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MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA Transplante peniano – Uma alternativa viável ou uma cirurgia reprovável? Rui Manuel da Rocha Bernardino M 2018

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MESTRADO INTEGRADO EM MEDICINA

Transplante peniano – Uma alternativa viável ou uma cirurgia reprovável?

Rui Manuel da Rocha Bernardino

M 2018

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Transplante peniano – Uma alternativa viável ou uma cirurgia reprovável?

Rui Manuel da Rocha Bernardino [email protected] / [email protected]

Mestrado Integrado em Medicina

Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Universidade do Porto

Orientado por

Dr. Nuno Rossano Monteiro Louro

Professor Assistente Convidado no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Assistente no Centro Hospitalar do Porto

Porto, Maio de 2018

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Transplante peniano – Uma alternativa viável ou uma cirurgia reprovável?

Mestrado Integrado em Medicina

Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar

Universidade do Porto

O estudante:

O orientador:

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RESUMO

Introdução

O aumento no interesse pelo transplante peniano tem levado à maior produção científica

nos últimos anos sobre este tema tendo os primeiros transplantes bem sucedidos

surgido nos últimos anos. Esse aumento da produção científica justifica-se por um maior

número de doentes que beneficiariam deste tipo de cirurgias. De facto, embora as

vítimas de cancro peniano ou trauma em circunstâncias do dia-a-dia se tenham mantido

em valores estáveis, o número de doentes com lesões traumáticas génito-urinárias

graves em contexto de guerra tem aumentado significativamente ao longo dos últimos

anos. Os melhores cuidados médicos prestados em situações graves na frente de

batalha, tem levado a que um número cada vez maior destes profissionais (muitas vezes

jovens) sobreviva a lesões que, até há poucos anos, levariam à sua morte no local. Dado

que as técnicas atuais não oferecem soluções satisfatórias, a incidência das lesões tem

dado um impulso ao desenvolvimento do transplante peniano.

Objetivos

Neste contexto, torna-se útil uma revisão bibliográfica sobre o tema que sintetize não só

algumas considerações cirúrgicas e critérios de seleção de doentes que possam

beneficiar desta técnica, mas também as considerações éticas que o tema suscita.

Métodos

Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados da PubMed®, British Medical Journal®,

BioMed Search® e Science Direct® com os termos “Penile Transplantation” incidindo

preferencialmente nos artigos publicados nos últimos 10 anos que tenham o texto total

disponível online. Foram obtidos 3600 resultados. Destes foram lidos 101 abstracts

culminando na seleção de 73 artigos. Foi também consultada a bibliografia que deu

base aos artigos selecionados. Como enquadramento ao assunto abordado foram

pesquisados os termos “penile elongation”, “penile replantation”, “phalloplasty”, “gender

disphoria”, “male-to-female surgery”, “transsexual epidemiology” e “corticosteroids

psychiatric effects”.

Resultados

Cinco procedimentos foram já realizados, 4 dos quais com resultados positivos. O tema

está ainda envolto em bastante polémica com problemas éticos importantes que ainda

não têm resposta concreta e problemas legais que necessitam ser legislados. A nível

do procedimento alguns estudos providenciam a informação necessária à realização da

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cirurgia embora a experiência seja ainda reduzida. A pesquisa sobre regimes de

imunossupressão específicos para esta cirurgia está a ser conduzida em tecidos

humanos in vitro mas ainda se encontra numa fase inicial.

Conclusão

Sendo este procedimento a solução para situações atualmente incorrigíveis ou uma

solução melhor que as atuais, existe um grande interesse no seu desenvolvimento.

Embora seja necessária mais pesquisa pré-clínica para assegurar a segurança e o

melhor tratamento possível, os primeiros relatos de cirurgias realizadas mostram que o

procedimento pode ser uma solução mais frequente num futuro próximo.

Palavras-chave: Penile transplantation; Transplantation; Genitalia, Male; Allografts;

Penis surgery; Humans

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ABSTRACT

Introduction

The rise of interest in penile transplantation has led to an increase in the scientific

production resulting in the first successful penile transplants emerging in recent years.

The justification for that increment lays primarily on the growing number of patients that

would benefit from this type of surgery. In fact, even though the number of penile cancers

or trauma in day-to-day situations has been relatively stable, the number of patients with

severe traumatic injuries happening on battlefield scenarios has been increasing over

the past few years. The development of medical care on that kind of scenario has

improved the outcomes, increasing the survival rates of patients with lesions that would

otherwise be lethal.

Since current techniques can’t offer an acceptable solution, the increase of incidence of

these lesions has given impetus to the development of penile transplantation.

Goals

In this context, a bibliographic review of the literature that synthesizes not only some

surgical considerations and patient selection criteria but also the ethical considerations

that the topic raises becomes useful.

Methods

A search was conducted in the databases of PubMed®, British Medical Journal®, BioMed

Search® and Science Direct® using the terms "Penile Transplantation". Special interest

has been given to the articles published in the last 10 years that have the full text

available. 3600 articles were found. Of these 101 abstracts were read culminating on the

selection of 73 articles. The bibliography that was used in the selected articles was also

consulted. To give proper contextualization to the subject the terms "penile elongation",

"penile replantation", "phalloplasty", “gender disphoria”, “male-to-female surgery”,

“transsexual epidemiology” and “corticosteroids psychiatric effects” were also searched.

Results

Five procedures have already been performed, 4 of which having a positive outcome.

This issue is still enveloped in controversy with important ethical problems that haven’t

been answered and legal issues that need to be legislated. Some studies provide the

necessary information to perform the surgery even though there’s still lack of experience

perfoming the procedure. Research on specific immunossupressive regimen for this

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surgery is being conducted in in vitro human tissues even though results are presently

at an early stage.

Conclusion

Given that this procedure may be the solution for situations that currently have no answer

or may be a better solution than what can currently be offered to these patients, there’s

a lot of interest on the development of this surgery. Even though more preclinical

research is needed to ensure safety and the best possible treatment, early reports of

surgeries show that the procedure may be a common solution in the near future.

Keywords: Penile transplantation; Transplantation; Genitalia, Male; Allografts; Penis

surgery; Humans

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LISTA DE ABREVIATURAS

CTA - Composite tissue allotransplantation - Alotransplante de tecidos compostos

EUA – Estados Unidos da América

HLA - Human leukocyte antigen / Antigénio leucocitário humano

MHC - Major histocompatibility complex / Complexo principal de histocompatibilidade

UNOS - The United Network for Organ Sharing

VCA - Vascularized Composite Allotransplantation

VIH - Vírus da imunodeficiência humana

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ÍNDICE

RESUMO ......................................................................................................................... i ABSTRACT .................................................................................................................... iii LISTA DE ABREVIATURAS .......................................................................................... v

LISTA DE TABELAS .................................................................................................... vii INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 1

OBJETIVOS ................................................................................................................... 2

METODOLOGIA ............................................................................................................. 3

RESULTADOS/DISCUSSÃO ......................................................................................... 4

Impacto físico e psicológico das lesões penianas ................................................ 4

Abordagem atual das lesões penianas graves ...................................................... 5

Transplante peniano como alternativa ................................................................... 7

Dados experimentais pré-clínicos ........................................................................... 8

Dados clínicos - casos publicados de transplante peniano ................................. 9

Questões éticas ....................................................................................................... 10

Indicações e critérios de seleção .......................................................................... 12

Cancro do pénis .................................................................................................... 14

Transexuais ........................................................................................................... 15

Técnica cirúrgica ..................................................................................................... 16

Imunossupressão e rejeição .................................................................................. 19

Complicações a curto, médio e longo prazo ........................................................ 22

Terapêutica anti-infeciosa ..................................................................................... 23

Tromboprofilaxia .................................................................................................... 23

Função erétil .......................................................................................................... 23

Complicações uretrais ........................................................................................... 24

Complicações psicológicas ................................................................................... 24

Custos de um programa de transplante peniano ................................................ 26

Implementação de um programa de transplante de pénis .................................. 26

Opções futuras para reconstrução peniana ......................................................... 27

CONCLUSÕES ............................................................................................................ 28

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 29

ANEXOS ....................................................................................................................... 34

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LISTA DE TABELAS

Tabela I - Critérios de classificação de transplante como VCA .................................... 34 Tabela II - Critérios de seleção de doentes .................................................................. 35 Tabela III - Inconvenientes mais relevantes associados à utilização de VCA .............. 36

