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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Luiz Antonio Sampaio Gouveia Rejeição da medida provisória, conflito entre poderes e vácuo legislativo MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luiz Antonio Sampaio Gouveia

Rejeição da medida provisória, conflito entre poderes e vácuo legislativo

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2010

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Luiz Antonio Sampaio Gouveia

Rejeição da medida provisória, conflito entre poderes e vácuo legislativo

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Vidal Serrano Nunes Junior.

SÃO PAULO

2010

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Banca Examinadora

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AGRADECIMENTOS

À Nossa Senhora Conceição Aparecida, padroeira do Brasil, minha

madrinha.

Ao meu Professor Gofredo Teles, que rogo perdoar-me no recôndito de

nossas almas. De quem guardo a verdade capital de minha vida: O Direito começa

no coração dos homens.

À Dra. Eliana Mara Brossi, minha mulher, que motiva meus sonhos, com a

força do seu amor.

Para Inaldo, Tamires, Dona Sofia e, especialmente, Daniela, pela

compreensão e tolerância, substancialmente, pela ajuda.

A gentilíssima Maria Edith Camargo Ramos Salgretti, que me ajudou na

materialização e formatação deste trabalho, minha prima, no ancestral comum,

Fernão Camargo.

Ao Professor Luiz Alberto David Araujo, que muito me motivou.

Ao meu orientador, Professor Vidal Serrano Nunes Junior, pelo trato lhano e

orientação culta.

Ao Professor André Ramos Tavares, de quem provecto, poderia ser pai, mas

de quem quero descender no empenho pela Justiça Constitucional.

À Professora Maria Garcia pelo estímulo e exemplo de vida.

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RESUMO

A medida provisória é ato do Executivo com força de lei, por dispositivo

constitucional. Como ordinariamente este Poder não tem competência legislativa e

por exprimir às vezes abuso disfuncional do Presidente da República quando invade

a competência do Legislativo, confronta estes Poderes. Em 120 dias de sua edição,

se o Congresso Nacional não a apreciar, convertendo-a em lei ou se a rejeitar, ela

perderá eficácia com efeitos ex tunc. As relações jurídicas consumadas sob sua

égide regulamentar-se-ão por decreto do Legislativo, editado em até 60 dias desses

eventos. Haverá vácuo legislativo de fato, até que o decreto legislativo seja editado.

Faltante esse, ela convalidar-se-á para disciplina das relações jurídicas que ensejou,

causando indagações sobre a constitucionalidade deste fenômeno. Para esta

pesquisa, foi necessário levantamento bibliográfico sobre o tema que, para além de

inúmeros livros, pautou-se por artigos e periódicos, arquivos de internet e

monografias, constantes na bibliografia do trabalho. Após definir sua natureza

jurídica e estudar histórico de suas origens, com incursões pelo Direito

Constitucional comparado, afirmando-se sua condição constitucional, analisa-se o

confronto de Poder motivado por ela. Propõe-se solução pelo controle concentrado

de constitucionalidade dos requisitos de habilitação das medidas provisórias.

Conclui-se impossível esse vácuo de direito e afirmando-se a inconstitucionalidade

da convalidação das medidas provisórias à falta desse decreto legislativo, pretende-

se que estas relações não mais dependam dele, devendo ser solucionadas pelo

Poder Judiciário.

Palavras-chaves: Inconstitucionalidade. Decreto Legislativo. Emenda Constitucional

nº 32. Conflito entre os Poderes. Vácuo Legislativo. Insegurança Jurídica. Direito

adquirido. Histórico da medida provisória.

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ABSTRACT

The interim measure is an act of the Executive with force of law, by

constitutional provision. Since ordinarily this legislative power has no jurisdiction to

express and sometimes expresses dysfunctional abuse of the (Brazilian) President

when it invades the jurisdiction of the Legislature, it confronts these powers. Within

120 days of its issue, if Congress does not appreciate it converting it into law, or

rejects it, it loses its effectiveness with ex tunc effects. The legal relationship

consummated under its support will be regulated by decree of the Legislature, issued

within 60 days of these events. There will be legislative vacuum in fact, until the

legislative decree is issued. Missing this, it will validate to the discipline of the legal

relations it raised, causing questions about the constitutionality of this

phenomenon. For this research, it was necessary literature on the subject that, in

addition to numerous books, was marked by articles and journals, internet files and

papers listed in the bibliography list of this work. After defining its juridical nature and

studying its historical origins, with forays into the comparative Constitutional Law,

claiming its constitutional condition, the clash of Power motivated by it is analyzed. A

solution is proposed by concentrated control of constitutionality of the qualification

requirements of provisional measures. It is impossible that void in law and claiming

the unconstitutionality of co validation of provisional measures due to the lack of

legislative decree, it is intended that these relations no longer depend on it and

should be resolved by the judiciary.

Keywords: Unconstitutionality. Legislative decree. Constitutional Amendment 32.

Conflict between the Powers. Legislative vacuum. Juridical Uncertainty. Vested right.

Interim measure history.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Medidas Provisórias anteriores à Emenda Constitucional nº 32, de

2001 ....................................................................................................189

Quadro 2 - Medidas Provisórias posteriores à Emenda Constitucional nº 32, de

2001 ....................................................................................................190

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 11

1 ENFOQUE DE IDENTIDADE JURÍDICA ................................................... 13

1.1 Apresentação ............................................................................................ 13

1.2 Conceito .................................................................................................... 14

1.2.1 Um instrumento na evolução do princípio da separação do Poder ..... 14

1.2.2 Compreensão da medida provisória no contexto do princípio da

separação do Poder ................................................................................. 17

1.2.3 Um ato discricionário do Poder Executivo ............................................. 21

1.2.4 Controle judicial ........................................................................................ 22

1.2.5 Institutos e espécies normativas assemelhadas e diferenças

específicas ................................................................................................ 24

1.2.5.1 Medida provisória e projeto de iniciativa do Presidente da República e seu

pedido de urgência para tramitação de projetos de lei no Congresso

Nacional ...................................................................................................... 27

1.2.5.2 Medida provisória e lei delegada ................................................................ 28

1.2.5.3 Medida provisória e ato normativo de administração.................................. 32

1.2.6 Natureza jurídica ....................................................................................... 38

2 CONDIÇÃO DE VALIDADE ....................................................................... 45

2.1 O Pressuposto Elementar de Edição em Postura Doutrinária: a

irrupção de um estado de premência requerendo disciplina legal

instantânea ................................................................................................ 45

2.2 Requisitos Constitucionais Formais. A urgência e a relevância .......... 55

2.3 Requisitos Constitucionais Materiais ..................................................... 58

2.3.1 A limitação material do campo das medidas provisórias em

demarcação constitucional implícita e explícita .................................... 58

2.3.1.1 Panorama anterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de

2001 ............................................................................................................ 58

2.3.1.2 Limitações materiais implícitas ................................................................... 59

2.3.1.3 Limitações materiais explícitas ................................................................... 60

2.3.1.4 Panorama posterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de

2001 ............................................................................................................ 60

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3 LINHAS CONSTITUCIONAIS E GERAIS DO PROCESSO LEGISLATIVO

DE APROVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA .......................................... 62

3.1 Da Sede Constitucional do Processo Legislativo .................................. 62

3.2 Uma Questão de Legitimidade: do processo legislativo

Representativo .......................................................................................... 64

3.3 Dos Procedimentos do Processo Legislativo ........................................ 65

3.4 O Sincretismo do Processo Legislativo na Constituição Federal de

1988 ............................................................................................................ 67

3.5 A Medida Provisória enquanto Objeto de um Processo Peculiar

de Produção .............................................................................................. 68

3.6 Dispositivos de Disciplina do Processo de Conversão em Lei da Medida

Provisória .................................................................................................. 69

3.7 Dispositivos Constitucionais de Disciplina do Processo de Conversão

da Medida Provisória em Lei ................................................................... 70

3.8 A Disciplina do Processo Legislativo de Conversão em Lei da Medida

Provisória nos Termos da Resolução nº 1, de 8 de Maio de 2002 ........ 74

3.8.1 Procedimento de deflagração ................................................................. 74

3.8.2 Procedimento vestibular de preparação. Pareceres da Comissão Mista

do Congresso Nacional de admissibilidade constitucional, de

adequação financeira e orçamentária e de mérito................................. 74

3.8.3 Procedimento de deliberação .................................................................. 77

3.8.4 Procedimento de conclusão .................................................................... 80

4 PROCESSO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA

MEDIDA PROVISÓRIA .............................................................................. 82

4.1 Diretrizes da Narrativa .............................................................................. 82

4.2 A História da Organização do Poder ....................................................... 82

4.3 Institutos Precursores da Medida Provisória ......................................... 83

4.4 Determinantes Históricas e Sociais para o Surgimento da Medida

Provisória .................................................................................................. 85

4.5 O Momento Histórico de Criação dos Instrumentos Legislativos do

Governo como Originados na Atividade Parlamentar ........................... 88

4.5.1 No contexto italiano do Estatuto Albertino ............................................ 89

4.5.2 No âmbito do Parlamento inglês ............................................................. 90

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4.6 Referenciais Históricos da Medida Provisória em Outras Ordens

Constitucionais Contemporâneas ........................................................... 91

4.7 A Medida Provisória e sua Matriz Histórica: o artigo 77 da Constituição

da República Italiana de 1948 .................................................................. 96

5 HISTÓRIA DA LEGISLATURA BRASILEIRA PELO PODER

EXECUTIVO ...............................................................................................103

5.1 A Medida Provisória na Constituição do Império ..................................103

5.2 O Decreto nas Rupturas Republicanas da Normalidade

Constitucional ...........................................................................................104

5.3 O Decreto-Lei na Carta de 37 ...................................................................106

5.4 O Decreto-Lei na Ditadura Militar de 1964 ..............................................107

5.5 O Decreto-Lei das Cartas de 1967 e 1969 ...............................................108

5.6 A Medida Provisória e Emenda Constitucional nº 32, de 11 de Setembro

de 2001 ......................................................................................................111

6 MEDIDA PROVISÓRIA UM INSTRUMENTO UNIVERSAL DE

LEGISLAÇÃO DEMOCRÁTICA ................................................................121

7 MEDIDA PROVISÓRIA, UM INSTITUTO JURÍDICO DETURPADO A

PERFAZER CONFRONTO ENTRE OS PODERES ...................................125

7.1 O Núcleo da Teoria de Montesquieu .......................................................127

7.2 A Flexibilidade do Sistema de Separação do Poder ..............................130

7.3 Novas Combinações para as Funções em que se Distribuem os

Encargos do Poder ...................................................................................131

7.4 O Que É e Qual a Razão de Ser para a Divisão do Poder .....................135

7.5 Sistema de Governo .................................................................................139

7.6 Parlamentarismo.......................................................................................145

7.7 Presidencialismo ......................................................................................148

7.8 Conceito de Conflito entre Poderes ........................................................152

7.9 O Fulcro do Conflito entre Poderes Ocasionado pela Medida Provisória

no Brasil ....................................................................................................155

7.10 O Controle de Constitucionalidade como Instrumento de Conciliação

do Conflito entre os Poderes, Resultante da Medida Provisória ..........161

7.11 A Cláusula Pétrea do Artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da

República Federativa do Brasil: a separação dos Poderes ..................171

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8 CONSEQUÊNCIAS DA PERDA DE EFICÁCIA DA MEDIDA

PROVISÓRIA .............................................................................................178

8.1 Medida Provisória e Vácuo de Legislação .............................................183

8.2 Sobre o Vácuo de Legislação em um Sistema Jurídico ........................185

8.3 Da Disciplina das Relações Jurídicas Originárias das Medidas

Provisórias Faltas de Eficácia .................................................................188

8.4 Arremate ....................................................................................................194

CONCLUSÃO .........................................................................................................198

REFERÊNCIAS .......................................................................................................202

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INTRODUÇÃO

Atualmente, a velocidade dos fatos no cenário social é superior em qualquer

circunstância à capacidade de agir dos que os devem disciplinar e em que eles se

consumam, gerando consequências as mais diversas e que se desdobram em

novos fenômenos carentes de regramento normativo em sucessivo

desencadeamento de novas e inusitadas situações constantemente e em moto

contínuo.

Portanto, a medida provisória desafia os governos que se vêem limitados em

suas iniciativas caso a solução necessária desses problemas não encontre

instrumento apto de legislação que possa por sua eficácia estabelecer o efetivo

controle desses eventos e prevenir efeitos danosos acautelando-se contra prováveis

e inevitáveis prejuízos para toda coletividade que deles possam decorrer.

A interdependência dos sistemas sociais e econômicos exige que os

governos sejam dotados de instrumentos instantâneos e eficientes de legítima e

imediata defesa da ordem pública. Tomada essa em contexto abrangente de toda

ordem social e econômica, em escala mundial. Nessa, o imediatismo das

comunicações, a concatenação automática e instantânea das reações possíveis e

humanas em face de um só acontecimento, envolve todo o universo planetário. Em

fluxos incessantes de moedas e de capitais e em frenética dinâmica desencadeada

por repentinos e inesperados movimentos de mercados e de seqüelas de todo

gênero de desastres ecológicos ou conflagrações políticas que degeneradas em

confrontos militares expressos em sutis movimentos de guerrilhas com boicotes

terroristas, que comprometem todo um sistema mundial de atividades.

Basta que um ser humano aperte o botão. Que toque o dedo na tela de um

minúsculo aparelho eletrônico e pronto: ele se verá no centro de uma catástrofe em

qualquer ponto do universo. Sua reação a centenas e milhares de quilômetros do

epicentro do desastre, provocará ações no território do Estado em que ele vive

consequentemente e ante as quais, se os seus governos não dispuserem de

reagentes normativos imediatos para repor no leito da ordem as manifestações disso

resultantes, certamente o desgoverno se alastrará. Deixará o Estado sem cumprir

suas funções constitucionais, desamparando, assim, toda coletividade, que dele

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espera, legal e constitucionalmente, amplo amparo, em regular estado de vigência

das liberdades, civis, públicas, sociais e coletivas, que não podem por isto cessar

simplesmente em prol da ordem em sua plena acepção.

Contudo, impossível pensar em qualquer instrumento de disciplina normativa

que possibilite aos governos ordenar as vicissitudes desses acontecimentos

inesperados e imprevisíveis. É de suma relevância que, em atenção aos reclamados

éticos e democráticos do constitucionalismo e em respeito aos essenciais e

constitucionalmente consagrados direitos fundamentais e dentro do sistema de

divisão de Poder, que maximiza a autenticidade da representação política, o

instrumento apto a tutelar tudo isso, possa corresponder aos desígnios da

sociedade. Muito mais: que ele se destine e seja aparelhado dentro de parâmetros

de consenso e de processo lídimos de produção consentida e assim constitucional

vigente da norma ordenadora e reordenante do sistema.

Nesse sentido e com tais preocupações e cuidados, é que a medida

provisória em um lento processo de evolução e urdidura histórica, jurídica e social

emana do contexto político, perfazendo-se instituto jurídico. O qual, além de apto e

autêntico, mostrou-se indispensável, dentro de uma ordem constitucional que se

pauta e inspira-se, ao menos, por teoria, no humanismo das declarações universais

de direitos do homem e do cidadão.

Preocupando-se em saber e avaliar a ética desse instituto constitucional - a

medida provisória - seu estudo foi multifacetado neste trabalho em inúmeros

aspectos de sua avaliação, desde suas remotas origens até seus processos de

fabricação, a fim de avaliar, em senso jurídico, a medida de sua correspondência

com tais valores e em face de tais necessidades de governança, bem como em

busca de um ideal de governabilidade constitucional e dentro destes objetivos a

introdução a este trabalho deve ser presidida pela fantasia de quem se vê em face

de um caleidoscópio de pensamentos em que afinal harmonizam-se a compreensão

e a liceidade constitucional da medida provisória em que pesem cuidados que se

deva ter para eliminar as rebarbas de inconstitucionalidade que em pontos

específicos de seu acontecer ainda a possam comprometer dentro de um sistema

político que deve ser necessariamente lídima expressão de uma Constituição, para

além de humana, contemporânea e justa.

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1 ENFOQUE DE IDENTIDADE JURÍDICA

1.1 Apresentação

A medida provisória instituto jurídico disciplinado pela Constituição da

República Federativa do Brasil, é atribuição da competência privativa do Presidente

da República (artigo 84, inciso XXVI), compreendida em seu processo legislativo

constitucional (artigo 59, inciso V).

Consiste na faculdade de edição por ele de atos normativos, com força

temporária de lei, para disciplina de situações políticas, sociais e econômicas, em

casos de relevância e de urgência (artigo 62, caput, primeira parte), que exijam

pronta ação deste agente público, substituindo-se ao Poder Legislativo em situações

em que seja impossível a imediata e eficaz ação deste Poder, a quem, pela

Constituição, compete fazer a lei para regulá-los em prol do interesse público, de

forma ordinária.

Deve ser imediatamente submetida pela Presidência da República ao

Congresso Nacional, após sua edição (artigo 62, caput, última parte), para sua

discussão e conversão em lei, caso seja por ele aprovada.

Vigerá por 60 dias, da data de publicação de sua edição e caso o Congresso

Nacional não a aprecie neste prazo, poderá ser prorrogada por mais uma vez e

assim por mais outros 60 dias.

Perde eficácia, se rejeitada ou não for apreciada pelo Congresso Nacional,

nos seus primeiros 60 dias de vigência, não acontecendo sua prorrogação e em 120

dias da publicação de sua edição, se ela acontecer (artigo 62, §§ 3º e 7º).

Excepcionalmente estes atos normativos podem viger mesmo depois de

rejeitados ou não apreciados pelo Congresso Nacional, nestes prazos definidos pela

Constituição.

Em primeira hipótese, se o decreto legislativo, que regulamente as relações

jurídicas decorrentes de sua vigência (artigo 62, § 11) não for promulgado, pelo

Congresso Nacional, em até 60 dias, depois de suas rejeições ou não apreciações

(artigo 62, § 3º, in fine), por ele.

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Em segunda, se for aprovado, também, pelo Congresso Nacional, projeto de

lei, que altere o seu texto original. Quando, então, vigerá até a conversão em lei

desse projeto (artigo 62, § 12), que o tiver alterado.

Por conseguinte – apesar destas duas hipóteses de vigência excepcional -

pode-se apresentar a medida provisória como um ato estatal normativo primário

porque fundada diretamente na Constituição e facultada ao Presidente da República

para legislar pessoalmente em casos de relevância e urgência, porquanto assim

autorizado a agir por dispositivo constitucional expresso, juridicamente dotada de

efeitos transitórios e precários, para viger com força de lei e eficácia temporária, por

até cento e vinte dias da publicação de sua edição e desde que, neste período,

depois de transcorrido sessenta dias desta publicação, ela seja prorrogada de novo

e mais uma vez, por igual período, de sessenta dias, somente continuando a valer e

ser eficaz como editada, se o Congresso Nacional, neste interregno, aprovar sua

conversão em lei definitivamente.

1.2 Conceito

1.2.1 Um instrumento na evolução do princípio da separação do Poder

Para José Afonso da Silva:

São, como se nota, [as medidas provisórias] medidas de lei (têm força de lei) sujeitas a uma condição resolutiva, ou seja, sujeitas a perder sua qualificação legal no prazo de 120 dias (art. 62, § 3º). Vale dizer, dentro desse prazo perdem sua condição de medidas provisórias por uma das três situações previstas no § 3º do art. 62: sua conversão em lei naquele prazo; ou sua rejeição ou não se verificando nenhuma delas, a perda de sua eficácia.

1

Para Celso Antonio Bandeira de Mello:

Medidas provisórias, como resultam das alterações introduzidas no art. 62 e parágrafos, da Constituição, pela Emenda Constitucional 32, de 11.9.2001, são providências (como próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalvas de certas matérias nas quais não são admitidas, em casos de relevância e urgência, e que terão “força de lei”, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em

1SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 451.

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lei dentro do prazo – que não correrá durante o recesso parlamentar – de 120 dias contados a partir de sua publicação.

2

Mas não se pode esquecer que o elemento fundamental da conceituação de

medida provisória é o fato de ser ela em seu nascedouro um ato normativo primário,

cujo fundamento de validade posto diretamente na Constituição, exprime a

excepcionalidade da competência legislativa, que esta confere ao Presidente da

República, legitimando-o, para expedir atos com força de lei, em caráter precário e

concorrente com o Poder Legislativo.

Se não estivesse posta a competência do Presidente da República em legislar

por medida provisória, em sede constitucional, esta situação seria uma usurpação

por ele de funções do Poder Legislativo, o que por não ser funcional em termos

constitucionais, não seria juridicamente possível.

Imperioso por isto parece ser realçar esta peculiaridade da medida provisória,

a sua fundamentação direta na Constituição, que muitas conceituações dela não

enfocam, muito embora sejam elas suficientes, como as já referidas neste trabalho,

para a compreensão do instituto dadas as suas condições de eficácia, que a

conceituação de medida provisória construída por ele engloba, sem olvidar de

considerar a permissão constitucional para que o Presidente da República legisle

por medida provisória, que ele incorpora e os conceitos dela por ele citados, não.

Logo somente a sede da competência para edição da medida provisória

situada na Constituição, induz compreender de que forma o ato de um Poder, como

é o Poder Executivo, desprovido da atribuição constitucional para legislar, pode

expedir um mandado com força de lei, seja dizer, como se lei ele fosse, embora não

o seja, por ser dotado dos mesmos atributos de obrigatoriedade indistinta para todos

os cidadãos do Estado que a editou, contudo sem que tenha origem na iniciativa do

Poder apto para o exercício desta função de legislar, que é o Poder Legislativo.

Sem dúvida, desta exceção que a Constituição respalda que é o ato de uma

legislação por via extraordinária, por um Poder a quem dota de capacidade

extraordinária para legislar, é que resulta a marca indelével da medida provisória e

que está em ser um ato de Governo marcado pela excepcionalidade, que, por ser

2MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009. cap. II, p. 26.

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assim, não pode ser abusivamente empregado, como é, somente podendo ser

usado nas hipóteses especialíssimas que a ensejam extraordinariamente para

situações de Governo que não sejam comuns, como autorizado pela Constituição.

Com isto, a autorização constitucional para o Poder Executivo legislar pela

medida provisória é a conditio sine qua non para a sua compreensão e, pois, para

conceituá-la, pelo menos a partir de um contexto das constituições centradas e

sustentadas na separação do Poder, como preleciona Alexandre Mariotti:

Cumpre sublinhar que, a menos que se prescinda inteiramente da separação dos poderes como princípio constitucional, a produção pelo Poder Executivo de atos normativos equiparados à lei de origem parlamentar sempre será exceção, nunca regra. Em que pese a respeitável opinião de autores como Loewestein e Bonavides, que o reputam irremediavelmente ultrapassado, o princípio ainda é aceito pela generalidade dos textos constitucionais contemporâneos. Nesse sentido, escreve Biscaretti di Ruffia:

Hodiernamente, pode-se afirmar que, em todos os modernos Estados de democracia clássica, a teoria da divisão dos poderes foi acolhida em linhas genéricas.

Assim sendo, a legislação proveniente do Executivo sempre deverá apoiar-se num título específico e determinado: conforme leciona Canotilho, “o princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre o órgão e a função e só admite exceções quando não for sacrificado o seu núcleo essencial”. Esse título, ademais, deve ser positivo, não bastando a simples omissão legislativa.

3

Concluindo reiteradamente:

A resistência à atividade legislativa do Poder Executivo normalmente resultou na sua existência de fato, independente de autorização constitucional. Pouco a pouco as Constituições passaram a admitir, em determinadas circunstâncias, a produção de normas primárias pelo Executivo. Preservada a separação de poderes, a legislação executiva sempre será exceção, devendo decorrer de um título específico.

4

3MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 25.

4Ibid., p. 98.

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17

1.2.2 Compreensão da medida provisória no contexto do princípio da

separação do Poder

Neste patamar as leis seriam abstratas e gerais, jamais particularizadas a

casos ou a situações específicas e sempre fabricadas pelo Poder Legislativo.

Entretanto, o constituinte de 1988 descentraliza a atividade legislativa em

atenção ao Estado Social, como Clèmerson Merlin Clève explica5:

A descentralização legislativa, este fenômeno que, no contexto do Estado Social, vem-se desenvolvendo de uma maneira impressionante, consiste na possibilidade de criação de atos normativos, sob forma de lei ou não, por outros órgãos que não propriamente o Legislativo (neste passo compreendido enquanto Plenário). Ou seja, consiste no exercício de uma função legislativa definida quer seja do ponto de vista formal (forma de lei) ou material (regulação heterônoma de interesses particulares – regra de direito – ou regulação genérica e abstrata – norma geral).

Essa descentralização legislativa pode ser decorrente de delegação legislativa ou de atribuição legislativa outorgada pelo Constituinte. Por outro lado, a descentralização pode ser (i) interna, quando operada no próprio seio do Legislativo, transferindo tarefas do Plenário para outros órgãos internos, como as Comissões (ii), ou externa, quando se identifica com a transferência (autorizada pelo Constituinte ou pelo Legislador) de tarefas do Legislativo para órgãos situados na esfera funcional dos demais Poderes ou diretamente para a sociedade.

Exemplo de descentralização é aquela prevista no art. 58, § 2º, da CF, segundo a qual às Comissões cabe discutir e votar projeto de lei que dispensar na forma do regimento, a competência do Plenário. Este mecanismo procura racionalizar o Legislativo, favorecendo sua adaptação às circunstâncias produzidas pela sociedade técnica e pelo Estado Social. Especialização (preparo técnico) e celeridade são os objetivos perseguidos pelo Legislativo descentralizado, de modo a não frustrar as expectativas normativas sempre crescentes da sociedade contemporânea.

Ao lado desse procedimento descentralizado, outros procedimentos centralizados, mas acelerados, foram sendo, cada vez mais, adotados pelos Parlamentos, com o claro intuito de adaptar o mecanismo de deliberação colegiada, típico dos Parlamentos, à exigência de eficácia e celeridade imposta pelo mundo contemporâneo.

Desta maneira nem mesmo se admite mais rígida separação de funções para

o Poder, cujo escopo é a realização plena do bem comum, portanto, das políticas

públicas e das metas e objetivos do Estado e cujos diferentes ramos de Poder têm

cada um deles atualmente incumbências que outrora eram prerrogativas de ação

exclusivas, separadamente, de um e de outro deles, de sorte que ao Poder

Judiciário, hoje, incumbe editar seus regimentos com força de lei, por exemplo, e ao

5CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 78-79.

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Poder Legislativo decidir administrativamente, em situações de seu peculiar

interesse, não sendo o Poder Executivo, assim, o único que assume, pelas

circunstâncias do momento, funções de caráter legislativo.

Com o Estado Social, aumentaram as funções exercidas pelo Poder Público. O Executivo passa a controlar quase que a totalidade das novas funções recentemente conquistadas pelo Estado. Não é por outra razão que “reconhece-se, hoje, como fato incontroverso que o Poder Executivo cresceu em vários sentidos, e, com isso, assumiu uma força política e jurídica preponderante em relação aos outros poderes”. Nesse tipo de Estado, duas variáveis simultâneas se manifestam. Em primeiro lugar, a função legislativa atua como jamais atuou. O número de leis aumenta consideravelmente. Por outro lado, o Estado passa a atuar cada vez mais por meio de outros mecanismos jurídicos que não a lei. O Estado Social é igualmente um Estado Administrativo. O Executivo maneja o dinheiro, executa serviços, constrói obras públicas, controla o câmbio e a emissão de moeda, oferece títulos públicos para arrecadar fundos ou para controlar a economia, fiscaliza as instituições bancárias, financeiras, de seguros, os fundos de pensão, oferece créditos subsidiados a esta ou àquela atividade econômica, cria empresas estatais, nacionaliza empreendimentos ou privatiza atividades do Estado, vigia o mercado acionário, promove campanhas de vacinação compulsória ou de prevenção de doenças epidêmicas. Ou seja, o Estado age, hoje, mais por meio da administração (atos administrativos e contratos administrativos) do que propriamente por meio da lei, embora esta seja, hoje, mais utilizada que antes, tendo, por isso, sofrido um processo de relativa banalização.

6

Assim, a complexidade das relações sociais postas em face de um plexo

diversificado de problemas, aguçou a vocação pública do próprio legislador, por

exemplo, e de outro bordo, também, como fizera com o Executivo, que transformara

em excepcional fautor da lei, para atendimento de insólitas necessidades que

atualmente o atarantam, alargou-lhe a competência enquanto poder.

Este aguçamento levou-o a tratar de particularidades, que antes não eram

objeto de sua atenção. Passou de uma ação produtora de uma legislação abstrata e

geral, para uma ação que se perfaz em uma legislação particularizada e concreta.

Veio mesmo ele, Poder Legislativo, disciplinar casos e situações específicas

em minúcias e como a administrá-las estivesse e como se fosse ele o próprio Poder

Executivo, a quem incumbe a administração das coisas públicas.7

6CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 29-30.

7A primeira posição é logo a de Forstshoff, acompanhada por Menger e Ballerstedt, para quem a característica essencial das leis de medida era serem leis de escopo (Zweckgesetze), orientadas para uma finalidade concreta. As leis de medida são disciplinas de acção, havendo correspondência objetiva entre o escopo e os meios de acção, contidos na própria lei. Sob o ponto de vista da garantia dos cidadãos e da estrutura do poder político, as leis-medida representariam uma invasão da autonomia do poder executivo, violando o princípio da separação dos poderes.

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Haveria na hipótese, das leis produzidas nestas circunstâncias, uma incursão

do Legislativo na seara do Executivo, por via de leis que se denominam leis medidas

porque elas corporificariam ações para resolução de problemas específicos em

tempo adequado à solução deles e, pois, com proveito e utilidade para todos.

Isto porque a lei não seria a ação, mas, sim, um preceito, uma orientação, um

programa para a ação, que o Legislativo direciona aos particulares e ao Executivo

também e para eles ajam, em sua conformidade.

Porque é a estes sujeitos – os particulares e o Executivo - que cabe

particularizar em casos específicos a premissa geral que a lei previu, concretizando-

a e realizando o mandamento de seu texto em situações próprias em que os fatos

possam ser subsumidos ao mandado legal, no contexto social.

De onde viria o atributo de abstração que a lei ostenta, o qual uma vez

perdido, pode desnaturá-la em sua substância enquanto espécie normativa geral e

abstrata8, para deixar de ser lei, no momento em que ela particulariza o objeto da

legislação ou a finalidade geral e abrangente de seu escopo para dispor sobre

situações particularizadas e específicas, que intente resolver.

Assim como a medida provisória é uma intervenção do Poder Executivo na

seara do Poder Legislativo, as leis medidas9 seriam incursões do Poder Legislativo

no campo de atuação do Poder Executivo, como é a inevitável evolução do Poder

Público que pretenda ser conseqüente.10

Daqui derivaria o perigo de uma maior desprotecção dos particulares dada a maior dificuldade do controlo da lei que dos atos administrativos (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 718).

8A lei é, pois, geral quanto a sua origem e quanto ao seu objeto e estatui abstractamente para os assuntos da comunidade (Ibid., p. 714).

9Mas as leis-medida (Massnahmengesetze, leggi-provvedimento) estão ligadas à complexidade cada vez maior da vida hodierna e à sua aceleração, ao alargamento das tarefas do Estado e à diversidade de veículos de comunicação entre a sociedade e o poder. São leis de intervenções em situações concretas para precisos efeitos e que traduzem, pois, em medidas ou providências dirigidas à resolução destes ou daqueles problemas em tempo útil; ou, numa fórmula conhecida, leis em que actio dir-se-ia suplantar a ractio ou constitutio (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo V, p. 136).

10A distinção de Schmitt é posteriormente aproveitada por Forshoff que, partindo da constatação das indesmentíveis transformações sociais políticas ocorridas depois da 1ª Guerra Mundial, considera inevitável a adopção por parte do legislador, de medidas legais destinadas a resolver problemas concretos, econômicos e sociais. Não se trata já do legislador extraordinário de Schmitt, mas do legislador ordinário forçado a emanar leis, cujo escopo não é o de criarem uma ordem geral, justa e racional, mas o de realizarem elas mesmas uma utilidade concreta. Estas leis nascidas de situações de necessidades, estão numa relação lógica com estas necessidades; há uma conexão evidente

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Vê-se, por consequência, que o senso de medida é o de ação particularizada.

Não de uma prescrição geral, como é a lei.

Mas de uma ação que é uma providência.

De algo que se destina a solucionar um problema específico e a fazer sua

solução.

Imediatamente e sem delongas, porque necessária a solução dele sob pena

de prejuízo latente, de reparação difícil ou impossível, para toda a coletividade, do

dano que ele lhe possa causar, se houver demora ou perigo no agir do administrador

que o legislador quer ser e o Presidente da República é.

Neste sentido medida equivale a ação.11

Logo, se ação é o que denomina a atividade do Poder Executivo, onde se lê

medida provisória com força de lei, leia-se, ação provisória do Poder Executivo com

força de lei e até porque ela é inspirada no Direito Italiano, em que provvedimenti

provvisori con forza di legge se pode traduzir como provisão provisória com força de

lei, em senso de que na provisão esteja uma preventiva ação contra um risco ou

contra um desastre que somente a ação concomitante e política, com respaldo

jurídico na força de lei, do Presidente da República a par e passo com seu florescer

e desenvolvimento, é que os pode evitar e com sua solução encaminhada para o

bem comum.

entre escopo e meio de realizar desse escopo (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 718).

11A distinção entre lei e medida surge com C. Schmitt quando este autor, ao analisar o poder do presidente do Reich para decretar ordenanças com valor de lei, nos termos do art. 48, nº 2, da Constituição de Weimar, enunciou a tese de que as disposições do legislador extraordinário (Presidente do Reich) ratione necessitatis eram medidas substancialmente diferentes das leis do Estado legislativo parlamentar. Ao permitir-se a um órgão executivo a emanação de medidas com forma e valor de lei, operante inclusivamente no campo dos direitos fundamentais (liberdade e propriedade), então teríamos actos simultaneamente legislativos e executivos, simultaneamente lei e execução de leis. Estes actos foram designados por Schmitt com o nome de medidas (Ibid., p. 717).

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1.2.3 Um ato discricionário do Poder Executivo

De outro bordo, pode-se conceituar a medida provisória como espécie

normativa insólita e excepcional, não porquanto sobre ela já se tenha dito, neste

trabalho, mas porque sua edição é também um ato discricionário do Executivo

autorizado pela Constituição a legislar, sustentado em conceitos jurídicos abertos e

indeterminados12, por conta de ser a medida provisória destinada à disciplina de

situações ditas relevantes e urgentes.

A verificação destes pressupostos é de acendrada subjetividade e, portanto,

incerta, na medida em que é de difícil consenso objetivo a configuração de fato da

relevância e da urgência, no contexto social, para ter-se azo para editar a medida

provisória.

Cabe, assim, ao Presidente da República detectar o momento de sua ação

legislativa por via deste instrumento normativo, investindo-se por determinação

constitucional de atributo peculiar à função de outro Poder.

Sujeita-se, porém, o Presidente da República à emenda deste Poder, o Poder

Legislativo, com quem o Executivo concorre ao legislar pela medida provisória, no

que toca à oportunidade e ao mérito deste seu ato legislativo excepcional e ao

controle de constitucionalidade do Poder Judiciário, no que tange, no mais das

vezes, ao último.

12

Segundo os dicionaristas: (Cândido de Figueiredo, 1940; Plácido e Silva, 1967, v. 4): Relevante/Relevância: Que releva, saliente, importante. Aquilo que importa; aquilo que é preciso, relevans. De relevar, do latim relevante (reerguer), entende-se que o que é apreciável, tem fundamento, é legítimo, é razoável, em virtude do que se mostra admissível, evidente, insuperável. Assim, matéria relevante, seja de fato ou de direito, é a que se apresenta em toda exuberância, em toda evidência, para ser acatada ou apreciada como justificativa do pedido, da pretensão, ou da proteção ao direito. Urgência: Do latim urgentia, de urgere (urgir, estar iminente), exprime a qualidade do que é urgente, isto é, premente, é imperioso, é de necessidade imediata, não deve ser protelado, sob pena de provocar, ou ocasionar um dano, ou um prejuízo. Assim, a urgência assinala o estado das coisas que se devam fazer imediatamente, por imperiosa necessidade, e para que se evitem males, ou perdas, conseqüentes de maiores delongas ou protelações. Juridicamente, a justificativa da urgência provém, invariavelmente, não somente da necessidade da feitura das coisas, como do receio, ou do temor, de que qualquer demora ou tardança, possa trazer prejuízos. Assim, relevância pode ser filologicamente decodificada como insuperável, e urgência, como inadiável (FIGUEIREDO, Marcelo. A medida provisória na Constituição. São Paulo: Atlas, 1991. p. 24).

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1.2.4 Controle judicial

Em uma visão conservadora, a questão dos critérios para aferição dos

requisitos de relevância e urgência das medidas provisórias, estaria circunscrita à

competência do Poder, em suas funções executivas e legislativas.

O Poder Judiciário não poderia converter-se em instância política revisora, da

ocorrência dos requisitos formais de relevância e urgência das medidas provisórias,

para avaliar a conveniência e a oportunidade de suas edições, pelo Executivo e de

suas convolações em lei pelo Poder Legislativo.

Não lhe caberia assumir funções estranhas às suas incumbências e ditar ao

Legislativo e ao Executivo o que entenda como relevante e urgente, quando este

juízo quanto à ocorrência destes pressupostos que ensejam a medida provisória

seria prerrogativa destes dois outros ramos do Poder, no âmbito de suas

competências políticas exclusivas e assim abonar ou não em última e inexistente

instância a conveniência e oportunidade de uma medida provisória, pela constatação

ou não do acontecimento dos requisitos subjetivos necessários a dar causa a sua

edição.

Não seria da competência do Poder Judiciário ditar ao Poder Executivo o

momento para a prática de atos relativos a seu programa de ação ou ao Legislativo

quando à hora em que ele deve legislar, sob pena de concentrar poderes, em si e

em detrimento destes seus dois outros ramos do Poder, usurpando-lhes

competências e tolhendo-lhes a independência e a funcionalidade constitucionais

para sobrepor-se com relação a eles em afronta ao princípio constitucional de

separação do Poder.

Como noticia Gustavo Rene Nicolau13, o Supremo Tribunal Federal tem

entendido que a conferência da configuração dos pressupostos formais das medidas

provisórias, a relevância e a urgência, para ensejar-lhes a edição, há de ser feita

discricionariamente pelo Poder Executivo, como decidido na ADIN nº 2.150/2002 e

13

NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 119-121.

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1.667 e que a intervenção deste Tribunal na análise destes pressupostos é

excepcional, como ocorrido na ADIN nº 1.910/2004.14

Neste ponto, é que se reafirma o caráter em ser a legislatura do Poder

Executivo pela medida provisória, concorrência em termos com o Poder Legislativo,

porque a mesma discrição que tem este último para legislar, tem o Poder Executivo

para agir nas matérias em que legislar não lhe está vedado pela Constituição,

notadamente quanto à identificação dos pressupostos formais que permitem seja

desencadeada sua ação legislativa, muito embora de forma precária com eficácia

por tempo determinado, pela medida provisória, cuja oportunidade de edição é da

alçada exclusiva dele, enquanto Poder Executivo, único legislador competente para

expedi-la.

Em que pese a medida provisória para consumar o seu trajeto até a

convolação em lei depender da coleta do sufrágio do Poder Legislativo, em seu

roteiro no processo que consuma o ato complexo que a leva de ato normativo com

força de lei a lei efetivamente, quando a tanto for convolada pelo Poder Legislativo,

que é o outro Poder, além do Poder Executivo, que pode barrar a medida provisória

por falta dos seus pressupostos subjetivos de edição, a relevância e a urgência, nos

termos da Constituição.

14

Antes disso, já se dissera: “Posto isso, compete ao Presidente da República, no primeiro momento aferir a presença dos pressupostos em cada caso concreto. A verdadeira dificuldade todavia, continua sendo eleger quem tem a palavra final sobre a existência ou não de relevância e urgência em cada caso. Na vigência das Constituições de 1967 e 1969, conforme visto, o Supremo Tribunal Federal considerou que o Presidente da República exercia juízo discricionário sobre a presença dos pressupostos constitucionais do decreto-lei, juízo este que se sujeitava apenas ao controle político do Congresso Nacional, não se cogitando de controle jurisdicional. No que respeita às medidas provisórias, entretanto, o Tribunal afastou-se declaradamente dessa jurisprudência em julgamento no qual „admitiu que os pressupostos de relevância e urgência não eram de todo imunes ao controle jurisdicional‟, que fica limitado, contudo, „à verificação, em cada caso, da existência de abuso manifesto‟. Assim, embora tenha mantido para a edição da medida provisória o entendimento firmado a propósito do decreto-lei de que a verificação dos pressupostos autorizadores é matéria de juízo político discricionário, o Supremo Tribunal Federal teria acrescentado que o abuso dessa discricionariedade é passível de apreciação judicial. Se considerada a jurisprudência formada em torno do decreto-lei, entretanto, é plausível a afirmação de que esse posicionamento é menos uma novidade do que uma adaptação ao novo regime constitucional de decisões anteriores. Se é certo que, inicialmente, o pronunciamento da impossibilidade de controle jurisdicional da verificação dos pressupostos é monolítica, o mesmo não acontece, em momento posterior, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 75.395-SP: no acórdão que o registra, o mesmo Min. Aliomar Baleeiro, que havia conduzido a tomada de posição original do Supremo Tribunal Federal, assevera que a revisão judicial dos pressupostos „poderá ocorrer excepcionalmente se o discrionarismo praticado já no campo do absurdo, tocar ao arbítrio‟. Isso porque „urgência‟ e „interesse público relevante‟ „são aspectos políticos entregues ao discricionismo (não ao arbítrio) do Congresso e do Presidente da República‟” (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 72-73).

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Entretanto, tenha-se presente a lição de Humberto Bergmann Ávila de que a

medida provisória deve ser entendida nos termos da Constituição de 1988.15

Concluindo-se, então, com o magistério de José Celso de Mello Filho:

O Chefe do Executivo da União concretiza na emanação das medidas provisórias, um direito potestativo, cujo exercício – presentes razões de urgência e relevância – só a ele compete decidir. Sem prejuízo, obviamente, de igual competência do Poder Legislativo, a ser exercida a posteriori e, quando tal se impuser, dos próprios tribunais e juízes.

Esse poder cautelar geral – constitucionalmente deferido ao Presidente da República – reveste-se de natureza política e de caráter discricionário, É ele, o Chefe de Estado, o árbitro inicial da conveniência, necessidade e oportunidade de seu exercício.

Essa circunstância, contudo, não subtrai ao Judiciário o poder de apreciar e valorar, até, se for o caso os requisitos constitucionais de edição das medidas provisórias. A mera possibilidade de avaliação arbitrária daqueles pressupostos, pelo Chefe do Poder Executivo, constitui razão bastante para justificar o controle jurisdicional.

16

Cabe, porém, em conclusão registrar oportuna ponderação:

A respeito do tema, encontra-se na legislação italiana regra, presente na Lei n. 87, de 1953, que de acordo com seu art. 28 proíbe ao julgador constitucional entrar no âmbito de apreciação discricionária correspondente ao Poder Legislativo. Trata-se, como observou Usera, da pretensão do Poder Legislativo de se ver livre de todo e qualquer controle (extrajurídico) exercido por meio da interpretação.

Não se pode compreender como seja possível ao Legislativo criar uma regra que retirasse qualquer poder de controle da esfera judicial. Equivaleria a paralisar o Judiciário ou, ao menos, pretender transformar os juízes em meros autômatos. Pelo controle judicial, o magistrado entra no âmago da discrição legislativa, para verificar se ela foi bem exercida nos termos constitucionais a que deve respeito. O que não pode ocorrer é o controle ir ao ponto de substituir a opção política manifestada pelo legislador pela opção política individual do julgador.

17

1.2.5 Institutos e espécies normativas assemelhadas e diferenças específicas

Não se confundirá a natureza jurídica da medida provisória com a de outros

instrumentos constitucionais relativos ao processo legislativo. Simplesmente por

15

ÁVILA, Humberto Bergmann. Medida provisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. p. 42

16MELLO FILHO, José Celso. Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 33, p. 203-225, jun. 1990.

17BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002.

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estar inserida na Constituição entre as espécies normativas produtíveis pelo

processo legislativo constitucional.

Porque a medida provisória estar ínsita entre os instrumentos que resultam

produto do processo legislativo é uma característica extrínseca e acessória dela e

ela não pode ser definida por este seu acessório.

Mas, sim, pela sua substância, que exprime o seu cariz intrínseco e como o

constituinte a crismara ao configurá-la nos termos em que constituiu o seu

arcabouço vertebral pelo artigo 62 da Constituição de 5 de Outubro de 1988, um ato

excepcional do Poder Executivo com eficácia de lei.

Confira-se com José Afonso da Silva:

Assim, é ponderável concluir que as medidas provisórias são atos de governo provenientes do exercício de funções co-legislativas do Poder Executivo. Mas isso não basta, porque, se têm força de lei, e valem como tal, é porque tem natureza de lei, mas lei apenas em sentido material. Sua conversão em lei é que importa dupla transformação: uma, a de um ato de governo (executivo) em um ato legislativo; outra, de uma lei em sentido

material em uma lei em sentido formal.18

De outro bordo, ela não pode ser confundida com atos do Presidente da

República que integrem o processo legislativo, como são, por exemplo, o projeto

legislativo de iniciativa do Presidente da República e o pedido de urgência em sua

tramitação, que este pode endereçar ao Congresso Nacional nos termos da

Constituição.

Especialmente a medida provisória não pode ser confundida com as leis

delegadas.

Muito menos ser conceituada como ato administrativo.

É que somente a medida provisória é um ato normativo primário que tem

origem na sede de outro ramo do Poder, que não o Poder Legislativo, no cerne do

Poder Executivo, enquanto tal, em ato que exprime a outorga recebida via umbilical

do constituinte pelo Presidente da República para editar a medida provisória.

18

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 451.

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Assim, a medida provisória tem vida independente do processo legislativo.

Pode desencadeá-lo ou não.

Na primeira hipótese, se passar no Congresso Nacional por seu juízo

preliminar de conferência de verificação de seus pressupostos subjetivos de

relevância e urgência, a medida provisória dará causa à instauração do processo

legislativo.

Na segunda, reprovada nesse Parlamento por faltarem-lhe estes requisitos de

relevância e urgência, será ela inexistente, perdendo, assim, a eficácia e não dará

motivo para que se inicie o processo legislativo de sua convolação em lei.

Existe medida provisória sem que se instaure o processo legislativo porque

ela existe a partir da manifestação de vontade do Presidente da República. Sem que

sobre ela se manifeste o Poder Legislativo prévia ou conjuntamente com ele, para

ser eficaz.

Quando ela chega ao Parlamento para se inserir no leito de seu processo

legislativo de formação e conformação em lei, a medida provisória a ele já chegou

plena de vida, de eficácia e assim de efetividade jurídica e de consequência social.

Mesmo que seja enquanto dotada de uma existência e vigor precários e

provisórios.

Mesmo que o Poder Legislativo a possa abortar em seu caminho para a

transmutação em lei por ele, rejeitando-a.

Mesmo que ele a vivifique, por sua conversão de medida provisória, lei

material existente antes de chegar ao Congresso Nacional, em lei formal em que ela

deva subsistir, para sobreviver, após ser por ele aprovada.

A medida provisória quando editada é mandado dotado de eficácia legal.

Embora édito presidencial, a medida provisória criou deveres e extinguiu

situações, modificando-as, constituiu e alterou direito, suprimindo obrigações,

quando simplesmente editada, inovando, desta maneira, a ordem jurídica e mesmo

antes de ser objeto de processo legislativo no Congresso Nacional para sua

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conversão em lei, com isto atuando no contexto social dos fatos como se lei fosse,

desde que editada e publicada.19

Porque sua eficácia com força de lei tem por ato inaugural a atuação do

Presidente da República que a editou e concomitantemente com a publicação no

Diário Oficial do texto da medida provisória.

1.2.5.1 Medida provisória e projeto de iniciativa do Presidente da República e seu

pedido de urgência para tramitação de projetos de lei no Congresso

Nacional

Ao contrário, as iniciativas do Chefe do Poder Executivo e que estão aptas a

dar causa e motivo à instauração do processo legislativo no âmbito do Poder

Legislativo ou a nele influir – insista-se o projeto legislativo de iniciativa do

Presidente da República, o pedido de urgência em sua tramitação, que este pode

endereçar ao Congresso Nacional nos termos da Constituição – são simples atos no

contexto do processo legislativo, que não guardam condições de independência ou

autonomia com relação a ele.

A iniciativa do Presidente da República em apresentar propostas de leis ao

Congresso Nacional, não se confunde com sua competência para editar medidas

provisórias.

Muito menos o fato de que possa ele pedir urgência na tramitação de projetos

de leis, enquanto apresentar projetos de sua iniciativa pode ser confundido com seu

poder de editar medidas provisórias com força de lei.

Isto porque nem em uma e nem em outra atividade, o projeto adquire a força

de lei, em consequência da proposta de lei que o Presidente da República enviar ao

Congresso Nacional ou do pedido de urgência feito a ele pelo Presidente da

República para tramitação urgente de certo projeto de lei em sua sede.

19

Embora de maneira precária, apenas suspendendo a vigência da legislação que revogou, nestes termos, cuja efetiva revogação fica na dependência da convolação da Medida Provisória em lei.

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Como, entretanto, a medida provisória ganha ao ser por este Presidente

editada.

Usando o Presidente da República de sua faculdade de editar medidas

provisórias, sem em nada depender de outro ramo de Poder, para que elas tenham

força de lei, antes que elas adentrem o trâmite do processo legislativo, desde sua

edição e até a conclusão deste, que consume ou não a conversão da medida

provisória em lei, o dispositivo da medida provisória terá eficácia como se lei fosse.

Equívoco, pois, será dizer que a edição da medida provisória é um

procedimento do processo legislativo.

1.2.5.2 Medida provisória e lei delegada

Também leis delegadas são distintas da medida provisória.

Muito embora sejam as leis delegadas mandamentos normativos, postos pelo

Poder Executivo, como ela é.

É que a começar, leis delegadas são leis e não são medidas precárias como

a medida provisória é.20

20

As medidas provisórias configuram no direito constitucional positivo brasileiro, uma categoria especial de atos normativos do Poder Executivo, que se revestem de força, eficácia e valor de lei. Refletem na concreção de sua existência, uma significativa tendência que se registra no plano do direito constitucional comparado, e no da nossa própria existência constitucional, no sentido de outorgar – inobstante em bases de excepcionalidade absoluta – competência normativa ao Executivo (ORIGONE. L’estensione della competenza legislativa del Governo nello Stato Moderno, Roma, 1935; VIESTI, Il Decreto-Legge, Napoli, 1967; CHELI, L’ampliamento dei poteri normativi dell’Esecutivo nei principali ordenamenti occidentali, in Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1959, p. 463). Como a função legislativa pertence, ordinariamente, ao Congresso Nacional, que a exerce por direito próprio, com observância da estrita tipicidade constitucional que define a natureza das atividades estatais, torna-se imperioso assinalar – e advertir – que a utilização das medidas provisórias, por constituir exceção derrogatória do postulado de divisão funcional do poder, não tem caráter autônomo, pois subordina-se, em seu processo de conversão legislativa e definitiva incorporação do direito positivo interno, à vontade emanada do Congresso Nacional. Por isso mesmo, a doutrina italiana, ao discutir o tema decreto-lei – cujo modelo normativo parece haver influenciado fortemente o constituinte brasileiro na positivação da medida provisória – acentua que, nesse domínio, appare chiaro che il Governo legifera a titolo meramente vicário e sussidiario (VIESTI, Giuseppe. Il Decreto-Legge. Napoli: Casa Editrice Jovene, 1967. p. 58). MELLO FILHO, José Celso de. Considerações sobre as medidas provisórias. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 33, p. 203-225, jun. 1990.

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29

Quando o Poder Executivo que recebeu a delegação para fazê-las do Poder

Legislativo as consuma, elas enquanto leis delegadas por ele feitas já são leis e não

precisam de mais nada para ter obrigatoriedade geral e definitiva.

Em que pese haver a figura excepcional da lei delegada feita pelo Poder

Executivo que necessite ratificação, dependendo da modalidade da delegação que

lhe foi concedida, pelo Poder Legislativo.

A propósito, na arquitetura da distribuição tripartite de Poderes, agir ou

praticar atos, atuando para administrar e cumprir as leis, é função precípua do Poder

Executivo, que é a roda propulsora da Administração do Estado. Em verdade, quem

põe a mão na massa.

Cabe ao Legislativo precipuamente fazer leis e ao Poder Executivo,

administrar.

A feitura de leis pelo Executivo é uma usurpação de funções por ele daquelas

que são prerrogativas do Legislativo.

Nem mesmo a delegação do Legislativo para fazer leis ao Executivo seria

jurídica.21

21

De delegação de plenos poderes é exemplo a lei de 2 de agosto de 1848 [adiante referida e em vigor por força do Estatuto Albertino, Constituição do Reino da Itália, até a Constituição da República Italiana de 1º de janeiro de 1948] justificada, em seu preâmbulo, pela „necessidade suprema de se prover instantâneamente à defesa do Estado por meios mais rápidos e eficazes‟; e os constitucionalistas italianos lembram que em sessão de 20 de março de 1848, da câmara dos deputados, o ministro Ratazzi, à vista das dificuldades opostas à aprovação de certo projeto de delegação de funções legislativas ao governo, em matéria de disciplina da liberdade, declarava que ‘a frontte dello Statuto, stà ogni legge superiore ad ogni statuto, stà la legge della necessità’ (ORREI, Ernesto. Il Dirtitto Constituzionale e lo Stato Giuridico. Roma: Athenaeum, 1927. p. 377, nota 2). Delegações dessa natureza foram outorgadas ao governo em 1859, 1898, 1909, 1920, versando umas sôbre matérias precisamente determinadas (como, por exemplo, para a revisão de alguns códigos, ou ainda para a consolidação – testo único – de certas leis, com as alterações necessárias à sua coordenação) e outras contendo poderes genéricamente indicados (tudo isto, além dos plenos poderes concedidos durante a guerra de 1914-1918). Foi durante e logo após essa guerra que o uso dos decretos-leis assumiu maiores proporções, mas as câmaras em dado momento os ratificaram, convertendo-os em uma só lei („lei coletiva‟), sem reexame de suas disposições. Na doutrina, não eram raras, a êsse tempo, as opiniões contrárias às delegações legislativas. MEUCCI, entre outros publicistas, dizia não se lhes poder aplicar o princípio qui per alium facit per se ipsum facere videtur e sim este outro: delegatus delegare non potest, querendo significar, sem dúvida, que o parlamento exerce um poder delegado pelo povo e, porisso, não pode por sua vez delegá-lo, tanto mais quanto, acrescentava o mesmo autor, ‘la postestá legislativa appartiene a l’imperium’ Instituzioni di Diritto Amministrativo, 1909. p. 53. RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 140.

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Isto porque não se transfere o que não se tem e o Legislativo já teria recebido

do constituinte a delegação para fazer leis, a qual, não tendo origem no que lhe seria

próprio, mas, sim, próprio do constituinte, pode ser transferida a ninguém.

