metáforas em ondas sonoras

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Metáforas em ondas sonoras Sônia Caldas Pessoa * Índice 1 Resumo 1 2 Algumas abordagens do conceito de metáfora 1 3 O amigo de todas as horas 3 4 Aspectos Metodológicos 5 5 Metáforas nas ondas do rádio 6 6 Conclusão 8 7 Referências Bibliográficas 8 1 Resumo O presente trabalho analisa metáforas co- tidianas que fazem parte do nosso sistema conceitual, à luz da teoria de George Lakoff e Mark Johnson, e a sua presença na lingua- gem radiofônica, que atua como um espelho do discurso popular, veiculando temas varia- dos por meio da fala dos comunicadores. As metáforas são usadas com freqüência em in- terações rotineiras, o que as torna pratica- mente imperceptíveis no cotidiano da comu- nicação humana. Em programas radiofôni- cos, os profissionais recorrem às metáforas populares para chamar a atenção do público. De que maneira essas metáforas influenciam o nosso sistema conceitual? Elas contribuem * Jornalista, Professora de Radiojornalismo no Centro Universitário Newton Paiva. Mestre em Lin- güística pela Faculdade de Letras da Universidade Fe- deral de Minas Gerais (UFMG). E-mail: [email protected] para a educação do ouvinte? Podem dissemi- nar preconceitos? Nosso trabalho busca nas ondas do rádio exemplos de metáforas que permeiam o nosso cotidiano. 2 Algumas abordagens do conceito de metáfora O uso disseminado de metáforas talvez seja uma das explicações para o fato de não evidenciarmos sua presença significativa em nossas vidas. Em vários momentos, recor- remos a metáforas em interações rotineiras, o que as torna comuns, praticamente imper- ceptíveis, no cotidiano da comunicação hu- mana. As metáforas, para alguns, podem ser meras figuras decorativas, próprias de tex- tos literários. Para outros, entretanto, inte- gram o nosso sistema conceitual e podem até mesmo influenciar nossas ações e pensa- mentos. O distanciamento entre essas duas vertentes, entre várias outras possíveis, so- bre a função das metáforas, nos convida a ultrapassar a simples fronteira do tempo e do espaço para mergulhar em um universo que discute o poder da metáfora, que estaria pre- sente na vida da maioria das pessoas. O conceito de metáfora é discutido desde a Grécia Antiga, tendo despertado a atenção de pensadores como Aristóteles e Platão. Por 23 séculos, a metáfora foi concebida a partir de uma visão objetivista ou, em outras pa-

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  • Metforas em ondas sonoras

    Snia Caldas Pessoa

    ndice1 Resumo 12 Algumas abordagens do conceito de

    metfora 13 O amigo de todas as horas 34 Aspectos Metodolgicos 55 Metforas nas ondas do rdio 66 Concluso 87 Referncias Bibliogrficas 8

    1 ResumoO presente trabalho analisa metforas co-tidianas que fazem parte do nosso sistemaconceitual, luz da teoria de George Lakoffe Mark Johnson, e a sua presena na lingua-gem radiofnica, que atua como um espelhodo discurso popular, veiculando temas varia-dos por meio da fala dos comunicadores. Asmetforas so usadas com freqncia em in-teraes rotineiras, o que as torna pratica-mente imperceptveis no cotidiano da comu-nicao humana. Em programas radiofni-cos, os profissionais recorrem s metforaspopulares para chamar a ateno do pblico.De que maneira essas metforas influenciamo nosso sistema conceitual? Elas contribuem

    Jornalista, Professora de Radiojornalismo noCentro Universitrio Newton Paiva. Mestre em Lin-gstica pela Faculdade de Letras da Universidade Fe-deral de Minas Gerais (UFMG).E-mail: [email protected]

    para a educao do ouvinte? Podem dissemi-nar preconceitos? Nosso trabalho busca nasondas do rdio exemplos de metforas quepermeiam o nosso cotidiano.

