mestrado comunicação cesa, carla ciceri
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Trata como se comunicar com individuo com deficiencias multiplasTRANSCRIPT
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1UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIACENTRO DE CINCIAS DA SADE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DISTRBIOS DA COMUNICAO HUMANA
A COMUNICAO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA EM UMA PERSPECTIVA DIALGICA NA CLNICA DE
LINGUAGEM
DISSERTAO DE MESTRADO
Carla Ciceri Cesa
Santa Maria, RS, Brasil2009
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2A COMUNICAO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA EM
UMA PERSPECTIVA DIALGICA NA CLNICA DE
LINGUAGEM
por
Carla Ciceri Cesa
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana, rea de Concentrao em Linguagem e
Audio, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/RS),como requisito parcial para obteno do grau de
Mestre em Distrbios da Comunicao Humana
Orientadora: Dr. Ana Paula Ramos de Souza
Co-orientadora: Dr. Themis Maria Kessler
Santa Maria, RS, Brasil
2009
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4C421c Cesa, Carla Ciceri A comunicao aumentativa e alternativa em uma perspectiva dialgica na clnica de linguagem / por Carla Ciceri Cesa. 2009. 143 f. ; 30 cm.
Orientador: Ana Paula Ramos de Souza. Co-orientador: Themis Maria Kessler. Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Cincias da Sade, Programa de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana, RS, 2009.
1. Fonoaudiologia 2. Linguagem 3. Clnica de Linguagem 4. Comunicao 5. Relao me-filho 6. Paralisia cerebral I. Souza, Ana Paula Ramos de II. Kessler, Themis Maria III. Ttulo.
CDU 616.89-008.43
Ficha catalogrfica elaborada por Maristela Eckhardt - CRB-10/737
___________________________________________________________________
2009Todos os direitos autorais reservados a Carla Ciceri Cesa. A reproduo de partes ou do todo deste trabalho s poder ser feita com autorizao por escrito da autora. Endereo: Av. Prof. Paula Soares, n. 315 ap. 302, Bairro Jardim Itu-Sabar, Porto Alegre, RS, 91.220-450Telefone: (51) 3368.8511; End. Eletr: [email protected]___________________________________________________________________
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5AGRADECIMENTOS
Ao meu esposo, Jos Mrio, por compartilhar comigo um sentimento nobre: o amor.
minha me, Vera Liane, e amiga e colega de clnica de linguagem, fonoaudiloga
Cintia Santos, pela colaborao nas transcries das entrevistas que compem o corpus deste
trabalho e, acima de tudo, pelo incentivo e carinho constantemente recebidos.
minha famlia de origem, pai Carlos Alberto (Gringo), me Vera Liane e mana Claudia
e famlia de meu esposo, que se tornou minha tambm h dez anos: Neida, tia Adilce, Carla,
Aline, Kiko, Marcelo, Maristela, Marcela e Alexandre.
minha orientadora, Professora Ana Paula Ramos de Souza, por respaldar a minha
formao acadmica com tanta competncia e sensibilidade.
Aos professores e coordenao do Programa de Ps-Graduao em Distrbios da
Comunicao Humana (PPGDCH) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM),
especialmente s professoras Ana Toniolo e Irani Maldonade, pela leitura e consideraes na fase
inicial do projeto de pesquisa, professora Carolina Lisba Mezzomo, por suas consideraes na
verso final desta dissertao, assim como minha co-orientadora, Themis Maria Kessler, o meu
muito obrigado.
Ao professor Valdir do Nascimento Flores, por ter me acolhido no Programa de Ps-
Graduao (PPG) em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e por seus
ensinamentos inesquecveis na lingstica da enunciao.
Universidade Federal de Santa Maria e Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
pela qualidade de ensino pblico prestado.
professora Marlene Canarim Danesi, responsvel pela minha iniciao na clnica de
linguagem em 1994, ainda estudante de fonoaudiologia, e pelos seus conselhos de vida.
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6Ao Dr. Fleming Salvador Pedroso, pelo voto de confiana e incentivo recebido rumo ao
mestrado na Universidade Federal de Santa Maria.
s minhas especiais colegas do PPGDCH da UFSM, Maria Rita Ghisleni, Roberta Dias,
Gisiane Munaro e Vanessa Deuschle, por compartilhar conhecimentos, alegrias e angstias nesta
caminhada.
Aos meus queridos colegas do PPG Letras da UFRGS, Luciano Fussieger, Cristina Rrig,
Cludio Primo Delanoy e Cerise Gomes, pela calorosa acolhida e pelos diversos debates
lingsticos realizados no primeiro semestre de 2007.
s mes e fonoaudilogas que se dispuseram a colaborar com suas falas to singulares
para que este trabalho pudesse se tornar realidade, o meu profundo respeito e admirao.
