mestrado marina ceres silva pena

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO DEPARTAMENTO DE NEUROCIÊNCIAS E CIÊNCIAS DO COMPORTAMENTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MENTAL MARINA CERES SILVA PENA Sintomas Obsessivo-Compulsivos nas Demências RIBEIRÃO PRETO / SP 2010

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRO PRETO

    DEPARTAMENTO DE NEUROCINCIAS E CINCIAS DO COMPORTAMENTO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SADE MENTAL

    MARINA CERES SILVA PENA

    Sintomas Obsessivo-Compulsivos nas Demncias

    RIBEIRO PRETO / SP 2010

  • MARINA CERES SILVA PENA

    Sintomas Obsessivo-Compulsivos nas Demncias Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias. rea de Concentrao: Sade Mental Orientador: Prof. Dr. Francisco de Assis Carvalho do Vale

    RIBEIRO PRETO / SP 2010

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    FICHA CATALOGRFICA

    Pena, Marina Ceres Silva

    Sintomas Obsessivo-Compulsivos nas Demncias. / Marina Ceres Silva Pena; Orientador: Francisco de Assis Carvalho do Vale. Ribeiro Preto, 2010. 116 p. il. 30cm Dissertao de Mestrado apresentada Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto/USP. rea de Concentrao: Sade Mental.

    1. Sintoma obsessivo-compulsivo, 2. Demncia, 3. Doena de Alzheimer, 4. Demncia vascular, 5. Demncia frontotemporal,

    6. Demncia com corpos de Lewy, 7. Demncia da doena de Parkinson.

  • FOLHA DE APROVAO

    Marina Ceres Silva Pena Sintomas Obsessivo-Compulsivos nas Demncias.

    Dissertao apresentada Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Cincias. rea de Concentrao: Sade Mental

    Aprovada em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: _________________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: _________________________ Assinatura: _______________________

    Prof. Dr. ____________________________________________________________

    Instituio: _________________________ Assinatura: _______________________

  • DEDICATRIA minha famlia, pelo amor, carinho, pacincia e constante incentivo em todos os momentos dessa jornada. Vocs so a essncia da minha vida.

  • AGRADECIMENTOS

    Deus, por me permitir viver e aprender com meus erros e acertos.

    Ao meu orientador Prof. Dr. Francisco de Assis Carvalho do Vale, pela oportunidade de realizar este projeto e disponibilidade em me orientar.

    Aos meus pais, Alfredo e Ceres, pelo amor, educao com valores slidos e ticos; por me

    ajudarem a perceber a importncia de cada passo, de cada dia, na busca dos meus objetivos; por muitas vezes acreditarem muito mais em mim que eu mesma. Minhas

    realizaes so tambm suas.

    Aos meus irmos, Ricardo e Fernando, fundamentais na minha existncia, por eu ser quem eu sou hoje e por saber que independente da distncia, risos ou lgrimas, sempre podemos

    contar uns com os outros. em vocs que busco segurana para continuar.

    minha querida cunhada Ana, simplesmente por ser minha cunhada.

    Aos amigos Emmanuelle e Leandro Ralho, pelo acolhimento e carinho no s perante as dificuldades, como tambm oferecendo hospedagem nos momentos de dificuldade.

    querida Liliana, companheira nas alegrias e tristezas dessa jornada.

    Aos queridos Ari Pedro e Valria, pelo companheirismo e apoio.

    Aos amigos Alessandra, Emileane, Rodolfo e Teresa, com os quais firmei laos na poca de graduao em psicologia na UFSCar e que continuam presentes em minha vida apesar da

    distncia fsica que nos separa.

    s amigas Dbora Margarida e Mariana Blecha, pela convivncia e amizade respeitosa, confidente e divertida, estando vocs no Brasil ou mesmo em Cingapura.

    Jane, ser minha psicoterapeuta, muitas vezes esclarecendo contingncias, algumas vezes extinguindo comportamentos inadequados, outras me reforando, mas acima de tudo por se

    preocupar com meu bem estar e acreditar na minha capacidade pessoal e profissional.

    todos os meus professores e supervisores, por dividirem comigo seus preciosos conhecimentos, em especial Jlio Csar Coelho de Rose, Georgina Faneko Maniakas,

    Maria de Jesus Dutra dos Reis e Maria Helena Chaves Sarti.

    Aos colegas do ANCP, em especial ao Prof. Dr. Vitor Tumas, pelas sugestes e contribuies no decorrer desse trabalho.

    A todos que de alguma maneira me ajudaram e me apoiaram para a finalizao desse

    projeto, em especial Alessandra Pires, Cludia Lcia, Snia Ielo pelo incentivo constante.

    Aos pacientes e seus respectivos cuidadores, que se dispuseram a participar desse estudo, contribuindo com valiosas informaes.

    Ao CNPq, pela concesso de bolsa de mestrado.

  • EPGRAFE

    CERTEZA

    De tudo ficaram 3 coisas: A certeza de que estamos sempre comeando;

    A certeza de que precisamos continuar; A certeza de que seremos interrompidos

    antes de terminar. Portanto, devemos:

    Fazer da interrupo um caminho novo; Da queda, um passo de dana;

    Do medo, uma escada; Do sonho, uma ponte;

    Da procura, um encontro

    Fernando Pessoa

  • RESUMO / ABSTRACT

  • RESUMO

    PENA, M. C. S. Sintomas Obsessivo-Compulsivos nas Demncias. 2010. 116p. Dissertao (Mestrado) Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro Preto, 2010.

    Demncias so sndromes caracterizadas por um declnio cognitivo, usualmente acompanhado por sintomas comportamentais e psicolgicos das demncias (SCPD), destacando-se por sua alta prevalncia, e alto custo socioeconmico. Da mesma maneira como ocorre com outros SCPD, possvel que os sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) nas demncias tambm levem a um maior desgaste do cuidador, maior morbidade, aumento do risco de institucionalizao precoce do paciente e tambm aumento do custo. O objetivo desse estudo foi verificar a ocorrncia de SOC em pacientes com demncia, assim como observar as conseqncias dessa ocorrncia no paciente e em seu cuidador em termos de sintomas psicolgicos e comportamentais, incluindo ansiosos, depressivos, de carga e de qualidade de vida. Para tal foi realizado um estudo transversal analtico de uma casustica de um ambulatrio tercirio composta por 84 pacientes com demncia e 75 cuidadores. Os grupos demenciais incluram a doena de Alzheimer (DA), demncia vascular tipo Binswanger (DV), demncia frontotemporal (DFT) e demncias com sinucleinopatias (demncia com corpos de Lewy ou demncia da doena de Parkinson DSin). Os dados foram coletados a partir da aplicao do questionrio de informaes pessoais do paciente e de seu cuidador; escala Yale-Brown de sintomas obsessivo-compulsivos (YBOCS), escala global de 15 pontos de obsesses e compulses do Instituto Nacional de Sade Mental dos Estados Unidos da Amrica (NIMH-OC), inventrio neuropsiquitrico (INP), escala de qualidade de vida (EQV), inventrio de sobrecarga de Zarit (ISZ), escala de ansiedade e depresso (HAD). Dos 84 pacientes includos no estudo, 55 (65,48%) apresentavam algum SOC segundo o YBOCS. A maioria caracterizada com sintomas leves segundo a NIMH-OC. Setenta e dois (85,71%) faziam uso de algum psicotrpico. Cinqenta e sete (67,86%) possuam alguma comorbidade. Setenta e cinco (89,29%) possuam algum SCPD no-SOC segundo o INP. Dados referentes ao cuidadores apontaram escores medianos de qualidade de vida e carga. A maioria dos cuidadores apresentou sintomas ansiosos e depressivos leves a moderados. Para comparao das mdias foi utilizado o teste de correlao de Spearman, onde valores de p < 0.05 foram considerados significantes. Os resultados sugerem que SOC so freqentes nos quadros demenciais, apesar de subnotificados; a primeira parte do YBOCS mostrou-se aplicvel na avaliao de pacientes com demncia, porm com algumas adaptaes. O uso de psicotrpicos pareceu no ter evitado a ocorrncia, no entanto parece ter interferido positivamente nas conseqncias dele sobre o cuidador. Inibidores de acetilcolinesterase parecem ter o mesmo efeito, mesmo no sendo esta sua indicao primria.

    Palavras-chave: sintoma obsessivo-compulsivo, demncia, doena de Alzheimer, demncia vascular, demncia frontotemporal, demncia com corpos de Lewy, demncia da doena de Parkinson.

  • ABSTRACT

    PENA, M. C. S. Obsessive-Compulsive symptoms in Dementia. 2010. 116p. Dissertation (Master Degree) School of Medicine of Ribeiro Preto, University of So Paulo, Ribeiro Preto, 2010. Dementia is a syndrome characterized by cognitive decline, usually accompanied by behavioral and psychological symptoms (BPSD), distinguished by its high prevalence and high socioeconomic cost. As it happens with other BPSD, it is possible that the obsessive-compulsive symptoms (OCS) in dementia also lead to higher burden of the caregiver, increased morbidity, increased risk of early institutionalization of the patient and as well as it made increase the cost. The aim of this study was to verify the occurrence of OCS in patients with dementia, as well as observe the consequences of this occurrence in the patient and his/her caregiver in terms of behavioral and psychological symptoms, including anxiety, depression, burden and quality of life. We performed an analytical cross sectional study of casuistic composes by 84 patients with dementia and 75 caregivers attended in a tertiary care outpatient clinic. The groups were included Alzheimer's disease (AD), vascular dementia of Binswanger type (VD), frontotemporal dementia (FTD) and dementias with synucleinopaty (Lewy body dementia or Parkinson's disease dementia SinD). Data were collected through the application of a personal information questionnaire to patients and caregivers, the Yale-Brown obsessive-compulsive symptoms (YBOCS), a global 15-point obsessions and compulsions of the National Institute of Mental Health United States of America (NIMH-OC), neuropsychiatric inventory (NPI), quality of life assessment scale (QOL), Zarit caregiver burden interview (ZBI), hospital anxiety and depression scale (HAD). Of the 84 patients studied, 55 (65.48%) had some OCS according to the YBOCS. The majority of symptoms characterized as mild according to the NIMH-OC. Seventy two (85.71%) used any psychotropic drug. Fifty seven (67.86%) had some comorbity. Seventy five (89.29%) had a non-OCS BPSD according to the NPI. Data regarding caregivers showed by quality and burden scores on average most of caregivers showed mild to moderate anxious and depressive symptoms. Pearson correlation were used to compare the means, and p-values

  • LISTAS / SUMRIO

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Dados demogrficos em cada grupo de demncia .............................49

    Tabela 2 Freqncia das comorbidades apresentadas pelos pacientes em cada grupo demencial .........................................................................51

    Tabela 3 Freqncia das medicaes utilizadas pelos pacientes em cada grupo demencial .................................................................................52

    Tabela 4 Freqncia dos SOC apresentados nas categorias do YBOCS em cada grupo demencial .........................................................................53

    Tabela 5 Caractersticas dos cuidadores e dos pacientes com os maiores escores de SOC encontrados, segundo o YBOCS .............................54

    Tabela 6 Freqncia dos sintomas comportamentais e psicolgicos segundo o INP em cada grupo demencial .........................................................55