Este é o entendimento do direito constitucional clássico.22

Temperando este entendimento as leis delegadas são comandos que

emanam do Poder Legislativo, mesmo que decorrentes de delegação dele ao Poder

Executivo para produzi-las, em seu nome, pela figura jurídica da delegação, que é

uma transferência excepcional de competência de um ramo de Poder do Estado

para outro.

22

Existem em cada Estado três tipos de poder: o poder legislativo, o poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes e o poder executivo daquelas que dependem do direito civil. Com o primeiro o príncipe ou o magistrado cria leis por um tempo ou para sempre e corrige ou anula aquelas que foram feitas. Com o segundo, ele faz a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, instaura a segurança, previne invasões. Com o terceiro, ele castiga os crimes, ou julga as querelas entre os particulares. Chamaremos a este último poder de julgar e ao outro simplesmente poder executivo do Estado. A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor. Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares. Na maioria dos reinos da Europa, o governo é moderado, porque o príncipe, que possui os dois primeiros poderes, deixa a seus súditos o exercício do terceiro. Entre os turcos, onde estes três poderes estão reunidos na pessoa do sultão, reina um horrível despotismo. Nas repúblicas da Itália, onde estes três poderes estão reunidos, se encontra menos liberdade do que em nossas monarquias. Assim, o governo precisa, para se manter, de meios tão violentos quanto o governo dos turcos; prova disto são os inquisitores do Estado e o tronco onde qualquer delator pode, a qualquer momento, lançar um bilhete, com sua acusação. Vejam qual pode ser a situação de um cidadão nestas repúblicas. O mesmo corpo de magistratura possui, como executor das leis, todo o poder que se atribuiu como legislador. Pode arrasar o Estado com suas vontades gerais e, como também possui o poder de julgar, pode destruir cada cidadão com suas vontades particulares. Ali todo o poder é um só e, ainda que não tenha a pompa exterior que revela um príncipe despótico, ele faz-se sentir a todo instante. Assim, os príncipes que quiseram tornar-se despóticos sempre começaram por reunir em sua pessoa todas as magistraturas; e vários reis da Europa reuniam todos os grandes cargos de seu Estado (MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 167).

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Dá-se, nesta transferência de competência, entre estes dois ramos do Poder,

da competência legislativa, o mandato que faz o Poder Executivo, o próprio Poder

Legislativo, extraordinariamente.

Desta maneira, na lei delegada, o Parlamento confere ao Governo, ou o

Poder Legislativo confere ao Poder Executivo, após autorização de seus membros,

representantes do povo, que os elegeu para fazer leis, a competência constitucional

para fazê-las.

Como se fosse o Poder Executivo, delegado, quem as estivesse fazendo, por

ele, o Poder Legislativo, que é quem delega a competência para que o Poder

estranho à atividade normativa faça a espécie normativa que é a lei.

Há nesta espécie normativa, da lei delegada, um mandato do Poder

Legislativo para o Poder Executivo.

Com isto, a outorga de um mandante, o Poder Legislativo, para um

mandatário, que é o Poder Executivo.

Consistente na transferência do outorgante, para o outorgado, de uma

prerrogativa constitucional e que somente pelo outorgante é detida, por atribuição

constitucional, que é a de fazer leis, que o outorgado não tem e porque suas

incumbências constitucionais são outras.

Com isto, o poder conferido pelo Poder Legislativo ao Poder Executivo para

fazer leis delegadas é um poder peculiar e exclusivamente dele. Uma prerrogativa

constitucional para legislar. Mas que ele transferiu ao segundo, sem dela se

despojar, em via extraordinária e em forma temporária, dentro de certas condições.

Para finalidades específicas. Porém, não necessariamente emergenciais, como são

aquelas que ensejam a medida provisória.

Daí a atribuição que o Poder Executivo tem para fazer leis delegadas é

derivada do Poder Legislativo.

Não originária do constituinte.

Mas a atribuição do Poder Executivo para editar medidas provisórias e para

disciplinar as situações emergenciais, é atribuição que lhe confere diretamente o

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constituinte, por força expressa e clara da norma constitucional. Diferente daquela

que ele recebeu diretamente do Poder Legislativo para fazer as leis delegadas,

indiretamente do Poder Constituinte, portanto.

Por consequência e não se perca, porém, de vista, que lei delegada é lei, mas

que medida provisória não é lei delegada.

1.2.5.3 Medida provisória e ato normativo de administração

Muito menos a medida provisória pode ser confundida com os atos

normativos de caráter administrativo. Mesmo quando eles forem atos do Poder

Executivo que emitem ordens coercitivas e gerais, com atributos da lei.

André Ramos Tavares, em tópico de obra em que indaga a natureza

legislativa ou administrativa da medida provisória,23 depois de destacar a opinião de

Alexandre Mariotti, para quem a medida provisória apresenta natureza legislativa,

refere-se a Clèmerson Cléve que a qualifica “hipótese de automática delegação

legislativa (ocorrentes os pressupostos de habilitação)”.

Cita Joel de Menezes Niebuhr, para quem a medida provisória “é ato político

e normativo, com força de lei” e mencionando Marco Aurélio Grego, que qualifica a

medida provisória como ato administrativo, por sua natureza essencial de ato de

Governo, conceitua-a por atribuir-lhe natureza legislativa, concluindo:

Não pode restar dúvida de que as medidas provisórias caracterizam-se pela natureza legislativa que lhes acompanha desde o momento de sua edição até o seu termo final, vale dizer durante sua vigência. Embora sendo medidas excepcionais, essa característica não deve entorpecer a verificação de sua natureza acentuadamente legislativa, embora proveniente do Poder Executivo. Poder-se-ia considerar uma legislação extraordinária, expressão utilizada por VITTORIO DI CIOLO, para diferenciá-la da legislação ordinária, advinda do parlamento.

24

Assim, para bem conceituar-se a medida provisória, cumpre ainda diferenciá-

la de atos normativos de administração.25

23

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.124. 24

Ibid. 25

Carmen Lúcia Antunes Rocha situa a medida provisória como ato administrativo e refutando a natureza legislativa da medida provisória, atribui a Gilmar Mendes entender que ela seria um ato misto, de natureza legislativa e administrativa. Confira-se, é importante distinguir.

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A Administração, enquanto cumpre as finalidades constitucionais de Poder

Público, identificada com o Poder Executivo age e atua no mundo dos fatos, assim

praticando atos administrativos da mais diversa natureza, para concretizá-los.

Desde meros atos de gestão exclusivamente para administrar o patrimônio e

os interesses comezinhos e imediatos do Estado, praticando atos de direito privado,

até o aperfeiçoamento de atos que não sendo lei, incorporam acidentalmente

Primeiramente: “Tal como se tem no texto constitucional brasileiro, a medida provisória pode ser considerada um ato administrativo normativo, dotado de rigor e eficácia de lei, e que é expedido pelo titular do Poder Executivo. Contra as abalizadas opiniões que se põem contrariamente, consideramos que se a medida provisória fosse lei, ou espécie de legislação delegada, conforme entendem alguns juristas, parece certo que teria sido demasiada, quiçá despicienda a dicção constitucional que enfatiza, no art. 62 supra transcrito, a sua eficácia com força de lei. Sendo lei, esta condição de sua eficácia e qualidade de seus efeitos seriam inerentes à sua caracterização. Lei haverá de ter a força que lhe é inerente por certo; apenas o ato administrativo normativo, porque não qualificado com aquele vigor e despojado das características próprias da lei, é que precisa ter expressas tais condições para que lhe fiquem reconhecidas pelo direito positivo, tal como se dá no texto em foco (ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 55). Depois: Autores há que consideram ser a medida provisória uma lei, conquanto não assim rotulada constitucionalmente. Segundo essa corrente, a medida provisória seria considerada lei em sentido material, uma vez que está prevista no art. 59, da Constituição da República, que cuida exatamente do processo legislativo, além de inovar a ordem jurídica, o que, em nosso ordenamento, não pode ocorrer se não por espécie legislativa. O sistema jurídico brasileiro não conta com a figura do regulamento autônomo, pelo qual se poderia criar no sistema normativo por meio de atos emanados do poder regulamentar de autoridades do Poder Executivo. Como tanto não é permitido, constitucionalmente, no Brasil, afirma-se que o que se tem, então, com a medida provisória, é, basicamente, a permissão jurídica excepcional de uma „legislação especial‟ pelo Presidente da República, por uma delegação constitucional que dota aquela autoridade de competência verdadeiramente legislativa. Neste sentido, cf., por exemplo, Ives Gandra da Silva Martins, que leciona ser „a medida provisória (...) ato legislativo delegado – como delegada é a lei com este nome – não tendo dupla natureza, mas apenas a natureza legislativa (...) (a medida provisória) não é um ato administrativo, pois, no momento em que o Presidente da República a edita o faz na condição não de chefe da Administração Pública, mas de legislador delegado constitucionalmente, razão pela qual a natureza jurídica de sua ação é legislativa, e não administrativa‟ (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Modificação de medida provisória na conversão em lei - Necessidade de remessa para sanção e veto em face de alteração - Outros aspectos. Opinião legal. Revista do Tribunal Regional Federal 1ª Região, Brasília, v. 11, n. 2, p. 15-25, abr./jun.1999. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/21906/modificacao_medida_provisoria_conversao.pdf?sequence=1>. Acesso em: 17 jul. 2009). Diversamente daquela posição, há quem sustente ter a medida provisória – „caráter dúplice‟, legislativo e administrativo, tal como o faz Gilmar Ferreira Mendes, segundo o qual „dentre as peculiaridades que caracterizam o instituto da medida provisória, destaca-se o seu „caráter dúplice‟, uma vez que constitui, ao mesmo tempo, proposição legislativa e ato administrativo dotado de força normativa. O caráter dúplice da medida provisória tem sido reconhecido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. De fato, em precedentes que evidenciam aquela característica, o STF tem admitido a concessão de medida liminar com o propósito de suspender a eficácia de medida provisória, na condição de ato dotado de força normativa, ressalvando, porém, a sua validade como proposição legislativa suscetível de ser convertida ou não em lei” (O controle de constitucionalidade de medida provisória. Revista Virtual da Presidência da República, Brasília, v. 1, n. 2, jun. 1999). ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 55.

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atributos da lei, sem deixar, em substância, de serem atos administrativos, ainda que

não sejam também medidas provisórias.

São atos que se praticam para prover alguma necessidade pública, portanto,

em atenção a algum problema de administração, que colimam solucionar.

O Poder Executivo, por seu Chefe, que é a máxima autoridade da

Administração detém competência para a expedição de decretos e de regulamentos

para fiel execução das leis que sanciona, promulga e faz publicar. Para estatuir

regimentos para disciplinar seus subordinados administrativos.

Ministros de Estado podem expedir instruções normativas com a finalidade de

atender à execução de leis, decretos e resoluções. Outras autoridades do Poder

Executivo podem expedir resoluções e seus órgãos colegiados para obediência da

Administração e jurisdicionados, manifestam-se por deliberações.

Mas estes atos são derivados e acessórios dos atos com que o Executivo

aprimora no âmbito de suas competências ordinárias o processo legislativo, que

resultou na produção da lei pelo Poder Legislativo.

São atos normativos da Administração. Leis que podem ser em sentido

material e por isto que denominados atos normativos de administração.26 Com os

atributos de generalidade e de abstração que têm as leis e decorrentes de atribuição

constitucional, aos agentes públicos que os editaram, para a regulamentação delas.

Contudo são distintos da medida provisória, em que pese serem eles atos

normativos advindos do Poder Executivo. Da mesma forma que ela é.

É que eles somente têm existência enquanto existentes os atos que

regulamentam e disciplinam e que são as leis em face das quais são mandamentos

acessórios e complementares para interpretá-las e orientar suas aplicações,

26

Atos administrativos normativos são aqueles que contêm um comando geral do executivo, visando à correta aplicação da lei. O objetivo imediato de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração e pelos administrados. Esses atos expressam em minúcia o mandamento abstrato da lei, e o fazem com a mesma normatividade da regra legislativa, embora sejam manifestações tipicamente administrativas. A essa categoria pertencem os decretos regulamentares e os regimentos, bem como as resoluções, deliberações e portarias de conteúdo geral (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 181).

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direcionando seus destinatários a como e quando cumpri-las e para expungir de

dúvidas possíveis contradições de seus mandados.27

Ao contrário, a medida provisória tem existência autônoma

independentemente da existência de qualquer outro diploma legal, que não seja a

Constituição, isto é que é o importante para caracterizá-la bem.

27

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, o regulamento só pode conter disposições previamente comportadas pela lei regulamentada, como opina em “Regulamento e princípio da legalidade”, em Revista de Direito Público, v. 96, 1990, informando, ademais, páginas 45-46: 8. Cabe, agora, perante este quadro, examinar os limites do chamado „poder regulamentar‟, isto é, das competências administrativas, conferidas ao Executivo para outorgar precisões maiores ao que conste de lei, a fim de cumprir a tarefa de concretização progressiva do direito. Disse, Pontes de Miranda, ao tempo da Carta de 1969, mas em face de dispositivos iguais aos ora vigentes: „Se o regulamento cria direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações ou exceções que a lei apagou, é inconstitucional. Tampouco pode ele limitar, modificar, ampliar direitos, deveres, pretensões, obrigações ou exceções. Não pode facultar o que na lei se proíbe, nem lhe procurar exceções à proibição, salvo se estão implícitas. Nem ordenar o que a lei não ordena‟ (Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda 1/69. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. Tomo III, p. 316, grifos nossos). E disse ainda: „Sempre que no regulamento se insere o que se afasta, para mais ou para menos, da lei, é nulo, por ser contrária à lei, a regra jurídica que se tentou embutir no sistema‟ (Ibid., p. 316, 317, grifo do autor). São suas também estas oportunas considerações: „o poder regulamentar é o que se exerce sem criação de regras jurídicas que alterem as leis existentes e sem alteração da própria lei regulamentada‟ (Ibid., p. 312). E mais: „Onde se estabelecem, alteram ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso do poder regulamentar, invasão da competência do Poder Legislativo. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei. Quanto menos se regulamentar melhor‟ (Ibid., p. 314). Cirne Lima, sob o império da Constituição de 1946, cujas disposições em matéria de regulamento não diferem das hodiernas, ensinara: No presente, porém, a significação do regulamento é apagadíssima... Inoperante contra legem ou sequer praeter legem, o regulamento administrativo endereçado, como vimos, à generalidade dos cidadãos, nenhuma importância como direito material possui. Avulta nele, certamente, o cometimento técnico. Cumpre-lhe resolver o problema da execução da lei – problema técnico-jurídico, por excelência (Princípios de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1982. p. 40). Seabra Fagundes, de seu turno, lecionou a propósito do regulamento em nosso Direito: Prende-se em essência ao texto legal. O seu objetivo é tão-somente facilitar, pela especificação do processo executório e pelo desdobramento minucioso do conteúdo sintético da lei, a execução da vontade do Estado expressa em ato legislativo. Tanto que o seu âmbito será maior ou menor, conforme menos ou mais minudente seja a lei à qual se prenda. É certo que, como lei, reveste o aspecto de norma geral, abstrata e obrigatória. Mas não acarreta, e aqui dela se distancia, modificação à ordem jurídica vigente. Não lhe cabe alterar situação jurídica anterior, mas, apenas, pormenorizar as condições de modificação originária de outro ato (a lei). Se o fizer exorbitará, significando uma invasão pelo Poder Executivo da competência legislativa do Congresso (O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. Forense, 1979. p. 24, nota de rodapé 2, grifos nossos). Geraldo Ataliba, em artigo notável sobre o “Decreto regulamentar no sistema brasileiro”, bordou o seguinte sintético, mas precioso, comento sobre a finalidade do regulamento entre nós: Sua função é facilitar a execução da lei, especificá-la de modo praticável e, sobretudo, acomodar o aparelho administrativo para bem observá-la (Decreto regulamentar no sistema brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 97, p. 23, 1969).

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É verdade, de outro bordo, que existem decretos que o Poder Executivo pode

editar antecipando-se à lei.

Contudo, eles não guardam relação de semelhança estrita com a medida

provisória. Porque esta está limitada pela reserva legal apenas relativamente,

podendo entrar no âmbito reservado à lei, em casos específicos, que aqueles atos

normativos administrativos não podem.28

Por isto enquanto ato do Poder Executivo, a medida provisória não pode ser

um ato administrativo. Seja porque advém ela como instituto criado pelo constituinte

diretamente. Seja porque como já se disse, ela é uma ação dele e dependente

apenas da Constituição, que se exerce exclusivamente em seus termos para ter

validade. Seja ainda por não sofrer as mesmas limitações para normatização de

fatos e de condutas que o ato administrativo sofre, podendo dispor sobre assuntos

sujeitos a reserva legal, muito embora sobre aqueles que a Constituição faculta

disciplinar. Finalmente, por ser um ato do qual emana um dispositivo com força de

lei.

28

Como se verifica este trabalho não admite o regulamento autônomo. Entretanto, cabe registrar, como fez Alexandre Mariotti. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 33, nota 89 – que aponta ser predominante a doutrina em que se sustenta esta opinião, o que segue: “Cumpre que se registrem, entretanto, as posições dissidentes de Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 107-108) e, mais recentemente, de Eros Roberto Grau (O Direito Posto e o Direito Pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 167-190). Para este autor coexistem, no direito positivo brasileiro, três tipos de regulamento: os de execução, os autorizados e os autônomos. Os primeiros decorrem de atribuição explícita do exercício de função normativa ao Executivo (art. 84, IV, da Constituição de 1988) – não dependendo, portanto, de previsão da lei – e estão sujeitos ao entendimento dominante; os segundos são emanados a partir de atribuição explícita do exercício de função normativa pela Constituição (v.g., art. 153, § 1º) ou da lei („o Poder Executivo regulará a forma e o processo para aplicação do disposto no...‟); os terceiros, por fim, derivam de atribuição implícita do exercício de função normativa ao Executivo, definida no texto constitucional ou decorrente de sua estrutura. A sua emanação é indispensável à efetiva atuação do Executivo em relação a determinadas matérias, definidas como de sua competência”. Veja-se que Hely Lopes Meirelles, (Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991. p. 182-183), admite o decreto autônomo, arrematando: “E na ADC 12 o STF entendeu que a Resolução 07/2005 sobre „nepotismo‟ é ato normativo autônomo, fundado apenas nos princípios da Carta Magna, concluindo: Advirta-se, todavia, que os decretos autônomos ou independentes não substituem definitivamente a lei: suprem, apenas, a sua ausência, naquilo que pode ser provido por ato do Executivo, até que a lei disponha a respeito. Promulgada a lei, fica superado o decreto. Sem dúvida, não é este o tema deste estudo, porém, vale a abordagem, pela reflexão que propicia ante a possível embora velada conclusão de que a medida provisória, mesmo sob esta ótica, não pode ser considerada um ato normativo administrativo.

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Se o ato administrativo está subordinado à lei e apenas indiretamente por via

reflexa à Constituição, a medida provisória somente se viabiliza se plasmada nos

termos e forma da Constituição exclusivamente.

A espécie, pois, da medida provisória é a de ato normativo não administrativo,

mas legislativo excepcional por especialíssima outorga constitucional ao Poder

Executivo para legislar, por meio da atuação discricionária e facultativa do

Presidente da República.

Em situações nas quais haja necessidade de resposta imediata do Estado

para os seus problemas e os da coletividade, cuja solução não esteja ao alcance do

Poder Legislativo, imediatamente.29

Quando ele estiver em recesso ou a velocidade de seu processo não

corresponda à dos problemas.30

29

O pluralismo policrático do Estado federal moderno conduz à falência do Estado Legislativo e à crise do Parlamento enquanto órgão capaz de decidir. „A volta em direção ao Estado econômico e assistencial significava para o Estado legislativo tradicional o momento crítico, que deveria, mas não poderia levar nova força e energia política aos tribunais‟. A este propósito Schmitt em seu artigo „Visão geral comparativa sobre a recente evolução do problema das autorizações legislativas: Delegações legislativas‟, 1936 (Vergleichender Überblick über die neueste Entwicklung des Problems der gesetzgeberischen Ermächtigungen; ‘Legislative Delegationen’), observa que o surgimento das delegações legislativas, decretos-leis e regulamentos estatais sobre áreas tradicionalmente afetas ao Poder Legislativo representa uma resposta do Estado Moderno à necessidade de decisões rápidas e simplificadas. Ademais, as delegações legislativas representam o triunfo de uma nova concepção de Lei e Constituição sobre a visão liberal apoiada na tradicional teoria da tripartição dos poderes. Vale notar que, para Schmitt, constitui uma crença mais liberal do que democrática aquela segundo a qual o parlamento seria o locus privilegiado onde o egoísmo dos partidos se transformaria numa vontade política estatal acima dos egoísmos e dos partidos, a partir de uma espécie de „astúcia das idéias‟ ou „astúcia da instituição‟. O verdadeiro perigo do provisório Estado das coalizões partidárias se encontra exatamente na mesma direção. O sistema pluralista com os seus contínuos acordos através dos quais transforma o Estado numa rede de compromissos, mediante os quais os partidos revezam e dividem os encargos e vantagens permanece sobre a eterna ameaça de crise e indecisão (MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do Direito. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 64).

30Mas, cuidando-se mais do Poder Executivo do que da reforma dos processos legislativos das câmaras, tem-se sustentado ser necessário que o Govêrno possua e mantenha em atividade um sistema adequado de meios e instrumentos de disciplina equacionado com a especialização e a complexidade crescente dos problemas sociais e particularmente dos problemas econômicos contemporâneos. E mais se tem dito e vem dizendo que êsses meios e instrumentos devem possuir flexibilidade bastante para prevenir ou remediar tempestivamente as crises ocorrentes, o que jamais se conseguiria obter se a ação do Estado devesse depender só e sempre das influências e das delongas dos processos legislativos tradicionais, ou seja, das assembléias constituídas por centenas de membros em sua maior parte desprovidos de conhecimentos especializados e atentos, as mais das vezes, aos interesses das fôrças que os elegem mais do que às necessidades reais da nação nem sempre atendíveis por soluções do agrado de grupos ou clientelas eleitorais. Preciso se faz, acrescenta-se, habilitar o Executivo a exercer as suas ingentes tarefas delegando-lhe, sob certos limites, o exercício de funções legislativas e permitindo-lhe intervir com maior intensidade no processo parlamentar de elaboração das leis, sem prejuízo da independência do

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De sorte a não ser assim adequada, oportuna e conveniente a disciplina que

ele lhes haja de dar pela lei.

Compreende-se a medida provisória como ato do Poder Executivo, mas não

enquanto simples decreto, como modo de o Presidente da República praticar atos

administrativos ordinária e generalizadamente, contudo como meio especial de ele

dispor com força de lei, para todos os seus jurisdicionados em via restrita, atuando

no mundo dos fatos com poderes para solucionar situações excepcionais, em prol

do bem comum, autorizado pela Constituição em hipóteses determinadas por ela e

ad referendum político do Congresso Nacional, que a confirmará quando ratificar a

disposição editada pelo Poder Executivo por sua conversão em lei ou a destituirá de

vigor quando a rejeitar, em que pese e sem embargo, possa ainda a medida

provisória perder vigor por decurso de prazo de validade, quando não for votada por

esse Parlamento, dentro do interstício de sua validade constitucional.

1.2.6 Natureza jurídica

Enquanto ato normativo primário, originário de autoridade pública com

atribuição constitucional para editá-la, em sentido material, a medida provisória

poderia ser considerada lei.31

Poder Legislativo e sem ferir a competência política que pertence essencialmente às câmaras de representação popular (RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 17-18).

31Este, pois – permito-me repeti-lo – o primeiro aspecto a salientar: medida provisória é lei especial, dotada de vigência provisória imediata. Daí, por ser assim, é que as hipóteses de medidas provisórias hão de ser, todas elas, ponderadamente sopesadas. Uma das limitações à sua adoção – e aqui o segundo aspecto que me permito enfrentar – é o seguinte: tratando-se de lei que tem vigência imediata, porém provisória, não podem ser implementadas através dela soluções que produzam efeitos que não possam ser arredados (Fábio Comparato). Os seus efeitos devem necessariamente poder ser desfeitos, observado o disposto no parágrafo único do referido art. 62. Insisto: trata-se de lei, a medida provisória, dotada de vigência provisória. Aqui naturalmente se reclama esforço de construção doutrinária, que se espera não recusem os estudiosos do Direito, voltado ao delineamento conceitual mais preciso do que comportem e não comportem as noções de “efeitos que possam” e “efeitos que não possam ser arredados”. GRAU, Eros Roberto. Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 79, v. 658, p. 241-243, ago. 1990.

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Afinal é norma veiculadora de um mandamento geral que atua inovando a

ordem jurídica, criando, modificando ou extinguindo direito, em todo o território do

Estado que a edita e para todos os seus jurisdicionados, revogando a ordem legal

que com ela conflita, de acordo com parâmetros constitucionais, enquanto válida.

Na própria generalidade do ato, independentemente da autoridade de que ela

seja proveniente, desde que haja fundamento legal para o Poder Público ou a

Administração Pública obrigar o seu cumprimento por todos, que a eles se

submetam, como mandado dotado de sanção, já nisto estará o caráter de lei em

senso material que qualifica a medida provisória.32

Lei sempre foi algo relacionado à criação ou revelação de direito. Diz respeito

à norma, prescrição e regra. Enuncia o que se deve ou não fazer e como, sob

sanção. Como a medida provisória faz.

Entretanto – na visão do constitucionalismo – o ato normativo com estes

atributos de abstração, de permanência, de generalidade e com força obrigatória,

somente será considerado lei, se ele for consequência da atividade do Parlamento

ou do Poder Legislativo.

Logo a medida provisória efetivamente não é lei.

É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe editar atos que

obriguem. A medida provisória não é lei, é ato que tem „força de lei‟. Por que não é

lei? Lei é ato nascido no Poder Legislativo que se submete a um regime jurídico

predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica,

ou seja, criar direitos e deveres. Notem a primeira afirmação: „É ato nascido no

Poder Legislativo‟, capaz de criar direitos e obrigações. A medida provisória também

cria direitos e obrigações, também obriga, porque o constituinte permitiu exceção ao

princípio doutrinário segundo o qual legislar incumbe ao Legislativo. Não é lei,

porque não nasce no Legislativo. Tem força de lei, embora emane de uma única

32

Na doutrina brasileira, que é que neste momento interessa, a distinção se processa a partir da noção de generalidade. Se o ato normativo é genérico, não importa de onde provenha, então, a doutrina vai identificá-lo como lei material. Se, ao contrário, o ato legislativo contiver preceitos concretos, então a doutrina vai chamá-lo de lei formal. A lei material, no caso, tanto pode emanar dos órgãos dotados de competência legislativa, como da Administração Pública. Quanto à lei formal, emanará sempre, dos órgãos dotados, pela Constituinte de atribuição legiferante (CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no Direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 136).

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pessoa, é unipessoal, não é fruto de representação popular, estabelecida no art. 1º,

parágrafo único (todo poder emana do povo). Medida provisória não é lei. 33

Porque a vigência precária dela acontece no espaço de tempo compreendido

entre a sua edição pelo Poder Executivo e o ato do Poder Legislativo que a converta

ou não em lei e, neste transitar de um ramo do Poder a outro, para esta finalidade,

ela vale, é eficaz e existe efetivamente e sem que este seu estado de existência

nada deva à ação do Congresso Nacional, que somente tem interferência de fato na

consistência e validade de seu mandado, quando define se ela está ou não

convertida em lei.

Insta com isto dissertar sobre seus atributos. Para definir-lhe a espécie

normativa precisa de caracterização jurídica, já que ela está incluída no gênero dos

atos normativos primários, indubitavelmente. 34

Há na medida provisória propósito cautelar almejado pela autoridade, que a

edita, visando evitar que um risco potencial de dano, latente em uma situação de

fato, se converta em prejuízo efetivo em determinado contexto que se verifica dentro

do território de um Estado ou que nele possa ter consequências danosas.

Colima-se com ela conjurar evento potencialmente prejudicial acontecido de

forma inesperada, rápida e imprevista. Mas que se não for administrado e assim

cuidado e disciplinado imediatamente pela pronta ação executiva do Poder Público e

por meio de sua providência concreta dotada dos atributos legais de obrigatoriedade

para todos, pode resultar em prejuízo de difícil reparação ou irreversível para suas

instituições, políticas, patrimônios, interesses, valores e população.

33

TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 153. 34

Imediatamente abaixo da Constituição, situam-se os atos do Poder estatal e de força hierárquica infra-constitucional. Gerais e abstratos, ou concretos e individuais, vão haurir sua força e validade diretamente da Constituição. São atos, não há negar que „inovam primariamente a ordem jurídica‟, situando-se no plano da função legislativa. Não importa o órgão que os produza, pois, a Constituição, primeira norma do sistema, outorga competência de tal nível e força, quer ao Órgão Legislativo (Constituição Federal, artigo 46, incisos II, III, IV), quer ao Órgão Executivo (Constituição Federal, artigo 46, incisos IV, V e artigos 81, incisos V, VIII e XXII), quer, finalmente, ao Órgão Judiciário (Constituição Federal, artigo 115, inciso III). A força própria do ato praticado no exercício de tal função foi posta em relevo, com mestria, por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (48), quando referindo-se ao valor formal da lei, diz que „sua força jurídica consiste no caráter de inovar, de maneira absoluta, a ordem jurídica, derrogando a anterior, dentro da estrutura Constitucional vigente‟. Nível hierárquico vertical de plano infra-constitucional e força própria inovadora da ordem jurídica, eis as características dos atos emanados no exercício da função legislativa, na sistemática ora adotada (BASTOS, Celso Ribeiro. Atos normativos do órgão Executivo. JUSTITIA, v. 48, n. 134, p. 32-52, abr./jun. 1986).

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Há nela, em suma, uma ação em legítima defesa da ordem cultural,

financeira, tributária, econômica, social, política e, pois, da ordem pública e também

do Estado quando posto em estado de necessidade. Em circunstância que dele se

exija agir e reagir em senso executivo e prontamente contra ameaças de lesão e de

prejuízo a seus pressupostos, fundamentos e contextos e cuja medida a

desencadear e executar para que prevaleça o interesse público e coletivo seja da

alçada de seu Poder implementar para conseguir a ordenação do Estado na

consecução de seu fim de criação de utilidade pública.

Importa, todavia, para que o Poder Executivo possa agir, legislando de forma

extraordinária em seu lugar, por meio da medida provisória, que o Poder Legislativo

se mostre impotente para conjurar estes riscos, nestas situações ameaçadoras,

apresentando-se sem condições de desconstituí-las como órgão a tanto competente

e se ache limitado em sua ação para responder de maneira imediata, suficiente,

conveniente e oportuna a estes desafios e legislar prontamente no sentido de

harmonizar suas disciplinas e regramentos com e em prol do interesse público.

Então, nesta situação, a medida provisória poderá ser editada pelo Chefe do

Poder Executivo e vigerá até que o Poder Legislativo tenha condição de posicionar-

se em face do problema e em modo legal e de forma oportuna, razoável e

proporcional e como não poderia fazer de imediato quando o problema surgiu e

como pôde o Poder Executivo fazer desde logo, sustando o risco iminente destas

ameaças e colocando-o sob controle estatal imediato, eficaz e efetivo, de forma a

evitar suas ocorrências ameaçadoras à ordem pública e enquanto o Poder

Legislativo se mostrava impossibilitado em assim fazer e agir, direcionando a

disciplina dos fatos para o leito de suas coerências e compatibilidades com os

parâmetros e princípios constitucionais vigentes.

Aduza-se, pois, que enquanto ato de execução de providência do Poder, a

medida provisória é uma prescrição, um remédio contra certo mal súbito, o

tratamento da circunstância que concorre em potência para a afecção repentina do

corpo social ou político do Estado, que esta situação prenuncia.

É o bálsamo que impede as seqüelas desse mal por via de um remédio

transitório e precário, mas que somente se define como adequado e definitivo para o

mal que pretende debelar pelo sacramento da atuação normativa excepcional do

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Poder Executivo quando o Poder Legislativo consagra com a lei o programa

normativo para disciplina jurídica do problema que a medida provisória apenas

improvisou ao instaurar-se e que ela, a lei visa definitivamente solucionar.

Para estas finalidades, está, pois, o legislador extraordinário que edita a

medida provisória, por atribuição constitucional, investido originariamente de

poderes pelo constituinte para editá-las, enquanto normas com força de lei.

Neste sentido, atos normativos, que não são leis. 35

Porque este legislador extraordinário expede ordens coercitivas tanto quanto

as leis igualmente veiculam embora não tenha atribuição do constituinte para

produzir leis, enquanto Poder Executivo, de forma ordinária, salvo nestas

circunstâncias peculiares e extraordinárias de relevância e urgência, em que a

Constituição lhe atribui uma prerrogativa expressa e especial, de legislar, entretanto

não como se Poder Legislativo fosse, mas como Poder Executivo que é.

Neste ponto é que está o atributo principal da medida provisória, em face da

Constituição da República Federativa do Brasil, a qualidade de ela ser uma outorga

35

Convém desde logo acentuar que as medidas provisórias são profundamente diferentes das leis – e não apenas pelo órgão que as emana. Nem mesmo se pode dizer que a Constituição foi tecnicamente precisa ao dizer que têm „força de lei‟. A compostura que a própria Lei Magna lhe conferiu desmente a assertiva ou exige que seja recebida cun grano salis. A primeira diferença entre umas e outras reside em que as medidas provisórias correspondem a uma forma excepcional de regular certos assuntos, ao passo que as leis são a via normal de discipliná-los. A segunda diferença está em que as medidas provisórias são, por definição efêmeras, enquanto as leis, além de perdurarem normalmente por tempo indeterminado, quando temporárias têm seu prazo por elas mesmo fixado, ao contrário das medidas provisórias, cuja duração máxima já está preestabelecida na Constituição: 120 dias. A terceira diferença consiste em que as medidas provisórias são precárias, isto é, podem ser infirmadas pelo Congresso a qualquer momento dentro do prazo em que deve apreciá-las, em contraste com a lei, cuja persistência só depende do próprio órgão que a emanou (Congresso). A quarta diferença resulta de que a medida provisória não confirmada, isto é, não transformada em lei, perde sua eficácia desde o início; esta diversamente, ao ser revogada, apenas cessa seus efeitos “ex nunc”. Por tudo isto se vê que a força jurídica de ambas não é a mesma. Finalmente, a quinta e importantíssima diferença procede de que a medida provisória, para ser expedida, depende da ocorrência de certos pressupostos, especificamente os de “relevância e urgência”, enquanto, no caso da lei, a relevância da matéria, não é condição para que seja produzida; antes, passa a ser de direito relevante tudo o que a lei houver estabelecido. Demais disso, inexiste o requisito de urgência. Em virtude do exposto, seria erro gravíssimo analisá-las como se fossem leis “expedidas pelo Executivo” e, em conseqüência, atribuir-lhes regime jurídico ou possibilidades normatizadoras equivalentes às das leis (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.. São Paulo: Malheiros Editores, 2009. p. 130-131).

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constitucional do constituinte diretamente para o Presidente da República, sem

intermediários, para outorgar-lhe excepcionalmente função legislativa extraordinária.

Certamente, enquanto é o Presidente da República quem deve agir nesta

simbiose de administrador e legislador que a Constituição lhe faculta ser

extraordinariamente.

Para que ele possa cumprir sua missão constitucional de fautor da utilidade

pública, gerando-a e dando-lhe ensejo de acontecer por via da medida provisória.

Como um diploma normativo que vale no plano do ordenamento jurídico, com força

de lei, porém, pela unção de quem não é sujeito do processo legislativo, no caso, o

Presidente da República.

Diz, então, a Constituição, que a medida provisória somente será lei, por sua

conversão nesta espécie de ato normativo e quando ela for aprovada pelo Poder

Legislativo, passando de uma ordem normativa do Poder Executivo, plasmada em

seu plano de executar, para uma ordem normativa do Poder Legislativo, em sua

missão de legislar e que, assim, então, convertida, se erigirá em lei, se for por ele

aprovada, em regular processo legislativo.

Na conceituação de medida provisória está, assim, em realce, seu caráter de

legislação excepcional, seja pela qualidade do agente público que a edita, o

Presidente da República, que não detém poderes ordinários para legislar,

constitucionalmente, o que compete comumente ao Poder Legislativo, seja pela

natureza da prerrogativa de ação que a Constituição atribui a esta autoridade, em ter

a discrição para decidir quando legislar por esta via.

De logo se vê, que a dimensão dos poderes conferidos pela Constituição ao

Presidente da República para legislar pela medida provisória, é um poder

extremado, não apenas excepcional, cujos limites somente podem ser postos a

partir de acurado estudo da natureza jurídica própria do instituto, como aqui se

pretende.

Mas destaque-se que embora em situação de necessidade de disciplina

legislativa, possa valer-se o Presidente da República da medida provisória, para

ensejá-la, não será propriamente em situação de perigo para as instituições do

Estado, que ela poderá ser instrumento de legislação por ele, porque a medida

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provisória não é um mandado para restabelecimento da ordem pública em situações

em que ela se faz necessária de ser preservada ou restaurada por medidas

excepcionais, como são as que disciplinam e sustentam os estados de emergência e

de sítio.36

O pressuposto básico para legislar-se por medida provisória é a premência da

disciplina legislativa que dela careça o Governo para ordenar uma situação no

contexto dos fatos que dela devem ser objeto, dentro da normalidade constitucional,

desde, pois, que a ação do Poder Legislativo não seja possível na hipótese ou que o

processo legislativo não seja necessariamente rápido, nas mesmas circunstâncias

para debelar o risco que a medida provisória possa conter em preservação da ordem

pública.

Na identificação deste pressuposto, está o limite para a discrição do

Presidente da República em definir o momento oportuno para legislar por medida

provisória.

36

A aderência do direito italiano, tantas vezes enfatizada em relação ao instituto, e particularmente visível nesse passo, obriga a advertir: é preciso ter cuidado com a doutrina peninsular, que, em boa parte, equipara situação excepcional – urgência dentro da normalidade – a situação de exceção – risco à sobrevivência do Estado e das instituições constitucionais. Trata-se de um problema peculiar à ordem constitucional italiana, inexistente em face da Constituição de 1988: diante das regras atinentes ao estado de defesa e ao estado de sítio (arts. 136 a 141), não resta qualquer dúvida que as medidas provisórias não se dirigem ao disciplinamento de situações de exceção. Assim, o „estado de necessidade‟, que por vezes se invoca como ensejador de sua edição, deve ser entendido numa acepção branda, de necessidade dentro da normalidade (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71).

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2 CONDIÇÃO DE VALIDADE

2.1 O Pressuposto Elementar de Edição em Postura Doutrinária: a irrupção

de um estado de premência requerendo disciplina legal instantânea

Circunstâncias factuais específicas e históricas peculiares na gestão da coisa

pública pelos Governos, durante séculos, impuseram como forma de disciplina para

certos fenômenos, o desenvolvimento paulatino de instrumentos normativos que, em

contínuo aperfeiçoamento, no sentido de se adequar aos parâmetros de um

constitucionalismo democrático, vem estar consolidado na medida provisória.

Neste evoluir, ainda não consumado, este trabalho procurará mostrar este

processo de gestação do instituto, nos capítulos subseqüentes, em que se concluirá

que a matriz da medida provisória está em atos normativos dos Governos, enquanto

Poder Executivo, sujeitos, sem prejuízo de vigor, até então, ao crivo dos

Parlamentos, que os podem ratificar ou não, convolando-os em lei, se assim os

aprovarem ou tolhendo-lhes eficácia, se lhes negarem aprovação, como regra geral,

se verifica no curso da história.

No contexto italiano a este instituto com estas características denominou-se

decreto-lei, como noticiou Vicente Ráo:

A denominação “decretos-leis” sempre foi usada na Itália, não no sentido genérico de legislação governamental, nem no sentido de legislação delegada, mas apenas para designar os atos normativos, com força de lei, expedidos pelo governo sem prévia autorização parlamentar, sujeitos, porém, a serem retificados ou convertidos em lei pelas câmaras.

São os decretos-leis, pois, atos governamentais e excepcionais, de conteúdo legal, que só adquirem eficácia definitiva quando os órgãos legislativos normais os convertem em leis. Seus pressupostos são mais rigorosos do que reclamados para as leis delegadas, pois a constituição só e unicamente admite sua prática em casos extraordinários de necessidade e urgência.

37

Para o Brasil, foi ele importado com contornos bem próximos destas

características e com esta nomenclatura, pioneiramente, pelo constituinte de 1967 e

1969, sob o nome de decreto-lei. Depois, pelo constituinte de 1988, batizado por

medida provisória.

37

RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 180.

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Em breves pinceladas, tanto o decreto-lei disciplinado pelos constituintes

brasileiros de 1967 e de 1969, como a medida provisória do constituinte de 1988,

são atos governamentais e excepcionais, de conteúdo legal, que só adquirem

eficácia definitiva quando os órgãos legislativos normais os convertem em leis. Seus

pressupostos são mais rigorosos do que reclamados para as leis delegadas, pois a

constituição só e unicamente admite sua prática em casos extraordinários de

necessidade e urgência, como aqueles outros atos enfocados por Vicente Ráo.

Importa, pois, para se entender a medida da legitimidade da

instrumentalização do instituto, medida provisória, correlacioná-lo com estes

similares, para determiná-la, fato que embora contribua para aclarar o seu conceito,

permite sua melhor compreensão, por analisar sua razão jurídica de existir a partir

do pressuposto doutrinário entendido como fundamental para sua edição.

Os clássicos da filosofia – os lógicos e Aristóteles, sobretudo – enunciaram

que definitio fit per genus proximum et diferenciam specificam, no sentido de

que os objetos se definem, pela comparação entre eles e a fim de se estabelecer,

comparando-os, as relações que os situem entre os objetos que forem do mesmo

gênero, porém, distinguindo-os por suas diferenças específicas.

Atualmente, evitando-se definir as coisas por este rigor ultrapassado, haja

vista a complexidade do mundo, mais se prefere que cientificamente os objetos do

conhecimento sejam conceituados de que definidos, contudo, as conceituações,

pouco se afastam destes parâmetros para que uns sejam diferenciados dos outros,

a partir do gênero próximo e da diferença específica.

A busca, por conseguinte, do porque e para que existir a medida provisória,

requer relacioná-la com institutos de seu mesmo gênero, como são os decretos-leis

dos constituintes brasileiros de 1967 e de 1969 e para, estabelecendo, entre eles

semelhanças e diferenças específicas, identificar a particular razão de ser e

natureza própria, de cada um deles pela correlação entre seus elementos

constitutivos e funções, de sorte a distingui-los, comparando-os entre si, a partir de

tais termos de comparação.38

38

Assim, cumpre que se estabeleça, de início, o sentido do princípio da separação de poderes em relação à função legislativa, aspecto da teoria do Estado de Direito que é diretamente posto em questão pela atividade do Poder Executivo como legislador. Feito isso, devem ser assinaladas as

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Está este tópico ditado por esta preocupação, portanto, sem embargo de que

refletir sobre o seu tema, seja assunto, também, de conceituação da medida

provisória, objeto de tópico a parte, do qual este, se não absolutamente

independente, por sua importância, quanto ao estudo do instituto, é

necessariamente distinto, pela importância em situar em que ponto a medida

provisória se legitima.

Insta, então, buscar um parâmetro de comparação entre o decreto-lei, como

delineado nas Constituições brasileiras de 1967 e de 1969, com a medida provisória,

como contida na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, para bem

conceituá-la, não obstante ambos sejam institutos distintos.39

consequências que a transição do Estado de Direito do modelo liberal adotado no século XIX para o modelo social que caracteriza o século XX produz na compreensão e operatividade da configuração original do princípio, no que se refere à função legislativa. Em seqüência, cumpre sejam referidas algumas das principais modalidades de atividade legislativa do Poder Executivo no direito comparado e mesmo no Brasil. O objetivo será duplo: primeiro, demonstrar concretamente a já acenada generalização do fenômeno no atual estágio do Estado de Direito, e, segundo, apresentar modelos de legislação pelo Poder Executivo de corte diverso do figurino das medidas provisórias. O decreto-legge italiano deverá receber atenção especial, não só em razão de ter sido o inspirador do constituinte de 1988, como também – e este aspecto talvez seja o mais importante – por suscitar dificuldades jurídicas e políticas bastante semelhantes, inclusive no que tange ao „abuso‟ de que são objeto as medidas provisórias.

Colhidos os subsídios do direito comparado, tratar-se-á de referir os antecedentes das medidas provisórias na história constitucional do Brasil, em especial os decretos-lei previstos na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional n. 1, de 1969 (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 5).

39Confira-se, contudo: Desde que introduzidas no direito brasileiro pela Constituição Federal de 1988, as medidas provisórias têm sido objeto de atenção doutrinária. Substitutas declaradas do mal-afamado decreto-lei da ordem constitucional pretérita, vinham elas credenciadas pela aderência ao modelo do decreto-legge da Constituição italiana de 1947, reconhecidamente democrática e fiel aos princípios do Estado de Direito. Tratar-se-ia de um instrumento jurídico apto a permitir que o Poder Executivo, em situações extraordinárias, editasse atos normativos com força de lei, sem ensejar o atropelo da competência legislativa, reservada com absoluta prioridade ao Congresso Nacional. Tudo perfeitamente compatível com uma Constituição que visava encerrar definitivamente um regime instaurado pela força das armas e que primou pela reação desigual entre um Poder Executivo sem legitimidade democrática e um Poder Legislativo reduzido à impotência. Não demorou muito, entretanto, para que as medidas provisórias tomassem o lugar do decreto-lei como objeto de uma quase-unânime reprovação, reprovação esta que não se restringe aos debates doutrinários e parlamentares. Isso porque sua utilização pelo Poder Executivo nunca se limitou às situações extraordinárias para que foram concebidas, do que resultou a sua transformação, de fato, em modo ordinário de legislar. Não parece nenhuma ousadia dizer que as medidas provisórias padecem, na prática, do mesmo vício que granjeou ao decreto-lei a sua notória má-reputação. Aliás, já não é incomum o juízo de que aquelas tenham representado um retrocesso em relação a este, expresso na afirmação de que „a substituição do decreto-lei pela medida provisória é a emenda pior que o soneto... (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 1). Muito embora deva-se distinguir o decreto-lei das Constituições brasileiras de 1967 e de 1969, da medida provisória de 1988, é inevitável a conclusão acima na prática e por conta do quanto se deturpa o instituto por seu uso costumeiro, em verdade, um abuso, em que pese intrinsecamente, tenham esses considerados decretos-leis, a mesma matriz originária da medida provisória, como se

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Conquanto se não idênticos, certamente, apresentam pontos de identidade

que os assemelham entre si e que estão postos em serem atos normativos, dotados

de eficácia legal, leis em senso material, imediatamente e assim quando editados

pelo Poder Executivo, no momento político e social, em que a ordem ou o interesse

público, por estado de indiscutível necessidade, somente poderiam achar-se

salvaguardados pela pronta ação deste ramo do Poder, único então com aptidão no

contexto da normalidade constitucional (nunca em situação, por hipótese de estado

de sítio ou de emergência) para, de maneira eficaz, assegurar os interesses do

Estado e, pois, de sua comunidade social, por via de um edito que seja acatado por

todos, assim, legislando no lugar do Poder Legislativo, em caráter excepcional e em

condições especialíssimas.

Este denominador comum entre os dois instrumentos normativos, o decreto-

lei, sob ótica do Direito Brasileiro e a medida provisória, nesse mesmo contexto, está

em que os dois têm como pressuposto de edição a irrupção de um estado de coisas

repentino e inesperado que exija pronta e inadiável regulação legal e sob pena de

em não sendo assim disciplinado, na hora, em que irrompido, converter-se em dano

insuportável para a coisa pública.

Dispunha, então, a Constituição do Brasil, de 27 de janeiro de 1967:

Art. 58. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não resulte aumento de despesa, poderá expedir decretos com força de lei sobre as seguintes matérias

I – segurança nacional:

II – finanças públicas.

Parágrafo único. Publicado o texto, que terá vigência imediata, o Congresso Nacional o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido como aprovado.

sustenta, o decreto-legge de origem italiana, de onde sendo eles institutos com origens comuns, prestam-se a serem comparados.

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Em seguida, a Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969,

Constituição brasileira de 1969:

Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-leis sobre as seguintes matérias:

I – segurança nacional;

II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; e

III – criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.

§ 1º - Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias a contar do seu recebimento, não podendo emendá-lo, se, nesse prazo, não houver deliberação, aplicar-se-á o disposto no § 3º do art. 51.

§ 2º - A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante a sua vigência.

Atualmente, o artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.

§ 1º - É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:

I – relativa a:

a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;

b) direito penal, processual penal e processual civil;

c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;

d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º;

II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;

III – reservada a lei complementar;

IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

§ 2º - Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.

§ 3º - As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos § § 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 4º - O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

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§ 5º - A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

§ 6º - Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando.

§ 7º - Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.

§ 8º - As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados.

§ 9º - Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional.

§ 10 - É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

§ 11 - Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

§ 12 - Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto.

Assim, já se pode antever expressiva diferença entre o decreto-lei e a medida

provisória, como objeto da Constituição de 1988, quanto ao campo material em que

se situam os temas passíveis da disciplina por eles.

Neste cenário, a comparação que se pode fazer, entre o decreto-lei e a

medida provisória, permite a conclusão de que estes campos, não são os mesmos,

para o decreto-lei assim situado nas constituições brasileiras de 1967 e 1969 e a

medida provisória da vigente Constituição do Brasil.

Na medida em que a de 1967 sintetiza o campo material do decreto-lei em

questões genéricas e de difícil determinação como a segurança nacional e as

finanças públicas e a de 1969, pelo acréscimo a estes dois temas, da possibilidade

do legislador deste diploma legal editar normas tributárias e criar cargos públicos,

fixando-lhe seus respectivos vencimentos. Enquanto o constituinte de 1988 procurou

se afastar da síntese que nestas hipóteses de matérias passíveis de disciplina pelo

decreto-lei, fora a pauta do constituinte da ditadura militar.

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Desta maneira, o constituinte de 1988 cuidou para que não fosse motivo para

o abuso da faculdade do Poder Executivo legislar, pelo menos nos termos em que

hoje se apresenta o artigo 62 da Constituição da República Federativa do Brasil, a

genérica definição do campo material das medidas provisórias e especificou a seu

ver todas as matérias sobre as quais elas não podem dispor.

Optou por relacionar de forma analítica e exata no corpo da Constituição, o rol

próprio de matérias para sua disciplina e até mesmo para evitar que a síntese do

período anterior e como fizeram as anteriores constituições, pudesse mal situar o

campo material da medida provisória, como se dera outrora com o do decreto-lei, em

que ele ficara posto em questões tão genéricas como as da segurança nacional e

finanças públicas.40

De outro bordo, expungiu-se da Constituição vigente, a aprovação do decreto-

lei, por decurso de prazo, o que pelas Constituições de 1967 e 1969 era possível,

somente se admitindo, atualmente, a aprovação da medida provisória por expressa

manifestação congressual, de acordo com a Constituição de 1988.

Ainda, diferentemente das Constituições anteriores, de 1967 e de 1969, em

que o direito criado pelo decreto-lei vigia para as relações surgidas em sua vigência,

quando este fosse recusado pelo Congresso Nacional, pela Constituição atual, o

decreto legislativo é quem disporá sobre elas, sem embargo da continuidade da

vigência da medida provisória rejeitada, nos termos dos seus §§ 11 e 12, de seu

artigo 62.

Como se verifica, muitos pontos de comparação diferenciam os decretos-lei

em questão das medidas provisórias e entre eles, destaca-se o fato de que nem

mesmo ao Congresso Nacional competia emendá-los, podendo apenas aprová-los

ou rejeitá-los, na íntegra, sob pena de não o fazendo em certo tempo, dar-se a

aprovação dos decretos-lei por decurso de prazo.

Mas nenhum destes pontos tanto os distingue, quanto o de que às

Constituições de 1967 e de 1969, falta o respaldo de legitimidade que sustenta a

nova Constituição de 1988, em que a medida provisória é um instituto de direito

40

Generalidade que permitiu que se disciplinasse por decreto-lei, até mesmo a matéria das locações, a qual sabidamente nem pode ser assunto de segurança nacional ou de finanças públicas, em qualquer enfoque razoável.

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democrático, ao contrário do decreto-lei nas comentadas constituições anteriores,

que nelas era um instrumento da arbitrariedade da ditadura militar.41

No entanto, tomando-se o artigo 58, da Constituição de 1967, bem como o

artigo 55, da Constituição de 1969 e o artigo 62, da atual Constituição, justapostos,

em tese, estes três dispositivos por seus caputs, em que pesem todas as diferenças

entre estes institutos comparados, como já foram abordadas, verifica-se um ponto

de similitude entre eles.

Ponto que está na urgência que justifica em todos os casos, o uso do decreto-

lei e da medida provisória, para disciplina legislativa de determinadas e certas

situações, não obstante, as Constituições de 67 e 69, ainda previssem o decreto-lei,

para casos de interesse público relevante – é o que decorre de suas literalidades –

ainda que nestes casos não houvesse urgência, ponto em que ele se diferenciava

da medida provisória.

Assim o decreto-lei para ser editado depende da ocorrência de casos de

urgência ou de interesse público relevante, em ambas as hipóteses de seu

acontecer e a medida provisória, de situação de relevância e urgência, para ser

oportuno o uso desta via legislativa pelo Presidente da República.

De acordo com estes termos de comparação, estabelecido um denominador

comum entre o decreto-lei e a medida provisória, a partir do contexto que justifica

sua utilidade social e função jurídica, posta em serem o decreto-lei e a medida

provisória soluções legislativas de urgência para a disciplina de determinados

assuntos, a criatividade riquíssima de Geraldo Ataliba bem situou o contexto de seu

vicejar, que, em verdade, é o pressuposto factual precípuo para ambos serem

instrumentalizados como diplomas normativos pelo Presidente da República haja

41

Após essas considerações comparativas, não resta senão a seguinte conclusão: a medida provisória possui regime jurídico distinto do decreto-lei previsto, nas constituições anteriores, bem como está incerta em sistema constitucional diverso do correspectivo italiano. Qualquer proposição doutrinária descritivo-explicativa que não leve em consideração essas distinções quanto ao regime jurídico, não possui referibilidade, ou a possui em âmbito restrito. A descrição da medida provisória deve ser feita de acordo com o sistema constitucional vigente. Não fazê-lo, é, ou permanecer no passado, atribuindo à nova Constituição o significado então atribuído à velha, ou importar conceitos estrangeiros, repudiando o sistema constitucional brasileiro. Faz-se, pois, relevante e urgente a análise do regime jurídico da medida provisória, com fundamento nos princípios e regras de competência, instituídos pela CF (ÁVILA, Humberto Bergmann. Medida provisória na Constituição de 1988. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. p. 42).

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vista a identidade, assim, causal entre o decreto-lei da ditadura militar e a medida

provisória, muito embora sejam eles institutos que se devam distinguir, em atenção a

rigor jurídico científico, por suas características extrínsecas.

