métodos de terapia de susbtituição renal correção pdf

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MÉTODOS DE TERAPIA SUBSTITUTIVA RENAL - CONCEITOS BÁSICOS - "Para males extremos, extremos remédios, levados ao máximo rigor, são os mais válidos." Hipócrates *Daniel Valente Batista O paciente ‘dialítico’ é um tipo de doente muito comum no cenário de terapia intensiva. Assim sendo, conseguir entender alguns conceitos básicos sobre os métodos de terapia substitutiva renal é fundamental para todos os médicos que atuam nesse cenário, não só para o nefrologista/intensivista. O objetivo do texto é enfocar em alguns temas, para o entendimento básico do funcionamento dos diversos modos de substituição renal. INDICAÇÕES O primeiro passo para se entender a TRS é saber quais são suas indicações na urgência ( tema-chave deste capítulo). Não há nenhum consenso claro sobre indicações de TRS em IRA. Sendo assim, essas decisões irão levar em conta a prática clínica Uma mnemônica aceitável e de fácil memorização é: A acidose metabólica refratária ao tratamento clínico E distúrbios eletrolíticos graves e refratários, sobretudo a hipercalemia. I Intoxicação. Sabemos que há vários medicamentos e toxinas dialisáveis e, assim, podem ser candidatos a métodos dialíticos. O ‘Overflow’. Do inglês, seria adequado para pacientes com ‘hipervolemia’ refratária. U Uremia. Não há um valor chave para indicação de TRS para pacientes com uremia, haja vista que esse é um diagnóstico por sinais/sintomas clínicos, e não exclusivamente laboratorial, apesar de muitos autores concordarem que um nível de 200 mg/dl poderia ser utilizado como referência. TIPOS DE ACESSO Peritoneal: o próprio peritôneo do doente é utilizado como membrana trocadora. Venoso: devem se utilizar veias profundas, que irão permitir um bom fluxo para as máquinas de TRS. Os acessos mais comumente utilizados são via: veia jugular interna, femural e subclávia. Cada um tem seus prós e contras. *Médico graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará. Atualmente é médico residente de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paul (FMUSP). Ex-integrante da Liga do Coração(FaMed-UFC).

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Aborda de maneira prática os métodos de substituição renal de maneira que o 'não nefrologista / não intensivista' poderá compreender melhor algumas nuances dos métodos. Espero que seja de grande ajuda, sobretudo para internos e residentes. Hemodiálise, hemofiltração, insuficiência renal aguda, dialisato, efluente, terapia substitutiva renal

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Page 1: Métodos de terapia de susbtituição renal correção pdf

MÉTODOS DE TERAPIA SUBSTITUTIVA RENAL

- CONCEITOS BÁSICOS -

"Para males extremos, extremos remédios, levados ao máximo rigor, são os mais

válidos."

Hipócrates

*Daniel Valente Batista

O paciente ‘dialítico’ é um tipo de doente muito comum no cenário de terapia intensiva.

Assim sendo, conseguir entender alguns conceitos básicos sobre os métodos de terapia

substitutiva renal é fundamental para todos os médicos que atuam nesse cenário, não só

para o nefrologista/intensivista. O objetivo do texto é enfocar em alguns temas, para o

entendimento básico do funcionamento dos diversos modos de substituição renal.

INDICAÇÕES

O primeiro passo para se entender a TRS é saber quais são suas indicações na urgência

( tema-chave deste capítulo). Não há nenhum consenso claro sobre indicações de TRS

em IRA. Sendo assim, essas decisões irão levar em conta a prática clínica Uma

mnemônica aceitável e de fácil memorização é:

A – acidose metabólica refratária ao tratamento clínico

E – distúrbios eletrolíticos graves e refratários, sobretudo a hipercalemia.

I – Intoxicação. Sabemos que há vários medicamentos e toxinas dialisáveis e, assim,

podem ser candidatos a métodos dialíticos.

O – ‘Overflow’. Do inglês, seria adequado para pacientes com ‘hipervolemia’ refratária.