    Tabela 7 Medidas de qualidade de vida, sobrecarga e estado emocional dos cuidadores ..........................................................................................56

    Tabela 8 Correlaes entre os escores totais do YBOCS e diversas variveis .....57

    Tabela 9 Correlaes entre os escores dos sintomas obsessivos no YBOCS e diversas variveis ............................................................................58

    Tabela 10 Correlaes entre os escores dos sintomas compulsivos no YBOCS e diversas variveis ............................................................................59

    Tabela 11 Correlaes entre os escores obtidos no INP, EQV, ISZ e HAD ........61

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS UTILIZADAS

    AEXP Ambulatrio de Distrbios do Movimento

    AINE Anti-inflamatrio no esteride

    ALZH Ambulatrio de doena da Alzheimer

    ANCP Ambulatrio de Neurologia Comportamental

    ATAU Ambulatrio de Taupatias

    BZD Benzodiazepnico

    CDR Estagiamento clnico da demncia

    CEP Comit de tica em pesquisa

    CID-10 Classificao estatstica internacional de doenas e problemas

    relacionados sade - dcima reviso

    CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    DA Doena de Alzheimer

    DCL Demncia com corpos de Lewy

    DDP Demncia da doena de Parkinson

    DFT Demncia frontotemporal

    DPOC Doena pulmonar obstrutiva crnica

    DSin Demncias com sinucleinopatias

    DSM-IV Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Fourth Edition

    DV Demncia vascular

    ECT Eletroconvulsoterapia

    EEG Eletroencefalograma

    EMT Estimulao magntica transcraniana

    EQV Escala de qualidade de vida do cuidador sobre si mesmo

    ESPECT Single photon emission computed tomography HAD Escala de ansiedade e depresso

    HAS Hipertenso arterial

    HCFMRP-

    USP

    Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da

    Universidade de So Paulo

    IAChE Inibidor de acetilcolinesterase

    INP Inventrio neuropsiquitrico

    INP-DAtotal Desgaste total do acompanhante segundo o INP

    INP-et Escore total do INP

    IRC Insuficincia renal crnica

  • ISRS Inibidor seletivo de recaptao de serotonina

    ISZ Inventrio de sobrecarga de Zarit

    MEEM Mini-Exame do Estado Mental

    NIMH-OC Escala global de 15 pontos de obsesses e compulses do Instituto

    Nacional de Sade Mental dos Estados Unidos da Amrica

    PET Positron emission tomography

    RNM Ressonncia nuclear magntica

    SAS/STAT Statistical Analysis Software

    SCPD Sintomas comportamentais e psicolgicos das demncias

    SOC Sintomas obsessivo-compulsivos

    SPECT Single photon emission computed tomography SUS Sistema nico de sade

    TC Tomografia computadorizada

    TCLE Termo de consentimento livre e esclarecido

    TOC Transtorno obsessivo-compulsivo

    YBOCS Escala Yale-Brown de sintomas obsessivo-compulsivos

    YBOCS-ec Escore de compulses no YBOCS

    YBOCS-eo Escore de obsesses no YBOCS

    YBOCS-et Escore total no YBOCS

  • SUMRIO 1. INTRODUO ...................................................................................................16

    1.1 Demncias ....................................................................................................17 1.1.1 Doena de Alzheimer ..............................................................................19 1.1.2 Demncia Vascular .................................................................................21 1.1.3 Demncia frontotemporal ........................................................................23 1.1.4 Demncias com sinucleinopatias: demncia com corpos de Lewy e demncia da doena de Parkinson .....................................................................24

    1.2 Sintomas comportamentais e psicolgicos das demncias...........................27 1.2.1 Sintomas obsessivo-compulsivos e transtorno obsessivo-compulsivo....29

    2. OBJETIVOS.......................................................................................................35

    2.1 Objetivo principal ...........................................................................................36 2.2 Objetivo secundrio.......................................................................................36

    3. MTODOS .........................................................................................................37

    3.1 Delineamento do estudo................................................................................38 3.2 Local..............................................................................................................38 3.3 Amostra .........................................................................................................39 3.4 Materiais........................................................................................................40 3.5 Instrumentos..................................................................................................41 3.6 Procedimentos para coleta dos dados ..........................................................45 3.7 Procedimentos ticos ....................................................................................46 3.8 Apoio financeiro.............................................................................................47 3.9 Anlise estatstica .........................................................................................47

    4. RESULTADOS...................................................................................................48

    4.1 Caracterizao da amostra ...........................................................................49 4.2 Distribuio dos SOC ....................................................................................52 4.3 Distribuio dos SCPD no-SOC ..................................................................55 4.4 Parmetros relacionados ao cuidador ...........................................................56 4.5 Correlaes ...................................................................................................56

    5. DISCUSSO ......................................................................................................63 6. CONCLUSO ....................................................................................................74

  • 7. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..................................................................76 8. ANEXOS ............................................................................................................84

    ANEXO A Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) .......................85 ANEXO B Questionrio sobre dados do paciente e seu cuidador.......................87 ANEXO C Escala Yale-Brown de obsesses e compulses (YBOCKS).............88 ANEXO D Escala Global de 15 pontos de Obsesses e Compulses do Instituto Nacional de Sade Mental dos Estados Unidos da Amrica (NIMH-OC) .99 ANEXO E Ineventtio Neuropsiquitrico (INP)..................................................100 ANEXO F Escala de Ansiedade e Depresso (HAD)........................................113 ANEXO G Inventrio de sobrecarga de Zarit (ISZ) ...........................................114 ANEXO H Escala de Qualidade de Vida (EQV) ................................................115 ANEXO I Parecer do Comit de tica em Pesquisa .........................................116

  • 1. INTRODUO

  • Introduo | 17

    1.1 Demncias

    O fenmeno do envelhecimento da populao mundial, antes restrito apenas

    aos pases desenvolvidos, tm-se generalizado para os pases em desenvolvimento.

    No Brasil, cada vez maior a expectativa de vida da populao, que j ultrapassa os

    70 anos de idade, com previso de que o pas passe da 16 para a 6 posio no

    ranking mundial em nmero absoluto de indivduos com 60 anos ou mais at o ano

    de 2025 (LOPES; BOTTINO, 2002).

    Esse envelhecimento, que deveria ser celebrado como uma conquista de

    sociedade moderna torna-se uma ameaa de epidemia de doenas crnico-

    degenerativas para a qual as pessoas ainda no esto preparadas. Essas mudanas so

    extremamente preocupantes tambm no Brasil, devido s precrias condies

    econmicas e sociais dos nossos idosos, alm da possibilidade de superposio

    epidemiolgica, com a juno das doenas crnico-infecciosas e as crnico-

    degenerativas.

    Um exemplo ilustrativo seriam as demncias, cada vez mais freqente nos na

    populao,uma vez que tanto a incidncia quanto a prevalncia esto associadas

    idade, aproximadamente dobrando a cada 5 anos, aproximadamente, a partir dos 65

    anos (LOPES; BOTTINO, 2002; NITRINI et al., 2009).

    As demncias possuem maiores conseqncias em termos de incapacidade

    funcional, institucionalizao e mortalidade, o que representa mais prescrio de

    medicamentos, um problema social e econmico tanto no presente quanto no futuro

    (ANKRI, POUPARD, 2003).

    A Neurologia Comportamental e a Neuropsicologia abordam transtornos

    cognitivos e comportamentais associados a doenas neurolgicas e no

    neurolgicas, dentre eles as demncias.

    Demncias so sndromes caracterizadas por um declnio cognitivo envolvendo

    pelo menos dois domnios e incluindo a memria, com intensidade suficiente para

    interferir no funcionamento ocupacional e social da pessoa (DSM-IV, 1994; CID-10,

    1994). O declnio cognitivo usualmente acompanhado por mudanas do humor, do

    comportamento e da personalidade. As demncias destacam-se em decorrncia de sua

    alta prevalncia, afetando cerca de 5% da populao acima de 65 anos (RITCHIE;

    LOVESTONE, 2002), e do seu alto custo socioeconmico (RICE et al., 2001).

  • Introduo | 18

    Os padres de sintomas de evoluo da demncia diferem de acordo com o

    indivduo. O diagnstico feito pelo neurologista, mdico especialista, atravs de uma

    anamnese abrangente e detalhada, associada a um exame fsico geral e um exame

    neurolgico incluindo uma avaliao cognitiva formal para o exame da memria e de outras

    funes cognitivas como: ateno, linguagem, funes executivas, orientao, praxias,

    gnosias e funes visuais-espaciais (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; COOPER; GREENE,

    2005). Os exames laboratoriais e de neuroimagem auxiliam na identificao da etiologia.

    A anotao sistemtica dos dados clnicos e demogrficos permite

    estabelecer parmetros comparativos em relao a outros servios, e possibilita o

    desenvolvimento de estratgias de interveno teraputica e de preveno.

    Tratamento e preveno so campos de atuao de importncia crescente tambm

    na rea de Neurologia Comportamental, em decorrncia do conhecimento de

    demncias potencialmente reversveis ou evitveis, e das crescentes propostas

    teraputicas, farmacolgicas e no farmacolgicas (OVERSHOTT; BURNS, 2005).

    Hoje em dia, a abordagem teraputica mais abrangente e eficaz pode contar, alm

    da prescrio de medicamentos, da indicao de tratamentos no medicamentosos

    como terapia ocupacional, fisioterapia, psicoterapia, dentre outros.

    Um estudo populacional realizado no Brasil, mais especificamente na cidade

    de So Paulo, que de acordo com o IBGE (Fundao Instituto Brasileiro de

    Geografia e estatstica) em 2000, tinha uma populao de 10.426.384 pessoas, das

    quais 969.654 tinham acima de 60 anos de idade. Esse estudo randomizou

    indivduos com mais de 60 anos, buscando compor uma amostra significativa das

    diversas classes econmicas por distritos. Os resultados mostraram uma prevalncia

    de demncia da ordem de 12,9% em indivduos com 60 anos de idade e de 16,2%

    em indivduos com 65 anos ou mais. Doena de Alzheimer foi a causa mais

    freqente (59,8%), seguida por demncia vascular (15,9%) e por doena de

    Alzheimer associada a demncia vascular (8,4%). O diagnstico de demncia foi

    mais comum em analfabetos (40,19%) seguido por ensino bsico (39,25%) e

    tambm foi mais comum em mulheres (69,16%) (BOTTINO et al., 2008)

    Outro estudo populacional brasileiro, realizado em Catanduva/SP, cidade com

    cerca de 100.913 habitantes, avaliou a domiclio 1656 indivduos com mais de 65

    anos (cerca de 25% da populao idosa residente na zona urbana). Esse estudo

    demonstrou uma incidncia de demncia de 13,8 por 1.000 pessoas-ano e uma

    prevalncia de 7,1%, em pessoas com 65 anos ou mais. Doena de Alzheimer foi a

  • Introduo | 19

    causa mais freqente das demncias (55,1%), seguida por doena de Alzheimer

    associada a demncia vascular (14,4%) e por demncia vascular (9,3%). O

    diagnstico de demncia foi mais comum em analfabetos (12,2%) que em indivduos

    com escolaridade de 8 anos ou mais (3,5%) e tambm foi mais comum em mulheres

    (HERRERA et al., 2002; NITRINI et al., 2004; NITRINI et al., 2009).