Aos amigos, amigas, familiares e colegas, por cada palavra de alento nesta bonita, mas
difcil trajetria acadmica.
Aos meus estimados afilhados, pela compreenso da distncia em momentos to
importantes de suas vidas, dos quais eu gostaria de ter estado mais perto: ao Maurcio no seu
ingresso vida adulta e ao Rodrigo e ao beb Miguel ngelo nas descobertas das aventuras da
primeira infncia.
Senhora Maria Eva Gonalves Carvalho, pelo apoio e confiana recebidos enquanto
presidente do Centro de Reabilitao Educandrio So Joo Batista, na cidade de Porto Alegre,
assim como s minhas colegas do Setor de Fonoaudiologia deste Centro, fonoaudilogas Cintia
Santos, Carine Ecco e Raquel Bersch, pela motivao impulsionada pelas inquietaes tericas e
das prxis na clnica de linguagem com sujeitos acometidos por leso cerebral e suas famlias
desde 2001.
Clnica Boa Face (Porto Alegre, RS), pelas vivncias ali experienciadas juntamente
com as estimadas Oraides Hning e Sandra Hning.
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7Ao tradutor e revisor Iuri Duquia Abreu, pelo seu olhar atento em todas as minhas
produes cientficas desde a poca da especializao.
Aos pacientes atuais e antigos, assim como s suas respectivas famlias, pela oportunidade
de aprimoramento profissional e pessoal.
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8No consultes dicionrio. Casmurro no est aqui no sentido que eles lhes do, mas no que lhe ps o vulgo de homem calado e metido com ele mesmo. Dom veio por ironia, para atribuir-me
fumos de fidalgo.
Machado de Assis
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9RESUMO
Dissertao de MestradoPrograma de Ps-Graduao em Distrbios da Comunicao Humana
Universidade Federal de Santa Maria
A COMUNICAO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA EM UMA PERSPECTIVA DIALGICA NA CLNICA DE LINGUAGEM
AUTORA: CARLA CICERI CESAORIENTADORA: ANA PAULA RAMOS DE SOUZA
CO-ORIENTADORA: THEMIS MARIA KESSLERData e Local da Defesa: Santa Maria, 03 de maro de 2009.
Este trabalho apresenta uma investigao sobre a introduo e uso da prancha de comunicao aumentativa e alternativa (CAA) na clnica de linguagem com sujeitos com oralidade restrita ou ausente e suas famlias. Para tal meta foram realizadas entrevistas com dez mes de crianas e adolescentes usurias do recurso e com dez fonoaudilogas experientes no tema. Aps a leitura inicial da coletnea das narrativas, verificou-se que a maior parte das mes no faz uso consistente da prancha e que isso parece se relacionar a fatores como o modo como esta introduzida na vida dos sujeitos e de seus familiares e percepo das mes das necessidades dos filhos. Essa percepo est limitada, em alguns casos, pela resistncia independncia do filho, relacionada ao prolongamento da simbiose me-filho em muitos dos casos. Quanto s terapeutas, todas utilizam o instrumento, mas com diferentes concepes de lngua e linguagem na sua implementao, gerando diferentes impactos na aceitao e uso da prancha junto aos usurios e seus familiares. Conclui-se que a incorporao do uso da prancha de comunicao aumentativa e alternativa na rotina diria dos usurios e famlia deve-se a uma conjugao de fatores objetivos e subjetivos que permeiam a clnica de linguagem. Portanto, a aceitao por parte da famlia, especialmente das mes, poder ocorrer em um processo gradual. Ressalta-se, tambm, que a proposta dialgica de Bakhtin (Volochnov) (1929/1995), sobre funcionamento lingstico intersubjetivo, traz subsdios para a teraputica com a CAA. Essa teraputica tambm demanda um suporte psicanaltico para compreender o relacionamento dos sujeitos e seus familiares, sobretudo com aqueles que exercem as funes parentais.
Palavras-chave: terapia de linguagem; comunicao; relaes me-filho.
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ABSTRACT
Masters ThesisGraduate Program in Human Communication Disorders
Universidade Federal de Santa Maria
ALTERNATIVE AND AUGMENTATIVE COMMUNICATION FROM A DIALOGIC PERSPECTIVE AT THE LANGUAGE CLINIC
AUTHOR: CARLA CICERI CESAADVISOR: ANA PAULA RAMOS DE SOUZA
CO-ADVISOR: THEMIS MARIA KESSLERDate and Place of Presentation: Santa Maria, March 3, 2009.
