metodologia científica na pesquisa jurídica, 9ª...

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    Impresso no Brasil – Printed in BrazilDireitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesa

    Copyright © 2017 byEDITORA ATLAS LTDA.Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial NacionalRua Conselheiro Nébias, 1384 – Campos Elíseos – 01203-904 – São Paulo – SPTel.: (11) 5080-0770 / (21) [email protected] / www.grupogen.com.br

    O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer aapreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102da Lei n. 9.610, de 19.02.1998).

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    Capa: Nilton MasoniProdução Digital: EquiretechData de fechamento: 21.03.2017Até a 8ª edição, esta obra se chamava Monografia no Curso de Direito – Como elaborar o Trabalho de Conclusão de

    Curso (TCC).CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO

    SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJH449mHenriques, AntonioMetodologia científica na pesquisa jurídica / Antonio Henriques, João Bosco Medeiros. − 9. ed., rev. e reform. − São

    Paulo : Atlas, 2017.Inclui bibliografia e índiceISBN 978-85-97-01175-31. Pesquisa jurídica − Metodologia. 2. Direito − Metodologia. I. Henriques, Antonio. II. Medeiros, João Bosco. III. Título.

    17-40663 CDD: 808.06634CDU: 808.1:34

    mailto:[email protected]://www.grupogen.com.br

  • 11234

    212

    2.12.22.32.4

    33.13.23.33.43.53.63.7

    45

    5.15.25.3

    312

    2.1

    SUMÁRIO

    IntroduçãoParte I – PESQUISA CIENTÍFICA

    Conhecimento científico e ciência do DireitoConhecimento científicoClassificação das ciênciasCiências naturais e ciências humanasDireito e ciência

    Métodos e técnicas de pesquisaConceito de métodoMétodos de abordagem

    Método dedutivoMétodo indutivoMétodo hipotético-dedutivoMétodo dialético

    Métodos de procedimentoMétodo históricoMétodo comparativoMétodo estatísticoMétodo tipológicoMétodo monográficoMétodo experimentalMétodo clínico

    A interdisciplinaridade na pesquisa jurídicaTécnicas de pesquisa

    ObservaçãoQuestionárioEntrevista

    Enfoques téoricos nas pesquisas: quadros de referênciaTeoria e leiFundamentos filosóficos da pesquisa

    Abordagens na pesquisa do Direito

  • 2.1.12.1.22.1.32.1.42.1.52.1.6

    2.22.2.12.2.22.2.32.2.42.2.52.2.62.2.72.2.8

    412345

    5.15.2

    5.2.15.2.25.2.35.2.45.2.55.2.65.2.7

    512

    61

    Racionalismo metafísico ou jusnaturalismoEscola históricaPositivismo jurídicoRealismo jurídicoCulturalismo jurídicoHistoricismo crítico

    Abordagens na pesquisa das Ciências SociaisEmpirismoPositivismoFenomenologiaMaterialismo dialéticoEstruturalismoFuncionalismoSistemismoHermenêutica

    Modalidades de pesquisaClassificação, análise e síntese na pesquisaO que é pesquisaTipos de pesquisa científicaDelineamentos de pesquisaPesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa

    Pesquisa quantitativaPesquisa qualitativa

    Pesquisa bibliográficaPesquisa documentalPesquisa etnográficaPesquisa-açãoHistória de vidaAnálise de conteúdoEstudo de caso

    Projetos de pesquisaElaboração de um projeto de pesquisaPassos necessários para a realização de um projeto de pesquisa

    Trabalhos científicosConceito de trabalho científico

  • 23456

    78

    712

    2.12.22.32.42.5

    2.5.12.5.22.5.32.5.42.5.5

    2.62.72.8

    2.8.12.8.22.8.32.8.4

    812

    2.12.2

    33.1

    Conceito de monografiaTese de doutoradoDissertação de mestradoTrabalho de Conclusão de Curso (TCC)Semelhanças e diferenças entre dissertação de mestrado, tese de doutorado e Trabalho de

    Conclusão de CursoResenhaArtigo científico

    Pesquisa bibliográficaO que é pesquisa bibliográficaEtapas do delineamento bibliográfico

    Escolha do temaLevantamento bibliográfico preliminarFormulação do problema e objetivosElaboração de um projeto de pesquisa e de um plano provisório de pesquisaBusca das fontes

    A bibliotecaAcervo bibliográficoIdentificaçãoTipos de informaçãoCompilação

    Leitura do material de pesquisa e fichamentoAnálise e interpretaçãoRedação

    IntroduçãoDesenvolvimentoConclusãoReferências

    Estrutura e ordem de apresentação de um trabalho acadêmicoOrdem dos elementosParte externa

    CapaLombada

    Parte pré-textualFolha de rosto

  • 3.23.33.43.53.63.73.83.93.10

    44.14.24.3

    55.15.25.3

    69

    12345

    5.15.2

    5.2.15.2.2

    5.310

    12345

    Verso da folha de rostoErrataFolha de aprovaçãoDedicatóriaAgradecimentosInscrição e epígrafeResumoLista de ilustrações e outrasSumário

    Parte textualIntroduçãoDesenvolvimentoConclusão

    Parte pós-textualReferências bibliográficasApêndice e anexoÍndices

    Normas de apresentação de um trabalho acadêmico segundo a NBR 14724:2011Citações diretas, indiretas e sistemas de chamada

    Observância de regras da ABNT e efeito de rigor e credibilidadeDefinição e tipos de citaçãoObjetivos da citaçãoNotas de referência e nota explicativaA NBR 10520:2002 da ABNT

    Regras geraisSistemas de chamada

    Sistema autor-dataSistema de chamada numérico

    Expressões latinasElaboração de referências bibliográficas

    Norma da ABNT: a NBR 6023:2002Regras de apresentaçãoReferência a monografias: livros, separatas, dissertação de mestrado, tese de doutoradoReferência a artigos de periódicos (jornais e revistas)Trabalhos apresentados em congressos

  • 678

    8.18.2

    111234

    4.14.2

    4.2.14.2.24.2.3

    55.15.25.35.45.5

    66.16.26.36.46.56.6

    1212

    2.12.2

    3

    LegislaçãoApresentação geral de referências bibliográficasOrdenação das referências

    Sistema alfabéticoSistema numérico

    Parte II – LEITURA E REDAÇÃO ACADÊMICALeitura e fixação de textos

    Leitor críticoNíveis de leituraClassificação de leituraRelatório de leitura

    FichamentoTipos de fichamento

    Anotação de citação diretaAnotação de resumoAnotação de comentário

    Fontes do direitoLeiCostumeDoutrinaJurisprudênciaEquidade

    Interpretação de textos legaisInterpretação: desentranhamento do sentidoInterpretação no Direito ConstitucionalInterpretação no Direito CivilInterpretação no Direito PenalInterpretação no Direito TributárioInterpretação no Direito do trabalho e da Seguridade Social

    Redação de textos acadêmicosCondições necessárias para começar a escreverLinguagem científica

    SimplicidadeImpessoalização verbal

    Linguagem jurídica

  • 3.13.23.33.43.5

    3.5.13.5.2

    45

    5.15.25.35.4

    66.16.26.36.4

    77.17.27.37.47.57.67.77.8

    88.1

    8.1.18.1.28.1.3

    8.28.2.18.2.2

    ConservadorismoCorreçãoRitualismoDenotaçãoEsclarecimento dos termos: definição operacional

    Estrutura da definição denotativaRequisitos da definição

    Texto jurídicoEstrutura da frase

    Coordenação e subordinaçãoConcordância verbal e nominalRegência verbal e nominalSintaxe de colocação

    ParagrafaçãoDefinição de parágrafoExtensão do parágrafoQualidades do parágrafoEstrutura do parágrafo

    PontuaçãoPonto finalVírgulaDois-pontosHífenColcheteAspasAsteriscoBarra transversal

    Coesão e coerência textualArticuladores textuais

    Articuladores de conteúdo proposicionalArticuladores enunciativos ou discursivo-argumentativosArticuladores metaenunciativos

    CoesãoDefeitos de coesãoMecanismos de coesão

  • 8.2.38.3

    8.3.18.3.2

    99.19.29.39.49.5

    1312

    2.12.2

    33.13.23.33.43.53.6

    3.6.13.6.1.13.6.1.23.6.1.33.6.1.4

    3.6.23.6.2.13.6.2.23.6.2.33.6.2.4

    3.6.33.6.3.13.6.3.2

    IntertextualidadeCoerência

    Mecanismos de coerênciaCoerência macroestrutural

    Aspectos práticos da redação de trabalhos acadêmicosMargem, espaçamento e formatoParágrafoTítulo da obra e seçõesFontes: itálico, bold, sublinha, letras maiúsculasNumeração das folhas

    Raciocínio e argumentaçãoCaracterísticas dos textos acadêmicosRaciocínio

    DefiniçãoTipos de raciocínio

    ArgumentaçãoDefiniçãoVariedade linguística de prestígio como fator de argumentaçãoTipos de argumentaçãoFalácias de argumentaçãoExpedientes de argumentaçãoMecanismos de argumentação

    Figuras de escolhaMetáforaMetonímiaIroniaAntonomásia

    Figuras de presençaAnáforaAntítesePolissíndetoQuiasmo

    Figuras de comunhãoAlusãoApóstrofe

  • 3.73.83.93.103.113.12

    1415

    123

    44.14.2

    Gramática e argumentaçãoLéxico e eufemismosClichêCredibilidade do argumento de autoridadeCriação de inimigosDiscurso implícito

    Abreviações e SiglasOrientador e Orientando

    OrientadorOrientandoAvaliação de teses de doutorado, dissertação de mestrado e Trabalhos de Conclusão de

    CursoPlanejamento

    CronogramaOrçamento

    AnexoPortaria nº 1.886, de 30 de dezembro de 1994, do MEC

    Referências

  • INTRODUÇÃO

    A pesquisa é um instrumento de que se serve a educação, principalmente, universitária paraatingir seus objetivos de formação de seu corpo docente e discente. Nesse sentido, a educação se fazpela pesquisa. As universidades, paralelamente ao ensino e à prestação de serviços à comunidade,distinguem-se uma das outras pela maior ou menor consistência de sua pesquisa, que, por sua vez,contribui para as boas avaliações que elas perseguem.

