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Metodologia Científica

Metodologia Científica

Ed. v1.0

i

Metodologia Científica

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Para maiores informações consulte: http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br/ .

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Metodologia Científica

Sumário

1 Introdução 1

1.1 Ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

1.2 Problema, método e objeto construído . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2

1.3 Conhecimento e comunidade científica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

1.4 A natureza do progresso das ciências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

1.4.1 Paradigma e ciência normal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5

1.4.2 Anomalia e descoberta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.4.3 Crise e nascimento de novas teorias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8

1.4.4 Revolução científica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

1.5 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

1.6 Atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2 Modelos metodológicos 14

2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14

2.2 A escolástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

2.2.1 O platonismo medieval . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

2.2.2 O aristotelismo medieval . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

2.3 O modelo empirista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2.3.1 As origens do modelo empirista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2.3.2 O mundo como um mecanismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21

2.3.3 O principio causa-efeito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

2.3.4 A racionalidade analítica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.3.5 O empirismo lógico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.4 O modelo sistêmico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

2.4.1 Uma aplicação do modelo sistêmico: a engenharia de software. . . . . . . . 26

2.5 Métodos adequados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

2.5.1 Galileu: A construção da dinâmica. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

2.5.1.1 Onde estava situado Galileu? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

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2.5.1.2 O método adequado para Galileu . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2.5.1.3 A inércia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2.5.1.4 A queda livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2.5.1.5 O pêndulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

2.5.2 Taylor: A construção do modelo de operação no trabalho. . . . . . . . . . . 32

2.5.3 O que mobiliza a Matemática? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

2.5.3.1 Qual é o objeto da matemática? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

2.5.3.2 A importância da definição de limite . . . . . . . . . . . . . . . . 35

2.6 Recapitulando . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2.7 Atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

3 Perguntas que ajudam a pesquisa 38

3.1 O que é uma pesquisa? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

3.2 Quais são os diferentes tipos de pesquisa? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40

3.3 Um exemplo de projeto de pesquisa: Um sistema de transporte público . . . . . . . . 42

3.4 Atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

4 Referências 44

4.1 Referências Bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

5 Índice Remissivo 45

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Metodologia Científica

Capítulo 1

Introdução

OBJETIVOS DO CAPÍTULO

Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• Definir a ciência e seus métodos como construções de um período histórico.

• Compreender a natureza histórica da ciência.

Este capítulo tem como objetivo apresentar os conceitos básicos envolvidos na metodologia. Tambémmostraremos um ponto de vista do progresso do conhecimento científico.

1.1 Ciência

A ciência quer resolver problemas de sua época. Para resolver um problema, a ciência reúne umconjunto de conhecimentos para encontrar uma solução. Nesta busca o pesquisador constrói méto-dos e objetos científicos. Um objeto científico é tudo aquilo que quer dar resposta (quer dar umasolução) ao problema original. Estes objetos podem ser: perguntas, hipóteses, instrumentos, teorias,experimentos. . . Em particular, nossa solução ao problema será mais um objeto construído.

Contudo, o pesquisador também se interessa pelo processo que o leva a resolver o problema. Nesteprocesso ele cria métodos, técnicas, regras, e outros objetos auxiliares que o possibilita dominar oproblema.

A ciência nasce de um problema, uma inquietude, uma pergunta, um desconforto ou um incômodo.O desconforto poderá existir porque o conhecimento que se tem e se partilha naquele momento não ésuficiente ou adequado para resolver um problema. O conhecimento que se tem e se partilha comu-mente fazer parte do senso comum: aquilo que é aceito por todos, as ideias dominantes, intelectuais,vulgares e espontâneas de uma época. O senso comum pode atrapalhar na concepção de um novomundo diferente e melhor. Por isso o pesquisador deve mostrar a todos como é contraditório estemundo sensível e espontâneo.

A astronomia é um claro exemplo de ciência construída a base de desconfortos e inquietudes: qualseria o impacto de um eclipse solar na consciência de indivíduos na pré-história. Que perguntaspoderiam surgir? A pergunta é um vetor que aponta para um objeto que desejamos construir. Depoisde observar certa periodicidade da ocorrência dos eclipses cabe uma nova pergunta: Os eclipses desol são predizíveis? Isto aponta a construção de um algo que nos responda a predizibilidade de um

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eclipse solar. E de certa forma o que se quer construir é um mecanismo que indique o funcionamentodo movimento dos astros.

O ’Almagesto’ de Ptolomeu (90-168) foi um tratado de astronomia que deu resposta a esta e outrasquestões da astronomia na Antiguidade e na Idade Média. Contudo, esta obra científica (e suas mo-dificações) não conseguia resolver alguns problemas que eram importantes na época. Em particular ateoria elaborada por Ptolomeu não calculava o equinócio com a precisão necessária.

NotaPara o leigo: os equinócios indicam as mudanças de estações. No hemisfério sul, o primeiroequinócio determina o fim do verão e o começo do outono, o segundo equinócio indica o fimdo inverno e começo da primavera. Para o astrônomo: em dois instantes do ano os raios dosol farão um ângulo de 90 graus com o solo em alguma posição da linha equatorial. É nesseinstante que o sol estará na posição do equinócio. Pois bem, este instante era mal calculadopela teoria científica de Ptolomeu.

Consequentemente, a construção de um calendário era ainda um problema não resolvido. Contudo,o ’Almagesto’ foi empregado por mais de mil anos pois era fundamentalmente produto da visão demundo daquela época: o universo tinha um centro. Este centro era ocupado pela terra. Os planetas eo sol e as estrelas giravam entorno da terra.

Assim, o conceito de ciência deve ser estabelecido dentro de um período histórico. Para definirciência não podemos excluir o que esta acontecendo no mundo, como são as iterações humanas equais são as ideias dominantes. Em cada época predomina una determinada visão do mundo e sedefinem determinados tipos de problemas relativos a formação social existente. Novas visões domundo se abrem passo em cada época, definem-se novos tipos de problemas que supõe a busca denovas soluções, isto é, a construção de novas formas de vida social. Por exemplo, na idade média,o conceito de ciência estava vinculado ao pensamento e prática religiosa. A ciência, tal como hojeé concebida, é fruto da modernidade ou sociedade capitalista desenvolvida inicialmente na Europaocidental, e é parte substantiva da ruptura superadora do anterior período feudal.

A ciência é um conhecimento em continuo (e por momentos descontínuo) processo de construção. Seo conhecimento sobre determinado assunto não existe, então ele poderá ser construído. Se o conhe-cimento já existe, então temos a liberdade de modificá-lo ou reconstruí-lo de modo que possamos terum entendimento e domínio compatível com o que estamos vivendo. Sempre poderemos modificarou substituir o conhecimento científico a fim de que a humanidade possa ter algum proveito.

((((Galileu))))

Contudo, a história do pensamento científico mostra que o pesquisador que deseja efetivamente fazerciência luta contra a tradição, contra a cultura e contra os pensamentos dominantes de sua época. Umexemplo desta luta foi a vida de Galileu Galilei. O que viu Galileu depois de aperfeiçoar seu telescópioe olhar para Júpiter ou para Vénus? Ele queria enxergar aquilo que não era visto por todos (ou melhor,aquilo que os pesquisadores não queriam ver), e teve uma enorme rejeição pelos intelectuais e pelaautoridade de sua época. Ele nos mostra que no oficio de pesquisador devemos procurar a rupturacom o senso comum: devemos sair do mundo sensível e construir um mundo impossível respeito ànossa época. Galileu nos mostra como era contraditório aquele mundo do senso comum em que vivia.

1.2 Problema, método e objeto construído

O problema, o método e objeto construído são inseparáveis de uma época, de um ambiente intelectuale social determinado. O pesquisador, nesse ambiente, formula determinados problemas. Para ir se

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aproximando a uma solução aceitável, cria soluções, isto é objetos novos (antes inexistentes) quepermitem resolver o problema.

O método que utilizamos não deve ser imposto previamente mas sim deve ser construído ou recons-truído durante a própria pesquisa, introduzindo frequentemente um ou vários modelos metodológicosde pesquisa já existentes.

Um método científico é a forma de proceder para construir um objeto. Assim, o objeto construídopelo método aplicado terá características deste método. Por outro lado, se pensarmos que a soluçãoobtida por determinado objeto permite identificar melhor o problema, então o método é influenciadopelo problema. Assim, um método é inseparável do problema e sua solução (objeto construído).

Neste livro veremos duas grandes linhas que orientam os pesquisadores na construção de métodose objetos científicos: o modelo empirista (Seção 2.3 [18]) e o modelo sistêmico (Seção 2.4 [24]).O modelo empírico permite construir objetos empíricos, e reciprocamente, se queremos construirobjetos empíricos, devemos empregar o modelo empírico. Da mesma forma, se o objeto construído éresultado da aplicação do modelo sistêmico teremos um objeto sistêmico e vice-versa.

Devemos nos perguntar se um método existente realmente nos permite resolver o problema. Quandoaplicamos um método estamos, implicitamente, reivindicando uma forma de ver o mundo, alimentadoou rejeitando o senso comum da época. O problema, o método e o resultado (objeto construído) dapesquisa se inscrevem na visão do mundo que se tem ou que constrói o pesquisador e que ele poderácontrariar. Afinal, porque somos levados a usar um único método existente?

Se o método não for adequado para aquilo que desejo resolver então o método estará limitando meutrabalho científico. Galileu elaborou a teoria da dinâmica de corpos arremessados na superfície daterra usando a geometria e a matemática. Mas esta elaboração foi uma construção dele, em sua época,para o estudo da dinâmica no mundo físico.

Com Galileu Galilei, o problema, o método e o objeto construído aconteceram juntos (veja em Se-ção 2.5.1 [28]). Galileu é a prova que devemos sempre procurar e construir métodos adequados. Outropesquisador que constrói seu método (baseando-se no modelo empirista) foi Frederick W. Taylor (vejaem Seção 2.5.2 [32]).

Em conclusão, o método deve ser indagado e até mesmo construído durante a pesquisa se for neces-sário.

1.3 Conhecimento e comunidade científica

O conhecimento científico é qualquer conhecimento partilhado por pesquisadores em determinadoperíodo histórico. Neste sentido pode-se dizer que:

1. Situando-nos na Antiguidade, a teoria que coloca a terra imóvel no centro do universo e todosos demais astros ao arredor da terra é um conhecimento científico.

2. Situando-nos no final da Idade Média, a teoria que coloca a terra e os planetas errantes a orbitarentorno do sol é um conhecimento científico.

O conhecimento científico não implica conhecimento ’verdadeiro’ mas sim conhecimento ’aceito’e situado em sua época. Ambos conhecimentos foram aceitos e reivindicados por comunidades ci-entíficas em determinados períodos históricos. Esta comunidade defende este conhecimento porqueele possibilita apreender um determinado objeto de forma compatível com as ideias dominantes daépoca.

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O conhecimento científico é originado na formulação de uma pergunta ou na definição de um pro-blema. A solução/resposta para este problema pode gerar um conhecimento científico novo ou areafirmação do conhecimento vigente. Um conhecimento científico é consolidado, reafirmado e pos-sivelmente ampliado por problemas que dão precisão e ampliam o domínio de aplicação.

Por outro lado, existem problemas (perguntas, fatos) que não podem ser abordados apropriadamentepelo conhecimento científico vigente. Estes problemas ’quebra-cabeças’ colocam em ’xeque’ o co-nhecimento científico de una época. E mais, o próprio conhecimento científico pode levar a umacontradição com o senso comum que ele gerou. Este é o caso dos paradoxos gregos (ver paradoxode Zeno em Seção 2.5.3 [34]) ou ’as experiencias de pensamento’ de queda livre de Galileu (verSeção 2.5.1 [28]). Os problemas que não podem ser resolvidos ou se resistem a serem resolvidos sãoos verdadeiros responsáveis pela geração do conhecimento científico novo.

É por isso que a ciência é um conhecimento em continuo processo de construção e retificação.

1.4 A natureza do progresso das ciências.

Nesta seção apresentarei uma interpretação das ideias do físico Tomas S. Kuhn (Kuhn, 1960 [44]).

Kuhn baseia-se na nova historiografia da ciência de Alexandre Koyré(Koyré, 1973 [44]). Koyrébusca apresentar a integridade histórica da ciência, a partir da própria época. Nesta visão, interessa,por exemplo, as ideias partilhadas por Galileu e seu meio de trabalho, as ideias e relações com ospensadores de seu tempo. Interessa saber qual a opinião que dá a maior coerência e entendimentoentre os cientistas da época. Esta abordagem quer evidenciar a existência da comunidade científica:um grupo de pessoas que partilham e defendem ideias, métodos e tem uma visão do mundo unanime.

A historiografia de Koyré revela que a conexão entre cientistas não é, unicamente, pelos métodose técnicas que eles utilizam. ’Um elemento aparentemente arbitrário, compostos de acidentes pes-soais e históricos, . . . ingrediente formador das crenças esposadas por uma comunidade científicaespecifica numa determinada época.’ (Kuhn, 1960 [44], p. 23) Segundo Kuhn, o elemento arbitrárioque conecta os cientistas é um paradigma. Como veremos, Kuhn define uma ciência plenamentedesenvolvida àquela que tem ou teve um paradigma.

Kuhn mostra que o padrão da atividade científica antes do estabelecimento de um paradigma é radi-calmente diferente ao padrão de atividade depois da existência de um paradigma. Antes do primeiroparadigma, os cientistas não são obrigados a assumir um corpo qualquer de crenças. Os cientistasconstroem seu campo de conhecimento a partir dos fundamentos. Isto é, os pesquisadores começamdo zero: definem os princípios, as bases do objeto de estudo. Para isso o pesquisador tem a liberdadepara escolher o que resolver, observar e experimentar. Não existem problemas impostos. Ele escolheos problemas, os fenômenos e os métodos que achar melhor. Antes do paradigma existem diferentesescolas que diferem em suas construções e estão em competição entre si. Cada escola em competiçãodefende seu ponto de vista.

Kuhn cita vários exemplos de como é a atividade científica antes de um paradigma. No caso daóptica física, ’Cada uma delas (as escolas) enfatizava, como observações paradigmáticas, o conjuntoparticular de fenômenos ópticos que sua própria teoria podia explicar melhor. Em épocas diferentes,todas estas escolas fizeram contribuições significativas ao corpo de conceitos, fenômenos e técnicasdos quais Newton extraiu o primeiro paradigma quase uniformemente aceito na óptica física.’ (Kuhn,1960 [44], p. 32). Segundo Kuhn, este paradigma de Newton constitui um marco histórico paraa óptica física. A atividade do pesquisador que trabalha com este paradigma se chamará pesquisanormal e ele estará construindo o que Kuhn denomina ciência normal.

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1.4.1 Paradigma e ciência normal

ParadigmaUm paradigma é uma realização científica que tem duas características fundamentais:

1. é uma realização sem precedentes e

2. é uma realização aberta.

Entende-se por realização científica sem precedentes a um trabalho exemplar que propõe uma visãode mundo, um conjunto de ideias para dar respostas a como é o mundo em determinada época. Estasrealizações paradigmáticas conquistam pesquisadores para que eles trabalhem em sua ampliação eprecisão.