    A razo de risco de mortalidade em pacientes com demncia, valor que

    reflete o quanto a presena de uma condio patolgica aumenta o risco de bito

    aps ajuste para outras comorbidades, tem variado de 1,9 a 3,6 em diversos estudos

    epidemiolgicos. Isso confirma que demncia um fator de maior risco que outros

    fatores importantes como idade, histria prvia de acidente vascular cerebral,

    insuficincia cardaca, hipertenso arterial grave e diabetes (NITRINI et al., 2005).

    Diferentes tipos de demncia podem ser distinguidos, conforme a natureza ou

    etiologia, como a demncia da doena de Alzheimer, demncia com corpos de

    Lewy, demncia da doena de Parkinson, demncia frontotemporal, demncia

    vascular, demncia por HIV, demncia secundria depresso, entre outras.

    freqente a associao de 2 causas ou tipos (RITCHIE; LOVESTONE, 2002).

    1.1.1 Doena de Alzheimer

    A doena de Alzheimer (DA) foi descrita inicialmente em 1906 pelo

    neuropsiquiatra e neuropatologista alemo Alois Alzheimer (1864-1915) ao reportar

    o caso da paciente August D.

    A DA a principal causa de demncia, chegando a corresponder a mais de

    50% das demncias em alguns estudos. A DA se caracteriza por um processo

    degenerativo que acomete inicialmente os hipocampos, com posterior

    comprometimento de reas corticais associativas e relativa preservao dos crtices

    primrios. Essa distribuio caracteriza alteraes cognitivas e comportamentais,

    com preservao do funcionamento motor e sensorial at as fases mais avanadas

    (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; BLENOW; LEON; ZETTERBERG, 2006).

    A DA pode ser classificada, de acordo com a idade de incio dos sintomas, em

    pr-senil (antes dos 65 anos) e senil (aps 65 anos). Os casos pr-senis so mais

    raros (10%) e esto associados a um padro de transmisso gentica autossmica

  • Introduo | 20

    dominante ligada aos cromossomos 1, 14, 19 e 21. Os casos senis so

    aparentemente espordicos (GALLUCCI-NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005).

    Os sintomas iniciais da DA esto relacionados s dificuldades cognitivas de

    incio insidioso, com piora lenta e progressiva, em especial a perda de memria e a

    desorientao espacial. Alteraes de linguagem (at mesmo afasia),

    comprometimento das funes executivas (incluindo desorientao espacial, tomada

    de deciso, planejamento, execuo e monitoramento), alteraes do sono-viglia,

    alteraes comportamentais, sintomas psicticos e incapacidade de deambular

    podem surgir com a evoluo do quadro (CARAMELLI; BARBOSA, 2002;

    GALLUCCI-NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005; BERTOLUCCI, 2006).

    Os sintomas dificultam atividades comuns mais elaboradas e novos aprendizados,

    sendo que de modo geral, quanto mais exposto a novas situaes e novos aprendizados,

    maior a chance de um diagnstico precoce. A falta de percepo a respeito do prprio

    dficit funcional, assim como alterao precoce do comportamento e depresso tambm

    podem ser indicativos de desenvolvimento de DA (BERTOLUCCI, 2006).

    O diagnstico da DA clnico, devido falta de um marcador biolgico confivel,

    sendo a avaliao neuropsicolgica essencial. Sendo assim, o diagnstico pode ser

    denominado DA provvel (sintomas clnicos tpicos sem confirmao histopatolgica), DA

    possvel (sintomas clnicos atpicos, sem alternativa diagnstica aparente, sem confirmao

    histopatolgica) e DA definitiva (diagnstico clnico com confirmao histopatolgica)

    (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; CUMMINGS, 2004). Esse ltimo, diagnstico definitivo,

    s pode ser feito mediante a anlise histopatolgica do tecido cerebral post-mortem, se

    forem encontradas alteraes como perda neuronal nas camadas piramidais do crtex

    cerebral e degeneraes sinpticas a nvel hipocampal e neocortical (placas senis com

    presena de protena -amilide1, emaranhados neurofibrilares2, perfil apoE3)

    (CUMMINGS, 2004; GALLUCCI-NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005).

    1 As placas senis ou neurticas so leses extracelulares que tm no peptdeo beta-amilide (A42) seu principal constituinte, protena que na maior parte das vezes derivada do precursor da protena -amilide (PPA), gene localizado no cromossomo 21. A hiptese que a cascata -amilide leve a uma srie de eventos neurotxicos (como disfuno mitocondrial, resposta neuroinflamatria anormal, diminuio do suporte neurotrfico, diminuio da neurplasticidade e neurognese, hiperfosforilao da TAU, apoptose e quebra da homostase de clcio), culminando na morte neuronal (PAULA et al, 2009). 2 Os emaranhados neurofibrilares so leses intraneuronais compostas por agregados de protena TAU (cuja funo estabilizar os microtbulos e nos neurnios mantm a estrutura neuronal, o transporte axonal e a plasticidade sinptica) em estado hiperfosforilado, que leva a uma cascata de eventos (instabilidade neuronal e da homeostase) resultando em morte neuronal (PAULA et al, 2009). 3 A apolipoprotena E, fabricada em grande quantidade pelos neurnios no crebro, importantes como uma parte de um programa compensatrio para conter a neurodegenerao. Estudos sugerem que a apoE contribui para o depsito da protena -amilide (A), comprovando seu papel especfico na formao de placas amilides e emaranhados neurofibrilares (OJOPI; BERTONCINI; DIAS NETO, 2004).

  • Introduo | 21

    O diagnstico diferencial de DA deve ser feito de deliruim, depresso,

    desidratao, disfuno tireoidiana, anemia, dficit de vitamina B12, alteraes de

    glicemia, disfunes hepticas e renais, condies que quando tratadas revertem as

    condies cognitivas se no houver sobreposio de um processo

    neurodegenerativo. DA tambm deve ser diferenciada da demncia com corpos de

    Lewy e da demncia da doena de Parkinson, condies facilmente confundidas

    (CARAMELLI; BARBOSA, 2002;).

    Exames de neuroimagem estruturais como a tomografia computadorizada

    (TC) e a ressonncia nuclear magntica (RNM) mostram atrofia no lobo

    temporalmedia, incluindo o hipocampo e o crtex entorrinal, enquanto que exames

    de neuroimagem funcionais como single photon emission computed tomography

    (SPECT) e positron emission tomography (PET) mostram hipometabolismo nos

    crtex temporal, parietal e crtex cingulado posterior (BLENOW; LEON;

    ZETTERBERG, 2006).

    Inibidores de acetilcolinesterase (IAChE) como donepezil, galantamina e

    rivastigmina, tem sido utilizados no tratamento da DA, com seu efeito relatado em

    pesquisas clnicas, estatisticamente significativas apesar de clinicamente modestas.

    O tratamento deve ser iniciado por especialista; s recomendado em pacientes

    com DA leve a moderada. A medicao no cura, mas retarda o progresso da

    doena; no faz efeito para todos; deve ser descontinuada em pacientes que no

    responderem a ela ou tiverem muitos efeitos colaterais, como nusea, vmito,

    diarria, dor abdominal, dor de cabea, discinesia, tremor, perda de peso, fadiga. A

    memantina, antagonista do receptor de glutamato, tambm tem sido utilizada para

    tratamento de DA moderada a grave (CUMMINGS, 2004; OVERSHOTT; BURNS,

    2005; BLENOW; LEON; ZETTERBERG, 2006).

    1.1.2 Demncia Vascular

    O segundo tipo mais freqente de demncia em idosos a demncia vascular

    (DV). Descrita inicialmente pelo psiquiatra alemo Emil Kraepelin (1856-1926) em

    1910, uma sndrome neurolgica heterognea, conseqncia de doena vascular

    cerebral, em sua maioria isqumica.

  • Introduo | 22

    A DV representa cerca de 10% de todos os casos de demncia, a segunda

    causa mais freqente de demncia precoce e tem prevalncia de 2% na populao

    de 65-70 anos e de 20-40% na populao acima de 80 anos, dobrando a cada

    qinqnio a partir dos 65 anos 95 anos, com predomnio no sexo masculino. A

    prevalncia no Brasil varia de 9,3 a 24,9% e a incidncia de 06 a 12 por 1000

    (ROMN, 2000; CARAMELLI; BARBOSA, 2002).

    Fatores de risco associados DV incluem dislipidemia, hipertenso arterial,

    arteroesclerose, doena coronariana, obesidade, diabetes e tabagismo (BLENOW;

    LEON; ZETTERBERG, 2006)

    O diagnstico da DV exige demncia, doena vascular cerebral e uma relao

    provvel entre elas (distribuio dos vasos e sua patologia; fatores hemodinmicos e

    metablicos; fatores de risco que podem levar a distrbios circulatrios e leso do tecido

    nervoso). Seus sintomas so muito variveis, mas incluem perda de memria, distrbios

    das funes executivas, lentido do processamento de informaes, lentido motora,

    distrbios urinrios e alteraes comportamentais (AGGUARWAL; DECARLI, 2007).

    O uso de TC e RNM na prtica mdica pode ser uma ferramenta a mais para

    ajudar a clarear as interaes entre o estgio da doena e a cognio, com

    destaque para os infartos lacunares e a hipodensidade em substncia branca

    (AGGARWAL; DECARLI, 2007).

    Pode-se classificar a DV em diversos subtipos, de acordo com a natureza das

    leses vasculares, extenso e localizao, sendo eles: demncia de multiinfartos,

    demncia de infarto nico e estratgico, demncia na doena de pequenos vasos

    cortical ou subcortical (tambm denominada doena de Binswanger), doena por

    hipoperfuso, demncia hemorrgica, ou combinao das anteriores (ROMN,

    1987, 2000; AGGUARWAL; DECARLI, 2007).

    A doena de Binswanger, que aqui nos interessa, leva o nome de um de seus

    estudiosos, o neuropatologista alemo Otto Ludwig Binswanger (1852-1929), que

    enfatizou a necessidade de diferenciar os diversos tipos de demncias. Leses em

    substncia branca e acidentes vasculares cerebrais (AVC) so os principais

    componentes da doena de Binswanger, um problema comum na populao idosa,

    afetando cerca de 1/3 dos indivduos com 65 anos ou mais, o que a torna uma

    epidemia silenciosa (ROMN, 2000).

    A especial importncia da DV deve-se ao alto custo socioeconmico, que

    muitas vezes excede o da DA e que na maioria das vezes passvel de preveno

  • Introduo | 23

    com medidas simples de sade pblica, uma vez que para evitar e/ou minimizar os

    prejuzos na DV pode-se tratar os fatores de risco, como hipertenso arterial,

    diabetes, dislipidemia e tabagismo (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; AGGARWAL;

    DECARLI, 2007).

    Ainda no h tratamento que possa reverter a DV; no entanto, o tratamento

    da DV prevenir e tratar seus sintomas (AGGARWAL; DECARLI, 2007).