    A pesquisa, no entanto, se vista como obrigação burocrática a cumprir não vai além de umaprodução mesquinha e destituída de valor. Requer, por isso, do pesquisador não apenas estímulo,mas motivação interna, interesse por discutir a teoria e propor solução para problemas humanos.Além disso, quando se oferece a possibilidade de formação sobre como produzir conhecimentoscientíficos, como fazer ciência, os resultados são mais auspiciosos. Sem a discussão de temas dametodologia científica, o caminho se torna mais sofrido, mais árido, mais inseguro. Os manuais demetodologia nada mais são do que a discussão de temas da ciência, a experiência acumulada deinúmeros pensadores que se ocuparam da validade do conhecimento científico: Aristóteles, Bacon,Galileu, Descartes, Newton, Hume, Kant, Hegel, Darwin, Popper, Kuhn, Feyrabend, Gadamer etantos outros.

    Este livro entende o Direito como uma Ciência Social de características específicas, que seapoia em metodologia comum a essas ciências, acrescentando-se algumas particularidades. Divididoem duas partes e 15 capítulos, trata na primeira da pesquisa científica, abordando temas comoconhecimento científico e a Ciência do Direito; métodos e técnicas de pesquisa (métodos deabordagem e métodos de procedimento); enfoques teóricos nas pesquisas, tratando de algumas linhasdo conhecimento jurídico, como jusnaturalismo, positivismo jurídico, realismo jurídico, culturalismojurídico, historicismo crítico e, ainda, de correntes mais comuns nas Ciências Sociais, comoempirismo, positivismo, fenomenologia, materialismo dialético, estruturalismo, funcionalismo,sistemismo, hermenêutica, buscando oferecer ao pesquisador embasamento sobre o que ocorre nasCiências Sociais, para que sua produção não seja totalmente desvinculada do mundo que o cerca.

    O livro trata ainda de modalidades de pesquisa, tanto quantitativas como qualitativas, paratambém fornecer possibilidades ao pesquisador de ir além da pesquisa bibliográfica e das produçõesexclusivamente dedicadas à norma legal.

    Completam a primeira parte: a elaboração de projetos de pesquisa, a variedade de trabalhoscientíficos, o desenvolvimento de uma pesquisa bibliográfica e uma parte prática sobre a estrutura ea ordem de apresentação de um trabalho acadêmico, como fazer citações diretas e indiretas, como

  • confeccionar referências bibliográficas.Na segunda parte, focaliza a leitura e a redação de textos acadêmicos, o raciocínio e a

    argumentação. No capítulo dedicado à leitura, contempla técnicas de leitura, fontes do direito,interpretação de textos legais. No capítulo que examina a redação, ocupa-se da linguagem jurídica,da coesão e da coerência textual. Finalmente, apresentamos um capítulo sobre a relaçãoorientador/orientando.

    Se há interesse em um curso de metodologia, é recomendável o estudo de toda a obra; se, noentanto, o interesse concentrar-se apenas em normas de elaboração do trabalho científico, podem-seutilizar diretamente os Capítulos 2, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12.

    Este livro incorporou alguns textos do nosso Monografia no curso de direito, que a partir daedição deste livro deixa de ser publicado. Utilizávamos então a expressão monografia comoequivalente à expressão trabalhos científicos, que tanto pode ser uma tese de doutorado, umadissertação de mestrado, um trabalho de conclusão de curso, embora na ocasião dirigíssemossobretudo aos estudantes de graduação.

    Agora, uma palavrinha sobre os trabalhos de conclusão de curso. Dois textos legaistransformaram as exigências dos cursos jurídicos, que passaram a revestir-se de especialimportância e assumem maiores responsabilidades na formação dos futuros operadores do Direito: aPortaria nº 1.886, de 30-12-1994, do MEC e a Portaria nº 3, de 9-1-1996. O art. 9º da primeiraestabelece:

    Art. 9º Para conclusão do curso, será obrigatória apresentação e defesa de monografiafinal, perante banca examinadora, com tema e orientador escolhidos pelo aluno.

    A Portaria do MEC nº 3, de 9-1-1996, deu nova redação ao art. 16 da Portaria nº 1886/1994:Art. 16. As diretrizes curriculares desta Portaria são obrigatórias aos novos alunos

    matriculados a partir de 1997 nos cursos jurídicos que, no exercício de sua autonomia,poderão aplicá-las imediatamente.

    Louvável é, por certo, o propósito do MEC: melhor preparo dos que perseguem a formaçãojurídica a fim de despertar e aguçar o interesse do aluno e sua atividade em consonância com oespírito universitário: ao aluno cabe desenvolver sua atividade intelectual e ao professor, orientá-lo.

    A produção de um trabalho acadêmico leva o aluno a ampliar a gama de conhecimentos em outrasáreas, o que concorre para o que se chamava, nas universidades medievais, de universitasstudiorum.

    Os estabelecimentos de ensino, por sua vez, são compelidos ao investimento no acervo de suasbibliotecas e, mesmo, à implantação, na grade escolar, da disciplina de Metodologia Científica.

  • Parte IPESQUISA CIENTÍFICA

  • 1

    1CONHECIMENTO CIENTÍFICO

    E CIÊNCIA DO DIREITO

    A ciência dá soluções na medida em que levanta novos problemas. Assim, a ciência estámuito mais próxima de nossa ignorância do que de nossas certezas (GOLDENBERG, 2015, p.107).

    CONHECIMENTO CIENTÍFICOA definição de conhecimento científico, em geral, implica o uso da racionalidade de forma

    sistemática, metódica e crítica para desvelar o mundo, compreendê-lo e explicá-lo. Para Köche(2015, p. 37), ele

    é construído através de procedimentos que denotem atitude científica e que, porproporcionar condições de experimentação de suas hipóteses de forma sistemática,controlada e objetiva e ser exposto à crítica intersubjetiva, oferece maior segurança econfiabilidade nos seus resultados e maior consciência dos limites de validade de suasteorias.

    Considerando que todas as formas de ver e apreender o mundo são importantes e adequadas, adepender da situação e do sujeito do processo, Michel (2015, p. 21) classifica o conhecimento emtácito (individual e relacionado à aquisição de habilidades e competências), explícito (socialmenteconstruído), dogmático (religioso), empírico (realizado com base na experimentação e no sensocomum), filosófico (reflexivo e ocupado da discussão da verdade no nível das ideias) e científico(apoiado na investigação e explicação dos fatos e fenômenos).

    Para Marconi e Lakatos (2011, p. 15-20), uma das exigências fundamentais para reconhecer oconhecimento científico consiste em diferenciá-lo dos demais tipos de conhecimento. Arrolam então:conhecimento popular (senso comum), filosófico, religioso e científico.

    O que distingue o conhecimento popular do científico são os métodos e os instrumentosutilizados. Um agricultor, por exemplo, sabe que uma planta precisa de água; um cientista, medianteobservação rigorosa, conhece as características do vegetal, composição, ciclo de desenvolvimento.Não é infundado o conhecimento do agricultor, não é incorreto, mas menos profundo que o docientista. Por isso, a necessidade de clareza quando se estuda metodologia: a ciência não é a única

  • forma de conhecimento verdadeiro. Entre as características do conhecimento popular, salientam-se:superficialidade, subjetividade (sujeito às emoções do indivíduo), assistematicidade, ausência deposicionamento crítico.

    O conhecimento filosófico apoia-se na razão, no esforço para questionar os problemas com osquais o homem se depara no contato com o universo, com outros homens e consigo mesmo. É um tipode conhecimento valorativo, que não pode ser verificável, pois seus resultados não podem serconfirmados nem refutados. É um conhecimento sistemático e racional que, diferentemente da ciênciaque utiliza sobretudo o método experimental, que se baseia nos fatos concretos, afirmando apenas oque a experimentação autoriza, no conhecimento filosófico prevalece o raciocínio dedutivo, queexige tão somente coerência lógica.

    O conhecimento religioso é o conhecimento teológico, que se apoia em verdades reveladas,infalíveis, indiscutíveis. Constituem suas principais características ser: valorativo, inspiracional,sistemático, não verificável, infalível, exato. A adesão das pessoas a esse tipo de conhecimento sefaz pela fé e não por meio da evidência de fatos observados, submetidos a experimentaçãocontrolada.

    Finalmente, o conhecimento científico caracteriza-se por ser factual, contingente, sistemático,verificável, falível, aproximadamente exato. É um conhecimento racional, que se baseia em métodoconstituído por um sistema conceitual, definições, técnicas de pesquisa. Método estabelecidosegundo o objeto escolhido, que, no processo de investigação, orienta-se pelo cumprimento de etapaspreviamente definidas, que incluem técnicas e instrumentos de investigação. É um tipo deconhecimento que é planejado, apoia-se em conhecimento anterior (hipóteses já confirmadas, leis eprincípios já estabelecidos). Conhecimento que não admite o acaso; não é disperso nemdesorganizado, mas que constitui um sistema de ideias, a teoria. É preditivo e útil, possibilitando oavanço tecnológico, bem como o aparecimento de novas teorias. Todavia, é um conhecimento quenão é definitivo nem absoluto; pelo contrário, é falível. Dá-se ora por acumulação, ora por quebra deparadigmas (revoluções). Ocupa-se de objetos que têm certas características de homogeneidade.

    Na atualidade, reconhece-se que a ciência não é a única explicação possível da realidadee não há qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações

    alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão por queprivilegiamos hoje uma forma de conhecimento assente na previsão e no controle dosfenômenos nada tem de científico. É um juízo de valor. A explicação científica dosfenômenos é a autojustificação da ciência enquanto fenômeno central da nossacontemporaneidade. A ciência é, assim, autobiográfica (SANTOS, 2013, p. 84).

    Köche (2015, p. 23-37), que chama o conhecimento popular de conhecimento do senso comum,conhecimento ordinário, comum ou empírico, postula que ele é “a forma mais usual que o homem

  • utiliza para interpretar a si mesmo, o seu mundo e o universo como um todo, produzindointerpretações significativas, isto é, conhecimento”. Suas principais características seriam: soluçãode problemas imediatos e espontaneidade, caráter utilitarista, subjetividade, baixo poder de crítica,linguagem vaga, desconhecimento dos limites de validade.

    Já o conhecimento científico é objetivo (ao descrever a realidade, evita a participação dasubjetividade), racional (vale-se particularmente da razão e não de sensações e percepções),sistemático (constrói sistemas de ideias organizadas, permitindo inferir de fatos particularesverdades válidas para fenômenos menos particulares; elaborando leis e teorias que explicam partesda realidade), verificável (permite a verificação dos resultados alcançados) e falível (porquereconhece seus limites, a possibilidade de novos conhecimentos virem a invalidar conhecimentosanteriores). A verificação da coerência lógica entre enunciados, entre teorias e leis, constitui um dosmecanismos que possibilitam que uma teoria alcance padrão de aceitação ou rejeição pelacomunidade científica.