Por outro lado, um paradigma é uma realização aberta no sentido de deixar para outros pesquisadores,problemas que ainda não foram resolvidos e que se acredita que possam ser resolvidos com base aeste paradigma.

Um paradigma é um trabalho que serve de exemplo, modelo ou padrão. O paradigma indica quaissão os problemas que interessam ser resolvidos. O paradigma é aceito por pesquisadores porque eleresolve apropriadamente problemas considerados importantes que até aquele momento não tinhamsido resolvidos satisfatoriamente. O pesquisador, de certo modo, tem a esperança de sucesso no seutrabalho se aplicar as ideias do paradigma.

Um paradigma é comumente divulgado em manuais científicos. Um manual apresenta a teoria e asaplicações bem-sucedidas do paradigma. Os manuais são orientados para a população leiga e paraa prática concreta. Uma vez apresentado o paradigma, este atrai adeptos para sua prática. É nosmanuais onde aprendem os estudantes que pretendem fazer parte de uma comunidade científica. Oparadigma é ensinado previamente para o aluno que deseja fazer parte da comunidade científica.

Segundo Kuhn, a física e a astronomia são exemplos de ciências plenamente desenvolvidas pois elasforam submetidas a vários paradigmas. Exemplo destas realizações são:

• Na física: A ’física’ de Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) e ’Principia’ de Newton (1643-1727).

• Na astronomia: Astronomia de Ptolomeu (90–168) e Astronomia de Copérnico (1473-1543)

Um paradigma quer dar respostas profundas sobre o mundo, por exemplo [Kuhn, T. S. (1960), página23]: ’Quais são as entidades fundamentais que compõem o universo?’ ’Como interagem estas enti-dades umas com as outras e com os sentidos?’ O paradigma também tem embutido as questões, osproblemas e os métodos e pois ele também quer responder a seguinte pergunta: ’Que questões podemser legitimamente feitas a respeito de tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na buscade soluções?’

O paradigma contem implicitamente um comprometimento com regras, padrões, práticas que pro-vocam raramente desacordo com seus pontos fundamentais. Contudo, o paradigma não determinaregras ou métodos mas sim orienta a pesquisa para que ela não provoque novidades ou desacordoscom a visão de mundo estabelecida.

Ciência normalA ciência normal é o conhecimento resultante do convencimento de uma comunidade científicaque defende um paradigma. É na ciência normal onde a comunidade científica deve defender avisão de mundo estabelecida no paradigma. O que se faz na ciência normal é a atualização de

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uma promessa de sucesso de um paradigma. Para isso o trabalho do pesquisador consiste emampliar o conhecimento de fatos e correlacionar estes com predições que o paradigma indica.Existe um trabalho de acabamento e de aumento na precisão das soluções conhecidas. Asaplicações bem-sucedidas do paradigma são refeitas com instrumentos e técnicas mais precisas.

O que faz o pesquisador frente a um paradigma que ele acredita? Olha apenas para o fenômeno que oparadigma indica. Harmoniza os fatos para adequar-se a teoria. Aplica a teoria para descobrir novosfatos ampliando assim o alcance do paradigma. A ciência normal é uma tentativa de forçar a naturezaa encaixar-se dentro dos limites fornecidos pelo paradigma. Na ciência normal não se buscam outrosfenômenos nem outras teorias que não se ajustam ao paradigma. Na ciência normal não existe grandeinteresse em fenômenos inesperados. Se busca articular apenas as teorias e fenômenos que interessamao paradigma. Isto restringe a visão do cientista que confia no paradigma, mas por outro lado reforçao sucesso do paradigma.

Contudo, o pesquisador que deseja ser visto como ’criativo’ dentro de uma comunidade científicanão constrói seu conhecimento partindo dos fundamentos e princípios que aparecem nos manuais,mas sim parte de onde o manual não contribui. Isto é, o pesquisador normal ’criativo’ parte de ondeo manual termina, ou seja, ele se ocupa de aspectos esotéricos, dos fenômenos que o paradigma aindanão resolveu. O pesquisador escreve ’artigos breves’ (Kuhn, 1960 [44], p. 40). Este pesquisadornão escreve para (ou faz) manuais, ele escreve para colegas que demostram ser os únicos capazes deentender fenômenos ainda não resolvidos pelo paradigma.

Os problemas que se resolvem na ciência normal tem solução conhecida e fornecida pelo paradigma.Kuhn chama a estes problemas de ’quebra-cabeças’.

Um ’quebra-cabeça’ é um problema

• fornecido pelo paradigma,

• que tenta adequar o paradigma aos fatos,

• que possui uma solução conhecida e segura,

• cujo resultado não é relevante, não é importante, não produz novidade inesperada e

• todas as peças devem ser usadas (as regras que limitam a natureza e os passos para obter assoluções devem ser usadas).

Um exemplo de quebra-cabeça apresentado por Kuhn é a construção de um instrumento para medircomprimentos de ondas ópticas (Kuhn, 1960 [44], p.62):

1. Este instrumento deve ser uma encaração da teoria do paradigma, isto é, a teoria do paradigmadeve explicar por que o instrumento deve ser construído de tal ou qual forma.

2. Este instrumento deve apresentar os números que a teoria indica para os comprimentos de onda.

Se o instrumento construído não indica os números apontados pelo paradigma ou não é produto dateoria do paradigma, então o quebra-cabeça ainda não esta resolvido.

O pesquisador deve resolver um quebra-cabeça para provar que é possível obter o resultado apresen-tado pelo paradigma. O que procura um pesquisador ao resolver o quebra-cabeça é alcançar a soluçãode forma engenhosa. Para a comunidade científica, o pesquisador é bem-sucedido se ele consegueobter os resultado que a teoria do paradigma indica. ’se (o pesquisador) for suficientemente habili-doso, conseguirá solucionar um quebra-cabeça que ninguém até então resolveu ou, pelo menos, nãoresolveu tão bem.’ (Kuhn, 1960 [44], p.61)

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Evolução do conhecimento no período paradigmáticoPodemos ver a evolução do conhecimento como uma curva contínua no espaço (alcance xprecisão) que se inicia com o estabelecimento do paradigma e se dirige para uma região demaior alcance e precisão.

Figura 1.1: Evolução do conhecimento no espaço (alcance x precisão)

A figura Figura 1.1 [7] mostra uma possível evolução do conhecimento no período paradigmático.No eixo horizontal esta o grau de precisão entre o fato e a teoria. No eixo vertical indica-se o númerode problemas resolvidos adequadamente. O surgimento de um paradigma resolve um número deproblemas com uma precisão determinada. A medida que o pesquisador normal começa resolverquebra-cabeças, ele aumenta a precisão de suas aplicações assim como amplia o alcance das mesmas.

Por outro lado, a ciência progride durante a aplicação do paradigma porque:

• o pesquisador normal se concentra apenas numa faixa de problemas e

• a pesquisa se concentra numa parcela limitada da natureza com profundidade e detalhamento semprecedentes.

Contudo, devido a esse grau de profundidade e detalhamento, o próprio paradigma é comprometido:determinado quebra-cabeça pode não ser resolvido. Pode acontecer que os pesquisadores mais hábeisda comunidade científica não conseguem resolver um quebra-cabeça. A culpa de não poder resolverum quebra-cabeça é do pesquisador que não foi suficientemente habilidoso? Também pode aconte-cer uma anomalia: durante a pesquisa normal um fenômeno inesperado para a teoria paradigmáticaocorre. Será que o instrumento empregado esta bem construído?

Em síntese, a pesquisa normal progride resolvendo problemas indicados pelo paradigma. Contudo, opesquisador encontrará problemas que não poderão ser resolvidos satisfatoriamente. Nesta situação,o cientista não conseguem fazer o que é de mais sagrado na pesquisa normal: atualizar a promessa dosucesso do paradigma. Veremos que esta incapacidade não é do pesquisador nem de seus instrumentosmas sim do paradigma.

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1.4.2 Anomalia e descoberta

Uma anomalia é um fato que não pode ser previsto e explicado pelo paradigma. Poderá ser o resultadode um experimento que não preenche as expectativas do pesquisador. Por exemplo: o pesquisadorespera um resultado teórico conhecido, mas o experimento indica algo anômalo. O paradigma nãoprepara o pesquisador para ver algo diferente. Pensemos que o paradigma nos assegura que o resul-tado para certo experimento é A. Contudo o experimento nos revela AB O pesquisador poderá pensarque o fato observado é um erro do instrumento ou do experimento, mas nunca um erro do paradigma.Neste sentido, enquanto este fato não for previsto pelo paradigma, ele não é considerado científico,ele é considerado anômalo.

A descoberta se inicia com o reconhecimento, por parte da comunidade científica, de que a anomaliaacontece e não tem mais jeito: ’. . . a natureza violou as expectativas paradigmáticas . . . ’ (Kuhn,1960 [44], p. 78). O pesquisador perde as esperanças de que ele possa entender o fato pela articulaçãodo paradigma.

Kuhn apresenta exemplos de anomalias que se tornaram descobertas:

1. descoberta do oxigênio (Kuhn, 1960 [44], p.78)

2. descoberta do raio X (Kuhn, 1960 [44], p.83)

3. descoberta da garrafa de Leyden (Kuhn, 1960 [44], p.87)

Kuhn explica porque, apesar da ciência normal ser uma atividade de censura para as novidades, pode,contudo, produzir anomalias e descobertas: A tendência da pesquisa normal é produzir conhecimentoque aumente seu alcance e precisão. O trabalho do pesquisador se torna altamente especializado:constrói instrumentos cada vez mais precisos e seu assunto de pesquisa cada vez mais estreito. Osinstrumentos darão ao pesquisador informação cada vez mais detalhada e sua tarefa será encaixar estesdados na teoria e vice-versa. E são estes instrumentos e níveis de precisão que fazem acontecer asanomalias. É graças a estes instrumentos especializados que determinados pesquisadores conseguemdistinguir que algo realmente saiu errado.

Uma anomalia pode ser vista como um quebra-cabeças da ciência normal. O pesquisador devemostrar que o paradigma pode ser modificado (sem que isso signifique sua substituição) e com elepodemos obter o que a descoberta nos indica. Por exemplo, os seguidores de Ptolomeu fizerammodificações no Almagesto para melhor adequar o movimento dos planetas. Contudo, em palavrasdo astrônomo Copérnico, estas transformações tornaram este paradigma um verdadeiro monstro.

Por outro lado, uma anomalia pode ser vista como um contraexemplo do paradigma. Quando estasadaptações do paradigma são insuficientes para elucidar a anomalia, esta anomalia é um exemplo deque algo anda mal, um exemplo que vai contra o paradigma e devemos procurar outra forma dever o mundo.

1.4.3 Crise e nascimento de novas teorias

A ciência normal esta em crise quando ela é incapaz de resolver novos problemas. Estes novosproblemas podem estar motivados por anomalias ou por necessidades históricas. A crise acontecequando pesquisadores normais experientes no paradigma, fracassam reiteradas vezes em resolver umproblema (quebra-cabeça) importante. O pesquisador que observa esta crise se sentirá profundamenteconstrangido (ver, por exemplo Kuhn, 1960 [44], p. 114 e 115). O que mostra a crise é o fracasso

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do paradigma e não a do pesquisador normal. Contudo, o pesquisador normal jamais abandonará oparadigma ou tratará a anomalia como um contraexemplo do paradigma.

Será que as anomalias leva o pesquisador a desconfiar do paradigma? Veremos que frente a umadescoberta o pesquisador pode tentar fazer modificações (ajustamentos, adaptações) no paradigma.A descoberta termina quando o anômalo se torna esperado pelo paradigma, mas isto somente podeacontecer com grandes transformações no paradigma. Estas tentativas de adaptar um paradigma paraque o anômalo se torne esperado é denominada por Kuhn de ’pesquisas extraordinárias’.

Problemas não resolvidos e contradições são acontecimentos que levam os pesquisadores a desenvol-ver teorias alternativas ao do paradigma vigente. Geralmente o fracasso e a proliferação de adaptaçõese teorias alternativas colocam em evidência esta crise.

1.4.4 Revolução científica

Uma das consequências da crise e das pesquisas extraordinárias é um crescente sentimento, por partede um setor da comunidade científica, de que o paradigma deixou de funcionar adequadamente. Acrise resultante da incapacidade do paradigma vigente para resolver problemas importantes (como porexemplo dar uma explicação a descoberta dos raios X), leva aos pesquisadores elaborar outras formasde trabalho incompatíveis com o trabalho comunitário vigente.

A revolução científica se torna evidente quando existe o debate entre dois grupos: Um grupo partidáriode um paradigma revolucionário e outro grupo partidário do paradigma vigente. Cada grupo defendeseu paradigma empregando argumentos do próprio paradigma. Quais sãos seus argumentos? Estesargumentos não são puramente argumentos lógicos ou empíricos mas também persuasivos pois tentamincitar a aceitação de paradigmas irreconciliáveis.

É claro que dois paradigmas sucessivos não podem ser logicamente equivalentes. Se fossem equi-valentes, então o paradigma revolucionário não daria resposta adequada aos problemas da crise quegerou o paradigma vigente. Por outro lado, dois paradigmas sucessivos são irreconciliáveis: sãoformas diferentes de ver o mundo.

Exemplo de mudanças revolucionárias foram:

1. na astronomia: sistema planetário geocêntrico x heliocêntrico.

2. na física: dinâmica de newtoniana x relativista.

No primeiro exemplo, é bastante evidente que ambos sistema planetário são incompatíveis. Tambémé claro que o sistema heliocêntrico destrói por completo o mundo geocêntrico. No segundo exemplo,mostra como os pontos de vista para determinado fenômeno são radicalmente diferentes: para Newtona gravidade é uma força (proporcional a massa da terra), contudo, para Einstein a gravidade nãoé uma força mas sim consequência da deformação de um mundo de quatro dimensões (o espaço-tempo) produzida pela massa da terra. Se aceitamos a teoria de Einstein, devemos reconhecer que ateoria de Newton esta errada. Reciprocamente, se a dinâmica de Newton esta correta, então devemosdeduzir que a teoria de Newton produz resultados corretos para velocidades próximas à velocidade daluz, contudo estes resultados são totalmente diferentes aos da teoria da relatividade.

Outros exemplos são relatados no livro de Kuhn (Kuhn, 1960 [44]).

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1.5 Recapitulando

A ciência é um conhecimento construído para dar solução a problemas e desafios para determinadaépoca histórica. A construção deste conhecimento é influenciada pelo o senso comum: aquilo que éaceito por todos. Contudo, para construir um conhecimento novo que resolva apropriadamente umproblema, o pesquisador deve tentar romper com o senso comum. Uma forma de fazer isto é vercoisas que a grande maioria não vê, ou não quer ver.

O importante da pesquisa científica é a construção de um objeto novo. Este objeto construído tem oescopo de dominar (explicar, modificar, abordar, ver, trabalhar, . . . ) o assunto que se esta abordando.Por objeto novo, refere-se a um objeto que não tenha origem ou seja uma transcrição de objetos nosenso comum.