    2 Algumas abordagens doconceito de metfora

    O uso disseminado de metforas talvez sejauma das explicaes para o fato de noevidenciarmos sua presena significativa emnossas vidas. Em vrios momentos, recor-remos a metforas em interaes rotineiras,o que as torna comuns, praticamente imper-ceptveis, no cotidiano da comunicao hu-mana. As metforas, para alguns, podem sermeras figuras decorativas, prprias de tex-tos literrios. Para outros, entretanto, inte-gram o nosso sistema conceitual e podemat mesmo influenciar nossas aes e pensa-mentos. O distanciamento entre essas duasvertentes, entre vrias outras possveis, so-bre a funo das metforas, nos convida aultrapassar a simples fronteira do tempo e doespao para mergulhar em um universo quediscute o poder da metfora, que estaria pre-sente na vida da maioria das pessoas.

    O conceito de metfora discutido desdea Grcia Antiga, tendo despertado a atenode pensadores como Aristteles e Plato. Por23 sculos, a metfora foi concebida a partirde uma viso objetivista ou, em outras pa-

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    lavras, como simples figura de linguagem.Lakoff e Johnson quebram o paradigmadesse enfoque considerado um dogma, vi-gente at a dcada de 70 do sculo XX, econsolidam um status epistemolgico para ametfora com a obra Metaphors we live by,publicada em 1980 e traduzida para o portu-gus 22 anos depois. A nova percepo re-presenta uma ruptura com a tradio retricaque teve incio com Aristteles e que consi-derava a metfora um ornamento lingstico,sem valor cognitivo.

    Em Aristteles, encontramos o valor de-corativo da metfora, que ocorreria pela se-melhana entre dois ou mais seres ou obje-tos: a metfora a transposio do nome deuma coisa para outra, transposio do gneropara a espcie, ou da espcie para o gnero,ou de uma espcie para outra, por analogia.O filsofo ilustra o tema com o exemplo dedois atos que estariam diretamente relacio-nados entre si: o ato de "lanar a semente terra", ou semear, e o ato de o sol permitirque sua luz caia sobre a terra, ou "semear aluz divina".

    O exemplo de Aristteles provavelmentefaz parte da rotina de muitos de ns. Noobstante, nem todas as metforas podem serentendidas imediatamente e apenas comoelemento ornamental. No parece apro-priado que a sua compreenso seja tomadaem uma dimenso universal; para o entendi-mento, preciso relacion-la semelhanasubjetiva que cada autor ou leitor estabe-lece entre os termos, a partir de uma leituraprpria, permeada, entre outros fatores, pelasexperincias de vida, ideologias e contextosocial. Zanotto (1998, p. 14) nos lembra aspossibilidades de interpretao da metfora,isto , a indeterminao, que pode permitirsignificados diversos. A autora defende um

    ponto de vista a partir do conceito de met-fora como fenmeno cognitivo-social e in-determinado, adotando uma perspectiva con-trastante com a viso objetivista, em uma de-monstrao de que est afinada com o novoparadigma, que considera a metfora umaoperao cognitiva fundamental, constitutivada linguagem e do pensamento.

    A afirmao supracitada nos remete a umaespeculao sobre os motivos que teriam le-vado Plato, de acordo com observao deLakoff e Johnson (apud Seidel), a ver comressalvas o uso em larga escala da poesia e,possivelmente, da metfora. "Plato viewedpoetry and rhetoric with suspicion and ban-ned poetry from his utopian Republic be-cause it gives no truth of its own, stirs up theemotions, and thereby blinds mankind to thereal truth."1

    O senso comum sobre metfora re-forado por dicionrios tradicionais e tam-bm por aqueles especializados em Ling-stica. Cmara Jnior (2002, p.166) afirmaque metfora a figura de linguagem queconsiste na transferncia de um termo paraum mbito de significao que no o seu.A verso on line do MERRIAM-WebsterDictionary apresenta definio semelhante:"a figure of speech in which a word or phrasedenoting one kind of object or action is usedin place of another to suggest a likeness oranalogy between them."2

    1 Minha traduo livre: Plato viu a poesia e aretrica com ressalvas e baniu a poesia de sua utpicaRepblica porque ela no oferece a verdade, incita asemoes e, por isso mesmo, ofusca a verdadeira rea-lidade da humanidade.

    2 Minha traduo livre: A figura de retrica naqual a palavra ou frase denota um tipo de objeto ou deao usado no lugar de outro para sugerir semelhanaou analogia entre eles.