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INTRODUÇÃO

A transplantação como conceito data desde há milhares de anos,1 mas apenas no

século XX se deu início às primeiras experiências médicas que, irremediavelmente,

tiveram desfechos fatídicos (para o recetor e para o enxerto) até ao desenvolvimento da

imunossupressão medicamentosa.2

Na década de 60, a azatioprina em conjunto com os corticoides foram o primeiro regime

eficaz.3 O aprofundamento de conhecimentos sobre o MHC (Major Histocompatibility

Complex) e HLA (Human Leukocyte Antigens) associado ao desenvolvimento dos

inibidores da calcineurina nos anos 80 permitiu, por fim, uma melhor compreensão dos

problemas associados à transplantação e como evitá-los, contribuindo assim para uma

progressiva melhoria da sobrevida destes doentes e dos seus enxertos.4 No que

respeita ao pénis os desenvolvimentos têm sido mais lentos, o que provavelmente se

deve às questões éticas associadas. Embora os primeiros relatos de replantação do

pénis após avulsão traumática datem de 1929,5 a verdade é que a técnica na altura não

repunha toda a função que a lesão tinha provocado. Não há registo de casos com

anastomoses neurovasculares até 1976, uma evolução técnica que muito contribuiu

para melhorias dos resultados a longo prazo.6

Avançamos 30 anos até ao registo do primeiro transplante peniano humano realizado

na China em 2006.7 Esta primeira experiência mostra-nos a importância da seleção de

recetores e do seu acompanhamento psicológico pós transplante visto que, por

influência da esposa, o recetor pediu a remoção do enxerto cerca de duas semanas

após a cirurgia.7

Embora esse primeiro exemplo não tenha tido o resultado pretendido a longo prazo, a

verdade é que existe uma pressão cada vez maior para o aparecimento de soluções

para doentes que sofram qualquer tipo de lesão peniana incapacitante, uma vez que,

embora a incidência de cancros ou de trauma no dia-a-dia se tenha mantido

razoavelmente constante, a incidência de lesões traumáticas em contexto de guerra tem

vindo a aumentar significativamente.8 Os melhores cuidados médicos prestados na

frente de batalha possibilitam a vida em situações que anteriormente teriam um

desfecho desastroso.9 Visto que grande parte destas lesões ocorre em doentes jovens

e frequentemente em contexto de guerra,9 podemos compreender que acarretam um

grande impacto no estado psicológico destes indivíduos que se veem assim limitados

de fruir da sua vida sexual na plenitude desde uma idade jovem.10

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Os novos materiais e técnicas conseguem em parte dar resposta ao aumento da

incidência deste tipo de lesões, no entanto, essas alternativas têm sérias limitações e

não substituem adequadamente todas as funções de um pénis nativo.

Embora os órgãos considerados vitais sejam habitualmente priorizados a nível de

transplantação, algo que não é aplicável ao pénis11, a importância sociocultural deste

órgão leva a que as lesões tenham um impacto muito significativo na qualidade de vida

do ser humano e na sua auto-valorização.12

O tema tem uma exposição mediática fácil que leva a que parte significativa dos

Urologistas nos Estados Unidos da América (EUA) tenham obtido informação sobre ele

exclusiva ou, maioritariamente, a partir da comunicação social e não de meios

científicos.13 A opinião destes especialistas era substancialmente alterada quando

confrontados com informação científica sobre o assunto e com testemunhos de doentes

com este tipo de lesões14 o que demonstra que urge uma necessidade de informação

simples e coesa sobre o transplante peniano. A falta de conhecimento social sobre este

assunto é também evidente mas, ainda assim, a opinião pública é em geral positiva

sendo que a maioria estaria disposta a doar os seus órgãos.15

OBJETIVOS

Este trabalho pretende fazer uma revisão bibliográfica sobre o transplante peniano

dando particular atenção às abordagens mais recentes. Não se pretende apenas

sintetizar uma série de considerações cirúrgicas sobre a intervenção, mas sim fazer

concomitantemente uma abordagem mais holística do tema, expondo as questões

éticas que têm vindo a ser levantadas, as situações em que esta intervenção pode

aparecer como solução, e os desenvolvimentos investigacionais que têm sido

realizados. Por último, será importante uma abordagem comparativa entre algumas das

propostas para critérios de seleção de doentes e dadores, de forma a tentar encontrar

pontos comuns que nos permitam sedimentar alguns conceitos base dessa tarefa.

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METODOLOGIA

Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados do PubMed®, British Medical Journal®,

BioMed Search® e Science Direct® com o termo “Penile Transplantation”. Deu-se

prioridade aos artigos dos últimos 10 anos tendo sido utilizados artigos mais antigos

sempre que a sua relevância o justificasse. A pesquisa na PubMed resultou na seguinte

expressão:

(("penis"[MeSH Terms] OR "penis"[All Fields] OR "penile"[All Fields]) AND

("transplantation"[Subheading] OR "transplantation"[All Fields] OR

"transplantation"[MeSH Terms])) AND ("loattrfull text"[sb] AND "2007/10/09"[PDat] :

"2017/10/05"[PDat] AND "humans"[MeSH Terms])

Foram inicialmente filtrados os artigos cujo título se mostrasse relevante ao trabalho em

questão sendo lidos os abstracts e selecionados os mais relevantes. Foram obtidos

3600 resultados sendo posteriormente selecionados 73 artigos. Foi também consultada

a bibliografia dos artigos selecionados.

Como enquadramento ao assunto abordado foram pesquisados os termos “penile

elongation”, “penile replantation”, “phalloplasty”, “gender disphoria”, “male-to-female

surgery”, “transsexual epidemiology” e “corticosteroids psychiatric effects”.

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RESULTADOS/DISCUSSÃO

A incidência de lesões por cancro ou trauma por circunstâncias do dia-a-dia manteve-

se relativamente constante ao longo das últimas décadas, com uma incidência de

cancro peniano a rondar um caso em cada 100.000 pessoas na Europa e valores

significativamente superiores em países subdesenvolvidos.16 25% dos casos de cancro

ocorrem em homens com menos de 50 anos de idade.17 Por outro lado, as lesões

traumáticas em frente de batalha têm aumentado consideravelmente, provavelmente

associadas aos melhores cuidados de saúde que permitem a sobrevivência de militares

com lesões que anteriormente seriam letais.9,18 Entre os militares americanos que

sofrem esse tipo de lesões, a incidência de lesões urogenitais aumentou de 7,2% em

2009 para 14% em 2011, principalmente devido à criação de patrulhas a pé e ao uso de

dispositivos explosivos improvisados implantados no solo.18,19 Entre 2001 e 2013 mais

de 1300 militares americanos do sexo masculino sofreram lesões deste tipo das quais

86 foram lesões peninas graves, tudo isto com uma idade média à data da lesão de 26

anos.20

Outro dos contextos em que estas lesões ocorrem frequentemente é em locais em que

existem hábitos culturais relacionados com circuncisão que muitas vezes é realizada em

más condições higienosanitárias. Um exemplo estudado é a África do Sul, país em que

a falta de condições durante estas tradições12 conduz a centenas de admissões

hospitalares todos os anos21, com a mortalidade dos admitidos a nível hospitalar de

9%.22

Há também interesse por parte da população transgénero visto que esta cirurgia poderia

pela primeira vez fornecer a mulheres com disforia de género um pénis biológico

funcionalmente capaz. A cirurgia poder-se-ia justificar nesse contexto com base no

direito à saúde (sexual).23

Impacto físico e psicológico das lesões penianas

As sequelas físicas destas lesões interferem a longo prazo com as funções urinária e

sexual, com possíveis implicações na fertilidade e na sexualidade que contribuem para

os problemas psicológicos associados. 24

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Sendo o pénis um órgão desde sempre ligado à masculinidade, este tipo de lesões tem

vastas implicações psicológicas. Talvez não menos importante é o impacto que a lesão

tem também nos parceiros sexuais destes doentes.25,26

Nos casos de cancro peniano, 50% dos doentes acabam por ter sintomatologia

psiquiátrica durante o tratamento, com diminuição do bem-estar geral em 37,5-40% e

diminuição da função sexual em 36%-67% dos casos.27 Nas lesões penianas em geral,

são frequentes os casos de stress pós-traumático e mesmo pensamentos suicidas.9,28

É também interessante verificar que embora a amputação total seja relativamente rara

mesmo em casos de cancro peniano, quanto mais radicais são as cirurgias piores são

os efeitos a nível de reinclusão em atividades sociais.29 Embora os efeitos psicológicos

no caso de lesões em cenários de guerra e de circuncisões rituais não sejam tão bem

conhecidos devido à falta de estudos,24 visto que esta população é em geral mais nova,8

consegue-se supor que os efeitos possam ser ainda superiores.

A impossibilidade de urinar de pé causa também um forte impacto30 (sendo por isso um

objetivo desde as primeiras cirurgias de reconstrução com retalhos livres radiais31) tendo

sido até um dos critérios que levou à seleção do doente no caso do transplante na

China32.

Questões culturais que serão abordadas mais adiante estão também implicadas nestas

consequências. Visto o pénis ser visto na cultura tradicional Chinesa como “fonte da

vida” e maior símbolo da masculinidade, o impacto destas lesões acaba por poder ser

ainda exacerbado pelos(as) companheiro(as) e até pelos pares do doente que, tendo

crenças semelhantes, salientam a importância da lesão, levando o doente a

reconsiderar o seu estatuto social e a lealdade da sua companheira.25

Abordagem atual das lesões penianas graves

Atualmente existem quatro opções para o tratamento deste tipo de lesões25:

reimplantação peniana, reconstrução peniana, alongamento peniano e transplante

peniano.