    O conhecimento científico busca princípios explicativos e apresenta visão unitária da realidade;é resultado da dúvida, da investigação científica e surge não só da necessidade de solução paraproblemas práticos do cotidiano, mas também do “desejo de fornecer explicações sistemáticas quepossam ser testadas e criticadas através de provas empíricas e da discussão intersubjetiva”(KÖCHE, 2015, p. 29).

    O ideal da objetividade da ciência caracteriza-se por construir modelos teóricos representativosda realidade. O conhecimento científico pretende que as construções conceituais representem comfidelidade o mundo da realidade, sejam impessoais e possam ser submetidas a testes experimentais;os resultados alcançados devem poder passar pela avaliação crítica intersubjetiva da comunidadecientífica. A verdade da ciência é uma verdade pragmática; exige o confronto da teoria com dadosempíricos e a utilização de uma linguagem específica. Os conceitos utilizados são elaborados à luzdas teorias que lhe servem de embasamento. Daí a formação de constructos, que reduzem aambiguidade ou imprecisão dos conceitos, ou seja, os constructos constituem “conceitos que têm umasignificação unívoca convencionalmente construída e dessa forma universalmente aceita pelacomunidade científica” (p. 33). Para Köche, ainda, o conhecimento científico “é decorrente da formacomo é produzido e justificado”. Os critérios de cientificidade estariam “atrelados à cultura dasdiferentes épocas” (p. 35). Finalmente, é o conhecimento científico é falível: o pesquisador podeconstruir hipóteses inadequadas, excluindo da análise do problema fatores significativos, nãorealizar o teste das hipóteses de forma criteriosa, não utilizar instrumentos e técnicas de observaçãoapropriados e ser influenciado por sua predisposição subjetiva, extraindo de sua investigação umaconclusão indevida.

    As características do conhecimento científico, embora sejam valiosas para distingui-lo de outras

  • formas de conhecimento, não permitem estabelecer com segurança se “determinado conhecimentopertence à ciência ou à filosofia” (GIL, 2016b, p. 3), particularmente em Ciências Humanas. NoDireito, quando examinarmos o pensamento de Kelsen e Cossio, parece que essa afirmação faz muitosentido.

    É um lugar-comum a afirmação de que no nosso tempo a ciência se tornou um tipo deconhecimento que goza de alto prestígio social, um tipo de conhecimento que substitui a metafísica,disciplina da Filosofia que pretende constituir-se em conhecimento verdadeiro e universal darealidade. Pretensiosamente, porém, o homem moderno “concebeu a ciência como sendo a únicamodalidade de conhecimento válido, portanto, também universal e verdadeiro” (SEVERINO, 2016,p. 112). Nesse sentido, acrescentamos duas interrogações de Boaventura de Sousa Santos (2013, p.16):

    Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da naturezae da vida e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade peloconhecimento científico produzido por poucos se inacessível à maioria? Contribuirá a ciênciapara diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, osaber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática?

    O mesmo Boaventura afirma pouco adiante que o modelo de racionalidade da ciência moderna“constituiu-se a partir da revolução científica do século XVI e foi desenvolvido nos séculosseguintes basicamente no domínio das Ciências Naturais”. No século XIX, esse modelo estendeu-seàs Ciências Sociais. Depois disso, passou-se a falar de um “modelo global de racionalidadecientífica”, que defende a existência de “fronteiras ostensivas”, separando o conhecimento do sensocomum e os estudos humanísticos (aqui incluindo estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários,filosóficos, teológicos) do conhecimento científico. E conclui o autor citado, sobre a ruptura doparadigma científico com o que existia até o século XVI:

    Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário,na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se nãopautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas(SANTOS, 2013, p. 21).

    É da natureza do conhecimento científico entender que um resultado pressupõe sempre uma causa;à luz das regularidades observadas na natureza, aspira formular leis, que proporcionariam prever ocomportamento futuro dos fenômenos. Entende o autor de Um discurso sobre as ciências que “as leisda ciência moderna são um tipo de causa formal que privilegia o como funciona das coisas emdetrimento de qual o agente ou qual o fim das coisas” (p. 30), rompendo, por essa via, com oconhecimento do senso comum.

    Apoiado no racionalismo cartesiano e no empirismo baconiano, o Positivismo vai postular a

  • existência apenas de duas formas de conhecimento científico: o que provém das disciplinas formaisda Lógica e da Matemática e o que provém das ciências empíricas. Nasciam então as CiênciasSociais para serem empíricas, em que Santos (2013, p. 33-34) distingue duas vertentes principais:(1) A dominante, em que o estudo da sociedade deveria ser feito segundo “os princípiosepistemológicos e metodológicos que presidiam ao estudo da natureza desde o século XVI”. Énotável nesse ponto o nome com o qual Comte denominava o estudo científico da sociedade: “Físicasocial”. (2) A segunda corrente, que foi marginal durante muito tempo, mas que hoje é cada vez maiscomum, “consistiu em reivindicar para as Ciências Sociais um estatuto epistemológico emetodológico próprio, com base na especificidade do ser humano e sua distinção polar em relação ànatureza”. As Ciências Sociais, diferentemente das Naturais, não dispõem de teorias explicativas ouleis universais, “porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmentedeterminados”. Previsões nas Ciências Sociais não são confiáveis, visto que o comportamento dosseres humanos alteram-se “em função do conhecimento que sobre ele se adquire”. Além disso,diferentemente das Ciências Naturais, em que, embora revoluções científicas ocorram, mas em geralseguem paradigmas, nas Ciências Sociais não há consenso paradigmático. Santos (2013, p. 36, 38)introduz então um argumento fundamental:

    Os fenômenos sociais são de natureza subjetiva e como tal não se deixam captar pelaobjetividade do comportamento; as Ciências Sociais não são objetivas porque o cientistasocial não pode libertar-se, no ato de observação, dos valores que informam a sua prática emgeral e, portanto, também a sua prática de cientista […].

    A ação humana é radicalmente subjetiva. O comportamento humano, ao contrário dosfenômenos naturais, não pode ser descrito e muito menos explicado com base nas suascaracterísticas exteriores e objetiváveis, uma vez que o mesmo ato externo podecorresponder a sentidos de ação muito diferentes. A Ciência Social será sempre uma ciênciasubjetiva e não objetiva como as Ciências Naturais.

    Santos, ainda, defende a tese de que o conhecimento científico-natural é científico-social, que adistinção entre Ciências Naturais e Ciências Sociais já não faz sentido nem tem utilidade, visto quetal distinção se apoia numa concepção mecanicista da matéria e da natureza à qual contrapõe osconceitos de ser humano, cultura e sociedade. E conclui:

    O conhecimento do paradigma emergente tende assim a ser um conhecimento não dualista,um conhecimento que se funda na superação das distinções tão familiares e óbvias que até hápouco considerávamos insubstituíveis, tais como natureza/cultura/natural/artificial,vivo/inanimado, mente/matéria, observador/observado, subjetivo/objetivo,coletivo/individual, animal/pessoa.

    A superação da dicotomia entre Ciências Naturais e Ciências Sociais não seria suficiente para a

  • caracterização do modelo de conhecimento segundo o paradigma emergente. É o sujeito que estáinvestido da tarefa de estabelecer a nova ordem científica: as Ciências Naturais aproximando-se dasCiências Sociais e estas das Humanidades. Essa superação dicotômica, que tende a “revalorizar osestudos humanísticos”, ocorrerá desde que as Humanidades também sejam transformadas.

    Aguillar (1999, p. 158) tem posicionamento contrário. Alega que o pensamento de Boaventura deSousa Santos leva a uma transdisciplinaridade, “que responde a necessidades integrativas, aconstrução de uma nova língua comum entre diversas disciplinas”. Entende que a aproximação dosdomínios das ciências naturais e sociais, em que a dominação seria destas sobre aquelas, ainda contacom barreiras a serem transpostas e que tem a convicção “de que a similaridade entre ciênciasnaturais e sociais, pela interação reconhecida entre o sujeito e o objeto, não basta para esmaecer asbarreiras ainda existentes”. Haveria ainda razões que exigiriam “uma delimitação de objeto entre osdois grandes modelos de ciência”.

    Outro ponto relevante no pensamento de Boaventura de Sousa Santos, agora em Introdução auma ciência pós-moderna (2003, p. 30), diz respeito à relação da ciência com a sociedade: “Deve-se suspeitar de uma epistemologia que recusa a reflexão sobre as condições sociais de produção e dedistribuição (as consequências sociais) do conhecimento científico.”

    Bittar (2016, p. 35), analisando os déficits metodológicos históricos no ensino e na pesquisajurídicos, afirma ser escassa “a intimidade da grande massa e operadores do direito com osprocedimentos científicos e com as reflexões metodológicas”. E destaca que a produção científico-jurídica brasileira é marcada pela “ausência de pesquisas empíricas”, “à exceção de raríssimosesforços de grupos de pesquisa, sociólogos e correntes teórico-empíricas pontualmente localizáveisem algumas instituições”. Entende ainda que

    diferentemente das demais ciências sociais, muito afeitas e íntimas às instituições depesquisa brasileiras (história, política, sociologia, antropologia, filosofia…), as ciênciasjurídicas não se constroem nos mesmos moldes, devido a resistências tipicamentedecorrentes do modus cultural pelo qual o direito ainda é visto e interpretado, praticadoe ensinado, vivenciado e assimilado pela comunidade jurídica, bem como pela própriasociedade (p. 36) [destaque nosso].

    A produção científica jurídica no Brasil, ainda segundo Bittar, por “se valer exaustiva einsistentemente de métodos dedutivo-normativos para a construção do conhecimento jurídico (norma→ caso, ou norma → dogma → ciência), que raramente extravasa a linha da exegese textual da lei”não chegaria a ser constituída comumente “dentro de critérios metodológicos, ou, muito menos, porvezes, a produzir material de pesquisa adequado dentro de parâmetros de produção intelectual dasciências humanas” (p. 36). Elenca então (p. 36 e 204) um conjunto de temas e de modalidade depesquisa esquecidos pela pesquisa jurídica, do qual salientamos:

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    Estudo de caso.Discussão e debate hermenêuticos.Historiografia dos fatos jurídico-políticos.Estudos da aplicação das penas.Implicações ético-profissionais das práticas jurídicas.Estudos processuais de inclusão social pelo acesso à justiça em regiões periféricas de

    grandes centros urbanos.Arqueologia dos projetos de lei.Estudos estatísticos das tendências do Judiciário.A pesquisa de história oral.A pesquisa empírica.O entendimento crítico-reflexivo da dinâmica do ordenamento jurídico.