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    Lakoff e Johnson (2002), por seu turno,deixam claro que a metfora no deve serpercebida apenas como uma figura de lin-guagem ou um termo que deve ornamentar apoesia. Eles acreditam que a metfora podeexercer forte influncia sobre o nosso pen-samento e at mesmo sobre o nosso com-portamento. As metforas da vida coti-diana, expresso cunhada pelos autores, se-riam conceitos metafricos, revelados de di-versas maneiras na lngua, capazes de regernossas aes.

    A professora Vera Lcia Menezes deOliveira e Paiva analisa, no livro Metfo-ras do Cotidiano, as metforas que repre-sentam a cor negra por meio de signos paramostrar como essas introjetam no falante opreconceito racial. Paiva (1998) se apiaem Lakoff e Johnson (1980) para refletir so-bre esse processo, que leva o falante a in-corporar, de modo inconsciente, falsos valo-res entremeados na linguagem. Paiva (1998,p.109) conclui que "Em uma sociedade pre-conceituosa, o negro visto como ser infe-rior, primitivo, retardado, perverso, desone-sto, tolo, possuidor de maus instintos, sujo,irresponsvel, preguioso, incapaz, etc". Aautora demonstra como esses preconceitosso transformados em traos semnticos daspalavras preto/negro e de que maneira so re-produzidos em inmeras metforas, denomi-nadas por ela metforas negras.

    A disseminao das metforas negrasocorre, inconscientemente, at mesmo entregrupos negros ou em meio a pessoas quecombatem o racismo. Um dos exemplos ci-tados pela professora o uso da palavra de-negrir, que significa, em sentido literal, tor-nar negro, escuro, enegrecer, escurecer. Jno sentido metafrico, representa manchar,macular, desacreditar, desabonar, difamar.

    Neste sentido metafrico, o termo apareceem textos publicados pela mdia impressa, oque ocorre ironicamente, naqueles momen-tos em que se pretendia justamente protestarcontra o preconceito racial. Em outras pa-lavras, uma metfora originria do precon-ceito elemento de combate contra atitudespreconceituosas.

    Aps analisar outros exemplos da litera-tura e do folclore, a autora prope a criaode novas metforas, a exemplo do prevemLakoff e Johnson, como metforas conven-cionais, que teriam "o poder de definir a rea-lidade". Uma outra alternativa para que asituao descrita acima seja modificada atomada de conscincia da linguagem pelosprprios grupos negros e por seus defenso-res. Assim, seria possvel reverter o quadroatual, em que disseminamos, inconsciente-mente, a discriminao racial. O resultadoideal seria a produo consciente de novasmetforas.

    3 O amigo de todas as horasA metfora conceitual INSTRUMENTO COMPANHEIRO proposta por Lakoff eJohnson (2002, p. 229) nos remete s brinca-deiras infantis, nas quais escolhemos bone-cas, carrinhos ou jogos para nos acompanha-rem. Com o adulto, pode ocorrer comporta-mento similar, conforme exemplificado pe-los autores, em relao a uma arma ("eu e avelha Betsy aqui", frase de um vaqueiro pro-curando por seu revlver), a um carro ("Eue meu velho Chevy j vimos muito dessepas juntos") ou a um instrumento ("Dome-nico vai sair em um tour com seu inestim-vel Stradivarius sem preo). Na observaode programas radiofnicos, percebemos queno raras so as vezes nas quais os profissio-

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    nais do rdio se deparam com ouvintes de-clarando via telefone que, com o rdio, elesno esto s, que o radinho os acompanhadurante os afazeres domsticos, ou que o r-dio est com eles durante o trabalho na ma-drugada.