A reimplantação exige um tempo de isquemia limitado e só pode ser realizado nos casos

de lesão em que o tecido amputado está relativamente conservado. É habitualmente a

solução empregue em casos de trauma ou de mutilação resultando em satisfação dos

doentes em 91,6% dos casos. A sensibilidade é mantida em 68,4% dos doentes

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obtendo-se uma função urinária normal na quase totalidade (97,4%) e ereção normal

em 77,5%. Os melhores resultados são conseguidos com o maior número de

anastomoses nervosas possível e a anastomose da artéria superficial dorsal do pénis

embora um número muito elevado de anastomoses vasculares seja prejudicial pelo

aumento do tempo de isquemia do órgão durante o procedimento.33

A reconstrução é, atualmente, o método mais relevante. A combinação de técnicas

microcirúrgicas que permitem que se mantenha sensação tátil e função sexual, com

retalhos livres (predominantemente baseados na artéria radial) associados por fim a

próteses penianas, permite manter função sexual gratificante entre outras funções

fisiológicas penianas,34 com cerca de 80% dos indivíduos com retalhos associados a

próteses bem funcionantes a ter uma vida sexual ativa.34

O retalho livre baseado na artéria radial apresenta vantagens significativas quando

comparado com outras alternativas, sendo utilizado em cerca de 77,34% das

reconstruções.34 A pele é fina, flexível, relativamente sem pelos, mimetizando a pele

nativa do pénis. Os resultados são bastante positivos com 75-100% capazes de urinar

em pé e 97% satisfeitos com a estética do pénis. A anastomose nervosa que é possível

entre os nervos cutâneos mediais e laterais antebraquiais com as raízes nervosas dos

nervos dorsais penianos possibilitou um aumento da frequência de sensibilidade de 18%

para 75% dos casos e de orgasmo de 50% para 80%.34

As outras opções mais frequentes são o retalho livre peroneal e o retalho pediculado

anterolateral de coxa. O primeiro possibilita a utilização de um fragmento ósseo que

permite a criação de um pénis rígido (embora com a desvantagem de ser uma rigidez

fixa) e o segundo tem a vantagem de não necessitar de técnicas microcirúrgicas. Ambos

têm, no entanto, piores resultados estéticos e funcionais.34

Este tipo de técnicas reconstrutivas apresenta ainda outras limitações na sua

generalidade. Habitualmente são necessárias várias intervenções cirúrgicas até se

poder considerar o resultado como final, os resultados cosméticos nem sempre são

satisfatórios, e as expectativas dos doentes nem sempre são atingíveis.25,35

Além disso, visto este tipo de intervenções não possibilitar uma ereção fisiológica,34 é

necessário o uso de próteses de forma a obter o equivalente a uma função erétil. As

próteses são colocadas habitualmente cerca de 1 ano após a intervenção inicial de

forma a permitir a cicatrização dos tecidos e uma reinervação que permita ao indivíduo

a proteção do pénis.34 As próteses estão associadas a complicações frequentes com

uma taxa geral de complicações entre 25-40%, infeção em 10-20%, altas taxas de

reintervenção e de remoção da prótese.34 De entre as várias alternativas, as próteses

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insufláveis são as que conseguem melhores resultados, principalmente quando envoltas

com biomateriais de forma a tentar proteger da erosão dos tecidos circundantes.36

A utilização de retalhos osteocutâneos com rigidez inerente ao próprio retalho permite

penetrações embora os resultados variem entre serem semelhantes ou piores do que a

utilização de próteses artificiais.24,36

É necessário considerar também que, para um doente poder ser candidato à utilização

deste tipo de técnicas, necessita ter regiões suficientes com tecidos dadores para os

retalhos,37 algo que nem sempre acontece, principalmente nos casos de trauma em

situação de frente de batalha.37,38

As cirurgias de alongamento peniano empregam várias técnicas com objetivo de

aumentar o comprimento e espessura peniana. Tem também os seus pontos menos

positivos tal como o risco considerável de lesão neurovascular.39

Transplante peniano como alternativa

A cirurgia de transplante peniano enquadra-se dentro de um conjunto de cirurgias

denominadas de alotransplantes de tecido compostos vascularizados – do inglês

Vascularized Composite Allotransplantation (VCA).2 Os VCA surgiram nos últimos 20

anos como uma opção aceitável de tratamento para doentes com defeitos funcionais e

estéticos dando assim resposta a lesões traumáticas, deformidades congénitas, etc.40

Existem critérios para, de acordo com a United Network for Organ Sharing (UNOS),

classificar um transplante como um VCA (Tabela I)41.

Assim, o transplante peniano enquadra-se dentro da mesma classe que cirurgias como

o transplante de face, membros, parede abdominal, segmentos músculo-esqueléticos

(como parede torácica) e glândulas (p.e. paratiroide)15 pelo que necessita de uma

equipa multidisciplinar composta por cirurgiões reconstrutivos, cirurgiões de transplante,

anestesiologistas, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, especialistas em ética,

relações públicas, entre outros, sendo de particular importância a participação de

médicos com experiência na utilização de fármacos imunossupressores.42,43

Os objetivos do transplante peniano são em tudo semelhantes aos que se definem para

qualquer cirurgia de reconstrução ou reimplantação do mesmo órgão, visando

restabelecer a função normal do mesmo. Neste caso os objetivos seriam obter uma

uretra competente37 possibilitando a micção em pé26,40, a manutenção da sensibilidade

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tátil e erógena37,40 com função erétil preservada11,26,37,40, obter uma aparência cosmética

satisfatória26,40 e um regime de imunossupressão que mantenha o transplante viável a

longo prazo40. No fundo, trata-se de tentar melhorar a qualidade de vida do doente.11

Infelizmente, a falta de informação e de pesquisa a nível ético, imunológico e anatómico,

com poucos testes in vitro, animal ou em cadáver é ainda um problema para este tipo

de cirurgias levando a que muitos urologistas ainda encarem o procedimento com mais

relutância que outros transplantes mais antigos.14

Dados experimentais pré-clínicos

Muitos estudos atuais são baseados em roedores ou, ocasionalmente em cães. Embora

se possam extrapolar algumas conclusões através desses estudos, impera chegar a

conclusões a partir de estudos em tecidos humanos, visto que nenhum modelo animal

representa fielmente o pénis humano ou a sua fisiologia, nomeadamente a componente

erétil.40

Um estudo em cães mostrou que caso não se realizasse a anastomose das artérias

pudendas externas, havia uma taxa de necrose significativamente maior na pele que

recobre o corpo peniano.44 Na sequência desse estudo foi realizado um estudo em

cadáver que verificou que as mesmas conclusões poderiam ser generalizadas para o

homem.45

São necessários estudos em cadáver para preparar corretamente as equipas para as

variantes anatómicas com que se podem apresentar as estruturas penianas, algo que é

relevante visto que as possibilidades de anastomose se alteram com essas variantes.40

Essa preparação é necessária mesmo em equipas de Urologia diferenciadas e com boa

casuística43 porque embora o pénis esteja bem caracterizado, apenas estudos mais

recentes dão ênfase às possibilidades de anastomose.46

Nos casos dos doentes transgénero em programas cirúrgicos de masculinização não

existem estruturas de base que permitam a anastomose direta e a sustentabilidade de

um pénis transplantado pelo que estudos em fase pré-clínica poderão também ser

necessários de forma a permitir a caraterização de alternativas para essas

anastomoses.36

No que concerne à questão da rejeição, existe apenas um modelo experimental para

estudo dos efeitos desta nas células do tecido cavernoso humano. Este modelo avalia

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a função erétil através de eletromiografia no tecido cavernoso, permitindo aferir a

eficácia que diferentes regimes imunossupressores podem ter na prevenção da rejeição

e quais os efeitos que tanto as terapêuticas erectogénicas, como os imunossupressores

podem ter na função erétil destes tecidos.47

Dados clínicos - casos publicados de transplante peniano

Foram realizados 5 casos de transplante peniano (1 deles com transplante escrotal

também). Infelizmente só estão disponíveis artigos científicos com os detalhes do

procedimento em 3 dos casos, o primeiro na China em 20067,32, o segundo na África do

Sul em 201412 e o terceiro nos Estados Unidos em 201648. Outras duas intervenções

foram realizadas, uma na África do Sul em 201749 e o mais recente nos Estados Unidos

em Março de 2018 em que também foi realizado o transplante escrotal50. Infelizmente

os últimos dois casos ainda não foram publicados.