Nestas circunstâncias e em tese pode se entender o decreto-lei, como se

medida provisória fosse e vice-versa, a medida provisória, como sendo decreto-lei,

porque não se está tratando dos dois institutos por suas discrepâncias, mas, sim,

por suas características de identidade, em que ambos são atos normativos do

Presidente da República, com força de lei, sujeitos à ratificação do Congresso

Nacional, depois de editados pelo primeiro, para disciplina de situações inesperadas

e carentes de urgente solução, para preservação e salvaguarda do interesse

público, em situação em que o Congresso não poderia em tempo disciplinar o

assunto.

Confira-se, portanto, o que sobre isto disse o saudoso Geraldo Ataliba:

Para que se realize a hipótese de cabimento do decreto-lei [leia-se assim medida provisória] e que, portanto, se verifique o pressuposto de competência presidencial para expedi-lo, é necessário que surja uma situação imprevisível, configurando uma emergência exigente de providência normativa imediata. Vale dizer: que irrompa subitamente um estado de premência requerendo disciplina instantânea.

42

É, pois, nesta situação de irromper um estado de premência requerendo

disciplina instantânea, que há azo para a edição da medida provisória pelo Poder

Executivo, enquanto esta é um caminho legislativo extraordinário:

O pressuposto da extraordinariedade indica, por antítese, que os decretos-leis não devem constituir atos de administração ordinária; a necessidade significa a indeclinabilidade das medidas visadas para a realização de um programa governamental de atendimento de interesses públicos que essas medidas reclamem com urgência; e urgência é esta que se não confunde com a do art. 72 [da Constituição italiana de 1948], relativa ao processo simplificado que as câmaras podem adotar em certos casos, mas se aproxima, mais do conceito de premência.

43

Veja-se que a citação de Vicente Ráo pode ser considerada uma antevisão da

medida provisória, enquanto se refere ao decreto-lei, que diz ser um ato de governo

com força de lei, sujeito à validação pelo Poder Legislativo, para ser lei, sem dúvida,

42

ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 31.

43RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 183.

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entretanto, sobretudo, quando coloca o decreto-lei como continente de medidas, em

que prenuncia a nomenclatura que dada ao instituto pelo constituinte brasileiro de

1988, consagrou-o entre nós, como medida provisória.

Da indeclinabilidade das medidas visadas para a realização de um programa

governamental de atendimento de interesses públicos que essas medidas reclamem

com urgência e da premência em editá-las, de forma que se não editadas elas pelo

Poder Executivo e à evidente impossibilidade em fazê-lo com o mesmo imediatismo

e ação governamental, o Poder Legislativo, seja de ocorrer dano para estes

interesses, é que resulta a situação que autoriza o primeiro a concorrer com o

segundo, em verdade, substituindo-o de maneira excepcional e em forma precária,

por imposição do império das circunstâncias, nos termos da Constituição, para editar

então a medida provisória que irá solucionar a questão preventivamente até a

definitiva ação do Congresso Nacional, por sua conversão ou não em lei.

Esta natureza cautelar da medida provisória, a sua função em evitar o

perecimento do interesse público, ou a sustação do processo social que o possa

comprometer, é que explica e justifica a ação do Governo por sua via, quando não

houver outra forma ou jeito para a preservação e ressalva deles que não seja pela

ação legislativa do Poder Executivo.

Porque esta ação anômala deste Poder considerando as funções do Poder

como atribuídas aos entes que o integram nos termos do constitucionalismo,

somente se justifica e se explica por um fato extraordinário, que requeira a solução

pela legislação excepcional do Poder Executivo, imediatamente.

Daí o cerceio que as Constituições em geral e a brasileira especialmente

impõem também à livre ação do Poder Executivo neste campo, pela exigência de

requisitos formais e materiais, para a legislatura por medida provisória, como

veremos a seguir.

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2.2 Requisitos Constitucionais Formais. A urgência e a relevância

Entretanto o atributo de incerteza que marca a medida provisória é relativo.44

Em primeiro lugar, porque pelo direito constitucional comparado se pode

mitigar esta imprecisão conceitual.

Enquanto urgente é aquilo que a velocidade do processo legislativo não é

suficiente a resolver em prol do interesse coletivo e público, por via da lei. Que assim

somente pode ser solucionado pela pronta ação do Governo, sem entraves

burocráticos e processuais, no processo de tomada de decisão, que, no Poder

Executivo é imediato e, no Poder Legislativo, notoriamente moroso, quanto a sua

conclusão e efetividade.

Ao passo que relevante é aquilo que tem relevo, que se destaca no mundo

dos fatos, pondo-se em posição superior e prioritária dentro de uma escala de

valores a serem preservados e defendidos e de soluções a serem preferencialmente

deliberadas e concretizadas como de importância máxima para a realização deste

interesse público e coletivo, transcendentemente com relação ao comum do quanto

deva ser considerado e feito para provê-lo e atendê-lo.

Em segundo lugar, porque as constituições já indicam em seus parâmetros a

noção do que seja o passível de ser legislado pela medida provisória, ainda que

muitas vezes de forma implícita.

Consignam, pois, o que seja necessário e, pois, relevante, como, também, o

que seja urgente.

Quando, por exemplo, delimitam o campo material das medidas provisórias,

como fez a Constituição da República Federativa do Brasil.

Confira-se que esta Constituição ao dispor sobre o campo material da medida

provisória, proíbe que ela seja editada em assuntos pertinentes a planos plurianuais,

diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares.

44

De outra parte, saliento também que se impõe ao Presidente da República, na ordem constitucional vigente, a motivação da relevância e da urgência da medida, o que, evidentemente importa em que, em cada caso, relevância e urgência deixem de ser indeterminadas (GRAU, Eros Roberto. Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 79, v. 658, p. 241-243, ago. 1990).

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Salvo, como é textual, na Lei Magna, para atender nos termos do seu artigo

62, despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção

interna ou calamidade pública, situação em que poderá ser aberto crédito

extraordinário em atenção ao disposto no artigo 167, § 3° da Constituição da

República Federativa do Brasil.

Sem dúvida que será de urgência a legislação que dispuser sobre como

atender as despesas que decorram de tais eventos. Como igualmente a solução

destes assuntos será muito importante e por consequência relevante para a atenção

devida ao interesse coletivo e público.45

45

Veja-se que a Constituição, neste raciocínio, ao definir o objeto material da medida provisória, afasta ainda desta modalidade legislativa excepcional, impostos que não são de instituição urgente - porque não afetos à operacionalidade habitual e comezinha do aparato administrativo imediato do Estado para dotá-lo de receitas para seus empenhos ordinários – e que assim podem ser legislados com planejamento antecipadamente, sujeitando-se ao princípio da anualidade dos tributos por consequência e para dotar as finanças públicas de receitas orçamentárias regulares, cuja arrecadação, assim, tem menor importância e relevância para o atendimento das necessidades públicas e coletivas do que aqueles que necessitam ser arrecadados tão logo quanto instituídos, haja vista que estes últimos se destinam a atender necessidades extraordinárias e inesperadas da máquina e da política estatal, precipuamente. Apenas permite sejam instituídos por medida provisória impostos que digam respeito à urgente disciplina fiscal e financeira do Estado, quase propriamente para sua administração imediata, com efeito duplo, para dotação de receitas orçamentárias, objetivando o atendimento de suas necessidades imprevistas e emergenciais, e também para o fim de ativar políticas de administração de seus próprios negócios e interesses não apenas fiscais, mas desenvolvimentistas e de incentivo e salvaguarda a negócios relacionados com objetivos de justiça social, como por exemplo, à distribuição de renda e à regularidade dos mercados que administra e coordena e à segurança econômica em geral. Dentre outros para assegurar a higidez da moeda e das contas públicas imediatas que não podem esperar muito tempo para serem preservadas ante os riscos de uma economia globalizada e de efeitos instantâneos ou deletérios na política interna, que precisam assim ser profligados imediatamente por via de uma política tributária de condução das atividades sociais para o bem comum. Como, por exemplo, são os impostos de importação de produtos estrangeiros, os de exportação, para o exterior de produtos nacionais ou nacionalizados, os de produtos industrializados, os de operações de crédito, câmbio e seguro, ou os relativos a títulos ou valores mobiliários, estes que são tributos regulatórios com vocação eminente para acertar assuntos mesmo de política financeira antes de orçamentária propriamente dita e que não tem natureza similar a de outros impostos que, sem dúvida, destinam-se exclusivamente a dotar o Estado de receitas orçamentárias para o funcionamento regular de sua máquina administrativa, como é o caso do imposto de renda e proventos de qualquer natureza e sobre a propriedade territorial rural, não obstante este último também colime consecução de metas governamentais na área da política fundiária e agrária, especificamente. Confira-se, neste sentido: Predominante, no imposto de importação, é sua função extrafiscal. Ele é muito mais importante como instrumento de proteção da indústria nacional do que como instrumento de arrecadação de recursos financeiros para o tesouro público. Se não existisse o imposto de importação, a maioria dos produtos industrializados no Brasil não teria condições de competir no mercado com seus similares produzidos em países economicamente mais desenvolvidos, onde o custo industrial é reduzido graças aos processos de racionalização da produção e ao desenvolvimento tecnológico de um modo geral. Além disto, vários países subsidiam as exportações de produtos industrializados, de sorte que os seus preços ficam consideravelmente reduzidos. Assim, o imposto de importação funciona como valioso instrumento de política

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Neste ponto, expressivo critério para delimitar o que seja urgente e, pois, do

trato do legislador excepcional da medida provisória, está no prazo de cem dias –

sem interrupção durante o recesso do Congresso Nacional – que a Constituição, em

seu art. 64, determina para os trâmites de urgência na aprovação dos projetos de

iniciativa do Presidente da República, quando este os requerer ao Poder Legislativo.

Se uma disciplina legal para um fato não puder aguardar os cem dias assim

delimitados, será ela objeto de legislação pela medida provisória, porque de sua

falta, haverá risco de ocorrer lesão ou efetiva lesão para a coletividade ou para o

interesse público, cujos danos ou ameaças de danos delas resultantes, serão de

difícil ou impossível reparação para esta entidade ou para este interesse, caso os

primeiros, os riscos de prejuízo ou eles efetivamente não forem mitigados ou

imediatamente evitados de acontecer por esta legislação da medida provisória,

estando nesta mitigação ou na própria eliminação deste prejuízo a relevância de seu

enfoque.

Como se verifica a discricionariedade do agente público que edita a medida

provisória não é absoluta. Está pautada pelo princípio da proporcionalidade e da

razoabilidade que deve presidir a ação do Estado. Encontra parâmetros de analogia

bem objetivos que impedem serem as medidas provisórias abusivas porque

delimitáveis os requisitos subjetivos e formais de relevância e urgência necessários

às medidas provisórias.46

econômica (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 305).

46De logo, uma advertência tão sovada, quanto reiteradamente esquecida: os requisitos assinalados pelo legislador constituinte são para valer. Exige-se a simultaneidade de ambos, sem o que inexistirá clima jurídico para a produção da medida. Trata-se do conectivo conjuntor, expressamente representado pelo „e‟. A estrutura lógica da frase normativa não comporta interpretação sintática de outra ordem, reclamado que as duas proposições conjuntas se verifiquem no mundo dos fatos sociais, para que a iniciativa possa ser desencadeada. Agora, se os vocábulos urgência e relevância são portadores de conteúdo de significação de latitude ampla, sujeito a critérios axiológicos cambiantes, que lhes dão timbre subjetivo de grande instabilidade, isto é problema cuja solução demandará esforço constitutivo da comunidade jurídica, especialmente do Poder Judiciário. Aquilo que devemos evitar, como singela homenagem a nossas instituições, é que tais requisitos sejam empregados acriteriosamente, sem vetor de coerência de modo abusivo e extravagante, como acontecera com o decreto-lei. São símbolos jurídicos que padecem de anemia semântica, com sentidos difusos, mas há uma significação de base, um minimum que nos habilita a desenhar o quadro possível de suas acepções (SANTOS, Brasilino Pereira dos. As medidas provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 494, reproduzindo CARVALHO, Paulo de Barros. Medidas provisórias. Revista de Direito Público, Brasília, ano 24, n. 97, jan.-mar. 1991).

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Além disto, integram os requisitos formais das medidas provisórias, sua

edição pelo Presidente da República, sua publicidade e sua imediata sujeição ao

Congresso Nacional tão logo editada e publicada.

2.3 Requisitos Constitucionais Materiais

Limita-se a medida provisória a matérias (artigo 62, § 1º) que não tratem de

nacionalidade, de cidadania, de direitos políticos, de partidos políticos e de direitos

eleitorais (artigo 62, § 1º, I, a), de direito penal, de direito processual penal e de

direito processual civil (artigo 62, § 1º, I, b), de organização do Poder Judiciário e do

Ministério Público, da carreira e garantia de seus membros (artigo 62, § 1º, I, c), de

planos plurianuais, de diretrizes orçamentárias, de orçamento e de créditos

adicionais e suplementares, exceção feita (artigo 167, § 3º) à abertura de crédito

extraordinário para atender despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes

de guerra, comoção interna ou calamidade pública e que pode ser aberto por

medida provisória, (artigo 62, § 1º, I, d), que não visem à detenção ou seqüestro de

bens, de poupança popular ou de qualquer outro ativo financeiro (artigo 62, § 1º, II),

que não sejam reservadas à lei complementar (artigo 62, § 1º, III) ou que já não

tenha sido disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e

pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

2.3.1 A limitação material do campo das medidas provisórias em

demarcação constitucional implícita e explícita

2.3.1.1 Panorama anterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de

2001

Já se chegou a dizer anteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de

setembro de 2002, que as medidas provisórias poderiam incursionar tematicamente

em qualquer área sujeita ao domínio normativo da lei, desde que presentes os

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pressupostos formais de edição delas, como lembra Alexandre Mariotti, citando

Saulo Ramos.47

Não obstante, a jurisprudência e a doutrina e mesmo o plexo de emendas

constitucionais anteriores a esta Emenda nº 32, trataram de limitações materiais

implícitas e explícitas à edição de medidas provisórias pelo Poder Executivo.48

2.3.1.2 Limitações materiais implícitas

As limitações implícitas são decorrentes das interpretações sistemáticas da

Constituição.

Como as que resultavam do entendimento de que se o constituinte proibia a

delegação de determinadas matérias ao Executivo para que este editasse leis

delegadas, não se poderia aceitar que tivesse a faculdade de editá-las por medida

provisória, porque a matéria que não poderia ser objeto da lei delegada era espaço

fechado de competência para legislação pelo Poder Legislativo, que, assim, não a

poderia delegar a outro ramo do Poder.

Ou as que concluíam pela impossibilidade de legislar-se por medida

provisória, a matéria da lei complementar, por se ter em conta que a exigência de

quorum qualificado para aprovação do projeto de lei complementar, na medida em

que, para se aprovar a medida provisória se carece de quorum de maioria simples,

viria este requisito para a aprovação da medida provisória em lei, com o mesmo

quorum da medida provisória, inviabilizar a sua operacionalidade e finalmente, por

dificultar sua aprovação congressual.

Ainda se dizia da impossibilidade da instituição ou do aumento de tributos por

via de medidas provisórias, eis que eles somente poderiam decorrer de lei, por força

de dispositivo constitucional expresso, nos termos do artigo 150, inciso I, da

Constituição.

47

MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 81. 48

NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 122-129.

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60

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, por sua vez, neste ponto,

pacificou o entendimento de que a medida provisória poderia criar tributo por ter

força de lei, respeitado o princípio da anterioridade e considerado para tanto a data

da primeira edição da medida provisória.

Chegou mesmo a admitir a medida provisória em matéria penal, a despeito do

princípio da legalidade dos delitos e das penas, desde que em benefício do réu.

2.3.1.3 Limitações materiais explícitas

Já as limitações materiais explícitas foram aquelas que resultaram, como se

disse, da aprovação de emendas constitucionais, limitando o campo material da

competência do legislador da medida provisória. Tais como, a Emenda de Revisão

nº 1, de 1994 e as Emendas Constitucionais números 5, 6, 7, 8 e 9 de 1995.

Conforme Gustavo Rene Nicolau49, estas emendas impediam regulamentação

das matérias constitucionais que tratavam por via de medidas provisórias.

2.3.1.4 Panorama posterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de

2001

André Ramos Tavares aponta que as limitações impostas à legislação por

medida provisória, nos termos desta emenda, não é numerus clausus50 e Luiz David

Araújo e Vidal Serrano comentam:

Assim, antes da Emenda n. 32 havia um consenso em se estender os conteúdos proibidos à lei delegada (art. 68, § 1º) para a medida provisória. A Emenda n. 32, no entanto, trouxe vedação específica no art. 62, § 1º. Tais vedações, no entanto, não contemplam a expressão „direitos individuais‟, o que faz com que tenhamos perdido com a alteração constitucional. Dos direitos individuais, apenas alguns (os constantes dos conteúdos do direito penal, direito processual penal e direito processual civil e o seqüestro de bens) estão a salvo da medida provisória. (...). Manifestamos nossa posição

49

NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 128.

50TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1132, sustentando-se em Joel de Menezes Niebuhr. O novo regime constitucional da medida provisória. p.109.

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61

de que os direitos individuais não podem ser objeto de medida provisória, apesar de não estar expressa a vedação no § 1º do art. 62. Trata-se de interpretação sistemática e conforme a Constituição, que leva à proteção de indelegabilidade de funções. Cláusula pétrea, assegurada no § 4º do art. 60 e no art. 2º da Constituição Federal. O núcleo proibido anunciado no art. 62, § 1º, é um mínimo, que deve ser entendido com o § 1º do art. 68, que continua a refletir sua influência sobre a medida provisória.

51

Todo cuidado, pois, deve inspirar a verificação do âmbito material de

competência do legislador da medida provisória, para conferir a validade da medida

provisória.

Esta não pode se transformar em instrumento de conflito entre o Poder

Legislativo e o Poder Executivo, devendo ainda estar pautada pelos parâmetros

constitucionais dos princípios fundamentais que ditam sua conformidade jurídica e

constitucionalidade propriamente dita e por consequência os limites materiais a que

ela está sujeita.

O leito da medida provisória deve ser sempre restrito, nunca esquecido o seu

caráter de excepcionalidade, que requer sua instrumentalização em permanente

consonância com o princípio fundamental e pétreo da separação dos Poderes e para

que o Poder Executivo embora agigantado em suas funções, passando de

administrador a legislador não se sobreponha ao Poder Legislativo, abalando a

harmonia que deve presidir a atuação do princípio em questão.

51

ARAUJO, Luiz Alberto David de; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 137, 372.

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62

3 LINHAS CONSTITUCIONAIS E GERAIS DO PROCESSO LEGISLATIVO DE

APROVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA.

3.1 Da Sede Constitucional do Processo Legislativo

Na Constituição da República Federativa do Brasil, a medida provisória está

situada no artigo 62, como já se viu.

Na mesma subsecção da secção que disciplina o Processo Legislativo, no

capítulo do Poder Legislativo, no título que organiza os poderes da República, em

seus artigos 59 usque 69.

No âmbito do Estado Democrático de Direito, que é um padrão de Estado a

que se pretende filiar o Estado Brasileiro, a lei que é o critério impessoal, abstrato e

para obediência geral dos que estão sob jurisdição dele, está subordinada apenas à

Constituição.

Consubstancia instrumento de comando e continente de mandado que, como

referencial de política pública, impõe a quem lhe deve obediência, fazer ou deixar de

fazer alguma coisa, colimando a concretização social das metas e objetivos da

comunidade e do Estado e com poder de revogar as disposições em contrário.

No senso que lhe dá a Constituição dos Estados Unidos da América, do

Norte, os governos se fazem pelas leis e não pelos homens.

Assim, também, este é o escopo do constituinte brasileiro, instituir o governo

das leis.

Em conclusão, a lei sob esta ótica é o que governa os homens sob a

jurisdição de um Estado Democrático de Direito.52

52

A lei é entendida como a expressão por excelência do direito, e sua primazia é justificada por três razões principais: primeira, é a mais importante manifestação do poder estatal, pois tanto os governantes como os juízes lhe devem obediência; segunda, é o único meio legítimo de limitar os direitos individuais, cuja preservação de acordo com o art. 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, é o objetivo de toda sociedade política; terceira, são os próprios cidadãos que, por meio de seus representantes, estabelecem a lei, de forma que seu conteúdo justo está antecipadamente garantido, pois ninguém é injusto consigo mesmo (MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 12).

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Neste sentido, ela deve condensar em seu mandamento a ética que exprimir

todo o conteúdo do arcabouço de direitos fundamentais que o sustenta e resultará o

processo de sua elaboração em sublime atividade de combinar princípios e regras

constitucionais, disciplinado verticalmente pela Constituição.

Com o intuito de aparelhar o Estado para realização de seus fins, o processo

legislativo direciona-se sob a pauta do princípio da legalidade, também, do

republicanismo principalmente e em consequência, da separação dos poderes e da

autenticidade de representação e do pluralismo político.

Assim o processo legislativo alinha estes princípios, que estão todos eles, em

síntese, postos no seu procedimento interativamente.

Sem exclusão dos demais, como os consagra a Lei Magna e que se

combinam mutuamente para a realização, por via da lei, dos escopos constituintes

de uma sociedade que encontra seu vértice na dignidade da pessoa humana,

colimando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Para garantir o

desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as

desigualdades sociais e regionais e promovendo o bem de todos. Sem preconceitos

de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação.

Por estes motivos é que o processo legislativo encontra sua disciplina na

Constituição, porque dele emana para o contexto dos fatos, o principal instrumento

para realização de seus propósitos precípuos: a lei.

Sendo assim, o processo fundamental para desencadear a dinâmica da

Constituição, é que o processo legislativo merece disciplina em sede constitucional,

como expõe Nelson de Souza Sampaio:

Repassando ao plano do direito interno, de logo notamos a supremacia do processo legislativo sôbre as outras divisões do direito adjetivo, pois ele prescreve a competência e a forma para a criação de normas de caráter geral, inclusive, portanto, das normas dos outros processos. Existe ainda, como lembra Kelsen, uma diferença de grau entre o processo legislativo de um lado, e o processo jurisdicional e o administrativo do outro, quanto à maior liberdade que o processo legislativo deixa para determinação da matéria dos atos legislativos, ao passo que os outros processos limitam mais o conteúdo dos atos jurisdicionais e administrativos: “A constituição no sentido material determina por que órgãos e através de que processos as normas devem ser criadas. Comumente, ela deixa o conteúdo dessas normas indeterminado ou, pelo menos, o determina sòmente de forma negativa. As normas gerais criadas de acôrdo com a constituição, pela legislação ou pelo costume,

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especialmente, as leis, determinam, porém, não só os órgãos judiciais e administrativos e o processo judicial e administrativo mas também os conteúdos das normas individuais, as decisões judiciais e os atos administrativos que devem emanar dos órgãos aplicadores do direito”.

53

3.2 Uma Questão de Legitimidade: do processo legislativo representativo

Neste cenário, em que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente nos termos da Constituição, o processo

legislativo deve ser o instrumento que promove o exercício do Poder Legislativo em

sua atividade fundamental de fautor da lei, no Estado Democrático de Direito.54

Objetiva fazer atuar a vontade da Constituição, em senso plural, de afirmação

das maiorias conjugadamente com a das minorias. Integrando-as no pluralismo

desta construção estatal.

53

SAMPAIO, Nelson de Sousa. O processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 3. 54

Sendo a legislação uma das funções primordiais do Estado, podemos distinguir os tipos de processo legislativo de acordo com as formas de organização política. Disso decorrem quatro tipos de processo legislativo: a) o autocrático; b) o direto; c) o indireto ou representativo; d) o semidireto. Não se trata de modelos de sucessão histórica irreversível, mas de tipos puros. Depois do aparecimento dos governos representativos, podem reaparecer períodos – mais ou menos longos – de legislação autocrática, e, dentro da mesma estrutura política, podem coexistir dois ou mais tipos de processo legislativo. Teòricamente, é concebível a convivência de todos eles, embora não ocorra exemplo histórico. Se bem não nos interesse aqui o processo legislativo constituinte, podemos observar que as suas variantes correspondem às mesmas do processo legislativo constituído. Do processo constituinte autocrático brotam as constituições outorgadas. O processo constituinte direto daria nascimento às constituições que chamaríamos „plebiscitárias‟, a exemplo das Constituições dos Cantões suíços de Appenzell Rhodes Interior (1872), Glaris (1887), Uri (1888), Alto Unterwalden (1902), Appenzell Rhodes Exterior (1908) e Baixo Unterwalden (1913), aprovadas pelas respectivas assembléias populares ou Landsgemeinden. O processo constituinte representativo, hoje o mais comum, verifica-se quando se elege uma assembléia constituinte para votação da lei magna. O processo constituinte semidireto produziria as constituições que podemos apelidar de „referendadas‟, porque a obra da assembléia constituinte se completaria com o referendum popular, como no caso da Constituição francesa de 1946. É desnecessário dizer que a classificação das espécies de processo legislativo, não envolve nenhum prejulgamento em relação ao conteúdo da legislação resultante, que quanto ao ideal de justiça quer quanto ao aspecto técnico. As leis oriundas de um processo autocrático não são necessariamente injustas e mal elaboradas, do mesmo modo que nada nos assegura que as leis provenientes de um processo representativo sejam sempre justas e sem falhas técnicas. A crítica ao processo legislativo autocrático sòmente se pode estribar na questão da legitimidade política, uma vez pressuposta a adesão ao sistema democrático (SAMPAIO, Nelson de Sousa. O processo legislativo. São Paulo: Saraiva, 1968. p. 7).

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65

O processo legislativo deve ser o caminho das aspirações populares até a

conformação da lei, como ato complexo de interação entre o Poder Legislativo e o

Poder Executivo, neste contexto.

Não obstante a Constituição possibilita até mesmo ao Poder Judiciário a

deflagração do processo legislativo, em situações especialíssimas.

Faculta, desta mesma forma, em hipóteses taxativas ao Executivo e à

iniciativa popular dar-lhe começo.

Mas o processo legislativo somente se consuma pela atuação dos Deputados

e Senadores. Isto porque a cidadania lhes outorgou poderes com o encargo de

representá-la, para fazer as leis, nos termos da Constituição.

São eles que o podem, com exclusividade, prosseguir, após iniciado e mesmo

que por pessoas estranhas ao Poder Legislativo. Finalmente são os que votam as

proposições nele iniciadas, transmudando-as em lei.

Assim o projeto que foi apresentado para que o Poder Legislativo o instruísse

em seu trâmite, aprimorando-o e o ajustando aos interesses discricionários de seus

membros como o condicionam e o influenciam em seu debate e votação, pode ser

emendado, para aprimoramento e até consumar-se em lei, assim modificado.

Todavia somente quando arrematado pelo Poder Executivo, é que o projeto

de lei complementa-se por via da sanção, da promulgação e da publicação e após

palmilhar o caminho da iniciativa de sua propositura até a lei, em seu curso no

Congresso Nacional.

3.3 Dos Procedimentos do Processo Legislativo

Está assim, na ideia de processo legislativo, o conjunto de fases em que ele

se incorpora em sua síntese e nos termos delineados pela Constituição, para

concretizá-la, realizando seus preceitos e valores.

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Podem nele ser consideradas a fase introdutória em que está a iniciativa, a

fase constitutiva, em que estão a deliberação e a sanção e a fase complementar, na

qual se encontram a promulgação e a publicação.55

Estas fases concatenam-se entre si e ordenadamente para que transite o

projeto até sua mutação em lei, estando o cerne de sua construção em lei na etapa

propriamente legislativa de seu eixo, que enfeixa a iniciativa, emenda, discussão e

votação do projeto no âmbito da competência do Congresso Nacional.

Pela Constituição a feitura da lei que governará os homens, está posta sob

competência precípua e exclusiva do Congresso Nacional.

Mas em seu ato de consumação tangenciam-se dois ramos do Poder, o

Legislativo e o Executivo, em compasso de harmonia e de complementação, entre

eles, enquanto funções do Estado atuantes em íntima colaboração nesta criação.

Cabendo ao Poder Judiciário ser o oráculo da constitucionalidade e da própria

legalidade sistêmica e juridicidade dos diplomas legais inclusive das medidas

provisórias.56

55

Esta sistematização do processo legislativo é conforme o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em Curso de Direito Constitucional, obra citada na bibliografia deste trabalho, página 189. Destaca-se, porém: Podemos reunir aqui o processo dos atos denominados „leis‟ em geral, com exceção da lei orçamentária, que obedece a ritual próprio. O itinerário do projeto de lei tem mais etapas do que o da proposta de emenda constitucional: iniciativa, discussão, votação, sanção – etapa que, inexistindo, será substituída pela de veto – e promulgação, de acordo com Nelson de Sousa Sampaio, em O processo legislativo, p. 71. Também: “Por „processo legislativo‟ entende-se o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção, veto) realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos. O procedimento legislativo é o modo pelo qual os atos do processo legislativo se realizam. Diz respeito ao andamento da matéria nas Casas legislativas. As regras básicas sobre o processo legislativo aplicam-se a Estados e Município, como disserta sobre conceito e objeto do processo legislativo (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 437).

56O processo legislativo consubstancia um procedimento. Nesse sentido, compreende uma sucessão de fases encadeadas, tendentes à realização de um fim. No caso, à produção – criação, modificação ou revogação – de normas de caráter legislativo. O processo legislativo, assim, consubstancia um procedimento, sendo peculiar deste a contaminação dos atos subseqüentes pela invalidade dos antecedentes. Assim, desnudado o vício, quando tenha sido tomado por urgente matéria que como tal não se caracterizava, entendo deva ser acionado o Poder Judiciário, a fim de que aprecie a questão. O vício assim declarado pelo Poder Judiciário, contamina todos os atos subseqüentes do procedimento resultando ineficaz a sua pretendida convalidação, que se teria consumado no momento em que o Congresso Nacional tenha acatado a medida provisória (GRAU, Eros Roberto. Medidas provisórias na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 79, v. 658, p. 241-243, ago. 1990).

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Mesmo dos assim a elaborar ou a serem elaborados e para assegurar a

legitimidade de seus procedimentos e a liceidade de seus processos propriamente

ditos, em ação que o faz controlador do processo legislativo.

Contudo, embora neste processo o Poder Judiciário seja agente acessório,

em verdade é ele quem desempenha o indispensável papel de controlador da

constitucionalidade das leis.

De sorte que o processo legislativo, em uma visão multifuncional dos agentes

que nele interagem, ajusta em colaboração todos os ramos do Poder, diretamente,

como, no caso do Poder Legislativo e do Executivo e indiretamente, considerando a

função que com relação a ele, pode exercer o Poder Judiciário, por seus atributos

constitucionais.

3.4 O Sincretismo do Processo Legislativo na Constituição Federal de 1988

Mas a organização do processo legislativo pela nossa Constituição é criticada

por englobar em um mesmo tópico sob esta nomenclatura de processo legislativo,

normas de todo o gênero, que nem mesmo podem ser lei em suas definições

jurídicas, assim, não podendo ser dele objeto.57

Com isto, a emenda constitucional estaria mal situada no artigo 59, da

Constituição de 5 de outubro de 1988, como norma a ser objeto do processo

legislativo, em conjunto com outros tipos de instrumentos normativos que nele estão

incluídos.

57

A Constituição de 5 de outubro contém uma seção, a VIII do Capítulo I (Tít. IV), intitulada „Do processo legislativo‟, onde regula a elaboração de leis lato sensu. Na verdade, o título e a matéria da seção não estão de pleno acordo, já que nessa seção está regida a elaboração de atos que não são nem material nem formalmente leis. De fato, compreende-se aí a elaboração de emendas constitucionais que são leis materialmente, mas que formalmente destas devem ser distinguidas, por serem manifestação de um poder distinto, que é o de revisão. Arrola-se, aí, também, a elaboração de resoluções que, se por sua tramitação se assemelham a leis a ponto de se poder dizer que são leis, formalmente falando, não têm a matéria de lei, por não editarem regras de direito gerais e impessoais. E o que se disse das resoluções aplica-se, mutatis mutandis, aos decretos legislativos. Na verdade todas as exegeses propostas para a expressão „processo legislativo‟, no art. 59 da Constituição, não são plenamente satisfatórias. Faltou ao constituinte, segundo tudo indica, uma visão clara da sistemática dos atos normativos. Forçoso é reconhecer, porém, que essa sistematização não é simples (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 183).

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É que a emenda constitucional é expressão do poder constituinte, em sua via

derivada, de natureza, em muito diversa da lei. Esta última, sim, que seria o objeto

principal e precípuo do processo legislativo e que assim sendo, teria lugar próprio

nele, como dizem estas críticas.

Igualmente, não caberiam no processo legislativo os decretos legislativos e as

resoluções e em particular as medidas provisórias.

Os primeiros, os decretos legislativos enquanto regulam matéria da

competência exclusiva do Poder Legislativo, não podem eles ser considerados leis.

Embora no âmbito do Congresso Nacional, perpassem as mesmas fases da

lei, para suas consumações e conformações, não acontecem suas promulgações

pelo concurso do Poder Executivo que é o que caracteriza a peculiaridade do rito de

produção da lei, contudo, sim, são eles promulgados pela presidência do Senado.

As segundas são resoluções que pelo próprio nome se enunciam, como

matérias de interesse interno do Congresso Nacional, as quais, assim sendo, não

criam nem modificam direitos e obrigações para todos os jurisdicionados do Estado.

As medidas provisórias cujo processo de conformação é o objeto deste tópico

em estudo, não encontram mesmo razão para figurar como insertas sob o processo

legislativo, no plano do artigo 59 da Constituição.

3.5 A Medida Provisória enquanto Objeto de um Processo Peculiar de

Produção

É absolutamente impróprio inseri-las sob suas condicionantes e mecanismos

porque elas têm existência própria como decreto do Poder Executivo. Assim é este

quem lhes molda a face, dotando-as por suas edições da força de lei. Porque a

medida provisória chega ao Parlamento com vigor ainda que precário ou transitório,

mas já concreto pelo seu simples ato de criação pelo Poder Executivo.58

58

A elaboração de leis delegadas e de medidas provisórias não comporta atos de iniciativa, nem votação, nem sanção, nem veto, nem promulgação. Trata-se de mera edição, que se realiza pela publicação autenticada. Por isso não é cabível falar-se em processo legislativo a respeito delas,

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Ainda que dependente de sua conversão em lei, pelo Congresso Nacional,

mas indiscutivelmente já valendo e existindo, a medida provisória é plasmada e se

torna existente pela exclusiva ação do Poder Executivo.

Não pode estar posicionada como espécie normativa sujeita ao processo

legislativo.59

Dir-se-ia então que o processo legislativo por ser ele o instrumento de uma

ação direcionada do Poder Legislativo para conformar a lei, que a seus parâmetros

deveria estar submetido o processo de conversão em lei da medida provisória. Aí,

sim em trâmite sujeito exclusivamente ao roteiro do processo legislativo. Nunca,

porém, a medida provisória que não depende do Poder Legislativo para existir, até

chegar a seu plenário.

Dir-se-ia mais, que o decreto em que ela está consubstanciada, deveria ter

disciplinada sua estruturação em campo próprio da competência do Presidente da

República e que nisto estaria a sua disciplina correta.

Mas o fato é que a medida provisória deve ser estudada quanto à sua

produção, dentro deste tópico do processo legislativo constitucional e com a sujeição

dos procedimentos necessários à sua conversão em lei ao processo legislativo,

porque este roteiro para a conversão de um decreto em lei é da competência

exclusiva do Poder Legislativo.

3.6 Dispositivos de Disciplina do Processo de Conversão em Lei da Medida

Provisória

Nestes termos, em seu caminho para ser convertida em lei, a medida

provisória será conduzida até esta situação de seu aperfeiçoamento e conversão em

lei, pelo processo legislativo, sujeitando-se:

mas de simples procedimento elaborativo (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 528).

59As medidas provisórias não constavam da enumeração do art. 59, como objeto do processo legislativo, e não tinham mesmo que constar, porque sua formação não se dá por processo legislativo. São simplesmente editadas pelo Presidente da República. A redação final da Constituição não as trazia nessa enumeração. Um gênio qualquer, de mau gosto e ignorante e abusado, introduziu-as aí, indevidamente, entre a aprovação do texto formal (portanto depois do dia 22.9.88) e a promulgação-publicação da Constituição no dia 5.10.1988 (Ibid., p. 524).

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– a dispositivos constitucionais fundamentalmente;

– a instrução, rito e aprovação, principalmente de acordo com os termos da

Resolução nº 1, de 8 de maio de 2002, do Congresso Nacional;

– subsidiariamente ao Regimento Interno do Congresso Nacional, Ato da

Mesa do Congresso Nacional nº 63, de 22 de dezembro de 2006, que se

refere ao Regimento Interno editado em 11 de agosto de 1970;

– ainda subsidiariamente aos regimentos internos da Câmara dos Deputados

e do Senado Federal, e

– aos critérios de conformação gerais, da Lei Complementar nº 107, de 26 de

abril de 2001, como ela alterou a Lei Complementar nº 95, de 26 de

fevereiro de 1998.

Desta maneira, como o processo legislativo está sujeito a disposições

constitucionais e também regimentais do Congresso Nacional e o processo de

conformação das leis responde a um rito e a exigências de construção de normas

legalmente previstos, o processo dito para conversão em lei da medida provisória

será abordado neste tópico sob estes enfoques.

3.7 Dispositivos Constitucionais de Disciplina do Processo de Conversão da

Medida Provisória em Lei

Começando pelas disposições da Constituição que se aplicam ao processo

legislativo, portanto, à conversão da medida provisória em lei – muito embora muitas

delas já tenham sido abordadas neste trabalho - aponte-se que o Presidente da

República ao editar a medida provisória deve submetê-la imediatamente ao

Congresso Nacional (artigo 62, caput, última parte).

As deliberações do Congresso Nacional – nesta matéria – por cada uma de

suas casas, da Câmara dos Deputados e do Senado, separadamente e de suas

Comissões, serão tomadas pela maioria de votos presentes na sessão de votação.

Desde que a ela compareça a maioria absoluta de seus membros, de 51%

dos 513 atuais deputados e dos 81 senadores, que compõem o Congresso

Nacional, nos termos dos artigos 45 usque 47 da Constituição da República

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Federativa do Brasil, considerada a Lei Complementar nº 78 de 30 de dezembro de

1993. Como já se apontou o Congresso Nacional tem discrição política para atuar na

conversão da medida provisória em lei e o campo material de sua atuação é

ilimitado, para mudá-la, emendá-la ou alterá-la, dentro da matéria de que trata a

medida provisória.

Sem as restrições que o próprio Poder Executivo sofrera em sua edição, eis

que a competência para o legislador excepcional editar medidas provisórias está

restrito às hipóteses rigorosas embora não exaustivas do artigo 62, § 1º, da

Constituição da República Federativa do Brasil.

Não está o exercício do Poder Legislativo sujeito a pressupostos taxativos

para funcionar neste caso, embora, no caso das medidas provisórias, caiba-lhe em

termos prejudiciais do próprio prosseguimento do processo de sua conversão em lei,

decidir e votar preliminarmente sobre a ocorrência ou não dos pressupostos

subjetivos de relevância e urgência das medidas provisórias que as justifiquem

(artigo 62, § 5º).

Havendo convocação extraordinária do Congresso Nacional a conversão em

lei das medidas provisórias em vigor na data, será matéria a ser incluída em sua

pauta extraordinária de votação (artigo 57, § 8º). Por sua natureza de decreto com

força de lei e para vigência temporária, em que se consubstancia uma decisão

normativa excepcional e de urgência, que não pode ter protelada sem fundamento

legal sua conversão em lei.

O projeto de conversão da medida provisória em lei começa na Câmara dos

Deputados (artigo 62, § 8º) e se ele for nela aprovado, será revisto pelo Senado

Federal, que o arquivará, se o rejeitar em sessão única de votação (artigo 65, caput).

Caso emendado pelo Senado, volta à Câmara, para revisão em um só turno

de votação (artigo 65, § único). A Casa que concluir a votação da conversão da

medida provisória em lei enviará o projeto desta conversão à sanção do Presidente

da República (artigo 66, caput).

Sobre os pressupostos subjetivos de relevância e urgência da medida

provisória e ainda sobre o mérito da medida provisória, antes de ela ser votada em

sessão separada pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional,

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deve ela ser apreciada por Comissão Mista de Deputados e Senadores, que opinará

quanto a seus pressupostos de relevância e urgência e mérito, mediante votação de

seus membros (artigo 62, § 9º). Esta Comissão permanecerá instalada até a

conclusão do processo legislativo de conversão da medida provisória em lei.

Proíbe-se seja reeditada medida provisória que perdeu eficácia por decurso

de prazo ou que tenha sido rejeitada na mesma sessão legislativa, em que estes

fatos tenham ocorrido (artigo 62, § 10).

A medida provisória conservará vigor até que seja sancionada ou vetada a

emenda parlamentar ocorrente em seu processo de conversão em lei aprovado pelo

Congresso Nacional (artigo 62, § 12).

A medida provisória cujo processo de conversão em lei não for apreciado em

45 dias de sua publicação em quaisquer das Casas do Congresso Nacional, entrará

em regime de votação urgente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional,

subseqüentemente, ficando sobrestadas até que se ultime a votação de todas as

demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando (artigo 62, §

6º).60

60

O Presidente da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, Deputado Michel Temer, assim se manifestou sobre o trancamento de pauta de que trata o artigo 62, § 6º, da Constituição: Muito bem. Então, registrado que há uma exceção, vamos ao art. 62 e lá verificamos o seguinte: que a medida provisória, se não examinada no prazo de 45 dais, sobresta todas as deliberações legislativas na Casa em que estiver tramitando a medida provisória. Aí surge uma pergunta: de que deliberação legislativa está tratando o texto constitucional? E eu aqui faço mais uma consideração genérica. A interpretação mais prestante na ordem jurídica do texto constitucional é a interpretação sistêmica. Quer dizer, eu só consigo desvendar os segredos de um dispositivo constitucional se eu encaixá-lo no sistema. É o sistema que me permite a interpretação correta do texto. A interpretação literal – para usar um vocábulo mais forte – é a mais pedestre das interpretações. Então, se eu ficar na interpretação literal, todas as deliberações legislativas, eu digo: nenhuma delas pode ser objeto de apreciação, mas não é isso o que diz o texto. Eu pergunto e a pergunta é importante: uma medida provisória pode versar sobre a matéria de lei complementar? Não pode. Há uma vedação expressa no texto constitucional. A medida provisória pode modificar a Constituição? Não pode. Só a emenda constitucional pode fazê-lo. A medida provisória pode tratar de uma matéria referente a decreto legislativo, como, por exemplo, declarar guerra ou fazer paz, que é objeto de decreto legislativo? Não pode. A medida provisória pode editar uma resolução sobre o Regimento Interno da Câmara ou do Senado? Não pode. Isto é matéria de decreto legislativo e de resolução. Aliás, aqui faço um parêntese: imaginem V. Exas. o que significa o trancamento da pauta. Se hoje estourasse um conflito entre Brasil e um outro país e o Presidente mandasse uma mensagem para declarar a guerra, nós não poderíamos expedir o decreto legislativo, porque a pauta está trancada até maio. Então, nós mandaríamos avisar: Só a partir do dia 15 ou 20 de maio vamos poder apreciar esse decreto legislativo. Então, em face dessas circunstâncias, a interpretação que se dá a essa expressão todas as deliberações legislativas são todas as deliberações legislativas ordinárias. Apenas as leis ordinárias é que não podem trancar a pauta. Ademais disso, mesmo no tocante às leis ordinárias, algumas delas estão excepcionadas. O art. 62, no inciso I, ao tratar das leis ordinárias que não

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73

Caso não seja aprovada a conversão em lei da medida provisória, ao

Congresso Nacional caberá disciplinar por decreto legislativo as relações jurídicas

dela decorrentes (artigo 62, § 3º, in fine).

O processo de conversão da medida provisória suspende-se em períodos de

recesso do Congresso Nacional (artigo 62, § 4º).

Insta finalizar que o Congresso Nacional ao invés de rejeitar ou aprovar a

medida provisória cujo processo de conversão em lei faça cursar, pode

simplesmente se omitir em sua apreciação, no período de vigência da medida

provisória, que é de 120 dias, como está visto.

Acontecerá assim sua rejeição por decurso de prazo.

Podendo ser entendida tal circunstância como perda de eficácia da medida

provisória.61

podem ser objeto de medida provisória, estabelece as leis ordinárias sobre nacionalidade e cidadania e outros tantos temas que estão sendo elencados no art. 62, inciso I. Então, nessas matérias também, eu digo, não há trancamento da pauta. Contra isto, foi impetrado o Mandado Segurança 27.931-1, no Supremo Tribunal Federal, que teve indeferida medida cautelar requerida em seu bojo, por decisão de seu relator, o Ministro Celso de Mello, que deliberou: „É por isso que o exame das razões expostas pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, na decisão em causa, leva-me a ter por descaracterizada, ao menos em juízo de sumária cognição, a plausibilidade jurídica da pretensão mandamental deduzida nesta sede processual. A deliberação emanada do Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, parece representar um sinal muito expressivo de reação institucional do Parlamento, a uma situação de fato que se vem perpetuando no tempo e que culmina por frustrar o exercício, pelas Casas do Congresso Nacional, da função típica que lhes é inerente, qual seja, a função de legislar. A construção jurídica formulada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, além de propiciar o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, parece demonstrar reverência ao texto constitucional, pois – reconhecendo a subsistência do bloqueio da pauta daquela Casa legislativa quanto às proposições normativas que veiculem matéria passível de regulação por medidas provisórias (não compreendidas, unicamente, aquelas abrangidas pela cláusula de pré-exclusão inscrita no art. 62, § 1º, da Constituição, na redação dada pela EC nº 32/2001) – preserva, íntegro, o poder ordinário de legislar atribuído ao Parlamento. Mais do que isso, a decisão em causa teria a virtude de devolver à Câmara dos Deputados, o poder de agenda, que representa prerrogativa institucional das mais relevantes, capaz de permitir, a essa Casa do Parlamento brasileiro, o poder de selecionar e de apreciar, de modo inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política, social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País, o que ensejará – na visão e na perspectiva do Poder Legislativo (e não nas do Presidente da República) – a formulação e a concretização, pela instância parlamentar, de uma pauta temática própria, sem prejuízo da observância do bloqueio procedimental a que se refere o § 6º do art. 62 da Constituição, considerada, quanto a esta obstrução ritual, a interpretação que lhe deu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados. Sendo assim, em face das razões expostas, e sem prejuízo de ulterior reexame da controvérsia em questão, indefiro o pedido de medida cautelar.

61José Afonso da Silva obtempera que não há, todavia margem para perda de eficácia de medida provisória, por não apreciação e expõe: Em certo sentido, há uma incoerência entre o disposto nos

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3.8 A Disciplina do Processo Legislativo de Conversão em Lei da Medida

Provisória nos Termos da Resolução nº 1, de 8 de Maio de 2002

3.8.1 Procedimento de deflagração

No mesmo dia da publicação da medida provisória no Diário Oficial da União,

a Presidência da República enviará o seu texto ao Congresso Nacional, por via de

mensagem em que deverá constar a exposição de motivos para o ato e na qual as

razões que sustentarem as situações de relevância e urgência que houverem

justificado o decreto62 devem estar expostas (§ 1º do artigo 2º da Resolução nº 1, de

8 de maio de 2002).

3.8.2 Procedimento vestibular de preparação. Pareceres da Comissão Mista

do Congresso Nacional de admissibilidade constitucional, de adequação

financeira e orçamentária e de mérito

Prosseguindo, como segue, sempre se referindo a esta Resolução no que

tange ao processo de conversão da medida provisória em lei, o Presidente da Mesa

do Congresso Nacional, que é o Presidente do Senado Federal, ao receber o texto

da medida provisória, fará publicar e distribuir no Parlamento, cópias da medida

provisória, dentro do prazo de 48 horas, da publicação da medida provisória no

Diário Oficial da União (artigo 2º, caput).

§§ 3º e 6º do art. 62, introduzidos pela Emenda Constitucional 32/2001, porque o primeiro admite perda de eficácia de medidas provisórias que não forem apreciadas no prazo de 120 dias (60 dias mais prorrogação por igual período), enquanto o segundo preordena mecanismos que impõem ao Congresso Nacional sua apreciação, quando declara que, se a medida provisória não for apreciada em até 45 dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas até que se ultime a votação, todas as deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. Por esse regime, todas as medidas provisórias terão que ser votadas, sendo, por isso, aprovadas ou rejeitadas, sem margem para a perda de eficácia por não apreciação, como prevê o § 3º. Apesar disso, o § 10 do art. 62 (Emenda 32/2001) insiste em falar em medidas provisórias que tenham perdido eficácia por decurso de prazo (Comentário contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 452).

62A Resolução nº 1, de 8 de maio de 2002, não dispõe nem pode dispor sobre isto, porque regulamentar a atividade do Presidente da República não é algo que se insira na competência do Congresso Nacional, principalmente, por via deste instrumento normativo. Todavia por questão de disciplina de exposição porque o Presidente da República não edita a medida provisória que não seja colimando a sua conversão em lei, a edição da medida provisória está sendo aqui considerada como o momento inaugural do processo de sua conversão em lei.

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Nomeará, em igual tempo, compondo-a por 13 Deputados e 13 Senadores

(artigo 2º, §§ 2º e 3º), escolhidos dentre parlamentares de ambas as Casas do

Congresso Nacional, Comissão Mista de Deputados Federais e Senadores, para

analisar e emitir parecer sobre a medida provisória (artigo 2º, caput, in fine).

Esta Comissão – cujo encargo já foi referido nos parágrafos anteriores deste

tópico – terá também a incumbência de apresentar o projeto de decreto legislativo

que disciplinará as relações jurídicas decorrentes da vigência da medida provisória,

caso ela não seja convertida em lei (artigo 11, caput) ou ocorra no curso do

processo legislativo de sua conversão em lei, supressão ou alteração em parte de

seu texto original (artigo 11, caput combinado com o artigo 5º, § 4º, inciso II).

Qualquer Deputado ou Senador poderá oferecer projeto de decreto legislativo nestas

hipóteses, perante sua Casa respectiva, se a Comissão Mista ou o relator nela e

para tanto designado, não o fizer no prazo de quinze dias contados da perda da

vigência da medida provisória ou da parte dela alterada (artigo 11, § 1º).

Doze deputados e doze senadores serão indicados pelas lideranças

partidárias, ao Presidente do Congresso Nacional (artigo 2º, §§ 2º e 4º), no prazo de

12 horas de publicação da medida provisória, no Diário Oficial da União, para serem

por ele nomeados para integrar esta Comissão e caso não haja esta indicação pelos

líderes, no prazo consignado, este Presidente nomeará seus integrantes, fazendo a

escolha recair sucessivamente nos líderes ou nos vice-líderes das bancadas

parlamentares omissas quanto a esta indicação de seus membros para compor a

Comissão (artigo 2º, § 5º).

A décima terceira vaga nesta Comissão será composta por representantes

das bancadas minoritárias de cada Casa do Congresso Nacional, cuja participação

diretamente proporcional no todo de seus membros não for suficiente a exprimir o

percentual necessário a lhes permitir ocupar 1 vaga nesta Comissão (artigo 2º, § 3º).

Esta Comissão designada deverá estar instalada em até 24 horas desta

designação, devendo eleger, neste mesmo prazo, seu presidente e vice-presidente,

artigo 3º, escolhendo o presidente, relator e revisor, para os trabalhos de análise e

votação da medida provisória, artigo 3º, in fine, os quais devem ser de casas

distintas, de maneira a que sendo o presidente do Senado, o vice, seja da Câmara

(artigo 3º, § 2º) e o relator, da Câmara, o revisor seja do Senado (artigo 3º, § 3º).

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Se o relator da Comissão for do Senado e o revisor, da Câmara, o primeiro

será relator do projeto na Câmara e o segundo, no Senado e vice-versa (artigo 3º, §

4º).

Os trabalhos da Comissão serão instalados com a presença de um terço de

seus membros e suas deliberações serão tomadas por maioria simples, presente a

maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas (artigo 4º, § 6º).

A Comissão receberá todas as propostas de emenda que guardem relação

com o tema63 e que lhe forem encaminhadas pela Secretaria Geral da Mesa do

Senado Federal, a quem os interessados as devem encaminhar diretamente, até o

sexto dia da publicação da medida provisória (artigo 4º, caput).

O autor de projeto de lei que tramitar tratando do mesmo objeto da medida

provisória, poderá solicitar que ele tramite em conjunto com a medida provisória, sob

forma de emenda, artigo 4º, § 2º, que resultará prejudicada enquanto projeto de lei,

se a medida provisória for convertida em lei sem levá-la em consideração ou

absorvendo-o (artigo 4º § 3º). Mas se ela for declarada inconstitucional esse projeto

retomará seu curso normal (artigo 4º, § 3º, in fine).

Em itens separados a Comissão debaterá e votará a constitucionalidade ou

não da medida provisória, a verificação ou não de seus pressupostos subjetivos de

relevância e urgência e o mérito dela necessariamente e deverá apresentar relatório

ele, ainda que opine contrariamente à aprovação da medida por sua desatenção aos

requisitos formais, dentre os quais estarão sua adequação financeira e orçamentária

e a conferência sobre se a Presidência da República enviou ou não em tempo e

modo oportunos o texto da medida provisória ao Congresso Nacional, atendendo os

requisitos constitucionais e regimentais em comento (artigos 5º, caput e 2º, § 1º).

Deverá elaborar parecer sobre estas suas deliberações, igualmente, em itens

separados (artigo 5º, caput).

Como conclusão dos trabalhos da Comissão e pelo debate e voto de seus

integrantes, serão possíveis a aprovação integral da medida provisória, sua rejeição

integral, sua aprovação ou rejeição parcial, a alteração da medida provisória, tudo

63

O artigo 4º, § 4º, da Resolução nº 1/2002, veda a apresentação de emendas que versem sobre matéria estranha ao tema da medida provisória.

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como concluir a Comissão e constar do relatório. Da mesma forma, a Comissão

deliberará pela aprovação ou rejeição da emenda a ela apresentada (artigo 5º, § 4º).

Se opinar pela não conversão da medida provisória em lei ou pela supressão

ou alteração de partes de seus textos, deverá a Comissão formular o projeto de

decreto legislativo, para disciplina das relações jurídicas que decorram da vigência

provisória da medida provisória cuja aprovação foi por ela indeferida, em parte ou

integralmente (artigo 5º, § 4º, inciso II, já referido).

A conclusão de seus trabalhos deve-se dar em 14 dias da publicação da

medida provisória, ocasião em que a Comissão deverá emitir parecer único,

manifestando-se sobre a matéria, em tópicos separados, quanto à

constitucionalidade, pressupostos de relevância e urgência, de mérito, de

adequação orçamentária e financeira e sobre se a medida provisória veio da

Presidência da República com a respectiva Mensagem e exposição de motivos

(artigo 5º).

Seja qual for o resultado das atividades da Comissão ou mesmo que no prazo

supra, ela tenha restado inativa e não estejam concluídos os seus trabalhos, estes,

no estado em que se encontrarem, com o texto da medida provisória, serão

encaminhados compulsoriamente à Câmara dos Deputados, independentemente, da

deliberação desta, a partir do 14º dia de publicação da medida provisória (artigos 5º,

caput e 6º, § 1º).