Kuhn caracteriza uma ciência plenamente desenvolvida como aquela que tem ou teve pelo menosum paradigma. Um paradigma é um trabalho científico sem precedentes e suficientemente abertoque atrai outros pesquisadores para o trabalho de acabamento do próprio paradigma. Os paradigmasquerem dar soluções a problemas e desafios em cada época histórica. Uma vez estabelecido o para-digma, inicia-se o trabalho da ciência normal que é produto de resolução de problemas (denominados’quebra-cabeças’) que o paradigma assegura dar solução. Quando um problema é resolvido a partirda articulação do paradigma, o pesquisador acaba atualizando a promessa de sucesso de um para-digma. A ciência normal é uma atividade que tem sucesso porque os cientistas conseguem selecionarproblemas que possam ser resolvidos através de técnicas e instrumentos que são encarnações da te-oria paradigmática. Contudo o nível de especialização e detalhamento alcançado por uma pesquisanormal poderá indicar novidades inesperadas (anomalias) que poderão levar a crise do paradigma e(re)surgimento de teorias revolucionárias.

Em síntese, ciência se desenvolve nas seguintes etapas:

1. Período pré-paradigmático: neste período existem várias escolas em competição onde surgiráuma realização científica sem precedentes (paradigma).

2. Período paradigmático: nesta etapa se reafirma o sucesso do paradigma e é aqui onde se desen-volve a ciência e pesquisa normal.

3. Período extraordinário: neste período acontecem anomalias e descobertas devido ao alto graude especialização da ciência normal. Devido a incapacidade do paradigma para lidar com asanomalias, a ciência normal entra em crise. Surgem as pesquisas extraordinárias que tentamfazer adaptações do paradigma para resolver estes problemas, contudo estas adaptações não sãogeralmente aceitas pela comunidade científica.

4. Período revolucionário: Neste momento existe um paradigma candidato a superar o paradigmatradicional e onde a mudança de paradigmas acontece.

O seguinte gráfico ilustra um caso hipotético de como interagem estas etapas de uma ciência plena-mente desenvolvida:

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Figura 1.2: Períodos históricos de uma ciência plenamente desenvolvida.

Na figura Figura 1.2 [11], a linha horizontal superior representa a linha do tempo. Inicialmente, te-mos várias escolas (A, B, C e D) com formas de pensar comunitariamente incompatíveis. Na linhavertical tracejada separa-se o período pré-paradigmático da era paradigmática. Isto é, determinadaescola constrói uma obra exemplar (Paradigma 1) que resolve, convincentemente, problemas consi-derados sérios para aquela época. A partir desse momento o paradigma atrai adeptos para sua prática(setas tracejadas das escolas A, B e D para o paradigma 1) e se desenvolve o trabalho da ciêncianormal (a linha se torna cada vez mais grossa pois aumenta o número de aplicações bem sucedidasda pesquisa normal). Contudo, existem quebra-cabeças que ser resistem em apresentar uma soluçãopela articulação do paradigma. Estes problemas poderão ser anomalias (que provavelmente se tor-naram descobertas) que não poderão ser assimiladas pela teoria paradigmática. Para dar resposta aestas questões inicia-se o período extraordinário (linha vermelha grossa e tracejada, observe que nãohá um aumento no número de problemas resolvidos). É na crise que poderão emergir (ou ressurgir)paradigmas superadores (no desenho, o paradigma 2 surge com o desenvolvimento do paradigma 1,contudo não foi aceito naquela época) que poderá atrair praticantes para esta nova forma de ver omundo (setas tracejadas da crise do paradigma 1 para o paradigma 2). O processo revolucionário éindicado no gráfico com a coexistência de dos paradigmas em determinada época (paradigma 1 e 2).De igual forma, o paradigma 2 terá uma evolução similar como a do paradigma 1: entrará em crise eum terceiro paradigma poderá competir com ele.

Um exemplo concreto: óptica física. A história da óptica física é para Kuhn (ver Kuhn, 1960 [44],p.31) o padrão de evolução histórica das ciências plenamente desenvolvidas.

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Figura 1.3: Período históricos da óptica física.

A figura Figura 1.3 [12] sintetiza a história da óptica física. Esta área de conhecimento passou portrês paradigmas e duas revoluções científicas.

É na formulação dos problemas e na resolução dos mesmos que surgem os paradigmas. É a partir dosparadigmas que surgem os métodos científicos. Neste sentido, no capítulo seguinte tentaremos nosposicionar em cada época histórica e olharemos para seus paradigmas, problemas e métodos.

1.6 Atividades

Pense nas seguintes questões:

1. Dê exemplo de algum conhecimento/conceito científico que já faça parte de nosso senso co-mum.

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2. A ciência pode ser vista como um movimento ideológico para a reafirmação da concepçãodominante de mundo?

3. Quando determinado pesquisador resolve problemas do tipo ’quebra cabeças’ em determinadoparadigma, em que esta interessado este pesquisador?

4. Por que é importante para um paradigma resolver problemas do tipo ’quebra cabeças’?

5. Quais seriam os motivos para romper com o senso comum?

6. Qual pode ser a melhor forma de romper com um paradigma?

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Capítulo 2

Modelos metodológicos

OBJETIVOS DO CAPÍTULO

Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• conhecer a ciência na idade média (a escolástica), e a ciência no surgimento e consoli-dação do capitalismo (modelo empirista e sistêmico).

• concluir que o método científico é algo construído, adaptado ao objeto investigado e àépoca que o pesquisador vive.

Veremos que o meio social e cultural onde o pesquisador vive influencia na escolha do objeto quese quer conhecer e no método para construir este conhecimento. Por isso não devemos desprezar oconhecimento de histórico e sociológico da época onde se origina o método.

2.1 Introdução

Para entender os modelos metodológicos devemos compreender o pensamento dominante de cadaépoca. Para isso apresentaremos perguntas e problemas que os cientistas formulavam em cada época.

Estas perguntas e problemas estabelecem um rumo para a construção de determinado objeto cientí-fico. Os objetos e métodos construídos, são frutos da resolução de problemas e desafios históricos.Dependendo do tipo de problema ou do tipo de objeto de pesquisa, surge a necessidade de um ououtro método e inclusive da construção de novas formas de proceder cientificamente.

Abordaremos apenas as ideias originadas na Europa ocidental pois é ali onde surge o conceito deciência que temos hoje.

Dividiremos nosso estudo em quatro partes:

1. A escolástica.

2. O modelo empirista.

3. O modelo sistêmico.

4. Métodos adequados.

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O modelo escolástico se desenvolve na Idade Média (séculos V e XV) junto ao sistema feudal. O mo-delo empirista é o paradigma metodológico superador ao escolástico e esta associado ao surgimentoe fortalecimento do sistema capitalista. O modelo sistêmico é outro paradigma que se origina da ne-cessidade de resolver problemas complexos que o modelo empirista não dava resposta apropriada. Omodelo sistêmico consegue superar o modelo empirista em determinados aspectos, contudo, veremosque fracassa em dar uma alternativa verdadeira.

Também se apresentam dois métodos científicos desenvolvidos em diferentes épocas e para diferentesproblemas. O método de Galileu Galilei (1564-1642) e o método de Frederick W. Taylor (1856-1915).Estes métodos mostram como o problema, o método e sua solução deve ser construídos.

Galileu viveu na Itália durante a renascença e seu objeto escolhido era a dinâmica, o mundo físico emmovimento. O desafio de Galileu era mostrar a todos, de forma profunda e incisiva, que a geometria(e a matemática) consegue e é apropriada para o estudo da dinâmica.

Por outro lado, Taylor viveu nos Estados Unidos em plena construção do capitalismo. Ele queriatransformar o trabalho de sua época para torná-lo eficiente e compatível com o capitalismo. Du-rante mais de duas décadas construiu um novo modelo de produção que substituiu definitivamente otrabalho artesanal pelo trabalho operacional.

Os métodos adequados mostram porque o método deve ser apropriado ao objeto construído (dinâmi-ca/trabalho) e porque ele é influenciado e motivado pelo contexto histórico e social. Estes métodosespecíficos, apesar de não serem desta época, eles servem de exemplo de como devemos pensar aciência e seus métodos.

No final deste capítulo, baseando-se num texto do matemático uruguaio José Luis Massera, se indicaa importância das definições e postulados para as grandes transformações da matemática.

2.2 A escolástica

A Idade Média é sempre colocada como um período sombrio para a humanidade. Porém, entre osséculos XI e XIV na Europa Ocidental, ouve uma época fecunda na educação filosófica. Surgem asprimeiras universidades, verdadeiras instituições do saber. A escolástica foi um pensamento domi-nante presente nas universidades medievais. Neste período foi desenvolvida a filosofia escolástica. Aterminologia que empregamos hoje na filosofia é devida a escolástica.

A tradução para o latim de muitas obras da antiguidade foram feitas neste período. O que aconte-ceu neste período foi um novo contato, uma nova leitura das obras filosóficas da antiguidade (obrasgregas). Em particular, a tradução da obra de Arquimedes (do árabe para o latim) foi realizada nestaépoca.

NotaAntes deste período fecundo na Idade Média ocorreu um período de retrocesso intelectualmarcante. Um dos motivos para este retrocesso foi a ruptura das relações entre o mundogrego e o mundo latino. Foi no mundo grego, particularmente na civilização helênica, ondese fundou a filosofia do mundo ocidental.

O método escolástico era organizado a partir de leituras de textos produzidos por filósofos sobredeterminada Escritura. Esta leitura tinha o objetivo de provocar o debate e a partir deste resolverproblemas filosóficos. Na Idade Média, o filosofo é crente, isto é, a filosofia se coloca no interiorde uma religião revelada (cristã, judaica ou islâmica). Isto implica que os problemas formulados

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são orientados para reafirmar ou redefinir a fé religiosa. Nesta época pode-se perguntar se existeDeus, ou mais precisamente, como se pode demonstrar que ele existe. Não obstante, na idade média,diferentemente que na Antiguidade, não se pode levantar a questão se existem mais de um Deus.

O que procuram os filósofos escolásticos é a busca, na filosofia Antiga, de respostas as questões da féreligiosa. Neste sentido, a filosofia escolástica adapta a filosofia de Aristóteles e Platão para que estaseja aceita pela religião.

NotaAtribui-se a Aristóteles (384-322 a.C.) uma obra de grande importância na Antiguidade, umaverdadeira enciclopédia do saber humano. A obra completa de Aristóteles, conhecida naAntiguidade, foi traduzida do grego para o árabe e, na Idade Média, do árabe para o latim.A obra de Aristóteles tinha uma apresentação didática de diversas disciplinas, entre elas:matemática, lógica e física. Estas disciplinas foram ensinadas, comentadas, discutidas eassimiladas com facilidade nas escolas da Idade Média.Platão foi o mentor de Aristóteles. A obra de Platão não teve o mesmo privilégio que a deAristóteles. Talvez por que a obra de Platão seja difícil de assimilar, pois as vezes se precisade um conhecimento prévio importante. A obra de Platão não é bem estudada mas sim beminterpretada e por tanto sua obra é mal ensinada.

Pode-se falar de um platonismo e aristotelismo medieval sem que isso signifique exatamente opensamento platônico ou aristotélico. O aristotelismo e o platonismo medieval não podem ser o deAristóteles e o de Platão pois vivia-se num mundo diferente, um mundo onde só poderia existir umúnico Deus. Vejamos os aspectos platônicos e depois os aspectos aristotélicos nesta época.

2.2.1 O platonismo medieval

A origem do mundoA obra Timeu de Platão seguramente influenciou a concepção do mundo medieval. Tem-senesta obra uma reunião de mecânica celeste, de teologia, de física, matemática e cosmologiamitológica.

Demiurgo (um artífice), o Deus supremo de Platão, mistura o permanente e o cambiante paraconstruir a alma do mundo: os círculos por onde transitam os astros (por exemplo: a eclíptica,onde o sol eclipsa as constelações do zodíaco e círculo equatorial, onde se observa o movimentomaciço dos astros). São formados deuses inferiores, outras almas astrais, subordinadas a Deuse encarregadas para as estruturas restantes. A partir de formas geométricas constrói corposelementais e destes corpos elementais, o mundo real: o homem, as plantas, os planetas, o sol,. . . A obra Timeu é provavelmente aceitável pelo pensamento religioso se trocarmos a noçãode deuses inferiores por anjos.

A almaA noção de alma é central em Platão e este é o objeto intensamente estudado pelo escolástico.Para o escolástico é na alma onde reside a verdade, e a verdade é Deus. A noção medieval dehomem é de uma alma estranhamente vestida por um corpo. A alma não esta unida ao corpo.O corpo é o navio e a alma seu piloto. A alma comanda o corpo enquanto vivo.

Segundo Platão, as ideias são colocadas pelo Demiurgo na alma. Para entender o mundo sen-sível (por exemplo um fato) devemos procurar a forma, o permanente, algo invisível, algo que

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não pode ser corporizado. No pensamento medieval a luz divina, que ilumina o homem quesurge no mundo, imprime na alma as ideias eternas (as ideias de Platão) que são as ideias deDeus. Neste instante é que entra a matematização do mundo. A ideia de número é uma ideiaeterna colocada na alma por Deus.

Assim, para o platônico medieval, a alma é o central em sua filosofia. O conhecimento para oplatônico é ter uma ideia, ter uma forma, por mais imperfeita que seja, do que pode representara alma, o essencial (Deus).

2.2.2 O aristotelismo medieval

A naturezaO que interessa e deve ser estudado é o mundo (por exemplo: a física) e não a alma. O mundoé um conjunto hierarquizado e bem organizado de naturezas (objetos). O funcionamento ecomportamento destas naturezas é estável e firme. Interessa para o aristotélico medieval, ofuncionamento organizado, solidificado desta natureza.

Possivelmente, nesta visão, a existência e criação do mundo seja devida a Deus. Mas uma vezcriado o mundo, a existência do mundo pertence a criatura (ao homem) e não a Deus. O homemnão é uma alma (imortal) encerrada num corpo (mortal) e sim um animal que tem uma alma,uma natureza que é racional e mortal. Isto quer dizer, o homem tem um lugar no mundo, masapenas se encontra no mundo, na hierarquia estabelecida pelo criador para sua natureza.

A percepção do sensível e a construção do conhecimentoO conhecimento e o pensamento do ser humano começa pela percepção sensível das naturezas.O conhecimento é originado na sensação. Mas o homem é capaz de elevar seu pensamento:memorizar, imaginar e abstrair-se da percepção. O pensamento pode se distanciar do mundosensível mas sempre estará ligado a ele. O conhecimento científico é conduzido por um racio-cínio causal, um pensamento que nos leva do efeito à causa, do ato ao agente.

A estrutura do mundoO “Almagesto”, de Ptolomeu (90-164 d.C.) sintetiza a visão do mundo na Antiguidade quefoi reivindicada pela escolástica durante a Idade Média. O “Almagesto” continha um grandecatálogo de estrelas e planetas, um modelo geométrico do sistema solar (como mostra a figuraFigura 2.1 [18]), baseado na cosmologia de Aristóteles. No centro do universo estava a terra,imóvel. O movimento dos planetas era explicado através de uma combinação de círculos: oplaneta se move ao longo de um círculo chamado epiciclo, cujo centro se move em um círculomaior chamado deferente. Ptolomeu introduziu outros conceitos que tinha o objetivo de darconta do movimento não uniforme dos planetas. Este modelo geométrico do sistema solarpermitia predizer o movimento dos planetas com muita precisão e por este motivo foi utilizadapor 1300 anos.