O primeiro transplante em 2006 foi realizado num doente que sofreu uma lesão

traumática grave. O procedimento durou 15,5h e foram anastomosados os corpos

cavernosos e a uretra. No que refere à vascularização foi feita a anastomose das

artérias dorsais do pénis às artérias epigástricas inferiores, veia dorsal e dorsal

superficial e aproximação epineural dos nervos dorsais do pénis. A imunossupressão

foi feita com micofenolato de mofetil, prednisona e ciclosporina. No período pós

operatório foram visíveis sinais de insuficiência vascular com epidermiólise e necrose

parcial. Fica por saber até que ponto essa insuficiência vascular seria corrigível visto

que no 14º dia de pós-operatório o pénis foi removido devido à não aceitação deste por

parte da companheira do doente, algo que reforçou a importância da avaliação

psicológica do doente e parceiro.7,32

A primeira intervenção na África do Sul foi considerada o primeiro caso bem sucedido

de transplante peniano. Tendo em conta a experiência já conhecida com o transplante

na China foram tidas precauções extra quanto à seleção do doente. Neste caso foi

realizada a anastomose da uretra e corpos cavernosos, sendo realizadas anastomoses

das artérias dorsais do pénis (aqui anastomosadas às epigástricas inferiores e não ao

que restava das artérias no coto do pénis dado a degradação dos tecidos), da veia dorsal

profunda e dos nervos dorsais do pénis. Concluíram que não era essencial realizar a

anastomose das artérias cavernosas visto que havia bom fluxo sanguíneo destes a partir

das artérias dorsais. O regime de imunossupressão foi semelhante ao utilizado no caso

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Chinês embora se tenha utilizado tacrolímus e não Ciclosporina (devido ao seu melhor

resultado na manutenção da função erétil47). No período pós-operatório foi necessário

lidar com um trombo arterial, um hematoma, necrose parcial da pele, uma fístula uretral,

uma infeção bacteriana e uma fúngica. Mesmo com estas intercorrências o resultado

global foi positivo com o doente a conseguir restaurar a sua função urinária e sexual na

totalidade.43

O caso americano foi realizado num doente com antecedentes de uma penectomia em

virtude de um carcinoma de células escamosas no pénis. O doente foi selecionado dado

que estava há largos anos sem recidiva. Foram anastomosadas a uretra e corpos

cavernosos, apenas uma artéria dorsal do pénis (direita, com a artéria femoral direita do

doente), as artérias cavernosas bilateralmente, a veia dorsal profunda e os nervos

dorsais do pénis. Estas anastomoses arteriais foram suficientes para uma irrigação

tecidular adequada. O regime de imunossupressão foi semelhante ao Sul Africano. No

período pós-operatório foi necessário lidar com um hematoma e uma escara púbica que

necessitou de desbridamento. Ao longo do primeiro ano de pós-operatório houveram

dois episódios de rejeição aguda que foram controlados.48

A informação disponível sobre os outros dois procedimentos é bastante limitada sendo

que o segundo caso na África do Sul parece ter sido bem sucedido49 e o caso nos

Estados Unidos em que também foi transplantado o escroto aparenta ter um bom

resultado.50 Nesse último exemplo, foram utilizadas técnicas de indução de tolerância

imunológica conseguida através do transplante de células medulares do doador para o

recetor.50

Questões éticas

Há diversos problemas éticos em volta desta cirurgia podendo, pelo menos em parte,

ser avaliados em paralelo com outros VCA como o transplante facial.12,25

Estes doentes lidam habitualmente com agressão social e psicológica significativa12 que

se acrescenta a todos os riscos desde si já elevados da cirurgia e da imunossupressão.

Poder-se-ia colocar a questão da relação entre vantagens e desvantagens de uma

cirurgia de transplante para um órgão não vital. No entanto, a qualidade de vida é um

aspeto relevante. Os genitais têm grande importância para a experiência humana, para

a perceção de auto-valor e de razão para viver.51

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É eticamente muito relevante informar os doentes do perigo a que se expõem com uma

cirurgia experimental e de como não devem criar expectativas totalmente desajustadas

em relação aos resultados que podem ser esperados.43

O consentimento informado é uma etapa essencial em qualquer cirurgia, tendo particular

relevo numa cirurgia considerada experimental.2,24-26,43 Como tal deve ser desenvolvido

um processo de consentimento aprovado por uma comissão de ética.40,43

Visto que os doentes não são obrigatoriamente conhecedores da área da saúde, um

grupo defende que é do melhor interesse do doente ter alguém versado no tema, mas

não pertencente à equipa de transplante, que o acompanhe no processo de

consentimento informado.25 Assim, garantir-se-ia uma informação livre de influências e

uma análise da compreensão por parte do doente e dos seus mecanismos de adaptação

para com o stress que advém desta cirurgia.25

A fonte de dadores para transplante é um problema fundamental. Doentes em morte

cerebral ou doentes que faleceram recentemente serão os dadores mais relevantes.26

O apoio das famílias dadoras é também mais complicado de obter para este caso visto

que a ausência do pénis no falecido pode significar uma imperfeição significativa no

corpo do morto como homem.26 Por isso, o consentimento deve ser obtido a partir da

família de forma sensível e o mais empática possível, devendo a família ser informada

de todos os objetivos da cirurgia e garantindo a privacidade do dador.25

A verdade é que, atualmente, a autorização para recolha de órgãos para VCA nos

Estados Unidos da América é um procedimento separado da autorização geral para

doação de órgãos, algo que é apoiado pela maioria (62,9%) das pessoas.15 Ainda que

54,4% dos homens esteja disposto a doar o seu pénis, 23,1% dos atuais doadores e

54,1% dos que ainda não tinham decidido afirmaram que caso a recolha de órgãos para

VCA fizesse parte da autorização padrão, isso os tornaria menos inclinados a aceitar

ser doadores.15 Oferecer uma cirurgia de reconstrução com retalhos para o dador é uma

forma de aumentar a disponibilidade das famílias em aceitar esta doação.40,43

Existe também uma componente religiosa que pode dificultar a doação.2,11 A integridade

do corpo antes da cerimónia fúnebre é importante em algumas religiões pelo que essas

pessoas e familiares podem não desejar doar órgãos e tecidos.52 Sendo também um

órgão potencialmente associado a pecado, permanece a dúvida se os “pecados” do

dador podem ter “transferidos” para o recetor do transplante.2 Embora os princípios do

Cristianismo indiquem que se deve cuidar dos doentes e moribundos, o Papa Bento XVI

escreveu em 2009 uma carta que “proibia” os Católicos de transplantar gónadas e

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órgãos relacionados com a identidade pessoal ou reprodutiva.2 Também o Islão

condena esta cirurgia ao considerar que órgãos relacionados com a fertilidade e a

satisfação sexual não devem ser transferidos de um humano para outro.53 Tanto o

Hinduísmo como o Budismo perdem-se em debates éticos deixando os conceitos de

transplantação e doação de órgãos numa área de indefinição complexa.54-56 Por outro

lado, os Judeus encorajam a transplantação aparentemente sem hesitações.57

A utilização de pénis removidos em operações transgénero de feminização é outra fonte

de problemas éticos. Não existe atualmente legislação sobre o uso de tecidos

descartados de cirurgias pelo que a utilização deste material biológico paira apenas

como uma possibilidade sendo necessária a criação de novos princípios legais e,

possivelmente, um processo de autorização.26 Adicionalmente, dado que o

procedimento mais frequente é a vaginoplastia de inversão peniana em que a pele que

recobre o pénis removido é utilizada para a construção da neovagina58, no caso de

reaproveitamento do pénis removido seria necessário realizar outro procedimento no

dador que não utilize os tecidos penianos ou colher um retalho ou enxerto para recobrir

o pénis no recetor ou a vagina do dador.58 A utilização destes pénis tornaria ainda mais

difícil a manutenção do sigilo entre dador e recetor que seria neste caso relevante visto

ambos estarem vivos.

Indicações e critérios de seleção

Numa fase evolutiva tão precoce deste procedimento, a indicação para transplante mais

importante é a perda severa de tecido peniano, principalmente nos casos em que

ocorrem defeitos traumáticos penianos em doentes que não têm locais com

possibilidade de colheita de tecidos para retalho ou que já tentaram reconstrução que

não obteve um resultado positivo.37

A perda de tecido deve ser significativa a ponto de remover pelo menos metade do corpo

do pénis por forma a justificar a agressividade deste procedimento ao invés de uma

solução que envolvesse enxertos e/ou retalhos locais ou à distância.46 No entanto, em

casos em que uma reconstrução é passível de ser realizada, caso seja previsível que

os resultados estéticos ou funcionais sejam subótimos, pode-se ponderar o avanço para

uma cirurgia de transplante ad initium.37

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Os casos de defeitos penianos congénitos estão neste momento num “limbo” sendo

apontados por alguns autores como indicações claras para a cirurgia de transplante e

por outros como doentes excluídos presentemente desta cirurgia.26,36,37

É importante ter em conta que doentes com queixas de genitais externos pequenos não

são um grupo adequado para receber este tipo de cirurgia dado a relação risco/benefício

não ser favorável.43

Prevê-se que no futuro possam haver mais indicações.37 Doentes com cancro e doentes

com disforia de género são dois grupos particulares discutidos mais adiante.