    1.1.3 Demncia frontotemporal

    A demncia frontotemporal (DFT) possui relato de casos a partir de 1982. O

    termo DFT foi criado em consenso entre os grupos de Lund e Manchester,

    enfatizando mais a patologia do que a patognese, o que adequado, porm

    genrico. Desse grupo de demncia fazem parte a doena de Pick, degenerao do

    lobo frontal com doena do neurnio motor (esclerose lateral amiotrfica), demncia

    semntica e demncia do lobo frontal inespecfica. Contribui para 20% de todas as

    formas de demncia e parece ser 9% da causa de todas elas, sendo que cerca de

    30% dos casos apresenta histria familiar em parentes de primeiro grau, com padro

    de herana sugestivo de transmisso autossmica dominante (CARAMELLI;

    BARBOSA, 2002; TEIXEIRA-JR; SALGADO, 2006).

    Sua prevalncia desconhecida, variando entre os estudos devido aos critrios

    de seleo dos pacientes a aos critrios diagnsticos. No entanto, as estimativas em

    relao DA oscilam entre 1 DFT/3 DA a 1 DFT/11 DA. (MARINHO, 2006).

    Ao exame neurolgico, os pacientes com DFT podem ter reflexos primitivos

    como preenso palmar e suco, que constituem sinais de frontalizao (TEIXEIRA-

    JR; SALGADO, 2006).

    Na DFT, as alteraes de comportamento so de apario mais precoce que

    as cognitivas, bem como mais freqentes, proeminentes, variadas e maiores fontes

    de estresse para os cuidadores. Podem ser subdivididas em desinibida, aptica e

    estereotipada, padres que podem ocorrer ao longo do processo em um mesmo

    paciente. As alteraes da personalidade (como apatia, indiferena, infantilidade,

    euforia, irritabilidade, impulsividade, estereotipias, sexualidade exacerbada,

    isolamento social, dificuldade no controle da modulao das emoes,

  • Introduo | 24

    hiperoralidade, comportamentos repetitivos, descuido com a higiene, comportamento

    de utilizao/imitao) e sintomas psicticos so os principais sintomas

    comportamentais encontrados nesse tipo de paciente (CAIXETA; NITRINI, 2001;

    CARAMELLI; BARBOSA, 2002; GALLUCCI-NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005;

    TEIXEIRA-JR; SALGADO, 2006).

    J como sintomas cognitivos, que so de incio insidioso e carter

    progressivo, encontramos uma alterao na linguagem (reduo de fluncia verbal,

    estereotipias e ecolalia), ausncia de frustrao ou estresse diante das prprias

    dificuldades, alm de ausncia de simpatia ou empatia por outras pessoas. A

    memria e as habilidades visuoespaciais encontram-se relativamente preservadas.

    (CARAMELLI; BARBOSA, 2002).

    Apesar dos exames de neuroimagem estruturais demonstrarem alteraes

    (alargamento do corno temporal, atrofia frontal/temporal, preservao da regio

    para-hipocampal), assim como os funcionais (hipoperfuso de regies frontais

    posteriormente em direo a regies temporais), nas fases iniciais essas alteraes

    podem no ser evidentes (MARINHO, 2006; TEIXEIRA-JR; SALGADO, 2006).

    A DFT tem sido pouco estudada e subdiagnosticada, principalmente por ser

    confundida com DA e outros transtornos psiquitricos, sendo necessria a realizao

    de um diagnstico diferencial (TEIXEIRA-JR; SALGADO, 2006).

    O tratamento medicamentoso da DFT, da mesma maneira que ocorre com

    outras doenas neurodegenerativas, baseia-se na reposio de neurotransmissores,

    com administrao de IAChE como donepezil, galantamina e rivastigmina, assim

    como administrao de inibidores seletivos de recaptao de serotonina (ISRS)

    como fluoxetina e sertralina, para controle dos sintomas comportamentais

    (TEIXEIRA-JR; SALGADO, 2006).

    1.1.4 Demncias com sinucleinopatias: demncia com corpos de Lewy e demncia da doena de Parkinson

    A demncia com corpos de Lewy (DCL) e a demncia da doena de

    Parkinson (DDP) podem ser chamadas de demncias com sinucleinopatias (DSin)

    por terem em comum a alfa-sinuclena, uma fosfoprotena pr-sinptica que se

  • Introduo | 25

    apresenta como principal constituinte dos corpos de Lewy, presente em ambas as

    patologias (LIPPA et al.,2007)

    A DCL, descrita inicialmente h 30 anos, leva o nome do neurologista alemo

    Frederich Heinrich Lewy (1885-1950) que primeiramente descreveu, por volta de

    1912, os corpsculos de Lewy. Atualmente a DCL constitui a segunda mais

    freqente forma de ocorrncia de demncia degenerativa (20%, sendo ultrapassada

    apenas pela DA) definida como uma sndrome neuropsiquitrica degenerativa

    primria de incio na idade avanada, com sintomas cognitivos, motores,

    psiquitricos e autonmicos (MCKEITH et al., 2004).

    Os achados neuropatolgicos envolvem a presena dos corpsculos de Lewy

    em regies corticais e subcorticais, ocorrendo em conjunto com a formao de

    placas senis neocorticais e raramente com o desenvolvimento de emaranhados

    neurofibrilares. Est relacionada agregao anormal da protena sinptica alfa-

    sinuclena que caracteriza um grupo de doenas denominado sinucleinopatias.

    Apresenta caractersticas clnicas e patolgicas muito semelhantes DA e

    demncia da doena de Parkinson (MCKEITH et al., 2004; LIPPA et al.,2007).

    O declnio cognitivo na DCL de incio rpido e declnio progressivo,

    interferindo na capacidade funcional do indivduo principalmente no que diz respeito

    s funes executivas e habilidades visuoespaciais, que esto mais comprometidos

    no incio da doena, com relativa preservao da memria. O diagnstico clnico

    feito quando o declnio cognitivo flutuante, acompanhado por alucinaes visuais e

    sintomas extrapiramidais (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; GALLUCCI-NETO;

    TAMELINI; FORLENZA, 2005).

    Congrega, no geral, sintomas cognitivos de incio insidioso como confuso

    mental e deteriorao cognitiva progressiva, tanto das funes corticais (memria,

    linguagem, funes executivas e visuo-espaciais), como das funes subcorticais

    (ateno e velocidade de processamento cognitivo), que so os mais estressantes.

    J os sintomas motores extrapiramidais (tremores posturais, rigidez do tipo roda

    denteada, bradicinesia, instabilidade postural, marcha anormal, discinesia) presentes

    em 77% dos casos, principalmente rigidez e bradicinesia, podem ser a maior causa

    de incapacidades. Ainda podem estar presentes sintomas psiquitricas como

    flutuaes (variaes marcantes do estado de alerta e ateno), alucinaes

    (principalmente visuais), depresso, distrbios do sono REM, ocorrncia de quedas

  • Introduo | 26

    e sncopes (CARAMELLI; BARBOSA, 2002; MCKEITH et al., 2004; GALLUCCI-

    NETO; TAMELINI; FORLENZA, 2005; MCKEITH et al., 2005).

    Inibidores de acetilcolinesterase (IAChE) como donepezil, galantamina e

    rivastigmina, no esto licenciados para o uso em DCL, mas esto sendo cada vez

    mais utilizados. Como os pacientes do DCL possuem pouca tolerncia a

    antipsicticos, os IAChE tm sido uma boa opo para tratamento dos sintomas

    neuropsiquitricos, trazendo melhora na apatia, delrios e alucinaes

    (OVERSHOTT; BURNS, 2005).

    J a DDP desenvolve-se em torno de 30% doa pacientes com doena de

    Parkinson (DP)4, definida pela CID-10 (1994) e pelo DSM-IV (1994), mas ainda

    no existe um critrio diagnstico para sua classificao.

    A DP uma desordem neurolgica progressiva, atinge cerca de 3% dos

    indivduos com mais de 60 anos, aumentando para at 5% acima dos 85 anos.

    caracterizada pela degenerao dos neurnios dopaminrgicos e pela presena de

    corpsculos de Lewy principalmente na substncia negra, mas tambm na rea

    tegumentar ventral do mesencfalo. A degenerao produz os sintomas motores

    caractersticos (tremores posturais, rigidez do tipo roda denteada, bradicinesia,

    instabilidade postural, marcha anormal, discinesia) e reduo da dopamina,

    responsvel pela fenomenologia comportamental (como psicose, depresso,

    alteraes cognitivas) (RAO; HOFMANN; SHAKIL, 2006; MELO; BARBOSA;

    CARAMELLI, 2007).

    Devido grande semelhana clnica da DDP com DCL e a falta de um critrio

    diagnstico especfico, sua diferenciao arbitrria e relacionada ao tempo de

    aparecimento dos sintomas. O termo DCL utilizado como diagnstico quando o

    quadro demencial ocorre antes ou ao mesmo tempo que o parkinsonismo enquanto

    que o termo DDP usado para descrever uma demncia que ocorre em um contexto

    bem estabelecido de doena de Parkinson (MCKEITH et al., 2005; PADOVANI et al.,

    2006; LIPPA et al.,2007).

    A DDP se caracteriza tipicamente por uma sndrome disexecutiva progressiva

    com dficit de ateno e flutuaes no estado cognitivo freqentemente

    acompanhados de sintomas psicticos. Tambm h anormalidades na funo visuo-

    espacial e na memria. Outra manifestao freqente a bradifrenia. Muitas vezes

    4 A doena de Parkinson leva o nome de quem a descreveu inicialmente em 1817 como paralysis agitans, o mdico e paleontologista ingls James Parkinson (1755-1813).

  • Introduo | 27

    difcil separar o alentecimento cognitivo da prpria bradicinesia que o paciente

    apresenta. Esse quadro cognitivo muito similar ao observado na DCL e se

    diferencia do observado na DA pela ausncia de afasia, apraxia e agnosia

    (BOSBOOM et al., 2004; EMRE, 2004; JANVIN et al., 2006; CAIXETA; VIEIRA,

    2008).

    A estimativa de prevalncia de DDP ainda no muito bem definida, variando

    de 10 a 50%, com mdia de 30% dos pacientes com DP. Essa diferena enorme

    entre os dados encontrados na literatura se deve precariedade da definio de

    demncia mais aceita e utilizada, alm da variao de idade, escolaridade, tempo de

    DP dos pacientes, assim como a grande variedade de testes aplicados em cada

    estudo (EMRE, 2004; CAIXETA; VIEIRA, 2008).

    Inibidores de acetilcolinesterase (IAChE) como donepezil, galantamina e

    rivastigmina, no esto licenciados para o uso em DDP, mas esto sendo cada vez

    mais utilizados. Seu uso geralmente produz melhora significativa na cognio e nos

    sintomas comportamentais, sem ser observada piora dos sintomas motores (EMRE,

    2004; OVERSHOTT; BURNS, 2005).