U – Uremia. Não há um valor chave para indicação de TRS para pacientes com uremia,

haja vista que esse é um diagnóstico por sinais/sintomas clínicos, e não exclusivamente

laboratorial, apesar de muitos autores concordarem que um nível de 200 mg/dl poderia

ser utilizado como referência.

TIPOS DE ACESSO

Peritoneal: o próprio peritôneo do doente é utilizado como membrana trocadora.

Venoso: devem se utilizar veias profundas, que irão permitir um bom fluxo para as

máquinas de TRS. Os acessos mais comumente utilizados são via: veia jugular interna,

femural e subclávia. Cada um tem seus prós e contras.

*Médico graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.

Atualmente é médico residente de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade

de São Paul (FMUSP). Ex-integrante da Liga do Coração(FaMed-UFC).

Page 2: Métodos de terapia de susbtituição renal correção pdf

Figura - Da esquerda para direita, vemos três exemplos de cateter de diálise. À esquerda,

nota-se que o cateter tem 3 vias (uma 'arterial' - em vermelho, uma ‘venosa’ em azul, e um

terceiro lúmen que pode ser utilizado para infusão de medicamentos. No centro, vemos em

detalhes as duas vias do shilley.

Deve-se ter em mente que o cateter de diálise (o mais utilizado é o cateter de Shilley –

vide as fotos acima) é bem calibroso (média de 12 a 15 fr), e sua passagem inadvertida

pode causar sangramento importante, em caso de punção inadvertida arterial ou em sítio

não compressível, sobretudo em pacientes com discrasias sanguíneas.

Com a utilização desses cateteres de duplo lúmen, uma via, chamada de ‘arterial’ (em

vermelho), irá retirar o sangue do paciente e levá-lo em direção a máquina, e a via

‘venosa’ irá ser a responsável pela devolução do sangue da máquina para o paciente.

Portanto, apesar da denominação ‘arterial’ e ‘venosa’, o sangue retirado provém do

compartimento venoso do paciente através de um único acesso vascular. A pressão

necessária para fazer com que o sangue percorra todo esse trajeto provém da máquina

de TRS. (Nota: antigamente alguns métodos utilizavam-se realmente de dois cateteres

distintos, um posicionado em via arterial (artéria femural) e outro em alguma veia

profunda e a diferença de pressão arterial x venosa que era responsável pelo fluxo do

circuito paciente – máquina – paciente. Contudo, atualmente, esses métodos estão em

franco desuso).

- FENÔNEMO DA RECIRCULAÇÃO:

Se você observar bem o cateter de diálise, irá perceber que ele possui um orifício em

sua ponta e outros orifícios laterais. A via ‘arterial’ do Shilley utiliza os orifícios laterais

do cateter para puxar o sangue no sentido corpo->máquina, e a via ‘venosa’ utiliza o

orifício da ponta do cateter para devolver o sangue após diálise, um sangue ‘já limpo’,

de forma que o contato entre o sangue pré e pós diálise tente ser o menor possível.

A preferência por se puxar o sangue dos orifícios laterais se deve ao fato de que esse

sangue é mais ‘distal’ em relação ao coração, e o risco de se obter um sangue que já

tenha passado pela máquina de diálise é menor do que o contrário, já que o sangue

‘dialisado’ é entregue em uma porção mais distal (na ponta do cateter) e segue o fluxo

sanguíneo habitual em direção ao átrio direito.

Ambas vias do cateter (arterial/vermelha e venosa/azul) devem ter um fluxo bom e isso

deve ser bem checado no momento da passagem do acesso vascular. Do contrário, não

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será possível conseguir manter a vazão necessária para a TRS, que pode chegar a 400

ml/minuto em uma hemodiálise clássica.

Contudo, ao longo dos dias, podem ocorrer falhas na obtenção do fluxo sanguíneo onde

o fluxo da via venosa pode ficar ‘melhor’ que o da arterial. Sendo assim, utiliza-se o

artifício de se ‘inverterem as vias’, ou seja, o sangue ser puxado pelo orifício na ponta

do cateter e devolvido pelos orifícios laterais (ver fig 2).