3.8.3 Procedimento de deliberação

Depois de publicar em avulsos e no Diário da Câmara dos Deputados o

parecer da Comissão Mista, dispensado o interstício da publicação, a Câmara dos

Deputados terá mais 14 dias, improrrogáveis, para debate e votação da medida

provisória, considerando, se ele existir, o parecer da Comissão referida, tudo isto em

até 28 dias da publicação da edição da medida provisória (artigo 6º, caput).

Aqui cabe acrescentar que são improrrogáveis os prazos para que cada

entidade envolvida com o processo legislativo – a Comissão Mista, a Câmara dos

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Deputados e o Senado – conclua suas atividades no curso do processo legislativo

de conversão da medida provisória em lei.

Desta maneira, o fato de uma delas não concluí-lo nos prazos que lhes foram

facultados para tanto, fará com que a outra inicie seus trâmites para aprovação da

conversão da medida provisória em lei, tão logo transcorrido o seu interstício

temporal e mesmo que ainda não concluído o processo de votação de conversão em

lei da medida provisória, na entidade anterior.

Deve a Câmara dar-lhe início em 14 dias da publicação da edição da medida

provisória e o Senado, em 28 dias, dessa mesma data, portanto, em 42 dias (artigo

7º), esta última Casa deve encerrar o processo de conversão em lei da medida

provisória.

É que a Comissão Mista de Deputados e Senadores tem 14 dias, para

analisá-la e votá-la, cada um deles, também, contados da publicação da edição da

medida provisória; que a Câmara, mais 14 dias para tanto e que o Senado, mais

outros 14 dias; e na medida em que são contados todos estes dias do mesmo termo

inicial, a data da publicação da edição da medida provisória, no Diário Oficial da

União, o período de 45 dias é o adequado, de acordo com a Resolução em questão,

para encerrar-se no Congresso Nacional, o tempo de duração do processo

legislativo de conversão da medida provisória em lei, porque se a medida provisória

voltar para a Câmara dos Deputados em decorrência de sua modificação pelo

Senado Federal, esta terá mais 3 dias para deliberar sobre as alterações da medida

provisória originárias do Senado (artigo 7º, § 4º).64

Levando-se em conta, que em 45 dias, se não for votada a medida provisória

pelo Congresso Nacional, esta travará a pauta de suas Casas, tendo preferência

para votação, sobre outras deliberações legislativas e entrando em regime de

urgência subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional

(artigo 9º, caput).

Caso a medida provisória não seja votada em 60 dias da publicação de sua

edição, dar-se-á a prorrogação do prazo de vigência da medida provisória por Ato do

64

Se a medida provisória for rejeitada na Câmara dos Deputados, ela não irá para votação no Senado Federal.

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Presidente da Mesa do Congresso Nacional, publicado no Diário Oficial da União

(artigo 9º, § 1º), sem restauração dos prazos já vencidos para as diversas etapas do

processo de conversão em lei da medida provisória (artigo 9º, § 2º), anteriormente.

Na Câmara – como também no Senado, em que o tempo previsto para sua

votação será de mais 14 dias, como visto - vencidos os primeiros 14 dias conferidos

à Câmara para votá-lo e concluí-lo, em sua sede, o processo legislativo de

conversão da medida provisória em lei, será votado, pela ordem, de maneira

prejudicial do mérito, primeiramente, para aferição das preliminares formais da

medida provisória, dissentes quanto a seus requisitos de constitucionalidade e em

específico da verificação de ocorrência de seus pressupostos de edição, de urgência

e relevância, como, igualmente, em seguida, será deliberado sobre sua adequação

financeira e orçamentária (artigo 8º). Apenas se superadas todas estas fases, em

que a medida provisória deve obter aprovação nos termos destes quesitos, aí, sim,

será votado o seu mérito (artigo 8º, caput, in fine).

O projeto de conversão da medida provisória em lei não será conhecido e

nem será votado pelo plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal,

devendo, assim, ser arquivado, se ausentes estes pressupostos do mérito referidos

necessários para a configuração da medida provisória, nos termos do parágrafo

único do artigo 8º da Resolução nº 1/2002 e de acordo com a Constituição da

República Federativa do Brasil

Se superada a questão prejudicial, este processo legislativo terá seguimento,

para votação dele quanto ao mérito.

Esta votação atenderá apenas subsidiariamente, pela ordem, os regimentos

do Congresso Nacional e, em particular, os da Câmara e do Senado, cada um deles

de per si (artigo 7º, § 7º).

Assim é relevante ser dito que em linhas gerais, a Resolução nº 1, de 2002,

disciplina, em especial, todas as fases e procedimentos deste processo e em

atenção à celeridade necessária para o assunto dessa legislação de urgência e

excepcional, que ela aborda, para dar corpo ao processo de conversão em lei da

medida provisória.

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Regulamenta esta questão, com tratamento adequado e suficiente a abranger

as hipóteses factuais mais prováveis de ocorrer em seu curso e conclusão.

A Casa que inicia a votação, no caso, a Câmara dos Deputados, em se

tratando da medida provisória, somente remete para a Casa revisora, que é o

Senado, o projeto que aprovar.

Do Senado, ele somente retorna para a Câmara dos Deputados se for

alterado. Por emenda ou supressões ou alterações ocorridas em seu plenário, com

relação ao seu texto e como esta o aprovara, para nova votação e encerramento,

com ela, do processo legislativo para conversão em lei da medida provisória.

Se aprovado o projeto, nela, finalmente, conclui-se a votação dele e o projeto

segue para a sanção do Presidente da República.

3.8.4 Procedimento de conclusão

Caberá à Câmara dos Deputados ou ao Senado, onde houver sido encerrada

a votação do projeto pela aprovação dele, por seu Presidente, este encargo de

remetê-lo para sanção do Presidente da República (artigo 13).

Todavia, o Presidente da Casa em que a medida provisória não tenha sido

convertida em lei, exprimindo a deliberação do Congresso Nacional, pela negativa

de sua aprovação, seja por suas prejudiciais do mérito aqui consideradas, seja pelo

mérito, propriamente dito, comunicará imediatamente esta decisão ao Presidente da

República e fará publicar concomitantemente no Diário Oficial da União, a rejeição

total ou parcial pelo Congresso Nacional da conversão em lei da medida provisória.

Da mesma forma em que assim igualmente procederá quando expirar o prazo de

prorrogação da medida provisória, sem que haja deliberação sobre pelo Congresso

Nacional (artigo 13, § único).

Assim estará morta ou alterada a medida provisória, rejeitada ou desfigurada,

como for, quanto a sua edição original.

Sobrará ao Congresso Nacional editar o decreto legislativo que disciplinará as

relações jurídicas conseqüentes da vigência e eficácia da medida provisória, no todo

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ou em parte, com as ressalvas dos parágrafos 11 e 12 do artigo 62, da Constituição

da República Federativa do Brasil, porque até aí, ela foi eficaz.

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4 PROCESSO HISTÓRICO DE CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA

MEDIDA PROVISÓRIA

4.1 Diretrizes da Narrativa

A perspectiva do estudo da medida provisória, a fim de enfocar a sua

evolução histórica, daí tirando subsídios para sua compreensão e instrumentalização

jurídica adequadas, deve levar em conta as influências avaliadas, em sentido vertical

e horizontal, que a conformaram na Constituição de 1988.

Neste primeiro sentido, as históricas, do passado para a contemporaneidade

e no segundo deles, as circunstanciais, de plano a plano, pela interação de outros

sistemas constitucionais europeus com o sistema constitucional brasileiro.

4.2 A História da Organização do Poder

Nos grupos humanos primitivos a decisão expressa na vontade do chefe tribal

era lei. Desde então da tribo para o Estado, o Poder que não se dividia e era

concentrado em uma só pessoa ou em poucas pessoas que o exerciam sobre todos,

em todas as suas funções, foi se descentralizando até culminar em sua distribuição

para desempenhar os múltiplos empenhos que ele deve exercitar para atender os

fins sociais, políticos e jurídicos do ente estatal.

Já Aristóteles propugnara a distribuição do Poder entre órgãos especializados

para o seu exercício, aventando houvesse no Estado entes com destinação

específica para desempenhar as atribuições do Poder. Como a de deliberar sobre

negócios, enquanto órgão diferenciado daquele destinado a exercer as

magistraturas (aqui não em senso de judicatura, mas, sim, de administração) ou do

que se destinasse a exercer a justiça, por exemplo.

Embora já os visse distintos, porém, harmônicos.65

65

Desde há muito, mais precisamente desde Aristóteles, reconhece-se que a atividade estatal é suscetível, em razão das diferenças que apresenta, de ser dividida num certo número de categorias, agrupando, cada qual, aqueles atos do Estado que apresentam, entre si, traços de uniformidade. Aristóteles já fixava em três essas categorias.

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Mas é com Charles Louis Secondat, o Barão de Montesquieu, que se

consubstancia a teoria da divisão do Poder em suas funções de legislar, fazer justiça

e administrar. Por via de três órgãos especializados, Legislativo, Judiciário e

Executivo, que devem ser independentes, contudo, harmônicos. Para atuação

equilibrada e mutuamente limitadora,66 como a aprimorou o constitucionalismo norte-

americano.67

De sorte que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789,

erige esta criação jurídica em requisito fundamental do Estado Constitucional,

juntamente com a garantia dos direitos fundamentais, em seu artigo 16.

4.3 Institutos Precursores da Medida Provisória

Assim, em sua conotação primeira o decreto é um ato de decisão de um líder

ou de grupo restrito que edita comandos nos contextos em que exerce a

Vale, entretanto, notar, que qualquer que seja a forma ou o conteúdo dos atos do Estado, eles são sempre fruto de um mesmo poder. Daí ser incorreto afirmar-se a tripartição de poderes estatais, a tomar esta expressão ao pé da letra. É que o poder é sempre um só, qualquer que seja a forma por ele assumida. Todas as manifestações de vontade emanadas em nome do Estado reportam-se sempre a um querer único que é próprio das organizações políticas estatais” (BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 341).

66Estas são, em apertada síntese, as características fundamentais das funções legislativas, executiva e judiciária. O mérito essencial da teoria de Montesquieu não reside contudo na identificação abstrata dessas formas de atuar do Estado. Isto, como vimos, já fora feito, se bem que mais toscamente, na Antiguidade, por Aristóteles. Montesquieu, entretanto, foi aquele que, por primeiro, de forma translúcida, afirmou que a tais funções devem corresponder órgãos distintos e autônomos. Em outras palavras, para Montesquieu à divisão funcional deve corresponder uma divisão orgânica. Os órgãos que dispõem de forma genérica e abstrata, que legislam, enfim, não podem, segundo ele, ser os mesmos que executam, assim como nenhum destes pode ser encarregado de decidir as controvérsias. Há de existir um órgão (usualmente denominado poder) incumbido do desempenho de cada uma dessas funções, da mesma forma que entre eles não poderá ocorrer qualquer vínculo de subordinação. Um não deve receber ordens do outro, mas cingir-se ao exercício da função que lhe empresta o nome (Ibid., p. 343).

67Houve, porém, precursores outros de Montesquieu na disciplina da organização das funções do Poder. Carl Schimtt aponta que foi Bolingbroke (The Crafstman), o autor da doutrina constitucional do equilíbrio de poderes, empregando pioneirísticamente definições como freios recíprocos, controles recíprocos, retenções e reservas recíprocas. Marcelo Caetano destaca a contribuição de Locke na matéria, para limitar o poder e o arbítrio do Estado, dirigindo-o para a garantia dos direitos individuais. Mas Carré de Malberg assevera que não obstante tenha sido Locke o primeiro a ressaltar a conveniência de uma separação de poderes, não logrou ele oferecer sobre isto uma teoria com a necessária clareza. De outro bordo, no entender de Paulo Bonavides, a teoria de pesos e contrapesos – criação do constitucionalismo norte-americano - é uma correção fundamental na prática constitucional, ao princípio da separação dos poderes estatais. Resumo do autor deste estudo em face de FIGUEIREDO FILHO, Jayme Poggi de. O decreto-lei na Constituição brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984.

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governança, sem respaldo em outorga constitucional, sustentado na efetividade de

suas ordens e graças a um aparato de força, em senso físico, suficiente a fazê-los

respeitados e cumpridos, de fato.

É nestas circunstâncias comando jurídico que exprime ordem geral para

irrestrita obediência de todos para quem é dirigido.68

Ato de instituição de direitos. De criação, extinção e modificação de seus

contornos e conteúdos. Por quem se impõe pela coerção à coletividade. Dela

presumindo-se representante e apto a por ela decidir sem mandato formal.

Se nos primórdios da organização social e política dos grupos humanos o

chefe do aglomerado decreta o direito e se nos estados revolucionários, o direito é

decretado por quem prepondera pela força que se institucionaliza na sociedade, com

a constitucionalização do direito, a dicção do direito faz-se pela lei.

Esta é ato complexo. Elabora-a o Poder Legislativo com o concurso do Poder

Executivo que é quem a dota de condições de cumprimento e obediência social,

68

Ensina o Professor Juan Gascón Hernández que é esta a modalidade mais antiga de decretos-leis. A que constitui sua manifestação originária: uma invasão do Executivo no campo do Legislativo, que nasceu como puro fato. Só muito tempo depois é que logrou obter consagração jurídica, com os institutos da autorização legislativa e do decreto de urgência, E é principalmente a estes decretos-leis a que se refere Gascón Y Marin, quando afirma que constituem, de fato, fonte do direito administrativo, posto que as outras figuras do decreto-lei não são fontes de fato, mas de direito. Fontes do direito administrativo em muitíssimos países e singularmente na Espanha, conforme o artigo 13 da Lei das Cortes, de 9 de março de 1946 e, anteriormente, conforme os artigos 61 e 80 da Constituição Republicana de 1931. Na Espanha, Garcia Oviedo os define como normas que são formalmente leis, desde o primeiro momento, devido à própria suspensão das funções legislativas do Parlamento e sua transferência ao Poder Executivo. Para ele, a diferença entre estes decretos-leis, que, segundo ele, são os únicos decretos-leis, e os decretos de necessidade, está em que os de necessidade não são formalmente leis, até que o Parlamento os ratifique. Em seguida, Juan Gascón Hernandez expõe sua opinião, no sentido de que os decretos de urgência têm também valor de lei formal, com a reserva da condição resolutória, a que estão submetidos. Para os autores citados, o primordial é o aspecto formal. E, por isso, entendem que o decreto possui, desde um primeiro instante, valor de lei formal. Mas talvez seja mais certo afirmar que o fundamental é o aspecto de conteúdo, pois decreto-lei é aquela norma que versa sobre matéria reservada à competência da lei formal. E este caráter intrínseco ou material é que determina que tenha a mesma força que a lei formal, proveniente do órgão legislativo normal. A diferença entre esta espécie de decreto-lei, de que agora nos ocupamos, e das demais figuras examinadas, está, especialmente, em suas diferentes origens e finalidade. São decretos nascidos em conseqüência de uma Revolução ou de um Golpe de Estado, em um momento em que propriamente não existe a distinção de Poderes e competências, porque todos estão em mãos do Governo. Nesses momentos, o Executivo dada a sua significação matriz e residual, emana normas sobre matérias que, em regime normal, são objeto de lei. Todo Estado em seu nascimento e em seu ocaso é só o Governo. O Governo a que, tradicionalmente, se tem chamado Executivo é a raiz primeira de qualquer forma de Estado (SANTOS, Brasilino Pereira dos. As medidas provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 148).

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85

pela sanção e promulgação. É ela conseqüente de um processo legislativo

constitucional.

Neste estágio, o decreto é a expressão do direito isoladamente por um Poder

do Estado.

Regra geral é o instrumento que realiza e aperfeiçoa com conotação jurídica a

ação concreta de um ramo isolado do Poder em face de situações particulares. Do

Executivo para regulamentar a lei e para acudir necessidades públicas específicas.

Do Judiciário para dizer o direito pela jurisdição dos casos concretos. Do Legislativo

ao atuar quando produz o decreto legislativo, sem necessidade do complemento do

Poder Executivo, pela sanção e pela promulgação.

Mas sempre com sustentação na lei, nos termos em que os órgãos que

concretizam suas funções são investidos de competências com base última na

Constituição.

Nestes regimes a lei é obra do Poder Legislativo em que está a fase

constitutiva do processo de feitura de leis, embora o seu arremate esteja na sanção,

em que se dá o ponto de encontro entre os ramos do Poder nele interferentes, para

dotá-la de obrigatoriedade, que a promulgação atesta e a publicação noticia para

que ela tenha vigor.

4.4 Determinantes Históricas e Sociais para o Surgimento da Medida Provisória

Contudo, situações especialíssimas de fato fogem à disciplina pela lei

derivada da atividade do Poder Legislativo porque elas consumam consequências

sociais antes que ele tenha tempo para regulá-las em consonância com o interesse

coletivo, por via de seu próprio processo legislativo.

Pois foi para subordinar a marcha de fatos que propendiam para prejuízos

insanáveis para a coletividade e com curso superior à velocidade de instauração,

desenvolvimento e conclusão dos processos parlamentares, que, assim, se

mostravam incapazes de submetê-los aos arquétipos legais de sujeição dos fatos a

suas políticas e necessidades públicas, que os Governos passaram a ter por

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86

delegação dos Parlamentos poderes legislativos excepcionais e para fazer leis, em

seu lugar.

Entretanto estas delegações estão condicionadas a pressupostos limitados e

destinadas a propósitos específicos de ação e muitas vezes elas não são suficientes

por seus limites e objetivos a permitir ao Executivo acudir com elas situações

emergenciais e previamente imprevisíveis como são previsíveis as situações que

lhes dão lugar as quais assim não são necessariamente emergenciais.

De sorte que para remediar estas necessidades públicas cuja satisfação

depende da imediata providência do Executivo, foi que o constituinte – nos Estados

de constituição escrita e que consagram a divisão do Poder – dotou este ramo do

Poder de atribuição para legislar excepcionalmente, em situações específicas, para

dar efetividade à solução de problemas colimada por seus decretos, mas sem

ofensa à primazia do Legislativo para fazer leis, porquanto como se vira a divisão do

Poder era da essência do regime constitucional.

Como o decreto é a forma peculiar de legislação pelo Poder Executivo e na

medida em que é ao Legislativo que cabe precipuamente legislar, criou-se a figura

do decreto-lei, que exprime atos legislativos do Poder Executivo, inicialmente,

enquanto decretos, mas sempre sujeitos à posterior aprovação do Poder Legislativo

para consumar suas conversões definitivas em lei e com isto ganhar eficácia

permanente.

É que os ramos em que se desdobra o Poder por serem independentes, não

são divorciados e assim não haveria infração ao princípio de sua distribuição na

medida em que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam agindo em

equilíbrio e com harmonia, consumando um processo peculiar de legislação, único

possível para solução legislativa de problemas emergenciais que intentam disciplinar

por meio de atuação integrada, entre eles, em, que, pela construção do decreto-lei,

não se ofenderia o cerne do constitucionalismo que está na separação do Poder.

Certo que a origem deste tipo legislativo está na delegação de competência

para legislar que o Legislativo delega ao Executivo. Mas importa consignar que a

despeito desta filiação, ele é uma variante autônoma dessa delegação, com que se

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aprimorou um instituto peculiar ao sistema inglês à arquitetura do constitucionalismo

continental europeu.

O decreto-lei sempre foi no enfoque dessa doutrina – embora com algumas

variações – um ato do Poder que consubstanciado em lei em sentido material, tem

vigor como se lei formal fosse, sendo, de outro bordo, primeiramente, um ato

unilateral do Poder Executivo que para se converter em lei, é dependente de

aprovação do Poder Legislativo.

Construindo o instituto do decreto-lei – fiel ao modelo constitucional do artigo

16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 e assim a

Montesquieu – preocupou-se o jurista europeu continental em dar legitimação

constitucional à lei material emanada do Executivo, por fato e situação

extraordinária, até que o Legislativo, o órgão ordinariamente investido por ele em

funções legislativas pudesse atuar, dotando o constitucionalmente precário decreto

do Executivo da constitucionalidade definitiva, que está na lei material e formalmente

considerada.

Disto o nome decreto-lei, que é a nomenclatura com que surge a medida

provisória nos sistemas constitucionais europeus, nos moldes estudados neste

trabalho, os quais inspiraram o constituinte brasileiro, que foi quem batizou medida

provisória o que em outros sistemas constitucionais é decreto-lei.69

69

O eminente Vicente Ráo analisou a figura do decreto-lei no ordenamento constitucional italiano, tecendo considerações de grande relevância sobre este instituto: „(...) A denominação „decretos-lei‟ sempre foi usada, na Itália, não no sentido genérico de legislação governamental, nem no sentido de legislação delegada, mas apenas para designar os atos normativos, com força de lei, expedidos pelo governo sem prévia autorização parlamentar, sujeitos, porém, a serem ratificados ou convertidos em leis pelas câmaras. São os decretos-leis, pois, atos governamentais e excepcionais de conteúdo legal, que só adquirem eficácia definitiva quando os órgãos legislativos normais os convertem em leis. Seus pressupostos são mais rigorosos dos reclamados para as leis delegadas, pois a Constituição só e unicamente admite sua prática em casos extraordinários de necessidade e urgência‟ (As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 1800). ..................................................................................................................................................... „O pressuposto da extraordinariedade indica, por antítese que os decretos-leis não devem constituir atos de administração ordinária; a necessidade significa a indeclinabilidade das medidas visadas para a realização de um programa governamental de atendimento de interesses público que essas medidas reclamem com urgência; e urgência é esta que não se confunde com a do art. 72; relativa ao processo simplificado que as câmaras podem adotar em certos casos, mas se aproxima, mais, do conceito de premência. O governo deve apresentar à câmara o decreto-lei mesmo no dia em que o emitir, ou aos respectivos presidentes se as câmaras não estiverem em sessão. Neste último caso, três hipóteses podem ocorrer: – ou as câmaras se abrem e passam, sem mais, ao exame desse ato

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Esta combinação de conceitos, de decreto com lei, para dar em decreto-lei,

bem explicita o significado do instituto, pois que funde o conceito de decreto com o

de lei.

Evidencia que a sua substância é uma interação entre ramos do Poder, do

Executivo, que em acepção instrumental jurídica age pelo decreto, com o

Legislativo, que, neste mesmo sentido, atua pela lei.

Sendo os dois órgãos que com o Poder Judiciário formam os três ramos do

Poder antevistos por Montesquieu.

4.5 O Momento Histórico de Criação dos Instrumentos Legislativos do

Governo como Originados na Atividade Parlamentar

Não obstante as origens remotas da medida provisórias estão em duas

ordens constitucionais em que a rigor não se adotara o sistema tripartite do Poder.

Especificamente no instituto da delegação legislativa do Parlamento para o Governo,

da qual, todavia, o decreto-lei é um derivado autônomo.

governamental, ou estão em férias e são especialmente convocadas, ou se acham dissolvidas e, mesmo neste caso, procede-se a sua convocação imediata, sempre que se reunirem dentro do prazo de cinco dias (cit. art. 77 e V, Carrullo: loc. cit., p. 253). Bem se advertiu, durante os trabalhos da constituinte que „a intervenção e a convocação especial das câmaras são um freio bastante sensível para os governos, os quais, assim sendo, quando expedirem um decreto-lei, saberão que devem apresentar-se ao parlamento a fim de enfrentar o juízo de responsabilidade implícito no ato de conversão e que nada impede que se torne explícito se o decreto-lei não for justificado, ou se for inspirado por critérios antiliberais ou antidemocráticos. (...). Trata-se, na verdade, de um freio formidável, mas não único, pois se os decretos-leis não forem convertidos em lei dentro de sessenta dias contados de sua apresentação às câmaras, perderão sua eficácia, o que revela seu caráter provisório‟ (Ibid.). São realmente provisórios os efeitos dos decretos-leis, são, isto é, condicionados à verificação do evento de sua conversão em lei. A não verificação desse evento importará, por si,a perda ex tunc da eficácia de tais atos, ou seja, a perda de sua eficácia desde o início...‟ (p. 183-184)”. RAMOS, José Saulo Pereira. Parecer SR-92. Advocacia Geral da União, 1989. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistema/site/páginasinternas/normasinternas/atodetalhado.aspx?idato=7938>. Acesso em: 16 jul. 2009.

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4.5.1 No contexto italiano do Estatuto Albertino

No Estatuto Albertino – que é primeira constituição da unificação italiana no

Século XIX – em que o Rei era o próprio Poder Executivo e concomitante e

coletivamente o Poder Legislativo juntamente com as duas Câmaras, a do Senado e

a dos deputados.70

Nesse sistema constitucional desenvolveu-se hipótese de delegação

legislativa inicialmente.

Esta Constituição foi outorgada pelo Rei Carlos Alberto de Sabóia, à

Sardenha, denominando-se Statuto Fondamentale del Regno d´Italia ou

simplesmente Statuto Albertino, de 4 de março de 1848, e, posteriormente, foi a

Constituição adotada pelo Reino da Itália, com vigor até 1 de janeiro de 1948,

quando, então, a Itália se tornou República.

Entretanto, a sua natureza de constituição flexível, mutável por via de lei

ordinária, possibilitou funcionasse um parlamentarismo, que fez o exercício do Poder

Executivo passar das mãos do Rei para a dos ministros, que assim constituíam o

Governo, enquanto paulatinamente o monarca cedia sua parcela no Poder

Legislativo às Câmaras.

Este Governo recebeu inúmeras delegações de competências para legislar

das Câmaras e entre as quais esteve a de 2 de agosto de 1848, que se justificou

pela necessidade de prover-se a defesa instantânea do Estado, por meios rápidos e

eficazes.

Deste modo, a partir do desenvolvimento destas delegações notadamente na

Itália, em que de delegação legislativa, o instituto derivou para uma atuação do

Governo, a ser depois referendada nas Câmaras, para ser eficaz, enquanto lei, é

que surge o decreto-lei.

Assim, na Itália, em 1926, foi que se fixou em lei a fundamentação das

ordinanze di necessitá, por motivo di assoluta ed urgente necessità, sujeitas à

70

FIGUEIREDO FILHO, Jayme Poggi de. O decreto-lei na Constituição brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984. p. 39.

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aprovação do Parlamento depois de editadas pelo Governo, em fundamento próximo

daquele que deu sustentação jurídica à medida provisória, como prevista na

Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de Outubro de 1988.

4.5.2 No âmbito do Parlamento inglês

Também, se encontra a origem da medida provisória no sistema

constitucional inglês em que as instituições da Coroa, do Rei e do Parlamento,

verticalizam o Direito Público da Inglaterra e em que o Parlamento é órgão não

apenas legislativo como também constituinte.

Pode mudar e modificar ao seu talante a lei constitucional do Reino, sem

formalidades especiais que não seja a simples maioria parlamentar.

O Parlamento inglês, desde priscas eras, permite ao Gabinete legislar, com

plena autonomia e sem necessidade de sua ratificação, em situações anormais e

graves, em casos de beligerância - visto como o inimigo não marca o compasso de

sua marcha pelos processos democráticos - ou em situações de necessidade de

produção de leis para imediata solução de graves problemas econômicos.

Foi o que ocorreu com o Defense of Realm Act, durante a guerra de 1914-

1918, o Emergency Power Act, na de 1939-1945 e com o Supplies and Services

(Transacional-Power Act), do pós-guerra em 1945, no tocante a medidas urgentes

que o Gabinete teve de tomar, com isto, legislando e para buscar soluções para

problemas, que não podiam esperar o trâmite complexo do processo legislativo

parlamentar, sem o risco de desastrosas consequências sociais.

Estas leis denominam-se statury orders in council71 e foram elas que

inspiraram o constituinte a criar a figura do decreto-lei, adaptando este instituto ao

71

“São as segundas, isto é, as statury orders in council as que, mais peculiarmente, se caracterizam como atos excepcionais de legislação delegada, em razão da plenitude de poderes legislativos exercidos pelo Gabinete por força de autorização do parlamento. Entre os mais atos dessa natureza se destacam os de Defesa do Reino (Defense of the Realm Act) relativo à guerra de 1914-1918, o de concessão de poderes de emergência (Emergency Power Act) referente à guerra de 1939-1945, e, mesmo o Supplies and Services (Transactional-Power Act), de 1945, que dizia respeito, principalmente a medidas de caráter econômico e social. É sempre facultado ao parlamento, porém, debater e analisar as medidas tomadas por via de statury orders in council e,

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molde de suas constituições escritas, rígidas e centradas na divisão do Poder, na

linha de Montesquieu, para lhe dar legitimação constitucional.72

Na medida em que o Parlamento inglês é órgão legislativo e constituinte,

também, há nestas leis antes uma outorga constitucional de poderes próprios para o

Gabinete legislar excepcionalmente em situações peculiares, que propriamente uma

delegação de competências do Legislativo para o Executivo fazer leis.73

4.6 Referenciais Históricos da Medida Provisória em Outras Ordens

Constitucionais Contemporâneas

Não obstante, antes ou depois deste fato, em outras constituições européias,

o instituto jurídico, que na última delas ganhou o nome específico de decreto-lei, já

tivesse lugar.

Previsto expressamente para solução de problema emergente e cuja

consumação não poderia ser protelada pelo Poder Público, por via do Poder

Executivo e sob pena de realizar-se o prejuízo prenunciado pelo atributo do

de fato, sucedeu que certos preceitos do Ato de Defesa foram emendados pelo Gabinete em conseqüência de críticas feitas na Câmara dos Comuns. Nos plenos poderes concedidos ao Gabinete, assim tem entendido a doutrina, por dependerem de ato do parlamento e por estarem sujeitos a sua crítica, uma conciliação existe entre os princípios democráticos e as necessidades práticas que, em casos excepcionais, exigem soluções urgentes” (RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. p. 70).

72Em situações anormais e graves, como as provocadas pela guerra („visto como o inimigo não marca o compasso de sua marcha pelos processos democráticos‟), o Gabinete inglês obtém do parlamento plenos poderes para legislar por statury orders in council, ou seja, segundo linguagem usada em outros países, por meio de decretos-lei (Ibid., p. 70).

73O parlamento inglês, dizia Tocqueville, é ao mesmo tempo um corpo legislativo e constituinte. E Dicey, (cap. II) desenvolvendo êsse conceito, dêle extraía as seguintes conclusões: – „(1ª) - lei não há que o parlamento não possa alterar e as leis fundamentais, chamadas constitucionais, podem, segundo a constituição, ser modificadas pelo mesmo corpo e do mesmo modo que as outras leis, isto é, agindo o parlamento de conformidade com seu caráter legislativo ordinário; (2ª) - nenhuma diferença clara e acentuada existe entre as leis que não são fundamentais ou constitucionais e as que possuem êste caráter; (3ª) - não há, no Império Britânico, pessoa ou corpo de pessoas, executivo, legislativo, ou judiciário, que possa declarar nulo um ato votado pelo parlamento britânico sob o pretexto de ser contrário à constituição, ou por outro motivo qualquer, desde que, bem entendido, não se trate de ato revogado pelo próprio parlamento‟. E mais ocorre que o ato acaso reputado inválido no momento em que foi praticado, é suscetível de ser „legalizado‟ pelo parlamento mediante a aprovação de um bill of indemnity, por via do qual também se costuma cancelar a responsabilidade de quem o praticou. Dêsse processo de „legalização da ilegalidade‟ já se disse que constitui a „prova decisiva da soberania do parlamento‟ (Ibid., p. 44-45).

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periculum in mora, que denunciava nele a necessidade emergente de sua solução e

para evitar o dano que estava assim antevisto como possível em sua configuração.

Com isto podem ser verificados em outras constituições, de outras culturas

jurídicas, institutos assemelhados às medidas provisórias, que contêm elementos

que as possam ter originado, desde o direito inglês, até outras constituições do pós-

guerra.

A Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, em seu artigo 48,

facultava ao Presidente do Reich fazer com que um Estado cumprisse a

Constituição ou a lei, inclusive, pelo uso das forças armadas, em caso de grave

ameaça à segurança e à ordem públicas.

Autorizava-o nestas circunstâncias a decretar medidas urgentes e

necessárias ao restabelecimento delas.

Nesta hipótese, esta autoridade, sem autorização do Parlamento, decretando-

as, poderia até mesmo suspender a eficácia de direitos fundamentais.

Imediatamente ele deveria informar o Parlamento, destas medidas que

houvesse decretado, para aprovação de suas edições.

O Parlamento poderia cassar estas medidas, assim, ditas emergenciais. Ou

aprová-las, ratificando-as.

Embora este artigo 48 da Constituição de Weimar, tivesse por finalidade

conter distúrbios ameaçadores à segurança e à ordem pública, foi ele utilizado

muitas vezes para a solução de crises econômicas.74

A Constituição francesa, de 4 de outubro de 1958, modificada por leis

constitucionais de 1960, 1962, 1963, 1974 e 1976, em seu artigo 16, admite medidas

a serem tomadas pelo Presidente da República, quando as instituições da

República, a independência do país, a integridade de seu território ou o cumprimento

74

O artigo 48 da Constituição de Weimar estabelecia que se a ordem e a segurança pública do Reich alemão estivessem ameaçadas por distúrbios, o presidente poderia tomar as medidas necessárias para solucionar a crise, podendo inclusive intervir com o apoio das forças armadas e suspender temporariamente alguns direitos fundamentais previstos em outros artigos da Constituição. Tal artigo foi utilizado muitas vezes para defender a República de Weimar, não contra distúrbios políticos, mas contra desastres econômicos (MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Carl Schmitt e a fundamentação do Direito. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 61).

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de seus compromissos internacionais são ameaçados de maneira grave e imediata

e o funcionamento dos poderes constitucionais é interrompido.

O Presidente da República, nestas circunstâncias, toma as medidas imediatas

e urgentes exigidas – denominadas ordonnances - sem consulta ao Parlamento para

a solução da crise e após consultar oficialmente o Primeiro Ministro, os presidentes

das Assembléias e o Conselho Constitucional.

Também a Constituição Espanhola de 27 de dezembro de 1978, em seu

artigo 86, referindo-se a Decretos-leyes, como a italiana de 1948, em seu artigo 77,

a provvedimenti provvisori com forza di legge, destina estas disposiciones

legislativas provisionales à solução de casos de extraordinária e urgente

necessidade, pelo Governo, sem prévia aprovação parlamentar.

Exige posterior ratificação delas pelo Parlamento para serem válidas e

eficazes, em prazo certo.

Há notícias de medidas provisórias cuja substância consiste em disposições

de Governo com força de lei, para posterior ratificação ou recusa pelo Parlamento,

em casos de emergência, em muitas constituições do hemisfério ocidental, variando

acidentalmente aspectos de seu processo legislativo ou até mesmo a dispensa da

apreciação delas pelo Parlamento.75

Além das já noticiadas, destacam-se a Constituição alemã de 1949, por seu

artigo 81, que se refere ao decreto de estado de necessidade legislativa e o decreto-

lei, na Constituição Portuguesa de 1976, como também semelhante instituto tem uso

na República Argentina, por via dos decretos de necessidade e urgência que são

75

Acolheu-se, assim, instituto que habilita o Governo a legislar por atribuição própria, sem prévio consentimento do Parlamento, cuja intervenção fiscalizadora se faz posteriormente, a exemplo do que ocorre, em virtude da necessidade inarredável de ação legislativa rápida, vivenciada nos tempos hodiernos, com vários modelos hauridos no constitucionalismo contemporâneo, a saber: os arts. 77 da Constituição italiana de 1947 (decreto-legge), 81 da Constituição alemã de 1949 (estado de necessidade legislativa), 16 e 34 da Constituição da França de 1958 (poderes extraordinários do Presidente de República e o regulamento autônomo), 44 da Constituição da Grécia de 1975 (adoção de atos legislativos em circunstâncias excepcionais de necessidade extremamente urgente e imprevista), 198 da Constituição de Portugal de 1976 (decreto-lei), 86 da Constituição hispânica de 1978 (decreto-ley), 99, inciso 3, da Constituição da Nação Argentina de 1853, com a reforma de 1995 (decretos de necesidad y urgência) e, mais recentemente, os arts. 101 da Constituição da Croácia (decretos com força de lei), 144.4 da Constituição da Romênia de 1991 (ordenanças de urgência), 109 da Constituição da Estônia (decretos presidenciais) e 85 da Lituânia (decreto-lei) ambas de 1992 (NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. O Supremo Tribunal Federal e a disciplina da eficácia das Medidas Provisórias. LEX Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, São Paulo, n. 278, p. 5-17, out./dez. 2001).

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instrumentos de legislação pelo Presidente da República em situações de perigo

sujeito ao juízo do Poder Legislativo para convalidação ou responsabilização dele,

na hipótese de sua rejeição pelo Parlamento.

Analisando este processo, é que se identifica como o direito constitucional

continental europeu elaborou o instituto do decreto-lei e o conciliou com a doutrina

de Montesquieu. Na medida em que subordinou a função legislativa extraordinária

do Poder Executivo à ratificação do Poder Legislativo.

Com isto preservou a tripartição do Poder, que é da essência do

constitucionalismo à vista do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do

Homem e do Cidadão de 1789.76

76

Mas, já dissemos, poderosos fatôres de ordem política, social e econômica de há muito provocaram, em certos sistemas, o uso das delegações legislativas e, em conseqüência, senão a quebra quando menos a atenuação do acenado princípio, atenuação que, declaradamente e com maior intensidade ocorre nos sistemas parlamentaristas, mas também nos sistemas presidencialistas se verifica, não sob a forma ostensiva de delegação, mas sob aparências outras que, no entender de certos autores, não importam alteração da antiga doutrina. Daí a conveniência de se estudar a matéria, segundo as peculiaridades de um sistema e outro, passando-se, em seguida, ao exame dos sucessivos ensaios doutrinários que procuram justificar as diversas formas de delegação das funções legislativas. Não expusemos, acima, a doutrina tradicional da separação e harmonia dos Poderes apenas a título de ilustração, ou de referência histórica, senão e principalmente para acentuar, desde logo, o perigo a que ficam sujeitas as liberdades fundamentais quando as funções de legislar, executar e impor o respeito das leis se concentram no mesmo órgão, ou na mesma corporação política. Êsse princípio constitui, a par da maior segurança dos direitos humanos, o alicerce do Estado de Direito e, pois, da verdadeira democracia e sua violação pura e simples é sempre causa de conseqüências penosas, máxime nos países onde, por falta de maturidade política, o Poder Executivo constantemente tende, em detrimento dos demais Poderes, a agigantar as suas atribuições. CASTRO NUNES, admitindo e justificando a delegação de funções legislativas em têrmos suscetíveis de reparos por sua amplitude, assim, entretanto, se referia ao princípio da separação e harmonia dos Poderes: „na verdade, é êsse grande postulado da razão política ou êsse princípio fundamental da mecânica do Estado que se acha em causa no dissídio aberto acêrca da indelegabilidade das funções repartidas, mero consectário da separação, tão certo é que poderes separados são poderes que se hão de mover em órbitas próprias, constitucionalmente demarcadas e inconfundíveis‟. „Outra decorrência do mesmo teor político é a proibição que se impõe ao cidadão de ser investido de funções pertinentes a poderes diversos, ainda que comportando as exceções previstas na constituição‟. „São duas proibições oriundas da regra mestra que é a separação, reafirmações ou particularizações da co-existência do Legislativo, Executivo e Judiciário no plano estatal, sem atritos nem usurpações, senão independentes e harmônicos entre si‟. „A parte do §2º que se insere no art. 36 da Constituição (de 1946) enunciando a vedação imposta a cada um daqueles poderes de renunciar, por delegação a outro, às atribuições que lhe são próprias, está, pois, na dependência do entendimento que possa comportar a regra basilar da separação em si mesma‟. „Devo dizer que, apesar de minhas idéias conhecidas acêrca da orgânica do Estado, cujo reajustamento às transformações profundas da vida na idade contemporânea estará exigindo, sob vários aspectos, o abandono de certos padrões clássicos, que envelheceram e já não correspondem aos ensejos e necessidades práticas do presente, sou dos que não fazem côro com os críticos negativistas do velho dogma liberal, esquecidos de que sem êle não seria possível conceber, sequer, o Estado na teoria constitucional ou no plano das garantias políticas ou judiciárias‟. „O que é preciso, entretanto, é não perder de vista o sentido filosófico do princípio, que

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Marco Aurélio Sampaio, em A medida provisória no presidencialismo

brasileiro, São Paulo, Malheiros, 2007, páginas 43 usque 94 informa que, nos

Estados Unidos da América do Norte, como a Constituição Americana em seu artigo

I, dispunha que todos os poderes legislativos aqui previstos serão investidos em um

Congresso dos Estados Unidos, que consistirá de um Senado e uma Casa de

Representantes, criou-se a doutrina da não-delegação.

Contudo, noticia que embora a Constituição norte-americana não preveja, a

prática de Governo deu ensejo a um decreto presidencial dotado com força de lei, o

qual teria efeito vinculante, com esta força de lei reconhecida pela Suprema Corte.

Pondera que este ato legislativo seria instituto análogo à medida provisória.

Destaca que, no caso dar-se-ia segundo o entendimento do direito

constitucional daquele país, uma delegação tácita às vezes ratificada posteriormente

pelo Congresso, mas, quase sempre, ficando esta ratificação ao cargo da Suprema

Corte quando a tanto provocada.

Os fundamentos desta atuação do Presidente da República encontrariam eco

no entendimento de Locke, de que, em estado de necessidade e em situação de

grave perigo para o Estado, poderia o Executivo agir até contra a lei. Também, em

passagem de O FEDERALISTA, na qual Hamilton, sob título 23, afirma a

necessidade de um governo nacional enérgico e ativo, pronto para agir sem limites

é, na realidade, o ponto de partida de qualquer construção política que se pretenda realizar sem sair daquelas coordenadas, mas comportando maior plasticidade, no interesse superior do bem público‟ (Conferência realizada na Fundação Getúlio Vargas, Rev. Forense, v. 137, pág. 5 e sgts). Quer entre os juristas, quer entre os cultores das ciências políticas, não encontrou nem poderia ter encontrado apoio a tentativa de se substituir o princípio da separação de Poderes pelas regras, simples e áridas, da divisão e racionalização do trabalho, caracterizadas tão-só por seu tecnicismo, sem sentido filosófico, ou político. Certos autores modernos, não abandonando o antigo princípio da separação e harmonia dos Poderes, antes, justificando-o politicamente, procuram desdobrá-lo nos conceitos de independência orgânica de cada Poder e de especialização de suas funções, ligando um conceito e outro ao de colaboração (como faz, por exemplo, ROGER BONNARD em sua Précis de Droit Public, 7ª edição, 1946); mas não chegam, sem mais, a transformar aquêle princípio político fundamental em regra meramente mecânica de produção industrial da atividade do Estado. MAURICE DUVERGER (Institutions Polítiques em Droit Constitutionnel, 1960, pág. 186 e sgts.) diz que a colaboração dos Poderes se caracteriza por três idéias fundamentais: 1º)- em sua base, pressupõe uma distinção das funções do Estado, confiadas a órgãos distintos; 2º)- mas, êsses órgãos não são rigorosamente especializados em suas funções, pois neles há domínios comuns de ação; 3º)- enfim, longe de serem rigorosamente isolados, os órgãos do Estado dispõem de meios recíprocos de ação. E textualmente acrescenta: „distinção de poderes colaboração funcional e dependência orgânica, são três fórmulas que definem bem a colaboração dos poderes, opondo-a, ao mesmo tempo, à sua confusão e à sua separação‟ (RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 32-36).

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em prol da segurança do Estado e finalmente, em dispositivo da Constituição norte-

americana, que diz que o Presidente deve agir para que as leis sejam fielmente

executadas.

Não obstante, a qualidade da obra de Marco Aurélio Sampaio, não se pode

concordar com a analogia que ele faz entre esta atuação do Presidente norte-

americano e a medida provisória, porque lá não há previsão constitucional para o

emprego deste instrumento normativo muito menos dispositivo formal sobre seu

processo legislativo e nem ainda a ordem emanada desta autoridade está sujeita à

cláusula de reserva de eficácia, qual seja a necessária aprovação da medida

provisória, em certo prazo, para que ela possa viger, pelo Congresso Nacional,

preservados assim os princípios constitucionais de representação parlamentar e da

separação dos poderes, este último cláusula pétrea da Constituição de 1988, nos

termos do § 4º, inciso III, de seu artigo 60.

Não obstante, fica a notícia de que em condições de urgência e em que seja

premente a solução do problema, sob pena de prejuízo ao Estado e à sociedade, o

Poder Executivo pode legislar decretos com força de lei, sujeito, na maior parte das

vezes à sindicância da Suprema Corte, nos Estados Unidos da América do Norte.

4.7 A Medida Provisória e sua Matriz Histórica: o artigo 77 da Constituição

da República Italiana de 1948

Esta evolução e interação de institutos jurídicos que interagiram no processo

histórico para constituir a medida provisória sob ótica de constitucionalidade, em

âmbito de distribuição das funções do Poder, entre o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário, enquanto ela é vértice de um constitucionalismo democrático, está

espelhada na Constituição italiana de 1 de janeiro de 1948, em seu artigo 77.

Na Itália desde 1859, houve decretos do executivo editados com cláusula de

apresentação às Câmaras para conversão em lei e após a Primeira Guerra Mundial

de 1914 até 1918, as câmaras converteram em uma só lei coletiva todos os

inúmeros decretos-leis editados no período da conflagração, nestes termos.

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Finalmente, no período fascista, ratificou-se a situação de fato na qual o

Poder Executivo passara do Rei para os ministros, nos termos da lei nº 2.263, de 24

de dezembro de 1925.

Neste regime, sucedeu-lhe a lei nº 100, de 31 de janeiro de 1926, que

dispunha sobre a faculdade do poder executivo de promulgar normas jurídicas.

Dentre suas disposições cumpre destacar para os fins deste trabalho, a que

permitia ao Poder Executivo emitir normas com força de lei, após prévia deliberação

do Conselho de Ministros por via de delegação das câmaras e dentro de seus limites

e em casos extraordinários, haja vista situações de urgente e absoluta necessidade

a justificar essa legislatura atípica.77

Eis neste ponto a linguagem do artigo 77 da Constituição da República

italiana de 1948, que bem se relaciona com estes fenômenos narrados.

Em certo sentido, refletindo na expressão de seu texto a postura do

constitucionalismo democrático quanto à disciplina da legislação pelo Poder

Executivo para casos de necessidade e urgência.78

77

Por isso, sobreveio a Lei nº 100 de 31 de janeiro de 1926, cujo artigo 3º habilitava expressamente o Governo a baixar normas com força de lei, quando ocorressem casos extraordinários de necessidade e urgência. A subsistência desses requisitos era subtraída a qualquer controle, a não ser aquele controle político do Parlamento. Realmente o „caput‟ do art. 3º da Lei nº 100, de 1926, dispunha: „Art. 3º. Con decreto Reale, previa deliberazione del Consiglio dei Ministri, possono emanarsi norme aventi forza di legge: 1º) quando il Governo sia a ciò delegado da una legge ed entro i limiti della delegazione; 2º) Nei casi starordinari, nei quali raggioni di urgente ed assoluta necessità lo richiedano. Il giudizio sulla necessità e sull´urgenza non è soggetto ad altro controllo che a quello político del Parlamento‟ (SANTOS, Brasilino Pereira dos. As medidas provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo: LTr, 1994. p. 203).

78A origem histórica a que se prendem as raízes do decreto-lei se articula com o direito político italiano. A doutrina e a prática italiana, confirmadas pela jurisprudência, consolidavam tal forma de legislação, mesmo antes da Grande Guerra, reconhecendo a validez dos decretos de urgência, resultantes de absoluta necessidade. O fascismo elevou, na sua sistemática de hipertrofia do Poder Executivo, tal tendência ao seu extremo limite. Na Itália, em 1926, fixou-se em lei a fundamentação das ordinanze di necessità, por motivo di assoluta ed urgente necessità, submetida à aprovação do Parlamento, órgão legislativo fluente no vazio na ditadura italiana, chamada de democracia autoritária por Giovanni Gentile. Os abusos cometidos foram imensos, de resto acentuados pela índole autoritária do regime. Mediante nova lei, de 19-1-1939, a Cammera dei Fasci e delle Corporazioni restringiu sua elaboração aos casos de „necessità per cause di guerra o per urgente misure di carattere finanziario o tributario‟, sujeitos contudo à ratificação pela Câmara, embora válidos até recusa formal e expressa da mesma. A nova Constituição italiana de 27-12-1947 admite o decreto-lei, mas, cautelosamente, em caso straordinari de necessità e d´urgenza, deve ser imediatamente sujeito à apreciação da Câmara logo depois de publicado, convocando-se a mesma especialmente para apreciá-lo dentro do prazo de cinco dias. O art. 77 da Lei Magna da Itália disciplina a matéria: se a Câmara rejeitar o texto ou não o aprovar dentro de sessenta dias a contar de sua publicação, perderá o decreto-lei a sua eficácia. Os tratadistas italianos estudam a matéria dos decreti legge, entre outros Balladore

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Como segue,

Art. 77. O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar decretos que tenham valor de lei ordinária.

Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o Governo, por sua responsabilidade, tomar providências provisórias com força de lei, deverá, no mesmo dia, submetê-las, para efeito de conversão, às Câmaras que, mesmo dissolvidas, serão imediatamente convocadas a se reunir no prazo de cinco dias.

Os decretos perdem eficácia desde o início, se não forem convertidos em lei no prazo de sessenta dias a partir de sua publicação.

As Câmaras podem, todavia, regular com lei as relações jurídicas surgidas com base nos decretos não convertidos.

79

Fica claro de sua compreensão que é às Câmaras (Poder Legislativo) que

cabe legislar, não ao Governo (Poder Executivo).

Este somente pode fazer leis se receber delegação de quem é o titular desta

competência legislativa, no caso, as Câmaras ou o Poder Legislativo.

Nos limites em que consigna o artigo 76 da Constituição italiana:

Art. 76. O exercício da função legislativa não pode ser delegado ao governo, senão com determinação de princípios e critérios diretivos, e somente por tempo limitado e para assuntos definidos.

80

Entretanto, permite-se ao Poder Executivo, o Governo, expedir decretos, que

são instrumentos normativos ordinários de sua ação, conceitual e

constitucionalmente diversos da lei, para decretar e com isto agir enquanto Poder

Executivo por via de atos que os governados devem obedecer como se eles fossem

lei, embora sejam decretos.

Pallieri no seu Direito constitucional. Pinto Ferreira. Decreto-lei (Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 1).

79Art. 77. Il Governo non può, senza delegazzione delle Camere, emanare decreti che abbiano valore di legge ordinaria. Quando, in casi straordinari di necessità e d´urgenza, il Governo adotta, sotto la sua responsabilità, provvedimenti provvisori com forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la conversione alle Camare che, anche se sciolle, sono appositamente convocate e si riuniscino entro cinque giorni. Il decretti perdono efficacia si dall´inizio, se non sono convertiti in legge entro sessanta giorni dalla loro pubblicazione. Le Camere possono tuttavia regolare con legge i rapporti giuridici sorti sulla base dei decreti non convertiti.

80Art. 76. L´esercizio della funzione legislativa non può essere delegato al Governo se non con determinazione di principi e criterio direttivi e soltando per tempo limitato e per oggetti definiti.

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Desde que casos extraordinários de necessidade e urgência cobrem esta

ação do Poder Executivo para solução de riscos postos contra as políticas públicas e

necessidades da coletividade e do Estado, que a ele incumbe atender.

Como é dicção constante do artigo 77 desta Constituição:

Art. 77. O Governo não pode, sem delegação das Câmaras, promulgar decretos que tenham valor de lei ordinária.

Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o Governo, por sua responsabilidade, tomar providências provisórias com força de lei, deverá, no mesmo dia, submetê-las, para efeito de conversão, às Câmaras que, mesmo dissolvidas, serão imediatamente convocadas a se reunir no prazo de cinco dias.

81

Subentende-se então que a Constituição italiana consagra o princípio da

distribuição do Poder, de acordo com a teoria de Montesquieu.

Por ela, somente a delegação de competência legislativa do Poder Legislativo

para o Executivo é que propicia a lei feita pelo último.

Fora disto o Executivo não faz lei. Sem delegação o Executivo não legisla.

Porque a competência que o constituinte atribuiu para legislar, outorgou-a ao Poder

Legislativo.

Logo, não se confunde a incumbência de legislar com aquela de expedir

decretos com força de lei, nos casos discriminados e tem-se com isto uma outorga

do constituinte ao Poder Executivo, verificada nesta última situação82,

excepcionalmente.

81

Art. 77. Il Governo non può, senza delegazzione delle Camere, emanare decreti che abbiano valore di legge ordinaria.Quando, in casi straordinari di necessità e d´urgenza, il Governo adotta, sotto la sua responsabilità, provvedimenti provvisori com forza di legge, deve il giorno stesso presentarli per la conversione alle Camare che, anche se sciolle, sono appositamente convocate e si riuniscino entro cinque giorni.

82A Constituição italiana de 1947, em vigor até hoje, prevê no art. 77 a possibilidade de o governo expedir „provimentos provisórios com força de lei‟, expressão que foi literalmente copiada pelo Constituinte de 1988. A Constituição italiana propositalmente não se utilizou do termo norma para designar tais espécies. Biscaretti di Ruffia sustenta que „não se quis deliberadamente tratar de normas, expressão tecnicamente mais exata, mas que exigiria aplicação mais duradoura no tempo‟. Apesar de o constituinte italiano não os ter denominado como normas, não há como negar que os decretos-leis têm sua eficácia idêntica à de uma lei ordinária. Giuseppe de Vergottini esclarece que a „aparente diferença entre valor e força de lei não parece apresentar para os fins práticos uma particular relevância‟. De fato, fazendo referência à força de lei, a „Constituição sublinhou que os atos normativos do governo têm a capacidade de incidir no sistema das fontes de maneira igual àquela própria da lei‟ (NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009.p.38-39).

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Pretende-se desta forma, que o Executivo possa agir obrigando os

governados a submeterem-se a seus decretos como se eles fossem leis, em

hipóteses determináveis por ele nesta posição de legislador precário e

extraordinário.

Neste cenário o Executivo age sob sua responsabilidade, para definir os

casos em que deva atuar com força de lei, em face de circunstâncias específicas

que a Constituição rotula genericamente como casos extraordinários de necessidade

e urgência.

O decreto do Executivo deve ser por ele levado ao Legislativo para sua

sujeição ao processo de aprovação legislativa, a fim de que ele seja convertido ou

não em lei.

Sua eficácia permanente depende de sua conversão porque somente a lei

pode obrigar de forma geral e abstrata precipuamente.

Mesmo na Itália, berço por assim dizer do parente mais próximo da medida

provisória, problemas como a reedição de decretos-lei, em sucessivas e abusadas

iniciativas do Governo, causaram preocupações e em que pese ausentes na

Constituição explícitas medidas que as pudessem tolher, para evitar a

desmoralização do instituto.

Houve na Assembléia Constituinte italiana, dificuldades e acirrados debates

para consignar na Carta Italiana o instituto que tinha, aliás, origem no regime

monárquico superado em 1947 e aprimoramento no fascismo que se queria superar.