    1.2 Sintomas comportamentais e psicolgicos das demncias

    Os sintomas no cognitivos que ocorrem nos quadros demenciais so

    denominados sintomas comportamentais e psicolgicos das demncias (SCPD) e

    ocorrem ao longo da evoluo da doena em cerca de 60% dos pacientes

    demenciados (VEGA et al., 2007; OMELAN, 2006). Os SCPD so relevantes porque

    alm de freqentes esto associados ao maior desgaste do cuidador, piora na

    qualidade de vida do paciente, maior morbidade, correlao com declnio cognitivo

    mais rpido, aumento do risco de institucionalizao precoce e tambm do custo

    com os cuidados adequados incluindo medicamentos (IPA, 2002; Lyketsos, 2007;

    MCKEITH; CUMMINGS, 2005; VALE et al., 2007; VEGA et al., 2007).

    As causas dos SCPD so diversas, mas acredita-se que o dano cerebral

    causado pela demncia, assim como cuidador geralmente no especializado e

    menor tolerabilidade a estressores tanto ambientais como biolgicos contribuam

  • Introduo | 28

    para a expresso dos sintomas, piora da habilidade motora e declnio das

    habilidades cognitivas (Lyketsos, 2007).

    Os SCPD costumam ocorrer em grupos, sendo dificilmente encontrados

    isoladamente. Estes podem ser categorizados em sintomas afetivos (depressivos ou

    agitado) e psicticos, muitas vezes relacionados ao tipo de demncia, ao estgio em

    que o paciente se encontra e ao uso de drogas anti-demncias (Lyketsos, 2007).

    Um estudo recente (VERAS et al., 2007) sugere que a repercusso dos

    gastos da famlia com o idoso demenciado chega a comprometer em mdia 66% da

    renda familiar, podendo chegar a at 75% em pacientes no estgio inicial, a 62% no

    estgio avanada e a cerca de 80% da renda familiar quando associada a outra

    doena crnica. No existem estudos especficos que foquem especificamente o

    custo dos SCPD, mesmo que eles constituam uma causa muito importante,

    principalmente no que diz respeito a institucionalizaes (HEMELS et al., 2001).

    Os SCPD so muitos e variveis, mesmo porque esto diretamente

    relacionados observao e relato de diferentes familiares e cuidadores. De um

    modo geral, na DA os principais sintomas encontrados so: apatia, agitao,

    depresso, ansiedade, irritabilidade, delrio e alucinaes (menos comuns). J na

    DCL usual observarmos alucinaes visuais, delrios, depresso, distrbios do

    sono REM. Na DV ocorre apatia, depresso e delrio; na DFT podemos constatar

    apatia, desinibio, elao, comportamentos repetitivos e mudanas no

    comportamento alimentar. Nas DSin comum encontrarmos relatos de alucinaes

    visuais, delrios, depresso, distrbio do sono REM e desordens comportamentais

    (MCKEITH; CUMMINGS, 2005).

    O tratamento medicamentoso dos SCPD inclui principalmente a administrao

    de antipsicticos, ansiolticos e antidepressivos. No entanto, terapias no-

    farmacolgicas devem ser consideradas antes do tratamento farmacolgico

    (OVERSHOTT; BURNS, 2005).

    Os sintomas depressivos so muito comuns, sendo observados em 30 a 50%

    dos pacientes com DA, enquanto transtornos depressivos acometem algo em torno

    de 10 a 20% dos casos. Estudos observaram um aumento de 5 vezes no risco de

    acometimento demencial nos pacientes que apresentavam depresso associada a

    alteraes cognitivas, sendo essas reversveis ou no (FORLENZA, 2000;

    STEFFENS; POTTER, 2008).

  • Introduo | 29

    Sintomas depressivos e demenciais sobrepem-se com freqncia em

    pacientes idosos; pacientes demenciados queixam-se de depresso e pacientes

    deprimidos queixam-se de falhas da memria (FORLENZA, 2000; VERHEY;

    VISSER, 2000).

    O controle dos sintomas depressivos em pacientes com DA pode

    proporcionar, indiretamente, melhora da cognio, alm da melhora na qualidade de

    vida do paciente e de seus cuidadores. O uso de drogas, em especial os inibidores

    seletivos de recaptao de serotonina (ISRS) so as de primeira escolha para o

    tratamento dos sintomas depressivos, levando em considerao que determinados

    antidepressivos podem exercer efeito negativo sobre a cognio (MULCHAHEY et

    al, 1999; FORLENZA, 2000).

    Em contrapartida, os sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) nas demncias

    parecem ser subdiagnosticados e pouco estudados, uma vez que um levantamento

    bibliogrfico realizado recentemente (PENA: VALE: 2010) encontrou apenas 10

    estudos investigando SOC nas demncias. Desses, nenhum avaliava o impacto dos

    SOC nos cuidadores, ao menos em termos de carga, qualidade de vida ou custo

    socioeconmico, o que demonstra o ineditismo do presente estudo. Em apenas 5

    estudos SOC era o objetivo primrio. Isso demonstra o ineditismo do presente

    estudo.

    Um ponto muito importante dos SCPD a necessidade de melhorar a

    definio e as estratgias de identificao, uma vez que esse progresso poderia

    melhorar a caracterizao clnica das demncias e com isso a conduta diante delas,

    seja no tratamento medicamentoso e/ou no-medicamentoso (MCKEITH;

    CUMMINGS, 2005).

    1.2.1 Sintomas obsessivo-compulsivos e transtorno obsessivo-compulsivo

    Sintomas obsessivos e compulsivos so componentes de diversas doenas

    como autismo, sndrome de Tourette, transtorno dismrfico-corporal, doena de

    Huntington, Coria de Sydenham, doena de Parkinson, hipocondria e leses do

    lobo frontal (STEIN, 2002).

  • Introduo | 30

    O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) um transtorno do espectro

    ansioso, caracterizado por presena de obsesses e/ou compulses recorrentes

    suficientemente severas para consumir tempo (mais de 1 hora por dia), causar

    sofrimento ou prejuzo acentuado e interferir significativamente nas atividades

    rotineiras, funcionais e ocupacionais do indivduo (CID-10; DSM-IV; TORRES;

    SMAIRA, 2001; STEIN, 2002; HEYMAN; MATAIX-COLS; FINEMBERG, 2006;

    STARLING; IRENO, 2007).

    Obsesses so respostas encobertas, idias, pensamentos, imagens

    persistentes, vivenciadas como intrusivas e inadequadas pelo indivduo, causando

    intensa ansiedade e sofrimento. As obsesses mais comuns so relacionadas

    contaminao, dvida sobre seus prprios atos, organizao simtrica de objetos,

    impulsos agressivos e imagens sexuais (DSM-IV; TORRES; SMAIRA, 2001; STEIN,

    2002; HEYMAN; MATAIX-COLS; FINEMBERG, 2006; STARLING; IRENO, 2007).

    Compulses se referem a comportamentos repetitivos como limpeza,

    contagem, verificao, repeties, colecionismo e ordenao de objetos (STEIN,

    2002; HEYMAN; MATAIX-COLS; FINEMBER, 2006; STARLING; IRENO, 2007).

    Apesar de prevenirem, produzirem alvio do sofrimento ou evitarem alguma situao

    temida, essas respostas deixam o indivduo sobre o controle das compulses ao

    invs de ficar sobre o controle de estmulos ambientais. Esse padro de fuga-

    esquiva afeta o desempenho em tarefas cognitivas que exigem concentrao, assim

    como o desempenho geral do indivduo (CID-10; DSM-IV; STARLING; IRENO,

    2007).

    Segundo Graeff (2001), a teoria mais aceita sobre a fisiopatogenia do TOC foi

    formulada por Judith Rapoport, adotando a perspectiva da psicologia evolutiva, em

    que os padres comportamentais dos animais esto sujeitos seleo natural, da

    mesma forma que suas caractersticas anatmicas e fisiolgicas. Constatando que

    as compulses mais freqentes so as de limpeza e verificao, Rapoport

    hipotetizou que estas seriam exageros de rotina de auto-limpeza e de conferir

    demarcaes territoriais, respectivamente, adquiridas ao longo do tempo pelas

    espcies devido ao seu valor adaptativo em prevenir doenas e garantir espao vital

    para alimentao e reproduo. Analogamente em animais, hoje em dia observamos

    o hbito dos ces de lamber excessivamente as patas, acarretando ferimentos

    graves, assim como o comportamento de aves de cativeiro que removem

  • Introduo | 31

    incessantemente suas penas com o bico, que guardam homologia com o TOC em

    humanos.

    Epidemiologicamente, o TOC a quarta desordem psiquitrica mais

    prevalente, acometendo 2% da populao geral, sendo mais comum em mulheres e

    geralmente tida como uma doena crnica (LACERDA; DALGALARRONDO;

    CAMARGO, 2001; STEIN, 2002; TORRES; LIMA, 2005).

    O diagnstico feito a partir da histria do indivduo, exame fsico e

    investigao, excluindo ser sintoma comrbido de outras doenas e tambm

    diagnstico diferencial principalmente de transtornos ansiosos, depressivos e

    psicticos (STEIN, 2002).

    Gonzalez (2001) ao descrever os principais estudos de aspectos genticos no

    TOC, relata a observao de que o transtorno se agrega em famlias. Pondera que

    em diversos estudos de gmeos, a concordncia de TOC entre gmeos

    monozigticos varia de 53% a 87%, enquanto que nos gmeos dizigticos varia

    entre 22% e 44% (RASMUSSEN; TSUANG, 1986 apud GONZALEZ, 2001; CAREY;

    GOTTESMAN, 1981 apud GONZALEZ, 2001). No Brasil, observou-se a prevalncia

    de 6,9% de TOC entre os familiares de primeiro grau (n=173) e 1,4% nos controles

    (n=348); tambm 19,1% de sintomas obsessivo-compulsivos entre esses familiares

    e 3,2% entre esses controles (GONZALEZ; MIRANDA; DEL PORTO, pesquisa em

    andamento apud GONZALEZ, 2001). Conclui relatando que estudos de anlise de

    segregao concluram que o modelo de transmisso mais compatvel da doena

    seria o autossmico dominante, com penetrncia maior nas mulheres.

    Neuroanatomicamente, os achados de neuroimagem mais consistentes no

    TOC, referem-se a alteraes nas regies orbito-frontais, ncleos da base, giro do

    cngulo e tlamos, ou seja, regies que compem o circuito pr-frontal-estriado-

    tlamo-cortical, fundamental no processamento cortical de informaes e no incio

    de respostas comportamentais e/ou cognitivas (LACERDA; DALGALARRONDO;

    CAMARGO, 2001). O TOC tem sido principalmente relacionado com leses no

    ncleo da base, isso porque o estriado uma estrutura crtica para a organizao de

    comportamentos inatos, como as rotinas de auto-limpeza e a de conferncia dos

    limites territoriais (GRAEFF, 2001), alm de estarem relacionados ao planejamento

    motor complexo e seqencial, aprendizagem, direcionamento cognitivo e

    motivacional (VALENTE; BUSSATO, 2001).