Ao se fazer isso, contudo, o médico deverá estar ciente de que a eficiência da sua diálise

será menor. Afinal, o sangue agora é puxado pela ponta do cateter (que está numa

posição proximal em relação ao coração) e devolvido pelos orifícios laterais. Ora, ao ser

devolvido nos orifícios laterais, esse sangue ‘dialisado’ terá de seguir o fluxo natural em

direção ao coração e, assim, poderá ser aspirado novamente em direção a máquina de

diálise, o que irá resultar na perda de eficiência do método, haja vista que um sangue já

tratado irá passar novamente pela máquina.

Figura – A ilustração acima exemplifica o fenômeno da recirculação. Na imagem superior,

observa-se o cateter em sua configuração habitual, em que os orifícios laterais (que são

distais em relação ao coração) puxam o sangue para máquina, e o orifício da ponta do cateter

devolve o sangue dialisado ao corpo e em direção ao átrio direito. Na ilustração abaixo,

houve inversão das linhas de diálise, e agora o sangue é puxado pela ponta do cateter e

devolvido pelo orifício lateral. Contudo, ao seguir o fluxo venoso normal, esse sangue

dialisado/filtrado poderá ser novamente aspirado pela ponta do cateter e ser enviado

novamente a máquina, diminuindo a eficiência do método.

SÍTIOS DE PUNÇÃO

Veias Jugulares: A veia jugular interna direita (VJID) é o sítio preferencial de aposição,

em razão da sua relação mais anatômica com a Veia Cava Superior (VCS). A VJI

Esquerda seria a segunda opção.

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Veias femurais: Em geral, são o segundo sítio preferencial, em virtudo do maior

desconforto dado ao paciente e, sobretudo, do risco mais acentuado de infecção local.

Contudo, fornecem a grande vantagem de serem um sítio compressível, e, assim, menor

risco de sangramentos ameaçadores de vida. Em algumas situações, p.e. discrasias

sanguíneas severas, se tornam a 1ª opção.

Veias subclávias: são a última preferência em relação a posicionamento dos cateters de

diálise (CD), pois são o sítio mais associado à trombose de veia. Lembre-se que o

indivíduo realizando TRS é um potencial candidato a necessitar de hemodiálise para o

resto da vida e, assim, futuramente deverá ser confeccionada uma fístula artério-venosa

em um de seus membros superiores, que irá necessitar de veias subclávias funcionantes.

Se, durante a fase aguda, em que ele utilizará um CD de curta permanência, ocorrer a

trombose da veia subclávia esse paciente já perderá a chance de tentar realizar uma

fístula AV no braço acometido. Esse problema poderá se tornar angustiante, em um

cenário em que o doente tem falha de maturação de fístulas AV e, assim, ficará sem

local para conseguir dialisar. Por isso, CD em subclávia, só em último caso.

Em resumo, a ordem de preferência seria: VJID > VJIE> Femurais > Subclávia.

Uma dica prática na hora da escolha do tamanho do CD é: em VJID e Femurais :

número 20 e VJIE: 16.

Cateter de diálise de longa duração: são cateteres tunelizados (um dos mais utilizados é

o perm cath), compostos de silicone e que podem ser passados quando se prevê

necessidade de diálise por mais de 14 dias. Devem ser passados para que a ponta fique

no átrio direito, permitindo, assim, altos fluxos. Deve-se evitar passar esse tipo de

dispositivo em vigência de bacteremia.

Fístulas Arterio-Venosas: esse processo é criado a partir de uma anastomose artério-

venosa direta nos membros superiores na qual o aumento do fluxo sanguíneo gerada na

veia cursa com gradual dilatação, espessamento e ‘arterialização’ da mesma. Assim

sendo, o processo de maturação é longo e dura, em média, 6-8 semanas até que possa

ser utilizado. Dessa forma, acaba não sendo utilizado para doentes em IRA.

Cateter de diálise peritoneal: nessa modalidade, é colocado um cateter peritoneal

percutâneo para servir de ponte para infusão e lavagem do dialisato na cavidade do

peritôneo. Quando utilizado em um cenário de IRA, deve ser passado por profissional

experiente, sem utilizar o cuff, e ser trocado a cada 3 dias.