Decidiu-se afinal pela adoção do instituto, considerando-se a vulnerabilidade

em que ficaria a nova república, sem um instrumento para legislação em casos de

necessidade e urgência, tendo se em conta ainda que menos mal seria, ter-se o

decreto-lei para tais finalidades, que não o ter em mãos o Estado para usá-lo

quando necessário. Ainda para reduzir o abuso com que o fascismo usara do

decreto-lei, colocou-se na Constituição a disposição segundo a qual o decreto-lei

perderia eficácia, se não fosse convertido em lei, em sessenta dias de sua

publicação e julgou-se que os abusos peculiares à sua utilização pelo Estado,

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seriam atenuados pela Corte Constitucional, órgão então criado pela nova

Constituição.83

Tanto não aconteceu.

A própria Corte Constitucional, então, apontando a inconstitucionalidade da

reedição de decretos-leis, exortou o Poder Legislativo a produzir as reformas

necessárias para evitar esvaziamento, como disse a sentença nº 302/1988 (rel.

Baldassare), dos preceitos contidos no artigo 77 da Constituição.84

Por isto, veio à baila a Lei Italiana nº 400, de 23 de agosto de 1988.

Esta lei, em seu artigo 15, número 1, exige que os decretos-lei em seu

preâmbulo consignem as razões de necessidade e urgência que os motivem e mais

proíbe e seu texto que por eles se veiculem: a) concessão de delegações

legislativas, b) disposição sobre matéria constitucional e eleitoral, aprovação de

orçamentos e prestação de contas orçamentárias; c) renovação dos atos e

disposições cuja conversão em lei tenha sido negada, ainda que por uma só das

Câmaras do Parlamento; d) repristinação de disposições que a Corte Constitucional

tenha declarado ilegítimas por vícios substanciais ou de competências; e) regulação

de relações jurídicas decorrentes de atos não convertidos em lei.

Mas foi na letra „c‟ do suprarreferido dispositivo que a Itália deu um grande passo na regulação dos decretos-leis. Essa talvez seja a mais relevante disposição a regulamentar tal espécie normativa. Foi a falta de uma frase dessas na Constituição brasileira que deixou o país à mercê de seguidas reedições de medidas provisórias não aperfeiçoadas pelo Legislativo. No sistema italiano, o instituto da „rejeição tácita‟ vigora desde 1947, por força do art. 77 da Constituição. Assim, um decreto-lei não apreciado pelo Congresso no prazo de 60 dias perde sua eficácia e é considerado rejeitado tacitamente. O que a alínea „c‟ do art. 15 da Lei nº 400 faz é vedar expressamente que outro decreto-lei de igual teor seja republicado. Caso o constituinte originário de 1988 tivesse adotado tal limitação, o expediente de reedições de medidas provisórias nem sequer teria nascido no Brasil e haveria um Poder Legislativo mais forte e atuante com um executivo mais contido.

85

Há, porém, quem pense diferentemente:

83

FIGUEIREDO FILHO, Jayme Poggi de. O decreto-lei na Constituição brasileira. Dissertação (Mestrado em Direito) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1984. p. 57-58.

84MARIOTTI, Alexandre. Medidas provisórias. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 45.

85NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 47.

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Assim, como no caso brasileiro da redação anterior do art. 62, da CF, o texto italiano silenciou quanto à possibilidade de reedição de decreto-lei. A Lei nº 400, de 23.8.1988, impôs uma série de limitações materiais e formais ao uso do decreto-lei, exigindo, inclusive, fundamentação acerca da necessidade e urgência, Para Paolo Biscaretti di Ruffia, muitas das dúvidas suscitadas pela prática do decreto-lei anterior a tal legislação foram extirpadas. Entretanto, silenciou ela quanto à possibilidade de reiteração, o que acabou por vedado, ante decisão da Corte Constitucional italiana de 24.10.1996. Tal decisão teve o efeito limitador, na prática, da reiteração, como almejado pela doutrina italiana.

86

No Brasil, a reedição de medida provisória, mais de uma vez, em 120 dias, é

inconstitucional, em decorrência de Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro

de 2001.

86

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 41.

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103

5 HISTÓRIA DA LEGISLATURA BRASILEIRA PELO PODER EXECUTIVO

5.1 A Medida Provisória na Constituição do Império 87

O termo medida provisória assim já se encontra referido na primeira

Constituição brasileira e conotado a situações de excepcionalidade, como um

instrumento à disposição do Governo, em situação de ameaça ao Estado, exposto a

perigo iminente por rebelião e por invasão inimiga, quando então, se não estivesse

reunido o Poder Legislativo, direitos e garantias individuais poderiam ser

temporariamente suspensos até a quando estivesse cessada a necessidade urgente

que a ensejara. Nesta situação a Assembléia do Império deveria ser informada das

medidas tomadas nestas circunstâncias e a autoridade que tomara as medidas

provisórias, poderia ser responsabilizada por excessos que por meio delas houvesse

praticado.

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que têm por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império pela maneira seguinte:

(...).

§ 35. Nos casos de rebelião ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazer por ato especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo, reunida a Assembléia e correndo a Pátria perigo iminente poderá o Governo exercer esta providência como medida provisória, e indispensável,

87

A medida provisória está prevista no art. 62, da Constituição da República, segundo o qual se tem que „em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. A expressão medida provisória fora uma vez antes utilizada no constitucionalismo pátrio, na Carta Imperial, em cujo art. 179, inc. XXXV, se previa que, „nos casos de rebelião ou de invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem, por tempo determinado, algumas formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazê-lo por ato especial do Poder Legislativo. Não se achando, porém, a esse tempo reunida a Assembléia, e correndo a Pátria iminente perigo, poderá o governo exercer esta mesma providência, como medida provisória e indispensável, suspendendo-a imediatamente, quando cesse a necessidade urgente que a motivou...‟ Aquela medida provisória nada tinha a ver com o instituto que agora se acolhe no direito constitucional brasileiro, por influência mais importante e sensível do direito italiano. Mas ali a figura é acolhida por força do sistema parlamentarista abrigado e que permite uma delegação legislativa sem descaracterização do princípio de controle do poder pelo poder. As funções executivas de Governo e de Administração são desempenhadas pelo Gabinete, composto como é esse a partir da maioria parlamentar havida no Poder Legislativo, de cuja confiança aquele órgão de governo depende (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 54).

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suspendendo-a imediatamente que cesse a necessidade urgente, que a motivou; devendo num e outro caso remeter à Assembléia, logo que reunida que for, uma relação motivada das prisões e de outras medidas de prevenção tomadas; e quaisquer autoridades que tiverem mandado proceder a elas serão responsáveis pelos abusos que tiverem praticado a esse respeito.

Pimenta Bueno afirmava que se poderiam adotá-las, somente em situação na

qual meios ordinários fossem comprovadamente ineficientes para a solução do

problema que elas se destinariam a solucionar.88

Contudo não se pode dizer que a medida provisória da Constituição de 1824,

fosse a medida provisória da atual Constituição brasileira, porque evidentemente

elas se destinam a consubstanciar medidas ocorrendo o não funcionamento da

Assembléia, em situações específicas de rebelião e invasão inimiga.

Para Brasilino Pereira dos Santos, esta medida provisória corresponderia hoje

ao estado de sítio.89

Entretanto no que tange aos pressupostos de edição tais medidas provisórias

guardam relação com as previstas e possíveis pelo artigo 62 da Constituição da

República Federativa do Brasil.

5.2 O Decreto nas Rupturas Republicanas da Normalidade Constitucional

Confira-se que o Governo Republicano do Marechal Deodoro da Fonseca,

que derrubou, no Brasil, a Monarquia por um golpe de força e até a promulgação da

Constituição de 24 de fevereiro de 1891, com a edição do Decreto nº 1, de 15 de

novembro de 1889, estabeleceu os atos constitutivos da República que então se

instalava.

Erigiu-a República Federativa, convolando em estados federados as antigas

províncias do Império apeado.

88

BUENO, apud SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2007, p. 116.

89SANTOS, Brasilino Pereira. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 216.

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Destaque-se que seu artigo 4º dispunha que a Nação Brasileira, dali em

diante, seria regida pelo Governo Provisório da República e até que pelos meios

regulares fosse eleito o Congresso Constituinte do Brasil.

Como efetivamente viera este Congresso depois ser eleito, com poderes

constituintes para promulgar a Primeira Constituição Republicana do Brasil, em 24

de fevereiro de 1891.

Mais tarde, com a Revolução de Três de Outubro de 1930, Getúlio Vargas,

como Chefe Supremo da Revolução edita o Decreto 19.398, de 11 de novembro de

1930.

Com este decreto o Governo Provisório de 30 instituiu-se Poder. Enfeixou-se

de todas as funções de Executivo e de Legislativo. Extinguiu a Federação.

Dissolveu o Congresso Nacional. As assembléias legislativas e até mesmo as

Câmaras Municipais. Subordinou o Poder Judiciário. Desconstituiu a Constituição

Federal e as estaduais. Suspendeu garantias individuais. Decretou a exclusão da

apreciação judicial de seus decretos e atos.

Em suma, tornou-se o vértice da juridicidade do ordenamento jurídico

brasileiro.

Não obstante, até a elaboração de uma nova constituição para o Brasil, por

uma Assembléia Nacional Constituinte, que previra e que finalmente foi instalada

para promulgar a Constituição brasileira de 16 de julho de 1934, sob sua égide.

Dizia, então, seu artigo 1º, caput, O Governo Provisório exercerá

discricionariamente, em toda sua plenitude, as funções e atribuições, não só do

Poder Executivo, como também do Poder Legislativo, até que, eleita a Assembléia

Constituinte, estabeleça esta a reorganização do país.

Sem dúvida o Decreto 19.398, de 11 de novembro de 1930, foi a fonte

primária do direito após a vitória da Revolução de Três de Outubro de 1930.

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5.3 O Decreto-Lei na Carta de 37

Com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 10 de novembro de

1937, nos termos de seu artigo 12, o Parlamento poderia, sob condições e limites,

autorizar o Presidente da República, a expedir decretos-leis, de acordo com seu

artigo 13, ocorrendo o recesso parlamentar ou a dissolução da Câmara dos

Deputados e se o exigissem as necessidades do Estado em matérias de

competência legislativa da União exceto para modificações à Constituição,

legislação eleitoral, orçamento, impostos, instituição de monopólios, moeda,

empréstimos públicos, alienação e oneração de bens imóveis da União, dependendo

a expedição deles de parecer do Conselho da Economia Nacional, nas matérias de

sua competência consultiva.

Nessa Constituição, em seu artigo 180, previu-se que o Presidente da

República, excepcionalmente, poderia expedir decretos-leis sobre todas as matérias

de competência da União, enquanto não se reunisse o Parlamento e como este

nunca se reunira, durante sua vigência até 1946, de forma autoritária, o Presidente

da República expediu decretos-leis sobre todas as matérias de governo, nos termos

em que ela o permitira e sem os limites do artigo 13 supra referido.

Em verdade, nesta situação, a nomenclatura decreto-lei significava apenas

decreto. Mas não era o decreto-lei da doutrina européia que se aborda, era, apenas,

um sucedâneo da lei.90

Nossa Constituição de 18 de setembro de 1946, não permitia a legislação por

decretos-leis.91

90

O decreto-lei da Carta 37 foi sucedâneo universal e completo da lei (ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968. p. 16).

91A atividade normativa do Presidente da República, seja na forma da legislação direta do decreto-lei ou na via da delegação legislativa, foi suprimida pela Constituição Federal de 1946, ressalvada a breve existência dessa segunda modalidade, enquanto perdurou a Emenda Constitucional número 4 de 2 de setembro de 1961, responsável pela instituição do regime parlamentar de governo. O reaparecimento do decreto-lei deu-se na Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, sob a denominação de decretos com força de lei, como ato da legislação direta do Presidente da República (art.58), melhor identificado nas categorias constitutivas do processo legislativo, que manteve sua denominação real (art. 49-V). A Constituição de 1969 integrou na legislação governamental a delegação legislativa do Congresso Nacional ao Presidente da República, para elaborar leis delegadas (art. 55). A atividade legislativa material do Presidente da República exprimiu o reforçamento dos poderes do Chefe do Poder Executivo, que constituía manifesto propósito da Constituição congressual de 1967, e essa atividade incorporou-se à Emenda número 1, de 17 de outubro de 1969, objeto de outorga, para compor a estrutura do regime político

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O decreto em sua roupagem utilitária é por força destes contextos a dicção de

mandamentos por quem empalma o Poder e tem força para exercê-lo.

Não é comando emergente do Povo por via de sua representação autêntica

por representantes legitimamente constituídos nos termos de uma constituição.

5.4 O Decreto-Lei na Ditadura Militar de 1964

Ilustra mais este fato a ruptura da ordem constitucional da Constituição de

1946 pelo golpe de 31 de março de 1964.

Os instrumentos de sua consolidação jurídica estão, em princípio, nos atos

institucionais.

No Ato Institucional nº 1, de 9 de abril de 1964, no Ato Institucional nº 2, de 27

de outubro de 1965 e no Ato Institucional nº 4, de 7 de dezembro de 1966.

No primeiro deles diz-se que Art. 1º. São mantidas a Constituição de 1946 e

as Constituições estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes

deste artigo.

No segundo, b) a Revolução investe-se, por isso, no exercício do Poder

Constituinte, legitimando-se por si mesma – em seu preâmbulo - e mais, Art. 31. A

decretação do recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das

Câmaras de Vereadores pode ser objeto de ato complementar do Presidente da

República, em estado de sítio ou fora dele, complementando-se, Parágrafo único.

Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado

a legislar mediante decretos-leis, em todas as matérias previstas na Constituição e

na lei orgânica.

O decreto é assim ato do grupo que toma o Poder por via de fato ou da

pessoa que por ele se manifesta. Em sua variante decreto-lei é algo que não

depende do Poder Legislativo para valer, na acepção com que o tratou a legislação

autoritário nele consagrado (arts. 52 e 55) (HORTA, Raul Machado. Medidas provisórias. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 27, n. 107, p. 5-18, jul./set. 1990).

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autoritária no Brasil, posteriormente, nos termos das Constituições de 1967 e de

1969.

Nestas circunstâncias decreta-se com preponderância sobre a Constituição. A

decretação ou o ato de decretar por uma autoridade investida de força é que decide

o recesso do Poder Legislativo. Que faz do decreto lei, substituindo-o em sua função

de legislar que é fazer a lei, sem qualquer concurso dele.

Mas é nas constituições brasileiras de 1967 e 1969, na figura dos decretos-

leis, que estão contornos de suas disciplinas que os aproximam das medidas

provisórias e que as podem posicionar como deles originadas em algumas de suas

características.92

5.5 O Decreto-Lei das Cartas de 1967 e 1969

Como se disse a ótica fundamental deste tópico há de considerar a divisão do

Poder por Montesquieu, em suas funções de legislar, governar e julgar,

respectivamente, pelos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário ou o papel

vertical que no sistema inglês tem o Parlamento como fautor de leis e o Gabinete,

enquanto órgão de administração, porque a medida provisória é uma função

legislativa que a Constituição confere ao Presidente da República,

excepcionalmente.

Será, porém, pela Constituição do Brasil de 24 de janeiro de 1967, que o

decreto-lei assume, entre nós, a condição de ato normativo de iniciativa do

Presidente da República por meio de outorga constitucional a esta autoridade,

permitindo-lhe expedir decretos com força de lei, para vigência imediata.

92

Infelizmente o legislador constituinte, vivendo a fantasia da recuperação plena da ordem democrática, não teve a necessária prudência de substituí-lo [o decreto-lei], por outro instituto mais afeiçoado às contingências e peculiaridades da vida brasileira. Assim é que, sem se consultar para o ambiente geral de nossas instituições e para um certo componente autoritário que persiste em todos os momentos de nossa vida republicana, importou-se da Itália os já referidos provvedimenti provvisori, entre nós batizados de medidas provisórias (FIGUEIREDO, Fran. As medidas provisórias no Sistema Jurídico-Constitucional brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 28, n. 110, p. 137-152, abr./jun. 1991. Neste mesmo sentido: TAVARES, André. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.153. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 154).

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Em matérias de segurança nacional e de finanças públicas e desde que

configuradas, de fato, hipóteses de urgência ou de interesse público relevante, que

os justifiquem, não resultando aumento de despesas de sua edição.

Depois, o Congresso Nacional poderia deliberar por rejeitá-los ou aprová-los

dentro de sessenta dias, de suas edições, sem emendas. Na primeira hipótese

expressamente. Na segunda, expressamente ou por via tácita, se, neste prazo não

houvesse deliberação sobre o seu texto.93

A Emenda Constitucional nº 1 de 17 de outubro de 1969, por seu artigo 55,

facultou ao Presidente da República, a expedição de decretos-leis, incluindo em sua

competência, além da matéria supra referida e que já constava do artigo 58, da

constituição que a antecedera, a criação de cargos públicos e a fixação dos seus

respectivos vencimentos.

Ele poderia editar o decreto-lei, para posterior sufrágio do Congresso

Nacional, como previra a Constituição de 1967.

Atente-se para o fato de que a Constituição brasileira de 1967 em seu artigo

58 já dispunha

Art. 58. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante (...) poderá expedir decretos com força de lei (...), tanto quanto dispusera o artigo 77 da atual Constituição Italiana, que il Governo adotta, sotto la sua responsabiltà, provvedimenti provvisori com forza di legge e como dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 62. (...), o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei (...) (grifo nosso).

O denominador comum entre todos os institutos, decretos com força de lei

ou provvedimenti provvisori con forza di legge e medidas provisórias, com

força de lei, está claro no contexto das constituições analisadas.

Demonstra a relação visceral mais que isto, umbilical, por consequência, que

há entre eles, como disciplinados na Constituição italiana de 1948 e nas brasileiras

de 1967 e de 1969 e de 1988.

93

Porém, a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, além destes 60 dias, conferia nestas situações ao Congresso Nacional mais dez sessões a eles subseqüentes em regime de urgência para deliberar nas formas supra previstas sobre o decreto-lei, por força da Emenda Constitucional nº 82, relativa a esta Carta.

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Até mesmo por uma questão de anterioridade cronológica, é irrefutável que a

matriz do constituinte brasileiro na criação da medida provisória é a Constituição

italiana de 1948 e que de passagem pela Constituição Brasileira de 1967, ampliada

por nossa Constituição de 1969, esta ideia se alojou na Constituição da República

Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988, sem rebuços, camufladamente.94

Não obstante o constituinte brasileiro de 1988 tenha extirpado da medida

provisória a aprovação do decreto-lei por decurso de prazo e a impossibilidade de

emendas em seu texto por iniciativa de parlamentares, no curso do processo

legislativo de sua aprovação porque o texto do diploma legal deveria ser aprovado

ou não na íntegra, como expressavam as constituições de 1967 e 1969.

Sem embargo de que tenha o constituinte de 1988, limitado o campo material

para sua ação e disciplina legislativa, o qual, a despeito da Constituição de 1967,

poderia abranger todo o sistema constitucional brasileiro, incluindo a Constituição.

Como dispunha o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que

vigeu concorrentemente com a Constituição de 1967 e com a Emenda

Constitucional de 1969.

Como se verifica, a origem da medida provisória está em todo este plexo de

constituições e sistemas constitucionais enfocados.

94

As medidas provisórias estão previstas no art. 62 da Constituição. É exceção ao princípio de que ao Legislativo incumbe atos que obriguem. A medida provisória não é lei, é ato que tem „força de lei‟. Por que não é lei? Lei é ato nascido no Poder Legislativo que se submete a um regime jurídico predeterminado na Constituição, capaz de inovar originariamente a ordem jurídica, ou seja, criar direitos e deveres. Notem a primeira afirmação: „É ato nascido no Poder Legislativo‟, capaz de criar direitos e obrigações. A medida provisória também cria direitos e obrigações, também obriga, porque o constituinte permitiu exceção ao princípio doutrinário segundo o qual legislara incumbe ao Legislativo. Não é lei, porque não nasce no Legislativo. Tem a força de lei, embora emane de uma única pessoa, é unipessoal, não é fruto de representação popular, estabelecida no art. 1º, parágrafo único (todo pode emana do povo). Medida provisória não é lei. A Constituição italiana foi o modelo inspirador do constituinte brasileiro. Ocorre, entretanto, que entre as medidas provisórias da Itália e do Brasil há grande diferença. Lá o sistema de governo é parlamentar e a Constituição prescreve que o „Governo‟ (no caso, o Gabinete, por meio do Primeiro-Ministro) editará a medida provisória sob sua responsabilidade. O que é responsabilidade no sistema parlamentar? É aquela de natureza política. Portanto, o que ocorre se a medida provisória não for aprovada pelo Parlamento italiano? O Gabinete (Governo) cai. Mais ainda: a Constituição italiana faculta ao Parlamento – se não aprovada a medida provisória – a regulamentação das relações jurídicas dela decorrentes. Aqui obriga-se. A expressão é imperativa: „devendo‟ o Congresso Nacional regulamentar as relações jurídicas dela decorrentes se a medida provisória não for aprovada. Por outro lado, também não prevê a nossa Constituição, a responsabilidade política do Presidente da República no caso de não aprovação da medida provisória. Por isso, tenho salientado que a medida provisória pouco difere do decreto-lei previsto na Constituição anterior (TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 145).

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Enquanto todas elas, por estado de necessidade do Estado, permitem ao

Presidente da República ou ao Gabinete editar atos normativos com força de lei

provisória e para prover prontamente a solução de crises das mais diversas ordens,

em casos graves e em situações de prováveis riscos de dano iminente para a

coletividade e que exigem urgente solução normativa para que estes riscos não se

concretizem e ante os quais serão ineficazes porque morosos os trâmites do prévio

processo legislativo parlamentar, notoriamente lentos.

5.6 A Medida Provisória e Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro

de 2001

Constrangia a consciência ética do país – antes da promulgação da Emenda

Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001 - o abuso da Presidência da

República na edição de medidas provisórias.

Repudiava-se a burla que pela ação desta autoridade se fazia ao princípio da

separação do Poder. Consignado como cláusula pétrea na Constituição.

Criticava-se a ausência de limites constitucionais explícitos para a matéria

reservada à legislação por medida provisória. Não obstante estabelecesse a

Constituição limites à competência legislativa do Poder Executivo por via de lei

delegada. Ou a reserva de iniciativa legislativa outorgada exclusivamente por ela a

cada um dos outros ramos do Poder.

De fato, reeditando medidas provisórias sucessivamente, o Presidente da

República, na prática, legislava, por meios criticáveis, legislando sobre quase tudo.95

95

Embora não houvesse vedação expressa (como hoje há), a reedição de medida provisória já era manifestamente incompatível com a índole deste instituto, o que poderia ser percebido por qualquer pessoa que dispusesse de inteligência normal e rudimentos de Direito, em face das disposições do art. 62 e seu parágrafo único, dispositivos estes que eram os reguladores da matéria. De acordo com eles: „Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que estando em recesso será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias. Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes‟. Deveras, era evidente – e da mais solar evidência – que medidas provisórias não poderiam ser reiteradas ante os mesmos fatos e situações. Com efeito, posto que a Constituição as denominou „provisórias‟ e as colocou, tão logo publicadas, ao inteiro líbito do Congresso; posto que estabeleceu, ainda, um prazo máximo de trinta dias para

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Assim, violava a Constituição e procedia de maneira imperial, para impor sua

vontade e mesmo que ela não fosse o desejo da Nação, em detrimento da livre

manifestação de seus representantes legislativos.

Bastava para tanto o expediente execrável da reedição das medidas

provisórias.

Menosprezava-se o Poder Legislativo, em que pese sua sobrecarga de

trabalho impedisse fossem as medidas provisórias convertidas em lei, no prazo de

trinta dias, definido pelo parágrafo único do artigo 62 da Constituição.96

Contando com o fato de que a medida provisória tem força de lei, a ausência

de limite para a reedição de medidas provisórias – que a Constituição não

estabelecia – era um salvo conduto concedido ao Presidente da República para

editar decretos com força de lei e até que o Congresso Nacional rejeitasse ou

convertesse em lei a medida provisória.

Como este não votava em tempo a conversão de medidas provisórias em lei,

nesta dupla via de descaso para com a cidadania, a Constituição perecia.

Nesta disfunção e em deturpação do mandado constitucional, a medida

provisória era usada como forma de legislação abundante e corriqueira pelo Poder

Executivo que assim usurpava o Congresso Nacional em sua prerrogativa

constitucional em fazer lei.97

que suas disposições adquirissem caráter permanente „se convertidas em lei’, ou para que perdessem a eficácia desde o início se lhes faltasse este aval parlamentar, resultava cristalinamente claro que a falta dele implicava repúdio à medida expedida. Aduza-se que graças às atrevidas e disparatadas reedições o Presidente poderia manter vigorante para sempre (e foi o que fez) medidas provisórias que o Congresso recusava converter em lei, bastando para tanto republicá-las a cada trinta dias! Com isto houve completo desnaturamento não só do instituto, mas das funções próprias do Executivo e do Legislativo, e a tripartição do poder – suposta base de nosso sistema – perdeu qualquer significação efetiva (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009).

96Ora, o que se viu após Constituição – e de maneira radicalizada durante o governo Fernando Henrique Cardoso – foi uma hipertrofia do Poder Executivo que detinha quase que o monopólio do poder de legislar sobre matérias relevantes. A possibilidade de reeditar as medidas provisórias sem limites, apesar de aceita pela interpretação vigente da Constituição, subvertia evidentemente a idéia de separação dos Poderes e dava ao Legislativo quase que exclusivamente o papel de se pronunciar em matérias constitucionais (ABRAMOVAY, Pedro. Controle mediador. Não se pode dizer que Executivo legisla sem o Congresso. Disponível em: <http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&source=hp&q=controle+mediador+Pedro+Abramovay&meta=&rlz=1R2ADFA_pt-BRBR339&aq=f&oq=>. Acesso em: 20 jul. 2009.).

97Para Fábio Comparato, o Executivo, com as MPs, tolhia „a função essencial dos parlamentares, dos parlamentares, enquanto representantes do povo‟ [que] „consiste justamente, em limitar os poderes

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Distorcia-se a finalidade da medida provisória.

De instrumento de uma exceção à atividade legislativa, esta passou a ser

utilizada indevidamente como via para disciplina legal usual.

Como se lei fosse definitivamente.

Contudo urdida em desmoralizante rito de convalidação e por meio de

reedições frenéticas. As quais, em si, desmoralizavam o Poder Público,

vulgarizavam a atividade legislativa e desconstituíam a respeitabilidade do Direito.

Neste cenário, a redação do artigo 62 da Constituição Federal de 1988, antes

da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, dispunha:

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, que, estando em recesso, será convocado extraordinariamente para se reunir no prazo de cinco dias.

Parágrafo único. As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de 30 dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.

Assim, a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, em

princípio, gestou-se para impor limites às sucessivas reedições de medidas

provisórias, pelo Presidente da República.

Mas trouxe também em seu bojo outras alterações constitucionais, que

atendiam reclamos da consciência ética nacional.98

de coação do governo e fiscalizar o seu exercício‟ (COMPARATO, 2001, apud ABRAMOVAY, Pedro. Controle mediador. Não se pode dizer que Executivo legisla sem o Congresso. Disponível em: <http://www.google.com.br/search?hl=pt-BR&source=hp&q=controle+mediador+Pedro+Abramovay&meta=&rlz=1R2ADFA_pt-BRBR339&aq=f&oq=>. Acesso em: 20 jul. 2009).

98A Emenda nº 32, de 2001, significou – em relação à redação original 1988 – avanço em alguns aspectos, podendo-se aí incluir: a expressa previsão de matérias proibidas de serem vinculadas via medida provisória; a eficaz garantia do princípio da anterioridade tributária (art. 150, III, b, da Constituição), visto que a cobrança do imposto criado por medida provisória só pode ocorrer no ano seguinte ao da sua conversão em lei. A Emenda criou ainda o juízo prévio de admissibilidade, exigindo parecer da Casa Legislativa sobre os pressupostos constitucionais da medida provisória. O maior avanço, entretanto, foi a expressa proibição de reedição (na mesma sessão legislativa) de medidas rejeitadas expressa ou tacitamente. A Emenda nº 32 também trouxe retrocesso em relação à redação original de 1988, dentre os quais destacam-se: possibilidade de medida provisória regulamentar artigos alterados por emenda a partir de 2001; possibilidade de a medida durar até 182 dias (o que – a despeito da impossibilidade de reedições – configura um prazo seis vezes maior que o previsto originalmente pela Constituição

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Para limitar o arbítrio do Presidente da República em legislar por via de

medidas provisórias.

Para obrigar, de outro bordo, o Congresso Nacional a se manifestar no prazo

de vigência da medida provisória, por sua conversão em lei.

Com este intuito restringiu o campo material de seu universo normativo a fim

de conter no âmbito da reserva legal matérias sujeitas à disciplina normativa,

transbordantes dos lindes que fixara para a normatização de situações por via da

medida provisória.99

Dispôs sobre hipóteses de vigor para medidas provisórias na área tributária,

acertando que somente poderiam superar o princípio da anualidade os impostos de

importação de produtos estrangeiros, de exportação, para o exterior, de produtos

nacionais ou nacionalizados, de produtos industrializados, operações de crédito,

câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou a valores mobiliários.

Deixou os demais impostos de competência da União, o imposto de renda e

proventos de qualquer natureza e o de propriedade territorial rural, passíveis de

legislação por medida provisória, mas desde que sujeitos ao princípio da anualidade

tributária.

Traçou parâmetros para sua vigência e eficácia.

Estabeleceu 120 dias para a vigência temporária da medida provisória antes

da manifestação do Congresso Nacional, por sua conversão ou não em lei.

Federal) (NICOLAU, Gustavo Rene. Medidas provisórias: o executivo que legisla: evolução histórica do constitucionalismo brasileiro. São Paulo: Atlas, 2009. p. 159).

99Assim, antes da Emenda n. 32 havia um consenso em se estender os conteúdos proibidos à lei delegada (art. 68, § 1º) para a medida provisória. A Emenda n. 32, no entanto, trouxe vedação específica no art. 62, § 1º. Tais vedações, no entanto, não contemplam a expressão „direitos individuais‟, o que faz com que tenhamos perdido com a alteração constitucional. Dos direitos individuais, apenas alguns (os constantes dos conteúdos do direito penal, direito processual penal e direito processual civil e o seqüestro de bens) estão a salvo da medida provisória. (...). Manifestamos nossa posição de que o direitos individuais não podem ser objeto de medida provisória, apesar de não estar expressa a vedação no § 1º do art. 62. Trata-se de interpretação sistemática e conforme a Constituição, que leva à proteção de indelegabilidade de funções. Cláusula pétrea, assegurada no § 4º do art. 60 e no art. 2º da Constituição Federal. O núcleo proibido anunciado no art. 62, § 1º, é um mínimo, que deve ser entendido com o § 1º do art. 68, que continua a refletir sua influência sobre a medida provisória (ARAÚJO, Luiz Alberto David de; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 137, 372).

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115

Mediante uma só prorrogação de sua validade, neste período, por outros

sessenta dias, além dos primeiros sessenta dias da data de publicação de sua

edição.

Estabeleceu dispositivos de tramitação para seu processo legislativo.

Atribuiu expressamente ao Congresso Nacional competência para sustar a

validade de medida provisória que não atendesse os requisitos formais de relevância

e urgência, antes de iniciar o seu processo de conversão em lei, quanto ao mérito da

medida provisória.

Inovou quanto à regulação de situações jurídicas afetadas por sua vigência

provisória.

Por sua edição, modificaram-se os artigos 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84, 88 e 246

da Constituição Federal.

Nos termos de seu artigo 2º, todas as medidas provisórias editadas em data

anterior à sua publicação, continuaram em vigor até explícita revogação delas por

medida ulterior ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Assim, o referido artigo 48 trata das atribuições do Congresso Nacional, sem

que sua modificação tenha se referido à matéria das medidas provisórias.

A mudança do artigo 57, igualmente supra referido, no que tange a este

assunto, passou a determinar que, havendo medidas provisórias em vigor na data

da convocação extraordinária do Congresso Nacional, sejam elas automaticamente

incluídas em sua pauta de votação.

Também, por esta emenda constitucional, não se alteraram os artigos 61, 66

e 84, da Lei Magna, em matérias pertinentes ao regime das medidas provisórias

como por ela disciplinadas.

Somente os artigos 62, 64 e 246, da Constituição receberam nova redação

por força de sua promulgação, no tocante à disciplina constitucional das medidas

provisórias.

O primeiro deles, nos termos em que se está dele tratando neste trabalho.

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Quanto aos dois outros, o artigo 64 e o artigo 246, na forma em que eles

serão abordados a seguir.

O artigo 64 passou a dispor que todas as demais deliberações legislativas das

Casas do Congresso Nacional, seriam sobrestadas em sua votação – com exceção

daquelas que tivessem prazo constitucional determinado até a ultimação de suas

votações – se estas, em até 45 dias, contados da publicação de suas edições, no

Diário Oficial da União, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não discutirem

e votarem os projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo

Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores.

Determinou que, nesta hipótese, essa conversão seja votada em regime de

urgência, subseqüentemente, no Congresso Nacional, em cada uma de suas Casas.

O artigo 246 da Constituição passou a ter nova redação.

Vedou-se a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da

Constituição, cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada

entre 1º de janeiro de 1995 e a data de sua edição.

A opinião pública assim recebeu bem a Emenda Constitucional nº 32, de 11

de setembro de 2001, em seus aspectos positivos, de sustar o abuso nas

sucessivas e habituais reedições de medidas provisórias pelo Presidente da

República e de colocar um termo para o Congresso Nacional se manifestar sobre a

validade delas e suas conversões ou não em lei.

De início, repudiou-se apenas o entulho autoritário que resultava do artigo 2º

da Emenda Constitucional.

É que por ele estavam validadas todas as medidas provisórias que não

fossem revogadas pelo Presidente da República ou recusadas como lei pelo

Congresso Nacional.

Aquele assim chamado entulho autoritário perpetua a validade de uma

legislação de exceção, já que ela é impossível de ser revista por obstáculos físicos e

temporais.

No passado, ela fora editada aos borbotões.

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Com reiterada desconsideração, por outro lado, para com pressupostos

subjetivos da ação legislativa do editor da medida provisória, que está posta

restritamente como instrumental para solução de casos relevantes e urgentes.

Entretanto, como atualmente está evidente, perdeu-se em alguns aspectos

positivos da regulamentação constitucional da medida provisória, com a mudança da

Constituição conseqüente da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de

2001.

Tome-se em consideração, na redação original do artigo 62 da Constituição,

que o recesso do Congresso Nacional, não interferia na celeridade do processo

legislativo de conversão da medida provisória em lei.

Se este se encontrasse em recesso, quando o Presidente da República

editasse a medida provisória, seria ele convocado imediatamente para se reunir em

5 dias para votar seu processo de conversão em lei.

Atualmente, o processo legislativo da medida provisória se suspende com o

recesso parlamentar.

Considerado, então, que o Congresso Nacional funciona de 2 de fevereiro até

17 de julho e de 1º de agosto até 22 de dezembro, anualmente, os períodos de

recesso somam 55 dias.

Vai de 18 de julho até 31 do mesmo mês, inclusive na primeira hipótese e, na

segunda, de 23 de dezembro até 31 de janeiro do ano subseqüente.

Assim uma medida provisória editada em 17 de julho, podendo ser votada em

até 120 dias, deverá ser objeto de deliberação até 16 de novembro.

Mas considerados os sábados, domingos, feriados e outros eventos que

podem justificar a suspensão dos trabalhos do Congresso Nacional, ela poderá ter o

seu trânsito prorrogado por muito tempo.

Até mesmo até o final do próximo recesso regular das atividades do

Congresso Nacional, a se dar em 2 de fevereiro do ano subseqüente àquele em que

a medida provisória foi editada.

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Veja-se então o abuso que pode ser perpetrado pela politicalha sob o pálio do

dispositivo constitucional analisado.

Sem embargo, teríamos, na hipótese, uma medida provisória vigendo por

mais de 120 dias, que é o seu prazo constitucional de vigência.

Tudo isto não bastasse, veja-se que antes da Emenda Constitucional nº 32,

de 11 de setembro de 2001, pelo artigo 62 da Constituição, se a medida provisória

não fosse aprovada no tempo fixado pela Constituição, de 30 dias, em que

pesassem as prorrogações, por suas reedições, se ela resultasse rejeitada pelo

Congresso Nacional, cessaria sua vigência precária e temporária.

Ao Congresso Nacional competiria disciplinar as relações jurídicas

decorrentes da vigência da medida provisória.

A Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, dilatou esta

hipótese da disciplina dos efeitos da medida provisória não convertida em lei.

Admitiu que ela pudesse continuar viger mesmo rejeitado o projeto de sua

conversão em lei pelo Congresso Nacional.

Manteve a situação em que deva ser promulgado o decreto legislativo para o

fim de regulação dos efeitos jurídicos da medida provisória não convertida em lei.

Contudo a par disto possibilitou que não editado este decreto legislativo em

até 60 dias após a rejeição ou perda da eficácia da medida provisória não convertida

em lei, pudesse ela continuar vigendo a despeito de rejeitada ou de ser ineficaz.100

Acontecerá isto em duas hipóteses.

Na primeira, quando houver rejeição ou perda de eficácia total dela, à falta do

decreto legislativo de disciplina de seus efeitos. Ela continuará em vigor.

100

A medida provisória não convertida em lei em sessenta dias (ou mesmo depois de prorrogada uma vez) ou rejeitada perde os seus efeitos desde a sua edição (efeitos ex tunc). O Congresso Nacional, nesse caso, tem o prazo de sessenta dias para, por decreto legislativo, disciplinar as relações decorrentes da incidência da medida provisória que perdeu a sua eficácia (quer por não apreciação, quer por rejeição). Caso o Congresso Nacional não se manifeste no prazo de sessenta dias, ficarão valendo, para as relações naquele intervalo de tempo, os dizeres da medida provisória. Trata-se de triste restauração do instituto do decurso de prazo, banido com a Constituição de 1988 (ARAÚJO, Luiz Alberto David de; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 373).

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Na segunda, havendo projeto de lei de conversão da medida provisória em

lei, que tenha alterado o seu texto original. Ela continuará em vigor até a conclusão

do processo legislativo relativo a este projeto de lei que a alterar.

Evidente que este fato que causa estranheza.

Com ele se admite que algo que esgotou suas finalidades de existir no tempo

e no espaço, tenha sobrevida.

Isto põe este objeto em situação de incompatibilidade lógica e jurídica com a

realidade e o sistema constitucional vigente.

Claro que da omissão do Poder Legislativo em promulgar o decreto legislativo

que regulamenta as consequências jurídicas da medida provisória que perdeu

vigência, não lhe pode resultar a situação de vergar-se ao que ele rejeitou, tolerando

continue a viger, no caso, a medida provisória que teve frustrada a conversão em lei

em sua sede de deliberação.

Em que pese ser compreensível, sob ótica distinta, a circunstância de

continuar viger a medida provisória cujo texto tenha sido alterado por projeto de lei

substitutivo dela.

Porque aí, foi o Próprio Poder Legislativo quem admitiu a urgência e a

relevância da situação que dera azo ao Presidente da República editar a medida

provisória. Reconhecendo concomitantemente sua competência para legislar quanto

a seu objeto.

Enquanto emendando-a, não a rejeitou. Admitindo sua oportunidade e

conveniência. De tal forma que a aprimorou com o que era a seu ver a matéria de

seu projeto de emenda e que elaborou para seu aperfeiçoamento jurídico.

Desde já, no entanto, é importante que se diga ser matéria de conclusão

deste trabalho, a constitucionalidade da continuidade da vigência e da eficácia da

medida provisória rejeitada ou com vigência perdida em consequência da ação do

Congresso Nacional, por sua rejeição expressa ou tácita.

É estranho tenha vigor a medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional

ou que tenha perdido vigor por decurso de prazo, em consequência de seu silêncio

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120

quanto a ela, porque este não promulgou o decreto legislativo que disciplinaria as

relações jurídicas decorrentes destes fatos, no prazo de 60 dias contados de seus

acontecimentos.

É isto que se vai ver.

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121

6 MEDIDA PROVISÓRIA UM INSTRUMENTO UNIVERSAL DE LEGISLAÇÃO

DEMOCRÁTICA

Para John Locke, para quem ele é o Poder Supremo, fautor da lei,

instrumento legítimo do governo dos homens, o poder de legislar é indelegável.

Entretanto, em sua concepção, Para situações excepcionais, entretanto,

permitia-se mitigar a severidade da lei ou mesmo afastar-lhe o teor, fazendo-se

uso do chamado poder de prerrogativa, infância de quase todos os governos.

Trata-se do poder de agir conforme a necessidade pública exigir, sendo conveniente

que fique em mãos do executivo, já que o legislativo pode não estar reunido e,

porque quase sempre é numeroso, acaba por ser lento na tomada de decisões.101

Por esta e outras já vistas, a medida provisória não é uma invenção do

constituinte de 1988. Nem é instrumento de autoritarismo republicano.

A despeito de o decreto-lei ter sido via legislativa de nossas legislações

ditatoriais.102

Ela é, sim, outorga constitucional ao Presidente da República para de forma

cautelar, em via rápida e simplificada, resolver com o concurso posterior do

Congresso Nacional, situações que exijam pronta solução, impossível de ocorrer, se

condicionada ao prévio debate e aprovação de suas Casas, em situações de

urgência e relevância.

101

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 41.

102Há de se realçar que o acatamento da figura do decreto-lei não parece acobertar, pela sua acolhida em dado sistema, um sistema antidemocrático. Em tese, ela pode representar uma nova formulação do princípio de separação de Poderes, adaptada, agora, a uma realidade do pós-guerra, na qual se mostravam hipóteses políticas de urgência e excepcionalidade, que impediam a aplicação regular das normas institucionalizadoras daquela condição orgânica de desempenhos correlatos, mas independentes dos Poderes Públicos. Ao direito competia responder eficazmente para que, se sobreviessem e quando adviessem situações de urgência excepcional tais que não se pudesse aguardar o tempo devido para o processamento legislativo ordinário, haveria que se dar uma pronta e eficiente resposta para que a sociedade não se visse a braços com situações de força ou de ruptura institucional e jurídica sem qualquer parâmetro definido pelo direito para solução (ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Medidas provisórias e princípio da separação de poderes. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Coord.). Direito Contemporâneo. Estudos em homenagem a Oscar Dias Corrêa. São Paulo/Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 55).

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A origem da medida provisória, como disciplinada pela Constituição Brasileira

de 5 de outubro de 1988, está em institutos similares postos em várias constituições

contemporâneas e em muitos do passado, como instrumento de defesa do Estado

em situações assemelhadas ao estado de sítio ou de emergência como os prevê

nossa vigente constituição mas é principalmente na Constituição italiana de 1º de

janeiro de 1948 ou de 27 de dezembro de 1947, que está a sua origem imediata.

De fato, justapondo-se o artigo 62 da Constituição brasileira, em face do

artigo 77 dessa Constituição italiana e guardadas as devidas proporções, em que o

regime constitucional italiano é de feição parlamentarista e o brasileiro,

presidencialista e desprezadas diferenças acidentais, em substância, os provimentos

provisórios com força de lei, no caso italiano e a medida provisória, no brasileiro, são

institutos similares.

Ambos são atos normativos permitidos pela Constituição italiana, ao Governo

e, pela brasileira, ao Presidente da República, que não podem normalmente expedir

decretos com validade de lei ordinária, função normalmente deferida ao Parlamento,

para editar, em casos extraordinários, previstos na Constituição, de necessidade e

de urgência ou de relevância e urgência, provimentos provisórios com força de lei,

sob sua responsabilidade, na primeira hipótese e medidas provisórias, na segunda,

com igual força, sujeitando os seus dispositivos à posterior aprovação das Câmaras,

na Itália ou do Congresso Nacional, no Brasil, para conversão deles em lei, em

prazo certo de suas publicações, sob pena de serem ineficazes, se em tanto não

forem tempestivamente assim convertidos.

Esta ideia da origem principal da medida provisória brasileira na Constituição

italiana de 1948, não elimina o seu radical mediato que está nos demais sistemas

constitucionais do mundo.

Isto porque há outros parâmetros de identificação entre todos eles, quando se

socorrem do decreto-lei – a ineficácia da solução de problemas emergenciais que ao

Estado caiba resolver pela ação dos parlamentos, por exemplo, é um deles – a fim

de disciplinar em modo cautelar situações de perigo e de premência súbita que

enfrentam e esses comparativos se desdobram em outros pontos de contato, que os

aproximam, os quais estão no fazer da ação do Executivo legislar uma

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123

excepcionalidade absoluta e restrita a casos determinados pela urgência e

necessidade e como fazem quase todas as constituições analisadas neste trabalho.

Como se dá nos sistemas constitucionais atuais, italiano e brasileiro, nos

quais a faculdade para o Governo ou o Presidente da República legislar por medida

provisória está posto na discricionariedade de ambos. Não está o Governo nem o

Presidente da República, em um ou outro caso, obrigado a agir por via do

provimento provisório com força de lei ou por medida provisória, quando não veja

oportunidade e conveniência em assim fazer.

Contudo muito embora todos estejam limitados por semelhantes pressupostos

subjetivos, tais como requisitos de necessidade e urgência, na situação italiana ou

de relevância e urgência, na brasileira, que se corporificam em conceitos factuais e

jurídicos abertos e indeterminados, é inequívoco que a experiência mundial no uso

do instituto com similares em quase todas as constituições do Universo, contribui

para trazer a questão para um leito de inteligibilidade que hoje reduz a incerteza

desses conceitos.

Como diriam os romanos, nada de novo sob o sol.

O binômio de necessidade e de urgência é concomitante, um requisito sem o

outro não se realiza para concretizar a medida provisória. Assim, no Brasil, como na

Itália, em que mudam apenas as palavras para definir-se o senso que está no

pressuposto subjetivo para que os governos se valham desta legislação de exceção

e essencialmente cautelar, cujo prumo para ajuste está na juridicidade do princípio

universal da razoabilidade e da proporcionalidade.

Vê-se então que a discricionariedade da autoridade que legisla por medida

provisória está conotada com a discricionariedade administrativa que é limitada pela

lei, assim como a da medida provisória é limitada pela Constituição.

A medida provisória assim não é um ato decisionista porque ela não surge do

nada posto que inserida nos limites de um texto constitucional, sendo equívoco

relacioná-la como ato de uma ditadura do Executivo.

A propósito destaque-se:

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A “decisão” tomada na discricionariedade não é a mesma “decisão” da teoria decisionista. Na discricionariedade, a decisão é decisão é limitada pelo permissivo legal e pelos princípios constitucionais. Além disso, a norma jurídica permite e limita a discricionariedade. Já na teoria decisionista a atuação do legitimado é ilimitada, porquanto é ele quem cria a própria norma; a decisão não é autorizada pela norma anterior, pois sequer há norma neste momento. Assim, a natureza da norma emanada do desicionismo é fundante, no aspecto amplo da palavra. Ela não se reveste de norma constitucional, ela construirá a própria ordem constitucional; é, mesmo, o exercício do poder político.

(...).

A medida provisória apresenta outros aspectos de semelhança com a teoria decisionista, como a excepcionalidade da medida, e, ainda, a força de lei, própria de sua natureza. Contudo, ela não reflete as bases da teoria decisionista, já que a norma constitucional, a par de atribuir ao Presidente da República a competência para editar medidas provisórias, ainda limita a edição de tais medidas a algumas situações constitucionalmente previstas, restringindo desta forma, seu poder de decisão.

103

A medida provisória é um instituto constitucional e peculiar forma de

legislação no Estado Democrático de Direito.

103

SILVA, Frederico Silveira e. O decisionismo de Carl Schmitt e sua relação com a discrionariedade e a medida provisória. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 39, p. 36-43, out./dez. 2007.

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7 MEDIDA PROVISÓRIA, UM INSTITUTO JURÍDICO DETURPADO A

PERFAZER CONFRONTO ENTRE OS PODERES

Como se verifica, a medida provisória é um instituto que se integra ao sistema

constitucional de um Estado Democrático de Direito, congruente com suas

finalidades em ser um Estado pluralista fundado nos princípios fundamentais que

estruturam a Constituição da República Federativa do Brasil. A saber: a soberania, a

cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da

iniciativa privada, para assegurar a concretização dos direitos e garantias

fundamentais por ela constituídos. Nunca é demais repetir.

É um instituto parassimétrico à lei. Embora instrumento legislativo excepcional

à disposição do Poder Executivo, por força de especialíssima disposição

constitucional, não se confunde com ela.104

Não obstante é respeitoso do artigo 2º da Constituição Federal – São Poderes

da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o

Judiciário – na medida em que sua eficácia depende de ratificação, em certo prazo,

de seu mandado legal por aprovação do Poder Legislativo, que é quem o convola

em lei.

Mais que isto, o processo de sua conversão em lei subordina-se ao processo

legislativo ordinário. Com as peculiaridades de um rito a parte, porém, não

essencialmente distinto que desse primeiro deriva, como já visto e em que há de

excepcional com relação a esse, principalmente um juízo preliminar e prejudicial

quanto à ocorrência dos pressupostos fundamentais de habilitação formal da medida

provisória e sujeição a prazos de tramitação mais exíguos. Além de submeter-se a

outros procedimentos especiais como se viu pela Resolução nº 1, de 2002, do

Congresso Nacional.

É fundado constitucionalmente e consubstancia ato complexo que integra o

Poder Legislativo e o Executivo, tendo em conta que o Presidente da República

participa de sua consumação pelos institutos do veto ou da sanção e da

104

Pontes de Miranda é quem a chama de lei sob condição resolutiva. Por tudo o que se viu, no entanto, equivocadamente (MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 926).

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promulgação, indiscutivelmente, como já demonstrado, tal como se dá com o

processo legislativo ordinário.

Conforma-se, assim, com os parâmetros de validade legislativa próprios do

Estado Democrático de Direito. Inova a ordem jurídica por expressa disposição

constitucional sob condição resolutiva da confirmação do ato de sua edição pelo

Presidente da República, por via do Congresso Nacional, a posteriori. Sem embargo

da relação visceral entre o processo legislativo ordinário e o processo legislativo de

conversão em lei da medida provisória.105

Submete-se, assim, ao princípio da soberania popular – de que o princípio da

autenticidade da representação é originário – que é princípio vertical da ordem

constitucional vigente nos termos do Parágrafo único, do artigo 1º, da Constituição

de 1988: Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Emana a medida provisória de ato de representação democrática e popular

legítima.

Atende exigências fundamentais de validade que estão postas na outorga

legislativa por dispositivo constitucional ao Presidente da República e é compatível

com o princípio da separação de poderes, que a Constituição consagra.

Em certos momentos na forma como vem sendo instrumentalizada pelo Poder

Executivo, no Brasil, a medida provisória destaca pontos de incongruência com o

sistema apresentado, que este tópico intenta identificar.

105

Neste ponto cabe insistir na diferença entre o processo de produção da medida provisória, ao qual, como se viu, José Afonso da Silva chama de procedimento elaborativo, conforme nota 57 deste trabalho, do processo de conversão de medida provisória em lei, propriamente dito, que é uma variante do processo legislativo ordinário. Enquanto o primeiro se consuma com o ato do Presidente da República que o edita, seguido de sua publicação no Diário Oficial e da remessa da medida provisória ao Poder Legislativo, em que dá início ao processo legislativo de conversão da medida provisória em lei, esse último tramita pelo Congresso Nacional. Passível de sujeição a todos os trâmites do processo legislativo ordinário. Não obstante, como se demonstrou e já se viu, insiste-se, sujeito a um juízo de prelibação. Para conferência dos pressupostos de habilitação da medida provisória. Curso acelerado e possibilidade de travamento da agenda de votação e subordinação a outras peculiaridades procedimentais já vistas, que podem fazer do processo de conversão da medida provisória em lei, um processo especial e distinto, embora derivado do processo legislativo ordinário, do qual resulta sem estar sujeito a parâmetros absolutamente em tudo idênticos, porém, em certos pontos coincidentes fundamentalmente. Roga-se conferir Capítulo 3.

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Visa-se com ele, analisar este processo de incompatibilidade do uso que se

dá à medida provisória de forma deturpada que a põe em confronto com o sistema

da Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 e que

por desrespeitar o princípio da separação dos poderes coloca o Poder Executivo em

confronto com o Poder Legislativo.

7.1 O Núcleo da Teoria de Montesquieu

José Alfredo de Oliveira Baracho106 diz que a expressão separação de

poderes, que muitos consideram equívoca, é causa de grande confusão na ciência

constitucional moderna.

A rigidez e inflexibilidade com que muitos a enfocam, segundo ele, nunca foi

do próprio Montesquieu.

Aliás, sustentando-se em Duguít, o saudoso constitucionalista narra que nem

no Esprit des Lois ou no Two Treatises on Governement, o primeiro como se sabe

de Montesquieu e o segundo, de autoria de Locke, houve intenção de fazer uma

teoria jurídica. Mas somente o desejo de mostrar de que maneira a Constituição

inglesa, pela distribuição de funções e certa colaboração de órgãos, poderia garantir

a liberdade.

Luís Pinto Ferreira107 – da mesma forma que expõe Baracho – disserta que o

termo separação de poderes derivou do uso equívoco, que lhe deu a Constituição

francesa de 1791. Informa que Munro e Schmitt propuseram para separação de

poderes o nome equivalente de distinção de poderes.

Quanto a estes aspectos Baracho afirma:

A expressão “separação de poderes” não foi empregada uma vez sequer por Montesquieu, nem entendeu que os órgãos investidos das três funções do Estado seriam representantes do soberano, acometidos de uma parte de soberania, absolutamente. Não está em Montesquieu qualquer explicação que leve ao entendimento de que uma teoria da separação de poderes implica separação absoluta dos órgãos que exercem a função executiva e a

106

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 27, 1984.

107FERREIRA, Luís Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. Tomo II, p. 116.

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legislativa. Entendia que devia existir uma ação contínua dos dois poderes um sobre o outro, uma verdadeira colaboração. Explicando o que se passava na Inglaterra, esclarecia que o Executivo participa na legislação, sendo que o legislativo exerce um controle contínuo sobre o Executivo, e que aquele sistema repousa em uma colaboração constante e íntima dos poderes.

108

De seu bordo Luís Pinto Ferreira109, referindo-se a Carl Schmitt, quando este

propõe o nome de distinção de poderes ao invés de separação acrescenta:

Com efeito, comenta êste último constitucionalista, separação significa um isolamento completo, que serve tão-só como ponto de partida da ulterior organização, e depois, nas regulamentações posteriores, consente, sem embargo, em algumas vinculações. Já uma divisão significa pròpriamente uma distinção no seio de um dos vários poderes, por exemplo, a divisão do poder legislativo em duas câmaras, ambas expressões se incluindo na catalogação genérica de distinção de podêres.

Interessante trazer à pesquisa observação de Dalmo de Abreu Dallari110:

O ponto obscuro da teoria de Montesquieu é a indicação das atribuições de cada um dos poderes. Com efeito, ao lado do poder legislativo coloca um poder executivo “das coisas que dependem do direito das gentes” e outro poder executivo “das que dependem do direito civil”. Entretanto, ao explicar com mais minúcias as atribuições deste último, que por ele o Estado “pune os crimes e julga as querelas dos indivíduos”. E acrescenta: “chamaremos a este último o poder de julgar e, o outro, simplesmente o poder executivo do Estado”. O que se verifica é que Montesquieu, já adotando a orientação que seria consagrada pelo liberalismo, não dá ao Estado qualquer atribuição interna, a não ser o poder de julgar e punir. Assim, as leis, elaboradas pelo legislativo, deveriam ser cumpridas pelos indivíduos, e só haveria interferência do executivo para punir quem não as cumprisse.