  • Introduo | 32

    Neuropsicologicamente, segundo Fontenelle (2001), em indivduos com TOC

    tm sido encontrados comprometimento da memria para aes, monitorizao da

    realidade, memria no-verbal, habilidades visuo-espaciais, velocidade na

    realizao de testes e funes executivas. O autor ainda relata a relao entre essas

    alteraes neuropsicolgicas e anormalidades bioqumicas, principalmente

    serotoninrgicas e glutamatrgicas, encontrando uma associao positiva entre a

    presena de disfuno neuropsicolgica e uma resposta favorvel ao tratamento

    com inibidor seletivo da recaptao de serotonina (SSRI). Comenta tambm uma

    teoria, onde segundo estudos fenomenolgicos de neuroimagem funcional, o TOC

    estaria associado a um estado hiperglutamatrgico, que est associado

    neurotoxicidade, abrindo caminho para a hiptese de que tais indivduos possam

    apresentar sofrimento do tecido cerebral e disfuno neuropsicolgica resultantes do

    no-tratamento ou de maior tempo de doena.

    Neuroimunologicamente h relatos do TOC como um processo auto-imune

    que afeta circuitos crtico-basais (casos de TOC associados Coria de

    Sydenham), Na verdade, o termo desordens neuropsiquitricas autoimunes

    associadas a infeces estreptoccicas ou PANDAS foi cunhado para descrever

    crianas com incio agudo de TOC, com ou sem tiques aps a infeco

    estreptoccica. Pacientes com PANDAS tem volume estriatal anormal em imagem

    cerebral, alm do que os sintomas do TOC respondem a intervenes

    imunomodulatrias como troca de plasma e imunoglobulina intravenosa (STEIN,

    2002).

    Neuroquimicamente falando, o sistema serotoninrgico exerce importante

    papel nesse transtorno de ansiedade, uma vez que a clomipramina (antidepressivo

    tricclico inibidor de recaptao de serotonina), inicialmente utilizada, teve sua

    eficcia comprovada em estudos abertos, duplo-cegos e tambm em ensaios

    farmacolgicos controlados em animais. Mas alm desse sistema existem outros,

    como do neurotransmisso do glutamato e alguns neuropeptdios (GRAEFF, 2001;

    STEIN, 2002).

    A farmacoterapia atualmente empregada no TOC tem sido a administrao de

    inibidor seletivo da recaptao de serotonina (SSRI), por seu melhor perfil de

    segurana e tolerabilidade que a clomipramina, alm de ser efetiva em todas as

    idades (HEYMAN; MATAIX-COLS; FINEMBERG, 2006; STEIN, 2002).

  • Introduo | 33

    Alm do tratamento medicamentoso, o psicoterpico tambm, indicado para

    tais pacientes, sendo que a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem se

    mostrado eficiente, tendo como um importante componente a combinao entre

    exposio aos estmulos ansiognicos e preveno de respostas. A abordagem

    cognitiva encoraja os indivduos a reavaliar crenas super valorizadas, o risco ou a

    responsabilidade pessoal, recuperando uma perspectiva mais realista, enquanto que

    experimentos comportamentais testam a veracidade de suas crenas. Na prtica, a

    TCC tem sido freqentemente empregada, tanto individual quanto em grupo

    (WIELENSKA, 2001; STEIN, 2002; HEYMAN; MATAIX-COLS; FINEMBERG, 2006;

    FERRO et al., 2007; PRAZERES; SOUZA; FONTENELLE, 2007; CORDIOLLI,

    2008).

    Apesar de existirem tcnicas teraputicas eficazes para o tratamento do TOC,

    estima-se que aproximadamente 40% desses pacientes no se beneficiam ao

    menos parcialmente delas, sofrendo de resistncia (submisso a alguma terapia de

    primeira linha, sem resposta satisfatria) ou refratariedade (falta de resposta

    adequada a diversos tratamentos administrados de maneira adequada). Isso pode

    ser devido etiologia multifatorial do TOC; uso de medicaes inadequadas / por

    pouco tempo / dose insuficiente; caractersticas biolgicas individuais que podem

    modificar a farmacocintica das medicaes, comprometendo sua eficcia; falta de

    treinamento do psicoterapeuta / falta de motivao do paciente; ou at mesmo falta

    de acesso ao tratamento adequado (FERRO et al., 2007).

    Nesses casos, existem os tratamentos baseados em anatomia. A

    eletroconvulsoterapia ou ECT especialmente utilizada quando h comorbidade

    com depresso. A estimulao magntica transcraniana, conhecida como EMT,

    ainda restrito ao mbito da pesquisa, mas muito promissor para o uso clnico. A

    estimulao cerebral profunda, conhecida tambm como DBS, parece a longo prazo

    reduzir clinicamente os sintomas e proporcionar uma melhora funcional em

    aproximadamente dois teros dos pacientes, alm de ser menos invasiva, ter sido

    bem tolerada, apresentando efeitos adversos transitrios. J o tratamento

    neurocirrgico (dividido de acordo com o stio especfico da leso) tem prevalncia

    de melhora, eventos adversos e complicaes associadas (infeco, hemorragia,

    hemiplegia, convulso, ganho de peso, alteraes na personalidade) variando

    conforme a tcnica e a modalidade de cirurgia (SHAVITT et al., 2001; FERRO et

    al., 2007).

  • Introduo | 34

    Deve-se salientar que procedimentos cirrgicos tm indicao apenas em

    casos de refratariedade comprovada a mltiplos tratamentos farmacolgicos e

    tambm TCC, com extrema gravidade dos sintomas e prognstico (FERRO et al.,

    2007).

    At meados dos anos 80, a avaliao do tratamento do TOC era prejudicada

    pela inexistncia de uma escala de avaliao de sintomas de uso mais universal,

    com abrangncia dos vrios grupos de sintomas e respeito s normas psicomtricas.

    Muitas dessas dificuldades foram em parte sanadas a partir do desenvolvimento da

    Escala de Yale-Brown (YBOCS) por Goodman et al. (1989 apud ARAJO, 1998). A

    YBOCS foi rapidamente adotada como instrumento-padro na avaliao de

    resultados teraputicos nos ensaios clnicos, sendo hoje em dia o instrumento clnico

    mais amplamente utilizado para medir a intensidade dos sintomas.

    Sumarizando, os SOC caracterizam-se por pensamentos intrusivos e

    reverberantes, alm de comportamentos compulsivos e repetitivos, semelhana do

    que ocorre no TOC.

    Os pacientes do presente estudo no possuam diagnstico de TOC;

    apresentavam sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) semelhantes ao desse

    transtorno psiquitrico, sem, contudo, preencher os critrios para tal diagnstico.

    A relevncia social e cientfica se d uma vez que, da mesma maneira como

    ocorre com outros SCPD, possvel que os SOC nas demncias tambm levem a

    um maior desgaste do cuidador, maior morbidade, aumento do risco de

    institucionalizao precoce do paciente e tambm aumento do custo.

  • 2. OBJETIVOS

  • Objetivos | 36

    2.1 Objetivo principal Estudar a ocorrncia de sintomas obsessivo-compulsivos (SOC) em pacientes

    com demncia, acompanhados em um ambulatrio tercirio de hospital universitrio,

    por meio da aplicao de entrevista semi-estruturada aos pacientes e seus

    respectivos cuidadores.

    2.2 Objetivo secundrio Observar as conseqncias da ocorrncia de SOC sobre o paciente e o seu

    cuidador, em termos de sintomas psicolgicos e comportamentais, incluindo

    ansiosos, depressivos, carga e qualidade de vida.

  • 3. MTODOS

  • Mtodos | 38

    3.1 Delineamento do estudo Trata-se de um estudo transversal analtico de uma casustica ambulatorial,

    caracterizado por um nico tempo de coleta sob a forma entrevista face-a-face com

    o paciente e seu respectivo cuidador.

    3.2 Local

    O estudo foi realizado no Ambulatrio de Neurologia Comportamental

    (ANCP), no Ambulatrio de Doena de Alzheimer (ALZH), no Ambulatrio de

    Taupatias (ATAU) e no Ambulatrio de Distrbios do Movimento (AEXP), todos do

    Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (HCFMRP).

    O ANCP (local onde foi realizada a maior parte das avaliaes) foi criado em

    outubro de 1995, como um ambulatrio com funes de pesquisa, ensino e

    assistncia. O ANCP tinha uma extenso, o ALZH, iniciado em outubro de 2005 cuja

    funo era acompanhar pacientes com DA, especialmente sob prescrio de

    medicamentos especficos contemplados pelo Programa de Medicao de Alto

    Custo do SUS (Sistema nico de Sade). Em julho de 2008, com a sada do

    coordenador desses ambulatrios, o servio foi assumido pelo docente coordenador

    do AEXP, extinguindo-se o ALZH e implantando o ATAU.

    Inicialmente, a rotina de atendimento era a mesma para o ANCP e o ALZH,

    seguindo um protocolo padronizado. O Caso Novo era realizado em duas consultas

    de aproximadamente 50 minutos, feitas em semanas subseqentes: a primeira

    consulta para anamnese, exame fsico geral e exame neurolgico geral; a segunda

    consulta para o exame cognitivo-comportamental, realizado com base em um roteiro

    de testes elaborado para esse fim. A investigao laboratorial inclua exames

    hematolgicos, de neuroimagem e, eventualmente, EEG e lquor. As informaes

    eram anotadas em uma folha especfica do ANCP e os atendimentos eram

    supervisionados pelo coordenador do ambulatrio e apresentados na reunio clnica

    subseqente ao ambulatrio para o grupo multidisciplinar.

  • Mtodos | 39

    Atualmente a consulta inicial no ANCP, denominada Caso Novo, continua

    sendo realizado em 2 atendimentos, feitos em semanas subseqentes, mas o

    protocolo mudou. Na primeira consulta, realizada por um neurologista, feita

    anamnese, exame fsico geral, aplicado o protocolo de avaliao cognitiva e

    solicitado os exames laboratoriais, hematolgicos, de neuroimagem. Na segunda

    consulta, uma neuropsicloga aplica uma escala de avaliao de demncia e uma

    psiquiatra faz uma avaliao com escalas pr-definidas. A reunio clnica realizada

    previamente ao ambulatrio e os casos so supervisionados subseqentes ao

    atendimento, oferecendo um feedback imediato ao paciente.

    Um estudo realizado sobre as caractersticas clnicas e demogrficas de

    pacientes com demncia atendidos em um ambulatrio tercirio demonstrou dados

    similares a outros estudos prvios. Os pacientes eram na maioria do sexo

    masculino, de cor branca, procedncia local (e da zona urbana), nenhum

    trabalhando, residiam com familiares, tinham baixa escolaridade e a maioria

    apresentava, concomitante aos distrbios cognitivos, transtornos neurolgico-

    psiquitricos no etiolgicos, destacando-se alcoolismo e depresso, e doenas no

    neurolgicas/psiquitricas, destacando-se hipertenso, cardiopatia e diabetes

    (VALE; MIRANDA, 2002).

    3.3 Amostra

    Demncia foi definida operacionalmente, com base na CID-10 (1994) e no

    DSM-IV (1994), como uma sndrome caracterizada por um declnio nas funes

    cognitivas comparado a um nvel prvio da pessoa, afetando pelo menos dois

    domnios cognitivos, incluindo distrbio da memria, geralmente associado a

    sintomas comportamentais e psicolgicos e com intensidade e/ou durao

    suficientes para prejudicarem a funo social e ocupacional. Para as anlises

    comparativas nesse estudo, foram tomados os tipos mais freqentes de demncia,

    diagnosticadas de acordo com os respectivos critrios clnicos internacionalmente

    aceitos: DA puro (MCKHANN et al., 1984), DV tipo Binswanger (ROMN, 1987),

    DFT (THE LUND MANCHESTER GROUPS, 1994), DCL (MCKEITH et al., 2005), e

  • Mtodos | 40

    DDP (EMRE, 2004). Os pacientes com DCL e DDP foram analisados conjuntamente

    em um grupo denominado DSin.

