marco legal da CT&I representa um avanço institucional promissor, que complementa a Lei da Inovação, de 2004. Mas cultura não se muda e nem se desenvolve por decreto, e só o uso dos novos espaços de cooperação entre os atores do Sistema Nacional de Inovação (SNI) e das inovações

Em nome do “desenvolvimento nacional” e dos “interesses do país”,

seguimos alimentando a cultura e atuação de muitas instituições e organizações de representação corporativa com suficiente peso e prestígio para influenciar os rumos das políticas em geral.

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institucionais introduzidas poderá transformar em realidade as mudanças legais.

A viabilidade e o desenvolvimento da indústria 4.0 dependem, além de sólida capacidade de inovação endógena e doméstica, da possibilidade e da capacidade de se aproveitar plenamente do ambiente global e de buscar, no espaço global, soluções inovadoras, fornecedores adequados, financiamento, parceiros, gestores e até mão de obra especializada. Tudo muito distante do contexto dominante na indústria e empresa brasileira, que, ainda quando quer se abrir, sofre as restrições do ambiente institucional e das políticas vigentes no país. Políticas essas que, movidas pela boa intenção de proteger, criam na realidade dificuldades para os segmentos com elevado potencial de competir no mercado internacional.

Um terceiro aspecto relevante está relacionado à infraestrutura básica para viabilizar a indústria 4.0. Não é preciso mencionar que o Brasil não chegou a completar a infraestrutura que deu sustentação às revoluções industriais anteriores, e tampouco lembrar o significado e as consequências do déficit de infraestrutura dos séculos XIX e XX sobre a produtividade e competitividade da economia brasileira em geral, e da indústria em particular.

Múltiplos fatores, a maioria ainda presentes, explicam o chamado apagão da infraestrutura: crise fiscal; debilidade do sistema de planejamento nacional, em especial da capacidade de elaborar projetos; conflitos entre legislações; incerteza política; marcos regulatórios inadequados e uma

esquizofrenia financeira que manteve a taxa de juros reais em patamares que na prática inviabilizavam a equação rentabilidade dos investimentos privados x custos e benefícios para a sociedade.

Os insumos, produtos e serviços da indústria 4.0 não podem ser transportados em estradas esburacadas, em caminhões dançando na lama, como ocorre hoje; a “carga” a ser entregue não pode ficar esperando nos portos, deteriorando-se em filas quilométricas que paralisam o trânsito das rodovias e cidades; o processo produtivo não pode ficar sujeito a despachos burocráticos irracionais e a litígios jurídicos que resultam não apenas da falta de clareza sobre as regras do jogo, mas, muitas vezes, das disputas por prestígio e publicidade entre instituições e autoridades; as transações não podem ser penalizadas pelos elevados custos que hoje incidem sobre as atividades econômicas em geral, e a indústria em particular.

O desenvolvimento da nova base industrial requer a implantação e renovação da infraestrutura básica, em especial da rede de comunicação, que tende a ser mais dinâmica e

Comunicação e conectividade são chaves para a indústria 4.0, cujo desenvolvimento

e funcionamento requerem uma dotação de infraestruturas muito mais complexas do que as do passado, que não se improvisa e nem admite nenhum “jeitinho”, nem mesmo o brasileiro.

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menos durável do que as rodovias, ferrovias e linhões de transmissão de energia, até porque estará interagindo intensa e diretamente com as inovações 4.0 que estão apenas no início.

A implantação da infraestrutura reforça os desafios já presentes e coloca novos para as empresas, Estado e sociedade em geral. É evidente que o Estado não tem condições para, sozinho, assumir esta função, e talvez aqui se encontre um dos principais entraves a serem enfrentados. De um lado, passados mais de vinte anos do início do processo de privatização, ainda não se estabeleceu um consenso mínimo na sociedade brasileira sobre o papel do Estado. Em uma democracia na qual se espera rotatividade no poder, isso gera um nível de incerteza político institucional que dificulta mobilizar capitais privados para realizar investimentos de longo prazo. Por outro lado, ainda subsiste no Brasil o ideal de um capitalismo sem risco ou com risco baixíssimo, que quer transferir para o Estado e para a sociedade as eventuais perdas do empreendimento, e ter assegurado, contratualmente, um nível de rentabilidade como se a operação fosse um empréstimo e não um investimento de risco.

A referência aos investimentos em infraestrutura leva ao quarto ponto desta breve reflexão, exatamente sobre a necessidade de um mínimo de estabilidade macroeconômica e institucional para viabilizar os investimentos necessários. Em que pesem os progressos

registrados desde a democratização e do Plano Real, respectivamente nas esferas política e econômica, não se pode dizer que o período foi de estabilidade. Ao contrário, a regra foi a instabilidade, ainda que muitas vezes uma instabilidade controlada.

A inflação, cuja redução foi sem dúvida uma conquista a ser celebrada e mantida, manteve-se, até 2016, em patamares entre três e cinco vezes acima da média dos países da OCDE. A taxa de câmbio flutuou entre R$1,5/US$ e R$3,8/US$, sem possibilidade de hedge, dando sinalizações contraditórias para a tomada de decisão e para o próprio posicionamento estratégico das empresas sobre onde e como investir, com forte impacto negativo para indústria. Investimentos justificados em expansão da produção local foram inviabilizados por súbitas desvalorizações e vice-versa. A sucessão de ciclos curtos de crescimento inviabilizou projetos de longo prazo, transformando bons negócios em prejuízos e reduzindo o já combalido espírito animal dos empreendedores.

Está claro que a indústria 4.0 requer fluxos de investimentos de risco elevado e quase contínuos por parte das empresas, em especial nesta fase inicial, dominada por tecnologias em evolução, na maioria dos casos ainda longe da estabilidade e maturidade. A instabilidade econômica que ainda caracteriza a economia brasileira é claramente incompatível com o aprofundamento da inserção da indústria brasileira em cadeias globais de valor, seja como provedor ou comprador, e com o estabelecimento de contratos duráveis que

Sem mudança de atitude a equação 4.0 não fechará.

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regulem as parcerias nas redes de inovação e negócios que cada vez mais compõem a economia de hoje. E também inviabiliza, em grande medida, o pleno desenvolvimento da indústria e da economia em geral, até mesmo dos setores que no passado recente se beneficiaram de condições excepcionais no mercado internacional.

Diante destas ponderações, retoma-se a pergunta inicial: a indústria tem futuro no Brasil? E a resposta é simples: sim, mas a sobrevivência supõe mudanças de atitude, principalmente por parte do empresariado, nas políticas públicas, no ambiente de negócios e nas instituições. Algumas das mudanças não precisam ser radicais, e muito menos abruptas. A maioria exige tempo, em processos inevitavelmente lentos, e que por isso mesmo precisam de rumo claro, consistência e principalmente credibilidade. Educação, por exemplo, é um entrave que precisa ser equacionado, e cujos resultados só serão sentidos plenamente em alguns anos. A infraestrutura necessária tampouco pode ser construída do dia para a noite.

Não há mistério sobre o que fazer. É possível citar inúmeros documentos técnicos de vários ministérios e instituições, como ABDI,

BNDES, CGEE, CNA, FIESP, IPEA, Unicamp, FGV, INSPER, USP, UFRJ, OCDE, empresas de consultoria internacional e nacional, que analisam com propriedade o contexto e as rotas a serem seguidas. Não é o caso de detalhá-los aqui.