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Figura 2.1: Modelo geométrico do universo lecionado nas universidades medievais

Em sínteses, a escolástica estava interessada reformular o conhecimento religioso partindo da filo-sófica Antiga (obras de Platão e Aristóteles). As perguntas eram metafísicas, por exemplo: Há umsentido último para a existência do mundo? Deus existe? Qual é o método para conhecê-lo? Os sereshumanos são dotados de almas?

Com respeito a natureza do mundo físico o método escolástico não “indagava” tal mundo, simples-mente “dizia” como ele era desde um olhar religioso e filosófico. Podemos dizer, desde nossa perspec-tiva privilegiada, que a escolástica não produzia conhecimento científico? Certamente podemos dizerque este conhecimento era produzido por causa da necessidade de reafirmar o pensamento dominanteda época.

2.3 O modelo empirista

No modelo empirista o ponto de partida para construir qualquer conhecimento científico é a expe-riência do mundo sensível e espontâneo. Isto é, para construir conhecimento científico é necessárioperceber a natureza pelos sentidos (olhar, tocar, ouvir, . . . ).

Assim, a alma não é objeto de estudo do empirista. Para o empirista, um objeto não pode ser estudadocientificamente, quando para toda classe de perguntas que façamos a nosso objeto de estudos nãoobtemos resposta perceptível pelos sentidos. É objeto de estudo do empirista todo aquilo que se podeindagar e receber uma resposta que seja perceptível.

Neste modelo parece que somente a natureza (e apenas ela) é quem nos pode informar sobre como elaé. Com isto quero dizer que na mente do pesquisador empirista ronda a ideia que a natureza possuileis e é tarefa do pesquisador encontrá-las. Mas para isso ele deve fazer experimentos que indaguema natureza, e baseando-se nas respostas ele deve analisar os resultados, comparar respostas e chegara formulação destas leis ou ao menos aproximações das mesmas. Parece ser que o pesquisador queencontrar a lei divina (ou uma boa aproximação) é então “iluminado”.

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Podemos saber se este mundo que vivemos é regido por leis ou regras divinas?

Se formos empiristas, devemos preparar um experimento que nos permita obter alguma resposta destemundo.

O problema é que não existe tal experimento. Portanto, não deveríamos assumir uma resposta afir-mativa. Entretanto, o empirista constrói sua ciência baseando-se no pressuposto que a natureza éregida por leis e somente devemos considerar uma lei como científica quando é possível construir umexperimento que nos possa indicar (através dos sentidos) se ela é adequada.

Exemplo 1A lei de Boyle indica que se temos um gás ideal a temperatura constante, o produto da pressãoe o volume do gás é constante. O pesquisador empirista gosta de ver que isso é realmente o queacontece.

Em poucas palavras, o empirista acredita na lei de Boyle se ao menos um experimento “mostra”que se “apertamos” o gás, teremos um “aumento” da pressão do mesmo.

Por outro lado, o empirista considerará esta lei falsa (ou menos científica) se houver algumgás ideal no qual não é verificada (ou é verificada inadequadamente) a relação inversa entre apressão e o volume.

Exemplo 2Enunciados do estilo, “Todo homem tem uma alma.” ou “O centro de nossa galáxia é o centrodo universo.” não são considerados científicos pois: não existe experimento que nos “mostre” aexistência da alma para algum homem ou que o centro do mundo é o centro da via láctea.

O modelo empirista foi construído ao longo de muito tempo por muitas pessoas que compartilhavamas mesmos pressupostos metodológicos. O modelo empirista tem sua origem na idade média mas éplenamente desenvolvido durante a construção do capitalismo pois o capitalismo é uma construçãoempirista que representa o rompimento superador com a forma antiga e medieval. O modelo empiristaé o modelo científico empregado pela maioria dos pesquisador de hoje pois é fruto da sociedade,cultura e tradição capitalista moderna.

2.3.1 As origens do modelo empirista

O empirismo, em sua origem, surge como um método experimental que une o trabalho manual como raciocínio. Os aspectos qualitativos do empirismo parece ter suas raízes no período medieval, noséculo XII, introduzidas pelo bispo inglês Robert Grosseteste (1168-1253). O que ele desenvolve é ométodo da resolução e composição.

Este método é análogo ao método da análise e síntese empregado pelos gregos e descrito por Aristó-teles em suas obras da Antiguidade. Na etapa de análise buscam-se a partir de um complexo, ideiasbásicas, conceitos simples que permitem explicar um complexo. Já na etapa de síntese é o caminhoinverso: deduzir de ideias básicas e simples algo complexo.

ExemploUm teorema é um exemplo de complexo matemático. Um teorema é um produto acabado,o resultado de um processo criativo e provavelmente trabalhoso. Tanto a formulação como ademonstração de um teorema é consequência da análise e da síntese.

Vejamos o seguinte teorema: a soma dos ângulos internos de um triângulo é 180 graus (figuraFigura 2.2 [20]). Como provar este teorema?

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Figura 2.2: Problema, como provamos que α +β + γ = 180 graus

Análise (ver figura Figura 2.3 [20]): Uma reta que corta outras duas paralelas formam ângulosadjacentes iguais. Por outro lado, se traçarmos uma reta paralela ao lado AB que passa por C,esta reta forma os ângulos α , β e γ cuja soma é 180 graus.

Figura 2.3: Analise, do complexo para o simples

Síntese (ver figura Figura 2.4 [20]): Basta empregar os fatos básicos de nossa análise paraprovar o teorema.

Figura 2.4: Síntese, do simples para o complexo

Votemos ao método de resolução e composição de Grosseteste. No mundo das ciências naturais ocomplexo é um fato, algo que percebemos da natureza, nos interessa saber e descobrir suas causas.Observe que uso a palavra percebemos e descobrir que é tudo no que um bom empirista acredita:perceber (sentir) e descobrir (leis).

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A etapa de resolução deste método é a construção de princípios (leis), as possíveis causas (análogoà etapa de análise). A formulação de um princípio é o produto acabado (análogo à formulação deum teorema), resultado de um possivelmente árduo processo. Na composição (análogo à síntese) éonde será possível, partindo dos princípios, deduzir os fatos originais e até mesmo deduzir novos fatosainda não observados. Terminada a composição, baseando-se nos novos fatos deduzidos, procedia-sea construir experimentos para verificar ou falsear o princípio. Os experimentos, deste modo, elimi-navam causas falsas. Uma nova fase de resolução seria executada pois possivelmente os princípiosdeviam ser reformulados.

O método de resolução e composição é um método empirista. Na resolução partimos da experiênciapara construir um principio. Na composição podemos inferir novos fatos antes não constatados pelaexperiência, se este for o caso, devemos perceber estes fatos novos com outras experiências.

O filósofo inglês Roger Bacon (1214-1294) foi o melhor de discípulo de Grosseteste. Foi Roger Baconque acentuou simultaneamente os aspectos matemáticos e experimentais da ciência. Ele declara que ésomente nas matemáticas que se encontram as demonstrações mais convincentes, baseada nas causas.

ExemploA astronomia é uma ciência baseada na matemática e é a partir de de sua teoria que pode-mos calcular com precisão o equinócio. Sem o cálculo preciso dos equinócios não teríamos ocalendário que temos hoje.

Roger Bacon também inaugura o conceito de ciência experimental: o experimento não só valida ouinvalida uma conclusão da dedução lógica (realizada na etapa de composição) mas também a de ser afonte para descobrir novos fatos que não poderiam ser descobertos por outro meio.

Apesar de Grosseteste ter dado o primeiro passo para o modelo empirista, foi Francis Bacon (1561-1626) o arauto desta forma de proceder para a ciência. Não confundir Francis Bacon (um anunciador)com Roger Bacon (um ser criativo). Ainda assim, o discurso de Francis Bacon agora se opõe à esco-lástica: o conhecimento científico tem por finalidade servir o homem e dar-lhe poder sobre a natureza.A ciência deve colocar o homem na posição de “senhor e dono da natureza”. Outros aspectos nadamudam em relação a Grosseteste: o conhecimento científico tem sua fonte na experimentação e ob-servação.

No período dos séculos XV a XVII aconteceram grandes mudanças na visão do mundo. O astrô-nomo Nicolau Copérnico (1473-1543) propõe a ruptura do cosmos de Aristóteles e Ptolomeu que erareivindicada pela escolástica. Neste nova visão, a terra se move, orbita entorno do sol.

Mas foi Galileu Galilei (1564-1642) quem deu o golpe mortal a escolástica. Ele mostra, mais umavez e de forma profunda, que a matematização do mundo físico era possível. Galileu tem um trabalhoteórico formidável que nada tem a ver com o modelo empirista, nem com nenhum método experi-mental. Como se mostra na seção Seção 2.5.1 [28], Galileu constrói um método adequado para oconhecimento daquilo que esta interessado.

2.3.2 O mundo como um mecanismo

Galileu Galilei, seguramente motivado pela obra de Arquimedes (onde resolve problemas da estáticacomo problemas da geometria), mostra em sua obra teórica, que a matemática é uma linguagem apro-priada para construir leis da dinâmica. Galileu diz que “o livro da natureza é escrito em caracteresgeométricos”. Observe que Galileu não fala que devemos primeiro fazer perguntas a natureza. O quediz ele é que devemos procurar escrever nesta linguagem geométrica. Mas escrever nesta linguagem éum trabalho teórico e não experimental. Como se mostra na seção Seção 2.5.1 [28], Galileu primeiro

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constrói a teoria matemática, experimentos mentais, no mundo irreal da matemática, e apenas constróiexperimentos que são encarnações da teoria. O caminho de Galileu é da teoria para os experimentose não ao contrário como todo empirista. Desta forma Galileu inaugura um movimento teórico pelouso e construção da matemática como ferramenta fundamental para a física. Neste sentido, a físicacaminha agora para uma visão quantitativa do mundo.

O assunto mais comumente abordado pelos físicos desde Galileu até o século XIX é o movimentodos corpos no universo. Um esforço que chega a o que hoje conhecemos como mecânica clássica.Inicialmente, Galileu apresenta a lei dos números que governa a queda livre dos corpos, no vácuo, nasuperfície terrestre.

Isaac Newton (1643-1727) elabora, paralelamente a Gottfried W. Leibniz (1646-1716), o cálculo di-ferencial e integral: a matemática necessária para expressar as leis do movimento de corpos pesadosno universo. As equações matemáticas do movimento apresentadas por Newton mostram que o movi-mento futuro de um corpo é dominado sempre que se conheçam, no presente (o que os físicos chamamde instante inicial), a posição, a velocidade e as forças que estão atuando no corpo.

Estas ideias motivam o esquema mecanicista que Pierre Laplace (1749-1827) projetou para o mundo:nada no universo é indeterminado, pois nada neste universo escapa das leis de Newton. O que nosdiz Laplace é que, conhecendo as condições iniciais, é possível prever o futuro com tal de evidenciara lei que governa a natureza. Assim, o universo é pensado como um mecanismo. Este pensamentoé dominante na época pois acontecia uma revolução industrial: a transição de métodos de produçãoartesanais para métodos de produção por ferramentas e máquinas.

Esta visão mecanicista do modelo empírico esta relacionado ao principio causa-efeito e a raciona-lidade analítica.

2.3.3 O principio causa-efeito

Segundo David Hume (1711-1776) já que a realidade profunda é incognoscível, o pensamento podecaptar apenas a relação entre uma causa e um efeito, de modo que a causa faz com que o efeitoaconteça. A causa de algum modo, empurra ou produz o efeito (Figura 2.5 [22]).

Figura 2.5: O principio causa-efeito.

Exemplo de Laplace: “Devemos encarar o estado presente do universo como o efeito de seu estadoantecedente e como a causa de seu estado anterior. . . ”

Figura 2.6: O principio causa-efeito no modelo mecanicista de Laplace.

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Existe uma linha que leva a causa para o efeito. Esta é a lei que devemos construir no modeloempirista. O empirista poderá pensar que esta relação causa efeito também é incognocível. Estarelação simplesmente acontece e é produto da experiência sensível e imediata.

Exemplo da causa-efeito: O mosquito Aedes aegypti é o vetor transmissor da dengue ou da febreamarela.

Figura 2.7: O principio causa-efeito aplicado ao problema da dengue e febre.

2.3.4 A racionalidade analítica

Étienne Bonnot de Condillac (1715-1780) explica a racionalidade analítica no século XVIII (Picon[44]):

1. O análise é (. . . ) a completa decomposição de um objeto e a distribuição das partes na ordemque facilite a geração do objeto.

2. Analisar nada mais é do que compor e decompor nossas ideias para fazer diferentes compara-ções entre elas e para descobrir, deste modo, as relações que tem entre si e as nova ideias quese podem gerar.

Na visão racionalidade analítica, o todo é divido em partes parciais isoláveis. O estudo das partes podeser feito sem a necessidade ver a parte no lugar onde ele deve estar. Dito de outra forma, para estudara parte, isola-se a mesma, desprezando as iterações com as outra partes. Por fim, o conhecimento dotodo se obtém da soma do funcionamento isolado de cada parte.

Este é o analise que até hoje alguns engenheiros e cientistas procuram fazer: decompor realidadescomplexas em elementos simples para captar sua natureza. Compor estes elementos de modo demelhor compreender os movimentos, os processos a que esta natureza se refere. No processo decomposição é feito um encadeamento como os diagramas causa-efeito apresentados anteriormente.Não importa a natureza profunda do objeto, importa a apenas a envoltória das coisas, as fronteirassobre as quais se podem trabalhar.

Voltaremos sobre a racionalidade analítica com a administração científica de Taylor na seção Se-ção 2.5.2 [32].

2.3.5 O empirismo lógico

Entre as correntes contemporâneas destaca-se o empirismo lógico: uma visão lógica das ciências.

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Bertrand Russell (1872-1970) em seu livro sobre os princípios da matemática, publicado em 1903,apresenta-se a tendência imperante na época de colocar a matemática como uma parte integrante (ouum simples derivado) da lógica formal. O que se tentava esboçar é que a matemática se tratava de umaenorme tautologia, que as definições matemáticas são abreviaturas, que os teoremas que ela formulapodem ser substituídos por asserções na qual intervem apenas constantes lógicas. Veremos na seçãoMassera, 1986 [44] que esta tendência é uma tentativa de restar importância aos postulados e as defi-nições que são, justamente, os elementos que possibilitam transformações fecundas na matemática.

O filósofo Karl Popper (1902-1994) proporciona uma visão lógica para a ciência. Ele propõe oproblema da demarcação (Popper,1959 [44]): “. . . estabelecer um critério que nos habilite a distinguirentre ciências empíricas, de uma parte, e a matemática e a lógica, bem como os sistemas metafísicos,de outra.” O critério de demarcação por ele proposto é o da falseabilidade: uma ciência é empírica sefor possível refutá-la através de experimentos.

O empirista contemporâneo caracteriza o conhecimento científico como aquele que pode ser expe-rimentado, isto é: confirmado ou falseado pela experiência. Para o cientista empírico, todo conhe-cimento que não pode ser submetido a uma experimento para sua confirmação ou refutação não écientífico. A teoria é científica se existirem experimentos que possibilitem falsear a teoria, isto é,poderá existir um experimento que contradiga a teoria. De certa forma Popper limita o conhecimentocientífico àquele que tem chance de ser falseado por um experimento.