This study is an investigation on the introduction and use of alternative and augmentative communication (AAC) board at a language clinic for individuals with restricted or absent orality and their families. To do so, interviews with ten mothers of children and adolescents users of this resource and with ten speech and language therapists experienced in this theme were performed. Analysis of the collection of narratives showed that most mothers do not use the board consistently, which seems to be related to factors such as how it is introduced in the life of individuals and their relatives and to the perception mothers have of their childs needs. Such perception is limited in some cases by resistance to childs independence, associated with an extension of the mother-child symbiosis in many cases. All the therapists use the instrument, although with different conceptions of language in its implementation, generating different impacts in acceptance and use of the board by users and their relatives. It can be concluded that the use of alternative and augmentative communication board in the daily routine of users and their family is due to a group of objective and subjective factors that permeate language clinic. Therefore, acceptance by the family, especially by mothers, could occur through a gradual process. Bakhtins dialogic proposal on intersubjective linguistic functioning (Volochnov) (1929/1995) is also stressed, bringing subsidies to the AAC therapy. This therapy also demands a psychoanalytic support to understand the relationship of subjects and their relatives, above all with those that play parental roles.
Keywords: language therapy; communication; mother-child relations.
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LISTA DE REDUES
AC - ateno compartilhada
ASHA - American Speech-Language-Hearing Association
CAA - comunicao aumentativa e alternativa
CAAE - certificado de apresentao para apreciao tica
CEP - Comit de tica em Pesquisa
CEPRE - Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitao "Prof. Dr. Gabriel Porto"
CSA - comunicao suplementar e alternativa
ECI - encefalopatia crnica infantil
LIBRAS Lngua Brasileira de Sinais
ISAAC - International Society for Augmentative and Alternative Communication
PC - paralisia cerebral
PCS - pictures comunication simbols (smbolos de comunicao pictogrfica)
PIC - pictogram ideogram communication
PUC-PR - Pontifcia Universidade Catlica do Paran
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
QVF - Qualidade de Vida Familiar
RM - retardo mental
SBFa- Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia
SCAA - sistema de comunicao aumentativo e alternativo
SNC - sistema nervoso central
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
UNICAMP - Universidade Estadual de Campinas
UNIVALI Universidade do Vale do Itaja
WH perguntas WH (alguns exemplos: where, what, who / onde, qual, quem)
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LISTA DE APNDICES
APNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido............................................140
APNDICE B - Roteiro de entrevista s mes...................................................................142
APNDICE C - Roteiro de entrevista s terapeutas...........................................................143
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SUMRIO
Resumo....................................................................................................................................8
Abstract...................................................................................................................................9
Lista de redues...................................................................................................................10
Lista de apndices.................................................................................................................11
Sumrio.................................................................................................................................12
1 INTRODUO ...............................................................................................................15
2 PARALISIA CEREBRAL, COMUNICAO AUMENTATIVA ALTERNATIVA
E CLNICA DE LINGUAGEM.........................................................................................18
2.1 Paralisia Cerebral e Comunicao Alternativa Aumentativa .................................18
2.1.1 Paralisia Cerebral: definio, caracterizao, etiologia e classificao.......................18
2.1.2 Comunicao Aumentativa e Alternativa....................................................................22
2.1.2.1 Breve Histrico.........................................................................................................23
2.1.2.2 Seleo, criao, confeco, introduo, interveno, generalizao e manuteno
do uso....................................................................................................................................26
2.1.2.3 A Comunicao Aumentativa e Alternativa na Fonoaudiologia: mudana de
paradigmas na clnica de linguagem.....................................................................................38
2.2 Dialogismo na clnica de linguagem com sujeitos com paralisia
cerebral.................................................................................................................................44
2.2.1 A Enunciao em M. Bakhtin (Volochnov) (1929/1995), Bakhtin (1981, 1992)......44
2.2.2 Enunciao na Clnica de Linguagem: repensando a Comunicao Aumentativa e
Alternativa.............................................................................................................................54
2.3 Funes parentais diante de um filho com paralisia cerebral: contribuies do
interacionismo e da psicanlise..........................................................................................64
3 METODOLOGIA............................................................................................................72
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3.1 Critrios de incluso.....................................................................................................72
3.1.1 Terapeutas....................................................................................................................72
3.1.2 Mes.............................................................................................................................72
3.2 Critrios de excluso.....................................................................................................73
3.2.1 Terapeutas....................................................................................................................73
3.2.2 Mes.............................................................................................................................73