No plano econômico, não restam dúvidas de que a estabilidade macroeconômica e o acesso a fontes de financiamento competitivas são condições sine qua non para o desenvolvimento da indústria 4.0 e para o crescimento sustentável da economia brasileira em geral. E é evidente que, sem equacionar a bomba relógio fiscal, sinalizando a manutenção da solvência do setor público, não teremos nem estabilidade macro e nem financiamento compatíveis com a realidade competitiva dos mercados relevantes, da aeronáutica às commodities.

Da mesma maneira que não se faz omelete sem quebrar os ovos, no contexto atual é inviável elevar de forma significativa a produtividade da indústria e sua participação no comércio global sem ampliar a abertura e reduzir consideravelmente os custos de transação que oneram as empresas brasileiras e reduzem sua competitividade.

Ainda que possa parecer um contrassenso levantar o tema da carga tributária quando o Estado vive uma crise fiscal séria, é inevitável fazê-lo porque o emaranhado tributário que envolve as atividades econômicas no Brasil incide diretamente sobre a competitividade em geral, e em particular naqueles segmentos cuja produção envolve um grande número de transações e contratos no âmbito de cadeias globais de valor. É possível reduzir

Alguns choques serão inevitáveis, entre os quais a rápida abertura da

economia brasileira para estimular a modernização da base industrial e a maior integração às cadeias globais de valor.

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esse ônus, sem grandes perdas de receita para o setor público, com uma reforma para simplificar e racionalizar. Mas nenhuma reforma tributária relevante é neutra, nem em termos da distribuição do ônus entre os atores da sociedade e nem da distribuição da receita entre as esferas do setor público. Aí reside a dificuldade para realizá-la.

No plano da política pública, os dois eixos principais são a educação e inovação. De um lado, é preciso formar a população para a economia e sociedade do futuro, o que coloca um enorme desafio para um país que ainda convive com o analfabetismo e que assiste, passivamente, a tomada de importantes instituições de ensino e pesquisa — sempre em nome da defesa do interesse público - pelo mais elementar interesse corporativo. De outro, é preciso reforçar a capacidade de geração de conhecimento necessário para o domínio e desenvolvimento das tecnologias habilitadoras da indústria 4.0, da big data à inteligência artificial, dos novos materiais à internet das coisas.

A formação de recursos humanos e geração de conhecimento são condições necessárias para capacitar a sociedade e empresa brasileira para inovar. Necessárias, mas não suficientes. O Brasil já conta com arcabouço institucional e com os principais instrumentos utilizados nos países líderes para promover a inovação. Em que pesem esforços públicos (Fundos Setoriais de Ciência, Tecnologia e Inovação, Lei do Bem, Inova Empresa, programas de inovação setorial, dentre outros), e privados - entre os quais vale destacar as iniciativas da

Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) - os resultados têm sido frustrantes, o que sugere a necessidade de se rever, em profundidade, a política de incentivos à inovação.

No contexto da crise fiscal que restringe a capacidade de o setor público assumir parte relevante dos riscos da inovação, é possível pelo menos melhorar substancialmente o marco legal institucional para reduzir/eliminar incertezas que travam iniciativas de empresas que têm interesse e capacidade para investir e os empecilhos/custos burocráticos que dificultam o funcionamento do sistema de inovação. A emergência e consolidação de polos de inovação, como os de Recife, Florianópolis, Belo Horizonte e cidades do interior de São Paulo, mostra que é possível melhorar o ambiente de inovação com baixo custo fiscal.

Mas o principal obstáculo, inclusive para consolidar a necessária estabilidade econômica, está na dimensão político-institucional. Em todos os campos; educação, desigualdades sociais, inovação, segurança pública, mobilidade urbana, habitação, sustentabilidade ambiental.

O problema é que nas últimas décadas se construiu no Brasil uma visão sobre a sociedade que queremos, democrática, igualitária, justa, com amplos direitos para todos, e que está, de certa forma, plasmada na Constituição de

É preciso indicar os objetivos estratégicos, os caminhos e segui-los com persistência.

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1988, mas não uma visão dos caminhos a serem seguidos. Ao contrário, a trajetória foi de polarização e fragmentação política que se traduziu no presidencialismo de cooptação, ao qual se referiu o ex-presidente FHC.

Ainda que este regime tenha viabilizado algumas reformas e políticas importantes, o saldo é amplamente negativo. Em especial, o modus operandi no contexto de fragmentação política colocou o clientelismo, o populismo e o corporativismo - para não falar a corrupção - no centro do poder, o que inviabilizou a definição de rumos consistentes e reduziu a credibilidade das decisões, ainda quando acertadas. A fragmentação se traduziu e se traduz, diretamente, em irracionalidade do ponto de vista dos interesses mais gerais e de longo prazo, e em instabilidade institucional.

Faltam, portanto, consensos mínimos para formular e sustentar as trajetórias, e o clima de polarização político-institucional reduz a capacidade de instituições do setor público de atuar na formação destes consensos e na arbitragem de divergências, tendo como parâmetro os objetivos estratégicos do país, e não os interesses imediatos da base aliada, das corporações ou dos movimentos sociais.

O exemplo da reforma da previdência é paradigmático. Em que pesem argumentos de alguns economistas e organizações da sociedade civil para demonstrar que a previdência, sem mudança, é viável, pelo menos dois fatos são inquestionáveis: a população brasileira está envelhecendo e o sistema de previdência brasileiro é profundamente injusto. A aceitação destes dois fatos seria suficiente para estabelecer um consenso mínimo sobre a necessidade de reformar o sistema, ainda que fosse para corrigir as injustiças, e a partir daí discutir, divergir e estabelecer acordos e consensos sobre o conteúdo da reforma. Mas em praticamente todas as questões relevantes a sociedade e as instituições se mantêm no primeiro estágio: ser contra ou a favor de A ou B, por princípio, independente do conteúdo. Não é possível ser otimista em relação ao futuro do Brasil.

Resta a esperança que as eleições deste ano sejam um ponto de inflexão nesta trajetória, e criem condições para construir alguns consensos sobre o que e como fazer para restabelecer o papel desenvolvimentista da indústria brasileira.

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Estima-se que, para cada R$ 1,00 produzido pela indústria, R$ 2,30 são gerados na economia como um todo. A indústria, além de um setor estratégico, é, sem dúvida, o motor das economias e atravessa profundas e velozes transformações que aumentam de forma insólita sua potência. Países que andaram no caminho da desindustrialização há muito já iniciaram um movimento inverso e aqueles que nunca o fizeram, como a Alemanha, apresentam crescimento de forma sustentada, baixas taxas de desemprego e balanças comerciais favoráveis.

Assistimos apreensivamente, portanto, um movimento contrário na economia brasileira, em que a indústria vem encolhendo tanto em termos relativos como absolutos, sobretudo nos setores de maior valor agregado, por falta de investimento e perda de competitividade. Necessitamos urgentemente de medidas vigorosas para reverter este quadro antes que ele se torne irremediável.

O avanço cada vez mais acelerado das capacidades de processamento e armazenamento de informações digitais, em perfeita correlação com as previsões de Gordon Moore, e o avanço da aplicação de novos materiais no sensoriamento e transmissão de

dados vêm fornecendo a base tecnológica para transformações socioeconômicas igualmente ágeis e vigorosas.

Na perspectiva das possibilidades propiciadas pela chamada revolução digital saltamos da capacidade exclusiva de responder determinadas questões baseadas em certa quantidade de um histórico de dados para a produção do saber compartilhado a partir de uma quantidade quase ilimitada e instantânea de informação, hoje conhecidos como Internet das Coisas e o Big Data.