    Para Bittar (2016, p. 203), que volta a insistir no tema do déficit da pesquisa jurídica no Brasil,“a pesquisa empírica – e mesmo a produção teórica – nas faculdades de direito praticamenteinexiste”. O quadro prevalecente nas faculdades seria árido. Do seu ponto de vista

    as escolas não assumem, há tempos, a função de produtoras do conhecimento jurídico,quando muito, limitam-se, e quase sempre mal, a reproduzir o legalismo oficial. Professores edoutrinadores, em sua grande maioria, não costumam imaginar nada além de simples etradicional pesquisa bibliográfica.

    Em relação à pesquisa bibliográfica, também nota que normalmente é composta de estudos deexegese normativa ou de repertórios jurisprudenciais “atados a um dogmatismo estrito […], incapazde ir além da pura forma das normas jurídicas para examiná-las em termos de sua origens históricas,de suas implicações sociais” (p. 203). Quando muito, ao positivismo normativista contrapõe-se “umtipo de jusnaturalismo que se expressa sob uma crítica ideológica ao direito legislado a partir darecusa de materialização social de determinados princípios e procedimentos jurídicos, especialmenteem matéria de direito de família e direito de propriedade”.

    CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIASUm primeiro conceito de ciência diz que ela se identifica com um conjunto de procedimentos que

    permite a distinção entre aparência e essência dos fenômenos perceptíveis pela inteligência humana:um conhecimento objetivo, racional, sistemático, verificável e falível. É um conhecimento atento eaprofundado que se ocupa da realidade que nos cerca e, por isso, implica reflexão ou experiênciasistemática, que se adquire pela observação, identificação, pesquisa e explicação dos fatos e dosfenômenos que são formulados de forma metódica e racional. Daí se postular que a ciência se propõe

  • “atingir conhecimento sistemático e seguro, de forma que seus resultados possam ser tomados comoconclusões certas, aceitas, sob condições mais ou menos amplas e uniformes” (MICHEL, 2015, p. 5).Em outros termos, a ciência é um tipo de conhecimento cujo objetivo é formular, em linguagemprecisa e apropriada, leis que regem os fenômenos que nos cercam. A definição de ciência,entretanto, é controversa, “havendo mesmo autores que consideram essa discussão insolúvel” (GIL,2016b, p. 2).

    As peculiaridades de seu método diferenciam a ciência das muitas formas de conhecimentohumano, e uma de suas particularidades é aceitar que nada é eternamente verdadeiro. O dogma nãoencontra lugar na ciência. É, portanto, a ciência um campo de conhecimentos com técnicasespecializadas de verificação, interpretação e inferência da realidade. Ela compreende a teoria e aanálise. A teoria caracteriza-se como conjunto de princípios de uma ciência, ou conjunto detentativas de explicação de um número limitado de fenômenos. Apenas a mente humana que possuiteorias é capaz de distinguir, entre inúmeros fatos, aqueles que são relevantes. A análise, por sua vez,ocupa-se da aplicação da teoria; objetiva distinguir fenômenos não contemplados nodesenvolvimento da teoria e procura interpretar fatos e fazer previsões.

    O objetivo da ciência é compreender, explicar, predizer e, se possível, controlar os fenômenosda realidade empírica. Busca, por meio da acumulação de conhecimento, o controle dos fenômenosque atingem o homem. Ora, como o universo é complexo e os fenômenos diversos, a necessidade deconhecê-los para explicá-los levou o homem à realização de diversos ramos científicos, querconsiderando o objeto, quer a metodologia empregada. Gil (2016, p. 3), todavia, entende que“nenhum desses sistemas se mostra absolutamente satisfatório”.

    Podemos inicialmente classificá-las em dois segmentos: as formais e as empíricas. As ciênciasformais compreendem a Lógica e a Matemática. As ciências empíricas ocupam-se de fatos efenômenos; subdividem-se em naturais (Física, Química, Astronomia, Biologia, Psicologia) e sociais(Sociologia, Antropologia, Ciência Política, Economia, História, Psicologia, Direito).

    Para Comte, que se apoiou na complexidade crescente do objeto, as ciências classificam-se em:Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia, Sociologia e Moral. Outros autores, comoCarnap e Bunge, entendem que ela se divide em formais (Lógica e Matemática) e factuais (naturais:Física, Química, Biologia, Psicologia Individual; culturais: Psicologia Social, Sociologia,Economia, Ciência Política, História Material, História das Ideias). Marconi e Lakatos (2011, p. 28),com base em Bunge, também dividem as ciências em formais (Lógica e Matemática) e factuais, quese subdividem em naturais (Física, Química, Biologia) e sociais (Antropologia Cultural, Direito,Economia, Política, Psicologia Social, Sociologia). As ciências factuais são constituídas porconceitos, juízos, raciocínios, que permitem a combinação de ideias, segundo um conjunto de regraslógicas, para a produção de novas ideias (inferência dedutiva), organizadas em sistemas.

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    O CNPq, órgão fomentador de pesquisa, apresenta a divisão da ciência por áreas deconhecimento (Disponível em:. Acesso em:15 nov. 2016). Entre elas, destacamos:

    Ciências Exatas e da Terra: álgebra, análise, geometria, Estatística, Ciência daComputação, Astronomia, Física, Química, Geociências (Geologia, Geofísica,Meteorologia), Geografia Física, Oceanografia).

    Ciências Biológicas: Biologia Geral, Genética, Botânica, Zoologia, Ecologia,Bioquímica, Farmacologia, Parasitologia.

    Engenharia: civil, hidráulica, de minas, metalurgia, elétrica, mecânica, química,sanitária, de produção, nuclear, de transportes, naval, aeroespacial.

    Ciências da Saúde: medicina, cirurgia, odontologia, farmácia.Ciências Agrárias: agronomia, recursos florestais, agrícola, zootécnica, medicina

    veterinária, ciência e tecnologia de alimentos.Ciências Sociais e Aplicadas: direito (teoria do direito, direito público [penal,

    processual, constitucional, administrativo, internacional público e privado], direitoprivado [civil, comercial, direito do trabalho, internacional privado]), administraçãopública, economia, arquitetura e urbanismo, demografia, ciência da informação,museologia, comunicação, jornalismo e editoração, serviço social.

    Ciências Humanas: filosofia, sociologia, história, geografia, psicologia, educação,ciência política, teologia.

    Linguística, Letras e Artes.Outras: administração hospitalar, administração rural, carreira militar, decoração,

    ciências atuariais, desenho e moda, secretariado executivo.A pesquisa científica objetiva fundamentalmente contribuir para a evolução do conhecimento

    humano em todos os setores, da ciência pura ou aplicada; da matemática ou da agricultura, datecnologia ou da literatura. Ora, tais pesquisas são sistematicamente planejadas e levadas a efeitosegundo critérios rigorosos de processamento das informações. Será chamada pesquisa científica sesua realização for objeto de investigação planejada, desenvolvida e redigida conforme normasmetodológicas consagradas pela ciência.

    Inicialmente, a ciência, sob a perspectiva das Ciências Naturais, se desenvolveu acreditando nanecessidade da unicidade metodológica. Ao tomar o homem como objeto de sua investigação,entendia Comte que ele deveria ser examinado como todos os seres naturais, que ele estava sujeito àsmesmas leis da natureza e que, portanto, estaria acessível à observação e experimentação. O métodoexperimental vale-se de técnicas de observação e operacionais que permitem rigoroso controle e

    http://www.cnpq.br/documents/10157/186158/TabeladeAreasdoConhecimento.pdf

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    mensuração das experiências realizadas, possivelmente isentos de subjetividade, que é fonte deenganos e leva a resultados frustrantes. Todavia, não se pode esquecer que, ao fazer ciência,partimos de determinada concepção de realidade e de seu modo de conhecer. Partimos, em geral, dedeterminados paradigmas epistemológicos, que são tidos como verdades universais. Demo (2012, p.50) postula que “toda metodologia científica é caudatária de uma ontologia: para pretender explicaralguma coisa, precisamos, antes, imaginar o que seja essa coisa, mesmo que hipoteticamente”. Porisso, o estudioso deve ter consciência de que a realidade científica é uma realidade construída.

    E a ciência do Direito, como se classifica?1 Em primeiro lugar é de reconhecer que as ciênciasjurídicas pertencem às Ciências Humanas. Todavia, é também de dizer que se trata de uma ciêncianormativa aplicada. Ela “comunga com as demais ciências sociais a natureza de um saber voltadopara as preocupações não naturalísticas, mas sim valorativas” (BITTAR, 2016, p. 71). Entende aindao autor citado que a ciência jurídica é parte das ciências humanas, visto estar comprometida com acausa humana, mas que entre as ciências humanas ou sociais, ela “é ciência normativa e aplicada” (p.71). E, mais adiante salienta que

    foi na tentativa de isentar a ciência jurídica do valor que se cometeu o equívocopositivista, ao estiolo kelseniano (Teoria pura do direito ), assemelhando-se a metodologiado direito à metodologia preponderantemente avalorativa das ciências exatas ou naturais (p.72).

    Como já vimos e não é fato desconhecido do estudante de Direito, a teoria kelseniana reduz pDireito “a um esquematismo mecânico de concatenação lógico-hierárquica de normas, derivadas quesão de uma norma fundamental”. Bittar aponta que, “dessa forma, o fenômeno jurídico aparecealheado, despido de qualquer fundamentação social, política, sociológica, ética, psicológica,histórica”, uma forma que Kelsen encontrou para “isentar a ciência jurídica da variação de valores,e, sem empréstimos metodológicos, produzir a autonomia científica almejada para a ciência jurídica”(p. 72). Entende então Bittar ser grande o desafio de definir o que seja ciência jurídica e que não sepoderia defini-la sem “identificar as múltiplas correntes filosóficas que procuraram definir o sentidodo jurídico, e, nisso, debruça-se no desfiladeiro de uma tradição de múltiplas explicações(positivismo, normativismo, egologismo, historicismo, sociologismo, culturalismo,trimensionalismo)” (p. 72-73).