3.3 Populao e Amostra....................................................................................................73
3.3.1 Terapeutas....................................................................................................................73
3.3.2 Mes.............................................................................................................................74
3.4 Material e Mtodo.........................................................................................................74
3.4.1 Procedimentos de Coleta e Materiais...........................................................................74
3.4.2 Anlise dos resultados..................................................................................................76
4 PRIMEIRO ARTIGO DE PESQUISA: COMUNICAO AUMENTATIVA E
ALTERNATIVA: TEORIA E PRTICA CLNICA......................................................77
Resumo..................................................................................................................................77
Abstract.................................................................................................................................78
4.1 Introduo.......................................................................................................................79
4.2 Mtodos...........................................................................................................................81
4.3 Resultado e discusso......................................................................................................83
4.4 Concluso........................................................................................................................92
Referncias............................................................................................................................94
5 SEGUNDO ARTIGO DE PESQUISA: INTERSUBJETIVIDADE ME-FILHO NA
EXPERINCIA COM COMUNICAO AUMENTATIVA E ALTERNATIVA.....97
Resumo..................................................................................................................................97
Abstract.................................................................................................................................98
5.1 Introduo.......................................................................................................................99
5.2 Mtodos.........................................................................................................................101
5.3 Resultados e discusso..................................................................................................104
5.4 Concluso......................................................................................................................114
Referncias..........................................................................................................................115
6 CONSIDERAES FINAIS........................................................................................119
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REFERNCIAS ...............................................................................................................124
ANEXO A - Carta de aprovao do projeto no Comit de tica em Pesquisa da
Universidade Federal de Santa Maria.................................................................................139
APNDICE A - Termo de consentimento livre e esclarecido............................................140
APNDICE B - Roteiro de entrevista s mes...................................................................142
APNDICE C - Roteiro de entrevista para as terapeutas..................................................143
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1 INTRODUO
O discurso fonoaudiolgico sobre a atuao com sujeitos com encefalopatia crnica
infantil (ECI), mais comumente conhecida como paralisia cerebral (PC) (DIAMENT, 1996), vem
passando por modificaes ao longo do tempo. Contudo, ainda observa-se certa dependncia do
discurso mdico, o qual valoriza predominantemente questes pertinentes habilitao e
reabilitao das praxias e funes orofaciais, como articulao, mastigao e deglutio.
Atualmente, ainda percebe-se que a abordagem em linguagem com sujeitos gravemente
acometidos, quando, e se, realizada, segue muitas vezes por um paradigma de interveno
tambm organicista. A propsito dessa constatao, Frazo (2004) discute o impacto dos usos e
abusos da aplicao do tratamento neuroevolutivo Bobath na clnica de reabilitao
fonoaudiolgica, alm de apontar o reconhecimento de que a relao entre linguagem e
organismo de implicao, e no de submisso daquela em face deste.
Contudo, j possvel visualizar mudanas na concepo deste fazer teraputico,
trazendo benefcios significativos qualidade de vida das crianas, adolescentes e das famlias
que buscam na clnica fonoaudiolgica um espao de acolhida e escuta s suas necessidades,
dvidas, esperanas e medos. Tais mudanas tambm foram fomentadas devido ao avano em
recursos tecnolgicos assistivos, como a comunicao aumentativa e alternativa (CAA) utilizada
nos casos em que os sujeitos apresentam uma linguagem receptiva preservada, mas com
oralidade ausente ou restrita. Os seus benefcios so demonstrados em pesquisas como as de
Trevizor e Chun (2004), Almeida, Piza e Lamnica (2005) e de Paula e Enumo (2007).
Somente no final da dcada de 1970 o recurso da CAA ficou disponvel no Brasil. Seja
por recursos de baixa tecnologia (prancha de figuras ou fotos) ou pela utilizao do computador
pessoal, abriu-se uma srie de possibilidades de viabilizar o funcionamento lingstico do sujeito
com ECI no aspecto expressivo.
O fonoaudilogo que, ao optar, junto com a sua equipe de trabalho, por esse recurso
comunicativo e interacional, deve ter cincia, conforme ilustra Manzini e Deliberato (2006), de
que a participao da famlia fundamental durante o seu processo de seleo, implementao e
utilizao. Desta forma, distancia-se de uma interveno na qual as atividades, quando
vivenciadas com os pais, referem-se apenas a orientaes sobre o que eles deveriam fazer ou
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como deveriam se relacionar com o filho (MONTEIRO et al. 2005/2006) e aproxima-se de uma
atitude de co-autoria.
Contudo, ainda percebe-se na rotina clnica que, apesar da participao da famlia na
construo desse instrumento, o discurso materno aponta a no efetivao do seu uso no
cotidiano, embora permaneam presentes na sesso fonoaudiolgica semanal. Cogita-se como
hiptese inicial que, possivelmente, aspectos motivacionais, instrumentais, tecnolgicos e/ou at
tericos relacionados concepo teraputica de linguagem na qual a prancha apresentada
famlia e ao paciente parecem ser elementos intimamente relacionados questo central desta
pesquisa.