A nova barreira tecnológica a ser ultrapassada almeja o desenvolvimento de sistemas que, através da mimetização do cérebro humano, tenham a capacidade de

UMA INDÚSTRIA EM AGONIA

Humberto Pereira Vice-Presidente de Programas – Defesa e Segurança da Embraer

Igualmente de forma exponencial ao avanço tecnológico que as originou,

elevou-se a patamares inéditos nossa capacidade de cooperar e criar soluções muitíssimo melhores para produtos e serviços, consequentemente desafiando suas fronteiras e eliminando intermediações de baixo valor agregado.

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aprender, sugerir e finalmente, escolher e decidir. A inteligência artificial.

No mesmo passo da transformação digital, as soluções para a indústria vêm avançando. Desde o controle numérico e projetos digitais até a integração das cadeias de suprimento, automação, robótica e manufatura aditiva, muito já se avançou em produtividade e qualidade. A flexibilidade proporcionada pelo ambiente digital reduz tanto o tempo para desenvolver novos produtos quanto o investimento necessário para produzi-los, paulatinamente viabilizando a customização a custos de produção em massa. Ainda, os avanços na inteligência artificial nos prometem fábricas quase autônomas.

A cada dia, os produtos incorporam novas funcionalidades ancoradas em tecnologias digitais cada vez mais acessíveis, rompendo a fronteira entre produtos e serviços, e reinventando os modelos de negócio.

Primeiramente, devemos direcionar nossas academias, quer seja na produção cientifica ou formação, para a aplicação prática. Dentre as carências apontadas por várias pesquisas de instituições internacionais, a nossa falta de pessoas preparadas, tanto em número quanto em qualidade, está sempre entre os pontos de maior destaque. As regras que avaliam

nossas universidades devem incentivar a cooperação com a indústria, destinando prioritariamente recursos para projetos desta natureza.

O ambiente não favorável ao empreendimento destaca-se também como uma carência brasileira. Excesso de carga e complexidade do sistema tributário e um controle burocrático irracional corroem a competividade das empresas existentes e inibem fortemente o aparecimento de novas. Precisamos dar lugar ao óbvio já demonstrado. A redução de tarifas, internas e externas, e a simplificação do sistema aumentam a arrecadação e promovem competitividade.

Nossos preceitos norteadores do fomento para CT&I precisam de uma profunda reformulação. Além de prescindirem de uma estratégia de estado voltada pragmaticamente à geração de riqueza, nossas políticas devem operar como alavancas do investimento privado. Ou seja, ágeis, desburocratizadas e compartilhadoras do risco com o setor privado. Há espaço para um crescimento de 80% no investimento em CT&I sem que se aumente a cota do setor público.

Finalmente, a infraestrutura digital deve ser pensada e concebida também como

O Brasil precisa trazer de volta a indústria para seu mapa econômico colocando ciência,

tecnologia e inovação no centro focal de suas políticas e ações.

Modelos de cooperação e compartilhamento de risco provaram ser muito mais

eficazes pela própria natureza de sua estruturação, multiplicando ainda mais o resultado do investimento público.

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um meio de produção. Urgentes são as políticas que promovam investimento nesta infraestrutura sob a pena de perdermos o bonde da transformação digital.

As medidas acima não pretendem esgotar um tema tão complexo e apenas combatem alguns sintomas de uma doença nacional, a desconfiança que, infelizmente, se fortalece nos dias de hoje.

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O meu interesse pelo agronegócio surgiu ao detectar a necessidade dos meus pais de melhorar a agricultura. Nesse meio, as decisões costumam ser tomadas com base na intuição e no conhecimento que foi passado de geração em geração, ou até mesmo no comportamento do vizinho. Mas eu percebi a necessidade de ter fatos concretos e de entender melhor o ambiente, para tomar decisões que realmente correspondessem às necessidades da lavoura.

Os avanços da ciência e tecnologia trazidos pelas revoluções na agricultura contribuíram, significativamente, para produção de alimentos no mundo nas últimas décadas. Por meio da Revolução Verde, foi possível aprender mais sobre a agricultura, técnicas de irrigação e o uso dos fertilizantes. O plantio direto também agregou conhecimentos de como proteger nosso solo e deixar os resíduos da colheita menos agressivos. A biotecnologia, por sua vez, chegou para trazer sementes mais produtivas e a agricultura de precisão ajudou os agricultores a compreender mais sobre o ambiente de trabalho para tomar as melhores decisões.

Com essa evolução, foi possível melhorar os níveis de produtividade ano após ano,

mantendo uma média de crescimento de 2,2%. Mas é evidente que precisamos fazer mais para superar os desafios globais que temos pela frente.

As mudanças climáticas afetam a nossa capacidade de produzir alimentos, interferindo nos resultados de produtividade devido a eventos extremos cada vez mais constantes, como secas e alteração na temperatura. Segundo informações divulgadas pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas – IPCC, a produtividade agrícola pode cair 2% por década até o final do século.

Neste cenário, estimulada por forças macroeconômicas, sociais e ambientais, a agricultura digital situa-se como ferramenta essencial e gera demandas exponenciais por novas tecnologias, como veículos autônomos, robôs, internet das coisas, ciência dos dados

A DIGITALIZAÇÃO DA CADEIA DE PRODUÇÃO DE ALIMENTOS E COMO ISSO IMPACTA O SETOR DO AGRONEGÓCIO

Mariana Vasconcelos CEO e fundadora da Agrosmart, plataforma de agricultura digital líder na América Latina

Até 2050, teremos que alimentar mais de 9 bilhões de pessoas e isso significa

que será necessário aumentar nossa produção de alimentos em 70%. O uso de novas tecnologias irá nos ajudar a melhorar a eficiência nesse segmento.

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e inteligência artificial. Ou seja, a digitalização não chega apenas ao campo, mas a toda cadeia de alimentos, da genética de sementes à indústria, trazendo benefícios como ganhos de eficiência, sustentabilidade e transparência.

Os drones e os VANTS (veículo aéreo não tripulado) têm criado novas possibilidades a cada dia. Por meio de imagens, os equipamentos podem detectar falhas nas plantações, áreas com falta ou excesso de água, e onde é preciso utilizar agrotóxicos ou outro suplemento agrícola de forma muito mais precisa e localizada. Isso permite a redução da quantidade de químicos aplicados e recursos despendidos. Os avanços no sensoriamento remoto por meio de equipamentos hiperespectrais e softwares de análise de dados corroboram na obtenção de resultados significantes para agricultura de precisão.

A Internet das Coisas, que se refere ao conceito da revolução tecnológica que conecta aparelhos à internet, tem o objetivo de coletar dados, compartilhar e analisar as informações obtidas no campo, além de permitir uma tomada de decisão mais precisa, reduzindo custos.

Portanto, acredito que a agricultura digital pode ser vista como uma revolução que integra soluções que permitem entender nosso ambiente e produção para que possamos explorar o máximo potencial de cada semente. A aplicação dessas novas tecnologias e a modernização de ferramentas têm se mostrado aliadas fortes no que se refere à sucessão familiar, motivando as novas gerações a permanecerem ou retornarem ao campo.

Ao meu ver, a digitalização da agricultura está trazendo benefícios não só nos ganhos de produtividade, mas também na forma de trabalho no campo e no interesse das novas gerações em permanecer no campo, devido ao emprego da tecnologia. Tarefas simples passaram a ser realizadas por robôs, as decisões que antes eram na intuição passam a ser tomadas com base em informação precisa, com mais inteligência. Este cenário implica, portanto, em uma mudança, em que os trabalhadores do campo devem se especializar para lidar com um trabalho mais analítico e menos manual. Iniciativas que fomentam a inclusão digital ao trabalhador rural são essenciais neste momento de transição, garantindo que o profissional se adapte a essa nova realidade sem se prejudicar.