2.4 O modelo sistêmico

O surgimento dos sistemas e seu método apropriado surge da necessidade por abordar problemas queo modelo empirista é incapaz. Mais concretamente, o modelo sistêmico surge para superar os limitesda racionalidade analítica (Seção 2.3.4 [23]) e mecanicista (Seção 2.3.2 [21]) do modelo empirista.Contudo, este modelo não significa uma ruptura superadora com o modelo empirista mas sim umoutro modo de desenvolver a racionalidade analítica. O modelo sistêmico para a ciência foi forte-mente desenvolvida no século passado por Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) na Teoria Geral dosSistemas (Bertalanffy, 1968 [44]).

O modelo sistêmico surge de uma forma particular de ver um organismo vivo. Nesta visão, conce-bemos um organismo vivo como um todo que interage com o mundo externo de forma complexa.Por sua vez o todo esta dividido em partes bem definidas que interagem entre si, também de formacomplexa. Assim por exemplo, uma arvore é vista pelo cientista sistêmico como uma organizaçãocomplexa de partes em forte iteração (Figura 2.8 [24]).

Figura 2.8: Um sistema particular: a árvore

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Em todo sistema, cada parte se comunica com as outras de forma complexa de modo que não épossível seu estudo isoladamente das outras partes. Para estudar o funcionamento da raiz da árvore,poderemos necessitar da iteração que ela tem com o solo e com o tronco. Por sua vez para estudar afolha da árvore, necessitamos estudar sua iteração com a atmosfera, a luminosidade, . . . Assim, paracompreender o comportamento das partes, será necessário considerar a parte no lugar onde ela deveestar, dentro do organismo. Ou seja, para estudar uma parte do organismo, não podemos isolar a partee assumir que a mesma não interage com outras partes. Mais ainda, para estudar o funcionamentodo organismo, como um todo, devemos considerar simultaneamente o funcionamento de todas suaspartes, interatuando umas com as outras.

Hoje em dia podemos pensar em sistemas com muita facilidade: A internet, um software, um celular,um carro, um avião, uma célula viva, o sistema solar, . . . Você consegue ver as partes em iteração emcada um destes exemplos? A Teoria Geral dos Sistemas quer falar (teoricamente) de todos os aspectosdestes sistemas.

O conhecimento científico de um sistema trás consigo a ideia que este deve ser analisado por diversasdisciplinas, de forma integrada. A iteração da árvore com a luz solar poderá ser analisada por um bió-logo mas também (pela fotossíntese) por um físico e/ou por um químico. Ou seja, na visão sistêmica,devemos procurar a pesquisa multidisciplinar porque assim estaremos considerando as iterações entrepartes de forma completa. Assim, o modelo sistêmico quer construir uma ciência unificada para quepossamos resolver problemas formulados como sistemas. Por outro lado, a separação da ciência emdisciplinas altamente especializadas é obra do modelo empirista pois a partição da ciência em diversasdisciplinas que estudam o mundo de forma parcial e isoladamente é reflexo da racionalidade analítica.

A teoria geral dos sistemas explica porque em várias disciplinas da ciência surgem concepções, pontosde vistas e até leis formalmente idênticas. A explicação para esta repetição é atribuída ao fato queestas ciências tem que construir objetos que são um conjunto de partes em iteração.

Bertalanffy sinaliza que a física clássica teve grande sucesso no desenvolvimento da teoria da com-plexidade não organizada (o comportamento do gás é o resultado do movimento desorganizado demoléculas; em conjunto o comportamento do gás é governado pelas leis da termodinâmica). Con-tudo, segundo Bertalanffy, que a física clássica não contribui no estudo dos sistemas complexos eorganizados. A teoria de Bertalanffy contribui na abordagem deste tipo de sistemas. Mais ainda,a teoria propõe um método científico para abordar o estudo da iteração de um número grande (nãoinfinito) de elementos e processos.

Os problemas que o modelo sistêmico quer dar resposta são aqueles onde a racionalidade analíticado empirismo não consegue encontrar solução apropriada. Exemplos de enfoques sistêmicos emdiferentes áreas de conhecimento são:

• na biologia: um organismo vivo.

• na matemática: um sistema de equações diferenciais no lineares.

• nas ciências sociais: o conceito de sociedade.

• na engenharia mecânica: uma ponte, um veiculo.

• na cibernética: um computador.

Todos os enfoques sistêmicos acima possuem aspectos em comum:

• partes em iteração: o todo pode ser dividido em partes em interação fortes e complexas,

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• o todo é mais que a soma das partes: esta frase pretende dizer que o sistema é algo superior àunião das partes. O sistema apresenta propriedades, fatos “novos”, “emergentes” que não estavampresentes nas partes.

• Para entender um sistema e suas partes, não devemos estudar as partes isoladamente: Desprezar asinterações de uma parte com as restantes do sistema não é apropriado para o estudo da parte ou dosistema como um todo.

• Qualquer sistema possui uma ordem hierárquica: sempre existe uma parte que subordina outraspartes.

2.4.1 Uma aplicação do modelo sistêmico: a engenharia de software.

A engenharia de software tem como objetivo resolver problemas mediante a construção de um pro-duto, denominado software. Veremos que o tanto o software como o processo de produção desoftware pode ser visto como sistemas.

Na linguagem da engenharia de software, quem propõe o problema é denominado de usuário (sta-keholder). O stakeholder é o principal interessado no produto resultante do processo de produção desoftware.

O processo de produção de software é executado geralmente por uma equipe de engenheiros, analistase programadores. Esta equipe é dividida em sub-equipes. Cada sub-equipe se ocupará de uma partedo sistema. Cada parte do sistema se ocupará de níveis conceituais diferentes do software. Uma sub-equipe se preocupa em entender o que o usuário quer, outra se ocupam do projeto, outros se ocupamem programar, etc. As partes do sistema interagem entre si mediante solicitações entre sub-equipes.

A seguir, se mostra uma possível organização do processo de produção de software.

Existe uma parte do sistema denominada análise que esta destinada a construção da especificaçãode requisitos. Esta especificação estabelece uma possível definição do problema que o softwaredeve resolver. Na especificação de requisito também podem aparecer postulados (ou hipóteses). Umpostulado é um enunciado que, neste caso, se assume verdadeiro entre as partes (usuários e analistas).O estabelecimento do problema e de postulados ajudam o seguimento do trabalho para a construçãode uma possível uma solução. A especificação de requisitos assemelha-se a um contrato entre osusuários e a equipe de produção do software.

Existe outra parte do sistema denominada projeto. A sub-equipe de projetistas recebe como entradaa especificação de requisitos e produz como saída o projeto. É no projeto onde se define as partes dosoftware e como as partes interagem. É no projeto onde se define como será resolvido o problema.Portanto, a sub-equipe que faz o projeto terá que entender a especificação de requisitos e escrever ocomo o problema será resolvido. O projeto representa um novo postulado que reflete a especificaçãode requisitos desde o ponto de vista dos projetistas.

Existe também a parte que traduz o projeto para uma linguagem de programação denominada decodificação. Novamente esta parte tem uma sub-equipe, potencialmente diferente as outras sub-equipes. O código escrito numa linguagem de programação é mais um postulado, uma formulação doprojeto na linguagem científica de programação.

Um possível esquema de iterações entre as partes do sistema é o seguinte:

1. Análise: Nesta etapa se realiza um acordo entre os usuários e uma equipe sobre o problemaque se deve resolver. Neste momento é onde se diz o que deve ser feito o software. Um dosprodutos desta etapa é a especificação de requisitos.

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2. Projeto: Nesta atividade se fixa um plano de trabalho. Se estima os recursos necessários paraa produção. Esta é a etapa onde se analisa a realização da especificação de requisitos. Nestemomento é onde se diz como deve ser feito o software. Um dos produtos desta etapa é o projeto.

3. Codificação: Nesta atividade, se traduz o projeto para um programa. O programa é executadoe verificado usando os requisitos de software (esta atividade é identificada como testing).

Figura 2.9: Processo de produção de software

No sistema da figura Figura 2.9 [27] o usuário interage com a produção do software (sistema) apenasno fornecimento do problema (entrada), na discussão com os analistas e no recebimento do produtofinal (saída). Por sua vez, os analistas propõem uma especificação dos requisitos para os projetistasque será também discutido e acordado entre a parte Analise e Projeto. O projeto é entregue para suaconstrução aos programadores e haverá uma troca entre as partes Projeto e Codificação. Devemospensar que cada parte do sistema (Analise, Projeto e Codificação) pode ser potencialmente um sub-sistema onde poderá haver sub-partes que se ocupem do controle de qualidade e das atividades deteste. O controle de qualidade consiste em olhar para os padrões de qualidade de cada parte. Asatividades de teste consistem em verificar que o contrato com o usuário esta sendo efetivamenterespeitado. Após a conclusão do software, o produto é entregue ao usuário. Provavelmente, o usuáriopedirá modificações ou perceberá que não era esse o problema que precisava resolver. Desta formaum novo ciclo de produção poderá iniciar-se.

A engenharia de produção de software propõe, essencialmente, uma divisão do trabalho, com dife-rentes níveis de abstração e pontos de vista do problema, que potencialmente podem ser repartidasem sub-equipes. Contudo, devemos notar que as partes de um sistema como este já não são partesparciais. Cada uma destas partes consegue ver o todo (o software) com diferentes níveis de abstraçãoe pontos de vista. O usuário tem uma ideia de como é o todo. O analista tenta entender o todo emfuncionamento de acordo com o usuário. O projetista vê o todo desde o ponto de vista de como obteruma solução ao problema do usuário. O programador entende o todo como um programa que seráexecutado em determinado hardware.

Também devemos notar a forte analogia entre um engenheiro de software e um cientista sistêmico:O problema de engenharia é um problema científico. A especificação de requisitos, projeto eprograma nada mais são do que sistemas.

2.5 Métodos adequados

O método utilizado, do mesmo modo que o problema e a hipóteses, está situado numa época, numambiente intelectual e social determinado. O pesquisador que, neste ambiente, formula determinadosproblemas. Estes problemas o levam a criação de soluções, de novos objetos, antes inexistentes, quepermitem resolver o problema adequadamente para aquela época.

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Sendo o problema, a hipóteses e o objeto resultante, por definição desconhecidos ou apenas esboçadosno ponto de partida da pesquisa, a construção do método na própria pesquisa se encontra como umaconstrução estratégica cuja definição permite resolver satisfatoriamente o problema.

Veremos a seguir dois exemplos de métodos construídos em diferentes épocas e para diferentes as-suntos de pesquisa.

2.5.1 Galileu: A construção da dinâmica.

Galileu Galilei mostra que é possível criar uma nova forma de ver o mundo, construir novos métodos enovas realidades contrárias ao senso comum, as autoridades e a tradição de uma época. Num mundoonde se defendia que a terra estivesse firme no centro do universo, onde se reprimia aqueles quetivessem opinião contrária à escolástica, Galileu se nega e resiste com sua frase célebre: “Eppur simuove.” que traduzida significa “No entanto se move”. Galileu esta querendo dizer: por mais queseja obrigado a falar o contrário, a terra se move.

Galileu mostra que ciência é essencialmente uma construção teórica e não fatos ou experimentosespontâneos. A teoria é a quem deve orientar como se deve indagar a natureza, a teoria é quem devedizer como interpretar o fato, a teoria é quem constrói o fato.

E para convencer os próprios colegas (escolásticos) de que os argumentos científico da época eramabsurdas, Galileu constrói raciocínios que os levavam a uma contradição. O que fez Galileu eracolocar em evidência o absurdo que era pensar como se pensava naquela época.

Primeiro veremos como se pensava na época e depois veremos o método construído por Galileu.

2.5.1.1 Onde estava situado Galileu?

Galileu viveu entre 1564 e 1642 na região da Toscana na Itália. O espírito daquela época e regiãoera de uma verdadeira renovação das artes: a renascença. Contudo, a renascença era um movimentoideal para o artista e não para o cientista. A renascença foi um período de expansão da magia e dasuperstição. Este movimento foi oposto à filosofia medieval contudo foi um período de crença namagia, na feitiçaria e de pobre pensamento crítico.

Neste período existia a intenção de mudança tanto no aspecto artístico como científico (a escolástica).O rompimento com o pensamento da escolástica se relaciona com a destruição do cosmos hierar-quizado, ordenado e limitado pela abóbada das estrelas fixas. Acreditava-se na concepção de umuniverso fechado em que a terra estava imóvel no centro do universo. Os argumentos para esta imo-bilidade da terra são evidentes e são comprovadas pela observação imediata e vulgar. Vamos tentarpensar como Aristóteles: se a terra girasse sobre si mesma, seu movimento arrancaria os corpos fixa-dos na terra. Os corpos na atmosfera também seriam lançados para longe. Se soltarmos um objetodo alto de um prédio, este objeto atinge o solo na posição imediatamente abaixo de onde foi solto.Isto comprova que a terra esta imóvel. Se a terra se movesse, o corpo deveria cair em uma posiçãoafastada do ponto imediatamente abaixo de onde foi solto.

Este é o mundo imóvel, evidente e cotidiano que Galileu se nega. Este é um exemplo de porquea observação imediata não deve ser usada. Para Galileu pouco importa o mundo sensível e visível.Como veremos, para Galileu o interessante é o que não se vê, o impossível, o irrealizável.

A luta entre a visão geocêntrica e heliocêntrica dura séculos e tem argumentos contundentes de ambosos lados. Foi o cardeal Nicolau de Cusa (1401-1464) inserido na escolástica que evidencia um começoda destruição do cosmos medieval: ele nos diz que a terra é uma stella nobilis, ou seja, uma estrelanobre. Isto coloca a terra na categoria das estrelas, deixando a posição central. Dentro da cosmologia

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científica deste período devemos citar o trabalho de Copérnico (1473-1543) onde o sol ocupa o centrodo universo e os astros errantes (planetas) orbitam em circunferências cujo centro é o sol. Devemoscitar Tycho Brahe (1546-1601) e seu trabalho de grande precisão nas observações astronômicas quecorrige Copérnico e continua colocando a terra no centro do mundo por razões da física aristotélica.Mas graças a grande precisão das observações de Tycho Brahe é que Johannes Kepler (1571-1630)propõe leis para a mecânica celeste indicando em particular que as órbitas dos planetas não eramcirculares mas sim elípticas. E Galileu também participa desta luta mas de forma incisiva e profunda.

2.5.1.2 O método adequado para Galileu

Galileu Galilei postula que tudo o que existe no mundo físico está submetido à forma geométrica.Este postulado talvez tenha sido colocado por Arquimedes na antiguidade. Provavelmente este con-vencimento de Galileu tenha nascido das leituras que ele fez da obra de Arquimedes. Concretamente,Galileu estipula que a forma geométrica e sua matemática é a linguagem apropriada para criar conhe-cimento científico sobre o mundo físico.

Mas olhemos ao redor. . . , vemos retas, triângulos ou círculos? O que podemos ver são formas algoregulares ou muito irregulares. Mas isto não importa. A ausência de retas, triângulos ou círculos nestemundo não nos impede que possamos estudá-la desde um ponto de vista geométrico.