    A relao entre o ouvinte e o rdio noBrasil foi de proximidade, atingindo o com-panheirismo, desde os primeiros momentosaps a sua instalao no pas na dcada de20 do sculo passado. As radionovelas emo-cionaram as senhoras de dcadas atrs, quechegaram a preparar enxovais para o beb deuma personagem que estava grvida e man-daram rezar missa de stimo dia para o per-sonagem do gal que havia morrido. Alis,o elegante e potico comentrio do drama-turgo alemo Bertold Brecht (apud Mcluhan,1969, p. 335) sobre o rdio parece compro-var a idia de que esse meio de comunicao,conhecido como o companheiro ou o amigode todas as horas, faz parte tambm do sis-tema conceitual de outros povos:

    Pequena caixinha que carreguei em fugapara que suas vlvulas no pifassem, quelevei de casa para o navio e o trempara que os meus inimigos continuas-sem a falar-me perto de minha cama, epara minha angstia, as ltimas palavrasda noite e as primeiras da manh sobresuas vitrias e sobre meus problemas. -Prometa-me no ficar muda de repente.

    As radionovelas se foram e o rdio foi to-mado por programas jornalsticos, que atua-lizam as notcias com rapidez, agilidade esimplicidade. Outros programas mantm lo-cutores dispostos a escutar as reclamaes,reivindicaes e at mesmo angstias pes-soais dos ouvintes. Mcluhan (1969, p. 336)

    considera que o rdio tem influncia pecu-liar sobre os cidados. O rdio afeta as pes-soas, digamos, como que pessoalmente, ofe-recendo um mundo de comunicao no ex-pressa entre o escritor e o ouvinte. Este oaspecto mais imediato do rdio.

    O rdio exerce fascnio e parte integranteda rotina de vastas camadas da populaohumana. importante ressaltar aqui que ordio foi o primeiro equipamento eletrnicoinserido no ambiente domstico. Nas pri-meiras dcadas do sculo XX, as caixas ra-diomusicais comeavam a ser fabricadas ecomercializadas nos Estados Unidos.

    Umberto Eco (1991) lembra que os meiosaudiovisuais praticamente nasceram com ordio e nele se inspiraram.

    Ainda hoje, em muitas residncias brasi-leiras, por exemplo, o ritual repete-se diaria-mente3. As pessoas ligam o aparelho, pos-sivelmente todos os dias, para acessar as l-timas informaes, conhecer a previso dotempo, ouvir as fofocas ou, simplesmente,escutar sua msica preferida. Para Nunes(1993, p. 34), o simples ato de conectar oequipamento, considerado por ela como umelemento dentro da constelao simblica,representa aumento do esforo do receptor,o que fomenta a sua participao.

    O esforo fsico de ligar o rdio e deouvi-lo recompensado por um componentepsicolgico importante. O ouvinte estabe-lece uma relao singular com o locutor,uma pessoa que imagina fazer parte de suasrelaes pessoais, com quem compartilha

    3 Dados do Instituto Brasileiro de Geografia eEstatstica IBGE - e do Unesco Statiscal Yearbook1999, da Organizao das Naes Unidas para a Edu-cao, a Cincia e a Cultura Unesco -, publicadospelo Almanaque Abril 2003, revelam que o rdio estpresente em 88% das residncias brasileiras.

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    idias e posies sobre os fatos noticiadose divide os momentos de solido, de indi-gnao e at mesmo de alegria. Ouvir umfenmeno fisiolgico; escutar um ato psi-colgico, resume Barthes (1990, p. 217).Estabelece-se, assim, um relacionamento decumplicidade ou at mesmo uma relaoamigvel, baseada em um fio condutor cha-mado voz.

    A voz humana , com efeito, o lugar pri-vilegiado (lidtico) da diferena: um lu-gar que escapa a toda cincia, pois no hnenhuma cincia que esgote a voz: clas-sifiquem, comentem historicamente, so-ciologicamente, esteticamente, tecnica-mente a msica, haver sempre um resto,um suplemento, um lapsus, um no ditoque se designa ele prprio: a voz. Esteobjeto de desejo ou de riqueza: no hvoz neutra e se por vezes esse neutro,esse branco da voz acontece, para nsum grande terror, como se descobrsse-mos com horror um mundo petrificado,onde o desejo estaria morto. Toda a re-lao com uma voz foradamente amo-rosa (Barthes apud Nunes 1993, p. 24).

    O rdio possivelmente o meio de comu-nicao que retrata com mais proximidade alinguagem popular. Os locutores e reprteresradiofnicos costumam se dirigir ao ouvinteinformalmente, como se estivessem conver-sando com uma pessoa conhecida. As pa-lavras usadas rotineiramente, de fcil assi-milao, so um dos recursos utilizados pe-los profissionais para garantir o bom enten-dimento da mensagem. Esse um dos mo-tivos que nos faz buscar nas ondas do rdioexemplos de metforas e conceitos metafri-cos que permeiam o nosso cotidiano.