Como é óbvio, dando atribuições tão restritas ao Estado, Montesquieu não estaria preocupado em assegurar-lhe a eficiência, parecendo-lhe mais importante a separação tripartida dos poderes para garantia da liberdade individual.

Consequentemente o cerne da teoria de Montesquieu não pode ser a da

separação absoluta de Poderes a ponto que se diga que o Poder Executivo não

possa legislar e nem que o Poder Legislativo não possa julgar ou o Judiciário não

possa administrar. Como ocorre pela ordem, no caso da medida provisória, com o

Executivo, no caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, com o Legislativo e

108

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 29.

109FERREIRA, Luís Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. Tomo II, p. 117.

110DALLARI, Dalmo Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 219.

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das atividades das administrações judiciárias peculiares ao trato do funcionamento

dos Tribunais, de seus fluxos e dos pessoais, com o Judiciário.

O núcleo da teoria de Montesquieu é uma preocupação em distribuir as

funções do Poder, em prol da Liberdade, como decorre do célebre capítulo VI, de

seu Livro Décimo Primeiro, já referido e citado exatamente na parte que abaixo se

vai repeti-lo:

Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz poderia ter a força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.

Entretanto, a argúcia de Clèmerson Merlin Clève é absolutamente adequada

para a compreensão deste tópico:

Ora, no mundo de hoje, o homem necessita preocupar-se com o Estado. Também deve-se precaver contra os grupos, porque, em face deles, mais uma vez a liberdade corre perigo.

É preciso limitar o Estado: mas é preciso verificar que nem ele, nem a sociedade, hoje, correspondem às coordenadas oferecidas pelos séculos XVIII e XIX. Por isso, igualmente, é necessária a atuação do Estado para quebrar o domínio dos grupos e corporações.

Se, neste ponto da história, o princípio rígido e dogmaticamente interpretado da separação dos poderes não funciona, é preciso lembrar que ele, enquanto idéia racionalizadora do aparato estatal ou enquanto técnica de organização do poder para a garantia das liberdades, não pode ser esquecido, nem se encontra superado.

Montesquieu, na verdade, para sua época, criou um sistema de equilíbrio do poder (que não corresponde necessariamente a um sistema de equilíbrio entre os poderes), oferecendo as bases para a constituição de um Governo misto, moderado pela ação das forças sociais que dinamizam o tecido societário.

A missão dos juristas, hoje, é a de adaptar a idéia de Montesquieu à realidade constitucional de nosso tempo. Nesse sentido, cumpre aparelhar o Executivo, sim, para que ele possa, afinal, responder às crescentes e exigentes demanda sociais. Mas, cumpre, por outro lado, aprimorar os mecanismos de controle de sua ação, para o fim de torná-los (os tais mecanismos) mais seguros e eficazes.

111

111

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 41-42.

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130

7.2 A Flexibilidade do Sistema de Separação do Poder

Fica evidente que à luz da melhor doutrina, a divisão de Poder entre

Legislativo, Executivo e Judiciário, não pode ser questão dogmática, assim sendo,

impossível de ser tratada com parâmetros de radicalismo e de rigor teórico.

Vicente Ráo112, em matéria já abordada neste trabalho, conforme nota 76,

trouxe à colação manifestação de Castro Nunes a respeito do assunto em que

realça a conclusão desse conspícuo jurista, a respeito da flexibilidade do sistema de

separação de Poder:

Devo dizer que, apesar de minhas idéias conhecidas acêrca da orgânica do Estado, cujo reajustamento às transformações profundas da vida contemporânea estará exigindo, sob vários aspectos, o abandono de certos padrões clássicos, que envelheceram e já não correspondem aos ensejos e necessidades práticas do presente, sou dos que não fazem côro com os críticos negativistas do velho dogma liberal, esquecidos de que sem êle não seria possível conhecer, sequer, o Estado na teoria constitucional ou no plano das garantias políticas ou judiciárias. “O que é preciso, entretanto, é não perder de vista o sentido filosófico do princípio, que é, na realidade, o ponto de partida de qualquer construção política que se pretenda realizar sem sair daquelas coordenadas, mas comportando maior plasticidade, no interesse superior do bem público” (Conferência realizada na Fundação Getúlio Vargas. Revista Forense, v. 137, p. 5 et seqs.).

A queda de um dogma é título em obra de Paulo Bonavides113, Do Estado

Liberal ao Estado Social, em que o festejado constitucionalista sustenta o ocaso da

separação de poderes – vista na trilogia radical Legislativo, Executivo e Judiciário –

em face de novos modos de equilíbrio de Poderes e acomodação de interesses para

instituir, delimitar e garantir direitos.

Para ele, em nossos dias o princípio não oferece o fascínio das primeiras

idades do constitucionalismo ocidental.114

Raymond Aron115 empalma entendimento claro, conotando a ideia de

Montesquieu ao equilíbrio de poderes sociais como condição da liberdade e não

como um arcabouço jurídico.

112

RÁO, Vicente. As delegações legislativas no parlamentarismo e no presidencialismo. São Paulo: Max Limonad, 1966. v. 1, p. 34-35.

113BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 51.

114Ibid.

115Ibid., p. 49.

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O fulcro da questão está posto na busca de um sistema de distribuição e

controle do exercício do poder político, para garantia da Liberdade e da eficácia e

efetividade dos direitos fundamentais, visão que encontra respaldo em Karl

Loewenstein.116

Necessariamente não é de se dizer que a máxima escolar de que o

Legislativo faz leis, o Executivo governa e o Judiciário julga, seja a expressão de

maior plasticidade para a teoria de Montesquieu.

Outras modalidades de distribuição de Poder – haja vista que a teoria de

Montesquieu existe por que e para que se tenha Liberdade – são possíveis (embora

possam não ser absolutamente ideais), de serem conformadas sob suas luzes e que

não seja uma rigorosa distribuição dele entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

Logo, é insofismável a flexibilidade das formas em que pode ocorrer a

separação do Poder a partir dos estudos de Montesquieu e John Locke.

Destaca-se em Luiz Pinto Ferreira117:

As tendências mais recentes do constitucionalismo democrático e socialista, após a segunda guerra mundial de 1939-1945, vigentes nas novíssimas Constituições européias e asiáticas, assim como os novos rumos da democracia política norte-americana, procuram um equilíbrio pragmático entre os poderes executivo e legislativo, colimando agora a estruturação de um executivo forte, porém, legalizado e constitucional.

7.3 Novas Combinações para as Funções em que se Distribuem os

Encargos do Poder

Benjamin Constant118 anteviu quatro poderes. Propôs a criação de um poder

neutro acima dos demais poderes estatais cuja função seria suavizar e decidir

conflitos entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

116

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 47.

117FERREIRA, Luiz Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. Tomo II, p. 121.

118Ibid., p. 119.

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132

Manoel Gonçalves Ferreira Filho119 e Marco Aurélio Sampaio120 enfocam a

tripartição do poder, proposta por Karl Loewenstein, “policy determination”, “policy

execution” e “policy control”.

O primeiro, como diz, grosso modo, identifica a policy determination e a policy

execution com as funções governamental e administrativas referidas por Burdeau121,

colocando a policy control como o pêndulo do regime constitucional posto que ela

seria o ponto de equilíbrio entre o planejamento a execução entre a policy

determination e a policy execution.

Ferreira Filho entende que o policy control estaria posto no controle político,

que é o controle pelo parlamento e no controle formal, em que atuaria o Judiciário e

conclui:

Essa nova tripartição das funções abre, talvez, caminho para uma revisão da organização política ocidental, tarefa ingente e urgente. Todavia, do ponto de vista científico, deve-se reconhecer que função de controle, na medida em que é verificação da concordância de um ato com outro superior, tem natureza administrativa (de acordo com a terminologia de Burdeau).

122

119

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.

120SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

121É científica, é exata, a classificação das funções do Estado subjacente à doutrina da “separação de poderes”? A esse propósito, longo tem sido o debate que não parece próximo de terminar. Observe-se, contudo, que é duvidoso que Montesquieu tenha, no célebre capítulo “Da Constituição da Inglaterra”, buscado fazer ciência. Bem mais preocupado parece estar ele em pregar um governo moderado pela divisão e repartição do poder, valorizando a lição por atribuí-la ao país na moda, do que em expor rigorosamente a realidade constitucional britânica de seu tempo. Na verdade, em meados do século XVIII, na época em que Montesquieu escreveu sua obra, não mais havia na Grã-Bretanha a “separação” nos termos em que a descreve, pois o parlamentarismo – que elimina a independência do Executivo em relação ao Legislativo – já a esse tempo se praticava naquele país. Em realidade, essa tripartição não tem o rigor necessário para ser acatada como científica. De fato, é fácil mostrar que as funções administrativa e jurisdicional têm no fundo a mesma essência, que é a aplicação da lei a casos particulares. A distinção entre ambas pode estar no “modo”, no acidental, portanto, já que substancialmente não existe. Por outro lado, a função legislativa não esgota a edição de regras gerais e impessoais. Tradicionalmente inclui-se na função administrativa o estabelecimento de regulamentos, cujo conteúdo são também regras gerais e impessoais. Cientificamente, parece preferível a classificação de Burdeau (v. Traité, v. 4, n. 186): função “governamental” – consiste em introduzir por primeira vez uma questão no domínio do Direito (manifestação de poder só condicionado pela Constituição) e função „administrativa‟ – (consistente em tomar decisões subordinadas em relação àquela). Essa classificação, como se vê, repousa no grau de intensidade do poder estatal manifestado (FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 134-135).

122Ibid., p. 137.

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Marco Aurélio Sampaio123 sobre Karl Loewenstien aduz:

A idéia de revisão necessária da separação de poderes, em vista da convivência entre sua eficiência e seu equilíbrio, é já discutida há certo tempo. Nesse sentido, por exemplo, Loewenstien mencionava a visão de existência de poderes diversos dos que os nominados por Montesquieu, fazendo alusão às seguintes atividades: “policy determination”, referente à maior parte das escolas que faz a comunidade, tanto no tocante às necessidades imediatas do governo, como às pertencentes a um futuro remoto; “policy execution”, como instrumento para implementação das decisões políticas, o que por vezes englobaria também a atividade judicial; e, por fim, “policy control”, ponto crucial da nova tripartição proposta, que atenderia às necessidades de controle do poder.

Refere-se, ainda, a George Tsebelis, de quem cita:

Veto Players são atores coletivos ou individuais cuja concordância é necessária para a mudança do status quo. Daí decorre que uma mudança no status quo exige uma decisão unânime de todos os veto players. A constituição de um país pode conceder o status de veto player a diferentes atores individuais ou coletivos. Se são eles assim gerados, são chamados institutional veto players. (...) se são gerados pelo jogo político, são chamados partisan veto players. Por exemplo, pode ocorrer que dentro da Casa dos Representantes, diferentes maiorias se façam possíveis, significando que a Casa não pode ser reduzida a um veto player.

Dá a ideia que o sistema de veto player seria inspirado na doutrina do cheks

and balances e seria composto por agentes com capacidade de interagirem para a

definição de uma política de governo por dinâmica política peculiar com a conclusão

de que:

Duas observações devem ser feitas: a primeira é atinente à lógica do

raciocínio que se acabou de traçar, nada tendo mesmo de muito novo. É a mesma

ideia difundida da separação de poderes. A segunda observação diz com a

possibilidade de, olhando-se e analisando-se a realidade do jogo político atual,

atualizar-se a separação dos poderes, incluindo, expressamente, nos controles do

poder, instrumentos que já existem no cenário jurídico-político, mas apenas ficam à

margem de uma linguagem teórica de séculos atrás, sem prejuízo de criação de

novas instâncias de veto players. Podem-se, aqui, mencionar o Ministério Público e

o Tribunal de Contas.

123

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 37.

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134

Em sua obra já referida, “A medida provisória no presidencialismo brasileiro”,

2007, São Paulo, item 4.3.1: A origem da expressão “presidencialismo de coalizão”,

remete a Sérgio Henrique Abrantes.124

Esse autor à época da Assembléia Nacional Constituinte, propondo uma

“combinação de multipartidarismo, proporcionalidade e presidencialismo imperial,

com separação de poderes entre legislativo e executivo”, organizando-se o

ministério em “amplas coalizões”, deu a este sistema de governo o nome de

“presidencialismo de coalizão”.125

Marco Aurélio Sampaio126 explica que o “presidencialismo de coalizão exigiria

um mecanismo de arbitragem adicional aos já existentes, para dirimir conflitos entre

legislativo e executivo”.127

Sintetiza.

Em resumo, a lógica do raciocínio que se construía: a sociedade brasileira, apresentando alto pluralismo, faria com que as instituições políticas fossem preenchidas pelo chamado “pluralismo e valores”. Neste sentido, a hegemonia do executivo (que se organizava, em tese, em independência total do legislativo, caracterizado este pela própria pluralidade proporcional), dispensaria, na sobrevivência própria, qualquer forma de legitimação continuada. Entretanto, para fins de manutenção da governabilidade e também com vistas à própria manutenção da legitimidade, o executivo deveria montar o seu gabinete ministerial a partir de coalizões partidárias (buscadas dentro das proporções apresentadas pelo Congresso Nacional) e estaduais, a partir de apoio dos governadores. Dever-se-ia aperfeiçoar a forma de representação política, ampliando-se os espaços para que a pluralidade de valores mencionada fosse a mais completa possível. Somente assim coalizão governamental retrataria uma coalizão, em verdade, dos valores sociais, dando eficácia e estabilidade ao planejamento do Estado.

128

Esta situação de fato, como se sabe, não foi objeto de constitucionalização

pela Constituição de 5 de outubro de 1988.

Todavia, é importante destacar sua conclusão:

124

SAMPAIO, MARCO AURÉLIO. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2007.

125 Ibid., p. 124.

126 Ibid., p. 125.

127 Ibid., p. 125.

128 Ibid., p. 125.

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135

Fica claro, da análise do texto de Abranches, que se trata da percepção ainda incompleta e por vezes genérica do momento político então vivido pelo Brasil. Isso não lhe retira, porém, a importância, seja pelo pioneirismo, seja pelo fato de que o discurso comum, segundo o qual o parlamentarismo seria panacéia, é afastado com veemência, afirmando-se tradições políticas e institucionais próprias de nosso país. Em outras palavras, antes de propor mudanças radicais, o autor chamava a atenção para as menos traumáticas e também possíveis, durante a formação de nova constituição, sem que se fizesse ruptura drástica com elementos por ele identificados como tradições republicanas.

Não interessa a este estudo, registre-se, dizer acertados todos entendimentos assumidos pelo autor em tela, mas apenas frisar o seu caráter de primeira análise do presidencialismo brasileiro dentro de sua função de retratar a diversidade social, o que lhe exige disposição à coalizão. Nesse sentido, diagnostica-se o problema corretamente é, sem dúvida, o primeiro passo para que se possa solucioná-lo de modo eficaz. Esta foi, certamente, a tentativa do texto de Abranches.

O que deve ficar para a análise que segue não é o todo em que foi concebida a idéia do “presidencialismo de coalizão”, mas fatores específicos como a dificuldade de formulação e implementação de agenda política, bem como a clareza de tal raciocínio a partir de estudo empírico do uso de instrumentos próprios à disposição dos atores políticos, “em momento posterior ao texto em discussão, já que dentro do novo cenário constitucional”. Dentre tais instrumentos, um dos mais importantes é a medida provisória. Aí, portanto, é que se dá a ligação entre a teoria do “presidencialismo de coalizão” e a edição de medida provisória como ato de governo.

129

Sérgio Rezende de Barros130, por sua vez entende que o sistema de governo

no Brasil seja o presidentismo, observando:

Tem recebido acolhida o termo “presidentismo”, que cunhei, para designar a degeneração do presidencialismo, no Brasil, pelo excesso de poder concentrado nas mãos do Presidente da República. Em verdade, não temos presidencialismo, mas sim presidentismo, pois – em virtude do exagero de poderes inseridos na competência do Executivo – não temos um “presidente da república”, mas uma “república do presidente”. Essa é uma das causas dos males que afligem o Estado brasileiro, repercutindo não só nas relações entre o Legislativo d o Executivo, mas envolvendo até o Judiciário.

7.4 O Que É e Qual a Razão de Ser para a Divisão do Poder

José Joaquim Gomes Canotilho sustenta que o padrão básico “subjacente às

articulações organizatórias dos estados constitucionais democráticos é o padrão da

divisão e separação de poderes”.

129

SAMPAIO, Marco Aurélio. A medida provisória no presidencialismo brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2007. p. 126.

130BARROS, Sérgio Resende de. Medidas Provisórias? Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, p. 67-82, jun. 2000.

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136

Noticia que John Locke e Montesquieu tiveram a argúcia de identificá-lo a

partir de níveis de articulação de funções, instituições e estamentos:

(1) nível funcional com a distinção das funções fundamentais do poder político: legislação, aplicação/execução das normas, jurisdição; (2) nível institucional centrado nos órgãos do poder: parlamento, governo, administração, tribunais; (3) nível sócio-estrutural, onde o poder surge associado a grupos sociais, confissões religiosas, corporações, cidades.

131

Sintetiza que inobstante algumas diferenças de enfoque, confluem os autores

enfocados na essência para a necessidade de distribuição das funções do Poder

entre órgãos autônomos, pelo menos no âmbito de sua divisão horizontal.132

Aponta o constitucionalista português que a separação e a interdependência

dos órgãos de soberania destinam-se a garantir a liberdade e por consequência a

eficácia e efetividade da Constituição, estabelecendo esquemas de controle de

atividade e responsabilidade para os ramos em que as funções operacionais dividem

o Poder.133

Jorge Miranda reforça:

IV – O princípio da separação dos poderes vai, pois, permanecer como princípio de organização óptima das funções estatais, de estrutura orgânica funcionalmente adequada, de legitimação para a decisão e de responsabilidade pela decisão. Daí uma dimensão positiva, a par de uma dimensão negativa, de controlo e limitação de poder. E, consequentemente, reconhece-se a necessidade de um núcleo essencial de competência de cada órgão, apurado a partir da adequação da sua estrutura ao tipo ou à natureza de competência de que se trata.

134

Nas ideias de legitimação, de limite e de responsabilidade repousa, por

conseguinte, a razão do princípio da separação do Poder.

131

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 579.

132Como ele próprio explica: “Tal como Locke, a doutrina da divisão de poderes de Montesqueu (1689-1755) distingue, a nível funcional, vários poderes, mas opta por uma divisão tripartida: legislativo, executivo e judicial. A nível institucional distingue entre Parlamento, Governo e Tribunais. No plano socio-estrutual, Montesquieu refere a Coroa, o clero e nobreza e o povo („le peuple‟). As principais diferenças em relação ao modelo de John Locke residem no seguinte: (1) autonomização do poder judiciário; (2) inclusão dos poderes federativo e prerrogativo no âmbito do executivo” (Ibid., p. 581).

133Ibid., p. 889.

134MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo III, p. 385.

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137

Saber qual é o leito de curso de um poder do Estado, no que está

propriamente o limite de sua atuação posta pela Lei, traduz-se em identificar a

fronteira de sua ação, em face dos demais ramos do Poder. Para cobrar-lhe o

resultado de sua ação ou inação.

Isto é o que propicia o controle do poder, em que como observa Manoel

Gonçalves Ferreira Filho135, repousa a democracia e a salvaguarda da liberdade

individual.136

Como já denotava Montesquieu137:

A liberdade política, em um cidadão, é esta tranqüilidade de espírito que provém da opinião que cada um tem sobre a sua segurança; e para que se tenha esta liberdade é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão.

Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade; porque se pode temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado crie leis tirânicas para executá-las tiranicamente.

Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz poderia ter a força de um opressor.

Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares.

Se este é o leit motiv para a separação dos poderes sob o ponto de vista

ético, sob ponto de vista jurídico e político, ela se justifica como forma ideal de

compreensão da funcionalidade do aparelho estatal.

O critério de razoabilidade e proporcionalidade de sua conformação encontra

ponto de equilíbrio na articulação entre os poderes para operacionalização do

governo do Estado, em busca da governabilidade.138

135

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006.

136Nesse sentido, vale transcrever a advertência de Nuno Piçarra „A distinção entre função legislativa, função executiva e função judicial não surgiu originalmente marcada pela pretensão de compreender e descrever exaustivamente as funções do Estado, mas com um intuito claramente prescritivo e garantístico: a separação orgânico-pessoal daquelas funções era imposta em nome da liberdade e da segurança individuais‟. Conforme ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 314.

137MONTESQUIEU. O espírito das leis. Tradução de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 168.

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138

Como diz José Joaquim Gomes Canotilho deve existir articulação entre

funções do Poder. Isto significa que os Poderes devem engrenar-se de forma a

operar conjuntamente sem incongruências em seu sistema de ação.

A articulação só se faz quando há integração de ação funcional entre os

Poderes, que operam como partes autônomas, porém, integradas em um só todo,

que funciona em concerto harmônico sem dissonâncias139.

E é exatamente na harmonia ocorrente na articulação entre os Poderes que

está posta a proibição de excesso na engrenagem deles, que se encontra no abuso

de função que faz preponderar um poder sobre o outro na movimentação da

máquina estatal, desequilibrando o concerto que deve ser exprimido na conjunta

ação deles.

A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados.

140

138

„Governabilidade‟, como tem sido dito e repetido pelos analistas, é um conceito de definição bastante imprecisa. Por maximizar a eficiência decisória da máquina administrativa do Estado, ele mantém uma inevitável tensão com a democracia, cujo exercício, a partir da igualdade política, permite a expressão de interesses múltiplos e conflitantes. „Governabilidade‟ também é um conceito fortemente carregado de implicações ideológicas. Em termos conceituais, a noção de governabilidade tem sido associada à incapacidade de um governo ou de uma estrutura de poder formular e de tomar decisões no momento oportuno, sob a forma de programas econômicos, políticas públicas e planos administrativos, e de implementá-las de modo efetivo, em face de uma crescente sobrecarga de expectativas, de problemas institucionais, e clivagens políticas, de conflitos sociais e de demandas econômicas; nesse sentido, um sistema político se tornaria „ingovernável‟ quando não conseguisse mais confirmar essas expectativas, filtrar, selecionar e dar uma respostas a essas demandas, solucionar esses problemas, neutralizar essas clivagens e dirimir esses conflitos de maneira eficaz e coerente – mesmo expandindo seus serviços, suas estruturas burocráticas e seus instrumentos de intervenção, em nome do aumento de sua capacidade de direção, coordenação, filtragem, seleção e desempenho (FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 117).

139O que importa verificar, inicialmente, na construção de Montesquieu, é o fato de que não cogita de uma efetiva „separação de poderes‟, mas sim de uma distinção entre eles, que, não obstante, devem atuar em clima de equilíbrio. Isso fica bastante nítido na análise de outro trecho de sua obra: „Eis, assim, a constituição fundamental do governo de que falamos. O corpo legislativo sendo composto de duas partes, uma paralisará a outra por sua mútua faculdade de impedir. Todas as duas serão paralisadas pelo Poder Executivo, que o será, por sua vez, pelo Poder Legislativo. Estes três poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, eles são obrigados a caminhar de acordo (1973/161) (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 230).

140 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 114.

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139

Neste conceito, os ramos do Poder são órgãos de um só corpo que se

consubstancia no Estado. O conceito de independência é apenas orgânico. Como se

cada poder fosse um órgão compondo como os outros um corpo tomado em sua

acepção de constituição animal, humana e metaforicamente.

Valendo-se de Clèmerson Merlin Clève141:

O que a doutrina liberal clássica pretende chamar de separação dos poderes, todavia, não poderia consistir numa estratégia de partição de algo, por natureza uno e indivisível. Tanto não poderia ser dividido que as primeiras Constituições procuraram conciliar o pensamento de Rousseau com aquele de Montesquieu. A separação de poderes corresponde a uma divisão de tarefas estatais de atividades entre distintos órgãos, e aí sim, autônomos órgãos assim denominados de poderes.

A esquematização de funções de Poder é uma questão mecânica que se

constitucionaliza, podendo mesmo ser institucionalizada por ensejos mesmo sociais

e tem assim conotação de meio e não acepção de fim, para fazer que o Poder que é

do povo, resulte em favor e benefício do povo.

O Poder é um sistema, em que os Poderes são sistemas interativos e

constitutivos dele, de que dependem e em que atuam em dinâmica permanente e

interdependente para fazê-lo mover-se pelo Estado.

Conclui-se com André Ramos Tavares142:

A doutrina da separação dos poderes serve atualmente como uma técnica de arranjo da estrutura política do Estado, implicando a distribuição por diversos órgãos de forma não exclusiva, permitindo o controle recíproco, tendo em vista a manutenção das garantias individuais consagradas no decorrer do desenvolvimento humano.

7.5 Sistema de Governo

Governo é o concerto dos órgãos e Poderes do Estado. Consubstancia ideia

e ação coordenadas para a eleição, execução e concretização de políticas públicas

pelo direcionamento e comando da dinâmica do aparelho do Estado, nos termos da

141

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 27.

142TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 1.027.

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ordem jurídica constituída a quem assegura e sob a qual atua para a garantia do

bem estar social.

Em sentido formal, é o conjunto de Poderes e órgãos constitucionais; em sentido material, é o complexo de funções estatais básicas; em sentido operacional, é a condução política dos negócios públicos. Na verdade, o Governo ora se identifica com os Poderes e órgãos supremos do Estado, ora se apresenta nas funções originárias desses Poderes e órgãos como manifestação da Soberania. A constante, porém, do Governo é a sua expressão política de comando, de iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica vigente. O Governo atua mediante atos de Soberania ou, pelos menos, de autonomia política na condução dos negócios públicos.

143

Bobbio, Matteucci, Pasquino, Gianfranco, informam:

Numa primeira aproximação e com base num dos significados que o termo tem na linguagem política corrente, pode-se definir Governo como o conjunto de pessoas que exercem o poder político e que determinam a orientação política de uma determinada sociedade. É preciso, porém, acrescentar que o poder de Governo, sendo habitualmente institucionalizado, sobretudo na sociedade moderna, está normalmente associado à noção de Estado. Por conseqüência, pela expressão „governantes‟ se entende o conjunto de pessoas que governam o Estado e pela de „governados‟, o grupo de pessoas que estão sujeitas ao poder de Governo na esfera estatal. Só em casos excepcionais, quando as instituições estão em crise, o Governo tem caráter carismático e sua eficácia depende do prestígio, do ascendente e das qualidades pessoais do chefe do Governo.

Existe uma segunda acepção do termo Governo mais próxima da realidade do Estado moderno, a qual não indica apenas o conjunto de pessoas que detêm o poder de Governo, mas o complexo dos órgãos que institucionalmente têm o exercício do poder. Neste sentido, o Governo constitui um aspecto de Estado. Na verdade, entre as instituições estatais que organizam a política da sociedade e que, em seu conjunto, constituem o que habitualmente é definido como regime político as que têm a missão de exprimir a orientação política do Estado são os órgãos do Governo.

O significado que a palavra Governo tem na língua italiana difere da que a palavra „government‟ tem nos países anglo-saxônicos. Com efeito, esta última significa, grosso modo, o que no continente europeu se designa com a expressão REGIME POLÍTICO (v.) e tem portanto uma acepção muito mais ampla do termo Governo, enquanto, para indicar o que nós entendemos com a palavra Governo, na língua inglesa se usam outros termos como „cabinet‟ na Grã-Bretanha e „administration‟ nos Estados Unidos.

Ainda que sob a influencia do uso anglo-saxônico, em muitos estudos políticos publicados na Europa continental tem sido, também, freqüentemente usada a noção amplo do termo Governo, parecendo oportuno reenviar, para este conceito, ao verbete REGIME POLÍTICO (v.) e definir o Governo na acepção mais limitada proposta antecedentemente, por estar mais de acordo com a linguagem corrente.

144

143

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 65. 144

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Universidade de Brasília, 1983. v. 1, p. 553.

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141

De Plácido e Silva145 dá o significado de que Governo pode ser Poder

Executivo.

Igualmente, nesta dissertação é este o sentido do fonema.

Os sistemas de governo são formas de governar, em torno dos quais se

relacionam os órgãos do Estado146 para a sua direção e condução, tendente a

realização de seus fins.147

Na verdade, é tradicional definir juridicamente um sistema de governo pela posição recíproca dos poderes e por suas relações no processo governamental. De fato, o que se chama juridicamente de sistema de governo nada mais é senão a marcha conjunta dos órgãos do Estado para atenderem aos fins deste, segundo as prescrições legais. Assim, o estudo dos sistemas de governo está para o direito como a dinâmica está para a física.

148

Os sistemas de governos em geral classificam-se por variados critérios.

José Joaquim Gomes Canotilho149 aponta cinco formas de governo a

estudar:

(I) Estrutura da forma de governo dualista monárquico-representativa; (II) Estrutura da forma de governo parlamentar; (III) Estrutura da forma de governo presidencial, (IV) Estrutura da forma de governo directorial, (V) Estrutura mista parlamentar – presidencial e conclui:

Alguns autores consideram redutora a alusão acrítica ao sistema presidencialista. Não há um regime ou sistema presidencialista. A matriz originária (a matriz presidencialista americana) sofre tantos desvios que o melhor será falar de “presidencialismos”. O presidencialismo latino-americano é o exemplo mais significativo.

Embora com especificidades nos vários estados latino-americanos, o sistema presidencialista destes estados acentua disfunções político-organizativas: (1) os amplos poderes do Presidente, ordinários e extraordinários, derivados do facto de o Presidente ser, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe do Governo, alicerçam uma confusão e concentração de poderes executivos e legislativos (ex.: as medidas provisórias no sistema presidencialista brasileiro); (2) esta confusão e concentração perturba o sistema de cheks and balances, o que conduz à insuficiência notória de controles institucionais (por parte, por ex., do parlamento ou do poder judiciário sobre os actos presidenciais). Daí a

145

SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 662. 146

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo III, p. 395. 147

FERREIRA, Luiz Pinto. Governo. Enciclopédia Saraiva de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977. v. 40, p. 27.

148FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 138.

149CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 582-592.

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142

designação deste presidencialismo como “cesarismo representativo” ou “centralismo presidencialista”.

150

Na primeira hipótese de classificação, Canotilho aponta o valor histórico da

forma de governo dualista monárquico-representativa; na segunda, fala do regime

parlamentar, que denomina regime parlamentar maioritário (abrangendo aí, o regime

monárquico e republicano), na terceira, trata do presidencialismo em que se orienta

pelo presidencialismo norte-americano, com destaque dentro do campo desta

qualificação para o presidencialismo latino-americano, na quarta, do diretorial, que é

o modelo da Federação Suíça, no quinto, das formas de governo semi-

presidencialista cujas características ordena, como seguem:

Iremos analisar desenvolvidamente o modelo português. Aqui basta a menção dos traços estruturais das formas de governo semipresidencialistas. São as seguintes: (1) dois órgãos (presidente da república e o parlamento) eleitos por sufrágio directo; (2) dupla responsabilidade do governo (gabinete) perante o presidente da república e perante o parlamento; (3) dissolução do parlamento por decisão e iniciativa autónomas do presidente da república (diferentemente do que existe quer no regime presidencial quer no regime parlamentar); (4) configuração do gabinete como órgão constitucional autônomo (diversamente do regime presidencial e analogamente ao regime parlamentar); (5) presidente da república com poderes de direcção política próprios (à semelhança do regime presidencial, mas diversamente do regime parlamentar).

151

Manoel Gonçalves Ferreira Filho consta como sistema de governo o

presidencialismo, o parlamentarismo e o sistema diretorial.152

Aponta que o regime diretorial é o regime em que o vértice do Poder se

encontra posto na Assembléia, que é o órgão máximo de deliberação e governo.

Sendo o regime vigente na Suíça em que está o único exemplo indiscutível de sua

aplicação. Outrora vigente na antiga URSS.

O senso de Governo nesta hipótese está posto em Poder Executivo.

Destaca-se em Jorge Miranda, o seguinte:

I – No plano jurídico-constitucional, quando se pensa em sistema de governo têm-se em mente três grandes conceitos jurídicos (para além de outros menos relevantes que poderiam ser citados):

150

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 588.

151Ibid., p. 591.

152FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. P. 140-153.

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a) O da separação dos poderes, no sentido de especialização orgânico-funcional, paralelamente à fiscalização ou à colaboração dos vários órgãos para a prática de actos da mesma função;

b) O da dependência, independência ou interdependência dos órgãos quanto às condições de subsistência dos seus titulares ou quanto ao modo como certo órgão vem a projectar-se na composição concreta de outro órgão (o modo, por exemplo, como determinado órgão determina ou escolhe os titulares de outro órgão ou vem a determinar a cessação das suas funções);

c) Como conceito aí compreendido, mas que adquire autonomia, o conceito de responsabilidade política – de responsabilidade política de um órgão ou dos titulares de um órgão perante outro órgão.

153

Estes referenciais de especialização orgânico-funcional, de dependência,

independência ou interdependência e de responsabilidade política, são critérios

elementares suficientes a qualificar os sistemas de Poder, dependendo de como

varie o grau de intensidade deles no contexto das ações do Governo.

Disto resultam alguns pontos importantes para a compreensão dos sistemas

de governo postos como meios de movimentação da máquina do Poder.

As noções de limite e de responsabilidade de ação dos Poderes como

norteadores tanto da divisão funcional deles no âmbito do Estado como de sua

operacionalização, em nível de governo, para a consecução de seus fins.

O cerne da questão está em saber quem faz o quê e para quê e quem

responde e como responde pelo que fez e a quem, considerada a função de um

ramo do poder tripartido, posta no âmbito do Poder, sob a ótica de Montesquieu.

Assim de maneira pragmática os sistemas de governo podem ser

considerados bipartidos em parlamentarismo e presidencialismo, na visão exposta

por Araujo e Nunes Júnior154,

Em primeiro lugar, é oportuno lembrar que os regimes de governo não devem ser confundidos com as formas de governo.

As formas de governo dizem respeito à estruturação do Estado, vale dizer, aos pressupostos sociológicos e políticos que se voltam para a direção e a condução do Estado. Na atualidade, a moderna doutrina cogita exclusivamente de duas formas de governo: a Monarquia e a República. A primeira toma como base a vocação hereditária, atribuindo-se ao monarca, ao menos a chefia do Estado. A segunda tem como parâmetro a eletividade,

153

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo III, p. 396. 154

ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 319.

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a alternância de pessoas no poder, a responsabilidade dos governantes e a igualdade formal. Proíbem-se, por exemplo, privilégios em razão da nobreza.

Não é esse, porém, o objetivo de nosso estudo.

Cogitamos aqui regimes de governo, ou seja, o processo de gestão deste, quer dentro de uma estrutura estatal de Monarquia, quer de República. Os regimes de governo são, basicamente, bipartidos em parlamentarismo e presidencialismo.

Esta postura é coerente com as classificações de sistema ou regime de

governo, ou seja, classificações relativas ao processo de gestão dele, ordenadas

pelos autores antes citados, José Joaquim Gomes Canotilho e Manoel Gonçalves

Ferreira Filho.

É que estes destacam como mais usuais o sistema presidencialista e

parlamentarista de governo155 e sem dúvida, como se verá a seguir, os parâmetros

de conformação destes sistemas gravitam em torno dos três grandes conceitos

jurídicos que no plano jurídico constitucional se deve ter em mente ao considerar um

sistema de governo, na visão de Jorge Miranda.

155

Observa-se que em Canotilho os demais sistemas de governo são variações entre Presidencialismo e Parlamentarismo considerando-se ainda que a referência à estrutura de governo dualista monárquico-representativa é tão somente história, o que denota o desuso desta matriz. Já em Manuel Gonçalves Ferreira Filho, é ele quem diz da exclusividade suíça quanto ao uso do sistema diretorial. Por isso que neste trabalho é que se considera apenas o Presidencialismo e o Parlamentarismo. Porque seu objetivo é a realidade concreta da medida em que o instituto da medida provisória é um instrumento para o conflito entre os poderes. Já que as suas hipóteses de utilização no Brasil levariam em conta apenas estes dois sistemas, Parlamentarismo ou Presidencialismo. É sabido que foi à última hora que a Assembléia Nacional Constituinte lançou mão desse substituto do antigo decreto-lei, julgando poder impedir o seu abusivo emprego graças ao modelo inspirado pela Constituição Italiana. Assim teria ocorrido, provavelmente, se tivesse sido mantido o regime parlamentar que de início norteava os trabalhos constituintes, mas é também sabido que, sob a pressão conservadora do chamado-Centrão, aquele plano gorou, ficando indefinido nosso „sistema de poder‟, o qual deixou de ser parlamentar sem chegar a ser presidencialista, por não ter havido tempo para rever as atribuições originariamente conferidas ao Congresso Nacional, no pressuposto da implantação do parlamentarismo. Ora, a medida provisória é uma figura legislativa própria do regime parlamentar; compreendendo-se que ela seja outorgada ao Primeiro-Ministro, por ser este uma projeção das forças dominantes na Câmara dos Deputados, e merecer, por conseguinte, a sua confiança, havendo, por isso, tendência natural à sua aprovação dentro de curto prazo (REALE, Miguel. Subterrâneo da medida provisória. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. A2, 07 jul. 2001).

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145

7.6 Parlamentarismo

Aponta Paulo Bonavides156 que: “A forma parlamentar de governo é um

momento dialético na história das idéias, no compasso das instituições políticas.

Ninguém fez o parlamentarismo, como ninguém poderá fazer o rei da Inglaterra com

suas prerrogativas ou sem estas”.

A teoria do Parlamentarismo – a ver deste constitucionalista – esteia-se em

princípios, sem dúvida que se urdem na prática dos governos e criações

parlamentaristas do ponto de vista político157, mas, como complementa, citando

Burdeau, há a cristalização do governo parlamentar, em uma teoria jurídica.

Marca o Parlamentarismo em primeiro lugar, de acordo com esta opinião

abalizada do jurista cearense, com suporte em Boutmy, Duguit e Burdeau, o

princípio da igualdade do Poder Legislativo e do Poder Executivo, em seguida o

princípio da colaboração desses dois poderes, finalmente os meios de ação, que

cada um destes poderes desenvolve sobre o outro.

Entretanto, para ainda teorizar sobre o Parlamentarismo, no que chama de

sua arquitetura conceitual, destaca duas outras notas de identificação e sustentação

do instituto: (i) a dualidade executiva e (ii) o bicameralismo.

156

BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p. 71-75. 157

Conforme MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2004. Tomo I, p. 135-136: 40. O governo parlamentar britânico. I - O princípio fundamental da organização política britânica é o princípio da soberania ou supremacia do Parlamento. A ele se liga desde há 200 anos um sistema de governo parlamentar, na medida em que o Parlamento (referido agora apenas, no sentido corrente do termo, às duas Câmaras) é o centro da vida política, os Ministros respondem perante ele e as orientações políticas do País correspondem às da maioria (na Câmara dos Lordes, durante o século XVIII, e na Câmara dos Comuns, desde o século XIX). A revolução de 1688 não se traduzia, necessariamente, nem se traduziu logo na formação de um sistema com essas características essenciais. Para que isso acontecesse tiveram de ocorrer ainda três eventos decisivos: em primeiro lugar, o relevo assumido na primeira metade do século XVIII pelo Gabinete (que remontava a cerca de 100 anos antes, como grupo de individualidades mais influentes do Conselho Privativo, reunidas à margem deste para se ocuparem de questões políticas de maior vulto), tornado órgão autônomo de colaboração entre o Rei e o Parlamento; em segundo lugar, o subseqüente aparecimento da figura do Primeiro-Ministro, para, por seu turno, estabelecer a ligação do rei com o gabinete; e em terceiro lugar, mais tarde, a transformação da responsabilidade dos Ministros perante o Parlamento de criminal em política por, para evitar o impeachment, os Ministros preferiram-se demitir-se, quando objecto de votos desfavoráveis. Hoje, governo parlamentar na Grã-Bretanha significa sistema em que o Gabinete, o Governo, é emanação da Câmara dos Comuns, responde perante ela e depende da sua confiança para exercer o poder.

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146

Insiste que a igualdade do executivo e do legislativo é nota marcante na teoria

parlamentar. Não obstante identificar interdependência em alguns pontos de

relacionamento entre os dois poderes, no que aponta ser a igualdade deles,

Bonavides afirma a independência formal entre eles, sustentada factualmente na

existência de um Chefe de Estado, que dirige o Poder Executivo, distinto de um

Chefe de Governo, que operacionaliza a administração, responsável por seu destino

em face do Parlamento, ao contrário do Chefe de Estado que ante o Poder

Legislativo, por nada tem a responder.

Comenta que o Chefe de Governo forma o gabinete e aduz a dualidade

executiva, seccionada pelo critério da responsabilidade, que o Chefe de Estado não

tem em face do Parlamento e o Chefe de Governo tem em que estaria o ponto de

engrenagem158 entre os Poderes, para gestão do aparelho estatal, observando:

Dualidade executiva, sim, porque de um lado temos o Chefe de Estado,

simbolizando a unidade nacional, encarnando a solidariedade política e social no

Estado, e, do mesmo passo, afirmando com sua irresponsabilidade política, a

independência do executivo em face do legislativo, e, do outro lado, dentro dessa

mesma órbita executiva, o ministério responsável, o ministério como a segunda arma

do poder executivo, como seu complemento mais importante, como sua ramificação

política por excelência. Responde o gabinete perante o Parlamento e traduz, com

sua própria existência, a grande ênfase, a nota tônica da origem democrática do

poder, do funcionamento efetivo das instituições representativas.

Na outra nota com que retrata o instituto, este autor coloca o bicameralismo,

como ponto de equilíbrio entre os interesses diversos da maioria e da minoria.

158

Faltou dizer que os poderes se engrenam na medida em que o Gabinete ou o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Chefe de Estado. Conferir com Canotilho. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 583. A forma de governo parlamentar assume também várias expressões concretas, mas existem traços estruturantes que se podem sintetizar em três idéias: (1) „responsabilidade‟ do gabinete perante o parlamento; o gabinete ou o primeiro-ministro é nomeado pelo chefe de estado (rei ou presidente da república), mas deve, antes, obter a confiança do parlamento, havendo a obrigação de demitir-se no caso de aprovação de moções de censura ou de rejeição de votos de confiança; (2) „dissolução‟ do parlamento pelo chefe de estado, sob proposta do gabinete (do primeiro-ministro), ou seja, a dissolução é feita por decreto presidencial ou real (consoante se trate de república ou monarquia), mas trata-se de um acto de iniciativa do gabinete que assume a responsabilidade política do mesmo através da referenda (dissolução ministerial ou governamental); (3) eleição (no caso de se tratar de regime republicano) do presidente da república pelo parlamento, sem relevantes funções de direcção política mas com um estudo constitucional de „irresponsabilidade‟ política perante o mesmo.

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147

Na medida em que esta estrutura cria no interior do Poder Legislativo, um

contrapeso que harmoniza estas divergências, conciliando, na passagem dos temas

pelas duas câmaras, atritos e fricções ocasionais. Os quais não seriam coerentes

com as tendências de opinião públicas identificadas pelos critérios de constituição

dos blocos e estamentos, que os representariam no Parlamento.

Com acuidade destaca, no entanto, que a nota marcante do Parlamentarismo

está em seus meios de ação como sistema de governo, consistente no controle do

Parlamento sobre o Gabinete e consequentemente sobre o Ministério e a

possibilidade de sua dissolução, em que estaria a suprema virtude do regime, a

possibilitar a concretização do princípio constitucional da autenticidade da

representação, cada vez que cessado no Parlamento o equilíbrio de forças

necessário a direcionar e conduzir a gestão do gabinete.

Na busca permanente da ratificação eleitoral dos temas, estaria a virtude

fundamental do Parlamentarismo, na medida em que o voto e a aferição do voto

majoritário definiriam o critério para a gestão do Estado.

Em outra obra, Paulo Bonavides159 arremata:

No parlamentarismo os Poderes se aproximam e se coordenam para o desempenho da tarefa harmônica de governo, sem maior rivalidade ou ressentimento. De antemão já se sabe que quem governa é o ministério, sob a chefia responsável de um primeiro-ministro. E governa unicamente enquanto mantiver a confiança da maioria parlamentar. A conexidade política do governo com o Parlamento se faz tão íntima e estreita pelo instituto da responsabilidade ministerial que, embora distintos os dois Poderes, como determina a doutrina, não se acham separados por um fosso de hostilidades e ambições como no presidencialismo, mas antes predispostos a se moverem de par na unidade que a confiança majoritária lhes confere no Parlamento.

159

BONAVIDES, Paulo. Constituinte e Constituição. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 133.

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148

7.7 Presidencialismo

O regime presidencialista encontra origens na história norte-americana.160

Não é um processo definido em ato da prática política.

Também não foi cristalizado institucionalmente pelo confronto paulatino de

instituições sociais, como aconteceu com o Parlamentarismo em sua matriz inglesa.

É um complexo jurídico com finalidades políticas, para direcionar e conduzir o

Estado, que se estrutura em caráter pioneiro em molde de constituição escrita.

Assim o Presidencialismo é mais fácil de ser caracterizado do que o

Parlamentarismo apesar das variações de suas características institucionais básicas,

como já vistas que o podem conformar particularmente como um presidencialismo

latino-americano ou como um tipo híbrido de presidencialismo e parlamentarismo,

como é o considerado para o atual regime constitucional português.

Isto porque enquanto a conformação do Parlamentarismo encontra disciplina

em multiplicidades de leis – nas quais estão suas marcas características, de

individualização, principalmente postas na responsabilidade do Governo em face do

Parlamento e na possibilidade de dissolução assemblear em caso de impossível

configuração da maioria parlamentar necessária à formação do primeiro – o

Presidencialismo promana da literalidade da Constituição norte-americana.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho161 entende-o como criação racional e

consciente de uma assembléia constituinte, reunida na Convenção de Filadélfia,

conotando-o como versão republicana da monarquia limitada ou constitucional,

instaurada na Grã Bretanha pela Revolução de 1688. Com a peculiaridade de ter-se

colocado um cidadão no lugar do rei, eis que nobreza ou dinastia inexistia na

América e a cidadania era própria do súdito do novo Estado.

160

Parece ter sido Walter Bagehot que, no seu célebre livro „The English Constitution‟ (1867), se referia pela primeira vez à forma de governo dos Estados Unidos como „governo presidencial‟ (Presidential government) para a contrapor à forma de governo inglesa por ele designado de „governo de gabinete‟ (CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003. p. 585).

161FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 140.

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149

De fato, emerge o Presidencialismo de um regime de separação de poderes

em que a partir da Revolução de 1688, instituíra-se uma separação entre o

Gabinete, o Parlamento e a Coroa. Sem autonomizar, como já se viu o Judiciário.

Mas exprime-se sua feição diferentemente do complexo molde de Governo

inglês, por Executivo (destinado ao governo), por Legislativo artífice da lei, sem

dúvida que ademais dotado de poderes de fiscalização, controle e representação

(assim conformado de acordo com o núcleo característico da atividade parlamentar)

e por Judiciário dotado da prerrogativa de julgar. Todos eles organicamente

autônomos. Funcionalmente interdependentes.

Contudo embora constituído nestes termos formais, aperfeiçoou-se o sistema

presidencialista, na pratica, igualmente, como o sistema parlamentarista inglês.

Equilibrando-se os poderes entre si e limitando-se mutuamente.

De sorte a ajustarem-se entre si, cada um deles, um limitando o abuso de

ação do outro, em combinações de ações conjuntas ou corretivas de rumos de ação

abusiva entre eles, para o ordenamento orgânico deles.

Assim estes Poderes, de um para o outro ou de uns para outro ou ainda de

outros para um, em combinações possíveis que são as mais variadas, terminam

acomodados em sistema congruente e concatenado de operações que processam

para a consecução de seus fins.

Realizam as funções do Estado, em processo interdependente de ação,

compatibilização e concatenação de funções, não estanques, a que se denomina

checks and balances e que se equilibram pelo judicial review, instituto em que está a

prerrogativa funcional do Judiciário em harmonizar a ação dos poderes pela

jurisdição da Suprema Corte e pela acomodação da ação deles à Constituição. Para

contenção dos seus abusos de atuação que os podem confrontar, levando um deles

a preponderar sobre o outro, tolhendo-lhe a autonomia das funções e para ajustá-los

todos enquanto engrenagem do sistema de governo parametrizado pela ordem

constitucional.

É Jorge Miranda, quem o diz:

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150

O presidencialismo surgiu com a Constituição dos Estados Unidos e só aí tem sido verdadeiramente aplicado e funcionado eficaz e pacificamente. Para lá da influência dos doutrinários, alguns factores históricos explicam bem a sua instauração: a experiência colonial, com governadores nomeados pela Coroa britânica e assembléias electivas: a tendência natural para conceber o Presidente à imagem do Rei de Inglaterra (no século XVIII ainda exercendo a „prerrogativa‟); a vontade dos pais da Constituição de evitarem tanto o despotismo de um homem só como os vícios das assembléias soberanas.

Em dois séculos de história e apesar de da sua complexa realização – pois implica dois centros de poder, ao contrário do parlamentarismo – o sistema revelou-se adequado às necessidades e aos problemas. Mesmo nas ocasiões em que o partido do Presidente não tem disposto de maioria no Congresso, os conflitos entre Executivo e Legislativo têm sido vencidos sem crises institucionais, mercê da flexibilidade dos partidos americanos e da homogeneidade fundamental do meio político e social (a despeito da diversidade étnica e econômica).

Por certo aumentaram os poderes do Presidente (particularmente na área legislativa e na internacional); mas também os do Congresso noutros sentidos (assim, a importância adquirida pelas comissões senatoriais) e, desde 1951, o Presidente não pode ser eleito para terceiro mandato consecutivo. Numa perspectiva mais larga, dir-se-ia tudo se conduzir a uma constante redistribuição de poder, numa relação cíclica de maior ou menor ascendente de um ou outro órgão (e do Supremo Tribunal dos Estados Unidos).

162

Há um modelo de governo presidencialista e este modelo está no

presidencialismo norte-americano, que sem dúvida é peculiar. Mas dele é que se tira

a marca do sistema.

Assim, Araújo e Nunes Júnior, relacionam algumas características básicas do

Presidencialismo:

a) a chefia de governo e a chefia de Estado ficam concentradas nas mãos de uma única pessoa: Presidente da República;

b) o Presidente da República é eleito para mandato determinado, não respondendo, ordinariamente, perante o Poder Legislativo;

c) o Presidente da República possui ampla liberdade para a formação de seu ministério;

d) o Parlamento, de igual forma, não pode ser dissolvido por convocação de eleições gerais pelo Poder Executivo;

e) só é compatível com a República, sendo inviável em uma Monarquia.

162

MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2003. Tomo I, p. 154.

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151

Mas este rol – ainda considerado Jorge Miranda163 – exige complemento haja

vista que alguns contornos do sistema extraídos do presidencialismo norte-

americano podem compor as características gerais de um sistema presidencialista.

São eles:

– Parlamento bicameral, Poder Legislativo composto por Senado e pela

Câmara de Representantes, que formam o Congresso Nacional;

– independência recíproca dos titulares de cargos no Poder Executivo e no

Poder Legislativo, não podendo exercer cargo no Poder Executivo quem

exercer cargo no Poder Legislativo e vice-versa;

– impeachment ou sujeição do Presidente a responsabilidade criminal por

exclusiva deliberação do Congresso, por maioria qualificada de dois terços

de seus membros;

– interdependência funcional, com mútua colaboração e fiscalização – veto

presidencial das leis (somente superável por maioria de 2/3) e mensagens

do Presidente ao Congresso, por um lado, e autorizações e aprovações

relativas a nomeações para altos cargos, a tratados e a créditos

orçamentais, bem como comissões de crédito, por outro lado, do

Congresso para o Presidente da República;

– atribuição ao Presidente da República, sobretudo, de faculdade de

impulsão ou iniciativa do Governo (donde, os termos governo presidencial

ou presidencialismo) e ao Congresso de faculdades de deliberação (o

Presidente marca as grandes decisões do seu mandato, mas está sob a

constante vigilância e influência efetiva do Congresso).

Com tudo isto, para compreensão deste sistema de governo, ainda falta

destacar como característica do Presidencialismo a harmonização das funções

interdependentes do Poder pelo judicial review.

163

As características do presidencialismo que seguem no próximo parágrafo foram sintetizadas a partir de exposição de MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: Coimbra, 2003. Tomo I, p. 153.

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152

Enquanto este, no Presidencialismo possibilita o ponto de superação de

possíveis incongruências na operacionalização conjunta de todas as funções do

Poder para impulsionar o Estado.

7.8 Conceito de Conflito entre Poderes

A cláusula-parâmetro por excelência para a aplicação do princípio da separação de poderes, onde o princípio é constitucionalmente adotado como base de um sistema presidencialista, é, e ainda continua a ser, a cláusula da „independência e harmonia‟ entre os poderes. Isto significa dizer que, no desdobramento constitucional do esquema de poderes, haverá um mínimo e um máximo de independência de cada órgão de poder, sob pena de se desfigurar a separação, e haverá, também, um número mínimo e um máximo de instrumentos que favoreçam o exercício harmônico dos poderes, sob pena de, inexistindo limites, um poder se sobrepor ao outro poder, ao invés de, entre eles, se formar uma atuação “de concerto”.

164

Vê-se, então, que no considerado desdobramento constitucional do esquema

de poderes há determinantes intrínsecos da independência de cada órgão de Poder,

que estão postos em seus elementos constitutivos, dentre os quais avulta a

competência.

Também determinantes extrínsecos que são os que dependem dos

instrumentos deles distintos e que possam assegurar essa independência, enquanto

resultantes de ações que emanadas do campo de um Poder, promanam para o

campo do outro, para limitar-lhe o abuso.

No primeiro caso, o máximo de independência entre os Poderes está no

campo da atribuição das competências exclusivas dos Poderes. Naqueles atos cuja

prática é de competência exclusiva de cada um deles, por expressa outorga

constitucional.

Neste caso encontram-se os atos de competência exclusiva do Congresso

Nacional, os atos de competência privativa do Presidente da República, o exercício

da judicatura pelo Poder Judiciário ou a competência privativa dos tribunais, que se

inserem no espaço restrito da atuação de cada um dos Poderes, corporificando os

164

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 14.

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atos que não podem ser praticados pelo outro, mas apenas e exclusivamente por

aquele Poder a quem a Constituição atribuiu a prerrogativa de praticá-lo.

Estes atos se aperfeiçoam pela consumação de seu processo de composição

pela ação só e autônoma do Poder que o cria.

Dir-se-ia, então, que na prática dos atos de competência originária exprime-se

a independência dos Poderes em seu grau máximo.

Entretanto, há atos jurídicos que por força de disposição constitucional, um

Poder não é suficientemente apto a aperfeiçoá-los de maneira a dotá-los das

características de um ente acabado, sem o concurso de outro.