MODO

Agora que já indicamos a TRS, escolhemos por qual acesso iremos posicionar nosso

caterer, é a hora de escolher por qual modo será realizado esse processo. Basicamente,

essa escolha recai sobre 3 opções:

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Hemodiálise: o método de diálise utiliza-se do princípio da difusão, onde duas soluções

separadas por uma membrana semipermeável tem a tendência de igualar suas

concentrações. Sendo assim, através de um instrumento chamado de CAPILAR, o

sangue do paciente seria posto em contato com uma solução chamada de DIALISATO,

e ocorreriam as trocas de fluidos entre ambos, na tentativa de que se passe para o

dialisato o que está em ‘excesso’ no sangue, ou seja, as escórias nitrogenadas

(creatinina, uréia), além de eletrólitos em excesso, p.e. o potássio. Esse método é bom

para difusão de partículas pequenas, como a uréia. A troca entre o sangue e o dialisato

será tão maior quanto maior for a diferença de concentração entre as substâncias nos

dois meios. Assim, se o paciente está com potássio sérico alto, nós devemos colocar

uma concentração de potássio no dialisato menor do que a que se encontra no doente,

para que o fluxo de potássio se dê no sentido paciente -> dialisato.

- O dialistato é composto de concentrações específicas de sódio, potássio, bicarbonato,

cloreto, glicose e magnésio. Em concentrações pré-determinadas baseadas em cada

caso. Em relação especificamente ao potássio, há algumas tabelas de sugestão do

cálculo do potássio do dialisato baseado no potássio sérico do doente, que podem ser de

ajuda:

POTÁSSIO SÉRICO POTÁSSIO DIALISTATO

< 4,0 4,0

4,0 a 5,5 3,0 a 3,5

5,6 a 6,5 2,0

>7,5 1,0

Vale lembrar que, nos casos em que se está usando potássio do dialisato menor que 2,

deve se fazer uma monitorização horária do potássio sérico para que se evite o

fenômeno de hipocalemia transitória da diálise, que poderá precipitar arritmias no

paciente.

Hemofiltração: o método de hemofiltração utiliza-se do poder da pressão hidrostática

para passar o solvente através de uma membrana semipermeável e levar consigo soluto.

Uma forma de se entender isso é como se a membrana, nesse caso, servisse de peneira,

onde viria um sangue ‘cheio de escórias’, e a membrana ( peneira) iria reter parte dessas

escórias e deixaria passar solvente e soluto por ela. Esse processo é chamado de arreste

e é baseado nas pressões hidroestáticas aumentadas que são controladas pela máquina.

Quanto maior a pressão, maior o líquido filtrado. Sendo assim, nesse método, NÃO

existe o dialisato, também chamado de BANHO, que havia na hemodiálise. Contudo,

você deverá estar se perguntando. Bem, mas essa filtração irá tirar do sangue tanto

coisas ‘ruins’ (uréia em excesso e potássio em excesso), como também irá tirar

eletrólitos que estavam em concentrações normais no sangue. Isso é verdade. Por isso,

nesse método de TRS, existe a solução de reposição, que é uma solução contendo

eletrólitos (sódio, potássio, magnésio, etc) em uma concentração preestabelecida na

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prescrição da hemofiltração que irá ser colocada junto ao sangue do doente. O local

onde essa solução de reposição irá entrar fica a critério de quem prescreveu o método e

poderá ser feito antes do capilar (pré-capilar) ou após o sangue passar pelo capilar (pós-

capilar), cada uma com suas vantagens e desvantagens.

Como os poros da membrana capilar da hemofiltração são maiores, ele teria uma

vantagem teórica de retirar do sangue móleculas inflamatórias de maior peso molecular

que estariam presentes em doentes inflamados/sépticos. Esse benefício teórico ainda

não encontrou base clínica sólida. Apesar disso, em muitas UTIs que dispõem desse

método, ele é o preferencial para pacientes sépticos.