    O novo paradigma consolidado por Lakoffe Johnson, que norteia essa comunicao,trata a metfora como uma operao cogni-tiva fundamental e no como uma figura deretrica. Os autores defendem a idia de quea metfora faz parte do cotidiano das pes-soas ainda que essas pensem que podem vi-ver sem a primeira. A metfora no esta-ria restrita ao campo das palavras, mas est-aria intimamente ligada tanto ao pensamentoquanto ao. De acordo com Lakoff eJohnson (2002, p. 45), o nosso sistemaconceptual ordinrio, em termos do qual nos pensamos mas tambm agimos, funda-mentalmente metafrico por natureza. Aconcepo de metforas estruturais definidapor esses autores prev que um conceito sejaestruturado metaforicamente em termos deoutro.

    Lakoff e Johnson analisam alguns exem-plos que comprovam a tese do sistema con-ceitual como metfora, isto , a argumen-tao de que os processos de pensamentoso em grande parte metafricos (Lakoff eJohnson, 2002, p. 48). Entre eles, est o con-ceito DISCUSSO e a metfora conceitualDISCUSSO GUERRA, que est introje-tada na nossa cultura e que pode organizaraes em uma discusso. Para os autores,as metforas, como a supracitada, devem serentendidas como conceito metafrico.

    4 Aspectos MetodolgicosOs exemplos de metforas cotidianas aquianalisados foram recortados de diversos pro-gramas jornalsticos radiofnicos, gravadosno perodo de 8/3/2003 a 28/8/2003 nasduas principais emissoras de rdio com pro-gramao jornalstica em Belo Horizonte,Minas Gerais - Rdio Itatiaia e Rdio CBN.

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    As gravaes foram transcritas no ms de se-tembro de 2003. Ao optarmos por analisarno apenas um programa, mas a ocorrn-cia de metforas na programao como umtodo, entendemos que estaria sendo possvelperceber se as metforas apareceriam comomarca da linguagem radiofnica. Assim, oestudo minimizaria o risco de que o resul-tado pudesse apontar para um estilo pessoalde um reprter ou comunicador. A temticados programas inclui reportagens e entrevi-stas sobre poltica, esporte, polcia, entre ou-tros assuntos de interesse jornalstico.

    O material coletado totalizou dez horasde gravao em fita magntica udio emcada uma das emissoras de rdio. O estudodescartou comerciais, anncios testemunhaisfeitos pelos locutores e vinhetas e se concen-trou, especialmente, na fala de comunicado-res e entrevistados. Ao final da seleo, fo-ram analisadas cinco horas de gravao nasduas emissoras.

    A pesquisa tem como objetivo realizaruma anlise qualitativa dos exemplos demetforas conceituais encontradas na pro-gramao das rdios Itatiaia e CBN. Estdescartada, portanto, uma anlise quantita-tiva dos dados. No se trata tambm de esta-belecer uma discusso sobre qual emissoraadota uma linguagem mais metafrica ou seesse tipo de linguagem poderia ser mais oumenos adequado para o ouvinte.

    5 Metforas nas ondas do rdioNas manchetes do "Jornal da Itatiaia 2aedio", veiculado na Rdio Itatiaia em14/8/2003, encontramos exemplos da met-fora conceitual DISCUSSO GUERRA,explicada anteriormente. "Reforma da previ-dncia: magistrados ameaam recuperar di-

    reitos na justia depois de brigarem para au-mentar o subteto salarial". Aqui, a discussono Congresso Nacional do projeto que preva reforma previdenciria concebida comouma discusso em que as aes so desenvol-vidas como em uma guerra. As pistas ling-sticas ameaam e brigarem so indicativasda assimilao do conceito DISCUSSO pormeio da metfora conceitual DISCUSSO GUERRA. Na edio de 11 horas do "Ita-tiaia Urgente", veiculado na mesma emissoraem 26/8/2003, mais uma mostra da mesmametfora conceitual no relato da correspon-dente da rdio em Braslia sobre a reformaprevidenciria: "Mais um confronto entregoverno e oposio marca o incio das dis-cusses hoje sobre a reforma da previdn-cia".