As indicações para o procedimento são muito importantes visto que o sucesso deste

está fortemente relacionado com uma correta seleção de doentes.26 Esta deve ocorrer

através de um processo longo e multimodal40 de forma a garantir, entre outras coisas,

que os doentes se encontram equilibrados a nível psicológico, um dos pontos mais

importantes nesta seleção.24,37 Pacientes com problemas psicológicos, atuais ou

passados, devem ser excluídos,12,26,37,43 assim como doentes com história de abuso de

substâncias.12 O efeito psicológico de um transplante peniano é significativo e poderá

induzir psicose ou uma “rejeição psicológica” do órgão transplantado59 motivo pelo qual

se deve selecionar como candidatos apenas indivíduos que estão, à partida, estáveis

nestes aspetos. Tal justifica-se porque o impacto psicológico do transplante tem, pela

experiência corrente, grande relação com o estado psicológico pré-operatório.51 Assim,

um doente bem selecionado sujeito ao procedimento melhora a sua qualidade de vida

e felicidade quando avaliado com scores validados internacionalmente.51

O facto desta ser das poucas situações de transplante “visíveis”, dado que se pode olhar

e tocar no órgão transplantado, leva à constante lembrança de que são portadores de

algo que inicialmente não lhes pertencia, o que pode agravar as consequências

psicológicas de qualquer tipo de transplantes.26

Exemplo disso é o facto de o primeiro transplante cirurgicamente bem-sucedido na

China ter sido removido a pedido da esposa do recetor por esta não conseguir lidar com

o novo órgão.7 Essa experiência inicial reforça as preocupações sobre a importância do

estado psicológico e mostra que é necessária uma avaliação pré-operatória do recetor

(e possivelmente do(a) seu(sua) companheiro(a)) e um acompanhamento psicológico

pós-transplante.26

A literacia em saúde e em transplantação é também relevante, visto que o doente deve

reconhecer a diferença entre investigação e tratamento e os riscos associados ao

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procedimento e à imunossupressão.43 Assim, as expectativas devem ser corretamente

adaptadas e os riscos explicitados com detalhe.43

Outro dos fatores a ter em conta é a motivação do doente.40

É relevante avaliar a forma como o doente lidou anteriormente com o trauma/ausência

de genitais, a sua história sexual e relacional, história de cumprimento terapêutico,

suporte social, recursos financeiros, capacidade de decisão, objetivos desejados e

esperados.60,61

Além de todos estes fatores poderá ser também relevante tentar abordar a questão da

possível e provável exposição a nível de comunicação social que a cirurgia poderá ter

e ver até que ponto o doente está confortável ou disponível para tal exposição.24

Por fim, doentes inicialmente aprovados segundo estes critérios devem realizar os

exames médicos necessários para excluir hepatite crónica, infeção por citomegalovírus,

vírus da imunodeficiência humana (VIH) ou infeção bacteriana ativa (inclusive

tuberculose) sendo estas situações critérios de exclusão.12

Também os dadores devem ser rastreados para infeção por vírus Epstein-Barr,

Citomegalovírus, Hepatites B e C e VIH.2,11

Doentes que não sejam candidatos por situações corrigíveis ou alteráveis devem ser

identificados de igual forma, no entanto, devem ser aconselhados sendo elegíveis

apenas quando essas condições forem resolvidas.40

A Tabela II sistematiza os fatores a ter em conta aquando da seleção de doentes.

Cancro do pénis

A incidência que ronda um caso por cada 100.000 pessoas na Europa e incidências

significativamente superiores noutros locais permitem entender que estes doentes

seriam uma parte significativa dos potenciais candidatos a transplante.16 Embora nem

todos estes doentes pudessem efetivamente necessitar do transplante para manter

função, doentes que se apresentassem com doença mais avançada (T2, T3 ou T4

segundo estadiamento TNM16) necessitam de penectomia total ou parcial.16

Curiosamente, no primeiro transplante feito nos Estados Unidos, o recetor era um

doente sobrevivente de um carcinoma peniano que foi selecionado tendo em conta o

seu baixo risco de recidiva por estar livre de doença há 4 anos.48

No entanto, há que ter em atenção que após o transplante é necessário um regime de

imunossupressores.11,12,47 Prevê-se que a imunossupressão por eles induzida possa

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aumentar o risco de recorrências nestes doentes, pelo que, para já, alguns estudos

consideram que não se deve avançar com a cirurgia em doentes com estes

antecedentes.2,37 No entanto, dada a grande utilidade que o procedimento teria para os

doentes com antecedentes de cancro,2 os estudos não excluem essa possibilidade no

futuro, defendendo que devem ser efetuadas investigações de forma a avaliar o impacto

que a terapia imunossupressora possa ter na recorrência de cancro nestes doentes.24

Transexuais

O caso dos transexuais poderia apresentar-se como uma situação ideal para este tipo

de cirurgia visto serem habitualmente doentes jovens (alguns estudos concluindo uma

idade média por volta dos 30 anos).62,63

No entanto, há alguns problemas específicos desta população. Em primeiro lugar, a

incidência de problemas psiquiátricos é consideravelmente superior64 o que exclui, à

partida, muitos destes candidatos pelos critérios acima abordados. Além disso,

fisicamente a diferença de estruturas entre os dois géneros faz com que não haja locais

de anastomose evidentes, sendo necessários estudos em cadáver de forma a perceber

como se poderia implantar um pénis numa doente do sexo feminino.36 Visto que a

cirurgia estaria associada a outros procedimentos como a remoção da vagina e a

construção de um neoescroto, a dificuldade técnica do procedimento seria ainda maior

do que num transplante entre pessoas do mesmo género.65 Assim, e visto que a maior

parte destes doentes tem locais disponíveis para a colheita de tecido para faloplastia,

devemos ver esta hipótese com particular cuidado, avaliando as vantagens e

desvantagens que podem advir de um procedimento que envolve um regime de

imunossupressão a longo prazo.37

A justificação para tal procedimento seria necessariamente o direito à saúde, neste caso

sexual. Não poderíamos ver a cirurgia como uma forma de melhoria cosmética, mas sim

como forma de melhorar a qualidade de vida destas pessoas.65 Visto que falamos numa

população jovem e disposta a inovações, o benefício de terem uma identidade sexual

compatível com a sua pessoa pode-se sobrepor aos riscos da imunossupressão.46

Podemos também ver a população transgénero como fonte de órgãos para

transplantação dado que nos casos de cirurgia de feminização é realizada uma

penectomia2 e o corpo do pénis acaba por ser descartado. A questão foi abordada

dentro da secção “Questões éticas”.

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Técnica cirúrgica

O nível de complexidade desta cirurgia situa-se entre a de transplante facial e de

transplante de mão.11 Quanto mais proximal for a colheita do órgão, maior a dificuldade

da disseção11. Adicionalmente, um transplante parcial de pénis mais distal requer menos

anastomoses do que o transplante de todo o pénis com parte do pavimento pélvico.45

É referido que a disseção em cadáver das estruturas como forma de treino específica

para esta cirurgia é de grande valor e pode ser necessária mesmo para cirurgiões bem

treinados de centros diferenciados e com boa casuística.43

Em casos de lesões de guerra podem ser necessários transplantes mais completos e,

como tal, necessariamente mais complexos, visto que frequentemente as perdas de

tecidos incluem também o pavimento pélvico.36

No período pré-operatório deve ser considerada uma angiografia por tomografia

computorizada ou por ressonância magnética pélvica do dador e do recetor, por forma

a avaliar a compatibilidade anatómica das estruturas.48 Por fim, caso se considere

necessário pode ser também realizada uma angiografia, por forma a melhor caracterizar

a vasculatura de mais reduzida dimensão.48

O pénis doado deve ser mantido refrigerado e pode-se infundir solução de preservação

diretamente nos tecidos penianos,43 embora não seja claro se este passo é essencial

para o sucesso da cirurgia, caso a reimplantação seja feita em tempo útil.

É necessário ter em conta as necessidades de microcirurgia deste procedimento por

forma a precaver as exigências a nível de equipamento. A anastomose de estruturas

com cerca de 1mm de diâmetro exige instrumentos que permitam esse manuseio

delicado.43 É também recomendável o uso de equipamento específico que, de certa

forma, automatize microanastomoses.43 Por último, pode ainda considerar-se a

utilização de equipamento que monitorize a pressão parcial de oxigénio dos tecidos

transplantados “em direto” por forma a assegurar que as anastomoses estão patentes

durante a cirurgia e sinalizando possível trombose dessas estruturas a tempo de permitir

correção dentro do mesmo tempo cirúrgico.43

O coto do pénis doado deve ser corretamente dissecado devendo a identificação de

vasos e outras estruturas ser feita antes de se iniciarem as anastomoses.48

A anastomose uretral e dos corpos cavernosos deve ser realizada em primeiro lugar, de

forma a que o pénis transplantado se encontre o mais estável possível para as

anastomoses neurovasculares.48

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Visto que a inervação autonómica que permite a dilatação arteriolar está presente nas

porções mais profundas dos corpos cavernosos, esta região está habitualmente

preservada nos casos de lesão peniana.36 Assim, a tumescência do tecido cavernoso

mais proximal pode-se estender através das anastomoses para os tecidos cavernosos

do pénis transplantado.36 Além disso, é também possível que ocorra reinervação do

pénis transplantado potenciando a função erétil deste.36,37 Outra possível justificação

para a recuperação da função erétil no pénis transplantado é a difusão de substâncias

vasoativas através dos corpos cavernosos anastomosados.36

As particularidades durante o procedimento dependem do tecido específico que está a

ser abordado. Segue-se uma descrição da abordagem aos vários tecidos.