No processo de formação destes atos é que está identificado o grau mínimo

de independência de um Poder. Como, por exemplo, no processo legislativo, em que

atuam o Poder Legislativo e o Poder Executivo para configurar a lei.

Nos diversos procedimentos que compõem o processo legislativo, de

iniciativa parlamentar, o Poder Legislativo é suficiente isoladamente, para discutir e

votar a lei, enquanto o Poder Executivo é capacitado apenas para sancioná-la e

promulgá-la. Da atuação de ambos compõe-se o ato complexo que é o processo

legislativo, em que se faz a lei.

Pode-se então dizer que no campo em que o Poder Legislativo atua ao

produzir um procedimento do processo legislativo, ele age preservando para si um

grau mínimo de autonomia.

Como ainda observa Anna Cândida da Cunha Ferraz, a autonomia é a

liberdade do Poder, escolher os meios e o momento de atuar suas funções próprias,

como segue:

Ensina Ferreira Filho que a “separação de poderes” consiste em distinguir três funções estatais – legislação, administração e jurisdição

– e atribuí-las a três órgãos, ou grupo de órgãos que, reciprocamente autônomos, as exercerão com exclusividade, ou ao menos preponderantemente. Isto assim posto equivale a dizer que ao Poder Legislativo cabe legislar, senão exclusivamente, ao menos preponderantemente; ao Executivo administrar, se não com exclusividade, ao menos com preponderância, e ao Judiciário julgar, se não exclusivamente, ao menos preponderantemente. Mas também equivale a dizer que há, necessariamente, um núcleo de matérias próprias de cada poder, matérias afetas ao exercício exclusivo, independente e autônomo do

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poder considerado. Por outro lado, a “autonomia” recíproca entre os órgãos pressupõe que cada qual exerça sua função sem “vassalagem” ao outro poder, sem necessidade de pedir “autorização” para exercê-la. Vale dizer, cada “poder” tem liberdade para escolher os meios e o momento de atuar suas funções próprias; somente deste modo é possível concretizar o ideal preconizado por Montesquieu, de limitação do poder pelo poder.

165

No que tange aos instrumentos mínimos para favorecer o exercício harmônico

dos Poderes, em primeiro lugar, denote-se que:

São esses alguns exemplos apenas do mecanismo dos freios e contrapesos, caracterizador da harmonia, que não significa nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que, aliás, integra o mecanismo), para evitar distorções e desmandos.

166

Em segundo lugar, o instrumento máximo a favorecer o exercício harmônico

dos Poderes é o controle de constitucionalidade porque há necessidade da

intervenção de outro Poder, para restabelecer o equilíbrio entre os poderes

confrontados ou em conflito.

Assim, confira-se:

(...) Impossibilidade de reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória revogada. Tese contrária importaria violação do princípio da Separação de Poderes, na medida em que o Presidente da República passaria, com tais expedientes revocatório-reedicionais de medidas provisórias, a organizar e operacionalizar a pauta dos trabalhos legislativos. Pauta que se inscreve no âmbito do funcionamento da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e, por isso mesmo, matéria de competência privativa dessas duas Casas Legislativas (inciso IV do art. 51 e inciso XIII do art. 52, ambos da CF/88) (...) (ADI-MC 3.964/DF, Rel. Min. Carlos Britto, j. 12-12-2007, DJ,10-4-2008).

167

Citando José Afonso da Silva, Anna Cândida da Cunha Ferraz fornece o

conceito adequado para o confronto:

Tudo isto demonstra que os trabalhos do Legislativo e do Executivo, especialmente, mas também do Judiciário, só se desenvolverão a bom termo, se esses órgãos se subordinarem ao princípio da harmonia, que não significa „nem o domínio de um pelo outro nem a usurpação de atribuições‟, mas a verificação de que, entre eles, há de haver consciente colaboração e controle recíproco (que aliás integra o mecanismo), para evitar distorções e

165

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 40.

166SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 114-115.

167Conferir em MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 964.

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desmandos. A desarmonia, porém, se dá sempre que se acrescem as atribuições, faculdades e prerrogativas de um em detrimento de outro.

168

Como se verifica no excerto do aresto citado, o Presidente da República pelo

expediente de reedição de medidas provisórias acresceu às suas atribuições, em

detrimento do Poder Legislativo, faculdade que era prerrogativa deste último,

consistente em organizar e operacionalizar a pauta dos trabalhos legislativos, em

que estava a usurpação de funções conseqüente do confronto entre os Poderes.

Eis, aí, o conceito de confronto entre Poderes, um impasse entre eles que

resulta na sobreposição de um Poder confrontante sobre o outro confrontado. Com o

que se desnatura o princípio constitucional da separação do Poder.

A situação existe quando os Poderes põem-se em situação de desarmonia,

justapostos e inerte, o Poder subordinado em face do Poder subordinante e sem se

engrenarem no sistema de operacionalização do Poder, a não ser pela ação de um

mecanismo especial de acomodação entre eles, como é o controle de

constitucionalidade, por exemplo.

7.9 O Fulcro do Conflito entre Poderes Ocasionado pela Medida Provisória

no Brasil

O conflito é o desajuste funcional entre os Poderes e ele se identifica não

apenas com a indevida invasão de área de um Poder na do outro, mas,

substancialmente, quando há sobreposição de um Poder sobre o outro. Passando o

Poder subordinante a emendar ou ditar conduta ao subordinado.

Exemplo expressivo de conflito de Poder encontra-se em obra de Anna

Cândida da Cunha Ferraz169, em que se aponta a inconstitucionalidade da atuação

corretiva do Poder Legislativo, para emendar e tolher o excesso de poder de

conduta do Poder Executivo, quando, não obstante em face do permissivo do artigo

49, inciso V, da Constituição, promove a supressão da rebarba do regulamento

abusivo ou da delegação exorbitante perpetrada por este último, na medida em que

168

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 41.

169Ibid., p. 211.

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esta autora sustenta que tal correção deva caber ao Poder Judiciário, por via do

controle de constitucionalidade.

Assim houve na hipótese, sujeição evidente de um Poder a outro. Em

verdade, não apenas usurpação do Poder Judiciário, principalmente, porém,

redução do Poder Executivo à repreensão do Poder Legislativo, ultrapassando-se,

na circunstância considerada, o limite em que pudesse haver reequilíbrio do sistema

operacional de Poder, pelo ajuste que possibilitasse a compatibilização de ambos,

no concerto de harmonia em que eles deveriam atuar, por combinação recíproca e

espontânea.

É como se em uma orquestra em que os instrumentos de corda devessem ser

uníssonos, o som da viola fosse sobrepujado pelo do violino, em situação na qual

não a pudesse corrigir o maestro. Vindo, então, o próprio violeiro cortar as cordas do

violino, para que o violinista não continuasse a distorção, destoando do conjunto, o

que embora pudesse ser possível, significaria a extinção da orquestra, o que

inviabilizaria a consumação da sinfonia, que é a finalidade do conjunto.

Por consequência, o concerto entre os Poderes é isto, esta harmonia fina

entre as funções, a produção do som do conjunto pela sonorização congruente de

todos os seus órgãos, em promoção da grande sinfonia do equilíbrio político e da

harmonia social. Não obstante, em situação em que os órgãos do Poder existem

distintamente uns dos outros, da mesma forma, como o violino existe

independentemente da viola, mas em que pese esta distinção, todos atuem

uníssonos no conjunto da orquestra.

Ruy Martins Alterfelder Silva170 escreve:

As Constituições brasileiras acolheram a tese montesquiana. A Harmonia e Independência dos Poderes estaria sendo obedecida no momento presente?

Vejamos: O Poder Executivo, com fundamento nos artigos 59-V e 62 da Constituição Federal editou centenas de Medidas Provisórias, a maioria delas sem os requisitos indispensáveis da Relevância e Urgência. O Congresso Nacional teve suas pautas travadas, congestionadas, paralisando os trabalhos, legislativos. E o que é mais grave: na tramitação de muitas das Medidas Provisórias foram acolhidas Emendas que nada tinham a ver com o cerne das mesmas, verdadeiras „emendas piratas‟ desnaturando a Medida Provisória que sucedeu o Decreto-Lei. É o

170

SILVA, Ruy Martins Alterfelder. Princípios fundamentais e harmonia dos Poderes. Informativo IASP, São Paulo, n. 86, p. 26-27, 2010.

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Executivo avançando na competência do Legislativo, editando Medidas Provisórias, sem os requisitos constitucionais da relevância e urgência. Felizmente, o deputado federal e jurista Michel Temer, em boa hora, interpretou corretamente a questão do travamento da pauta do Congresso e com apoio do Supremo Tribunal Federal, minorou os seus efeitos.

Na resposta a esta indagação, não há como negar a ruptura do concerto

inerente ao sistema de Poder tripartido.

Há nesta dicção a abordagem de uma questão de evidente conflito de Poder.

Traduzido na sobreposição do Poder Executivo sobre o Congresso Nacional, que

trava as pautas de funcionamento das casas congressuais. Uma obstrução, em

verdade e em suma, a disciplina de agenda que o primeiro impõe ao segundo. Sem

dúvida, que por desmesurada edição de medidas provisórias destituídas de seus

pressupostos de habilitação. Contudo, mais do que isto, pelo entrave que essa

situação ocasiona na pauta do Congresso Nacional, em face da disposição do § 6º,

do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, que paralisa a

atividade do Congresso Nacional, se a medida provisória não for votada por ele, em

até 45 dias, subsequentemente em cada uma de suas casas.

Como já se noticiou no capítulo segundo deste trabalho, em que se procurou

dissertar sobre a condição de validade da medida provisória na nota 60, o

entendimento do Presidente da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional,

interpretando o artigo 62, § 6º, da Constituição da República. No sentido de que o

travamento da pauta, em cumprimento do seu mandado, somente se pode dar em

votações quanto às deliberações legislativas ordinárias, apenas naquelas

relacionadas ao campo material das medidas provisórias.

Como se sabe, o assunto está sub judice nos termos do mandado de

segurança nº 27.931-1, no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro

José Celso de Mello.171

171

Sobre o assunto escreveu o deputado Michel Temer: “Essa interpretação está, no momento, submetida à análise do Supremo Tribunal Federal. Ressalto, porém, que estou fortemente convencido desse entendimento. Com essa resolução, pretendo „levantar a cabeça‟ do Poder Legislativo e mostrar que temos condições de dar uma interpretação constitucional conseqüente, que nos permita dar efetividade ao processo legislativo. Reconheço a ousadia dessa decisão, mas acredito que o Brasil e o Legislativo estão precisando dessa ousadia”. Igual ousadia espera-se que tenha o Supremo Tribunal Federal, neste momento crucial para a história da Liberdade, no Brasil. É preciso entender que o controle dos pressupostos de habilitação das medidas provisórias, encarado como competência não excludente do Poder Executivo, do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, há de ser a chave para o restabelecimento do equilíbrio do Poder, no Brasil. Não basta

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Constitui seu despacho inaugural exemplo didático de que seja conflito entre

poderes. Veja-se dele o excerto abaixo:

A construção jurídica formulada pelo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, além de propiciar o regular desenvolvimento dos trabalhos legislativos no Congresso Nacional, parece demonstrar reverência ao texto constitucional, pois – reconhecendo a subsistência do bloqueio da pauta daquela Casa legislativa quanto às proposições normativas que veiculem matéria passível de regulação por medidas provisórias (não compreendidas, unicamente, aquelas abrangidas pela cláusula de pré-exclusão inscrita no art. 62, § 1º, da Constituição na redação dada pela EC nº 32/2001) – preserva, íntegro, o poder ordinário de legislar atribuído ao Parlamento.

Mais do que isso, a decisão em causa teria a virtude de devolver à Câmara dos Deputados, o poder de agenda, que representa perrogativa institucional das mais relevantes, capaz de permitir, a essa Casa do Parlamento brasileiro, o poder de selecionar e de apreciar, de modo inteiramente autônomo, as matérias que considere revestidas de importância política, social, cultural, econômica e jurídica para a vida do País, o que ensejará – na visão e na perspectiva do Poder Legislativo (e não nas do Presidente da República) – a formulação e a concretização, pela instância parlamentar, de uma pauta temática própria, sem prejuízo da observância do bloqueio procedimental a que se refere o § 6º do art. 62 da Constituição, considerada, quanto a esta obstrução, a interpretação que lhe deu o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados.

O conflito está demonstrado e posto no fato do comando impróprio que o

Poder Executivo passa a ter nas circunstâncias relatadas sobre a agenda do

Congresso Nacional. O Presidente da República passa a compor e determinar a

agenda do Poder Legislativo travando com medidas provisórias abusivas o seu

funcionamento e impede o Parlamento de legislar sobre matérias do mais relevante

interesse nacional, reduzindo-o a um poder ancilar.

De seu bordo, no discurso de abertura do Ano Judiciário de 2010, declarou no

Supremo Tribunal Federal, o Presidente do Senado, José Sarney:

Não podemos deixar a sociedade sob um mar de leis desconexas, incompreensíveis. É um trabalho lento, que estamos começando e vamos acelerar embora com esse instrumento monstruoso colocado em nosso caminho, que são as medidas provisórias, mutilem o Congresso.

172

reconhecer que o condicionamento da agenda é cabal evidência do absurdo a que chega o desvio de Poder que contamina o Executivo, em seu divórcio do sistema da Constituição. Este é o ponto essencial. A decisão da questão Temer, agora, abordada, pode ser o começo mais do que da ousadia, com certeza, da coragem do Supremo Tribunal Federal. E que o faça logo nos termos do inciso LXXVIII, do artigo 5º, da Constituição Federal. TEMER, Michel. Deixem o Legislativo legislar. Senatus, Brasília, v. 7, n. 1, p. 12-13, jul. 2009.

172SARNEY, José. Discurso do Presidente Sarney na abertura do ano judiciário. Assessoria de Imprensa da Presidência do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/comunica/imprensa/detalha_noticia.asp?data=02/02/2010&codigo=71763>. Acesso em: 23 fev. 2010.

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Entretanto, não é o instrumento que é monstruoso. É o uso distorcido que

dele se faz e que o torna motivo de trancamento não apenas da pauta do Congresso

Nacional, mas em trave mesmo do funcionamento harmônico dos Poderes.173

A causa primeira para todo este desvio de Poder está, sim, no desequilíbrio

do Executivo, que edita medidas provisórias aos borbotões, deturpando o senso de

relevância e urgência e transformando a medida provisória em via ordinária de

legislação, usurpando o Poder Legislativo, com o qual, assim, entra em conflito

evidente.

Entretanto, volta-se, neste ponto, à questão levantada pelo saudoso professor

Miguel Reale, como abordada na nota 155 deste trabalho, no sentido de que a

Constituição de 1988, tenha uma estrutura parlamentarista, à qual se impingiu um

sistema presidencialista.

Cumpre repassar a história:

O fato é que vivemos um dilema que opõe, de um lado, a necessidade de reformas emergentes do Estado brasileiro, sob a responsabilidade do Executivo, de outro, a plenitude da deliberação a ser realizada no interior da Casa de representantes do povo, própria de um regime verdadeiramente democrático.

Alguns autores apontam, nesse ponto, uma contradição na própria Constituição de 1988 – o que dá vida ao dilema antes referido – pois, se por um lado a Carta Cidadã devolveu certas prerrogativas ao Congresso Nacional, ausentes no interstício entre 64 e 88, manteve outras tantas com o Poder Executivo, permitindo-o tornar-se, com o auxílio de normas infraconstitucionais, mesmo em época de democratização, “o legislador de fato e de direito”, como parece constituir verdadeiro lugar comum na história brasileira.

Aqueles que de algum modo tomaram parte da Assembléia Constituinte reunida para redigir o texto constitucional hoje vigorante, argumentam que era sua intenção fazer com que o Congresso Nacional, após o ostracismo impingido pela ditadura, voltasse a contribuir de forma efetiva na formulação de políticas públicas, como, “verbi gratia”, participando do processo orçamentário e tomando para si o poder de fiscalizar a gestão das finanças públicas.

173

Veja-se o caso das medidas provisórias editadas anteriormente à publicação da Emenda Constitucional nº 32/2001, desde que nos trinta dias anteriores à sua promulgação, elas não precisam ser reeditadas para permanecer em vigor e assim ficarão até que o Congresso Nacional se manifeste – rejeitando-as ou editando lei em sentido colidente com suas normas ou até que o Presidente da República edite outra medida provisória que as altere (conforme MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 940). Não pode haver maior acinte ao princípio da legalidade, que é deixar viger como lei, o que era para ser norma provisória, de eficácia temporária e excepcional. Neste sentido, de fato o instrumento é monstruoso. Nelas está o plexo de leis desconexas e incompreensíveis que tolhe, mas, não exclusivamente, a efetividade do princípio da segurança jurídica no Brasil.

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E assim se fez, adicionando-se aos poderes acima referidos, entre outros, o de iniciativa de legislar privativamente sobre determinadas matérias, o de sustar ato normativo do Executivo que exceder o poder regulamentar (leia-se, decreto incompatível com a lei objeto da regulamentação) e, mais, dotando-se as denominadas Comissões Permanentes da prerrogativa de aprovar projetos de lei em caráter definitivo, o que dispensa a manifestação do plenário. Esperava-se, quanto a esse item, tornar o Congresso mais eficiente e produtivo.

Se é verdade, todavia, que se procedeu à redação de normas reveladoras desse intento, qual seja, o de recuperar a autonomia e a efetividade da atuação do Congresso Nacional, mantiveram-se outras tantas atribuições com o Poder Executivo, o que tornou possível, notadamente nos anos de governo Fernando Henrique Cardoso, o controle quase absoluto, por parte daquele último, da agenda de votações do Congresso.

Dados estatísticos que resultaram de pesquisa independente e imparcial realizada em anos recentes, nos dão conta que na vigência da Constituição de 1946, as leis de iniciativa do Executivo constituíram 43 por cento do total votado pelo Congresso Nacional, contra 85 por cento no interstício entre 1988 e 1994, o que, portanto, não leva em consideração os dois mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso (um ora incompleto), período em que a mera leitura dos jornais nos leva a crer que a situação é ainda mais crítica.

A proporção de leis de iniciativa do Presidente da República, que assuma o indesejável controle da agenda do Legislativo pelo Poder Executivo, é ainda mais impressionante se comparada ao percentual do período de ditadura militar, quando as leis incoadas pelos generais constituíam um número apenas um pouco maior (90% do total) que nos dias atuais, já sob auspícios de uma Constituição democratizante.

174

A inviabilização operacional do Poder Legislativo, congestionado por projetos

legislativos de iniciativa do Poder Executivo, isoladamente, sempre foi um problema

que tolheu a independência do Congresso Nacional, pelo simples fato do

congestionamento de sua agenda.

Pior que isto, é o travamento da pauta, por força da medida provisória sem os

pressupostos formais de habilitação, que se não votada em quarenta e cinco dias de

sua edição, põe o Legislativo a reboque do Executivo.

Porque este obstáculo à regular atividade do Congresso Nacional pode

protelar a validade de medidas provisórias por até mais de 120 dias. Desde que a

sua pauta congestionada não possa processar pelo atulhamento com medidas

provisórias impróprias, votação delas em período adequado.

Ainda de má-fé, o Presidente da República pode impedir até como

consequência de seu abuso, na edição propositada de medidas provisórias, sua

174

SPIELMANN, Carlos André. O controle de constitucionalidade das medidas provisórias praticado pelo Supremo Tribunal Federal. Revista da Faculdade da Universidade Católica de Petrópolis, v.1, p. 11-20, 1999.

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fiscalização pelo Poder Legislativo, propiciando, sob todos os pontos de enfoque do

problema, a ineficácia da própria Constituição, impedindo o Congresso Nacional de

trabalhar que não seja exclusivamente em cima de medidas provisórias abusivas.

De qualquer maneira a consequência disso tudo é que o Poder Executivo

passa a ditar a agenda do Poder Legislativo e isto infringe a cláusula pétrea do

artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Consubstancia-se e corporifica-se destarte o conflito de Poderes que se julga

demonstrado.

7.10 O Controle de Constitucionalidade como Instrumento de Conciliação do

Conflito entre os Poderes, Resultante da Medida Provisória

Se a função de um sistema de governo é operacionalizar a movimentação do

Estado, para realização de seus fins, nos parâmetros constitucionais finalísticos, a

solução de um impasse entre o Governo e o Parlamento, com origem em uma

medida provisória, será um confronto de solução muito mais cômoda no

Parlamentarismo do que no Presidencialismo.

É que, no Parlamentarismo, o Governo responde perante o Parlamento e este

último pode propor uma moção de desconfiança contra o primeiro,

responsabilizando-o, pela indevida edição de uma medida provisória, pela

destituição do Gabinete.

Em contrapartida o Poder Executivo, na pessoa do Chefe de Estado, poderá

dissolver o Parlamento, convocando eleições, na hipótese deste não exprimir a

maioria, que sustente o Gabinete, em uma situação em que ele tenha dificuldade em

obter a ratificação de uma medida provisória, pela impossibilidade de arregimentar

no Parlamento a maioria necessária à sua conversão em lei.

Nestes termos, a recusa de uma medida provisória pelo Parlamento, pode

ocasionar a queda do Governo, que por ela tenha se tornado incompatível com a

maioria dos eleitores expressa no Parlamento, situação que não acontece no

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Presidencialismo, em que o Presidente da República não responde em face do

Parlamento ordinariamente por atos de Governo de natureza política.

Em tese, o fato do Presidente da República não responder de forma ordinária

em face do Parlamento, ao preço de seu mandato, como ocorre com o Primeiro-

Ministro ou o Gabinete, deixaria o primeiro, no caso do Presidencialismo, na cômoda

condição de abusar de seu Poder de edição de medidas provisórias. Assim este fato

ensejaria com maior habitualidade confronto entre Poderes e crises políticas

comprometedoras do princípio constitucional de separação do Poder.

O Parlamentarismo, assim, superaria o confronto pela queda do Governo que

com ele se encontrava em situação conflitiva, cuja destituição lhe cabe e

restabeleceria a compatibilidade no funcionamento dos Poderes, na medida em que

teria expungido do sistema, o Governo que com ele conflitava, pela edição da

medida provisória abusiva, restabelecendo a harmonia entre os Poderes.

No entanto, esta conclusão de que o sistema Parlamentarista seria o que

melhor absorveria as disfunções da medida provisória, parece uma generalização

equívoca.

Na Itália, Estado parlamentarista, berço do decreto-lei (ou decreto legge,

como se prefira), paradigma da medida provisória, as situações de confronto entre

Poderes, nem sempre são resolvidas pela via do voto de desconfiança em

consequência do Parlamento cobrar do Governo a responsabilidade que o possa

levar à destituição, por abuso de poder em editar uma medida provisória.

A Constituição italiana em seu artigo 134 relaciona entre as competências de

sua Corte Constitucional, a solução de conflitos de atribuição entre os Poderes do

Estado, aqueles do Estado e das Regiões.175

Na Espanha, outro Estado parlamentarista, como noticia Eduardo Garcia de

Enterria, igual competência cabe ao Tribunal Constitucional:

La justificación de esta competencia del Tribunal Constitucional parece clara: como ha notado la doctrina alemana, todo conflicto entre órganos constitucionales (más que órganos en el caso de las Comunidades

175

Art. 134. La Corte costituzionale giudica: sulle controversie relative alla legittimità costituzionale delle leggi e degli atti, aventi forza di legge, dello Stato e delle Regioni;sui conflitti di attribuzione tra i poteri dello Stato e su quelli tra lo Stato e le Regioni, e tra le Regioni;sulle accuse promosse contro il Presidente della Repubblica, a norma della Costituzione.

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163

Autónomas, por constituir éstas verdaderas “entidades” políticas, como precisan los artículos 2.º, 137 y 152 de la Constitución, aunque entidades “internalizadas” en el seno del Estado y no – por diferencia del federalismo estricto – Estados substantivos) es, por sí mismo, un conflicto constitucional, que pone en cuestión el sistema organizatorio que la Constitución, como una de sus funciones básicas, ha estabelecido. Por ello mismo, sólo el Tribunal Constitucional, donde existe, puede ser órgano adecuado para la resolución de estos conflictos, que afectam a la esencia misma de la Constitución, a la cuidadosa distribución de poder y de correlativas competencias por ella operada.

176

Da mesma maneira, é o que se pode extrair da citação acima, a doutrina

alemã é convergente em competir ao Tribunal Constitucional a solução de conflito

entre órgãos constitucionais, como se conclui, colimando a cuidadosa distribuição de

poder e a distribuição das correlativas competências por ela operada, nas próprias

palavras de Garcia de Enterria.

Edilson Pereira Nobre Júnior177 discorrendo sobre reedição de medida

provisória, referindo-se ao jurista Alfonso Celotto, em L‟ „abuso‟ del Decreto-legge,

1997, mais precisamente às páginas 480-510, expõe:

Ante o problema, ponderável preocupação é exposta por Alfonso Celotto:

Tal praxe, consequentemente, lesa de maneira gravíssima o princípio da certeza do direito, enquanto – alongando de fato a provisoriedade – comporta que a maior parte da atividade jurídica reste disciplinada precariamente, e muitas vezes de maneira não homogênea, por meses e meses. De tal modo, o decreto-lei vem a ser profunda e radicalmente desnaturado, enquanto a reiteração sistemática e insistida – que dá vida a um verdadeiro e próprio procedimento alternativo de produção normativa – faz-lhe perder a sua intrínseca e natural provisoriedade. O decreto-lei repetidamente reiterado cria efeitos sempre mais irreversíveis, importando na opinião pública uma confiança sobre a sua estabilidade – como nitidamente emerge de alguns pronunciamentos jurisprudenciais – e, sobretudo, não coartando o Parlamento à conversão em lei, que, todavia, permanece sempre livre, mas, antes, a pronunciar-se sobre o ato e, depois, especificamente à sanatória dos efeitos, de qualquer maneira, produzidos pelos decretos-leis não convertidos: somente a intervenção parlamentar pode dar firmeza ao “castelo de papéis” que veio a se formar mediante a cadeia dos decretos-leis, cuja decadência ex tunc produziria efeitos desastrosos.

Linhas adiante, increpa a tal prática o estigma de que se cuida de fenômeno do terceiro mundo do direito, mostrando inclusive que, no Brasil, não constitui somente uma forma de abuso de poder legislativo, mas que melhor ressai como um “escândalo”, uma “prática cancerosa”, que frauda a Constituição. Sobre o caso brasileiro, chega ainda, em nota de rodapé,a exibir quadro sinóptico, relativo aos anos de 1988 a 1996. Tomando-se, à

176

ENTERRÍA, Eduardo Garcia de. La Constitución como norma y el Tribunal Constitucional. Madrid: Thomson Civitas, 2006. p. 160, 2006.

177NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Reedição de Medida Provisória (visão comparativa das jurisprudências da Corte Constitucional italiana e do STF). Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 36, n. 143, p. 77-83, jul./set. 1999.

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guisa de ilustração, o ano de 1989, posto que no último trimestre de 1988 não houve qualquer reiteração, nota-se que, das 103 medidas provisórias expedidas, somente ocorreram dez renovações, o que equivale a um percentual de 9,7% sobre o total. Assinalando uma tendência cada vez mais crescente, tem-se, no ano de 1996, 648 edições de medidas provisórias, com 15 conversões em lei, e 609 reiterações. Isso significa dizer que, comparadas ao número total de medidas provisórias, as renovações alcançaram o elevado percentual de 93,9%, representando quase uma lídima apropriação da função de legislar do seu titular originário.

Esta questão da reiteração sistemática e insistida de medidas provisórias

solucionada no Brasil pela Emenda Constitucional número 32, de 11 de setembro de

2001, nos termos do artigo 62, parágrafo 7º da Constituição Federal178 que implicava

em desequilíbrio de Poder, colheu na Itália, solução pelo concurso da Corte

Constitucional italiana e não apenas pela ação do Parlamento.

Lá como cá, havia o constrangimento do Parlamento, pela reiteração indevida

e abusiva de medidas provisórias e de decretos-lei.

De início, ainda é a notícia de Edilson Pereira Nobre Júnior, a Corte

Constitucional italiana com a Sentenza 302, de 10 de fevereiro de 1988, reputara

inconstitucional “a insistente repetição do art. 12, incisos 1º, 2º e 3º, do decreto-

legge” de 2 de janeiro de 1988. Depois houve decisão desta Corte Constitucional,

negando “que a reprodução de disposições por parte do Governo, pudesse ser

considerada como restrição da vontade das Câmaras”.

Finalmente conclui o jurista pernambucano:

Mais recentemente, [a Corte Constitucional Italiana] com a Sentenza 360, de 24 de outubro de 1996, perfilhou uma posição inequívoca sobre o assunto, afirmando que o art. 77 da Constituição põe uma alternativa límpida, estreme de dúvida, entre a conversão e a perda de eficácia retroativa do decreto-legge, sem que o Governo tenha a faculdade de invocar prorrogação, ou o Legislativo possa proceder a uma conversão serôdia, tornando, assim, insuperável, o prazo de sessenta dias. Em certo modo, encontra-se a afirmação de que a reprodução do decreto legge sem introduzir variações substanciais lesa a previsão constitucional sob dois perfis: porque altera a natureza provisória da decretação de urgência,

178

Solução em parte porque a medida provisória pode ser editada novamente em outra sessão legislativa se for rejeitada ou perder eficácia durante o curso da anterior, nos termos do artigo 62, § 10, da Constituição. Esta alvitrada possibilidade abre margem para abuso de poder permanente. A natureza precípua do instituto medida provisória é de providência precária e urgente, inadiável sob pena de dano iminente para a coisa pública. Admiti-la reeditada depois de recusada quanto a sua urgência, por exemplo, é hipótese que subverte o conceito de urgência de um lado e de outro admite dar-se certa permanência ao que deveria ser precário. Evidente é o privilégio que o constituinte concedeu ao Executivo em situação na qual, ele se sobrepõe ao Legislativo, fazendo-o votar, de novo, o que ele já recusou e dando vigência ao que ele dissera antes que não poderia ser lei.

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procrastinando, de fato, o termo invariável previsto pela Constituição para a conversão em lei; porque tolhe valor ao caráter “extraordinário” dos requisitos da necessidade e da urgência.

Igualmente, timbrou em asseverar: a) a insistente reiteração importa em alteração no equilíbrio posto pela Constituição nas relações entre Governo e Parlamento, assumindo aquele o papel de legislador a este conferido; b) também resulta ofendida a certeza do direito, pois não é possível prever-se a duração no tempo das normas reproduzidas, bem como o êxito final do procedimento de conversão.

Em conclusão, a reiteração, quer em face de rejeição expressa do decreto-legge, quer pela sua não conversão em lei em sessenta dias, não é mais tolerada. Abre-se, apenas e tão-só, exceção quando o Governo explicitar motivos autônomos de necessidade e urgência (autonomi motivi di necessità e urgenza) ou conteúdos normativos substancialmente diversos (contenuti normativi sostanzialmente diversi).

A propósito deste assunto, de que o abuso do Poder Executivo em editar

medidas provisórias carentes do pressuposto formal de relevância e urgência

consigna um dos motivos de confronto entre o Poder Legislativo e o Poder

Executivo, tenha-se em conta o que segue:

5.3.6. Apreciação dos pressupostos da urgência e da relevância

Esses dois pressupostos estão submetidos à apreciação política do Presidente da Republica, que goza de larga margem de apreciação sobre a sua ocorrência. O juízo do Presidente da República, porém, está sujeito ao escrutínio do Congresso Nacional, que deve rejeitar a medida provisória se vier a entendê-la irrelevante ou não urgente. No § 5º do art. 62 da Lei Maior está estabelecido que, antes de decidir sobre o mérito da medida provisória – vale dizer, antes de o Poder Legislativo anuir ou não à disciplina constante do texto da medida provisória –, o Congresso deverá analisar os seus pressupostos constitucionais entre os quais se contam os requisitos da urgência e da relevância.

O problema relativo à sindicabilidade desses pressupostos formais surge ao se indagar se há espaço para que também o Judiciário exerça crítica sobre a avaliação do Presidente da República e do Congresso Nacional.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no regime constitucional passado, rejeitava competência ao Judiciário para exercer crítica sobre o juízo de existência dos mesmos pressupostos do decreto-lei. Sob a Carta atual, porém, e desde o julgamento da liminar na ADI 162, esse entendimento mudou.

Em 1989, a jurisprudência do STF sofreu alteração para admitir que esses pressupostos não são totalmente alheios à crítica judiciária. Sem que se desmentisse o caráter discricionário da avaliação política desses pressupostos, reservou-se ao Judiciário a verificação, em cada caso, de eventual “abuso manifesto”. Em precedentes diversos, o STF afirmou a possibilidade de censurar a medida provisória por falta dos requisitos da urgência e da relevância, sem contudo encontrar nas hipóteses que analisava caso para tanto. Em 1998, porém, ocorreu a desaprovação pela falta do pressuposto formal.

179

179

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 927.

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Retrata-se a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o

controle constitucional das medidas provisórias.

De início em absoluta omissão, entendendo espaço fechado dos poderes

Legislativo e Executivo, a aferição da ocorrência dos pressupostos de relevância e

urgência que atestassem a preexistência de uma situação de fato a comportar a

necessidade e urgência na utilização do instrumento excepcional que é a medida

provisória.

Em seguida, um tímido avanço, que, não obstante, perdura até hoje, em que

o Supremo Tribunal Federal somente interfere no juízo de constitucionalidade dos

pressupostos formais de relevância e urgência da medida provisória em casos

evidentes de abuso de poder.

Carlos André Spielmann180 disserta:

O voto do Ministro Carlos Velloso na ADIN nº 1.397-1, ajuizada pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, deixa bem clara a posição daquela excelsa corte no que concerne a atribuição do Judiciário de investigar o preenchimento dos requisitos constitucionais de urgência e relevância. Vejamos:

“Constitucional. Administrativo. Medida Provisória: Urgência e Relevância. Apreciação pelo Poder Judiciário. Reedição da Medida Provisória não rejeitada expressamente.

I. Reedição de medida provisória não rejeitada expressamente pelo Congresso: possibilidade. Precedentes do STF: ADIn 295-DF e ADIn 1.516-RO.

II. Requisitos de urgência e relevância: caráter público: em princípio, a sua apreciação fica por conta dos Poderes Executivo e Legislativo, a menos que a relevância ou a urgência evidenciar-se improcedente. No sentido de que a urgência e relevância são questões políticas, que o Judiciário não aprecia: RE 62.739-SP, Baleeiro, Plenário, RTJ 44/54, RDP 5/223” (destaque nosso).

Como já referido este entendimento sofre a alteração apontada após a ADI-

MC 162, julgada em 14-12-1989, DJ de 19-9-1997, Rel. Moreira Alves.181 O

Supremo Tribunal Federal passa a controlar, como faz atualmente os pressupostos

formais de habilitação das medidas provisórias, em flagrando-as abusivas dos

poderes do Poder Executivo em editá-las.

180

SPIELMANN, Carlos André. O controle de constitucionalidade das medidas provisórias praticado pelo Supremo Tribunal Federal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Petrópolis, v. 1, p. 11-20, 1999.

181MENDES; COELHO; BRANCO, op. cit., p. 297, nota 179.

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Na Itália Estado parlamentarista, a jurisprudência da Corte Constitucional

passou por processo semelhante, mas avançou até o ponto de considerar a

possibilidade de um controle dos pressupostos de necessidade e urgência mais

efetivo:

Na Itália, de forma semelhante a que ocorre ainda no Brasil, muito se discutiu acerca da legitimidade do controle judicial sobre tais requisitos, havendo doutrina que afirmasse estarem eles sujeitos apenas à valoração política, vale dizer, do Governo que editou o ato e do Parlamento que o converteu em lei. A doutrina mais moderna de Zagrebelsky, Paladin e Mortati, que aqui seguimos, admite, sem resistências, a possibilidade de controle jurisdicional dos pressupostos de edição dos decretos-lei italianos.

182

Lenio Luiz Streck183 referindo-se a Vital Moreira comenta a supremacia da

Constituição soberana em face do caráter constituído e subordinado do Poder

Legislativo e destaca com precisão: “A soberania do parlamento cedeu o passo à

supremacia da Constituição. O respeito pela separação dos Poderes e pela

submissão dos juízes à lei foi suplantado pela prevalência dos direitos dos cidadãos

face ao Estado”.

Clèmerson Merlin Clève184 comentara em reflexão, certamente, ainda

auspiciosa:

O Supremo Tribunal Federal ainda não teve oportunidade de se manifestar sobre os pressupostos autorizadores da medida provisória. Receia-se, neste particular, que a Corte reproduza o mesmo entendimento pronunciado em relação aos antigos decretos-leis. O STF, vigente a Constituição de 1967, manifestou-se no sentido que “os pressupostos de urgência e relevante interesse público escapam ao controle do Poder Judiciário, por referirem, afinal, questão política”. Com a Constituição de 1988, deverá a Corte Constitucional mudar seu entendimento.

Na Itália, ultimamente, a doutrina, com cautela, vem admitindo um certo tipo de controle sobre os pressupostos das medidas provisórias, mas de caráter limitado, circunscrevendo-se ao território do “excesso de poder legislativo”. Já na Espanha, a Corte Constitucional, como se espera que no Brasil ocorra, não se nega a promover referido controle.

Entende a Corte que os pressupostos de habilitação constituem um conjunto de autênticos limites jurídico-constitucionais da atividade

182

POGREBINSCHI, Thamy. Controle de constitucionalidade dos decreti-legge: uma experiência italiana. Revista de Informação Legislativa, Brasília: Senado Federal, ano 37, n. 146, p. 97-106, abr./jun. 2000.

183STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 104.

184CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do Poder Executivo no Estado contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 183.

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governamental e, como tais, controláveis pela Jurisdição. A experiência espanhola deve ser aproveitada pelo Brasil.

Não é demais lembrar que a doutrina brasileira admite o controle judicial dos pressupostos de autorização das medidas provisórias.

Anna Cândida da Cunha Ferraz185 aponta a inconstitucionalidade do artigo 49,

inciso V, da Constituição de 5 de outubro de 1988, porquanto não caber ao

Congresso Nacional, segundo entende, “sustar os atos normativos do Poder

Executivo que exorbitem do poder regulamentar dos limites de delegação

legislativa”.

Conclui:

É, de resto, o que registra, com inteira propriedade, Ferreira Filho: “a norma em exame estende a competência do Congresso Nacional, tornando-o juiz da constitucionalidade de atos do Poder Executivo. O controle de constitucionalidade exercido por órgão político, e o Congresso Nacional indubitavelmente o é, sempre mereceu a desconfiança se não o repúdio da doutrina”.

Conseqüência disso tudo é que tanto o regulamento abusivo como a lei delegada exorbitante podem ser objeto de declaração de inconstitucionalidade por via da ação direta insculpida no artigo 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição de 1988.

Destarte, o Poder Legislativo – e não somente ele – pode propor perante o Supremo Tribunal Federal a ação direta de inconstitucionalidade contra ato normativo regularmente exorbitante da lei regulamentada ou de lei delegada exorbitante da delegação legislativa.

186

Calha bem citação extraída em André Ramos Tavares187:

Jorge Miranda muito bem o demonstra, anotando que o Tribunal Constitucional “(...) integra-se na categoria de tribunais, pela sujeição ao princípio do pedido, por questões jurídicas tanto poderem ser questões concretas como abstratas, pelos critérios jurídicos de decisão e pelo estatuto dos juízes. Mas distingue-se dos restantes tribunais, pela sua relação imediata com a Constituição (com poderes de interpretação vinculativa conforme, na fiscalização concreta), por nele avultar um controlo dirigido aos órgãos da função política e por a sua autoridade se pôr a par da autoridade desses órgãos”.

É o Supremo Tribunal Federal quem, pelo controle de constitucionalidade,

poderá dirimir conflitos entre o Poder Executivo e o Poder Legislativo, no que tanja à

exorbitância do primeiro, abusiva da faculdade do Presidente da República em editar

medidas provisórias. Por conta de desatenção deste para com os pressupostos de

185

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre Poderes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 45.

186Ibid., p. 45.

187TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 227.

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habilitação das medidas provisórias, subvertendo, pelo excesso legiferante, o

equilíbrio entre os Poderes. Desconstituindo a existência, a validade e a eficácia de

medidas provisórias carentes dos permissivos de edição pela falta de urgência e

relevância nas circunstâncias que tenham dado ensejo a medidas provisórias

abusivas.

A despeito de que possa votar o Congresso Nacional em deliberação

preliminar e fulminar a falta destes requisitos, para invalidar medidas provisórias, vê-

se que atravancada sua pauta pelo abuso, do Presidente da República, legislador

inconstitucional, melhor será admitir a concorrente competência do Supremo

Federal, enquanto guardião da Constituição, para o controle dos pressupostos de

habilitação das medidas provisórias.

Entende-se ser jurídica esta sugestão.

A Constituição da República Federativa do Brasil impõe restrições a que

possa o Presidente da República editar medidas provisórias que não estão postas

em juízo intrínseco da existência de relevância e urgência para que elas possam ser

editadas.

Há também que se verificar se não havia antes a possibilidade do Presidente

da República usar sua iniciativa legislativa ordinária a fim de encaminhar a questão

ao Congresso Nacional, pedindo, inclusive urgência na votação para consubstanciar

em lei o seu propósito, em medida conseqüente e adequada e oportuna e eficiente.

Conferir a medida da urgência e da relevância para saber se o Executivo tem

o poder discricionário de decisão, por via da medida provisória consequentemente é

questão jurídica. Haja vista, por exemplo, os cem dias do artigo 64 da Constituição.

Somente se pode admitir a medida provisória para casos e situações cuja disciplina

não possa esperar estes cem dias, sob pena de grave dano para a coisa pública, se

ela não for objeto de lei antes desses dias. A competência do Poder Executivo em

editar medidas provisórias começa depois de estar evidente que a ação do

Congresso Nacional será ineficiente para solucionar o problema que ensejar a

necessidade de disciplina legal. Em tese, isto acontece depois de evidente que o

Poder Legislativo não poderia dar cabo de sua missão constitucional em legislar, em

cem dias.

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Deve competir ao Poder Judiciário julgar se o Poder Executivo ao editar

medida provisória, não está invadindo a competência do Poder Legislativo. Esta

invasão haverá se, em cem dias, for possível legislar a solução do problema que se

queira resolver e o Executivo tenha se precipitado em agir, editando medida

provisória, quando poderia pedir ao Congresso Nacional urgência na tramitação para

o projeto de sua iniciativa.

É sem dúvida que os pressupostos de habilitação constituem um conjunto de

autênticos limites jurídico-constitucionais da atividade governamental e, como tais,

controláveis pela Jurisdição, conforme entende a Corte Constitucional espanhola e

noticia Clèmerson Merlin Clève, nota 184 retro.

Também não se pode esquecer que ainda concorre para abonar a conclusão

deste trabalho – do controle jurisdicional constitucional concorrente dos

pressupostos de habilitação da medida provisória – o fato de que esta, Tratando-se,

entanto, de uma exceção à regra, esta só deve ser aceita em última instância.188

É típico do controle constitucionalidade, saber se o poder discricionário que a

Constituição outorgou ao Poder Executivo para legislar pela medida provisória foi

usado em coerência com o texto e nos termos do contexto previsto na Constituição

Federal.

De qualquer forma o exemplo italiano igualmente demonstra que as marchas

e contramarchas do sistema parlamentarista não são suficientes a assegurar o

equilíbrio entre os poderes, em casos de abuso na edição de medidas provisórias,

por exemplo. O ponto de equilíbrio do sistema está posto na jurisdição do Tribunal

Constitucional. Inclusive no que toca à medida provisória, melhor, ao decreto-lei, que

possa pelo abuso do Poder Executivo em manipular requisitos de habilitação formais

do instituto, desequilibrar o sistema.

188

FERRAZ JÚNIOR, apud CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 44.

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171

7.11 A Cláusula Pétrea do Artigo 60, § 4º, inciso IV, da Constituição da

República Federativa do Brasil: a separação dos Poderes

O caroço da Constituição Federal é o âmago de sua legitimidade e se imbrica

nas chamadas cláusulas pétreas.

Gilmar Ferreira Mendes sustenta que estas cláusulas exprimem o esforço do

constituinte para garantir a integridade da Constituição.

Com elas visa-se impedir „a destruição, ou enfraquecimento, ou [alterações

que] impliquem profunda mudança de identidade189 da Carta Fundamental. Posto

que dela emana a ordem jurídica em seu promanar para a coletividade e para o

Estado e a fim de preservar a ordem constituída, pelo constituinte originário,

inviabilizando que o constituinte derivado suspenda ou mesmo suprima a ordem

própria da Constituição, desnaturando-a e atuando para subverter a substância de

seus princípios vetoriais.

O senso que se tem das cláusulas pétreas é o de norte, verdadeira bússola190

de orientação que as gerações constituintes deixam para as gerações delas

derivadas, para que saibam, em se querendo preservar a Constituição, qual é o

conteúdo que dela pode ser mudado ou adaptado a uma realidade contemporânea,

caso se a queira preservada.

No ponto em que a cláusula pétrea diz respeito à preservação da separação

dos Poderes, que dentro da estrutura fundamental do Estado brasileiro, se exprime

pelo mandamento do artigo 2º, como princípio fundamental para a ordem de seu

arcabouço operacional, consignando serem poderes da União, independentes e

harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, pouca dúvida deve

haver no sentido de que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de

outubro de 1988, adota a teoria das funções do Poder, como elaborada por

Montesquieu.

Assim sendo, a operacionalização do Estado no Brasil, deve ater-se aos

parâmetros abaixo consignados:

189

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 1091.

190BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 848.

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Ao prelecionar sobre a divisão dos poderes, Montesquieu mostrava o necessário para o equilíbrio dos poderes, afirmando que, para formar-se um governo moderado, “precisa-se combinar os poderes, regrá-los, temperá-los, fazê-los agir; dar a um poder, por assim dizer, um lastro, para pô-lo em condições de resistir a um outro. É uma obra-prima de legislação, que raramente o acaso produz, e raramente se deixa a prudência produzir (...). Sendo o seu corpo legislativo composto de duas partes, uma acorrentada a outra pela mútua faculdade de impedir. Ambas serão amarradas pelo Poder Executivo, o qual o será, por seu turno, pelo Legislativo. Esses três poderes deveriam originar um impasse, uma inação. Mas como, pelo movimento necessário das coisas, são compelidos a caminhar, eles haverão de caminhar em concerto”.

191

A dicção capital do Parágrafo Único do artigo 1º, do Título I, DOS

PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS, consagra que Todo poder emana do povo, que o

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

Constituição.

Seria o caso de indagar se nesta assertiva mandamental não estaria um

duplo poder, seccionado entre a representação parlamentar e a atuação direta do

cidadão, tomado este na acepção jurídico constitucional da palavra, que é aquele

que vota e pode influir nos rumos do Estado.

Enfim, democracia direta é o povo investido na amplitude real de seu poder de soberania, alcançando, pela expressão desimpedida de sua vontade regulativa o controle final de todo o processo político. Só o povo constituído por conseguinte em árbitro supremo, confere legitimidade a todos os pactos e acomodações dos grandes interesses sociais conflitantes da sociedade complexa e pluralista. O povo-ficção dos ordenamentos representativos cede o lugar ao povo realidade e concreção da democracia direta.

192

Na mesma linha, Márcio Tomaz Bastos:

Todos sabemos, mais ou menos intuitivamente, o que seja a oposição entre a democracia direta e a democracia representativa. A democracia direta é aquele sonho de todos, a assembléia dos cidadãos de que já falava Rousseau, dentro da cidade, em que a um Estado total se opunha um cidadão total, que participava de todas as decisões, que se reunia na praça e discutia o seu destino e o destino da cidade. A democracia representativa, diz-se muito que se encontra em crise, até porque, sendo obra humana, é necessariamente inacabada e factível e reconstruída constantemente e, curiosamente, essa crise se coloca sempre como uma demanda de mais democracia, ou seja, a democracia representativa é apontada como um estado de crise, na medida em que lhe falta democracia.

Como diz Norberto Bobbio, a exigência tão freqüente, nos últimos anos, de maior democracia exprime-se como exigência de que a democracia

191

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 137.

192BONAVIDES, Paulo. Um novo conceito de democracia direta. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, XV, 1994, Foz do Iguaçu/PR. Anais... Foz do Iguaçu/PR, set. 1994. p. 976.

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representativa seja ladeada, ou mesmo substituída pela democracia direta. Sabemos que isso é impossível hoje, embora os progressos da televisão, da televisão virtual e interativa, expressa aqui no Brasil, por exemplo, nesses programas em eu o expectador se pronuncia imediatamente, nessas pesquisas chamadas qualitativas de opinião pública, em que, instantaneamente, as pessoas apertam um botão e dão a sua opinião, sem embargo disso, nós sabemos que, hoje, o possível seria um termo médio entre a democracia direta e a democracia representativa.

A Constituição brasileira exprime isso quando contempla certas instituições, como o plebiscito, como o referendo, como as emendas populares. E Bobbio fala muito na possibilidade de inserção, dentro das regras do jogo da democracia representativa, dos representantes substituíveis – daqueles que fossem eleitos e pudessem ser destituídos pelo eleitor, pelo corpo eleitoral, aproximando-se, assim, muito da democracia representativa e da democracia direta.

193

Desta maneira, na medida em que os instrumentos de participação popular

consagrados pelo constituinte brasileiro encontram-se no plebiscito, no referendo e

na iniciativa popular e principalmente esta posta no projeto legislativo de iniciativa

popular, que deve ser submetido ao processo legislativo constitucional194 culminado

193

BASTOS, Márcio Thomaz. Crise da democracia representativa e apatia popular. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DA OAB, XV, 1994, Foz do Iguaçu/PR. Anais... Foz do Iguaçu/PR, set. 1994. p. 401.

194Os instrumentos de democracia semidireta, portanto, são a tentativa de dar mais materialidade ao sistema indireto. É tentar reaproximar o cidadão da decisão política, sem intermediário. Para isto o constituinte escolheu os seguintes instrumentos: I - Plebiscito – no plebiscito há a manifestação popular, onde o eleitorado decide, ou toma posição, diante de uma determinada questão. Assim, em termos práticos, é feita uma pergunta à qual responde o eleitor. Em 1993 houve um plebiscito para decidir sobre a forma e o sistema de governo. II - Referendo – é uma forma de manifestação popular, em que o eleitor aprova ou rejeito uma atitude governamental. III - Iniciativa popular – é o direito de uma parcela da população (um por cento do eleitorado) apresentar ao Poder Legislativo um projeto de lei que deverá ser examinado e votado. Os eleitores também podem usar deste instrumento em nível estadual e municipal. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 272-273. LEI Nº 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998. Regulamenta a execução do disposto nos incisos I, II e III do art. 14 da Constituição Federal. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º. A soberania popular é exercida por sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular. Art. 2º. Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. § 1º - O plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido. § 2º - O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição. Art. 3º. Nas questões de relevância nacional, de competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, e no caso do § 3º do art. 18 da Constituição Federal, o plebiscito e o referendo são convocados mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, de conformidade com esta Lei.

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Art. 4º. A incorporação de Estados entre si, subdivisão ou desmembramento para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, dependem da aprovação da população diretamente interessada, por meio de plebiscito realizado na mesma data e horário em cada um dos Estados, e do Congresso Nacional, por lei complementar, ouvidas as respectivas Assembléias Legislativas. § 1º - Proclamado o resultado da consulta plebiscitária, sendo favorável à alteração territorial prevista no caput, o projeto de lei complementar respectivo será proposto perante qualquer das Casas do Congresso Nacional. § 2º - À Casa perante a qual tenha sido apresentado o projeto de lei complementar referido no parágrafo anterior compete proceder à audiência das respectivas Assembléias Legislativas. § 3º - Na oportunidade prevista no parágrafo anterior, as respectivas Assembléias Legislativas opinarão, sem caráter vinculativo, sobre a matéria, e fornecerão ao Congresso Nacional os detalhamentos técnicos concernentes aos aspectos administrativos, financeiros, sociais e econômicos da área geopolítica afetada. § 4º - O Congresso Nacional, ao aprovar a lei complementar, tomará em conta as informações técnicas a que se refere o parágrafo anterior. Art. 5º. O plebiscito destinado à criação, à incorporação, à fusão e ao desmembramento de Municípios, será convocado pela Assembléia Legislativa, de conformidade com a legislação federal e estadual. Art. 6º. Nas demais questões, de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o plebiscito e o referendo serão convocados de conformidade, respectivamente, com a Constituição Estadual e com a Lei Orgânica. Art. 7º. Nas consultas plebiscitárias previstas nos arts. 4o e 5o entende-se por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento; em caso de fusão ou anexação, tanto a população da área que se quer anexar quanto a da que receberá o acréscimo; e a vontade popular se aferirá pelo percentual que se manifestar em relação ao total da população consultada. Art. 8º. Aprovado o ato convocatório, o Presidente do Congresso Nacional dará ciência à Justiça Eleitoral, a quem incumbirá, nos limites de sua circunscrição: I - fixar a data da consulta popular; II - tornar pública a cédula respectiva; III - expedir instruções para a realização do plebiscito ou referendo; IV - assegurar a gratuidade nos meio de comunicação de massa concessionários de serviço público, aos partidos políticos e às frentes suprapartidárias organizadas pela sociedade civil em torno da matéria em questão, para a divulgação de seus postulados referentes ao tema sob consulta. Art. 9º. Convocado o plebiscito, o projeto legislativo ou medida administrativa não efetivada, cujas matérias constituam objeto da consulta popular, terá sustada sua tramitação, até que o resultado das urnas seja proclamado. Art. 10. O plebiscito ou referendo, convocado nos termos da presente Lei, será considerado aprovado ou rejeitado por maioria simples, de acordo com o resultado homologado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Art. 11. O referendo pode ser convocado no prazo de trinta dias, a contar da promulgação de lei ou adoção de medida administrativa, que se relacione de maneira direta com a consulta popular. Art. 12. A tramitação dos projetos de plebiscito e referendo obedecerá às normas do Regimento Comum do Congresso Nacional. Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles. § 1º - O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto. § 2º - O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa ou de redação. Art. 14. A Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no art. 13 e respectivos parágrafos, dará seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do Regimento Interno. Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 18 de novembro de 1998; 177º da Independência e 110º da República. FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

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– como no caso da medida provisória – pelo ato complexo de produção de lei,

envolvente do Poder Legislativo e do Poder Executivo, evidente que o exercício do

Poder por representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição,

converge para uma operacionalização do arcabouço do Estado, nos termos próprios

do artigo 60, § 4º, inciso IV, que sacramenta como cláusula pétrea constitucional a

separação dos Poderes entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

Nestes termos, fica evidente que, em nenhuma hipótese, a Constituição da

República Federativa do Brasil admite o exercício do Poder que não seja por via da

consumação de sua ação dentro do sistema de tripartição de Poder criado por

Montesquieu, ainda que se considere o exercício deste diretamente pelos cidadãos

dentro da estrutura da Constituição.

Com isto, a medida provisória será constitucional se puder ser

operacionalizada neste complexo de relações de poder, distribuído entre seus

agentes (o Executivo, o Legislativo e o Judiciário) e entre eles compartilhado o seu

exercício e inconstitucional, se for causa de oposição entre eles, por colocá-los em

confronto.