Por fim, acredito que a inclusão digital estará sempre presente no nosso dia-a-dia para profissionalizar a nova geração e ajudar no desenvolvimento de novas tecnologias capazes de combater os desafios globais relacionados à segurança alimentar e mudanças climáticas.

Esses sistemas inteligentes dão aos agricultores maior controle da produção ao

longo da safra, garantindo, por meio de diferentes dispositivos e lugares, o acesso a informações que nunca estiveram disponíveis.

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Sinto falta no Brasil de um verdadeiro pensamento sistêmico sobre os grandes desafios do país. Como exemplo disso, a grande maioria das contribuições ao debate sobre as transformações decorrentes da revolução digital e cognitiva peca pelo escopo limitado de análise das tendências e dos processos. Fomos todos educados para pensar sempre dentro de nossas caixas. São raras as brilhantes reflexões abrangentes e realmente capazes de olhar muito além do nosso campo de estudo. O livro “Automação & Sociedade: Quarta Revolução Industrial, um olhar para o Brasil” quebra essa lógica e nos oferece uma visão ampla da dinâmica das transformações em curso. Uma leitura obrigatória para quem estiver disposto a mergulhar nesse universo fascinante de um futuro que, ironicamente eu diria, já começou faz alguns anos.

A obra evita tanto utopias como distopias a respeito da brutal transformação em todos os modelos de negócios, privados ou públicos, que estão de pernas para o ar devido à revolução digital e cognitiva. Ela reconhece que a velocidade e a abrangência setorial das transformações não permitem subestimação dos seus impactos, sejam eles positivos ou negativos, sobre a sociedade. Trata com a mais absoluta franqueza

dos dilemas que estão colocados para a sociedade e para o Brasil em particular.

Ao acabar de ler essa excelente obra coletiva, nos damos conta e compreendemos que, muito possivelmente, algumas empresas fracassaram justamente porque, durante décadas, fizeram tudo absolutamente certo diante de uma lógica tradicional, mas, distraidamente, subestimaram as transformações em torno delas. Faltou-lhes visão sistêmica porque consideraram que as transformações seriam lineares como sempre foram. Por outro lado, as empresas que avançam vitoriosas nesse novo mundo souberam captar os sinais fracos registrados em seus radares. Algumas empresas perceberam que, na verdade, esses sinais fracos no radar eram os mais relevantes indicadores de que algo disruptivo estava se aproximando velozmente. Não é demais lembrar que disruptivo é aquilo que muda as regras de um jogo por vezes jogado por décadas de uma mesma forma.

UM PENSAMENTO SISTÊMICO PARA O BRASIL

Octavio de Barros PhD em Economia pela Universidade de Paris 10-Nanterre. Dirigente do Instituto República, sócio-diretor da Quantum4 Soluções de Inovação e Presidente da OMRBarros Consultoria Econômica.

Talvez o mundo já esteja polarizado entre aqueles que abraçam inteligentemente

as mudanças e aqueles que simplesmente ignoram ou resistem a elas.

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Entendo que as transformações atuais requerem que as empresas coloquem em dúvida suas certezas e avaliem os seus limites com discernimento, lucidez e humildade. O problema talvez esteja no fato de que os dirigentes de empresas, em geral, não foram formados para serem humildes e sim para serem super-heróis, sobretudo no Brasil.

Mas o mundo mudou muito com a evolução da revolução digital e cognitiva, com muita sofisticação no desenvolvimento exponencial das mais variadas áreas como Inteligência Artificial (IA), internet das coisas, computação na nuvem, ciências do cérebro, robótica, algoritmos cognitivos (machine learning), big data, blockchain, impressão 3D, biologia sintética, nanomateriais, novos materiais como o grafeno, neurociência avançada, medicina, agricultura de precisão, sensoriamento, virtualização, estocagem de energia etc.

Isso faz com que as empresas, cada vez mais, precisem se transformar em verdadeiras plataformas e os dirigentes tenham que transformar a si mesmos. As empresas mais eficientes estão o tempo todo à caça obcecada de problemas muito mais do que de soluções. Elas sabem que as maiores ameaças poderão vir de concorrentes ainda não identificados. Portanto, são capazes de identificar onde residem os desafios e as oportunidades.

Isso impõe uma verdadeira mudança cultural e uma nova governança. Estamos migrando de uma economia da posse para uma economia da experiência. Estão sendo radicalmente transformadas tanto a maneira de se produzir

como a forma de consumir bens e serviços com a economia do compartilhamento.

Estamos também assistindo à “destaylorização” das fábricas, e a agregação de valor hoje é bem diferente da do passado, visto que valor e riqueza estão na informação, matéria-prima mais importante.

Desaparecem também os limites entre o digital, o físico e o biológico, e se desmancham as barreiras à entrada em quase todos os setores de atividade. Não se trata apenas de uma questão de recursos financeiros. Estamos falando essencialmente de capital intelectual.

As inovações tecnológicas, imperativamente, impõem o surgimento de inovações institucionais subjacentes que sejam capazes de lidar com a nova realidade. O mundo do trabalho indica flexibilização crescente e perda de importância relativa do trabalho assalariado clássico. Entramos na era da economia da gratificação instantânea ou do trabalho sob demanda. Os empregos estão se tornando mais fragmentados e as carreiras mais voláteis,

A fronteira é cada vez mais tênue entre manufatura e serviços, a ponto de ser

cada vez mais difícil identificar o que é hoje em dia um emprego tipicamente manufatureiro.

A revolução digital é também um acelerador de interdependências e uma

forma de liberar energias para outros desafios.

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com ocupações temporárias vinculadas a projetos específicos por prazo determinado.

Paralelamente, a própria democracia se digitalizou, mas as instituições ainda vigentes são aquelas do século XX, portanto analógicas. Não haverá como escapar de um novo contrato social de negociação da partilha dos ganhos de produtividade e também de novos modelos educacionais que estimulem a inventividade e a criatividade para que o mundo do trabalho e, consequentemente, o mundo político não entrem em colapso.

Finalmente, em relação especificamente ao Brasil, precisamos acelerar, construir, desenvolver e diferenciar as nossas próprias plataformas digitais e não podemos correr o risco de perder relevância na dinâmica de globalização que adquiriu novos contornos

com a revolução digital e cognitiva. Hoje a globalização depende essencialmente de plataformas tecnológicas, softwares, rotinas, protocolos de gestão da produção, computação na nuvem, IA, IoT, big data etc. O país não deveria ser um mero consumidor ou usuário de commodities digitais. Isso não o diferenciará no seu desafio da competitividade. Quanto mais o país demorar a lidar de forma ousada e ambiciosa com o tema em várias dimensões, mais difícil será o catching up lá na frente.

Em resumo, hoje podemos retomar e recontextualizar a famosa frase de 1926 do poeta e filósofo Paul Valéry: “o futuro não é mais o que costumava ser”, ou, em uma linguagem mais popular, “não se fazem mais futuros como antigamente”.

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Uma das questões centrais para os formuladores de política econômica na maioria dos países é: será que mudanças tecnológicas e seu consequente efeito sobre a produtividade afetarão os empregos? A evidência histórica sugere que redução nos postos de trabalho associados a mudanças tecnológicas em determinadas indústrias é mais do que compensado pelo crescimento do emprego em outros setores da economia. Entretanto, algo diferente pode resultar das rápidas transformações que vemos hoje em dia na capacidade produtiva das máquinas e na “robotização”.