Artérias

O pénis tem 3 principais territórios de vascularização45. A pele do corpo é irrigada pelas

artérias pudendas externas (ramos das femorais), a glande e corpo esponjoso pelas

artérias dorsais (ramos das pudendas internas) e os corpos cavernosos são irrigados

pelas artérias cavernosas (ramos das pudendas internas).45

Dada a fraca vascularização que ocorre entre a pele do recetor e a do dador, a

anastomose das pudendas externas é necessária para evitar necrose da pele do

corpo.36,45

Embora não seja forçosamente realizado nos casos de reimplantação (visto ser

habitualmente difícil o seu isolamento sem danificar tecidos circundantes) é

aconselhável tentar a anastomose das artérias cavernosas, mesmo que para tal seja

necessário remover mais tecido do dador.36,45

Caso as artérias dorsais do pénis presentes no coto do recetor sejam de difícil disseção,

é possível e até aconselhável a anastomose das epigástricas inferiores do recetor

diretamente às artérias dorsais do pénis transplantado por forma a facilitar o

procedimento, visto que estas fornecem vascularização adequada ao órgão.43

Como é expectável, o número de vasos que é necessário anastomosar varia com o quão

proximal é a lesão.45 Assim, no caso lesões proximais com perda de tecido envolvente

é necessário realizar a anastomose das artérias dorsais, cavernosas e pudendas

externas com uma “ponte” de tecido em volta da pudenda externa até próximo da sua

inserção na artéria femoral, utilizando-se tecidos circundantes conforme necessário.37,45

Já no caso de uma lesão no corpo proximal realizar-se-á a anastomose das artérias

dorsais, cavernosas e pudendas externas com “ponte” do tecido envolvente da pudenda

externa até próximo da sua inserção na artéria femoral mas sem a utilização de tecidos

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circundantes.37,45 Por último, nas lesões no corpo médio ou distal será suficiente a

anastomose das artérias dorsais e cavernosas.37,45

Veias

As veias dorsais superficiais e profundas devem ser anastomosadas para possibilitar o

retorno venoso.36

Nervos

Os nervos dorsais do pénis devem ser aproximados aos do recetor36 muito embora o

primeiro caso norte-americano tenha utilizado neurorrafias epineurais.48 Dado que a

distância que é necessário reinervar é consideravelmente menor que noutros

transplantes, a regeneração deverá ser mais robusta e rápida do que noutros casos.37

Embora a sensibilidade reportada após as cirurgias de reconstrução seja boa,34 é

expectável que a sensibilidade seja ainda melhor no caso do transplante, visto que a

pele que recobre o pénis tem uma composição de recetores táteis única66 que, como

tal, não pode ser mimetizada por qualquer outro tecido.37

Uretra

Pode-se utilizar um cateter de Foley colocado através da uretra do pénis transplantado

e pela uretra restante no recetor até à bexiga por forma a guiar e estabilizar a

anastomose devendo o cateter ser mantido para facilitar a patência da anastomose e

evitar estenoses.7,48 A uretra do pénis dador deve ser anastomosada à do recetor de

forma espatulada semelhante a uma uretroplastia convencional.36

Embora esta seja a opinião partilhada por vários autores, a equipa que realizou o

primeiro transplante na África do Sul considera que a utilização de um cateter

suprapúbico é benéfica durante o período pós-operatório para evitar o agravamento de

complicações previsíveis com hematoma ou infeções uretrais/periuretrais.43

Tecidos circundantes

A túnica albugínea, fáscia de Buck, fáscia de Dartos e pele devem ser suturadas por

camadas entre os tecidos do dador e o recetor.36

Cirurgia no dador

A recolha do órgão deve ser feita conservando o máximo de tecido possível por forma

a facilitar as anastomoses.48 A colheita pode ser feita com retalhos fasciocutâneos

bilaterais preservando grande parte do percurso das pudendas externas.48 A amputação

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deve ser efetuada ao nível da sínfise púbica por forma a preservar o comprimento do

corpo e uretra.48

O pénis removido deve então ser dissecado de forma a que as estruturas a serem

anastomosadas tenham cerca de 4cm livres facilitando o procedimento cirúrgico

seguinte.43

O timing da cirurgia deve permitir que a equipa deste transplante inicie o seu

procedimento antes da colheita de órgãos sólidos por forma a evitar isquemia peniana

causada pela clampagem aórtica.11 Após a colheita, o órgão deve ser enviado o mais

rapidamente possível usando se necessário ambulâncias ou helicópteros.11

Embora não necessária para este procedimento per se, a criação de um neofalo no

dador a partir de retalhos cutâneos pode e deve ser considerada de forma a melhorar a

dignidade do dador. A equipa Sul-Africana concluiu que oferecer essa cirurgia foi

fundamental para que tenham encontrado uma família disposta a doar o órgão do seu

ente querido.43

Imunossupressão e rejeição

A imunossupressão é um passo indispensável para o sucesso do transplante. Embora

as diferentes tentativas tenham diferido na abordagem, um esquema com uma fase de

indução e outra de manutenção é considerado padrão tal como nos restantes

transplantes.36 Não há, no entanto, um regime de imunossupressão estudado e validado

especificamente para esta cirurgia.26,36,37 Visto que a experiência atual neste transplante

ainda é parca, há necessidade de mais estudos para melhor caracterizar a eficácia de

diferentes regimes.36 Esses tardam em aparecer em parte devido à dificuldade em se

obter modelos animais suficientemente semelhantes para permitir uma extrapolação

dos resultados a humanos.36 Grande parte dos estudos tem sido feita em roedores

havendo apenas registo de um em cães de raça beagle.44 O modelo atualmente mais

promissor envolve o uso de tecidos cavernosos humanos ex vivo permitindo a sua

incubação com células imunitárias mononucleares homólogas juntamente com

diferentes imunossupressores.47 Tal montagem possibilita a monitorização da função

muscular vascular nesses tecidos de forma a comparar os efeitos de diferentes regimes

imunossupressores.47

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Os regimes de indução diferem entre diferentes equipas. A equipa Chinesa utilizou

daclizumab 50mg endovenoso (entretanto retirado do mercado67) e micofenolato de

mofetil 1g oral na hora anterior ao início do procedimento.7 No caso Sul-Africano a

indução foi feita com metilprednisolona 500mg pré-operatória e 250mg/dia durante os 3

primeiros dias de pós-operatório; globulina antitimócito 100mg/dia nos primeiros 10 dias

de pós-operatório; tacrolímus duas vezes por dia 5mg para níveis séricos de 10-

15ng/mL e micofenolato de mofetil 500mg duas vezes por dia nos primeiros 3 dias de

pós-operatório aumentando em seguida para 1g duas vezes por dia. A metilprednisolona

foi depois substituída por prednisolona 30mg/dia com redução para 10mg/dia só ao final

de cerca de 5 meses.12 Por último, o primeiro caso nos EUA utilizou globulina

antitimócito; micofenolato de mofetil e metilprednisolona como regime de indução, não

caracterizando a posologia.48

Os regimes de manutenção atuais são extrapolados a partir da experiência tanto em

transplante de órgãos sólidos como dos VCA.36 Os regimes de manutenção incluem

habitualmente 3 fármacos – tacrolímus, micofenolato de mofetil e corticoesteróides36,43,48

sendo estes esquemas relativamente homogéneos entre os vários estudos e casos já

realizados.

O modelo que usa tecidos humano ex vivo para avaliar o efeito de diferentes regimes

demonstrou que a Ciclosporina evita os fenómenos de rejeição nesses tecidos (ativação

de mononucleares, migração de células inflamatórias para os tecidos e apoptose). No

entanto, embora não houvesse rejeição na análise histológica, ocorriam problemas na

função do tecido vascular cavernoso. O grupo descobriu então que o tacrolímus

conseguia evitar os fenómenos de rejeição de forma tão eficaz como a Ciclosporina não

interferindo, no entanto, com a função da vasculatura dos tecidos cavernosos.47

O tacrolímus é, além disso, neurotrófico e neuroprotetor68,69 pelo que se prevê que tenha

efeitos positivos no transplante peniano em duas frentes: a imunossupressão e a

estimulação e proteção da inervação e reinervação do órgão.68,69

A indução de tolerância específica aos tecidos do dador é uma área em

desenvolvimento.11,70 Para tal, células hematopoiéticas do dador são infundidas na

corrente sanguínea do recetor com o objetivo de induzir um quimerismo medular que

provoque tolerância e assim reduza as necessidades de imunossupressão.11,70-72

Embora os resultados tenham sido promissores, a experiência em humanos é ainda

reduzida.11

Um grupo de investigação desenvolveu um novo protocolo de imunossupressão para

VCA que envolve essas técnicas. Neste protocolo, os doentes recebem um regime de

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indução com Alemtuzumab e Metilprednisolona antes do transplante. Uma infusão com

células hematopoiéticas do dador é administrada 14 dias após o transplante. O regime

de manutenção inclui apenas tacrolímus. No entanto, o grupo alerta que é provável que

este regime funcione melhor no caso de transplantes que incluam uma componente

óssea, visto haver reatividade com a medula presente nos ossos transplantados.73

Mesmo tendo o modelo sido desenvolvido para transplantes do membro superior, um

regime semelhante poderia ser tentado no caso do transplante peniano.37

85% dos doentes que recebem VCA sofrem episódios de rejeição aguda no seu follow-

up.74 Como tal, durante o seguimento dos doentes, é necessário monitorizar a rejeição

de forma a modular a imunossupressão ao longo do tempo.11 A monitorização baseia-

se atualmente no facto de a pele ser o tecido mais imunogénico conhecido e, como tal,

o primeiro a demonstrar sinais de rejeição.11,75,76 Embora diferentes tecidos sofram

rejeição de forma distinta e não se saiba como os tecidos em jogo nesta cirurgia reagem

à rejeição,51 a pele é tido como a melhor forma de a monitorizar.35-37,43 Visto que a

mucosa uretral sofre apoptose precocemente no decorrer do processo de rejeição,

poderá, no futuro, ser possível avaliar a rejeição através de técnicas de urinálise.37