    CIÊNCIAS NATURAIS E CIÊNCIAS HUMANASComo fazer ciência? Como explicar a realidade?Ao tratar das características da ciência, Marconi e Lakatos (2011, p. 23) salientam que ela se

    apresenta “como um pensamento racional, objetivo, lógico e confiável” que tem como especificidade“ser sistemático, exato e falível, ou seja, não final e definitivo, pois deve ser verificável, isto é,

  • submetido à experimentação pra a comprovação de seus enunciados e hipóteses, procurando-se asrelações causais”. Goldenberg (2015, p. 107), ao definir ciência como um conjunto organizado deconhecimentos relativos a um objeto, obtidos pela observação e experiência, ressalta:

    A ciência não é universalmente neutra, mas efeito de uma realidade particular. É umcorpo de conhecimentos sistemáticos, adquiridos com um método próprio, em umdeterminado meio e momento. O conhecimento de hoje pode ser negado amanhã, o que faz daciência um processo em constante criação e não uma verdade absoluta.

    De modo geral, entende-se também como fundamental para a ciência a exigência de umametodologia para a consecução de seus resultados. E a primeira questão que se coloca no estudo dametodologia é se ela vale tanto para as Ciências Naturais e Exatas quanto para as Ciências Humanas.As posições vão daqueles que consideram que o método científico vale para qualquer objeto aos quedefendem posições extremamente opostas. A posição intermediária ensina que há conclusões sobreos objetos naturais que valem igualmente para os objetos humanos. E chega-se ao fulcro da questão:

    Regras lógicas do conhecimento, por exemplo, são as mesmas, como é a mesma amatemática para “gregos e troianos”. No entanto, justifica-se uma metodologia relativamenteespecífica para as Ciências Humanas, porque o fenômeno humano possui componentesirredutíveis às características da realidade exata e natural (DEMO, 1985, p. 13).

    As Ciências Humanas não podem ser vistas como um bloco indivisível, uno. Dentro delas,destacam-se as Ciências Sociais, cuja visão metodológica vê seu objeto socialmente condicionado,isto é, ele se torna incompreensível se estudado fora do contexto social. Dentro das Ciências Sociais,algumas são aplicadas, como Direito, Administração, Serviço Social. As Ciências Sociais maisclássicas incluem Sociologia, Economia, Psicologia, Educação, Antropologia, Etnologia, História.Ainda haveria Letras e Linguística, um grupo importante, mas menos delineado dentro das CiênciasHumanas. O grupo das Artes é formado pelo estudo de todas as manifestações artísticas, comomúsica, teatro, pintura, escultura, arquitetura, dança, literatura. Não menos relevante nas CiênciasHumanas encontra-se a Filosofia e outros ramos do saber, como Jornalismo, Planejamento Urbano,Geografia.

    Ao tratar das peculiaridades das Ciências Sociais, Gil (2016b, p. 3-4) salienta quedurante muito tempo, as ciências trataram exclusivamente do estudo dos fatos e fenômenos

    da natureza. Até a segunda metade do século XIX, o estudo do homem e da sociedadepermaneceu com os teólogos e filósofos, que produziram trabalhos notáveis, que até hojedespertam admiração. Mas a partir desse período, profundamente marcado por inovaçõestanto no campo tecnológico quanto político, passou-se a buscar conhecimentos acerca dohomem e da sociedade tão confiáveis quanto os proporcionados pelas ciências da natureza.Desenvolveu-se, então, uma concepção científica do saber denominada Positivismo, cujas

  • principais características são: (1) o conhecimento científico, tanto da natureza quanto dasociedade, é objetivo, não podendo ser influenciado de forma alguma pela pesquisador; (2) oconhecimento científico repousa na experimentação; (3) o conhecimento científico équantitativo; e (4) o conhecimento científico supõe a existência de leis que determinam aocorrência dos fatos.

    Sob a perspectiva positivista, as Ciências Sociais entendiam que os fatos humanos sãosemelhantes aos da natureza e deveriam ser observados com rigor e isentos de subjetividade;deveriam ainda ser submetidos à experimentação e ser explicados em termos quantitativos, bemcomo por meio de leis gerais. Esse modelo de Ciência Social, no entanto, foi alvo de críticas equestionamentos, que manifestaram os limites de tal metodologia.

    A perspectiva positivista, de certa forma, atinge o pensamento de Kelsen. Nesse sentido, Diniz(2015, p. 25) faz referência à concepção positivista reinante no século XIX, que “identificava oconhecimento validado com a ciência natural, fundada na indução experimental”. E continua:

    O jurista, malgrado sua vocação científica, aderia ao sociologismo, que, com sua feiçãoeclética, submetia o direito a diversas metodologias empíricas: a psicológica, a dedutivasilogística, a histórica, a sociológica etc. Com isso, não havia domínio científico no qual ocientista do direito não se achasse autorizado a penetrar. O resultado dessa atitude não podiaser senão a ruína da Jurisprudência, que perdia prestígio científico ao tomar empréstimosmetodológicos de outras ciências.

    Kelsen reagiu contra essa situação. Entendia que o direito é uma realidade específica e que a elenão se deveriam aplicar métodos apropriados a outras ciências. Para Diniz (2015, p. 26), o autor deTeoria pura do direito afastou o estudo do Direito das influências sociológicas, liberando-o

    da análise de aspectos fáticos que porventura estivessem ligados ao direito, remetendo oestudo desses elementos sociais às ciências causais (sociologia e psicologia jurídicas, porexemplo), uma vez que, na sua concepção, ao jurista stricto sensu não interessa a explicaçãocausal das instituições jurídicas.

    O mestre de Viena afastou ainda do interesse da ciência jurídica os aspectos valorativos, isto é,investigações morais e políticas, endereçando-as à ética, à política, à religião, à filosofia da justiça.Apoiando-se no prefácio da segunda edição de Teoria pura do direito (“O problema da Justiça,enquanto problema valorativo, situação fora de uma teoria do Direito que se limita à análise doDireito positivo”), Diniz (2015, p. 27) afirma que

    a justiça é uma questão insuscetível de qualquer indagação teórico-científica, porqueconstitui um ideal a atingir, variável de acordo com as necessidades da época e de cadacírculo social, dependendo sempre de uma avaliação fundada num sistema de valores. Dentrode um sistema de referência a justiça é uma, e em outro, é outra.

  • A postura, pois, de considerar o Direito isoladamente da sociedade, ocupando-se tão somente doexame da norma, tem recebido críticas.

    Para Demo, uma das características das Ciências Sociais esta em que o seu objeto é histórico,enquanto a realidade física das Ciências Naturais é cronológica, “no sentido de que padecemdesgaste temporal”. E conclui: “Realidades históricas, de modo geral, nascem, crescem,amadurecem, envelhecem e morrem. Não acontece isto com uma pedra.” E, ainda:

    Ser histórico significa caracterizar-se pela situação de “estar”, não de “ser”. Aprovisoriedade processual é a marca básica da história, significando que as coisas nunca“são” definitivamente, mas “estão” em passagem, em transição. Trata-se do “vir a ser”, doprocesso inacabado e inacabável, que admite sempre aperfeiçoamentos e superações. Aolado de componentes funcionais, que podem transmitir uma face de relativa harmonia einstitucionalização, predominam os conflituosos, através dos quais as realidades estão emcontínua fermentação (DEMO, 1985, p. 15).

    Embora o tempo as desgaste as realidade físicas, ele não as afeta intrinsecamente. Já asrealidades históricas têm sua identidade nas formas variáveis de sua existência. Além disso, asrealidades materiais não têm consciência de si mesmas, enquanto a realidade das Ciências Humanas(aqui no sentido amplo que inclui Ciências Sociais) implica consciência histórica. É de salientar que,quando se faz ciência humana, identificam-se objeto e sujeito. Ao estudar a sociedade, o homemestuda também a si mesmo, ou fatos que lhe dizem respeito. Diferentemente, pois, do estudo que ohomem possa fazer de uma matéria inorgânica, por exemplo. Portanto, poderá haver envolvimentoentre o cientista social e seu objeto, embora ele seja treinado para evitar excessos de subjetividade.

    A manipulação do objeto é outro fator que diferencia Ciências Humanas e Ciências Exatas eNaturais. Realidades sociais manifestam-se, por exemplo, de forma particularmente qualitativa, e nãoquantitativa, o que impede conclusões exatas.

    Novamente, Demo (1985, p. 17) alerta que “a percepção da qualidade não deve ser desculpapara falta de rigor na análise, como se nas Ciências Sociais valesse a reflexão solta, confusa emesmo disparatada”. Esse é o desafio do pesquisador de fatos sociais: apresentar construçõescientíficas ainda mais cuidadosas.

    Finalmente, uma diferença fundamental entre um e outro tipo de ciência: as Ciências Sociais sãoideológicas:

    A ideologia acomete qualquer ciência, também as naturais, mas aqui de forma extrínseca,a saber, no possível uso que se faz delas. Seu objeto não é ideológico em si. O objeto, porém,das Ciências Sociais é intrinsecamente ideológico, porque a ideologia está alojada em seuinterior, inevitavelmente. Faz parte intrínseca do objeto (DEMO, 1985, p. 17).

    Ideologia é o modo de justificar posições políticas, interesses sociais, privilégios. É mais um

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    fenômeno de conteúdo político que de argumentação. Esta se caracteriza pelo esforço humano deapresentar provas e rigor na explicação da realidade. O cientista natural pode passar ao largo do usodo conhecimento gerado, enquanto o cientista social, mesmo que se proponha a neutralidade, aindaassim já estará assumindo uma postura ideológica: fará parte de sua postura ideológica nãoparticipar da ideologia… O que pode o cientista social é controlar criticamente a ideologia. AsCiências Sociais são científicas se prevalecem métodos científicos, mas não o serão se nelaspredominar a intenção ideológica, ou mera alusão à postura ilusória de isenção ideológica. Todavia,salientamos, acompanhando Gil (2016b, p. 5) que, diante dos fatos sociais, “o pesquisador não écapaz de ser absolutamente objetivo. Ele tem suas preferências, inclinações, interesses particulares,caprichos, preconceitos, interessa-se por eles e os avalia com base num sistema de valorespessoais”. E conclui logo adiante: “nas Ciências Sociais, o pesquisador é mais do que umobservador objetivo: é um ator envolvido no fenômeno”.