- O fluido de reposição utilizado na filtração, em geral, vem em bolsas pré-formadas

com uma concentração preestabelecida de alguns eletrólitos. Por exemplo, no HC,

dispomos da bolsa de 0,61% de sódio com 2800 ml (total de 292 mEq). É importante

que você saiba qual a concentração da bolsa e o volume para que, a partir disso, criem-

se condições de calcular o quanto que você irá complementar de sódio, potássio, HCO3,

etc. Saber o volume da bolsa também irá lhe dar noção do trabalho da enfermagem para

manter a TRS em funcionamento. Na maioria dos locais, os ajustes dos eletrólitos na

bolsa são feitos manualmente e acaba-se ‘perdendo’ um profissional treinado (em geral,

o enfermeiro da diálise) para se ‘montar a bolsa adequadamente’. Se o paciente estiver

fazendo um uso de fluido numa taxa de 2500 ml/hora, em menos de 80 minutos terá de

ser feito o preparo da nova bolsa, e a colocação da mesma no sistema. Assim sendo,

praticamente deverá ter um profissional à beira-leito, enquanto estiver sendo feita a

hemofiltração. Isso é importante em um cenário de déficit de mão de obra qualificada,

para nós ponderarmos bem a real necessidade de o paciente se beneficiar do método, e

que, pelas trocas constantes, pode haver ‘erros’ de preparação que podem prejudicar a

eficiência da diálise. Outro importante aspecto é de se checar de maneira rotineira o

peso real das bolsas. Não é incomum que bolsas rotuladas com 3000 ml variem de 2800

a 3200 ml.

Hemodiafiltração: utiliza os princípios da difusão e da pressão hidrostática (clearance

convectivo) para realizar seu processo de ‘purificação’ do sangue.

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Figura - Esquema de um capilar de hemodiálise:em azul, na porção superior da figura,

notamos a entrada do dialisato no capilar. Em vermelho, na parte mais à esquerda, a entrada

do sangue. Note que o dialisato e o sangue percorrem o capilar em sentido oposto, num fluxo

em contra-corrente, que potencializa as trocas dos solutos entre o dialisato e o sangue. O

efluente, marcado em amarelo, é a resultante das trocas sangue-dialisato e será desprezado. A

cor do efluente realmente é mais amarelada e lembra a cor da ‘urina’ do paciente.

Figura - Esquema de capilar de hemofiltração: note que, diferente do que ocorre na diálise,

não existe aqui a infusão do DIALISATO. O sangue– em vermelho – entra no capilar, e nele

é imposta uma pressão hidrostática que faz com que o mesmo passe pelos poros do capilar e

ocorra a filtração do mesmo. Nesse tipo de TRS, para compensar as perdas que ocorrem na

filtração, é prescrito em fluxo de reposição que pode entrar na via antes (PRÉ) ou depois

(PÓS) do capilar. No caso ilustrado acima, o fluxo de reposição – em azul- está PRÉ-

CAPILAR.

# Sobre a escolha do fluido de reposição pré ou pós-capilar:

Pré-capilar: note que, na hemofiltração, quando você infunde a reposição pré-capilar, o

que irá chegar no capilar é uma mistura de ‘fluido de reposição’ + ‘sangue’ do paciente

e, ao chegar no capilar, ocorre a filtração de sangue + fluido de reposição. Ora, esse

fluido de reposição não precisaria ser filtrado, haja vista que ele é um líquido ‘puro’.

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Sendo assim, ao se colocar o fluido pré-capilar, ocorrerá uma perda da eficácia da

hemofiltração.

Pós-capilar: ao se colocar a reposição pós-capilar, o sangue entrará no capilar e ‘será

filtrado’ e hemoconcentrado e, só depois, haverá a reposição do fluido. Assim, por

exemplo, se entra um fluxo de 200 ml por minuto de sangue no capilar, e são filtrados

30 ml, na parte final do capilar haverá apenas 170 ml. Ora, 30/200= 15%, ou seja,

haverá uma hemoconcentração de 15%. Sabemos que limites de mais de 25% de

hemoconcentração são perigosos e aumentam o risco de trombose do capilar. Esse risco

de trombose é contrabalançado pela maior eficácia dessa filtração, haja vista que os 30

ml de filtrado foram retirados do sangue ‘puro’, sem ter entrado em contado com fluido

de reposição pré-capilar.

TEMPO

O próximo passo na prescrição da TRS é decidir por quanto tempo ela deverá ser

realizada.