Os tecidos transplantados podem então ser seguidos com exame objetivo.11,37 Caso

hajam sinais de rejeição (edema ou eritema maculopapular11) deve-se efetuar uma

biópsia de pele e confirmar essa rejeição histologicamente.11,12,48 A biópsia deve ser

classificada segundo a escala Banff77 ajustando-se o nível de imunossupressão de

acordo com os resultados e, associadamente, administrando um bólus de

corticosteróides.11 Caso essas modificações não alterem a rejeição, deve-se suspeitar

de lesão mediada por anticorpos, sendo então necessária plasmaférese, rituximab ou

bortezomib.78 A utilização de corticosteroides ou imunossupressores tópicos está em

investigação mas ainda não é prática corrente.79 Em último recurso, ao contrário de

outros procedimentos em que tal pode não ser viável, o transplante peniano pode ser

revertido cirurgicamente de forma relativamente fácil.11

A rejeição crónica é outro problema relevante. É habitualmente caracterizada por uma

vasculopatia com estreitamento do lúmen e hiperplasia da íntima11 que leva à fibrose do

corpo. Os tecidos transplantados evoluem para uma forma edemaciada e fibrosada.77

Os fatores que levam a uma rejeição crónica mais rápida e marcada são: o número e

duração de episódios de rejeição aguda, a disparidade HLA entre o dador e o recetor, a

rejeição mediada por células e anticorpos, a quantidade de pele no transplante e a

“acessibilidade” do transplante ao trauma físico.80

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A deteção de rejeição crónica exige biópsias em tecidos mais profundos2,11, no entanto,

no caso do transplante peniano, pode ser suspeitada quando se verifica fibrose do corpo

e das fáscias penianas ou edema da pele inexplicável por outro motivo11 com esclerose

da derme à análise histológica.81 Adicionalmente, prevê-se que a disfunção erétil de

novo possa servir como marcador de rejeição crónica.11,36

A possibilidade de transplantar no mesmo tempo cirúrgico um enxerto de pele do mesmo

dador para uma área mais acessível do recetor como forma de facilitar as biópsias está

descrita,82 mas a sua utilidade e fiabilidade não está validada.

É necessário salientar o aspeto óbvio de que todos os regimes estão dependentes da

adesão ao tratamento. Dado que a faixa etária entre os 18 e os 25 anos tem uma

percentagem inferior de adesão aos regimes de imunossupressão (segundo a

experiência que existe no transplante renal),83,84 e sendo essa faixa etária uma porção

considerável dos doentes com lesão em contexto de guerra e dos doentes com lesões

tidas em virtude de circuncisões falhadas, é importante envidar esforços no sentido de

garantir a adesão por parte destes doentes.

É também relevante a questão da compatibilidade entre dador e recetor. Em primeiro

lugar, a aparência física do órgão não é de descurar devendo ser tentado um

emparelhamento estético entre os órgãos de dador e recetor.37

O fator de rejeição mais importante nesta cirurgia é a compatibilidade entre o tipo

sanguíneo ABO.11 É também importante realizar estudos de cross-matching por forma

a excluir uma resposta imunitária exacerbada contra os tecidos do dador.48 A

compatibilidade HLA acaba por ser menos relevante por diminuir ainda mais as

hipóteses de matching entre o pool de dadores e recetores disponível.11

Complicações a curto, médio e longo prazo

O maior risco destes procedimentos é, de facto, a exposição longa a

imunossupressores.26,36 É também devido a esse facto que alguns trabalhos defendem

que não se devem intervir nesta fase doentes vítimas de cancro dados os riscos de

recidiva com o tratamento com imunossupressores.37

Os riscos associados a uma exposição longa à imunossupressão são ainda mais

marcados nos candidatos a este procedimento por esta ser uma população, em geral,

mais jovem.36 Doenças como hipertensão, insuficiência renal, osteopenia, dislipidemia,

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diabetes mellitus e neoplasias estão todas associadas ao uso de fármacos

imunossupressores a longo prazo.85 Associadamente e como consequência direta do

efeito desses fármacos temos também um maior risco de infeção.26,36

Mesmo com o uso desses fármacos, cerca de 85% dos doentes que recebem um VCA

têm pelo menos um episódio de rejeição aguda no seu seguimento.74 Estes episódios

estão associados a uma morbilidade significativa com frequente necessidade de

internamento e regimes de imunossupressão ainda mais agressivos.36 Como tal, as

concentrações dos fármacos imunossupressores devem ser tituladas, a função renal e

as glicemias monitorizadas.12,37

A equipa deve estar preparada para lidar com complicações pós-operatórias habituais

como a drenagem de hematomas, desbridamento de feridas e rejeições agudas.12 No

pós-operatório precoce é necessário ter atenção aos cuidados de penso com verificação

do edema e de pele em risco de ser perdida2 devendo ser realizada biópsia para avaliar

a rejeição sempre que clinicamente suspeito.11

Terapêutica anti-infeciosa

A antibioterapia de largo espetro no peri-operatório foi utilizada nos três procedimentos

documentados.7,12,48 No caso chinês relatam a utilização de sulbactam e cefoperazon.7

A equipa Sul-Africana utilizou cotrimoxazol (160mg+800mg) uma vez por dia como

prevenção para Pneumocystis jirovecii e isoniazida 300mg uma vez dia para prevenção

de tuberculose.12 Já o primeiro caso Norte-Americano utilizou também cotrimoxazol

associando valganciclovir para prevenção da infeção por citomegalovírus.

Posteriormente foi iniciado um regime de vancomicina, piperacilina-tazobactam e

fluconazol endovenoso.48

Tromboprofilaxia

Dado o risco de trombose nas anastomoses realizadas entre vasos de pequena

dimensão, é necessário o uso de profilaxia anti-trombótica.7,12,48 No caso chinês foi

utilizado dextrano de baixo peso molecular na dose de 500mg dia endovenoso7; no

exemplo Sul-Africano realizaram a anticoagulação com heparina não fracionada

(5000UI duas vezes por dia de forma subcutânea) por 3 semanas12 e no procedimento

Norte-Americano foi utilizada heparina (sem outros detalhes relatados).48

Função erétil

Sendo um dos objetivos iniciais da cirurgia e uma das vantagens do transplante

relativamente a outras opções, a função erétil própria do transplante deve ser

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monitorizada.11,37 No entanto, é necessário algum período de pós-operatório antes que

se deva avaliar a função erétil, visto ser aconselhável haver sensibilidade na zona que

só é recuperada passadas semanas a meses.11,37 Embora não existam linhas de

orientação específicas, sugere-se uma conduta semelhante à da disfunção erétil no

geral, com recurso em primeira linha à farmacoterapia oral (inibidores da fosfodiesterase

tipo 5). Os níveis de testosterona devem ser monitorizados e suplementados quando

necessário, dado que quando baixos podem contribuir para a disfunção erétil.86 A

prótese peniana no pénis transplantado deve ser tida como último recurso.11 A técnica

asséptica é de fundamental importância durante o procedimento por forma a reduzir o

risco de infeção e possíveis necessidades de interrupção dos regimes de

imunossupressão que conduziriam a rejeição. Além disso, a simples manipulação e

trauma dos tecidos durante a intervenção pode ser suficiente para agravar a rejeição do

tecido.11

Complicações uretrais

É expectável que se consigam taxas de complicação mais baixas com o transplante do

que com a reimplantação visto que as superfícies de corte são muito mais controladas

na primeira.37 No entanto, alterações circulatórias nos tecidos e a possibilidade de

rejeição levam a que estes doentes sejam suscetíveis a este tipo de complicações sendo

necessária uma monitorização pós-operatória da função miccional.11

Um grupo de investigação desaconselha a utilização de um cateter de Foley durante o

período pós-operatório, sugerindo, em sua substituição, um cateter supra-púbico.43

Desta forma evita-se a presença de um cateter na uretra recém anastomosada

contribuindo para uma menor taxa de complicações e infeção.43

Após a remoção do cateter de Foley ou suprapúbico, uma uretrografia retrógrada pode

ser efetuada para excluir a existência de estenoses ou deiscências da anastomose.48