    DIREITO E CIÊNCIAO método científico consiste em procedimentos nos quais a ciência apoia a aceitação ou rejeição

    de seu corpo de conhecimentos, como hipóteses, leis, teorias. O método científico é a lógica utilizadapara validar ou justificar um conhecimento.

    Muitos juristas, até hoje, resistem a considerar o Direito uma ciência, a fazer dele objeto de umapesquisa científica. O que impede essa visão é a própria natureza dos preceitos jurídicos, seu caráternormativo. Não trata do que é, mas do que deve ser. Lévy-Bruhl (1997, p. 91), no entanto, afirma que“isso não é um obstáculo à constituição de uma ciência que tomaria esses preceitos por objeto”. Sese admite que os fenômenos sociais (e os jurídicos são um exemplo) têm causas sociais, que asnormas do Direito são a expressão de grupos e não de indivíduos, pode-se nele reconhecer umaobjetividade passível de constituir-se em objeto de pesquisa científica.

    Lévy-Bruhl (1997, p. 89) postula que as normas jurídicas estão submetidas a um “determinismomais frouxo talvez, porém não menos real que aquele que rege os fenômenos da natureza” e que odireito pode ser objeto de uma investigação científica. Segundo o autor citado, o Direito foiconcebido no passado como arte e como técnica. De um lado, arte do legislador que busca fórmulasorais ou escritas que encerrem em poucas palavras as prescrições estabelecidas pela sociedade. Deoutro, arte do intérprete dos textos legais.

    Para o autor de Sociologia do direito, é injusto admitir que o Direito romano não tenhaultrapassado a técnica, visto que elaborou conceitos adotados até hoje. E considera que foiMontesquieu o primeiro a ocupar-se do Direito com um sentido científico. Em O espírito das leis,escreveu: “As leis são… relações necessárias que derivam da natureza das coisas” (Apud LÉVY-BRUHL, 1997, p. 90).

  • Um número crescente de estudiosos cada vez mais se dedica à pesquisa no Direito, o que revelatransformação na concepção do direito ocorrida nas últimas décadas. Os estudiosos já não secontentam com uma vaga filosofia do direito que servia, acima de tudo, como pretexto para lugares-comuns. Cada vez mais o objeto da pesquisa consiste no estudo metódico das instituições e dossistemas jurídicos e tende a se confundir com o que se chama de jurística (LÉVY-BRUHL, 1997, p.95). A jurística seria a verdadeira ciência do Direito; juristicista seria o cientista que a ela sededica.

    Foi graças a Émile Durkheim que a norma de direito perdeu sua aura de imutável e de quasesagrado. Ele mostra que ela é tão variável quanto o são os seres humanos. Ora, como a normaexpressa aspirações e desejos humanos, terá de igual forma as mesmas características humanas,inclusive a da mobilidade. E é isso que aproximou o Direito da realidade e o fez “sair do esoterismono qual até então se vira confinado” (LÉVY-BRUHL, 1997, p. 98). E continua na mesma página: “Odireito, manifestação da vida social como a linguagem, a arte, a religião etc., não pode ser encaradodiversamente dessas outras atividades da sociedade, com as quais mantém relações estreitas.”

    A nova orientação dada às pesquisas jurídicas impõe ao jurista estudar o meio social paraverificar se a norma de Direito é aplicável, as razões de seu aparecimento, os motivos de suaeficácia ou ineficácia (desuso).

    Para Diniz (2015, p. 11) são questões que o cientista do direito se põe: “O que é a ciênciajurídica? Qual o seu objeto específico? Qual o seu método? A que tipo de ciência pertence? Como seconstitui e caracteriza o conhecimento do jurista?” Salienta ainda a

    surpreendente pluralidade de concepções epistemológico-jurídicas que pretendem daruma visão da ciência jurídica, cada qual sob um ponto de vista diverso. […] Parece-nos quequando o epistemólogo se põe a pensar sobre o que deve entender por ciência jurídica nãopode tomar as posições doutrinárias como definitivas nem adotar uma posição, excluindo asdemais, mas sim lançar mão de um expediente muito simples: expor o tema sob uma formaproblemática.

    Páginas adiante, ao avaliar o pensamento de Kelsen e rebater algumas críticas que a ele lhe sãoendereçadas, conclui:

    não nos parece acertado, data venia, o entendimento de que Kelsen situou a essência dodireito de maneira defeituosa, nem tampouco que ele conceitue o direito como norma. Paratanto, seria necessário que ele tivesse buscado o eidos do direito. Em momento algum de suaobra nos levou ele ao estágio da ontologia jurídica: colocou-se no plano epistemológico-jurídico. […] Nunca se preocupou com o problema ontológico do direito; nem sequerlevantou a questão decisiva: Que é o direito? (DINIZ, 2014, p. 66).

    A autora de A ciência jurídica estuda então a Ciência do Direito sob o prisma de duas doutrinas:

  • a teoria pura de Hans Kelsen e a teoria egológica de Carlos Cossio. Sua tese “situa-se no âmbito daepistemologia jurídica, que fundamenta filosoficamente a ciência do direito” (p. 21). Considera,portanto, o aspecto jusfilosófico.

    À indagação sobre o que é ciência jurídica, posiciona-se ao lado de Tercio Sampaio Ferraz Jr.,salientando que o vocábulo ciência não é unívoco, não obstante com ele se designar um tipoespecífico de conhecimento: “não há um critério único que determine sua extensão, natureza ecaracteres, devido ao fato de que os vários critérios têm fundamentos filosóficos que extravasam aprática científica” (p. 13).

    Em outro texto, Compêndio de introdução à ciência do direito (1988, p. 198), postula que aciência jurídica consiste em buscar metódica e sistematicamente “as normas vigentes de determinadoordenamento jurídico-positivo”, bem como em “estudar os problemas relativos a sua interpretação eaplicação”, objetivando solucionar possíveis conflitos e orientar sobre como “devem ocorrer oscomportamentos procedimentais que objetivam decidir questões conflitivas”.

    Em relação à especificação do objeto da ciência jurídica, que é um problema fundamental, Diniztambém considera trazer em seu bojo grande complexidade. Entende que há estudiosos que julgamnecessário,

    para que o jurista possa conhecer o direito, que se determine escrupulosamente esseobjeto, ou melhor, que se capte o que o direito é, que se elucide qual é a sua essência, isto é,qual é o ‘ser’ do objeto. Só depois dessa reflexão de cunho nitidamente ontológico é quepoderá conhecer esse objeto: o direito (DINIZ, 2015, p. 14).

    Entende ainda Diniz que o conhecimento do direito precisa do conceito de direito, visto que oconceito apresenta um esquema prévio, que tem a função lógica de um a priori. E, considerando adefinição de direito, afirma tratar-se de um “problema supracientífico, ou melhor, jusfilosófico, poisa questão do ‘ser’ do direito constitui campo próprio das indagações da ontologia jurídica” (p. 15).Conclui, no entanto, que

    não há entre os autores um consenso sobre o conceito do direito […]. Realmente, odireito tem escapado aos marcos de qualquer definição universal, dada a variedade deelementos e de particularidades que apresenta; não é fácil discernir o mínimo necessário denotas sobre as quais se deve fundar seu conceito (p. 16).

    No capítulo 3 de sua obra, quando faz um balanço do pensamento de Kelsen, Diniz (2014, p. 66)afirma a “cegueira ontológica da doutrina kelseniana”, mas que teria andado bem deixando de sepreocupar com o conceito do direito, “devido à impossibilidade de se conseguir uma definiçãouniversalmente aceita, que abranja de modo satisfatório toda a gama de elementos heterogêneos que ocompõem”. Postula, então:

    Poder-se-á dizer até que o seu pecado original é a prescindência da resposta prévia a

  • essa indagação, tão necessária, como vimos, para uma organização metódica doconhecimento jurídico. A busca do ‘ser’ do direito ou dos seus caracteres essenciais éimprescindível, segundo alguns jusfilósofos, para o exato conhecimento do direito.

    Na página 81, volta Diniz a insistir: “A tarefa de definir ontologicamente o direito resulta semprefrustrada ante a complexidade do fenômeno jurídico.” Na mesma linha de pensamento, Bittar (2016,p. 72) afirma:

    O desafio é grande ao se tentar definir o que seja a ciência jurídica, pois seria comoadentrar o tenebroso abismo ontológico da definição do seja o “jurídico” com relação ao“não jurídico”, isto é, significa o mesmo que definir o que é o direito, o objeto desta ciência.

    Ferraz Jr. (2016, p. 11) também salienta ser “muito difícil” definir Direito com rigor. E, adiante,conclui:

    Compreender o que seja o direito não é tarefa fácil. Não só é um fenômeno de grandeamplitude e muitas facetas, mas também a própria expressão direito (e seus correlatos)possui diferenças significativas que não podem ser desprezadas (p. 13).

    Apresentando uma discussão sobre conceito de língua que raramente se encontra nos estudos doDireito, Ferraz Jr. (2016, p. 14) entende que, para resolver o problema da definição de Direito,pode-se recorrer à concepção da língua em seu relacionamento com a realidade e que há “entre osjuristas uma concepção que corresponde à teoria essencialista”. Ele explicita:

    Trata-se da crença de que a língua é um instrumento que designa a realidade, donde apossibilidade de os conceitos linguísticos refletirem uma presumida essência das coisas. […]

    Essa concepção sustenta, em geral que deve haver, em princípio, uma só definição válidapara uma palavra, obtida por meio de processos intelectuais, como, por exemplo, a abstraçãodas diferenças e determinação do núcleo: “mesa”, abstração feita do material (madeira, ferro,vidro), do modo (redonda, quadrada, de quatro pés) leva-nos à essência (por exemplo: objetoplano, a certa altura do chão, que serve para sustentar coisas). Esse realismo verbal, contudo,sofre muitas objeções.

    Apresenta então Ferraz Jr. algumas metonímias no uso da palavra mesa, que, segundo ele, nãohaveria como falar de “essência”: “mesa diretora dos trabalhos”, “a mesa que a empregada ainda nãopôs, a mesa pródiga de sicrano, da qual muitos desfrutam”. Entende ainda o autor de Introdução aoestudo do direito que “os autores jurídicos, em sua maioria, têm uma visão conservadora da teoriada língua, sustentando, em geral, no que se refere aos objetos jurídicos, a possibilidade de definiçõesreais, isto é, a ideia de que a definição de um termo deve refletir, por palavras, a coisa referida” (p.14). O estudo apresentado por Ferraz Jr. apoia-se em Saussure, que entendia a língua como sistemade signos estabelecidos por convenção. A língua não descreve propriamente a realidade; ela aconstrói, cria efeitos de sentido de realidade (ilusão de que o discurso é cópia do real) (cf.