Se pensamos em reta e imaginamos ela imersa neste mundo então temos um mundo ilimitado. ParaGalileu, o mundo é provavelmente ilimitado. Por outro lado, se pensamos no mundo geométricoentão podemos pensar em vácuo. Ou seja a inexistência de matéria. O vácuo era impensável na épocade Galileu. Mas é no vácuo que Galileu trabalha, é no mundo irrealizável da geometria.

O método de Galileu se resume na tradução do mundo real para o mundo matemático (do mundoexistente para o mundo ideal e impossível). Uma vez feita a matematização do mundo, deriva-sedentro da matemática, consequências não visíveis ou insensíveis do mundo real.

Interessa a Galileu observar aquilo que não se percebe pelos sentidos, ou seja, aquilo que não éevidente ou consequência de um fato observável. Galileu não tem interesse naquilo que é evidente.Quando olhamos para o céu à noite, vemos pontos luminosos, pensemos que isso não é importante,devemos nos preocupar por ver algo que não se vê a olho nú.

Mas este método, que traduz a realidade, para a geometria deve ser uma via de mão dupla, isto é,devemos ir da realidade para a matemática e vice-versa, da matemática para a realidade.

Um exemplo de tradução da realidade para a matemáticaGalileu indica que a queda dos corpos na superfície da terra é governada por uma sequência denúmeros. Mas isso somente pode acontecer no vácuo, ou seja, no mundo ideal da matemática.Na época de Galileu era impossível construir um instrumento que produzisse o vácuo, masvejam que atrevimento afirmar este fato sem construir tal instrumento?

Um exemplo da tradução da matemática para realidadeGalileu elabora uma teoria óptica, ou seja, elabora uma teoria escrita na linguagem da geome-tria, da matemática. Mas é a partir desta teoria que constrói o primeiro instrumento verdadei-ramente científico, o telescópio (e o microscópio). Mais uma vez, Galileu quer ver aquilo quenão se vê, aquilo que não é evidente.

Por isso é que devemos partir da geometria, do impossível, de um exercício mental. Devemos indagara natureza somente depois de ter construído a teoria sobre nosso objeto.

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Galileu colocava em evidencia o absurdo ao usar a física de Aristóteles. Ele construía raciocíniosdentro da lógica de Aristóteles, que o levavam a uma contradição. O que fazia Galileu era pensarcomo se pensava na época e assim construir contradições com o senso comum.

Vejamos algumas construções de Galileu que destruíram o senso comum da época:

2.5.1.3 A inércia

Vejamos o que nos diz a seguinte observação espontânea: Se temos um carro sobre uma rua horizon-tal observamos que ele permanece em repouso a não ser que aplicarmos um empurrão a ele. Quandoaplicamos o empurrão, o carro inicia um movimento, mas quando cessamos o empurrão, depois decerto tempo, o carro volta ao repouso. Se quisermos manter o carro a uma velocidade constantedevemos continuar empurrando o carro constantemente. Ou seja, para manter uma velocidade cons-tante, é necessário uma força constante. Quando a força cessa, então este movimento será transitório.Com esta observação superficial podemos concluir que o repouso é algo duradouro, um verdadeiroestado, é sua natureza voltar ao repouso. Também poderíamos pensar que o movimento é transitórioe passageiro.

O que nos diz Galileu é que devemos isolar o carro, tirá-lo do chão, colocá-lo num mundo inexistentesem apoios, colocar o carro no mundo vazio da geometria. O principio de inércia aplicado a nossarealidade se veria da seguinte forma: Se inicialmente este carro esta em repouso, ele permanecerá emrepouso, a menos que ele seja posto em movimento (pelo empurrão por exemplo). Se o carro estainicialmente em movimento, ele se manterá em movimento retilíneo uniforme enquanto não sofrernenhuma força exterior a ele.

2.5.1.4 A queda livre

Veja como se pensava na época respeito a queda livre de corpos: A velocidade de um corpo em quedalivre depende de seu peso. Mais concretamente, se temos dois corpos, A e B sendo A mais pesadoque B, então A tem uma queda livre mais rápida que B. Também podemos dizer, se amarrarmos A eB teremos um corpo C cujo peso será maior que o de A e o de B, neste caso C terá uma velocidadede queda livre maior que a do corpo A e que a do corpo B.

Então Galileu imaginou o seguinte experimento: Amarram-se os corpos A e B para formar o corpo C.O corpo pesado A fará o leve B ir mais rápido, contudo, o leve B fará o pesado A ir mais lentamente.Portanto, o corpo C (resultado de amarrar os corpos A e B) terá uma velocidade menor a velocidadedo corpo A. Mas isso é uma contradição com a conclusão dita que o corpo C deve ir mais rápido queA.

Galileu, além de colocar o absurdo em evidência, ele descreve a natureza da queda livre no vácuo pormeio de uma lei de números, ou seja ele mostra que a matemática é apropriada para a física da quedalivre.

Se soltarmos um objeto (ver figura Figura 2.10 [31]):

1. as distancias percorridas, sucessivamente, crescem proporcionalmente com os números ímpares(se em um segundo a distancia percorrida é 1m, em dois segundos a distancia percorrida é 1+3m,em três segundos a distância percorrida é 1+3+5m, . . . ).

2. as velocidades crescem proporcionalmente ao tempo, isto é a velocidade cresce proporcional-mente os números (se a velocidade em um segundo é 1v m/s, a velocidade em dois segundos é2v m/s, a velocidade em três segundos é 3v m/s, . . . ).

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Figura 2.10: Queda livre no vácuo e sua relação com a lei dos números

2.5.1.5 O pêndulo

Se pendurarmos de um fio leve de 1 metro uma bola pesada, afastarmos o corpo da vertical e soltarmoso mesmo, podemos ver este corpo oscilar. O tempo que o pêndulo leva em completar uma oscilaçãoé denominada de período. Galileu estuda, por primeira vez, quais são os fatores que afetam o períododo pêndulo. Depois de certo tempo, o pêndulo fica em repouso e o fio ocupa o lugar de uma linhavertical.

Que acontece se construirmos dois pêndulos com o mesmo comprimento e pesos? Se afastarmos umdeles da vertical um ângulo de 50 graus, o outro 30 graus e soltarmos ambos corpos simultaneamente,quem passaria antes pela vertical? O senso comum tende a dizer que primeiro a passar pela vertical éo que foi solto desde os 30 graus. Contudo ambos corpos passam pela vertical no mesmo instante (aomenos é isso que conseguimos observar).

Que acontece se construirmos dois pêndulos com o mesmo comprimento mas com diferentes pesos?Se afastarmos o corpo leve 50 graus, o corpo pesado 30 graus e soltarmos ambos corpos simultane-amente, quem passaria antes pela vertical? O senso comum tende a dizer que primeiro a passar pelavertical é o que foi solto desde os 30 graus. Contudo ambos corpos passam pela vertical no mesmoinstante (ao menos é isso que conseguimos ver).

Galileu constatou que o período de um pêndulo depende unicamente do comprimento do mesmo (ocomprimento da corda). Isto é desconcertante para o senso comum: se temos uma bola de cortiça ocae uma bola maciça de chumbo e soltarmos a bola oca desde um ângulo de 90 graus e a bola de açode 10 graus, as duas bolas atingiram a vertical simultaneamente. Galileu indica que “. . . repetindomuito mais de cem vezes suas idas e vindas, elas tornaram perceptível aos sentidos o fato de que a

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bola pesada segue tão bem o tempo da bola leve que, nem em cem vibrações, nem mesmo em mil,ela não se avança à outra nem de um mínimo instante, embora marchem com um passo perfeitamenteigual. Ao mesmo tempo percebe-se a ação do meio que, opondo alguma resistência ao movimento,diminui muito mais as vibrações da cortiça do que as do chumbo, mas nem por isso as torna mais oumenos frequentes.”.

Galileu não tinha instrumentos que pudessem indicar com suficiente precisão suas observações. Hojesabemos que, mesmo no vácuo, o período sim depende do afastamento inicial da vertical. Mas adependência do ângulo de afastamento é desprezível quando este é pequeno (digamos, menor de 15graus).

2.5.2 Taylor: A construção do modelo de operação no trabalho.

O método científico construído por Frederick W. Taylor (1856-1915) é produto de experiências eobservações reunidas durante trinta anos. Sua contribuição foi a construção de uma administraçãocientífica dentro do sistema produtivo da empresa cujo objetivo era implantar uma nova forma deprodução e uma nova forma de pesquisar o trabalho. O objetivo de Taylor era a eficiência produtiva(aumentar o volume de produção por unidade de tempo, reduzir os gastos da empresa, etc). Mas issotem, como veremos, modificações profundas na relação do trabalhador com o trabalho que ele realiza.

Taylor conhecia muito bem o ambiente de produção daquela época pois ele trabalhou na base dosistema produtivo industrial desde os 18 anos. Foi aprendiz mecânico, foi operário aos 20 anos naoficina de construção de máquinas da Midvale Steel Company. Foi contador, torneiro e logo mestredos tornos desta companhia a razão de seu maior rendimento em comparação a seus companheiros.O que ele aprendeu neste caminho de trabalhador dentro da empresa foi muito valioso para ele podertransformar, depois, aquilo que ele mesmo fazia. Quando sua posição torna-se contramestre e chefede seção talvez ele se perguntasse: Como modificar o trabalho para produzir mais? Qual deve ser estetrabalho eficiente?

O que Taylor queria era modificar o trabalho de sua época: Cada oficio era uma arte manual ondeo trabalhador tinha grande domínio e poder. O empregado sabia como fazer o trabalho, ele mesmodeterminava o tempo de como fazer aquele trabalho. O conhecimento do empregado era apenasconhecido por ele e por seus colegas com os quais também aprendia e transmitia este conhecimento.Contudo, o empregador, em palavras de Taylor, ignorava o tempo necessário para a execução dosserviços, não tinha conhecimento sobre o trabalho e de como aumentar a produtividade do mesmo(que é a fonte de beneficio do capital). Na época existia uma relação empregado/empregador deiniciativa e incentivo. onde se esperava que o trabalhador tivesse iniciativa, dedicação e rapidez paraproduzir uma peça (algo complexo). Se isto acontecesse então receberia um incentivo, um saláriomelhor, uma melhor posição na empresa.

Durante dezenas de anos, Taylor, primeiro como trabalhador e logo como gerente e engenheiro me-cânico buscou aumentar a eficiência do trabalho colocando-se ele mesmo a trabalhar de outro modoe logo, através de muitas experiências diferentes, conseguir descobrir o método que permitisse umaeficiência varias vezes superior, e, ao mesmo tempo permitir oferecer melhores salários e menorespreços ao consumidor.

O que Taylor postulou foi a necessidade de uma oficina de métodos. Nesta oficina, trabalham pessoasengenhosas, qualificadas e hierarquicamente superiores aos operários. Nesta oficina estes trabalha-dores produzem uma abstração: encontrar dentre 50 ou 100 formas diferentes de fazer o mesmotrabalho, aquela forma que seja a mais eficiente possível (por exemplo, a de menor tempo possível).É na oficina de métodos onde se aplica a racionalidade analítica do modelo empirista. Esta oficinaprocura a melhor forma de fazer determinada parte parcial. O resultado acabado desta oficina é uma

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operação que deverá ser realizada pelo trabalhador. A oficina deve inventar o conceito de trabalho (aoperação) como forma objetivada, de modo que o trabalho possa ser deduzido e formalizado.

A oficina de métodos, antes ignorante do trabalho e impotente frente ao domínio dos trabalhadoressobre o mesmo, chega a estabelecer o domínio total sobre o trabalho. A oficina de métodos cria leisque habilitam a um chefe conhecer, que quantidade de determinado trabalho um homem habituado aisto poderia fazer diariamente. Os membros desta oficina são os donos do conhecimento e do trabalho,contudo os operários perdem este conhecimento e apenas recebem ordens.

Por último, o operário deve ser escolhido para a operação que a oficina define. O trabalhador étreinado para fazer movimentos precisos, nos tempos e momentos indicados pela oficina de métodos.Aquele trabalhador que realizar a operação será um operário classificado e receberá melhor salário.

Taylor atinge seu objetivo, contudo, ele retira do trabalhador, gradualmente, o domínio que ele tinhasobre o trabalho. Aumenta-se a eficiência na produção, contudo, ele separa o trabalho do trabalhador.O trabalhador passa de um trabalho completo de uma peça para um trabalho parcial, de um movimentoelementar, eficiente e prescrito por outra pessoa. Podemos ver aqui o aspecto mecanicista do modeloempirista.

O que Taylor construiu em sua época nada mais era do que um método empirista a medida (onde eleaplica a racionalidade analítica Seção 2.3.4 [23] e o mecanicismo de sua época):

1. A produção foi dividida em partes parciais de modo que se colocadas em ordem, estas partesfacilite a geração de um produto eficiente. Uma vez definida cada parte, estuda-se a mesmaisoladamente para conseguir a máxima eficiência de cada parte.

2. O produto acabado desta parte parcial é denominada de operação (ver Figura 2.11 [33]).

3. A produção se reduz ao encadeamento de uma sucessão coordenada de operações.

4. Quem define a operação é a oficina de métodos onde estão os engenheiros, técnicos, capatazese chefes de seção.

5. O método de Taylor tende a separar o trabalho do trabalhador: o trabalhador não participa doprocesso e do controle da produção.

6. O trabalhador passa a desconhecer e desapropriar-se do que produz. Ele se torna apenas umapeça mecânica que pode ser substituída se for necessário: a operação é definida de forma quepode executar-se de forma idêntica por trabalhadores treinados e especializados para aquelaoperação.

7. O trabalho é prescrito ao trabalhador: onde deve trabalhar, como deve ser feito, o tempo quedeve levar, etc.

Figura 2.11: Trabalhadores executando uma operação

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2.5.3 O que mobiliza a Matemática?

Nesta seção apresenta-se a visão de José Luis Massera Massera, 1986 [44] sobre os objetos da mate-mática. Também se indica o papel das definições na construção da matemática.

2.5.3.1 Qual é o objeto da matemática?

Os objetos da Matemática são objetos ideais. Um objeto ideal é produto da projeção de um objetoconcreto em nossa consciência submetida pelo pensamento a um processo de abstração, generalizaçãoe sínteses. Por exemplo, o ponto, a reta, o plano, o número 1. Novos objetos ideais podem surgir pordiferentes vias, entre elas:

1. como consequência do desenvolvimento das propriedades e das relações de objetos ideais jádefinidos,

2. pelo avanço no conhecimento físico da matéria.

Em qualquer caso, um objeto ideal não existe no mundo da matéria porque ele não é um objetoconcreto. Contudo, os objetos ideais são motivados por objetos concretos, são, de alguma forma,aproximações (abstrações e generalizações) de objetos concretos. Objetos mais complexos formadosde objetos ideais mais elementares são também classificados como objetos ideais. Por exemplo, oconjunto dos números naturais {0,1,2,3,. . . } é um objeto ideal pois é uma estrutura formada pornúmeros que são objetos ideais.

UM EXEMPLO DE COMO ROMPER COM O SENSO COMUM NA MATEMÁTICA

Na teoria de conjuntos de George Cantor (1845-1918), um conjunto se define comoAjuntamento de objetos distintos, definidos por nossa imaginação e pensamento. Este objetosos denominamos elementos.