Sob essa tica, tal dissertao prope-se investigar o discurso das terapeutas e das mes
de crianas e adolescentes acometidos por PC sobre a efetividade do recurso da prancha de CAA
em suas rotinas com seus filhos. Espera-se, com o desenvolvimento desta pesquisa, trazer
contribuies para a reflexo do papel do fonoaudilogo que atua com sujeitos lesionados
cerebrais e com suas famlias.
Pode-se imaginar a facilitao para o conhecimento do que pensa e do que deseja um
sujeito com oralidade restrita e/ou ausente, desde a escolha do alimento at escolhas de vida mais
sofisticadas que possa atingir com o uso da CAA. Tomando o exemplo da alimentao, por mais
simples que seja, possvel pensar a relevncia de poder escolher o que comer para algum cujas
possibilidades de manifestao esto limitadas pela motricidade corporal e oral. Em relao a
escolhas de vida, o caso relatado por Klagenberg (2001) significativo. Ele demonstrou que a
introduo da CAA permitiu que a adolescente levasse ao conhecimento da terapeuta e de sua
me que no desejava mais ganhar presentes infantis, nem se trajar com fitas e laarotes de uma
menina, mas que desejava a maquiagem, roupa e lazer (filmes, msicas) iguais aos acessados por
sua irm mais nova de 15 anos. Isso trouxe um ganho enorme na dinmica familiar e na
percepo da me de que, embora houvesse um imaginrio infantil sobre seu corpo e psiquismo
em funo da sua extrema dependncia fsica, possua duas filhas adolescentes. Esse exemplo
parece ser suficiente para demonstrar a relevncia da comunicao alternativa, por mais limitada
que possa ser em alguns casos, para que o sujeito possa ter uma maneira de se expressar.
Acredita-se que discutir a complexidade de aspectos relacionados introduo e uso da
CAA na clnica de linguagem e no ambiente familiar seja a contribuio deste trabalho. Busca-se,
ainda, sugerir novos caminhos de reflexo para a clnica de linguagem a partir de conceitos como
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dialogismo e intersubjetividade, advindos da proposta de M. Bakhtin (Volochnov) (1929/1995),
e da viso de exerccio da funo materna, advinda da psicanlise.
A partir de tais reflexes, os objetivos especficos foram analisar aspectos envolvidos na
introduo da CAA na clnica de linguagem a partir de distintas concepes de lngua, linguagem
e sujeito no discurso das terapeutas e os efeitos dessa clnica em famlias de sujeitos com ECI
usurios de CAA. Acredita-se que tais efeitos se combinam s caractersticas de cada me
envolvida, ou seja, constituio e ao exerccio de sua funo materna.
Para poder implementar tais anlises, apresenta-se uma reviso sobre a CAA e a ECI, as
concepes de lngua, linguagem e sujeito na Fonoaudiologia, sobretudo da concepo dialgica
de Bakhtin (Volochnov) (1929/1995). Busca-se, portanto, um novo modo de pensar o
funcionamento da CAA na clnica de linguagem. Tambm se resenham estudos psicanalticos
sobre a funo materna, relacionando-os com sua importncia para a aquisio da linguagem em
uma perspectiva interacionista. Apresenta-se tambm um resumo geral do mtodo de pesquisa
dos dados dos dois artigos que compem este modelo de dissertao alternativo.
As temticas dos artigos foram: Comunicao Aumentativa e Alternativa: Teoria e Prtica
Clnica e Intersubjetividade Me-Filho na Experincia com Comunicao Aumentativa e
Alternativa. O primeiro artigo foi realizado com base em entrevistas realizadas com as
fonoaudilogas e ser submetido para publicao na Revista da Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia 1. O segundo artigo, tambm realizado com base em entrevistas, mas neste caso
com as mes de usurios de CAA, ser submetido para apreciao na Revista CEFAC
Atualizao Cientfica em Fonoaudiologia e Educao 2.
Ao final do texto esto a carta de aprovao do projeto no Comit de tica em Pesquisa
da Universidade Federal de Santa Maria, o termo de consentimento livre e esclarecido
apresentado s voluntrias, bem como os distintos roteiros de entrevista utilizados com as
fonoaudilogas e com as mes.