    No dia citado anteriormente, o comen-tarista poltico da CBN usa conceito me-tafrico semelhante ao anterior. Dessavez, parece-nos apropriado VOTAO GUERRA, em que o discurso sobre a re-forma previdenciria esquematizado emetapas anlogas s de uma guerra. A pri-meira etapa diz respeito atuao inicialnaquela data: "O governo tem uma tarefadifcil pela frente, vai atuar em duas frenteshoje na Cmara". A seguir, vem a ex-plicao da estratgia que ser usada paraa aprovao, conforme a pista lingsticagrifada: "Agora pela manh tenta apro-var o finalzinho da reforma tributria, tentaderrubar os destaques, os pontos penden-tes ainda da reforma tributria na comissoespecial e noite tenta aprovar em se-gundo turno a reforma da previdncia". Ocomentarista indaga sobre o final poss-vel para a guerra: " possvel o governo

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    ganhar as duas batalhas? Sim, possvel ogoverno ganhar as duas batalhas".

    O comentarista da CBN prossegue coma anlise da situao no Congresso Nacio-nal, adotando novo conceito metafricoPOLTICA JOGO, expresso nos termosnegritados a seguir, ao anunciar "...Ele (go-verno) substituiu deputado que estava con-tra, ele jogou conforme as regras, as regraspermitem isso para obter melhores con-dies para vencer."No dia anterior, a tra-mitao da reforma tributria tambm foidestaque do comentrio poltico da RdioCBN. Nesse caso, identificamos novamentea metfora conceitual POLTICA JOGO,na manchete "Governo enfrentar obstculosde toda ordem para aprovar a reforma tri-butria". O sentido metafrico aqui podeser justificado pelo sentido secundrio deobstculo, que o de uma barreira dispostaao longo de uma pista de corrida.

    Novamente recorremos a um programa ra-diofnico para demonstrar mais uma evidn-cia de metforas cotidianas. No programa"Itatiaia Patrulha", veiculado na Rdio Ita-tiaia em 8/3/2003, em que se comemorou oDia Internacional da Mulher, a reprter vi-sita um casal de lsbicas em uma priso fe-minina e entrevista uma das detentas. Nodepoimento, ao narrar o comportamento deuma ex-namorada, a entrevistada d mostrasda estruturao da metfora AMOR LOU-CURA. ". Ela tinha 13 anos quando eu co-mecei a namorar com ela. E at hoje ela doida comigo. Eu proibi ela de vim aqui por-que eu no gostava mais dela, eu falei comela. E a famlia dela vem ainda me visitaraqui e quer que eu volte pra ela."Seguindo oraciocnio de Lakoff e Johnson, o conceitopode estar em um dos sentidos da palavralouco, que pode significar dominado por uma

    paixo intensa, apaixonado, perdido. Pode-mos refletir sobre a analogia entre doida elouca, que apresenta como um de seus signi-ficados o de sem juzo, sem medida nem re-flexo.

    A metfora conceitual ESPORTE NEGCIO parece fazer parte do dia-a-diados jogadores e da equipe tcnica dos clu-bes esportivos, assim como do universo con-ceitual dos jornalistas especializados na co-bertura de eventos esportivos. No pro-grama "Rdio Esportes", veiculado na R-dio Itatiaia em 25/8/2003, registramos al-gumas pistas lingsticas que indicam essahiptese. O reprter noticia a avaliao dotcnico Wanderley Luxemburgo sobre a der-rota do Cruzeiro para o Gois, em Goinia,dois dias antes: "Vou fazer o que pre-ciso para ser campeo brasileiro esse ano,custe o que custar". O jornalista comple-menta que "Essa a cobrana pesada pracima dos jogadores". Como todo negcio, ofutebol deve ser lucrativo e os resultados dosjogos podem ser analisados a partir da re-lao custo-benefcio que representam parao clube.