Assim, por exemplo, um conjunto formado pelos elementos x tais que 1 ≤ x ≤ 4 tem a seguinterepresentação: A = {x : 1≤ x≤ 4}.

Define-se a relação de pertinência entre elementos e conjuntos da seguinte forma:

Um elemento x pertence ao conjunto A quando x é um elemento de A, neste caso escrevemos x ∈ A.Caso x não pertence ao conjunto A, escrevemos x 6∈ A. No exemplo acima, 1 ∈ A e −1 6∈ A.

Define-se conjunto ordinário aquele que não tem a si próprio como elemento. Formalmente, B é umconjunto ordinário quando B 6∈ B.

No exemplo acima, o conjunto A é um conjunto ordinário.

Vamos imaginar agora o conjunto C cujos elementos são conjuntos ordinários, formalmente: C ={X : X 6∈ X}.

Esta teoria de conjuntos afirma que C é um conjunto válido pois seus elementos são conjuntos or-dinários (isto é objetos diferentes legitimamente imaginados). Contudo, se aplicarmos o métodológico-dedutivo, chegaremos a um absurdo:

Se C é um conjunto, C pode ser um conjunto ordinário ou não.

Se C for ordinário então, por definição do conjunto C, C ∈C.

Mas se C ∈C, concluímos que, por definição de conjunto ordinário, C não pode ser ordinário.

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Por outro lado, se C não for ordinário então, por definição do conjunto C, C 6∈ C. Mas se C 6∈ C,concluímos que, por definição de conjunto ordinário, C é ordinário.

Portanto, partindo de C ordinário ou não, sempre chegamos a um absurdo.

Este absurdo é chamado de paradoxo de Russell (quem comunicou por primeira vez esta contradi-ção em 1902). Este paradoxo mostra uma contradição provocada pela aplicação do método lógico-dedutivo sobre os postulados e definições da teoria de conjuntos. Em especial, o paradoxo exprimeuma limitação da teoria sobre a construção de conjuntos cujo elemento são conjuntos ordinários.Neste caso, a teoria dos conjuntos define conjuntos que não são conjuntos. Para eliminar da teoriauma contradição, devemos modificar ou abandonar por completo o que se sabe até então e definircoisas novas, teremos que ouvir de outras fontes (ou de nossa intuição) e traduzir, e introduzir paraeste mundo coisas realmente novas. É na entrada deste terreno sem antecedentes onde temos a opor-tunidade de construir algo novo.

O resultado deste estagio sem antecedentes é o que se denomina um objeto construído na matemática.É a partir deste objeto construído que conseguimos desenvolver a pesquisa, aportar incisivamente noassunto, resolver paradoxos, em definitiva, construir um conhecimento matemático novo.

Neste sentido, encontrar paradoxos é muito saudável para a ciência pois isto indica que entramos emuma contradição com o senso comum e devemos “mexer” nas estruturas (definições e ou postula-dos). Se quisermos grandes rupturas na matemática, devemos buscar os incômodos, as moléstias, osparadoxos.

Em definitiva, assumindo que o método de trabalho da matemática é o lógico-dedutivo e que estenão deve ser modificado, então nos resta apenas mexer, modificar ou criar postulados e definições.Com isto quero dizer, que as rupturas do senso comum na matemática podem acontecer quandose formulam definições e postulados. Cabe então ao matemático tão somente encontrar fecundasdefinições e postulados.

Apresenta-se a continuação a incapacidade da lógica e da matemática da Antiguidade para resolverum paradoxo clássico. Resolver este paradoxo significou dar a matemática uma definição fecunda: adefinição do limite de uma sequência. Graças a esta definição tivemos o frondoso desenvolvimentodo cálculo diferencial e integral.

2.5.3.2 A importância da definição de limite

Quando a lógica entra no campo da matéria em movimento, ela se torna insuficiente para dar expli-cações. Um exemplo disto é um dos populares paradoxos de Zeno que se descreve a continuação:Aquiles e uma tartaruga querem fazer uma corrida. Aquiles, sabendo que corre mais rápido, decidedar um vantagem a tartaruga. A tartaruga partirá de uma posição P1 a frente de Aquiles P0. É dada alargada. Quando Aquiles chegar na posição P1 da tartaruga, a tartaruga estará mais a frente na posiçãoP2. Quando Aquiles chegar à posição P2, a tartaruga estará mais a frente na posição P3. E assim pordiante. A distância entre a tartaruga e Aquiles di é a distância entre os pontos Pi+1 e Pi. Esta distan-cia parece que nunca será nula por mais que i seja muito grande. Como conclusão, Aquiles nuncaalcançará a tartaruga.

Como explicar, dentro das estruturas do conhecimento (por exemplo dentro da matemática) que Aqui-les realmente alcançará a tartaruga?

Posicionemo-nos na história. Como resolver este paradoxo com a lógica da época de Zeno? Digamosque até então nossa forma de pensar era algo limitada. Digamos que não tínhamos como explicar, coma linguagem lógica, porque Aquiles alcançará a tartaruga. Para resolver o paradoxo precisamos dealgo novo, um conceito novo, um objeto que nos permita falar porque Aquiles alcançará a tartaruga.

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O conceito novo que precisamos é a definição de limite da sequência di. Qualquer que seja a distanciad > 0, existirá um i para o qual todos os j maiores que i, a distancia d j é menor que d. Isto é verdadepois a medida que i aumenta, as distancias di entre Aquiles e a tartaruga se tornam cada vez maispróximas de zero. Por mais pequeno que seja d > 0, sempre encontraremos um i de modo que paratodos os j > i teremos d j < d.

O texto do parágrafo anterior é o produto acabado, resultado de um longo processo criativo. Nesteprocesso sempre existem duas caras antagônicas: uma que formaliza (limita o pensamento) dentro dalinguagem lógica-matemática e outra que tenta avançar na solução do problema (libera o pensamento).

Em geral podemos imaginar que o objeto que estamos abordando é governado por diabinhos queestimulam a mudança do objeto. Como veremos a continuação, no processo de enriquecimento damatemática, precisamos “amarra” os diabinhos para falar na linguagem lógica-matemática, e “soltar”o diabinhos em momentos em que não podemos avançar com o conhecimento do objeto de estudo.Este “amarrar” e “soltar” é o aspecto marcante no avanço da matemática.

Digamos que nos momentos de criação, soltamos os diabinhos e ouvimos o que eles tem a nos dizer.Depois de entender o que eles dizem, tentamos passar este entendimento para a linguagem lógica-matemática, mas esta passagem significa naturalmente o aprisionamento dos mesmos.

No exemplo, o resultado deste processo é a definição (ou formalização) de limite. Uma vez feita aformalização, a definição de limite, é agora, parte de nossa linguagem lógica-matemática. Dito deoutra forma, depois da formalização, podemos usar a definição para articular melhor a linguagem queusamos. Mas como o método de trabalho da matemática é o método lógico-dedutivo, a formalizaçãoé exatamente “amarrar” os diabinhos.

Em síntese, o processo criativo da matemática acontece, neste caso, durante a criação da definiçãodo limite. Neste processo criativo devemos falar a linguagem dos diabinhos. No momento que for-malizamos a definição de limite, aprisionamos os diabinhos. E permanecerão amarrados enquantousarmos a definição de limite e usarmos o método lógico-dedutivo.

2.6 Recapitulando

Frequentemente os textos escritos em caráter de manuais nos dizem que o método científico é unarotina única geral e universal, com passos e procedimentos analíticos pré-estabelecidos que, se osseguimos, nos permite com certeza descobrir como é o objeto pesquisado. O que estes manuais estãoindicando é o caracter paradigmático dos modelos metodológicos.

Neste capítulo vimos dois grandes paradigmas metodológicos que se aplicam nos dias de hoje: o em-pirista e o sistêmico. Cada modelo metodológico tem um conjunto de pressupostos que determinamo tipo de problemas que poderão resolver o como serão suas soluções. Devemos seguir apenas umadestas duas orientações metodológicas?

Se quisermos pesquisar realmente, o método que utilizamos não está determinado previamente. Ge-ralmente devemos construir (e reconstruir) o método durante a própria pesquisa, introduzindo fre-quentemente um ou vários paradigmas metodológicos já existentes. Isto porque o método esta aoserviço da identificação e formulação do problema que se quer pesquisar e ao serviço da formulaçãode hipóteses de solução do mesmo.

Se nos dedicamos a aplicar um método pré-estabelecido, como aconselham os manuais, estaremosadmitindo, que é apropriado a nosso problema de pesquisa e sua solução. O método pré-estabelecidoestará determinando o resultado, produzindo o objeto que está contido no método.

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No próximo capítulo, veremos o ponto de partida de uma pesquisa. Para isso veremos que as perguntassão de grande importância para a construção de problemas. Também veremos se tal ou qual modelometodológico existente é apropriado para nosso problema. Por último podemos tentar expor algumahipótese: uma suposição que nos orientará até acharmos uma solução para o problema original.

2.7 Atividades

Pense nas seguintes questões:

1. Quais eram os assuntos de pesquisas da escolástica? De outra forma: se vivêssemos na IdadeMédia, que entidades devíamos pesquisar para construir conhecimento sobre o mundo?

2. Por que os problemas da escolástica não são considerados científicos nos dias de hoje?

3. Descreva algum pressuposto metodológico do modelo empirista.

4. Escreva uma sequência de passos que descreva a forma que procede um cientista empirista.

5. Procure saber o que o senso comum entende por O Método Científico.

6. Suponha que escrevermos uma teoria sobre determinado assunto. Contudo, não temos hoje osmeios para construir experimentos que comprovem ou refutem esta teoria. O que poderia dizerum empirista sobre esta teoria?

7. Qual era o problema central que Taylor queria resolver?

8. Que aspectos do modelo empirista Taylor empregou para construir seu objeto?

9. Por que o um ser vivo é bem formulado como um sistema e não tão bem descrito como ummecanismo?

10. Onde falha a racionalidade analítica na hora de descrever um sistema?

11. Descreva algum pressuposto metodológico do modelo sistêmico.

12. Escreva uma sequência de passos que descreva a forma que procede um cientista sistêmico.

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Capítulo 3

Perguntas que ajudam a pesquisa

OBJETIVOS DO CAPÍTULO

Ao final deste capítulo você deverá ser capaz de:

• Formular perguntas que poderão tornar-se projetos de pesquisa.

• Formular hipóteses para resolver problemas.

• Conhecer diferentes tipos de pesquisa.

O movimento apropriado do pesquisador deve ser no sentido da busca livre, que surge de si, paraencontrar soluções aos problemas da época em que vive. Formulada a pergunta ou um problema,procura-se uma solução. O problema e a pergunta visa a construção de um objeto que, entre outrascoisas, fornece uma solução e responde a pergunta originária. Contudo, o processo de construção doconhecimento científico não é linear, automático e muito menos imediato. Formulada a pergunta, éprovável que o avanço da pesquisa não signifique encontrar uma solução mas sim encontrar novasformulações do problema, para poder trabalhar melhor ou para poder enxergar o que realmente sequer, e se pode resolver. Também é muito comum que, neste processo, o pesquisador perceba que oproblema não é o que ele pensou no começo mas sim outro diferente.

3.1 O que é uma pesquisa?

Em que consiste uma a pesquisa? Basicamente é a formulação de uma pergunta relevante (teóricae/ou prática) e a busca de respostas a ela.

O que é o central de uma boa pesquisa? Uma boa pergunta que guie o conjunto do esforço investi-gativo. Se não há tal pergunta ou esta permanece implícita ou vaga, o tempo e os demais recursos dapesquisa tendem a usar-se de forma ineficiente e dificilmente se chegue a resultados claros e relevan-tes. As decisões sobre os meios e procedimentos tendem a governar a pesquisa.

É difícil formular uma boa pergunta? Em termos gerais, sim. Para formular uma boa perguntatem que saber o suficiente como para ser capaz de identificar um vazio importante no conhecimento.Toda pergunta contem no mínimo uma afirmação: perguntar a que hora saiu o sol hoje equivale aafirmar que o sol saiu hoje Toda pergunta reconhece que existe algo de importante que não sabemos.Quem acredita que sabe tudo em determinada área temática e não logra identificar vazios em seuconhecimento e não serve como pesquisador.

Que características tem uma boa pergunta de pesquisa? Duas basicamente:

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(i) contem (resume, apela a) a informação/conhecimento mas relevante na área de estudo e (ii) adotaa forma de um paradoxo (porque acontece x sendo que . . . ?), de tal forma que identifica contradiçõesna teoria, nos fatos ou entre a teoria e os fatos. “Porque as moscas ficam no teto e não caem?” éuma boa pergunta, mas “Porque as moscas ficam no teto e não caem sendo que elas não têm cola nasperninhas?” é uma pergunta melhor que a anterior.

Que acontece se a “boa pergunta” contem afirmações falsas ou discutíveis? O bom sempre leva aum risco. A boa pergunta pode ser uma pergunta falsa ou uma pergunta discutível. Quando a perguntacontem afirmações falsas, a pergunta contem uma afirmação empiricamente errada.

A pergunta contem afirmações discutíveis quando a pergunta é teoricamente objetável.

Que papel jogam as hipóteses, marco teórico, problema científico, método dentro desta con-cepção do esquema pergunta-resposta sobre a pesquisa? Formam parte do esquema “pergunta-resposta”. Vamos ampliar um pouco mais sobre este esquema.

O primeiro é definir um assunto de pesquisa. Escolhemos um determinado assunto porque é relevantepara problemas ou questões básicas que nos motivam pessoalmente (a pobreza, a injustiça social, osdireitos humanos, a proteção ambiental, a crise energética, a identidade cultural dos indígenas). Es-colhemos assuntos que nos motivam pessoalmente. Caso contrário nosso projeto nascerá moribundo.Será difícil que surjam boas perguntas e, em geral, ideias. Por outra parte quando escolhemos umassunto estamos nos concentrando em uma área de interesse. Não devemos pretender colocar todosnossos interesses, paixões e ideias em um só projeto. Também não devemos ser muito objetivos oudesapaixonados porque, alem de chato, não faremos uma boa pesquisa.

Em segundo lugar, devemos formular um problema de pesquisa (ou uma pergunta) respeito do assuntoescolhido. É recomendável começar escrevendo todas as perguntas que o assunto nos provoca. Estastem muitas formas. Que aconteceu? Porque aconteceu? Porque aconteceu tal coisa sendo que . . . ?Como mudar esta situação? Escolha entre elas aquelas cuja resposta melhor pode ajudar a solucionaros problemas reais envolvidos no caso que se estuda (utilidade prática) e/ou escolha entre elas aquelaque pode ajudar a compreensão de fenômenos similares em outros lugares (utilidade teórica).