  • BARROS, 2011, p. 59).Kelsen estabelece que o objeto da ciência jurídica é a norma de direito, ou seja, o estudo

    científico do direito reduz-se à normatividade. Ao jurista não caberia aprovar ou desaprovar seuobjeto de estudo, legitimar ou justificar a norma jurídica, por meio de considerações morais, masapenas conhecer e descrever a norma jurídica. Daí Diniz (2015, p. 31) postular que ele “pretendeuconstruir uma teoria pura do direito e não uma teoria do direito puro”. E, mais adiante, explicitandocom precisão a delimitação do objeto da ciência jurídica, Diniz considera que o método kelseniano énormológico e que sua natureza é hipotético-dedutiva e lógico-transcendental. Assevera:

    Para os prosélitos dessa doutrina, o jurista stricto sensu deve ater-se exclusivamente àsnormas jurídicas, aceitando-as como dogmas, ordenando seu sistema segundo critérioslógicos, pois se assim não fosse o seu esforço científico se desnaturalizaria, infiltrando-se napolítica e na sociologia jurídicas. O problema precípuo dos professores e tratadistas dodireito é o de “saber como as normas se articulam entre si, qual a raiz de sua validade e qualo critério a adotar para se lhes definir unidade sistemática” (p. 37).

    No capítulo 3, ao tratar especificamente do objeto da ciência do Direito, salienta o “divórcio”entre a teoria de Kelsen e a de Cossio. Kelsen teria realizado uma redução científica do direito ànormatividade:

    O direito, que constitui objeto de conhecimento jurídico-científico, deve ser entendidocomo norma, de modo que a atividade da ciência jurídica esgota sua tarefa ao conhecer asnormas de direito.

    O objeto de investigação do verdadeiro jurista deve ser a norma jurídica, e a condutahumana só o será na medida em que constitui o conteúdo de comandos jurídicos” (DINIZ,2014, p. 55).

    Para Kelsen, o conhecimento jurídico-científico pode focalizar as normas a serem aplicadas(teoria estática) ou os atos de produção e aplicação (teoria dinâmica). No primeiro caso, o objeto dodireito é o sistema de normas em seu momento estático; a pesquisa científica parte das normas dedireito positivo e as confronta entre si, “mostrando o uno (sistema) no múltiplo (pluralidade denormas)”. No segundo caso, o direito é visto em movimento e o conhecimento jurídico-científicofocaliza o processo jurídico em que é produzido e aplicado o direito (cf. DINIZ, 2014, p. 56).

    A validade de um sistema de norma implica uma realidade social que lhe corresponda; se osistema não alcançar nenhuma eficácia, ele não terá vigência para a ciência jurídica. Então,

    a norma jurídica vigente que for ineficaz será derrogada com o tempo, mas essa falta deeficácia não significa que ela perdeu sua vigência, pois ela pode ser ineficaz somente poralguns momentos, recuperando sua eficácia quando outras condições sociais o permitirem(DINIZ, 2014, p. 60).

  • Maria Helena Diniz (2014, p. 65) salienta que muitos autores apresentam objeção fundamental àteoria de Kelsen por sua visão parcial do direito, porque ele “não se compõe só de normas; há algomais: valores, fatos sociais, comportamentos humanos etc.”

    Com base na distinção entre “ser” e “dever ser” neokantianos, duas categorias originárias doconhecimento, Kelsen entendia que o dever ser é que era a expressão da normatividade do direito;ele é que deve ser investigado, visto que o objeto do Direito “consiste em normas que não enunciamo que sucedeu, sucede ou sucederá, mas tão somente o que se deve fazer”. O mundo do ser, por suavez, “diz respeito à natureza, regida pela lei da causalidade, que enuncia que os objetos da naturezase comportam de um determinado modo” (DINIZ, 2015, p. 16-17).

    Para Kelsen, dois seriam os modos de ordenar os fenômenos: pela causalidade (relação de causae efeito) e pela imputabilidade (relação de um fato condicionante a um fato condicionado; seria pelaimputação que se estabelece a conexão entre o ilícito e a consequência do ilícito. A causalidade é oprincípio gnosiológico da natureza; quem a estuda busca estabelecer relações constantes entre osfenômenos, constituindo leis físico-naturais que descrevem seu comportamento. Todavia, mesmo nasCiências Naturais, modernamente a ciência vem utilizando com mais frequência o conceito deprobabilidade. Diniz (2015, p. 39) então postula:

    A verdade é que, no campo do direito, o princípio metodológico prevalecente é o daimputação, que é aplicado no domínio da liberdade. A norma jurídica brilha quando éviolada, pois “sem a possibilidade de um ato contra o que determina a norma não há comofalar da norma como um ‘dever ser’ em cuja estrutura está a possibilidade da imputação deuma sanção a um comportamento (delituoso) que o provoca”.

    É a norma fundamental, para Kelsen, que produz o direito que é objeto do conhecimentocientífico do jurista: “É só através dela que o jurista pode dizer se determinada lei, decreto ouregulamento é ou não parte integrante da ordem jurídica, isto é, se constitui ou não objeto deinvestigação jurídico-científica” (DINIZ, 2015, p. 43).

    A segunda corrente dos estudos do Direito a que se dedica Diniz (2015, p. 44-47) é a Egológica,de Carlos Cossio, para quem “a ciência jurídica deve estudar a conduta humana enfocada em suadimensão social e não a norma jurídica”. Com base em Husserl, Diniz afirma não ser a causalidade,mas a motivação o que governa os objetos culturais. O Direito não poderia, pois, ser explicado, pois

    para o conhecimento do objeto cultural só pode ser empregado o método empírico-dialético, devido à íntima integração entre substrato (elemento material) e sentido (vivênciaespiritual).

    O ato gnosiológico com o qual se constitui tal método é o da compreensão. […]O direito, como objeto cultural, deve ser compreendido, uma vez que os objetos culturais

    – que implicam sempre um valor – não se explicam nem por suas causas nem por seus efeitos,

  • mas se compreendem através da captação do sentido, que os define como objetos culturais.Portanto, compreender não é ver as coisas segundo nexos causais, mas na integridade de seussentidos ou fins, segundo conexões determinadas de modo valorativo. É conhecer sua razão eser; é revelar seu sentido, e isso só se obtém através da aplicação do método empírico-dialético, dirigido a lograr uma investigação entendedora e não meramente explicativa.

    Segundo Diniz (2014, p. 76), a teoria egológica de Carlos Cossio teria partido da indagaçãosobre o “ser” do direito. O objeto da ciência jurídica “é a conduta, pois as normas são apenasconceitos com que se representa a conduta”. A norma jurídica, no plano gnosiológico da lógicatranscendental, é “um conceito que pensa a conduta em sua liberdade” (p. 78). No plano da lógicaformal, a norma é “um juízo que “diz algo a respeito de algo”:

    Se a norma-juízo diz algo a respeito de algo, esse “algo” é a conduta, uma vez que só um“dever ser lógico” poderia conceituar convenientemente o “dever ser existencial”. A normajurídica é, concomitantemente, um juízo imputativo e um conceito que pensa uma condutacomo conduta.

    Para Diniz (2014, p. 70), “o egologismo situa o direito no campo da cultura, que significa vidahumana plenária, ou seja, a vida humana ligada a valores”. E, adiante, esclarece:

    O direito só pode ser vivido pelo homem perante os demais membros da comunidade. Porisso é um objeto cultural egológico, pois tem por suporte a própria vida do homem, fora desua significação biológica, mas no sentido de vida biográfica; e assim, nesse substrato, estáinseparável o ego atuante de toda a ação humana.

    Em consequência, o objeto da ciência jurídica é a “vida humana vivente” em sualiberdade. A concepção egológica de Cossio constitui uma forma peculiar de aplicação dafilosofia existencial, porque a liberdade da pessoa humana real e vivente é o seu ponto departida. Essa liberdade manifesta-se na conduta. É a liberdade que a individualiza ecaracteriza. Não pode ser a conduta considerada, portanto, como um “ser”, mas sim como um“dever ser” existencial (DINIZ, 2014, p. 72-73).

    Entende ainda Diniz (2014, p. 74) que o cerne da doutrina egológica está emdeterminar que o direito não é produto da razão, nem de normas, mas se oferece dado na

    experiência como conduta compartida. Logo o legislador não cria o direito; ele está naconduta humana que “constitui uma experiência de liberdade, donde a criação de algoaxiologicamente original emerge a cada instante”, e não uma experiência de necessidadecomo o é a realidade física.

    Posicionando-se, a autora, todavia, esclarece que a conduta não seria objeto de conhecimento doDireito, mas da história, da psicologia e da sociologia jurídicas. Também considera inadmissívelque a norma seja vista como “um objeto ideal, como um simples esquema lógico” (DINIZ, 2014, p.

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    81). Finalmente, Diniz (2014, p. 165) conclui quea ciência do direito é uma ciência normativa, mas, para evitar equívocos, convém

    esclarecer as três acepções da expressão “ciência normativa”: ciência que estabelece normas(Wundt); ciência que estuda normas (Kelsen); e ciência que conhece a conduta através denormas (Cossio).Ver na seção 4 do capítulo 2, p. 49, a zetética jurídica.

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    2MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA

    Método científico não existe para enquadrar a realidade, mas para contribuir para que elafale. Infelizmente, ela não fala por si. Fala pelo olhar do observador, que será tanto maisconfiável (nunca plenamente confiável), quanto mais metódico for (DEMO, 2012, p. 139).

    CONCEITO DE MÉTODOA definição mais comum de metodologia inclui prática de estudo da realidade que consiste em

    dirigir o espírito na investigação da verdade. É um instrumento, uma forma de fazer ciência, quecuida dos procedimentos, das ferramentas, dos caminhos da pesquisa. O método científico consistena lógica para justificar ou rejeitar um conhecimento.

    Para Minayo (2015, p. 14), metodologia é ocaminho do pensamento e a prática exercida na abordagem da realidade. Ou seja, a

    metodologia inclui simultaneamente a teoria da abordagem (o método), os instrumentos deoperacionalização do conhecimento (as técnicas) e a criatividade do pesquisador (suaexperiência, sua capacidade pessoal e sua sensibilidade).