Complicações psicológicas

O efeito psicológico deste transplante afeta não só o doente, mas também os(as)

seus(suas) parceiros(as) sexuais.26 O pénis é um órgão visível podendo os recetores e

seus parceiros(as) ver e tocar no transplante, algo não habitual no panorama da

transplantação.26 Tal pode servir de lembrete em relação à origem do órgão, dificultando

a aceitação deste como parte do próprio.26 Dado o caráter pessoal e íntimo da região

transplantada24 o transplante pode levar a conflitos do ego e à perturbação da auto-

imagem.43 Está documentado que esse conflito interno pode levar a psicose, sendo o

risco superior no caso dos VCA, quando comparado com os transplantes de órgãos

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sólidos.43,59,87,88 Adicionalmente, as altas doses de corticoesteróides administrados no

período de indução da imunossupressão para isso contribuem.89

Os doentes devem ser capazes de aceitar o transplante como parte deles e, caso tal

não ocorra, o risco de disrupção aumenta podendo mesmo levar ao suicídio.90 Um

exemplo significativo da dificuldade de adaptação vem do primeiro caso de transplante

peniano em que, 14 dias após a cirurgia, o pénis foi removido, não por complicações do

procedimento, mas por não aceitação do órgão por parte da companheira do doente e,

consequentemente, também por este.7,32 Tal reforça o facto de este tipo de transplantes

terem efeitos que se repercutem em relações passadas, presentes e até em

parceiros(as) futuros(as)24 e que falhas na adaptação psicológica do doente à sua nova

condição levam a resultados clínicos desfavoráveis.24

A necessidade de um acompanhamento psicológico antes e depois do procedimento é

fundamental devendo os parceiros(as) dos doentes serem incluídos(as).24-26,37 De facto,

a aceitação e integração do pénis por parte do parceiro(a), pode ser tão ou mais

importante do que a que ocorre por parte do doente.25 Esse acompanhamento acaba

por ter tanta influência no prognóstico como aspetos técnicos do procedimento no

sucesso a longo prazo.24,37

Os autores do primeiro transplante, no qual houve necessidade de explantar o pénis por

questões psicológicas sugerem que o doente deva receber suporte psicológico

diariamente durante as primeiras 4 semanas de pós-operatório, duas vezes por semana

nos 4 meses seguinte e, por fim, 1 vez por mês ou sempre que requerido pelo doente,25

conselho esse que é adaptado a partir da experiência do primeiro caso de transplante

de face.91

Por fim, a possibilidade de ver o transplante como uma solução para cobrir uma

necessidade temporária pode ser tida em conta, sendo o pénis transplantado removido

assim que as complicações sejam maiores que o benefício que este traz.11

A Tabela III sintetiza estes inconvenientes.

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Custos de um programa de transplante peniano

A questão do financiamento difere em complexidade de país para país. No caso dos

Estados Unidos, procedimentos experimentais tendem a ser apenas parcialmente (ou

não de todo) cobertos pelas companhias de seguros.24,40 Dependendo do local onde são

realizados, estes procedimentos podem alcançar custos de milhões de dólares, visto

que incluem equipas médicas muito extensas, unidades de cuidados intensivos,

serviços de apoio psicológico, reabilitação e custos associados à imunossupressão.24

No outro extremo da balança temos o exemplo Sul-Africano em que o custo total durante

o primeiro mês foi de 17500 dólares Americanos e se prevê um custo anual para a

imunossupressão de cerca de 14000 dólares.65

Em situações experimentais, é necessário a busca por apoios externos que sustentem

os custos.24 A maioria terá de ser suportada pelo serviço de saúde ou pelo hospital em

que o procedimento é realizado.43 Para garantir a segurança e cumprir os objetivos do

procedimento, é necessário criar protocolos a nível hospitalar e mesmo entre instituições

que garantam o tratamento a longo prazo e o acompanhamento da situação de uma

forma que acautele o financiamento.40,43

Implementação de um programa de transplante de pénis

O desenvolvimento de protocolos é um passo importante para que esta cirurgia possa

avançar. Uma caraterização detalhada dos consentimentos necessários, critérios de

seleção de doentes, materiais de educação para doentes e dadores (ou suas famílias)

são importantes para que se consiga a aprovação das comissões de ética dos

hospitais.24,40 Os protocolos devem ainda incluir o estudo e preparação das equipas e

definir o acompanhamento que será feito aos doentes, deixando à partida definido o que

irá ser feito em casos de rejeição ou falha do transplante.24,92

O primeiro protocolo desenvolvido para esta cirurgia foi criado no Guangzhou General

Hospital of Guangzhou Military Command – centro hospitalar responsável pela primeira

cirurgia de transplante peniano.25 No entanto, embora o grupo de investigação aborde

o seu protocolo, acabam por não o detalhar nos artigos publicados.7,32

Dado o caráter experimental do procedimento e a falta de linhas de orientação e

legislação sobre o tema, é necessário que todo o programa seja aprovado pelo comité

de ética do hospital antes que se tente o procedimento. Todos os profissionais

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envolvidos devem estar corretamente informados e preparados sendo definidas à

partida as condutas a seguir em caso de falha do transplante ou de desistência por parte

do recetor.24 O conceito de sucesso ou insucesso deve ser corretamente definido tal

como os elementos participantes da equipa. Relembra-se que as equipas são bastante

extensas e incluem urologistas, patologistas forenses, eticistas, coordenador de

transplante, psicólogos, médicos com experiência em imunossupressão em contexto de

transplante, cirurgiões plásticos, um responsável por documentar com multimédia a

evolução do procedimento, dermatologistas e uma equipa de enfermagem.36

Opções futuras para reconstrução peniana

Nos últimos 20 anos as biociências evoluíram significativamente. A investigação em

medicina tem se concentrado cada vez mais em técnicas de reconstrução, engenharia

de tecidos, medicina regenerativa e técnicas de microcirurgia.35 Ainda assim, a

engenharia de tecidos oferece soluções com aplicabilidade clínica apenas em áreas

muito específicas como os casos do osso, cartilagem e nervos.42

O desenvolvimento de matrizes que possibilitam o cultivo de vários tecidos diferentes

simultaneamente poderia substituir ou complementar os procedimentos de VCA.35,42 Tal

levaria à redução de custos e à menor necessidade de órgãos dadores.42 Infelizmente,

a substituição de uma unidade funcional constituída por vários tecidos diferentes é algo

ainda não possível com as técnicas atuais.42 Os estudos com melhores resultados

envolvem a criação de uma matriz 3D que é embebida com células estaminais do

próprio e implantadas no interior do corpo do doente de forma que se desenvolvam

tecidos em volta dessa matriz e se possa utilizar, passado algum tempo, essa

combinação no seu local de destino.42 Assim, usando tecidos próprios, não seria

necessária imunossupressão durante toda a vida, tornando estes procedimentos mais

seguros.35,42 Dado que as técnicas atuais ainda não oferecem uma resposta para lesões

deste género, o transplante continua a ter potencial para ser utilizado antes que as

biociências ofereçam novas soluções.

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CONCLUSÕES

O tema está ainda envolto em bastante polémica com problemas éticos importantes que

ficam por responder e problemas legais que necessitam ser legislados. A nível do

procedimento em si alguns estudos providenciam a informação necessária à realização

da cirurgia embora a experiência seja ainda reduzida. A pesquisa sobre regimes de

imunossupressão específicos está ainda numa fase inicial sendo de esperar que mais

resultados sejam conseguidos a partir do modelo in vitro de tecidos humanos que foi

desenvolvido. Seria útil estudar o possível efeito da terapia de imunossupressão na

recidiva de tumores penianos como forma de avaliar se esses doentes podem, ou não,

ser candidatos a esta cirurgia.

Os próximos passos que o procedimento tem que seguir relacionam-se com a definição

concreta de um guia ético a seguir, de regimes de imunossupressão adequados a este

procedimento específico e a definição das equipas necessárias e sua preparação

teórico-prática.92

Sendo este procedimento a solução para situações atualmente incorrigíveis ou uma

solução melhor que as atuais, existe um grande interesse no seu desenvolvimento.

Embora seja necessária mais pesquisa pré-clínica para assegurar a segurança e o

melhor tratamento possível, os primeiros relatos são promissores e fazem vislumbrar a

possibilidade de esta cirurgia ser encarada como solução exequível num futuro próximo.

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ANEXOS

Tabela I - Critérios de classificação de transplante como VCA

Estrutura vascularizada que requer fluxo sanguíneo através de anastomoses

cirúrgicas para funcionar após o transplante

Constituída por vários tecidos diferentes

Recolhida a partir de um dador humano como unidade funcional/estrutural

Transplantada para um recetor humano como unidade funcional/estrutural

Minimamente manipulada

Utilizada para transplante homólogo (indivíduo diferente da mesma espécie)

Não é combinada com outro dispositivo aquando da implantação

É suscetível a isquemia e, como tal, pode apenas ser armazenada temporariamente

e não criopreservada

É suscetível a rejeição necessitando, habitualmente, de imunossupressão

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Tabela II - Critérios de seleção de doentes

Literacia em saúde com expectativas adaptadas para os resultados de uma cirurgia

experimental40,43

Doente motivado para a cirurgia40

Sem capacidade atual de micção de pé ou de coito12

Sexualmente ativo ou deseja ser24,40

Parceiro(a) a favor do transplante24,40

Estado psicológico / saúde mental incluindo exclusão de stress pós-

traumático12,24,26,37,40,43

Sem história de abuso de substâncias12,40

Suporte social24,40

Capacidade de adaptação ao humor, estigma e desprezo24

Recursos económicos para cobrir as necessidades médicas a longo prazo (caso tal

não esteja inicialmente pensado ou coberto a nível da investigação ou do plano de

saúde)24,40

Possibilidade do doente se deslocar caso a equipa de transplante se mude24

Tolerância à publicidade / exposição pública24

Sem infeção crónica por hepatite, citomegalovírus, VIH ou infeção bacteriana ativa12

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Tabela III - Inconvenientes mais relevantes associados à utilização de VCA

Necessidade de imunossupressão ad aeternum36,65,93

o Hipertensão

o Insuficiência renal

o Osteopenia

o Dislipidemia

o Diabetes

o Neoplasias

o Neutropenia

Rejeição11

Infeção11,26,36

Risco psicossocial65

Falta de órgãos para transplantar24

Alto custo dos procedimentos24,65