    Foram avaliados 84 pacientes com diagnstico de demncia (DA, DV, DFT e

    DSin). Os pacientes foram tomados aleatoriamente, seguindo as consultas

    previamente agendadas no ambulatrio, sendo a entrevista aplicada no mesmo dia

    da consulta mdica. Foram avaliados tambm os cuidadores/familiares desses

    pacientes, num total de 75 acompanhantes. Foram, portanto, avaliadas 159

    indivduos.

    Critrios de incluso:

    paciente em acompanhamento ambulatorial regular;

    diagnstico de demncia;

    estagiamento clnico da demncia (CDR) igual a 0,5; 1 ou 2 (considerado

    como leve a moderada);

    ter acompanhante que conhecesse suficientemente o paciente para fornecer

    as informaes do protocolo de pesquisa.

    Critrios de excluso:

    recusa em assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE

    ANEXO A);

    estagiamento clnico da demncia (CDR) igual a 3 (considerada como grave);

    dificuldades sensoriais do paciente que impossibilitassem a sua avaliao;

    ausncia de acompanhante ou acompanhante que no conhecesse suficiente

    mente o paciente.

    3.4 Materiais

    Foram utilizados papel sulfite, caneta esferogrfica, tonner para impresso,

    alm de uma sala equipada com mesa e cadeira para a realizao das avaliaes.

    Esse tipo de material j fazia parte do oramento previsto de gastos com os

    ambulatrios envolvidos no estudo.

  • Mtodos | 41

    3.5 Instrumentos

    A entrevista contou com a aplicao dos seguintes instrumentos: questionrio

    de informaes pessoais do paciente e de seu cuidador (ANEXO B), da escala Yale-

    Brown de Sintomas Obsessivo-Compulsivos (YBOCS ANEXO C), Escala Global

    de 15 pontos de Obsesses e Compulses do Instituto Nacional de Sade Mental

    dos Estados Unidos da Amrica (NIMH-OC ANEXO D), Inventrio

    Neuropsiquitrico (INP - ANEXO E), Escala de Ansiedade e Depresso (HAD

    ANEXO F), Inventrio de sobrecarga de Zarit (ISZ - ANEXO G) Escala de Qualidade

    de Vida do cuidador sobre si mesmo (EQV - ANEXO H).

    Questionrio de informaes pessoais do paciente e de seu cuidador.

    Esse questionrio compunha a folha de rosto do protocolo de avaliao, onde

    eram anotadas as seguintes informaes:

    nome do paciente, nmero do registro no pronturio hospitalar, idade, sexo,

    escolaridade, procedncia, se possua ou no filhos, diagnstico, CDR,

    MEEM, estado civil, profisso, ocupao, comorbidades e medicaes em

    uso.

    nome do acompanhante, sua idade, escolaridade, sexo, relao com o

    paciente, se moram juntos ou no, quantidade de cuidados fornecidos.

    Profisso foi categorizada em administrador, agricultor, comercirio

    assalariado, do lar, empresrio, profissional liberal, trabalhador tcnico assalariado,

    trabalhador braal assalariado, trabalhador informal assalariado, profissional nvel

    superior assalariado, outra. Ocupao foi categorizada em ativo, aposentado,

    afastado, desempregado, outra.

    Comorbidades e medicaes em uso regular foram obtidas a partir de um

    levantamento feito segundo os registros no pronturio mdico do paciente.

    YBOCS (Escala Yale-Brown de Sintomas Obsessivo-Compulsivos)

    A YBOCS foi construda por Goodman et al. (1989 apud ARAJO, 1998),

    como uma medida de gravidade especfica para SOC, sendo posteriormente

    traduzida para o portugus por Asbahr et al., 1992 (apud ASBAHR, 1998).

  • Mtodos | 42

    Foi feita de modo a no ser influenciada pelo nmero de obsesses e

    compulses eventualmente presentes no quadro clnico. So no total 73 sintomas,

    sendo 43 sintomas obsessivos e 30 compulsivos. O sintomas obsessivos so

    agrupados em 08 categorias (Obsesses de Agresso, Obsesses de Contaminao,

    Obsesses Sexuais, Colecionismo/Guardar Objetos Inteis, Obsesses Religiosas,

    Obsesses com necessidade de Simetria/Exatido, Obsesses Diversas, Obsesses

    Somticas). Os sintomas compulsivos so agrupados em 7 categorias (Compulses de

    Limpeza/Lavagem, Compulses de Verificao, Rituais de Repetio, Compulses de

    Contagem, Compulses de Ordenao/Arranjo, Compulses de Colecionismo/Acmulo

    de Objetos, Compulses Diversas).

    A escala composta por duas partes. A primeira define o que so obsesses

    e compulses, e posteriormente identifica os sintomas-alvo. Na segunda parte, tanto

    as obsesses quanto as compulses so avaliadas quanto presena, freqncia,

    interferncia com funcionamento, desconforto subjetivo, resistncia e autocontrole

    sobre o sintoma (ARAJO, 1998; ASBAHR, 1998).

    Para o presente estudo foi aplicada somente a primeira parte, a que define e

    quantifica os SOC, uma vez que a segunda parte, por destinar-se a avaliar medidas

    relativas interferncia, sofrimento, tempo gasto, lentificao e resistncia aos

    sintomas, dificulta ao observador respond-la. Essa constatao foi feita aps a

    reflexo da avaliao dos primeiros 10 pacientes.

    A aplicao foi feita semelhante ao que ocorre na aplicao com crianas, em

    que as informaes so colhidas com os pacientes infantis e seus pais (ASBAHR,

    1998). Foi adaptada a coleta para os pacientes demenciados, utilizando-se

    informaes fornecidas pelos cuidadores, consideradas mais fidedignas devido ao

    dficit cognitivo do paciente, ocasionado pelo quadro demencial.

    Uma das vantagens da escala permitir a avaliao dos efeitos do tratamento

    sobre obsesses e compulses separadamente. Estudos de suas propriedades

    psicomtricas sugerem que a escala YBOCS um instrumento de alta validade e

    confiabilidade para ser aplicada a pacientes com TOC (ARAJO, 1998; ASBAHR,

    1998).

  • Mtodos | 43

    NIMH-OC (Escala Global de 15 pontos de Obsesses e Compulses do Instituto

    Nacional de Sade Mental dos Estados Unidos da Amrica)

    Outra escala utilizada a NIMH-OC, desenvolvida por Murph et al. em 1982 e

    traduzida por Asbahr et al. em 1993 (apud ASHBAR, 1998). Trata-se de uma

    subescala da NIMH-Global Scale.

    A NIMH-OC, escala proposta para avaliar a gravidade do estado clnico do

    paciente com TOC, tem sido utilizada em larga escala em ensaios clnicos com

    psicofrmacos, principalmente como medida secundria ou complementar na

    avaliao de tratamento de TOC. composta por um nico item que avalia numa

    escala categorizada, sendo 1-3 sintomas leves, dentro dos limites da normalidade; 4-

    6 comportamento obsessivo-compulsivo subclnico; 7-9 comportamento obsessivo-

    compulsivo clnico; 10-12 comportamento obsessivo-compulsivo intenso; 13-15

    comportamento obsessivo-compulsivo muito intenso. Escore acima de 6 tido como

    evidncia significativa da presena de TOC (ARAJO, 1998).

    Ainda no existem testes psicomtricos formais da escala, mas estudos

    realizados at o momento evidenciam boa confiabilidade, validade e sensibilidade

    mudana nos SOC para essa escala (ARAJO, 1998; ASBAHR, 1998).

    INP (Inventrio Neuropsiquitrico)

    O INP, desenvolvido por Cummings em 1994, um inventrio realizado com o

    cuidador e tem como objetivo obter informaes quanto presena de

    psicopatologia em pacientes com doenas cerebrais, onde as respostas devem

    referir mudanas no comportamento do paciente surgidas aps a doena. Composto

    por 91 sintomas auxiliares, utilizado como rastreamento dos 12 domnios

    seguintes: delrios, alucinaes, agitao/agresso, depresso/disforia, ansiedade,

    elao/euforia, apatia/indiferena, desinibio, irritao/labilidade, comportamento

    motor aberrante, sono, apetite/alterao alimentar. Abrange presena/ausncia do

    sintoma, freqncia, intensidade e desgaste do cuidador, com escore de 1 a 12, num

    total mximo de 144. Quanto maior o escore final, mais comprometido se encontra o

    paciente (CUMMINGS et al., 1994).

    EQV (Escala de Qualidade de Vida)

    A EQV uma escala proposta por Logsdon em 1999 e validada no Brasil por

    Novelli et al. em 2005. A EQV possui 3 subescalas: o paciente em sua auto-

    avaliao; o cuidador na avaliao do paciente; o cuidador em sua auto-avaliao.

  • Mtodos | 44

    Devido extensa bateria de avaliao, foi feita uma escolha metodolgica

    onde optou-se por utilizar somente a subescala onde o cuidador auto-avalia sua

    qualidade de vida. Essa escolha metodolgica foi feita levando em considerao

    que a subescala em que o paciente se auto-avalia h pouca confiabilidade no

    julgamento do paciente e que na subescala onde o cuidador avalia a qualidade de

    vida do paciente h um aspecto muito interpretativo por parte do cuidador.

    A subescala Cuidador avalia sobre si mesmo um instrumento com 13 itens

    que podem ser classificados segundo importncia (muito, razovel, nada) e situao

    atual (ruim, regular, bom, excelente) e quantificada em um escore de 1 a 4, sendo 1

    classificado como ruim e 4 como excelente, sendo o escore total mnimo de 13 e

    mximo de 52. Quanto maior o escore total, melhor a qualidade de vida do avaliado

    (NOVELLI et al., 2005).

    ISZ (Inventrio de sobrecarga de Zarit)

    A ISZ foi desenvolvida por Zarit e et al. em 1985 e validada no Brasil por

    Scazufca em 2004, sendo um dos instrumentos mais utilizados em cuidadores de

    pacientes idosos com demncia. Foi adaptado para diversas lnguas, mostrando um

    desempenho similar verso original em ingls. um instrumento com 22 itens que

    objetiva acessar a carga para o cuidador associada desabilidade comportamental

    e funcional em situaes domsticas. Os itens abrangem reas como: sade fsica e

    mental, vida social e pessoal, situao financeira e relacionamento interpessoal. A

    escala feita para ser auto-aplicada, mas tambm pode ser aplicada por um

    entrevistador. Cada item da escala pode ser pontuado de 0 a 4, sendo 0=nunca, 1=

    um pouco, 2= de vez em quando, 3=quase sempre e 4=sempre. O escore total pode

    variar de 0 a 88, sendo que quanto maior o escore, maior a carga (SCAZUFCA,

    2002; TAUB; ANDREOLLI; BERTOLUCCI, 2004).