    Na mesma notcia, evidenciamos a criaode similaridades entre IDIAS e ALIMEN-TOS, conforme nos lembram Lakoff e John-son (2002, p. 246). Tanto as idias quanto osalimentos podem ser "digeridos, engolidos,devorados e reaquecidos e ambos podem nu-trir voc". No novidade que o conceitode engolir ou ingerir alimentos no dependeda relao metafrica; por outro lado, o con-ceito de engolir idias est diretamente re-lacionado s metforas. O reprter espor-tivo d mostras de que esse conceito estintrojetado na cultura popular ao anunciar"Wanderley Luxemburgo no engoliu a der-rota". A idia de perder o jogo ainda no

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    foi digerida pelo treinador j que o time o lder do campeonato brasileiro e, teorica-mente, deveria vencer quase todos os jogos.Dessa forma, a possibilidade de no sair vi-torioso pode ser um prato indigesto para otcnico do time.

    6 ConclusoA linguagem radiofnica est permeada porconceitos metafricos estruturados a partirde nossas experincias, assim como a lingua-gem cotidiana. De forma inconsciente, essesconceitos tm exercido influncia significa-tiva na nossa maneira de pensar e de agir, oque pode ser comprovado atravs da anlisede exemplos obtidos em gravaes de pro-gramas de rdio, meio no qual a linguagemcotidiana garante uma maior interao comos ouvintes.

    A observao de algumas horas de pro-gramas radiofnicos em duas emissoras emMinas Gerais, entretanto, no nos permiteafirmar que todos os locutores e reprte-res de rdio adotam metforas cotidianas emsua comunicao com os ouvintes. Por ou-tro lado, no podemos desconsiderar que asua presena significativa nas mensagense, muitas vezes, pronunciada de maneira en-ftica para chamar a ateno do ouvinte. Osistema conceitual do ouvinte pode ser, port-anto, influenciado tanto do ponto de vista po-sitivo, com sugestes educativas, quanto doponto de vista negativo, incentivando o pre-conceito, a disputa, a rivalidade e at mesmoa violncia por meio da linguagem.

    ainda importante registrar que as decla-raes destacadas para a anlise dessa co-municao acadmica incluem o discurso dejornalistas, de locutores e de entrevistadosde grupos sociais distintos, tais como polti-

    cos e presidirios. Talvez esteja a a pistaque possa nos levar concluso de que essesconceitos metafricos esto disseminados ir-restritamente em nossa cultura, no se limi-tando linguagem do romance ou da poesia.

    7 Referncias BibliogrficasARISTTELES. Arte Potica. S.l. . Acessoem 8/5/2003.

    BARTHES, Roland. O bvio e o abuso: En-saios crticos III (Trad: Lea Novaes)Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

    CMARA JNIOR, Mattoso J. Dicionriode Lingstica e Gramtica. Petrpolis:Vozes, 1986.

    ECO, Umberto. Apocalpticos e Integrados.So Paulo: Perspectiva, 2001.

    LAKOFF, George. Metforas da vida coti-diana / George Lakoff, Mark Johnson;[coordenao da traduo Mara SophiaZanotto] Campinas, SP: Mercado deLetras; So Paulo: Educ, 2002. 360 p.Ttulo original: Metaphors we live by.

    MERRIAM-Webster Dictionary. S.l..Acesso em 26/8/2003.

    MCLUHAN, Marshall. Os meios de co-municao como extenses do homem.So Paulo: Cultrix, 1969.

    MUNDO em Dados 2003: Indicadoreseconmicos e sociais de 160 pases.So Paulo: Editora Abril, 2003. 224 p.

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    NUNES, Mnica R. Ferrari. O mito no r-dio: a voz e os signos de renovao pe-ridica. So Paulo: Annablume, 1993.

    PAIVA, Vera Lcia Menezes de Oliveira.Metforas Negras. In PAIVA, Vera L-cia Menezes de Oliveira. Metforasdo Cotidiano. Belo Horizonte: FALE,1998. p. 105-119.

    SEIDEL. Erica Jean. Metaphor: From Platoto the Postmodernists. S.l. . Acesso em26/8/2003.

    ZANOTTO, M.S.T. Metfora e indetermi-nao do sentido: abrindo a caixa dePandora. In PAIVA, Vera (ed.) Met-foras do Cotidiano. Belo Horizonte:FALE, 1998. p. 13-38.

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