O terceiro lugar, buscar antecedentes para responder à pergunta de forma tentativa. Entre estes an-tecedentes destacar o que outros tenham concluído de estudos similares ou relacionados ao assuntoescolhido. Este é o bendito marco teórico e não outra coisa. Você tem sua pergunta, se dedica a lere conversar com outros pesquisadores e escreve as considerações teóricas (o marco teórico) que sãofuncionais a seu objetivo: responder a pergunta. Advertência: não se deve fazer o marco teórico umfetiche. Não se deve tentar abranger toda a literatura relacionada ao assunto, muito menos escrevera última palavra. Também não é aconselhável iniciar a revisão bibliográfica sem antes formular umapergunta ou problema de pesquisa que oriente esta revisão. É evidente que a leitura permitirá melho-rar a pergunta (incorporando mais e melhor informação e dando uma forma paradoxal mais clara).Mas é indispensável tentar de definir uma pergunta central, por mais que pareça muito elementar ecândida.

Em quarto lugar, formular hipóteses (ou respostas tentativas à pergunta). O marco teórico, mas tam-bém a própria criatividade, intuição, experiência, o que se observa na rua, as observações e perguntasde filhos ou sobrinhos, serve para chegar a estas respostas tentativas. Advertência: não há forma degarantir que alguém tenha boas perguntas ou boas hipóteses. Mas podemos nos ajudar com estímulosintelectuais variados. Você não tem idéias novas quando esta tomando banho? Quando pratica algumesporte?

Em quinto está a prova empírica da hipótese. Até aqui temos descrito o básico de um projeto: oassunto, a pergunta, os antecedentes para respondê-la e resposta(s) tentativa(s). Isto é o que pedemas fontes de financiamento. Paradoxalmente, no caso de muitos projetos isto constitui a parte mais

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importante da pesquisa. Tanto é assim que existem pesquisas que terminam aqui (a pesquisa explo-ratória que se discute mais na frente). Então que resta fazer? A prova empírica de hipóteses consisteem avaliar, através da coleta de dados e análise de informação empírica, a veracidade da(s) hipóte-ses formulada(s). Usualmente o denominado Método Científico é circunscrito à prova empírica dehipótese, na qual abunda em tecnicismos e procedimentos aparentemente muito científicos. Atribuira última prova de veracidade aos dados empíricos corresponde a uma posição filosófica (positivismo)que, apesar de ser dominante, é muito discutível. Isto não quer dizer que o trabalho com informaçãoempírica não seja importante; o que não se pode fazer é dar mais importância a informação empí-rica que ao trabalho teórico. Finalmente, os dados empíricos são construções humanas; vemos o queestamos preparados e pré-dispostos a ver.

Faz sentido propor uma pesquisa que tenha como ponto de partida uma hipótese, prescindindoda pergunta? Sim, tem sentido, mas uma hipótese é uma afirmação e é muito fácil interpor uma per-gunta. Às vezes temos uma hipótese que queremos pesquisar empiricamente, e é bom tentar imaginara pergunta que pode ter detrás dela. Explicar esta pergunta e transformá-la no sentido de chegar aum paradoxo, no sentido incorporar à pergunta a informação mais relevante da área de estudo, podecontribuir em melhorar a hipótese. Ajuda a conectar uma hipótese com uma teoria e, eventualmente, aperceber que postulados teóricos implícitos nas hipóteses que talvez não compartamos explicitamente.

Por outra parte, a pergunta tem o papel de uma função metodológica central: é o que guia nossosesforços investigativos, tanto teóricos como empíricos. O material será discriminado segundo eleajuda ou não a responder nossa pergunta.

A hipótese tem também uma função similar, mas circunscrita ao trabalho com informação empírica.

E se nossa pesquisa tem como ponto de partida uma hipótese que não tem conexão aparentecom teoria alguma? Muitas vezes a teoria, no sentido amplo a palavra, esta implícita e vale a penaexplicitá-la. Deste modo nossa pesquisa poderia contribuir ao desenvolvimento teórico do campo deestudo.

Que tal se formulo uma pesquisa empírica descritiva e quero prescindir de hipótese porquese trata de uma área de conhecimento com pouca acumulação teórica? Toda aproximação arealidade esta mediado por uma atividade mental de nossa parte. Por outro lado, não existe umprocedimento (ou até mesmo teoria) para gerar hipóteses. O pesquisador também pode não ter aimaginação para gerar uma hipótese. De todas formas, a hipótese é importante como guia para acoleta de informação empírica. Podemos formular uma hipótese nula, isto é uma hipótese na qual nãoacreditamos, contudo esta hipótese nos orientará na coleta de dados empíricos que logo nos indicaráquanto longe esta hipótese se encontra da realidade. Em síntese, a hipótese tem duas funções numapesquisa:

1. vincular os fatos que se estudam com uma teoria; e

2. guiar a coleta de informação empírica.

3.2 Quais são os diferentes tipos de pesquisa?

Em que momento se toma a decisão sobre que tipo de pesquisa fazer? Depois de escolher um assuntoe formular uma serie de perguntas, deve-se pensar que se pode fazer em termos de pesquisa pararesponder as perguntas.

A seleção da pergunta que constituirá o problema central da pesquisa tem a ver, fundamentalmente,com uma questão de viabilidade, isto é, com uma avaliação do que sou capaz de fazer com determi-nados recursos (dinheiro disponível, tempo, apoio institucional, capacidade pessoal).

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No começo temos uma serie de perguntas grandes que gostaríamos responder sobre o assunto esco-lhido. Descobrimos rapidamente que não poderemos responder tais questões em um único projetode pesquisa. Estaremos enfrentados a nossa primeira opção: seleciono uma pergunta limitada dentreminhas inquietudes, ou bem, defino minha pesquisa como exploratória, como um ensaio teórico-especulativo.

Pesquisa exploratória. Uma pesquisa exploratória consiste num ensaio teórico-especulativo em quese intenta articular uma serie de perguntas que o assunto nos indica num marco interpretativo geral apartir do qual seja possível deduzir hipóteses explicativas.

A oportunidade deste tipo de pesquisa é evidente em temas sobre os quais não existe um corpo re-lativamente desenvolvido de teorias e quando a possibilidade de conseguir informação empírica éremota, seja em função dos custos ou do tempo demandado. A força de uma pesquisa desta naturezaesta no manejo conceitual, rigorosidade lógica, imaginação e capacidade especulativa do pesquisa-dor. Assim, resulta possível oferecer explicações interessantes, compatíveis com a escassa e poucosistematizada informação empírica que se dispõe.

Não é recomendável tentar uma pesquisa deste tipo por mais urgentes que pareçam ser as perguntasque assunto apresenta, a não ser que você possua uma grande experiência e domínio na área deestudo. Caso contrário, parece difícil fazer outra coisa que recolocar debates já existentes na literaturaespecializada.

Se se descarta então a pesquisa exploratória, a questão passa a ser como reduzir o alcance da pesquisaa algo manejável sem que por isto a pesquisa deixe de ser estimulante e relevante frente as inquietudesiniciais.

As opções mais prováveis com que estaremos enfrentados são discutidas nos próximos pontos.

Pesquisa explicativa. Pode-se dizer que este é o projeto investigativo clássico, tanto por seu carácterexplicativo (este é o objetivo central atribuído à ciência) como pelo fato de articular equilibradamenteo trabalho teórico com o trabalho empírico.

Os passos de uma pesquisa explicativa são:

1. Seleção de um assunto de pesquisa.

2. Justificação desta seleção em termos da utilidade teórica e/ou prática que representa seu estudo.

3. Formulação de um problema (ou pergunta) explicativa de pesquisa, em que pode ser decom-posto em subproblemas. A ou as perguntas indicam referencia a um universo temporal, sociale espacial.

4. Reunião de antecedentes conceituais (marco teórico) e empíricos para responder a o as per-guntas. Os antecedentes empíricos estão referidos ao universo temporal, social e espacial dapergunta. A necessidade de complementar a teoria com estes antecedentes empíricos com o ob-jetivo de formular hipóteses da lugar a uma primeira forma de avaliação da utilidade da teoriafrente ao caso especifico de estudo.

5. Formulação de hipóteses, por dedução do passo anterior.

6. Operacionalização de variáveis, ou construção dos instrumentos de medição que permintamcomparar as hipóteses com os fatos (indicadores, índices, escalas).

7. Coleção e elaboração da informação empírica, o que inclui formas de apresentação desta infor-mação.

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8. Análise da informação, o que poderia incluir o uso de técnicas estatísticas.

9. Conclusões.

Pesquisa descritiva. De nossas grandes perguntas ou porquês, temos escolhido uma que parece-nos manejável e relevante ao mesmo tempo. Contudo, a afirmação contida na pergunta talvez aindapareça duvidosa e nos faça submeter a mesma a consulta empírica, como etapa previa a pesquisa emsí. Em geral, a pesquisa descritiva resulta muito útil como forma de colocar a prova afirmações dosentido comum, aquilo que todo mundo sabe, e que muitas vezes constitui o fundamento de políticasconcretas.

Em geral, neste tipo de pesquisa as hipóteses tendem a cumprir primordialmente uma função metodo-lógica. O uso de hipóteses nulas é usual na pesquisa descritiva. A ausência de hipóteses na pesquisadescritiva é um erro metodológico comum que impede dispor de uma guia no trabalho de pesquisa eelimina clareza e sistematicidade às conclusões. As hipóteses se omitem em nome da objetividade einspirados no empirismo. Contudo, em palavras de Francis Bacon, “a verdade surge mais facilmentedo erro que da confusão”. Mas vale uma hipótese equivocada que nenhuma.

Estudo de caso. É possível distinguir dois tipos principais de estudos de casos:

1. Aquele destinado a colocar a prova uma teoria desenvolvida. A partir de uma teoria complexae bem estruturada é possível deduzir com precisão comportamentos e fenômenos concretos. Oestudo de um ou poucos casos basta para testar a teoria.

2. Aquele que busca gerar hipóteses explicativas numa área temática que não dispõe de uma teo-ria estabelecida. Quando existe uma suspeita inicial (ou hipótese intuitiva, por ocasião de umahipótese dedutiva de um marco teórico), a combinação entre estudo de caso e projeto experi-mental pode resultar muito conveniente.

No estudo de caso, é de suma importância a seleção dos casos a estudar. A representatividade docaso é tudo para este tipo de pesquisa. Contudo, devemos nos opor ao dogma de que os estudos decaso só se justificam como representativos de um universo maior. O conhecimento dos mecanismosconcretos que conectam causas e efeitos não é possível de obter-se por meio de pesquisas qualitativasestatisticamente representativas (extensivas), mas bem por estudos intensivos.

3.3 Um exemplo de projeto de pesquisa: Um sistema de trans-porte público

O problema:

• As grandes cidades estão sofrendo com os engarrafamentos.

• A capacidade dos automóveis esta sendo subutilizada (quantas vezes ví veículos onde o único ocu-pante é o motorista).

• O preço e a manutenção do automóvel é custosa (comprar, reparar, seguro, taxas, gasolina, . . . ).

Hipótese H1) Suponha que os veículos deste sistema tenham as seguintes características:

• a capacidade para 4 passageiros,

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• o motorista é um computador treinado para esse fim.

Para fazer uso do sistema de transporte, o passageiro ingressa num programa computacional ondedeve informar:

• o endereço de origem e o endereço de destino

• o horário que pretende sair da origem

Como resultado, o programa responde que um veículo foi agendado e informa, em base a seus cálcu-los, o tempo para fazer o “serviço”.

Vejamos como funcionaria na prática.

Em determinado momento, João deseja sair de casa para ir à universidade. O sistema agenda umveículo para João. Além do mais, o sistema calcula a “rota econômica” (quais ruas e avenidas oveículo deve tomar) para levar João de casa até a universidade no menor tempo possível.

Suponha que, um instante depois, um segundo passageiro, digamos, Pedro, solicita um veículo para ira universidade. Suponha que, além disso, a rota econômica para Pedro contem a rota calculada paraJoão. Neste caso, o programa computacional descobre esta condição e agenda para Pedro o mesmoveículo agendado para João.

Podemos imaginar um terceiro e quarto passageiro nas mesmas condições que Pedro, neste caso, oprograma poderá agendar o mesmo veículo.

Hipótese H2) Suponha que os habitantes da cidade onde se implanta o sistema de transporte chegamao seguinte acordo: não é permitido veículo com motorista.

Mais perguntas: 1) Faltam hipóteses (ou seja, H1 e H2 são suficientes) para resolver o problemado sistema de transporte público? 2) Haveria infrações no transito? Se houvessem infrações, quemdeveria pagar a multa é o programador. 3) Haveria necessidade de apreender a dirigir? 4) Haverianecessidade de comprar um automóvel?

3.4 Atividades

1. Formule um problema ou pergunta que oriente um projeto de pesquisa de seu interesse.

2. Formule possíveis hipóteses com a intenção de direcionar uma solução do problema formuladoanteriormente.

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Metodologia Científica

Capítulo 4

Referências

4.1 Referências Bibliográficas

[1] Kuhn, T. S. (1960). A estrutura das revoluções científicas. Tradução Beatriz ViannaBoeira e Nelson Boeira. 11ed. São Paulo: Perspectiva, 2011 (Debates).

[2] Koyré, A., (1973). Estudos de história do pensamento científico. Tradução MárcioRamalho. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982 (Campo teórico).

[3] Bertalanffy, L. v. (1968). Teoria Geral dos Sistemas: fundamentos, desenvolvimentoe aplicações. Tradução de Francisco M. Guimarães. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

[4] Taylor, F. W. (1911). Princípios de administração científica. Tradução de ArlindoVieira Ramos. 8.ed. São Paulo: Atlas, 1990.

[5] Massera, J. L. (1986). Dialectica y matemática. Montevideo: Universidad de la Re-púbica, 1986.

[6] Sabatini, F. (1993). Que es um projecto de investigación? Orientaciones para prepa-rar proyectos em los temas del desarollo y la planificación territorial. Chile: Ponti-ficia Universidad Catolica de Chile, 1993 (Serie Azul 1).

[7] Zarifian, P. (1996) El trabajo: Del modelo de la operación al modelo de la acción.Montervideo: Universidad de la Republica, 1996 (Documentos de trabajo n7).

[8] Bunge, M., La ciencia, su método y su filosofía. Buenos Aires: Sudamericana, 1960.

[9] Popper, K., A lógica da pesquisa científica. Tradução de Leonidas Hegenberg eOctanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix.

[10] Picon, A., Pour une histoire de la pensée technique, rapport d’habilitation, EHESS,Paris, 1994.

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Capítulo 5

Índice Remissivo

AAlma, 16Almagesto, 2, 17Análise e síntese, 19Anomalia, 8Aristóteles, 16Aristotelismo medieval, 16, 17

BBertalanffy, 24

CCausa-efeito, 22Ciência normal, 5Comunidade científica, 3Condillac, 23Conhecimento científico, 3

DDescoberta, 8

EEmpirismo, 18Equinócio, 2Escolástica, 15

GGalileu, 3, 4, 15, 21, 28Grosseteste, 19

MMétodo, 2Massera, 4, 15, 23, 33Modelo empirista, 3Modelo sistêmico, 3

NNatureza, 17

O

Objeto construído, 2Oficina de métodos, 32Operação, 32

PParadigma, 5Paradoxo, 4Pesquisa extraordinária, 9Platão, 16Platonismo medieval, 16Problema, 2Problemas quebra-cabeças, 4Ptolomeu, 2

QQuebra-cabeças, 6

RRacionalidade analítica, 23, 32Resolução e composição, 19Revolução científica, 9

SSistemismo, 24

TTaylor, 3, 15, 32

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