Essas transformações estão sendo acompanhadas de profundas mudanças na organização das estruturas produtivas e na reorganização de contratos sociais, levantando questões sobre a própria definição de “emprego”. Por exemplo, até onde vão as atribuições das empresas na produção de bens e na prestação dos seus serviços? Essas questões afetam também o desenho da rede de proteção social. Outro exemplo: como ficarão os atuais benefícios providos pelos empregadores ou pelo governo, como salário mínimo, horário de trabalho, seguro-desemprego, etc.?

Deixe-me falar um pouco sobre como tenho me posicionado neste debate nas reuniões do G20. Para se pensar sobre estes temas, é importante ressaltar o efeito diverso da utilização dessas novas tecnologias em diferentes setores da economia e grupos sociais. Um aspecto a se destacar é que indústrias de manufaturas, com atividades rotineiras, padronizadas, divisíveis, devem ter seus postos de trabalho mais afetados do que setores em que os bens e serviços são customizados e, de alguma forma, intangíveis. Porém, seus efeitos poderão ser sentidos mesmo em indústrias mais sofisticadas ou, pelo menos, em alterações em rotinas de profissões em disciplinas como, por exemplo, medicina e odontologia. Essas forças devem resultar em severas mudanças nas relações de trabalho que, mesmo temporariamente, causarão problemas sociais. Certamente, o impacto sobre a distribuição de renda é algo que merece atenção.

Saber usar essas novas tecnologias também é importante, pois elas mesmas possuem mecanismos que podem ser aproveitados para resolver parte dos problemas que provocam. Considere, por exemplo, as plataformas de serviços “on-demand” (Uber, Airbnb). Essas tecnologias, já amplamente difundidas, permitem o encontro de oferta e demanda por determinados bens e serviços, que auxiliam indivíduos deslocados do mercado de trabalho tradicional na colocação do

O QUE PODEMOS ESPERAR DO MERCADO DE TRABALHO NO MUNDO 4.0?

Marcello Estevão PhD em economia pelo MIT, Secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda e G20 Finance Deputy

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seu próprio capital para empreender. Nesses casos, mesmo pequenas quantidades de capital são suficientes para reduzir a queda na renda provocada pelo desemprego.

As respostas do mercado a essas novas tecnologias (denominada crowd-based capitalism) precisam de ambiente propício para florescer. Há espaço para políticas públicas que reduzam barreiras ao empreendedorismo e promovam melhoras no ambiente de negócios para apoiar esses novos capitalistas. No aspecto regulatório, devemos buscar leis trabalhistas suficientemente flexíveis para acomodar novas formas de organização do mercado. Devemos também instituir regime tributário que encoraje os negócios - levando em consideração a dificuldade para taxar algumas iniciativas permitidas por essas tecnologias.

Os sistemas educacionais, por sua vez, precisam se transformar para ensinar jovens e adultos a aprenderem (ao longo da vida profissional) e adaptarem-se as inovações tecnológicas e novas situações de trabalho; é necessário que se fortaleça a ideia de educação contínua. Essas mudanças visam a reduzir os custos de entrada e reentrada nesse novo mercado de trabalho e também a transição do trabalho assalariado para gestão do próprio negócio. Nesse cenário, deveriam ganhar destaque na grade disciplinar das escolas secundárias a educação financeira, o que facilitaria o sucesso da inclusão financeira, uma vez que essa nova força de trabalho deverá participar do design e custeio de uma rede de proteção social autofinanciada.

Nas economias emergentes (EMEs), todas essas mudanças podem produzir uma “desglobalização”, decorrente da adoção de novas tecnologias pelos países avançados. Pode haver, por exemplo, uma redução na vantagem que indústrias low-tech têm em produzir nas EMEs a custos mais baixos, observada nas últimas décadas, levando à saída dessas empresas e, logo, desindustrialização e mais desemprego. Essa força poderia ser contraposta por maior acesso aos mercados internacionais dessas economias, porém não sem custo, uma vez que haveria perdedores no curto prazo em razão da transição para economia mais aberta, que teriam que ser retreinados (ou receber compensação financeira) – sem mencionar todo o problema fiscal associado a esses programas.

No Brasil, os desafios são grandes. A leitura é de que ainda estamos bastante defasados na adoção de tecnologias associadas à indústria 4.0, que façam progredir a produtividade e a inserção no comércio internacional e, por fim, aumentar a competitividade das empresas. Pesquisa realizada pela Delloite com CEOs ao redor do mundo, incluindo mais de cem brasileiros, sugere que no Brasil a adoção de tecnologias avançadas para tornar suas atividades mais eficientes é bastante inferior à média global. Outro aspecto interessante sugerido pela pesquisa é que parece haver desconhecimento do leque de oportunidades pelas empresas brasileiras, o que atrasa ainda mais a transição. Por isso, estaríamos ao lado da África do Sul, Itália e de países do Sudeste Asiáticos na lista em que se projetam impactos predominantemente negativos no mercado de trabalho.

Esse efeito é potencializado por achados que associam baixa qualificação a menores benefícios

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de ações de treinamento. Economias emergentes, em regra, apresentam baixa produtividade dos seus trabalhadores e, portanto, mesmo adotando bons programas de qualificação profissional e educação contínua dificilmente reduziriam o hiato de produtividade para os países avançados.

É adequado, portanto, que nossas políticas atravessem todo o espectro de setores da economia. Promover políticas horizontais e sistêmicas como, por exemplo, o desenvolvimento de infraestruturas que permitam aos agentes responderem às demandas desse ou nesse novo ambiente. A digitalização da economia requer, no mínimo, redes de comunicação e logística operando de forma eficiente.

Políticas públicas têm papel crítico no endereçamento de todas essas questões – especialmente, como ilustrado acima, em economias emergentes, onde os efeitos dessas mudanças ainda não produziram tantos problemas. Trabalhar para que as pessoas, não necessariamente os empregos, sejam protegidas é muito importante. Assim o processo de realocação dos recursos econômicos se dará de maneira organizada e eficiente. Se conseguirmos propiciar ambiente com essas características, é possível que o capitalismo (com muitos mais capitalistas) floresça e produza benefícios, especialmente em países onde ainda não obteve êxito.

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As mudanças tecnológicas do período recente têm representado um importante indutor de crescimento econômico, mas estão também associadas a transformações consideráveis no mundo do trabalho. As inovações que concretizam a chamada 4ª Revolução Industrial vêm apresentando, em boa parte do mundo, um forte potencial de extinção de postos de trabalho, em especial aqueles associados a tarefas rotineiras, num ritmo sem precedentes na história.

Não é necessário mencionar os milhares de postos de condutores de ônibus, táxi ou metrô que perderão seus empregos com o carro autodirigível, a abertura da loja da Amazon, sem pessoas operando o caixa ou os funcionários de telemarketing que já vem sendo substituídos por gravações de artistas de renome, para se ter a dimensão do que pode ocorrer em poucos anos.

Isso também vem ocorrendo no Brasil. Cerca de 11.900 robôs industriais serão comerciados no Brasil entre 2015 e 2020,

segundo a Federação Industrial de Robótica, e 15,7 milhões de trabalhadores serão afetados pela automação até 2030, de acordo com projeções da consultoria McKinsey.