CLÁSSICA ou IHD (Intermiten hemodialysis):dura de 4 horas, e nesse método, o fluxo

de sangue e do dialisato é alto. Considerado um método de alta eficiência. A

desvantagem potencial é em pacientes com instabilidade hemodinâmica.

SLED ( Slow Low Efficient Dialysis): Método que se utilizada do princípio da difusão e

tem menores fluxos, podendo ser de 18-24 horas.

CONTÍNUA: Como o próprio método sugere, dura > 24 horas, sendo utilizada em

pacientes com instabilidade hemodinâmica, com hipertensão intracraniana, com

distúrbios severos do sódio, onde variações muito rápidas não são aceitáveis, e se você

não tiver a possibilidade de controlar o sódio da reposição ou do dialisato, e também se

utiliza para melhor controle de volemia. Há vários métodos de TRS contínuas. Os mais

utilizados são:

CVVH: Hemofiltração Veno-Venosa Contínua

CVVHD: Hemodiálise Veno-Venosa Contínua

CVVHDF: Hemodiafiltração Veno-Venosa Contínua

ANTICOAGULAÇÃO

Por ser uma terapia que irá retirar o sangue do seu ambiente natural e expor a um meio

artificial, ocorre o risco de trombose do capilar e dos tubos da TRS. Por isso, você

deverá avaliar seu paciente sobre os riscos x benefícios de anticoagulação do sistema.

Há 3 modos básicos de serem utilizados:

1) Lavagem do sistema de maneira intermitente, com soro fisiológico a 0,9%. Essa

é a opção para os pacientes com distúrbios da anticogulação (coagulopatas,

cirróticos com INR alargado,..) onde não se quer fazer uso do citrato nem da

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heparina. Assim, se faz lavagem pré-capilar do sistema com 150 ml de SF 0,9%

de 30/30 min. É importante sabermos disso para que esses 300 ml/hora sejam

contabilizados no balanço de fluidos da diálise/filtração.

2) Anticoagulação regional com citrato de sódio: nesse tipo de anticoagulação, irá

ser infundido, na via pré-capilar, o citrato de sódio que irá quelar o cálcio ( fator

IV da coagulação). Com o cálcio quelado, a coagulação do sistema é bem

improvável. Contudo, após a passagem no capilar, deverá haver a reposição do

cálcio com cloreto de cálcio (usualmente uma solução de Cloreto de Cálcio 30

ml + 100 ml de SF 0,9% em BIC). Os cuidados que se devem ter com essa

forma de anticoagular são: A) a função hepática do paciente deve estar boa,

afinal, o citrato tem metabolização hepática e será transformado em HCO3. Caso

o doente tenha ins hepática, poderá ocorrer acidose metabólica por acumulo do

citrato, por isso, deveremos monitorizar o pH e HCO3 e suspeitar de intoxicação

por citrato nos quadros de acidose persistente em vigência de diálise. B) Outra

forma de monitorizar uma possível intoxicação por citrato é a razão de Cálcio

total/ Cálcio iônico. O racional disso é que o cálcio total (em que boa parte está

ligado ao citrato) fica inalterado, mas o iônico diminui, e uma relação de CaT /

CaI > 2,5 sugere uma intoxicação. C) Hipernatremia: lembrar que a fórmula é

citrato de sódio, e pode haver aumento do sódio sérico. D) Monitorização do

cálcio pré-capilar e do pós-capilar de 6/6h. A monitorização dos cálcio iônico

pré reflete como está o cálcio sérico, e o cálcio pós-capilar reflete o efeito do

citrato. Com as medidas seriadas desses valores, você irá controlar a vazão do

citrato de sódio e da reposição do cloreto de cálcio para o paciente, seguindo o

preceito de que:

Cálcio iônico PRÉ -capilar Cálcio iônico PÓS-capilar

Baixo Aumentar Cálcio p/ doente Diminuir o Citrato

Na faixa Manter infusões Manter infusões

Alto Diminuir Cálcio p/doente Aumentar citrato

3) Heparina não-fracionada: nesse cenário, ou o paciente já está em anticogulação

plena ( com meta de TTPa entre 1,5-2,5), ou você irá heparinizá-lo, com o

mesmo objetivo de TTPa, sobretudo nos casos de TRS contínuas.