Assim é que a autenticidade da democracia repousa na autenticidade da

representação195, em que vêm expressivas lições de Clèmerson Merlin Clève:

Se é certo que as espécies normativas primárias elencadas no art. 59 da Constituição Federal substanciam ato legislativo (e, portanto, lei), não é menos certo que, como antes afirmado e, conforme está assentado na doutrina, apenas a complementar e a ordinária constituem lei formal. Trata-se de estabelecer, em virtude de convenção firmada pelo senso comum teórico dos juristas, a distinção entre lei (ato legislativo) – gênero – e lei formal (ato legislativo) – espécie. Ora, a lei formal (emanação do Poder Legislativo, detentor da função legislativa ordinária, que exprime no contexto democrático- pluralista um processo público geral (já que dele participa a generalidade dos sujeitos políticos), não é outra coisa senão o modo como se coordenam o maior número de interesses particulares. Logo „a legislação pelo parlamento envolve a noção de representatividade e de debate público anterior à eficácia do ato, ilustrando a idéia de que a democracia não se

RENAN CALHEIROS Como se verifica, a conciliação que combina o princípio da representação com aquele do exercício direto do Poder pelo cidadão é sempre dimanado do princípio da separação dos Poderes, haja vista a participação do Poder Legislativo nos atos plebiscitários, referendários e de projetos legislativos de iniciativa popular. De forma clara, esta evidência encontra respaldo no inciso XV, do artigo 48 da Constituição da República Federativa do Brasil. A competência privativa para autorizar o referendo e convocar plebiscito é do Congresso Nacional.

195Esta frase seria de Antonio Carlos de Andrada e Silva, irmão de José Bonifácio de Andrada e Silva, que o estudante apreendeu em tradição familiar, desconhecendo, contudo, em que se desculpa, de onde possa ter sido extraída.

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exaure no momento eleitoral‟. Na democracia pluralista, a lei formal configura espécie de condensação de relação de forças entre sujeitos coletivos distintos, mediatizados pela figura do mandatário eleito. Pode ser traduzida como síntese do debate parlamentar, produto da interação comunicativa processualizada e pública. No Direito brasileiro, adotado o regime presidencialista de governo, a lei formal carrega, ainda, a noção de somatória de vontades manifestadas por dois Poderes, o Legislativo e o Executivo. Trata-se, portanto, de ato complexo. Entre nós, em consequência, a lei formal é espécie de ato legislativo definida pela origem (ato do Congresso Nacional), pela forma (forma de lei complementar ou ordinária), pelo procedimento (devido processo legal legislativo: ato público em que o debate precede a vigência), pela força (força ativa e passiva de lei), assim como pela natureza (ato complexo).

Neste ponto, é possível superar um argumento recorrente nos escritos daqueles que negam à medida provisória a natureza de lei: não se converte em lei algo que já é lei. A compreensão do art. 62 da Constituição não pode ser prisioneira da interpretação literal. Apenas uma interpretação sistemática é capaz de revelar o sentido do dispositivo constitucional. Por esta razão, uma vez adotada, a medida provisória (lei ou ato legislativo) deve ser submetida, imediatamente, ao Congresso Nacional, para conversão em lei formal. Está-se referindo, então, à conversão de lei precária e sujeita à condição resolutiva em lei permanente derivada do processo público inerente à elaboração da lei formal. Nada mais do que isso: uma espécie de lei (a medida provisória: ato provisório) é convertida em outra espécie de lei (a lei formal, no caso, lei ordinária: ato permanente).

196

Com o que arremata:

Lembra Zagrebelsky que os decretos-leis são uma necessidade. Fontes de emergência existem – com nomes e formas diversas – em todas as Constituições fundadas sobre a atribuição ordinária da função legislativa ao parlamento representativo. Elas prestam-se para superar a lentidão procedimental e política, nem sempre evitáveis em sede parlamentar. Sob este aspecto, o decreto-lei não contraria, necessariamente, o princípio de atribuição ordinária da função legislativa do Parlamento.

197

Eis aí como o instituto medida provisória se ajusta ao bojo da Constituição da

República Federativa do Brasil, acomodando-se em suas entranhas essenciais,

consentaneamente com a cláusula pétrea da separação de Poderes.

Usada dentro de seus parâmetros e limites de constitucionalidade, a medida

provisória não é causa de confronto entre os Poderes. Este somente surge quando o

seu uso é abusivo – como ocorre neste País.

Não é que se diga que nas virtudes de superação de crises do

Parlamentarismo, estaria melhor posta a medida provisória, é que também o

Presidencialismo a pode absorver sem traumas ou confrontos de Poder, nos

196

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 59-60. 197

Ibid., p. 20.

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parâmetros de um processo complexo, como é, em si, o atual processo legislativo

constitucional, mediados eventuais conflitos entre os poderes pela Justiça

Constitucional, considerado o necessário equilíbrio entre eles e o papel atribuído ao

Supremo Tribunal Federal de guardião da Constituição, o qual, nessas condições,

poderá controlar a constitucionalidade de medidas provisórias abusivas,

indiretamente, mediando confrontos entre o Legislativo e o Executivo, para eliminar

as áreas de atrito entre eles.

A medida provisória não atenta contra o princípio constitucional da separação

dos Poderes e nem esse pode ser entendido como um arquétipo para

movimentação do Estado, em que as áreas de atuação de cada um de seus

Poderes sejam herméticas e exclusivas, muito ao contrário, já se vê que o

dinamismo que se impõe à sua intelecção admite de lege ferenda outros moldes

para o sistema, em que vale, sobretudo, a sua razão ética de existir, como um

instrumento de garantia da liberdade.

O confronto de Poder que possa decorrer da medida provisória, não está

colocado nela exclusivamente e em sua instrumentalização constitucional, ele está

centrado no uso abusivo do instituto pelo Poder Executivo, que não se restringe

precipuamente à obediência dos requisitos formais de relevância e urgência, sem

embargo de não se conter ademais no leito constitucional em que se traça a

materialidade possível da legislação por medida provisória e quando se trata de por

ela legislar e assim o Poder Executivo acaba sufocando o Poder Legislativo, com

uma pletora de medidas provisórias impróprias e impossíveis de interpretação,

compreensão e votação razoáveis, nos critérios necessários à higidez do Direito e

do processo legislativo.

Eis então que o confronto de Poder nesta hipótese não deveria existir e

quando de fato ocorre exprime uma disfunção do sistema, que pode ser corrigida.

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8 CONSEQUÊNCIAS DA PERDA DE EFICÁCIA DA MEDIDA PROVISÓRIA

A medida provisória convertida em lei tem convolado em definitivo seu

mandado que era precário, pela superação da condição resolutiva de sua eficácia.

Se, no entanto, ela é rejeitada ou perde eficácia por decurso de prazo,

vencidos os 120 dias de sua edição antes de ser apreciada pelo Congresso

Nacional, ela perde vigor ex tunc, devendo as relações jurídicas decorrentes de sua

vigência ser reguladas por decreto legislativo, o qual se não for por ele editado em

até 60 dias dessa perda de força legal da medida provisória, fará com que ela

recupere efetividade para sujeitar a seus dispositivos as relações jurídicas surgidas

no período de sua existência legal, como permite o § 11, do artigo 62, da

Constituição da República Federativa do Brasil.

Entretanto, a rejeição pelo Congresso Nacional e a perda de eficácia da

medida provisória, se ela não for apreciada por ele no prazo legal, não são as únicas

hipóteses em que a medida provisória deixa de viger, exigindo-se, então, a disciplina

das relações jurídicas por ela encetadas, pelo decreto legislativo e à sua falta, de

novo, a restauração do vigor da medida provisória rejeitada, nos termos do já

referido § 11.

O § 12, do artigo 62, da Constituição Federal, possibilita vigor para uma

medida provisória, que em sua passagem pelo Congresso Nacional venha ser

modificada total ou parcialmente, até sua sanção, promulgação e publicação.

Contudo, se essa medida provisória for objeto de veto do Presidente da República e

o Congresso Nacional não derrubá-lo, a medida provisória por força do dispositivo

literal desse § 12, do artigo 62, de nossa Constituição, terá vigência até o momento

em que se verificar impossível a superação do veto e uma vez evidente que esse

não foi derrubado no Congresso Nacional. Cessando com isso a medida provisória

de ter vigor, será necessária a edição por ele do decreto legislativo para disciplina

das relações jurídicas surgidas durante a vigência dela e à sua falta por

consequência do § 11, do artigo 62 já referido, a medida provisória recuperará vigor.

Disso resulta a evidência de serem gêmeos os §§ 11 e 12, do artigo 62, da

Constituição da República Federativa do Brasil, ambos merecendo assim

interpretação interligada, porque a situação do § 12 somente pode ser encaminhada

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para solução razoável em termos constitucionais – na situação da medida provisória

vetada pelo Presidente da República e sem que o Congresso Nacional logre

derrubar o veto – nos termos do § 11 à falta do decreto legislativo que o Poder

Legislativo deveria ter editado e não editou.

A razão dessas circunstâncias postas na convalidação da medida provisória à

falta do decreto legislativo, que deveria disciplinar as relações jurídicas surgidas sob

a égide da medida provisória enquanto ela vigeu, está em que é garantia

constitucional expressa no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição da República

Federativa do Brasil, a higidez do ato jurídico perfeito, da coisa julgada e do direito

adquirido, em face da lei nova e se não houvesse a previsão constitucional para o

decreto legislativo e sucessivamente a hipótese de convalidação da medida

provisória à falta dele, as relações jurídicas surgidas no período de eficácia da

medida provisória em que se consubstanciam a coisa julgada, o ato jurídico perfeito

e o direito adquirido, restariam sem disciplina legal e a garantia constitucional

vilipendiada.

Editada a medida provisória, que entra em vigor imediatamente, as normas com ela incompatíveis ficam revogadas condicionalmente. A revogação opera-se sob condição resolutória, consistente na conversão da medida provisória em lei. Não ocorrida a condição, isto é, não aprovada a medida provisória, a revogação deixa de existir, tal como se uma nova lei houvesse revogado a medida provisória.

A única diferença é que, não se tratando propriamente de revogação da medida provisória, mas de sua não convalidação, as normas que haviam sido por ela revogadas voltam a ter vigência. Não se pode fazer de conta que elas nunca tenham saído do ordenamento jurídico. Elas saíram. Foram revogadas. Voltam como normas novas. Reingressam no ordenamento jurídico como normas editadas na data em que perdeu vigência a medida rejeitada. Aplicam-se aos fatos ocorridos durante o período de vigência da medida provisória rejeitada, porque esta perdeu a vigência desde a data de sua edição, mas não podem essas normas reintroduzidas no sistema jurídico, alcançar a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, decorrentes da medida provisória rejeitada. A não ser, assim, instaurada a mais completa insegurança jurídica.

É inadmissível o entendimento segundo o qual a rejeição, expressa ou tácita, da medida provisória, implica a reposição de tudo na situação anterior à sua edição. Se o Congresso Nacional deve disciplinar as relações jurídicas decorrentes da medida provisória não aprovada, é porque tais relações sobrevivem. Disciplinar tais relações não pode significar suprimi-las. E, nesse disciplinamento, ou na omissão do Congresso, devem ser respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

As normas anteriormente revogadas, ou as normas editadas pelo Congresso Nacional para disciplinar as relações jurídicas decorrentes da medida provisória rejeitada, são normas novas no ordenamento. Elas não incidiram sobre os fatos ocorridos durante o período de vigência da medida provisória rejeitada. O princípio da segurança jurídica repele sejam a tais

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fatos aplicadas. A prescrição constitucional segundo a qual a medida provisória rejeitada perde sua eficácia (ou vigência, como preferimos), há de ser entendida no contexto da Constituição, que preserva, em nome da segurança jurídica, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, nos casos de normas que se devam aplicar a fatos do passado.

A aplicação, aos fatos ocorridos durante a vigência da medida provisória rejeitada, seja das normas que o Congresso edite para regular as relações jurídicas então criadas, seja das normas do ordenamento, restauradas em face da omissão do Congresso, deve ocorrer dentro dos limites que a própria Constituição tolera.

198

Esta pelo menos é a conclusão que se pode extrair do pensamento do Ministro Gilmar Mendes, posto no excerto abaixo de sua obra.

O que se haverá de resguardar são as relações ocorridas enquanto a medida provisória esteve em vigor. Mesmo assim, porém, se a medida provisória rejeitada instituía uma alteração no modo de ser de relações que a antecediam, a regulação que estabeleceu somente haverá de colher os fatos que se deram no tempo em que esteve em vigor. A regulação criada pela medida provisória não se projeta para o futuro; apenas preserva a validade dos atos praticados antes de ser repelida. Rejeitada a medida provisória, torna a vigorar a regra que ela havia alterado.

199

De fato, trata-se de situação especialíssima no Direito brasileiro, em que a

solução do § 11, do artigo 62, da Constituição, em face da omissão do Congresso

Nacional, intenta assegurar o mandamento de seu inciso XXXVI, artigo 5º já referido,

e nem se pode relacionar a hipótese com a proibição da repristinação da lei, nos

termos do artigo 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao Código Civil, exatamente por

causa de que a convalidação da disposição em contrário à medida provisória que

perdeu a eficácia, resulta de disposição constitucional.

Porém, como observa Alexandre de Moraes200, o § 11, do artigo 62 analisado,

alterando os efeitos da medida provisória que perdeu a eficácia de efeito ex tunc

para ex nunc, consuma um retrocesso a padrões de constitucionalidade das Cartas

de 1967 e 1969, fazendo viger para o futuro, conclui-se, um dispositivo com força de

lei, que perdeu esse atributo excepcional sem nunca ter sido lei definitivamente e

como se lei fosse, haja vista sua permanente disciplina das relações jurídicas

surgidas enquanto em vigor a medida provisória que perdeu a eficácia e como se

dava no antigo decreto-lei das duas últimas constituições anteriores à vigente:

198

MACHADO, Hugo de Brito. Efeitos da medida provisória rejeitada. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 83, v. 700, p. 46-47, fev. 1994.

199MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 939.

200MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2003. p. 1128.

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Dessa forma, a rejeição das medidas provisórias, seja expressa, seja tácita, opera com efeitos retroativos “ex tunc” –, competindo ao Congresso Nacional a edição do decreto legislativo para disciplinar as relações jurídicas dela decorrentes.

Caso, porém, o Congresso Nacional não edite o decreto legislativo no prazo de 60 dias após a rejeição ou perda de sua eficácia, a medida provisória continuará regendo somente as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência.

Assim, diferentemente do texto original da Constituição da República, a EC nº 32 estabeleceu prazo de 60 dias para o exercício da competência congressual em regulamentar as relações jurídicas na hipótese de rejeição das medidas provisórias.

A inércia do Congresso Nacional no exercício de sua competência acarretará a conversão dos tradicionais efeitos “ex tunc” (retroativos), decorrentes da rejeição da medida provisória, para efeitos “ex tunc” (não retroativos). Trata-se, pois, de envergonhado retorno aos efeitos não retroativos decorrentes da rejeição expressa do antigo Decreto-lei. Ressalte-se, porém, que essa transformação de efeitos somente ocorrerá caso o Congresso Nacional não edite o necessário Decreto legislativo no prazo constitucionalmente fixado.

Dessa forma, a Constituição permite, de forma excepcional e restrita, a permanência dos efeitos de medida provisória ou tacitamente rejeitada, sempre em virtude de inércia do Poder Legislativo.

Além disso, a EC nº 32/01 estabeleceu que, aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, sua vigência permanecerá integralmente até que seja sancionado ou vetado o projeto.

Mas as consequências da solução do problema de disciplina das relações

jurídicas surgidas com a medida provisória que perdeu eficácia não ficam nisso

apenas porque elas empalmam a vigência de um dispositivo legal expressa ou

tacitamente recusado pelo Congresso Nacional, que é o órgão que tem a titularidade

constitucional para a promoção do processo legislativo e, por sequela, isso ofende a

cláusula pétrea da separação dos Poderes posta no artigo 60, § 4º, inciso III, da

Constituição, e porque o dispositivo que passa assim a viger como lei não o quisera

vigendo o Congresso Nacional, que o rejeitou como tal, mas que fora desejado pelo

Presidente da República, aqui, sim, ocorrendo um evidente conflito de Poder, sem

embargo de que faça ademais o § 11, do artigo 62, em questão, viger como se lei

fosse o que não é lei, o que confronta o princípio da legalidade.

Clèmerson Clève Merlin, na situação do artigo 62, da Constituição da

República Federativa do Brasil, anteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11

de setembro de 2001, refletira:

O Direito Brasileiro oferece remédio para o caso de omissão, por parte do Congresso, de providência reclamada pela Constituição. Neste caso, são cabíveis a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103),

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e, em determinadas circunstâncias, o mandado de injunção (CF, art. 5º, LXXI); o último, satisfeitos os pressupostos constitucionais, impetrado pelos que estão a sofrer prejuízo com a censurável inércia do Legislador (primeira questão). Não se pode esquecer, também, a possibilidade de composição de danos. De qualquer modo, o art. 6º, da Resolução nº 1, do Congresso Nacional, ao tratar da matéria, determina que, rejeitada a medida provisória, será, desde logo, elaborado decreto legislativo disciplinando as relações jurídicas constituídas durante sua vigência.

201

Em verdade, a questão pouco mudou. O Congresso Nacional tem o dever de

editar o decreto legislativo para disciplina das relações jurídicas surgidas durante a

vigência da medida provisória que perdeu eficácia, e a sua falta desafia a ação de

inconstitucionalidade por omissão, para suprir a falta do Congresso Nacional, e

porque o § 11, do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil,

contém em si o vírus da inconstitucionalidade, pelas razões demonstradas e como

se pode deduzir à vista do entendimento de Paulo Napoleão Nogueira da Silva:

§ 11 - Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3° até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

O § 3º já foi comentado, inclusive quanto à matéria aqui tratada. Vale acrescentar, porém: o presente parágrafo parece haver criado um vácuo normativo de natureza temporal, no mínimo uma imprecisão redacional.

Com efeito, as relações jurídicas constituídas em consequência de medida provisória rejeitada, ou que perdeu sua eficácia, continuarão sendo por ela regidas se o decreto legislativo não for editado em até 60 dias; no entanto, o enunciado não detalha como serão regidas tais relações “durante” esse lapso. Na verdade, se a medida provisória “já foi rejeitada”, ou “perdeu sua eficácia”, não pode mais continuar produzindo efeitos; além disso, são coisas distintas a rejeição ou a perda de eficácia, de um lado, e a edição do decreto legislativo, de outro: juridicamente, nada se equipara em termos de conseqüência, tanto que após os aludidos 60 dias – mas, só então – a medida provisória em questão continuará a reger aquelas relações.

A conclusão é a de que mais um assunto foi deixado em branco, neste caso pelo constituinte derivado, a permitir eventuais polêmicas que terminarão no Supremo Tribunal Federal.

202

201

CLÈVE, Clèverson Merlin. Medidas provisórias. São Paulo: Max Limonad, 1999. p. 103-109. 202

BONAVIDES, Paulo; MIRANDA, Jorge; AGRA, Walber de Moura. Comentários à Constituição Federal de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 1.032.

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8.1 Medida Provisória e Vácuo de Legislação

O vácuo legislativo estaria no período de 60 dias que se interpola entre a

perda de eficácia da medida provisória e a edição do decreto legislativo destinado a

disciplinar as relações jurídicas surgidas durante a vigência dela, porque o § 11, do

artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, diz que as relações

jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida

provisória continuarão por ela regidas, se esse decreto legislativo não for editado em

até 60 dias de rejeição ou perda de eficácia.

Essa situação de fato ocorre e pode ser constatada pelo simples cotejo entre

os §§ 3º e 11, do artigo 62, da Constituição, que são reproduzidos abaixo.

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 11 Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.

Se o § 11 suprarreferido menciona que as relações constituídas e decorrentes

dos atos praticados durante a vigência da medida provisória conservar-se-ão por ela

regidas, em caso de rejeição ou perda de eficácia da medida provisória, na hipótese

de não edição do decreto legislativo que regulamente as relações jurídicas

decorrentes de sua vigência, para cuja edição o § 3º, do artigo, 62 da Constituição

da República Federativa do Brasil, admite um prazo de 60 dias, a conclusão que se

pode tirar da literalidade desses dispositivos é que a medida provisória somente terá

validade após sua rejeição ou perda de eficácia, configurada a omissão do

legislador, quanto ao decreto legislativo, vencido o prazo de 60 dias que ele teria

para editá-la.

Então, se a medida provisória somente pode regular situações decorrentes de

sua vigência perdida, se não houver a edição do decreto legislativo e para o que o

Congresso Nacional dispõe de 60 dias, nesse período não haveria mesmo diploma

de disciplina para as relações jurídicas decorrentes da medida provisória que perdeu

a eficácia, enquanto o Congresso Nacional nada editar.

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Somente configurada a omissão do Poder Legislativo, em editar o

considerado decreto legislativo, é que a medida provisória continuaria a viger.

Entretanto, essa situação não pode ser aceita pelo Direito, como abaixo

concluído.

O § 3º, do art. 62, da Constituição, prevê que as relações jurídicas formadas durante o período em que a medida provisória esteve em vigor deverão ser disciplinadas pelo Congresso Nacional, por meio de decreto legislativo.

Atento às desastrosas conseqüências que a perda de vigência da medida provisória pode acarretar no âmbito da segurança das relações, o constituinte prevê que o Congresso regulará essas relações.

Esse preceito já existia antes da Emenda Constitucional nº 32/2001, mas raramente se concretizava. A Emenda, então, dispôs, no § 11, do art. 62, da Constituição que se a regulação das relações advindas da medida provisória não-convertida em lei não se consumar em até sessenta dias da rejeição ou da caducidade, essas relações hão de se conservar regidas pela medida provisória.

Criou-se, desse modo, uma hipótese de ultra-atividade da medida provisória não convertida em lei, mas apenas para a disciplina das relações formadas com base na mesma medida provisória e durante a sua vigência.

O texto constitucional não é claro no que pertine ao que ocorre durante o prazo de sessenta dias de que o Congresso dispõe para a edição do decreto legislativo. O intuito da norma e a sua compreensão no novo sistema instaurado pela Emenda nº 32/2001 conduzem a crer que, nesse período, as relações continuam sob a regência da medida provisória, somente dela se apartando se o Congresso dispuser a discipliná-la diferentemente. Entender de outra forma corresponderia a aceitar um vácuo normativo no período em que se aguarda a deliberação do Congresso, o que não atende ao propósito da segurança jurídica que inspirou o próprio dispositivo da Lei Maior.

203

Não obstante, existe mesmo um vácuo, como está patente na própria citação

acima instrumentalizada.

A questão da possibilidade da existência de um vácuo legislativo é o tema

principal deste tópico, no sentido de saber se a medida provisória que perdeu a

eficácia propicia ou não dentro do período de 60 dias, entre esse evento e a edição

do decreto legislativo de disciplina das relações jurídicas surgidas no período de sua

eficácia, a ocorrência desse fenômeno.

203

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 938.

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8.2 Sobre o Vácuo de Legislação em um Sistema Jurídico

Os limites para compreensão de um sistema jurídico não existem. O

raciocínio jurídico propende ao infinito e é tão difuso quanto são as complexidades

de alma do ser humano.

Vale para seu entendimento o brocardo de que nem tudo que reluz é ouro,

nem tudo que balança cai e nem tudo que parece é.

O analista jurídico é um pescador de águas turvas204, que o que não vê hoje

pode enxergar e entender amanhã, como se a compreensão do fenômeno jurídico

fosse impossível ontem e se tornasse pela reflexão compreensível hoje. É

absolutamente mutável no futuro, marcando-se por um dinamismo que se haure na

dinâmica da factualidade com quem tem de guardar correspondência para ser

efetivo e concreto, dentro de um complexo de princípios parametrais, em que se

insculpem os transcendentais valores da civilização e da sociabilidade.

Sem que sejam impostos limites ao pensamento, para efeitos de

consideração de um sistema jurídico205, o raciocínio deste trabalho será

parametrizado por dois conceitos de compreensão e entendimento de um sistema

jurídico.

Sob o primeiro prisma, os sistemas jurídicos seriam completos. Neles não

haveria lacunas reais, apenas fictícias, e os fenômenos do mundo seriam regrados

por disposições explícitas proibitivas ou autorizantes de comportamentos ou

implicitamente impeditivas de fazer ou não fazer certas coisas.

Sob o axioma de que tudo que não está proibido é permitido, esta

compreensão de um sistema jurídico, assim posta em termos pragmáticos, ancora-

se no entendimento de Hans Kelsen. Dessa concepção resulta a conclusão da

204

Este é um pensamento do professor Guido Soares da Silva, em preleções da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em que o aluno se bacharelou.

205A função social da dogmática jurídica está no dever de limitar as possibilidades de variação na aplicação do direito e de controlar a consistência das decisões, tendo por base outras decisões. Só a partir de um estudo científico-jurídico é que se pode dizer o que é juridicamente possível. O ideal dos juristas é descobrir o que está implícito no ordenamento jurídico, reformulando-o, apresentando-o como um todo coerente e adequando-o às valorações sociais vigentes (DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada com referências ao Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 141).

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completude do sistema jurídico, capaz de conter tudo o que seja necessário para

imprimir as regras da vida.

Admitindo lacunas fictícias ou simplifique-se, vácuos de legislação206, esse

conceito de sistema jurídico as entende como limites impostos ao aplicador do

Direito de maneira a lhe possibilitar a identificação do linde para a sua ação.

Sob o outro prisma, o sistema jurídico seria um plexo complexo de múltiplos

subsistemas que se integrariam em um caroço enredado de princípios postos e

pressupostos, de que dimanam as regras, primeiramente as normas, todos eles

nortes efetivos de conduta e comportamento, que emanam do contexto do Direito,

promanando para a contextualidade do social. 207

Sob essa ótica as lacunas seriam reais e não exclusivamente normativas,

enfeixando-se estas com outras de natureza ontológica e axiológica. Haveria nessa

hipótese a necessidade, por exemplo, de uma operacionalização do direito, pelos

parâmetros, de norma, fato e valor e a urdição da Justiça, combinaria em síntese a

interação desses fenômenos, para ser suficientemente humana, razoável e justa.208

Nesse diapasão, o Direito é conjunto, sendo a ideia de conjunto fundamental

para a compreensão de qualquer norma e, nesse sentido, conjunto é harmonia de

fatores produtivos e da Justiça, reitere-se fato, norma e valor. É ausência de

incongruências, de conflitos, e a melhor interpretação é a que ajusta a norma ao

sistema e evita os confrontos, postos nos momentos de incongruência do sistema,

206

É histórico que os interpretadores medievos dos textos de direito romano qualificaram lacunas efetivamente as rupturas dos tecidos dos papéis que analisavam no exercício de suas interpretações jurídicas e em face delas, passavam a intuir por processo interpretativo sistêmico o senso das disposições que interpretavam.

207Os princípios gerais do direito, entendemos, não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivadas (DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao Código Civil brasileiro interpretada com referências ao Novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 131).

208É necessário que se esclareça, a esta altura, que tomo a interpretação como atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em normas; „a interpretação‟ é meio de expressão dos „conteúdos normativos‟ das disposições, meio através do qual o juiz desvenda as normas contidas nas disposições (Zagrebelsky 1990/68 e ss. e Grau 1995/5-7, 1997ª/55 e ss. e 1998/65 e ss.). Por isso, as normas resultam da interpretação e podemos dizer que elas, „enquanto disposições‟, não dizem nada – elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem. O intérprete dotado de poder suficiente para „criar‟ as normas, a partir delas construindo, em cada caso, a „norma de decisão‟, é o „intérprete autêntico‟. No sentido conferido a essa expressão por Kelsen (1979/469 e ss.) – isto é, fundamentadamente o juiz (GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e o Direito pressuposto. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 95).

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vindo a insegurança do intérprete ser eliminada por critérios valorativos de

ponderação entre o elemento sistêmico ou sistemático e o teleológico ou finalístico,

em amplitude normativa, antológica e axiológica.

Não haveria por consequência, trabalhando-se sob essa inspiração hipótese

de lacuna que não fosse preenchível pelo intérprete em face do apontado vácuo da

medida provisória.209

Ante essa evidência seria mesmo confrontável o raciocínio de que se fariam

necessárias as balizas e injunções dos §§ 11 e 12, do artigo 62, da Constituição da

República Federativa do Brasil, que atribuem à medida provisória que perdeu a

eficácia ultratividade, ainda que seja para ressalva de relações jurídicas surgidas em

sua vigência. Porque a multiplicidade de elementos dotados de juridicidade haurida

no plexo complexo de um sistema aberto para compreensão do Direito permitiria a

eleição da norma justa e razoável para assegurar a efetividade dos direitos daqueles

afetados pelas medidas provisórias.210

O sistema jurídico brasileiro, em face fundamentalmente das disposições dos

artigos 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, Decreto-lei nº 4.657, de 4 de

setembro de 1942, que se arremata pela disposição do artigo 126, do Código de

Processo Civil, está suficientemente aparelhado para solucionar questões relativas

sob ótica de juridicidade sistêmica, que possam decorrer do apontado vácuo

legislativo de fato ocorrente no período compreendido entre a perda de eficácia da

medida provisória e a edição do decreto legislativo que disponha sobre as relações

jurídicas surgidas em sua vigência.211

209

Conforme MACHADO, Hugo de Brito. Regulamentação das relações jurídicas decorrentes de medidas provisórias. A questão da não-conversão em lei e a perda da eficácia. A derrogação de leis anteriores. Boletim de Direito Administrativo, São Paulo, p. 403-412, jun. 1997.

210Técnica interpretativa teleológica e integração das lacunas ontológica e axiológica. O art. 5º, „sub examine‟, indica ao magistrado o critério do fim social e o do bem comum como idôneos à adaptação da lei às novas exigências sociais e aos valores nela positivados, tanto na interpretação como na integração da lacuna ontológica ou axiológica. O bem comum e a finalidade social são fórmulas gerais ou valorativas que uniformizam a interpretação, constituindo pontos referenciais para que se aprecie a lei a aplicar sob o prisma do momento de sua aplicação. O art. 5º está a consagrar a equidade como elemento de adaptação e integração da norma ao caso concreto (DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 7).

211Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

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188

8.3 Da Disciplina das Relações Jurídicas Originárias das Medidas

Provisórias Faltas de Eficácia

Como se expôs, a disciplina das relações jurídicas originárias das medidas

provisórias faltas de eficácia deve ser feita por decreto legislativo nos termos do § 3º,

do artigo 62, da Constituição Federal, nas hipóteses de suas rejeições expressas ou

tácitas, estas últimas por perda de eficácia em consequência da não conversão

delas em lei, no prazo de 120 dias. Faltante o decreto legislativo, essas relações

continuarão disciplinadas pela medida provisória nos termos dos §§ 11 e 12, desse

mesmo artigo, de nossa Constituição.

Verificada a situação anterior à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de

setembro de 2001, o balanço das medidas provisórias é o que consta do quadro

abaixo.

Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e princípios gerais do direito.

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Quadro 1 - Medidas Provisórias anteriores à Emenda Constitucional nº 32, de 2001

Medidas Provisórias – Edição e rejeição por Governo (1988 – 2001)*

*Anteriores à EMC nº 32, de 11/9/2001. ** Inclui 699 reedições de medidas originárias dos governos anteriores. *** Inclui 137 reedições de medidas originárias dos governos anteriores. Fonte: COUTO, Claudio. O segundo governo FHC: coalizões agendas e instituições. Tempo social: revista de sociologia da USP, v. 15, n. 2, p. 269-301, nov. 2003. Extraído de: TEMER, Michel. Deixem o Legislativo legislar. Senatus, Brasília, v. 7, n. 1, p. 12-13, jul. 2009.

De outro bordo, posteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de

setembro de 2001, tem-se a situação que segue.

Medida Provisória

Governo

Total Geral Sarney

Collor

Itamar

FHC (1º)

FHC (2º)

Originárias 125 89 142 160 103 619

Reeditadas 22 70 363 2.449** 2.587*** 5.491

Convertidas 96 74 71 130 98 473

Revogadas 2 5 5 12 4 28

Sem eficácia 6 8 15 3 2 34

Rejeitadas 9 11 0 1 1 22

Com Decreto 1 1 5 0 0 7

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Quadro 2 - Medidas Provisórias posteriores à Emenda Constitucional nº 32, de 2001

Medidas Provisórias – Edição e rejeição por Governo (2001* – 2009)

*Posteriores à EMC nº 32, de 11/9/2001. ** Foi vetado o projeto de conversão. Fonte: Página da Presidência da República na internet - <http://www.presidencia.gov.br> Extraído de: TEMER, Michel. Deixem o Legislativo legislar. Senatus, Brasília, v. 7, n. 1, p. 12-13, jul. 2009.

Conclui-se, então, consideradas as medidas originárias e reeditadas no Brasil,

as quais atingiram até 2009, segundo o quadro acima, 6.946 edições e que

resultaram em 6.098 medidas provisórias, com eficácia perdida, que apenas 8 delas

tiveram as relações jurídicas ensejadas por suas eficácias, disciplinadas por decreto

legislativo, desde que existe, entre nós, a medida provisória, no período de 5 de

outubro de 1988 até junho de 2009, levadas em conta as informações extraídas dos

quadros acima.

Entretanto, o número de decretos legislativos com essa finalidade, até a

presente data e desde 5 de outubro de 1988, data da entrada em vigor da

Constituição da República Federativa do Brasil, que introduziu, entre nós, as

medidas provisórias, é o de somente 5 decretos legislativos, dos quais 4 anteriores à

Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Quais sejam, o decreto

legislativo nº 33, de 16 de dezembro de 1994, referindo-se à medida provisória nº

29, de 15 de janeiro de 1989; o decreto legislativo nº 27, de 22 de junho de 1994, às

medidas provisórias nºs 381, de 6 de dezembro de 1993, 408, de 6 de janeiro de

1994, 425, de 4 de fevereiro de 1994, e 446, de 9 de março de 1994; o decreto

legislativo nº 17, de 20 de abril de 1994, à medida provisória 434, de 27 de fevereiro

Medida Provisória

Governo

Total Geral

FHC (2º)

Lula (1º)

Lula (2º)

Editadas 102 240 119 461

Convertidas 84 201 90 375

Em tramitação -- -- 15 15

Prejudicadas 2 2 -- 4

Rejeitadas 14 9 7 30

Sem eficácia 1 8 3 12

Vetadas** 1 0 -- 1

Revogadas 0 2 4 6

Com Decreto 0 1 0 1

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de 1994; o decreto legislativo 166, de 28 de junho de 1991, à medida provisória 296,

de 29 de maio de 1991.

Por fim, posteriormente, à Emenda Constitucional nº 32, o decreto nº 14, de

10 de dezembro de 2004, à medida provisória nº 196, de 2 de julho de 2004, único

decreto legislativo a disciplinar relações jurídicas surgidas em consequência da

edição de medidas provisórias que perderam eficácia, posteriormente à Emenda

Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.

É o que pode ser conferido no quadro que segue, quanto às medidas

provisórias editadas anteriormente à Emenda Constitucional nº 32, de 11 de

setembro de 2001, em que são relacionados os decretos legislativos existentes com

as medidas provisórias a que eles se referem, indicando-se, em síntese, as matérias

por eles abrangidas.

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MEDIDAS PROVISÓRIAS REJEITADAS E QUE PERDERAM A EFICÁCIA: REGULADAS

POR DECRETO LEGISLATIVO ANTERIORES À EC 32

DECRETOS LEGISLATIVOS ANTERIORES À EC 32

Medida Provisória nº 29, de 15 de janeiro de 1989.

Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios

e dá outras providências.

DECRETO LEGISLATIVO Nº 33, DE 16 DE DEZEMBRO DE 1994: São convalidadas as relações jurídicas decorrentes dos atos administrativos que digam respeito à gestão orçamentária e financeira pública, praticados durante o período no qual teve eficácia a Medida Provisória nº 29.

Medida Provisória n° 381,

de 6 de dezembro de 1993. Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213,

de 24 de julho de 1991, e dá outras providências.

Medida Provisória n° 408, de 6 de janeiro de 1994.

Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991,

e dá outras providências.

Medida Provisória n° 425, de 4 de fevereiro de 1994.

Altera dispositivos das Leis nºs 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991,

e dá outras providências.

Medida Provisória nº 446, de 9 de março de 1994.

Altera dispositivos das Leis n°s 8.212 e 8.213, de 24 de julho de 1991,

e dá outras providências.

DECRETO LEGISLATIVO N° 27, DE 22 DE JUNHO DE 1994:

Consideram-se válidos, para todos os efeitos legais, os atos praticados pelo Poder Executivo durante a vigência das Medidas Provisórias n°s 381, de 6 de dezembro de 1993, 408, de 6 de

janeiro de 1994, 425, de 4 de fevereiro de 1994, e 446, de 9 de março de 1994.

Medida Provisória n° 434, de 27 de fevereiro de 1994.

Dispõe sobre o Programa de Estabilização Econômica, o Sistema Monetário Nacional,

institui a Unidade Real de Valor (URV) e dá outras providências.

DECRETO LEGISLATIVO Nº 17, DE 20 DE ABRIL DE 1994:

São mantidos os efeitos financeiros decorrentes da aplicação da Medida Provisória nº 434, de

1994, no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e do Ministério Público da União, referentes à retribuição dos servidores

públicos civis e militares, dos aposentados e dos pensionistas, exclusivamente em relação ao

mês de março de 1994.

Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação. Continua...

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Medida Provisória nº 296, de 29 de maio de 1991.

Altera a remuneração dos funcionários civis e militares da União e dá outras providências.

DECRETO LEGISLATIVO Nº 166,

DE 28 DE JUNHO DE 1991: São mantidos os efeitos financeiros decorrentes

da aplicação da Medida Provisória nº 296, de 29 de maio de 1991, incidente sobre as folhas de pagamento dos servidores civis e militares da União, referentes aos meses de

maio e junho de 1991.

Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação. Conclusão

Idêntica comparação se pode fazer entre o único decreto legislativo editado

após a vigência da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, a

regular relações jurídicas decorrentes de medida provisória que perdeu a eficácia e

a medida provisória que guarda relação com ele, como se expõe abaixo.

MEDIDA PROVISÓRIA REJEITADA

E REGULADA POR DECRETO LEGISLATIVO POSTERIOR À EC 32

DECRETO LEGISLATIVO

POSTERIOR À EC 32

Medida Provisória nº 196, de 2 de julho de 2004.

Abre crédito extraordinário, em favor dos Ministérios da Agricultura, Pecuária e

Abastecimento e do Meio Ambiente, no valor de R$ 86.080.000 para os fins que especifica.

DECRETO LEGISLATIVO Nº 14, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2004:

Consideram-se válidos e perfeitos, para todos os efeitos legais, os atos praticados e

os deles decorrentes, bem como as despesas executadas ou em execução sob a égide da

Medida Provisória nº 196, de 2 de julho de 2004, que autoriza a abertura de crédito extraordinário

pelos Ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente.

Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação.

Como se verifica, os decretos legislativos apenas ratificam a validade de atos

praticados nos termos das medidas provisórias que perderam a eficácia e a que eles

se referem.

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8.4 Arremate

Pesquisa no Congresso Nacional acusa o que se informa neste trabalho.

Projetos de Emenda Constitucional relativos às Medidas Provisórias.

ANO PEC EMENTA SENADOR

2003 SF PEC 69/2003

de 2/9/2003

Altera o § 1º, do artigo 62, da Constituição Federal, para vedar

a edição de medida provisória referente a matéria objeto de

veto rejeitado na mesma legislatura.

Rodolpho Tourinho

2004 SF PEC 14/2004

de 29/3/2004

Inclui novo parágrafo ao artigo 62, da Constituição Federal,

para prever que lei complementar fixe os

pressupostos de urgência para medidas provisórias.

Rodolpho Tourinho

2004 SF PEC 21/2004

de 27/4/2004

Altera o artigo 62, da Constituição Federal, para

estabelecer nova sistemática de edição de medidas provisórias pelo Presidente da República, com concessão de eficácia e

força de lei pela Mesa do Congresso Nacional.

Hélio Costa

2004 SF PEC 32/2004

de 25/5/2004

Dá nova redação ao art. 62, da Constituição Federal, que dispõe sobre a edição de

medidas provisórias.

Marcelo Crivella

2004 SF PEC 35/2004

de 9/6/2004

Altera o artigo 62, da Constituição Federal, para

acrescentar-lhe o § 13, na forma que especifica. (Dispõe sobre a edição de Medidas Provisórias).

Paulo Paim

2004 SF PEC 45/2004 de 24/8/2004

Altera o artigo 62, § 1º, I, da Constituição Federal, que

dispõe sobre as vedações à edição de medidas provisórias.

Renan Calheiros

2004 SF PEC 47/2004 de 17/9/2004

Altera a Constituição Federal para extinguir o instituto da

medida provisória.

Papaléo Paes

2004 SF PEC 56/2004 de 16/11/2004

Altera o art. 62, da Constituição Federal. (Alterar o processo de

votação e tramitação das Medidas Provisórias).

Eduardo Azeredo

2006 SF PEC 11/2006 de 21/2/2006

Dá nova redação ao caput do art. 62, da Constituição Federal,

para limitar a dez o número anual de medidas provisórias

que o Presidente da República poderá adotar.

José Jorge

Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação. Continua...

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Fonte: Autoria do próprio autor desta dissertação. Conclusão

Nenhum desses projetos externa preocupação com a questão da

regulamentação das relações jurídicas originárias nas medidas provisórias que

perderam eficácia.

Do cotejo desses elementos com outros já referidos neste trabalho que

acusam a existência de apenas 5 decretos legislativos, para regulação de medidas

provisórias que perderam a eficácia, seja por rejeição ou por decurso de prazo,

desde a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil que as

instituiu entre nós, resulta irrefutável que de fato não existe preocupação com essa

questão e que a sociedade e os seus representantes não exprimem dar importância

ao mandado do § 3º, do artigo 62, da Constituição, que dispõe sobre caber ao

Congresso Nacional por via do decreto legislativo disciplinar as relações jurídicas

decorrentes da medida provisória que perdeu eficácia.

2007 SF PEC 3/2007 de

6/2/2007

Acrescenta inciso V ao § 1º, do art. 62, da Constituição Federal, para vedar a edição da medida provisória sobre matéria objeto de projeto de lei em tramitação

no Congresso Nacional.

César Borges

2007 SF PEC 11/2007 de

1/3/2007

Altera o § 9º, do art. 62, da Constituição Federal, para

estabelecer que as medidas provisórias serão despachadas,

pela Mesa de cada uma das Casas, à comissão permanente

com a qual tenham maior pertinência temática.

Expedito Júnior

2007 SF PEC 78/2007 de

22/8/2007

Altera o art. 62, da Constituição Federal, para disciplinar a

edição de medidas provisórias. Marcelo Crivella

2008 SF PEC 25/2008 de

18/6/2008

Altera a redação do § 6º, do art. 62, da Constituição Federal,

para evitar o sobrestamento de deliberações legislativas da

Casa em que estiver tramitando a medida provisória.

Osmar Dias

2008 SF PEC 45/2008 de

10/12/2008

Acrescenta inciso ao art. 85, da Constituição Federal, que trata dos crimes de responsabilidade do Presidente da República, e

dá nova redação ao § 3º, do art. 167, que permite edição de

Medida Provisória para abertura de crédito extraordinário.

Flexa Ribeiro

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Este trabalho inspira-se em Paulo de Barros Carvalho, para sugerir a solução

do problema:

Uma análise mais apressada da parte final do parágrafo único do art. 62212

sugere que, rejeitada a medida provisória, esta há de perder sua eficácia, a contar da publicação (efeito “ex tunc”), movimentando-se o Congresso Nacional para o fim de disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes. Quem se ativer à leitura pura e simples do texto dificilmente deixará de entender que cabe ao Poder Legislativo regrar as situações jurídicas remanescentes, sempre que a proposta for rejeitada. Contudo, meditação mais atenta demonstrará logo que, havendo a perda de eficácia, contada da sua entrada em vigor, os efeitos da medida serão desfeitos. Isso naturalmente, com relação àqueles que suportarem o desfazimento, posto que os já consumados ganham definitividade, podendo, quando muito, estudar-se a composição dos danos porventura verificados. Se assim é considerando-se que tais situações fogem por completo dos esquadros genéricos da previsão legislativa, em vista da extraordinária gama de eventos que podem assumir tal condição de imutabilidade jurídica, o remédio apropriado será invocar-se a prestação jurisdicional do Estado para que, mediante a expedição de normas „individuais e concretas‟, o Poder Judiciário atenda às peculiaridades de cada caso, fazendo incidir o direito positivo nos variados tipos de concreção factual insusceptíveis de desfazimento. Tomemos o exemplo de alguém que se viu privado da liberdade, por virtude da aplicação da regra contida em medida provisória que não logrou aprovação (expressa ou tácita) pelo Parlamento. De evidência que a violação de seu direito à liberdade consolidou-se, de tal modo que a desconstituição do ato se tornou impossível. Cumpre ao prejudicado, em face da lesão de seu direito individual, buscar decisão judiciária que, não podendo recompor a situação anterior, determine a reparação do dano efetivamente praticado. Mas, convenhamos, isso dista de ser função do Poder Legislativo, mesmo porque, como já foi dito, os acontecimentos dessa natureza revestem-se de múltiplas e imprevisíveis colaborações existenciais, reclamando grau de especificidade que só o judiciário pode oferecer.

Mais e mais, cometida atribuição desse tope ao Legislativo, ficaria ele entretido com assuntos que julgou irrelevantes, inoportunos ou incompatíveis, representando autêntica violência contra esse Poder da República compeli-lo a restaurar a ordem jurídica arranhada por expedientes utilizados com açodo ou imprevisão pelo Executivo. Sua missão constitucional está bem longe de ser esta.

213

De fato, o Professor Paulo de Barros Carvalho parece ter razão. A solução

jurídica e constitucional de sorte a evitar o mal maior que é a regulação de relações

jurídicas em definitivo por instrumentos que não sejam lei, material e formalmente

falando, é que a composição da situação daqueles afetados por perda de eficácia de

212

Continua válido o raciocínio em face da atual redação do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, com sua alteração pela Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.

213CARVALHO, Paulo de Barros. Medidas Provisórias. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 97, ano 24, p. 38-39, jan./mar. 1991.

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medida provisória seja acertada pelo Poder Judiciário, de maneira até mesmo mais

justa e inclusive no campo da responsabilidade civil objetiva do Estado.

Lamentavelmente, de maneira tácita, tanto o Congresso como a sociedade, é

o que mostram as estatísticas, não se incomodam em permitir que medidas

provisórias que perderam a eficácia continuem a viger, eis que há reiterada omissão

do Congresso Nacional quanto a editar o decreto legislativo para o regramento das

situações pendentes em consequência da perda de suas vigências, enquanto elas

vigeram precariamente.

De outro bordo, a continuidade de vigência de medidas provisórias sem

eficácia por tempo indefinido e vigência permanente, como se dá na hipótese do §

11, do artigo 62, da Constituição da República Federativa do Brasil, na medida em

que consagra uma inconstitucionalidade, perde em favor da ideia de deixar em mãos

do Judiciário decidir sobre o que acontece com as relações jurídicas ocorrentes no

período de vigor de medidas provisórias que perderam vigência, porque isso é de

acordo com a estrutura geral da Constituição Brasileira de 5 de outubro de 1988,

apelidada com Justiça, Constituição Cidadã.

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CONCLUSÃO

A primeira conclusão que se extrai deste trabalho é a de que o nome técnico

do instituto jurídico com os contornos da medida provisória no Direito Europeu é o de

Decreto-lei.

No que tange aos requisitos de habilitação dessa figura normativa, a condição

que os identifica de relevância e urgência, com pertinência à medida provisória

propriamente dita e de necessidade e urgência com relação ao Decreto-lei italiano

ou de urgência ou interesse público relevante, em face do Decreto-lei brasileiro, nas

Constituições brasileiras de 1967 e 1969, entende-se que essa variação de

pressupostos, não obstante digressões jurídicas em suas verificações, para

conclusão da oportunidade de edição da medida, em verdade, é um circunlóquio.

A condição de habilitação do legislador para editar uma medida provisória sob

a ótica da doutrina emana de situação típica que pode ser identificada nas diretrizes

consignadas em definição do saudoso Geraldo Ataliba, que bem exprime o requisito

básico para a edição desta legislação especialíssima:

Para que se realize a hipótese de cabimento do decreto-lei [leia-se assim medida provisória] e que, portanto, se verifique o pressuposto de competência presidencial para expedi-lo, é necessário que surja uma situação imprevisível, configurando uma emergência exigente de providência normativa imediata. Vale dizer: que irrompa subitamente o estado de premência requerendo disciplina instantânea.

214

Contextualizadas essas circunstâncias, destrava-se, em senso doutrinário, a

autorização permissiva da atuação do titular do Poder Executivo em legislar pela

medida provisória, já como demonstrado, em cenário que não seja o que enseje o

estado de emergência ou o estado de sítio.

Essa conclusão à vista desta pesquisa é bastante plausível, na medida em

que resta evidente que, por seus contornos e aprofundamentos, se torna impossível

entender que a compreensão do Decreto-lei em parâmetro de similaridade com a

medida provisória signifique uma equiparação dela ao Decreto-lei das Constituições

214

ATALIBA, Geraldo. O decreto-lei na Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967. p. 183.

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de 1969 e 1967, muito embora haja quem considere a medida provisória um

sucedâneo do Decreto-lei, o que obviamente não é a conclusão deste aluno.

Outra questão que merece destaque, esta já refutada no bojo deste estudo, é

a relativa ao regulamento autônomo, em que pesem as doutas opiniões de Hely

Lopes Meirelles e Eros Roberto Grau, referidas no trabalho e admitentes do

regulamento autônomo no Direito brasileiro, e não obstante atualmente a já

apontada atuação do Conselho Nacional de Justiça215, a qual se caracteriza por uma

atuação de disciplina da Magistratura brasileira por meio de regulamentos, estes

com nítidas características de lei em senso material.

Assim importa reiterar que a conclusão deste estudo é a de que somente a lei

pode inovar a ordem jurídica, revogando as disposições conflitantes dentro da

estrutura da Constituição, a parafrasear o entendimento já referido no trabalho do

saudoso Osvaldo Aranha Bandeira de Melo, mencionado pelo não menos querido e

igualmente saudoso Professor Celso Bastos.

Este estudo conclui pela constitucionalidade da medida provisória, não

apenas pela literalidade da disposição constitucional, mas, substancialmente, por

sua circunstancialização no texto e contexto da Constituição da República

Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, com os quais ela é absolutamente

compatível e consentânea.

Tanto não bastasse, destaca-se a natureza de liceidade constitucional que

ostenta esse instrumento nos parâmetros do constitucionalismo europeu.

Trata-se, é o que se conclui, a medida provisória de um instrumento

legislativo necessário à disposição do Poder, para a solução de questões

215

O Jornal O Estado de São Paulo, de 21 de fevereiro de 2010, noticia CNJ manda vender bens apreendidos pela Justiça, referindo-se à autorização que este Conselho baixou para autorizar a venda de bens apreendidos em consequência de diligências policiais existentes em processos respectivos, com a seguinte especificação noticiosa: A recomendação leva em conta a conveniência e, sobretudo, a urgência na deliberação pelos juízes „em face da necessidade de administração dos bens apreendidos e que, sem prejuízo das determinações próximas ou futuras, estão sob a responsabilidade material administrativa do Judiciário‟. Os juízes, desde a data da efetiva apreensão, terão que manter „ rigoroso acompanhamento do estado da coisa ou bem, diretamente ou por depositário formalmente para isso designado sob responsabilidade‟. Este estudo não compartilha da estrita legalidade do procedimento e reitera sua opinião contrária ao regulamento autônomo, em que pese reitere-se pensamentos contrários que concretizam por regulamentos, procedimentos e ações que somente poderiam dar-se por via de lei, como este agravo referido do Conselho Nacional de Justiça.

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emergenciais, que a história aponta permanentemente ocorrentes no contexto

político nacional, a exigir pronta providência do Governo.

Na circunstância atual em que, por disposição constitucional, o recesso

parlamentar do Congresso Nacional não dispensa a constituição de uma

Comissão216, para responder por suas atividades nesse período, entende-se

pudesse haver interação imediata dessa Comissão com a Presidência da República,

para dotar do respaldo da maior representatividade política possível a edição de

uma medida provisória.

Assim, de lege ferenda estudos poderia haver que, sem tolher a iniciativa do

Poder Executivo em legislar pela medida provisória, possibilitassem a absorção do

instituto no sistema legislativo e propriamente no processo de sua conversão em lei,

por via de um juízo de prelibação para a medida provisória. Mais rápido e tendente a

minimizar as possibilidades de confronto entre os Poderes, sem se esquecer de que

o Poder Judiciário, pelo controle de constitucionalidade, deve buscar o

aprofundamento no julgamento da semântica difusa da relevância e urgência para

dilucidar em senso jurídico o conteúdo de expressão material desses requisitos de

habilitação da medida provisória.

De outro bordo, muito embora, é o que demonstra a pesquisa deste trabalho,

a ação normativa do Poder Executivo tenha origem no decreto e este historicamente

seja um ato de quem se impõe pela força, a evolução histórica do Direito, em que

pese antever certa raiz da medida provisória posta nesses atos, não a desnatura

como instrumento jurídico democrático posto no contexto da tripartição de Poder.

A visualização da medida provisória como um ato autoritário do Poder é um

equívoco e resta evidente que a disfunção de sua instrumentalização malversada é

que propende para um confronto de Poder, que, tencionando a relação entre o

Legislativo e o Executivo, exige sem dúvida o reequilíbrio da harmonia de Poderes

pela ação do Supremo Tribunal Federal, na qualidade de guardião da Constituição e

por meio do controle de constitucionalidade.

216

Art. 59, § 4º, da Constituição Federal: § 4º Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinário do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

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No momento histórico atual em que a coragem do Presidente Michel Temer

levanta a questão da autonomia do Poder Legislativo em face do travamento de sua

pauta para a decisão do Supremo Tribunal Federal, é relevante apontar a

necessidade de aprimoramento do instituto medida provisória, que, certamente,

ainda será muito útil ao Estado e à Sociedade Brasileira, tolhidos os abusos do

Poder Executivo, em sua instrumentalização.

Tenha-se em conta, ainda, que não se pode aceitar o entendimento de que a

medida provisória seja compatível com o Parlamentarismo e que ela, no âmbito do

Presidencialismo, seja cesarismo.

Sem embargo de que o Parlamentarismo possa atenuar crises no Poder,

resultantes de confronto entre o Governo e o Parlamento, a experiência demonstra

que, mesmo em regimes parlamentaristas como os da Itália, da Espanha e da

Alemanha, a harmonia entre os Poderes Legislativo e Executivo perfaz-se pelo

controle de constitucionalidade possível, também, como mediador desses

confrontos, no contexto do Presidencialismo.

Quanto ao cesarismo, este somente é possível na medida da asfixia do Poder

Legislativo pelo abuso do Poder Executivo na edição de medidas provisórias, o que

é uma situação absolutamente inconstitucional.

Finalmente, afaste-se a medida provisória de qualquer relação com o

decisionismo porquanto ela é essencialmente um instrumento de legislação haurido

em constitucionalidade explícita em face da Constituição da República Federativa do

Brasil.

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