Neste contexto, a educação no Brasil deve não apenas melhorar a qualidade no desenvolvimento de competências já demandadas pelo mundo do trabalho, mas preparar a futura geração de adultos para resolução colaborativa de problemas, pensamento crítico, flexibilidade e adaptabilidade, criatividade, experimentação e abertura a novas experiências, as chamadas competências do século XXI. Levará, certamente, um bom tempo até que a Inteligência Artificial parametrize habilidades como essas e as repasse para robôs.

Ora, isso envolve uma profunda transformação da escola, como a conhecemos. Experimentos importantes têm sido desenvolvidos em algumas escolas, especialmente particulares, buscando maior envolvimento dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, muitas vezes com estratégias como Aprendizagem baseada em Problemas (ou anteriormente em Projetos), mas dificilmente isso ganha escala de forma a se fazer presente em redes de escolas públicas.

O FUTURO DO TRABALHO E A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Cláudia Costin Diretora do CEIPE - Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV-RJ e professora convidada da Faculdade de Educação da Universidade de Harvard

Segundo Carl Frey e Michael Osborne, pesquisadores da Universidade de Oxford,

até 2030, cerca de 2 bilhões de empregos serão extintos.

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Neste sentido, também deve ser saudada a Base Nacional Comum Curricular, por incorporar essas competências que serão decisivas para preparar o jovem para contar com as habilidades de que necessita para prosperar num mundo de incertezas e poder se reinventar sempre que seu posto de trabalho for colocado em risco.

Mas o grande desafio para que isso ocorra é mudar a cultura prevalente nas escolas, o que não se consegue fazer apenas com um documento normativo. Muito investimento em desenvolvimento profissional dos professores e diretores será necessário, assim como mudanças no recrutamento e seleção de docentes.

Com isso, os jovens estarão sempre aptos a atuar em cenários incertos e desenvolver a

habilidade de aprender a aprender, central para a aquisição dos novos saberes demandados por uma sociedade em eterna reinvenção.

Precisamos, também, de uma escola em que todos aprendam e que combine excelência com equidade. Temos no Brasil, é verdade, algumas escolas excelentes, mas elas tendem a ser excludentes, com exames de entrada ou restritas a quem pode pagar por educação privada, e são, assim, para poucos.

A inação frente às transformações que vivemos pode ser particularmente perniciosa. A desigualdade social, tão forte ainda no Brasil, tenderá a crescer e contingentes grandes de trabalhadores poderão ter seus empregos extintos ou padrões de renda rebaixados e eventualmente engrossarão os quadros de cidadãos aptos a flertar com soluções populistas, como vem ocorrendo em outras partes do mundo.

Lograr construir, em escala, uma Educação de muita qualidade para todos é o

grande desafio que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e o novo mundo do trabalho nos colocam.

No fundo, precisamos de uma escola que ensine a pensar, que instile nos

jovens não apenas competência leitora e de raciocínio matemático, mas amplie seu repertório cultural e desperte em suas mentes dois componentes essenciais para uma aprendizagem consistente: a curiosidade e a imaginação.

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Numa economia global baseada no conhecimento, o investimento em capital humano é um componente essencial de qualquer estratégia de crescimento inclusiva. Quando os trabalhadores não têm as competências necessárias, novas tecnologias e processos de produção são adotados mais lentamente e não se traduzem em novos modelos de crescimento com atividades de maior valor agregado. As competências afetam a vida do indivíduo e seu bem-estar muito além do que pode ser mensurado pelos ganhos do mercado de trabalho e pelo crescimento econômico.

Nesse contexto, a Indústria 4.0, também conhecida como a Quarta Revolução Industrial, um novo conceito de indústria, engloba inovações tecnológicas nas áreas de automação e tecnologia de informação, aplicadas aos processos industriais. Tornar mais eficiente, autônomos e customizáveis os processos de manufaturas por meio de sistemas cyber-físicos, internet e de serviços são metas a serem percorridas pelas indústrias.

Algumas profissões desaparecerão, outras deverão se adaptar ao novo mercado e surgirão novas profissões não previstas, segundo vários estudos recentes.

A preparação de novos profissionais dependerá, sobretudo, da capacidade dos sistemas de ensino em formar profissionais dotados de competências e habilidades que os preparem para se adequar às novas exigências. Portanto, o grande desafio está na formação do jovem que enfrentará essas mudanças de grande magnitude para sua inserção ativa e responsável num mundo cada vez mais complexo.

O Ministério da Educação, nos últimos anos, tem agido para aprimorar a educação brasileira, indo ao encontro das mudanças preconizadas com a Indústria 4.0.

Para isto, durante sua permanência na escola, ele deverá desenvolver competências e habilidades que o ajude a lidar com as novas tecnologias.

O FUTURO DA EDUCAÇÃO NA INDÚSTRIA 4.0

Maria Helena Guimarães Castro Ex-Secretária Executiva do Ministério da Educação

A Quarta Revolução Industrial já está em curso e requer um novo perfil profissional para

o enfrentamento das mudanças no mercado de trabalho

A nova escola que está surgindo com a Base Nacional Comum Curricular

prevê, entre outras coisas, que o aluno aprenda a aprender em contraste com apenas o acúmulo de conhecimento.

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E a Educação Básica deve potencializar o desenvolvimento das competências e habilidades que irão preparar os alunos para os desafios do mundo do trabalho.

É imprescindível que os estudantes sejam orientados sobre como agir em um cenário de incertezas, tanto em relação às mudanças no mundo do trabalho, quanto nas relações sociais. Assim, duas importantes medidas, entre outras, foram tomadas pelo MEC

recentemente. A aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e a Reforma do Ensino Médio, ambas ocorridas em 2017. A BNCC tem por objetivo assegurar a todos os alunos as aprendizagens essenciais e a flexibilização do Ensino Médio permite uma formação mais alinhada com os desafios contemporâneos para que os estudantes possam escolher itinerários formativos de acordo com seus interesses.

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INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E MERCADO DE TRABALHO1

1 - Artigo originalmente publicado no Jornal Valor Econômico em 17/11/17.

Um dos assuntos que mais tem despertado interesse atualmente no mundo diz respeito aos impactos da inteligência artificial sobre o mercado de trabalho no futuro. Como os avanços nessa área tem sido notáveis nos últimos anos, vários estudos tentam estimar quantos empregos os robôs irão roubar dos humanos no futuro. O que farão as pessoas que forem substituídas por esses robôs? Como deve ser a educação das nossas crianças para prepará-las para esse futuro?

O professor Richard Freeman, um dos mais respeitados economistas do trabalho de Harvard, tem pesquisado esse assunto há vários anos e apresentou algumas de suas ideias em seminários recentes aqui Brasil. Segundo ele, há realmente motivos para nos preocuparmos, pois os robôs estão realizando muitas tarefas que atualmente são desempenhadas por humanos de forma mais rápida e eficiente. Quais as consequências disso para a nossa sociedade?

A China é o país que mais produz robôs industriais multiuso atualmente, com cerca de

87.000 unidades em 2016. Enquanto isso, as empresas americanas produziram 30 mil robôs, as japonesas e coreanas 40 mil cada e as alemãs 20 mil. Já o Brasil produziu somente 1.200 robôs em 2016.

Porém, o mais preocupante para o trabalho humano são as máquinas inteligentes. A inteligência artificial trabalha sem parar na produção de máquinas que desempenham tarefas como reconhecimento de faces e de vozes, tradução, cálculos, interpretação de exames médicos e várias outras tarefas de forma mais eficiente que os humanos. Além disso, elas começam a aprender e tomar decisões por conta própria, sem analisar o que os humanos fizeram antes.