1 As normas de publicao esto disponveis no site: http://www.sbfa.org.br
2 As normas de publicao esto disponveis no site: http://www.revistacefac.com.br
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2 PARALISIA CEREBRAL, COMUNICAO AUMENTATIVA ALTERNATIVA E
CLNICA DE LINGUAGEM
Neste captulo, inicialmente, sero apresentados os conceitos bsicos de PC e os estudos
acerca da CAA com objetivo de expor o que a literatura comumente aborda sobre o tema. A
seguir, resenham-se estudos sobre a mudana de paradigma organicista para interacionista na
clnica de linguagem e suas conseqncias para pensar a clnica dos sujeitos com PC.
2.1 Paralisia Cerebral e Comunicao Alternativa Aumentativa
2.1.1 Paralisia Cerebral: definio, caracterizao, etiologia e classificao
Schwartzman (1993), Diament (1996) e Monreal e Moraes (2003) descrevem a PC como
sendo resultado de uma leso ou mau desenvolvimento cerebral, de carter no progressivo, mas
freqentemente mutvel, devido a uma disfuno do encfalo presente antes do seu crescimento e
desenvolvimento estarem completos, podendo o evento lesivo ocorrer durante o perodo pr, peri
ou ps-natal. As caractersticas neuromotoras observadas so alteraes de padres de postura,
tnus e movimento. Diament (1996) assinala o carter estacionrio da leso e o fato de que o
transtorno funcional ir se estruturar no tempo, sendo esta evoluo determinada pelo momento
em que o fator nxico agiu no sistema nervoso central (SNC) em plena maturao estrutural e
funcional. Permanecem, entretanto, os sinais seqelares da encefalopatia, embora a criana
apresente sua prpria maturao peculiar.
O limite de idade para que se considere que uma leso do SNC possa causar quadro
clnico compatvel com PC causa discusso e controvrsias entre os autores. Diament (1996) diz
que este limite varivel, indo desde a vida pr-natal at a infncia. Relata tambm que a
maturao no pra na primeira infncia e que h estruturas que somente completam esse
processo aos 18 anos ou mais. J o simpsio organizado em Oxford, em 1958, pelo Little Club,
(DIAMENT, 1996) pontua a idade limite de trs anos, e SCHWARTZMAN (1993) estabelece
que a PC dever ter uma causa fixa, no progressiva, presente dentro dos dois primeiros anos de
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vida, que dever se manifestar, principalmente, por uma desordem do movimento e da postura.
Monreal e Moraes (2003) admitem a PC por causas ocorridas aps o nascimento at
aproximadamente a idade de 7 anos.
Em relao etiologia, Monreal e Moraes (2003) destacam que o acometimento cerebral
precoce pode ter diferentes causas, muitas vezes no definidas e com diferentes graus de
comprometimento, o que resulta em uma diversidade nos modos como as crianas se apresentam,
demonstrando particularidades individuais. Tais causas podem ser classificadas em pr-natais,
perinatais ou ps-natais. So caracterizadas como causas pr-natais as ocorridas durante a
gravidez, as quais podem ser subdividas em dois perodos.
As alteraes no primeiro perodo so chamadas de embriopatias e compreendem desde a
concepo at o quarto ms de gravidez. Podem ser causadas por rubola, sfilis, herpes ou
hepatite e do lugar a malformaes cerebrais, oculares, auditivas, viscerais e cardacas. J as
alteraes ocorridas no segundo perodo so chamadas fetopatias e so classificadas a partir do
quarto ms at o final da gravidez. Doenas contradas intra-tero podem deixar seqelas
microbianas (meningite), virticas (citomegalovrus), parasitrias (toxoplasmose), intoxicao,
drogas teratognicas e exposio irradiao.
Considerando os perodos embrionrio e fetal, pode-se descrever as leses cerebrais
hipoxmicas decorrentes de afeces durante a gestao (anemia materna, hemorragias, hipo e
hipertenso, eclampsia e deslocamento precoce da placenta), distrbios metablicos (diabetes,
desnutrio) e infeces renais e urinrias graves capazes de promover repercusses para a sade
fetal. Diament (1996) acrescenta causas genticas e/ou hereditrias nesse perodo.
Quanto s causas perinatais, Monreal e Moraes (2003) descrevem que so causas
ocorridas durante e logo aps o parto, podendo haver distrbios circulatrios cerebrais graves ou
moderados, traumatismos no parto, nascimento prematuro ou ps-termo, baixo peso, Apgar muito
baixo, ictercia neonatal grave (hemoltica ou incompatibilidade sangnea), fatores teratognicos
e acidentes. Diament (1996) complementa citando parto distcico, asfixia (hipxia ou anxia),
hemorragia intracraniana e infeco pelo canal do parto.