    HAD (Escala de Ansiedade e Depresso)

    O HAD elaborada por Zigmond & Snaith em 1983 e validada no Brasil por

    Botega et al. em 1995, avalia ansiedade e depresso sem recorrer a itens contendo

    sintomas vegetativos (por ex., sono, apetite, alterao do peso e sintomas

    psicomotores), sendo muito utilizado para avaliar transtornos do humor em pacientes

    com doenas fsicas.

  • Mtodos | 45

    A escala contm 14 questes de mltipla escolha, intercalando 7 itens para a

    subescala de depresso e 7 para a subescala de ansiedade. A pontuao global em

    cada subescala varia de 0 a 21, sendo que escore de 0 considerado como sem

    sintomas, 1-7 como leve, 8-14 como moderada e 15-21 como grave. Portanto,

    quanto maior a pontuao final, mais grave os sintomas.

    A HAD uma escala que pode ter seu escore categorizado em 4 grupos: sem

    sintomas, sintomas leves, sintomas moderados e sintomas graves . Foi desenvolvida

    para ser aplicada a pacientes de servios no psiquitricos de hospital geral

    (BOTEGA et al., 1999).

    Tem como caractersticas os conceitos de depresso e ansiedade separados;

    curta, podendo ser rapidamente preenchida e destina-se a detectar graus leves de

    transtornos afetivos em ambientes no psiquitricos. A subescala para ansiedade

    tem sensibilidade de 93,7% e especificidade de 72,6%, enquanto que a subescala

    para depresso tem sensibilidade de 84,6% e especificidade de 90,3% (BOTEGA,

    1995).

    3.6 Procedimentos para coleta dos dados

    Os pacientes e cuidadores foram informados e esclarecidos pela

    pesquisadora a respeito dos procedimentos e de sua livre escolha em participar da

    pesquisa, expressando sua concordncia espontnea ao assinar o TCLE (ANEXO

    A).

    A entrevista foi aplicada pela pesquisadora ao paciente e ao cuidador,

    abordando tanto as respostas aos itens objetivos da entrevista quanto os relatos

    espontneos de sintomas. Essa entrevista contou com a aplicao de um

    questionrio a respeito e dados do paciente e de seu cuidador, alm das escalas

    YBOCS, NIMH-OC, INP, EQV, ISZ e HAD.

    Inicialmente foram abordados o paciente e o cuidador quanto s escalas que

    avaliam SOC (YBOCS e NIMH-OC), entendendo que ambos poderiam colaborar

    nesse momento. Em seguida foi abordado somente o cuidador, para que o mesmo

    relatasse sobre os possveis sintomas neuropsiquitricos do paciente (INP), seguido

  • Mtodos | 46

    por questes que abrangiam as possveis conseqncias da ocorrncia de SOC e

    distrbios emocionais do paciente sobre seu cuidador (EQV, ISZ e HAD).

    Foi feito um estudo piloto com os primeiros 10 casos. Esse estudo evidenciou

    a dificuldade de aplicao da segunda parte do YBOCS, que avalia medidas

    relativas interferncia, sofrimento, tempo gasto, alentecimento e resistncia aos

    sintomas. Esse tipo de medida subjetiva dificulta ao observador respond-la.

    Portanto, para o presente estudo foi aplicada somente a primeira parte desse

    instrumento.

    3.7 Procedimentos ticos

    O presente estudo, Sintomas obsessivo-compulsivos nas demncias foi

    submetido e aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa (CEP) do Hospital das

    Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo

    (HCFMRP-USP), de acordo com o Processo HCRP N. 10348/2007 (ANEXO I).

    Os indivduos que preencheram os critrios para participao no estudo

    foram, ento, convidados, sendo sua participao voluntria. Foi-lhes assegurado,

    no momento do convite, que caso eles (paciente e cuidador) no quisessem

    participar, tal deciso no traria nenhum tipo de prejuzo a eles, bem como foi

    assegurada total liberdade para retirarem seu consentimento a qualquer momento

    no transcorrer da pesquisa e deixar de participar do estudo.

    Para todos os voluntrios foi lido o TCLE (ANEXO A), fornecendo-lhes

    informaes sobre a justificativa, objetivos, procedimentos, riscos e benefcios do

    estudo ao qual esto sendo convidados a participar. Somente foram aceitos no

    estudo, voluntrios que assinaram o termo de consentimento informado.

    A todos os voluntrios foi garantido o direito de receber informaes e

    esclarecimentos a respeito de qualquer dvida que surgisse no transcorrer do

    procedimento e informao atualizada sobre o estudo, ainda que isto pudesse afetar

    sua vontade de continuar participando do estudo. Da mesma forma, foi garantida a

    segurana de no serem identificados, bem como de que todas as informaes

    fornecidas por eles seriam mantidas sob carter confidencial.

  • Mtodos | 47

    3.8 Apoio financeiro

    Este trabalho contou com o apoio financeiro do Conselho Nacional de

    Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), atravs da concesso da bolsa

    de mestrado para a pesquisadora (processo n. 130544/2008-6).

    3.9 Anlise estatstica

    O banco de dados foi digitado sob a forma de planilhas do aplicativo Microsoft

    Excel e depois exportado para o programa Statistical Analysis Software

    (SAS/STAT, 2002-2003) verso 9, e tambm para o Statistical Package for the

    Social Sciences (SPSS, 2007), verso 16.0, no quais foram realizadas as anlises

    estatsticas. Os dados foram divididos em 4 subgrupos, segundo o tipo de demncia

    apresentada (DA, DV, DFT, DSin).

    No processo de anlise dos resultados, primeiramente foi realizada a

    estatstica descritiva dos dados relativos s variveis scio-demogrficas (do

    paciente e seu cuidador), tais como idade do paciente, sexo, escolaridade,

    procedncia, se possua ou no filhos, diagnstico, CDR, MEEM, estado civil,

    profisso, ocupao, comorbidades, medicaes em uso, idade do acompanhante,

    escolaridade, sexo, relao com o paciente, se moram juntos ou no, percentual de

    cuidados fornecido. Tambm, foram feitas as descries dos testes YBOCS, NIMH-

    OC, INP, QV, ISZ e HAD.

    Na anlise de correlaes, foi utilizado o teste de correlao de Spearman,

    uma medida de avaliao no-paramtrica que mede a intensidade da relao entre

    variveis ordinais usando, em vez do valor observado, apenas a ordem das

    observaes. Foram consideradas as seguintes categorias para significncia dos

    dados: coeficiente de 0.00 a 0,20: correlao nula; coeficiente de 0.21 a 0,40: fraca;

    coeficiente de 0.41 a 0,60: moderada; coeficiente de 0.61 a 0,80: forte; coeficiente

    de 0.81 a 1,00: muito forte. Estabeleceu-se o nvel de significncia mnimo de 5 % (p

    < 0,05) para as comparaes entre os grupos (PAGANO; GAUVREAU, 2004).

  • 4. RESULTADOS

  • Resultados | 49

    4.1 Caracterizao da amostra

    Participaram do estudo 84 pacientes e 75 cuidadores. Sendo, portanto,

    avaliados 159 indivduos. Os dados foram divididos em 4 subgrupos, segundo o tipo

    de demncia apresentado pelos pacientes, sendo: 40 pacientes com DA e 37

    cuidadores, 13 pacientes com DV e 11 cuidadores, 11 pacientes com DFT e 10

    cuidadores, 20 pacientes com DSin e 17 cuidadores.

    A tabela 1 demonstra alguns dados demogrficos da amostra, de acordo com

    cada subgrupo, em freqncia (porcentagem) ou mdia desvio padro.

    Tabela 1: Dados demogrficos em cada grupo de demncia.

    Variveis DA DV DFT DSin Idade pacientes anos (MDP) 73,079,48 67,638,32 58,189,11 72,208,13 Variao da idade em anos 52 - 89 61 - 82 47 - 78 50 - 86 % pacientes sexo masculino 32,50 76,92 54,54 65,00 Escolaridade pacientes anos (MDP) 3,984,21 4,544,41 4,914,23 4,854,09 Variao da escolaridade em anos 0 - 15 0 - 15 0 - 15 0 -15 % pacientes que tenham filho 95,00 84,62 81,82 95,00 MEEM paciente (MDP) 16,312,83 17,504,56 16,224,35 19,405,35 Idade cuidador anos (MDP) 52,2811,06 49,1713,11 48,313,09 51,6012,56 Variao da idade em anos 27 - 71 25 - 67 32 - 75 21 - 68 Escolaridade cuidadores anos (MDP) 7,154,41 6,53,55 6,85,65 8,305,74 Variao da escolaridade em anos 0 - 16 2 - 11 0 - 16 0 - 20 % cuidadores sexo feminino 82,05 84,61 90,90 90,00 % cuidadores residindo com paciente 56,41 76,92 72,72 70,00

    DA = doena de Alzheimer; DV = demncia vascular tipo Binswanger; DFT = demncia frontotemporal; DSin = demncias com sinucleinopatias; MEEM = Mini-Exame do Estado Mental; CDR = estagiamento clnico da demncia; M = mdia; DV = desvio padro.

    O CDR variou entre os grupos demenciais. Na DA houve uma predominncia

    de CDR 1 (50,00%) ou CDR 2 (37,57%); na DV a maioria dos pacientes foi

    estagiada como CDR 1 (66,67%) ou CDR 2 (25,00%); na DFT a maioria se

    encontrava na categoria 2 (72,72%) ou 1 (18,18%), enquanto que nas DSinucl a

    maioria dos pacientes foi avaliada como CDR 0,5 (45,00%) ou 1 (30,00%).

    Quanto procedncia, os dados foram categorizados em local (cidade de

    Ribeiro Preto), cidades distantes at 100 km de Ribeiro Preto e cidades distantes

    a mais de 100 Km de Ribeiro Preto. A maioria dos indivduos era procedente de

    cidades distantes at 100 km de Ribeiro Preto, sendo 66,70% na DA, 69,23% na

    DV, 54,54% na DFT, 70,00% nas DSin.

  • Resultados | 50

    Em relao ao estado civil, 57,50% dos pacientes eram casados e 32,50%

    vivos na DA, 76,92% casados e 0% vivos na DV, 63,63% casados e 18,18%

    vivos na DFT, 55,00% casados e 25,00% vivos nas DSin.

    Quanto profisso, na DA 30,00% encontrava-se na categoria trabalhador do

    lar, 22,50% era trabalhador braal assalariado e 15,00% trabalhador tcnico

    assalariado. Na DV, 38,46% era trabalhador braal assalariado, 23,08% era

    profissional liberal e 15,38% era trabalhador informal assalariado. Na DFT, 27,27%

    era profissional do lar e outros 27,27% trabalhador braal assalariado. J Nas DSin,

    35,00% era trabalhador braal assalariado, 20,00% era profissional do lar e 20,00%

    era trabalhador tcnico assalariado.

    Com relao ocupao, a maioria dos pacientes encontrava-se aposentada,

    62,50% na DA, 76,92% na DV, 54,54% na DFT, 85,00% nas DSin.

    A maioria dos cuidadores era filho/filha (50,00% na DA, 23,07% na DV,

    27,27% na DFT, 60,00% nas DSin) ou cnjuge (30,00% na DA, 45,15% na DV,

    45,45% na