Naércio Menezes Filho Professor Titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências

Em termos de utilização, as empresas coreanas usam 5 robôs para cada 100

trabalhadores empregados, as japonesas e alemãs vem a seguir com 3, enquanto as americanas empregam 2 robôs para cada 100 trabalhadores.

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Estudos indicam que, nos próximos 50 anos, essas máquinas irão superar os humanos na condução de operações no mercado financeiro, realização de cirurgias, elaboração de artigos de jornal, pesquisas em matemática e produção de best-sellers, sem o sofrimento que os grandes autores normalmente passam ao olhar para a primeira folha em branco. Os robôs poderão conduzir negociações entre empresas ou entre patrões e empregados, pois não têm emoções e já sabem qual será o resultado eficiente. Provavelmente, muitos dos chefes dos nossos filhos serão máquinas inteligentes. Como lidar com elas?

Em breve essas máquinas também farão monografias de graduação e dissertações de mestrado, pois elas farão a revisão de todos os trabalhos acadêmicos já publicados sobre qualquer assunto em todas as línguas num curto espaço de tempo. Será que elas também farão teses de doutorado originais?

Mas, Freeman alerta que os empregos dos humanos não irão acabar. Mesmo que algum dia os robôs sejam melhores em tudo, nós ficaremos com as tarefas em que somos menos- piores, como reza a teoria das vantagens comparativas.

Isso sempre ocorreu com as inovações. Com o tempo, os trabalhadores mudaram da agricultura para a indústria e depois para os serviços. Acemoglu e Restrepo, por exemplo, acreditam que o processo de automação gerará novas tarefas que serão vantajosas para nós. Mas qual será a vantagem comparativa dos seres humanos no futuro?

Atualmente, nossa vantagem está no pensamento. Mas, o que acontecerá quando as máquinas pensarem de forma mais rápida e precisa do que nós, operando em rede na nuvem? Talvez a nossa vantagem comparativa estará nas tarefas manuais que os robôs têm mais dificuldade de executar. Ou talvez seja mais difícil para os robôs interagirem com humanos, entender as nossas emoções e idiossincrasias. Será que um robô inteligente com acesso instantâneo à internet dará melhores aulas do que um professor?

Em termos de remuneração, a tendência é de redução dos salários ao longo do tempo, principalmente dos trabalhadores mais qualificados, à medida que os custos de produção das máquinas inteligentes for diminuindo. Vale notar que a parcela salarial na renda agregada tem diminuído nos países avançados (mas não no Brasil).

Ainda segundo Freeman, a maior parte da renda gerada pelas máquinas vai parar nos bolsos dos seus proprietários, o que deverá piorar ainda mais a distribuição de renda nos países desenvolvidos, provocando problemas políticos sérios. A solução para

O uso de robôs e máquinas deverá aumentar substancialmente a

produtividade e diminuir os preços dos produtos, o que aumentará a demanda agregada e gerará novos empregos.

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isso seria que os trabalhadores adquirissem ações das empresas tecnológicas, contando com incentivos fiscais dos governos. Assim, eles poderão viver de rendas, deixar as maquinas produzindo e se divertir no mundo virtual. Quem não tiver ações dessas empresas, não tiver empatia para lidar com outros humanos e nem souber realizar tarefas manuais terá que contar com programas de renda mínima. Será que Suplicy estava certo o tempo todo?

Mas, não devemos nos preocupar muito com essas coisas aqui no Brasil, pois provavelmente nosso futuro será bem diferente. No nosso capitalismo patrimonialista, governos, empresas e trabalhadores se unirão

para impedir a entrada dessas inovações disruptivas.

Os gastos com P&D realizados pelas nossas empresas são tímidos e não cresceram nem mesmo após décadas de incentivos fiscais. Assim, dificilmente os robôs e máquinas inteligentes entrarão em massa no nosso país. A tendência é que fiquemos cada vez mais para trás.

Vale lembrar que a lei da informática proibiu a importação de

computadores por vários anos e reduziu enormemente o crescimento da nossa produtividade.

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No universo das operações industriais, gestão do tempo, custo, métodos de trabalho, perdas e omissões seguem relevantes. Entretanto, devemos reconhecer e aprender como lidar com a ruptura que já se instala à frente destes desafios. Tudo o que sabíamos e considerávamos ao mencionar boas práticas de eficiência, redução de etapas intermediárias, monitoramento contínuo e validação de autenticidade em tempo real foi desmontado e reconstruído com novos paradigmas.

Produtos, processos, máquinas, dispositivos de controle e homens já têm condição de interação harmônica sem precedente. Neste ambiente, predições, previsões e estimativas já contam com inteligência artificial, programação cognitiva e análise multivariável de dados, oferecendo recursos inalcançáveis, até aqui.

Processos tornam-se mais acessíveis e amigáveis. A pontualidade e os giros dos materiais na cadeia de suprimentos e internamente às fábricas, a qualidade do produto nos requisitos de aparência e performance, o tempo e a frequência de reparação dos equipamentos e ferramentais, a eficiência global de uso dos recursos produtivos e o perfil dos colaboradores nessa nova realidade se transformaram: a digitalização também promove aceleração das curvas de aprendizagem potencializando ganhos reais de produtividade do capital empregado.

Neste cenário a Sabó, fabricante de autopeças instalada com três plantas na América do Sul, sendo duas brasileiras, no Estado de São Paulo, e uma na Argentina, próximo a Buenos Aires, já vive sua transição para a manufatura avançada. Com 75 anos completos, acumula a experiência de multinacional com participação na gestão, ainda, de outras sete plantas distribuídas entre Europa, Ásia e América do Norte, e já eleva a condição produtiva das plantas brasileiras ao patamar de competitividade que foi atingido nos mercados considerados mais desenvolvidos.

Atendendo às mais tradicionais montadoras de veículos leves e pesados, e fornecedores

APLICANDO OS CONCEITOS DA QUARTA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL À PRÁTICA: EXPERIÊNCIAS DE UMA MULTINACIONAL BRASILEIRA

Ricardo Ávila Responsável pelas Operações Industriais da Sabó na América Latina

Sistemas já podem organizar-se para a customização em massa com mínima

intervenção humana, garantindo auto-calibração de máquinas e instrumentos, rastreabilidade ao nível individual do produto, e monitoramento do uso de recursos energéticos, sempre maximizando eficiência.

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das mesmas cadeias, além de outros importantes segmentos como o de linha branca e agrícola, é reconhecida como fornecedora de classe mundial com produtos originais, enquanto também atende e coloca muita relevância no mercado da reparação automotiva, o aftermarket, atendendo-o com adequada capilaridade de seu canal de distribuição. Os principais produtos no portfólio da Sabó são retentores e juntas, algumas vezes formatados em sistemas combinados, os quais promovem vedação dinâmica para partes móveis, ou estática entre acoplamentos.

Já por dezoito anos a Sabó Brasil vem trabalhando seus sistemas de manufatura com base em manufatura enxuta (Lean Manufacturing) e veio evoluindo a aplicação e uso de várias ferramentas. Entre essas, mais recentemente repaginou a aplicação dos Mapas de Valor e dos Planos A3 para melhoria em ciclos recorrentes – a melhoria contínua. Soluções de revisão de lay-out, aproximação de estações de trabalho, eliminação de transbordos e desenvolvimento de técnicas de troca rápida foram aceleradas desde 2004 com a tomada de decisão por concentrar sua operação em atividades e competências singulares entre aquelas que detinha conhecimento – atividades core: deixou de perceber concorrência de investimentos e de gestão de projetos em um leque, antes, tão amplo de atividades. Com o fortalecimento de uma cadeia relevante de parcerias em suprimentos, já a partir de 2012 disparou a modernização

adicional de seu parque fabril, com plano ousado de equiparação às fábricas da Europa e alvo em eficiência medida pela receita gerada por funcionário ao ano.