Monreal e Moraes (2003) descrevem como possveis causas ps-natais a anxia ou
hipxia, traumatismos cranioenceflicos, infeces do SNC (meningite ou encefalite), doenas
metablicas, desidrataes, acidentes anestsicos e impregnao dos gnglios da base
bilirrubnica. O estabelecimento da idade limite varia conforme o autor. Para Diament (1996), h
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outras causas ps-natais, como encefalopatias desmielinizantes (ps-infecciosas ou ps-vacinais),
processos vasculares, desnutrio, sndromes epilpticas (West e Lennox-Gastaut) e status
epilepticus.
Em Volpe (1995), h registros de que se esperava que os avanos nos cuidados pr e
perinatais baixassem a incidncia de PC. No entanto, o que ocorreu foi a diminuio da
mortalidade infantil e o aumento da taxa de morbidade, principalmente com a sobrevivncia dos
nascidos de muito baixo peso, entre os quais a prevalncia de PC de 25 a 31 vezes maior do que
entre os nascidos a termo.
Portanto, pode-se afirmar que demanda apresentada por esta populao aumenta ainda
mais o compromisso da especializao da atuao fonoaudiolgica, assim como das outras reas
da sade e da educao. Desta forma, visualizam-se melhores condies de desenvolvimento,
qualidade de vida e insero social aos sujeitos acometidos por alguma leso neurolgica.
Em relao classificao dos tipos de PC, Shepherd (1998) analisa os sinais clnicos,
sendo conhecidas as formas espstica, atetsica, hipotnica, atxica e a mista. O tipo espstico
apresenta caractersticas como hiper-reflexia, fraqueza muscular e padres motores anormais,
compatveis com leso do primeiro neurnio motor. Movimentos involuntrios, distonia e, em
alguns casos, rigidez muscular so caractersticas relacionadas forma atetsica, compatvel com
sinais de comprometimento do sistema extrapiramidal. Quando h comprometimento no
cerebelo, registra-se a forma atxica. As formas mistas ocorrem quando h a combinao entre os
tipos. A modalidade hipotnica apresenta grave depresso da funo motora e fraqueza muscular
e, como complementa Po (2001), na maioria dos casos, uma forma prvia de uma das formas
de PC.
Conforme a topografia motora comprometida, Shepherd (1998, p. 115) complementa sua
classificao distinguindo as formas quadriplgica, hemiplgica e diplgica. A monoplegia pura
ou a triplegia provavelmente no existe, embora em alguns casos paream enquadrar-se nessas
categorias.
Andrade (2000) descreve que o termo monoplegia significa que apenas um segmento
corpreo ou um membro foi prejudicado, sendo os casos mais freqentes os de acometimento de
um brao, devido paralisia braquial obsttrica e por leso do plexo braquial durante partos
difceis, diferente, portanto, da monoplegia por PC, forma rara de ser observada na prtica
clnica. Na diplegia, embora os quatro membros estejam acometidos, os membros superiores tm
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menor grau de comprometimento em relao aos inferiores. Na triplegia, trs membros so
acometidos, e sua ocorrncia remota. A quadriplegia observada quando os quatro membros
so afetados, mas a forma assimtrica. J a dupla hemiplegia, tambm com o comprometimento
dos quatro membros, difere-se por apresentar os dimdios corporais afetados em diferentes graus.
A hemiplegia ocorre quando somente um dimdio corporal afetado. O autor destaca ainda que a
aplicao do sufixo paresia mais indicado, pois retrata a diminuio de fora ou incapacidade
para a realizao do movimento na sua totalidade. J a terminologia plegia significa perda total
do movimento, o que quase nunca observado na prtica clnica com PC.
Marujo (1998), Bax (2000), Monreal e Moraes (2003) relatam que, em decorrncia da
leso e/ou quadro manifestado, freqentemente observam-se outros distrbios associados, como
epilepsia, deficincias sensoriais (auditivo, visual, dentre outras), mentais, cognitivas, emocionais
e, finalmente, de comunicao e alimentao. Marujo (1998) ainda destaca que o
desenvolvimento motor alterado afeta diretamente o desenvolvimento do controle motor oral,
acarretando alteraes no desempenho das funes estomatognticas de suco, mastigao,
deglutio, respirao e de articulao.
Como era esperado a partir da viso organicista que domina a medicina, observa-se que a
literatura mdica pouco comenta e/ou valoriza as diversas possibilidades de descries e
variaes das manifestaes da linguagem em sujeitos acometidos pela PC, ficando tal discusso
praticamente em segundo plano. Essas poderiam contribuir para a formao de um entendimento
diagnstico mais amplo que, por sua vez, possibilitaria um encaminhamento a uma interveno
fonoaudiolgica precoce, potencializando o funcionamento lingstico deste sujeito e a formao
de sua subjetividade, especialmente quando este apresenta oralidade ausente ou limitada.