    Salienta, porém, na página seguinte, que a metodologia é muito mais que técnicas: “ela inclui asconcepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com ospensamentos sobre a realidade”.

    Uma questão recorrente, quer se trate de pesquisador da área de Direito quer de qualquer outraárea das Ciências Humanas, é relativa ao método que deverá empregar em suas investigações. Ométodo será semelhante ao utilizado nas Ciências Sociais, como os de abordagem (dedutivo,indutivo, hipotético-dedutivo, dialético) ou de procedimentos (histórico, comparativo, monográfico,estatístico, tipológico, funcionalista, estruturalista)?

    A ciência tem como finalidade básica a pesquisa, não a metodologia; esta é apenas o instrumentopara se chegar ao conhecimento. Por isso, diz-se que mais importante que encontrar defeitosmetodológicos é construir ciência, pôr-se à busca do saber.

    Método é, segundo Trujillo Ferrari (1982, p. 19),uma forma de proceder ao longo de um caminho. Na ciência, os métodos constituem os

    instrumentos básicos que ordenam de início o pensamento em sistemas, traçam de modoordenado a forma de proceder do cientista ao longo de um percurso para alcançar um

  • objetivo preestabelecido.Cervo e Bervian (1983, p. 23) entendem que, em sentido geral, “método é a ordem que se deve

    impor aos diferentes processos necessários para atingir um fim dado ou um resultado desejado”, istoé, conjunto de procedimentos que o homem emprega na investigação e demonstração da verdade.Assim, o pesquisador deve anotar os passos percorridos e os meios que o levaram aos resultados,visto que já não se admite o empirismo. O homem vive hoje o estágio da precisão, da técnica, daprevisão, do planejamento. Tentativas ao acaso para colher inesperadamente êxito não condizem coma realidade atual do conhecimento humano. Não é demais, porém, frisar que o método é meio deacesso à verdade e que não dispensa a inteligência e a reflexão. O cientista ocupa-se da dúvidasistemática, metódica; se lhe falta a evidência, questiona e interroga a realidade. Também é desalientar que o método científico, ainda que aplicado às Ciências Sociais, deve sê-lo de modopositivo e não normativo; a pesquisa ocupa-se com o que é e não com o que deveria ser ou se pensaque deveria ser.

    Uma pesquisa científica consiste na execução de um conjunto de métodos e técnicas para aobtenção de um conhecimento original. Enquanto método é o caminho que se segue mediante umasérie de operações e regras aptas para se alcançar um resultado que se tem em vista, técnica é aforma utilizada para percorrer esse caminho. Ou, de maneira mais clara: método é um procedimentoque permite chegar a soluções para problemas de maneira objetiva, enquanto a técnica caracteriza-secomo instrumentos, princípios e normas que auxiliam a aplicação do método.

    Distinguindo metodologia e epistemologia, Demo (2011, p. 2) considera que não são sinônimos,“ainda que se imbriquem”. A primeira ocupa-se da cientificidade (método científico) e dasabordagens relevantes que giram em torno dela, como o positivismo, o empirismo, a dialética, oestruturalismo, a fenomenologia, o marxismo. Ocupa-se também da pesquisa quantitativa, daqualitativa e dos métodos mistos. Já a epistemologia preocupa-se com teoria e o questionamento doconhecimento enquanto tal, “procurando delimitar alcance, validade, possibilidade e pretensões”.Constitui ela uma ciência que tem por objeto a própria ciência.

    Para conhecer a realidade, há vários caminhos, e é deles que trata a metodologia.De acordo com Garcia (1980, p. 317),

    todo método é, em essência, analítico ou sintético. Análise é a decomposição de um todoem suas partes, uma operação do espírito em que se parte do mais complexo para o menoscomplexo, ou, em outras palavras, do todo para suas partes.

    A metodologia é fundamental para a formação do cientista. É ela que lhe permite amadurecercomo personalidade científica. Por ela, tomará consciência do tipo de cientista que deseja ser. Elapromove-lhe o espírito crítico sobre o caminho percorrido e aquele que ainda está para ser trilhado;estabelece os limites de seu trabalho e desenvolve-lhe a preocupação sobre como manipular a

  • realidade. Por isso, sua característica instrumental de estar a serviço da captação da realidade.Inicialmente, o homem pretendeu captar a realidade por meio do mito. Modernamente, no entanto,

    já não aceita tais explicações e considera as explicações atuais superiores. Tome-se, por exemplo, oíndio: suas explicações da realidade não lhe parecem míticas, mas objetivas. Ao homem míticosucedeu o religioso. A história do Gênesis, com Adão e Eva e toda a criação do mundo, não seconfigurava inicialmente uma explicação alegórica, mas de como o mundo começou, como foi criadoo universo e nele introduzido o mal.

    A ciência é outra forma de explicação da realidade. Ela tende a substituir as anteriores. O homemmoderno, de modo geral, aceita as explicações científicas e já não acredita nas míticas nem nasreligiosas. Os fenômenos naturais são explicados à luz da ciência e não da mitologia ou da crençareligiosa. A ciência constitui, portanto, um processo de desmitologização e de dessacralização domundo, em favor da racionalidade natural.

    Uma característica da ciência é a provisoriedade. Os pósteros poderão julgar o homem de hojecomo ser que acreditava em postulados frágeis chamados de ciência. Por isso, Demo (1985, p. 21)afirma que “o esforço que a ciência faz para vender-se como proposta racional é muito mais técnicade convencimento do que característica intrínseca”.

    No desenvolvimento histórico do método, Marconi e Lakatos (2011, p. 46-52) ressaltam que oprimeiro a tratar do assunto foi Galileu Galilei. Seu método seguia as seguintes etapas: observaçãodos fenômenos, análise dos elementos constitutivos deles, indução de certo número de hipóteses,verificação das hipóteses estabelecidas, generalização do resultado das experiências, confirmaçãodas hipóteses, estabelecimento de leis gerais. Um exemplo de utilização desse método é a lei dagravitação de Newton, que se apoiou nas leis de Kepler. Em seguida, as autoras tratam do método deFrancis Bacon, para quem o caminho seguro para a verdade dos fatos deveria conter os seguintespassos: experimentação sobre o problema a ser resolvido, formulação de hipóteses, repetição dosexperimentos, testagem das hipóteses, formulação de generalizações e leis.

    Bacon sugeria que o cientista deveria aumentar a intensidade do que supunha ser a causa doproblema estudado; variar a experiência, aplicando a diferentes objetos a mesma causa; inverter aexperiência para verificar se o efeito contrário se produziria.

    Descartes, por sua vez, afasta-se dos métodos indutivos, propondo quatro regras: (1) Aevidência: “não acolher jamais como verdadeira uma coisa que não se reconheça evidentementecomo tal”. (2) A análise: dividindo os fatos ou fenômenos em tantas partes quantas sejam necessáriaspara melhor compreendê-los. (3) A síntese: o pensamento deveria iniciar-se pelo exame defenômenos mais simples para, pouco a pouco, atingir os mais complexos. (4) A enumeração doscasos examinados e revisão de que nada foi omitido.

    Modernamente, a concepção de método científico entende que ele se constitui na teoria da

  • investigação, que alcança seus objetivos quando cumpre as seguintes etapas: descobrimento de umproblema ainda não explicado pela ciência; colocação precisa do problema à luz dos conhecimentosatuais; procura de conhecimento e instrumentos que serão úteis para a solução do problema;descoberta de novas teorias ou técnicas necessárias para a solução do problema; demonstração dasolução do problema; correção das hipóteses e teorias empregadas na solução do objeto dainvestigação.

    Garcia (1998, p. 46) elenca os seguintes métodos: (1) Método analítico: examina os componentesde um todo para conhecer causas e natureza de um problema. (2) Método indutivo: consiste emobservação rigorosa de fatos particulares para se chegar a conclusões gerais. (3) Método dedutivo:admite para casos particulares verdades tidas como gerais. (4) Método cartesiano: baseia-se naevidência, análise, síntese e enumeração de fatos necessários e suficientes. (5) Método estatístico:consiste em um conjunto de técnicas e procedimentos que se apoiam em probabilidades. (6) Métodoeconométrico: envolve a estatística, a matemática e a teoria econômica.

    Ao estudar os métodos das Ciências Sociais, Gil (2016B, p. 9 s) divide-os em métodos queproporcionam as bases lógicas da investigação (dedutivo, indutivo, hipotético-dedutivo, dialético,fenomenológico) e métodos que indicam os meios técnicos de investigação (experimental,observacional, comparativo, estatístico, clínico, monográfico).

    Duas são as vertentes metodológicas, portanto: a derivada da teoria do conhecimento e aproveniente da sociologia do conhecimento. A primeira ocupa-se em transmitir uma iniciação aosprocedimentos lógicos do saber. Em geral, orienta-se pela causalidade, pelos princípios formais daidentidade, pela indução, dedução e objetividade. Já a sociologia do conhecimento preocupa-separticularmente com o débito social da ciência, sem, contudo, desprezar os princípios da teoria doconhecimento.

    Gil (2016b, p. 8) postula que o conhecimento científico não se distingue de outras formas deconhecimento; o que o torna distinto de outras formas de conhecimento “é que tem comocaracterística fundamental a sua verificabilidade”. E para que possamos considerar tal conhecimentocientífico é “necessário identificar as operações mentais e técnicas que possibilitam a suaverificação. Ou, em outras palavras, determinar o método que possibilitou chegar a esseconhecimento”. Depois de definir método como “caminho para se chegar a determinado fim”,explicita que método científico é “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados parase atingir o conhecimento”. Há uma diversidade grande de métodos científicos. A escolha de um ououtro depende do objeto a ser investigado. Classifica então os métodos em dois grandes grupos: osde base lógica da investigação científica e os de procedimentos técnicos.

    Para Lakatos (2011, p. 90 s), há métodos de abordagem (método indutivo, método dedutivo,método hipotético-dedutivo, método dialético [Gil acrescenta o método fenomenológico]) e métodos

  • 2

    2.1

    de procedimentos (método histórico, método comparativo, método monográfico, método estatístico,método tipológico, método funcionalista, método estruturalista).

    Os métodos que proporcionam bases lógicas da investigação, ou métodos de abordagem,ocupam-se de esclarecer os procedimentos lógicos seguidos na pesquisa científica. São “métodosdesenvolvidos a partir de elevado grau de abstraç