Diferentemente do que já havia sido experimentado na Europa, por exemplo, a Sabó defrontou-se em 2014 com novos recursos que iam além da revisão das automações, e não deixou passar a oportunidade de estudar os mesmos e fazer suas escolhas: hoje convivem cobots e trabalhadores tradicionais em sua planta; coletas de dados já ocorrem em tempo real e as plantas já contam com seguros sistemas de comunicação wi-fi e interação com nuvem de dados; a prototipagem rápida, também com recursos de impressão 3D já é uma realidade; sistemas de inspeção automáticos e a laser já evoluem para sistemas com inteligência artificial para antecipar as falhas; recursos de biometria já estão em teste e contribuindo para validações automáticas de capacitações dos colaboradores. E muito mais há por vir.

Em pouco mais de 5 anos já atingiu suas metas, impactando o negócio

com redução de área ocupada, relevante economia de energia elétrica, novas certificações de qualidade, redução de despesas e riscos relacionados à manutenção, e ganhos de capacidade, além de redução de postos proporcionais ao nível de receita gerada.

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A Sabó identificou suas principais demandas para completar a migração para a Indústria 4.0 no nível de recursos que pôde alcançar em termos de visão, e em meados de 2017, gerou seu plano de implantação com alocação de recursos até 2024: criou uma rota de acesso para sua jornada (ou road map), distribuindo Programas Estratégicos na linha do tempo e endereçando tarefas e responsabilidades. Desde 2014, portanto, soluções começam a dar vida à fábrica Inteligente – hoje os maiores avanços estão instalados na unidade de Mogi Mirim. Com seu plano de implantação moldado em um A3 Estratégico para a migração para Indústria 4.0, a empresa apresentou um projeto ao FINEP e já obteve aprovação do mesmo, estando em fase final para captação de fomento, o que pode acelerar e dar melhor sustentação aos seus programas.

Diversos desafios estão sendo enfrentados com os colaboradores das fábricas e das engenharias, para assimilação das tecnologias.

Os perfis e habilidades requeridos dos colaboradores estão sendo reestruturados ao longo dessa trajetória, e a Sabó tem feito movimentos em busca de parcerias com

entidades e com os governos com vistas a apoiarem-nos na oferta de recursos à atualização profissional. Mecatrônicos já não são uma fração pequena e especialista do corpo técnico de manutenção – praticamente todo o corpo técnico é formado por mecatrônicos já certificados ou em processo de certificação. Alguns líderes de operação e operadores já estão também se certificando e precisando agregar competências multivariadas entre postos de trabalhos conectados e com recursos que “falam” entre si.

Mais do que isso, precisam aprender a interagir em um ambiente sem papel, sem os tradicionais registros de inspeção e diários de bordo para apontamento manual – todo o entorno de sua atividade passa a ser digital e espelhado em tempo real. Equipamentos a serem adquiridos ou recentemente adquiridos já chegam às plantas no conceito SMART – e precisam ser acolhidos com a melhor utilização de seus recursos. O Senai do Estado de São Paulo, unidade Vila Leopoldina na Capital, e o Senai Norte em Joinville, de Santa Catarina, além do Centro Paula Souza e FATECs de São Paulo e Mogi Mirim, o IPT, a Universidade de São Carlos, o Sindipeças, são exemplos de parceiros que têm acompanhado a Sabó em seus desafios. A empresa ainda investe em parcerias com institutos e consultorias para formação de pessoal no campo técnico e de gestão. Já existem start-ups participando de alguns dos Programas Estratégicos.

De forma geral, o maior destes desafios está no campo da perpetuação da

aprendizagem, rápida revisão e assimilação de novos padrões de trabalho, novas certificações para os trabalhadores e estratégias para gestão de talentos no médio e longo prazos.

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Já há dois anos a Sabó tomou a decisão de não reduzir sua força de trabalho e acelerar busca por novos negócios para reocupar as pessoas em novos desafios. Neste esforço tem crescido suas vendas – foram maiores em 24% no último exercício de 2017, e ainda optou por desenvolver uma área específica para trabalho com um novo desafio o qual apelida “Manufatura Compartilhada” – trata da ampliação do portfólio para novos processos e/ ou produtos fornecidos a terceiros ou à própria área de vedações da Sabó, com atividades que não estavam internas.

Cada vez que incorpora do mercado novos processos e/ou atividades, inicia com metodologia e disciplina o mapeamento da cadeia de valor, e já inicia estudos de manufatura avançada para os novos processos. Claro, processos recém adquiridos terão sua digitalização e transformação completa para a indústria 4.0 mais à frente, na sequência do que já está planejado, mas já apontam no horizonte de planejamento. Até aqui, quase 100 empregos foram sustentados através da estratégia da Manufatura Compartilhada, desdobrados de reduções mais recentes do projeto de competitividade das plantas de vedação.

Destacam-se ganhos através da aceleração dos giros de inventário e uma sensível redução de estoques de matéria prima, semi-acabado e produto acabado nos últimos dois anos, já estabilizados e sem gerar nenhuma ruptura de abastecimentos. Produtos de altas quantidades de venda estão direcionados a sistemas integrados com automações e robôs colaborativos, ferramentais modernizados e linhas dedicadas com muita estabilidade. Produtos de baixas quantidades de venda anual já estão passando por reengenharia para que se mantenham no portfólio com nova proposição de negócio e soluções de “customização em massa” – com processos que se moldam para atender a demanda – aqui a oportunidade que se abre trará ainda maiores ganhos em termos redução de inventários.

O Brasil convive com a realidade de quantidades inferiores e mercado consumidor relativamente menor que outros mercados mais maduros – é aí que reside o nosso desafio e nossa oportunidade: podemos nos tornar uma das nações reconhecidamente melhor preparadas para lidar com este tema da customização em massa e altíssima flexibilidade nas trocas de recursos entre ordens diversas de produção

Conforme as instalações avançam, antigos postos de trabalho são fechados,

e novos são abertos com novas carteiras de pedidos, e em alguns casos com novos processos incorporados.

A totalidade do capital investido na transformação que ocorreu até aqui foi

próprio e derivado da geração de caixa das operações impactadas pelas estratégias em curso.

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Educação, formação e aprendizagem organizacional consolidam os recursos mais nobres que temos para entregar inovação aos clientes. Em nosso negócio atual, deixar de nos reinventar em ciclos curtos é fatal para a empresa. Mover nossa equipe completa de 1.200 colaboradores na América do Sul para o cenário mais competitivo é a chave para sustentação e crescimento.

– que vem se tornando uma demanda de grande interesse global.

A Sabó permanece dedicada à execução de seu plano de migração para a Indústria 4.0 e concentrada no A3 que estabeleceu e que orienta seus passos nessa jornada. Em mais alguns anos tem a expectativa de ampliar sua oferta de produtos ao mercado com soluções criativas a toda a extensão e amplitude das demandas individuais. Estamos consolidando nossa defesa do mercado interno através de competitividade e tecnologia de ponta, já atentos para posição de liderança na América do Sul e necessidade de defesa deste mercado todo.

Também estamos abertos para oportunidades em todo o restante da cadeia

global, as quais, não temos dúvida, só estarão ao nosso alcance com soluções disruptivas de custos ou de valor percebido pelos clientes

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