4) Na diálise peritoneal não há necessidade de se utilizar anticoagulação.

FLUXO DE SANGUE

O próximo passo a ser feito é definir qual a quantidade de sangue por minuto que será

retirada do paciente. Obviamente, as condições clínicas (uso de drogas vasoativas,

estado volêmico do doente,..) e da própria máquina utilizada serão fatores limitantes

dessa escolha.

Page 10: Métodos de terapia de susbtituição renal correção pdf

Em geral, o paciente que realiza HD convencional, em um período de 3-4 horas, utiliza

altos fluxos, com meta de 300-400 ml/hora. Inicialmente, pode-se começar por

fluxos/minuto menor, para que se previna uma troca intensa de fluidos/soluto que pode

precipitar complicações, tais como: delirium, convulsões, dispnéia, que, juntos, podem

ser agrupados na síndrome do desequilíbrio. Nos métodos contínuos, os fluxos podem

variar de 100-400 ml/min, mas a síndrome do desequilíbrio não é um problema, haja

vista que a taxa de remoção dos solutos é bem menor, pois a mesma troca que ocorreria

em 3 horas, numa HD convencional, vai ocorrer ao longo de um tempo bem maior.

DOSE DA TRS:

O clareamento dos solutos irá depender do efluente produzido (ultrafiltrado na

hemofiltração e dialisato em hemodiálise). Sendo assim, baseado nisso, utiliza-se como

termo de ‘dose’ a taxa de formação do efluente que é calculada em ml/kg/h. Pelas

últimas recomendações do KDIGO, uma dose de 20-25 ml/kg/h, podendo chegar até 35

ml/kg/h, seriam boas taxas, se o paciente fosse mantido nesse fluxo de uma maneira

constante e sem interrupções de diálise, e considerando uma diálise de boa eficiência.

Contudo, na prática, observamos que vários fatores podem limitar o ‘tempo real’ em que

o paciente está efetivamente sob TRS. Por isso, devemos avaliar todo esse conjunto de

fatores e, eventualmente, aumentar a dose prescrita para compensar fatores negativos

(p.e. paciente teve de ficar 1 hora sem TRS para fazer 1 exame, teve de trombose de

capilar, etc).

CAUSAS DE PARALISAÇÃO DE TRS

1) Trombose de sistema

2) Troca de capilar e tubulações

3) Pausa para exames

4) Problemas técnicos da máquina

5) Tempo para troca de bolsas

CAUSAS DE DIMINUIÇÃO DE EFICÁCIA

1) Baixos fluxos de sangue

2) Fluxo de reposição pré-capilar

3) Uso de vias invertidas no cateter de diálise

MONITORANDO A TRS;

O paciente sob TRS deve ter uma vigilância dos eletrólitos e do pH/HCO3. Para os que

fazem HD convencional, os exames devem ser solicitados no período PÓS –HD.

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Para doentes em métodos contínuos, devem ser solicitados sódio, potássio, cálcio

iônico, magnésio, fósforo e gasovenosa na 1ª hora de diálise e depois de 6/6h, para que

se fique monitorando a eficiência do método, e se os valores do fluxo de reposição ( no

caso, de hemofiltração, por exemplo) estão adequados. Nos pacientes utilizando o

citrato para anticoagulação regional, devem ter medidos o cálcio iônico pré e pós capilar

para ajustes da bomba de citrato e de cloreto de cálcio.

Monitorizar continuamente temperatura, pressão arterial e frequência cardíaca.

BIBLIOGRAFIA:

1) Irwin and Rippes. Intensive Care Medicine. 7th

edition. 2011. Capítulo 75 –

Renal Replacement Theraphy in the Intensive Care Unit

2) Azevedo LCP, Taniguchi LU, Ladeira JP. Medicina Intensiva- Abordagem

prática. 1a edição. 2013. Editora Manole. Capítulo 38 – Injúria Renal Aguda e

métodos dialíticos.

3) Palevsky PM e cols. Renal replacement therapy (dialysis) in acute kidney injury

in adults: indications, timing and dosing. Acessado em nov/2013:

uptodate.com/online

Contato: [email protected]