Moretti (1999) comenta que uma ajuda em forma alternativa comunicao possvel
em uma gama de distrbios diversos que vo desde a anartria surdez, s disfasias, aos graves
distrbios de desenvolvimento lingstico e tambm para uma boa parte das dificuldades
comunicativas associadas ao retardo mental.
As poucas descries que se encontram sobre a linguagem afirmam que h discrepncia
entre a compreenso e a expresso da criana com PC, pois medida que ela cresce, vai
entendendo mais do que capaz de expressar. As pesquisas ressaltam a necessidade de que um
meio especializado adicional de expresso, denominado sistema de comunicao aumentativo,
requerido pela impossibilidade da falar e pelas conseqncias que a criana pode ter no acesso
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vivncia e aquisio de conhecimentos, interferindo no desenvolvimento global e na interao
social (GONZLEZ, GMES e DONOSO, 1996; MOREIRA e CHUN, 1997; BROWNE, 2000;
PIRES e LIMONGI, 2002; ALMEIDA, PIZA e LAMNICA, 2005).
Percebe-se na literatura que, apesar de os estudos admitirem que os sujeitos com tais
impossibilidades de fala se beneficiariam muito com o advento da tecnologia assistiva, pois esta
viabilizaria adaptaes para a realizao das atividades da vida diria como locomoo,
alimentao, vesturio e lazer, no fica clara a concepo de lngua e linguagem que embasa tais
recursos de comunicao. Mediante esta inquietao, na seo seguinte faremos uma breve
descrio histrica da CAA, seguida de aspectos que compreendem a seleo, introduo,
interveno e generalizao do uso do recurso. A seguir, avanaremos nossa reflexo sobre
lngua(gem) e subjetividade na clnica de linguagem, potencializando os recursos em si para um
melhor dizer do sujeito impedido de oralizar, favorecendo a comunicao e interao social
atravs dos sistemas de comunicao alternativos e/ou suplementares fala de alta e/ou baixa
tecnologia.
2.1.2 Comunicao Aumentativa e Alternativa
A American Speech-Language-Hearing Association - ASHA (1991) conceitua a CAA
como uma rea da prtica clnica, educacional e de pesquisa para terapeutas que tentam
compensar e facilitar, temporria ou permanentemente, os prejuzos e incapacidades dos
indivduos com graves distrbios da comunicao expressiva e/ou distrbios da compreenso. A
Comunicao Suplementar ou Alternativa pode ser necessria para indivduos que tenham
prejuzos nos modos de comunicao gestual, falado e/ou escrito. Johnson (1998) menciona que a
comunicao ser considerada suplementar quando o indivduo possuir comunicao insuficiente,
e alternativa quando o indivduo no apresentar outra forma de comunicao. A implementao
de um Sistema de Comunicao Aumentativo e Alternativo (SCAA) refere-se ao recurso,
estratgias e tcnicas que complementam modos de comunicao existentes ou substituem as
habilidades de comunicao inexistentes.
Conforme Gava (1999), a CAA busca meios que auxiliem o indivduo que no pode ter
fala funcional. A terminologia alternativa empregada quando se refere a tudo que alternativo
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palavra, como figuras, desenhos e smbolos. J a nomenclatura aumentativa est relacionada com
a potencializao dos recursos comunicativos que ainda subsistem.
Para facilitar o processo de implementao do recurso da prancha de CAA, alguns
fonoaudilogos, alm da interveno com o usurio, utilizam o mtodo Hanen para sensibilizar as
famlias da importncia da interao e da interpretao. Pinto (200-) refere que tal mtodo, de
base interacionista, foi idealizado pela fonoaudiloga canadense Ayala Manolson em 1966 e tem
como foco o atendimento a grupos de pais que possuam filhos com retardo de linguagem.
O terapeuta tem a funo de facilitar a comunicao entre pais e filhos. So realizadas trs
filmagens da interao das dades, as quais so analisadas e discutidas no grupo composto, em
mdia, por oito casais. No Canad, a mdia da durao do programa de dois meses, com uma
sesso semanal de 2h30min. Com pais de crianas com PC, a durao mdia de quatro meses
ou mais.
2.1.2.1 Breve Histrico
Considerando a histria da CAA, Zangari, Lloyd e Vicker (1994) realizaram um
levantamento histrico sobre a emergncia da disciplina de CAA em cursos de graduao em
fonoaudiologia na Amrica do Norte. Nos anos 1950, devido aos avanos mdicos e
farmacolgicos, mais crianas comearam a sobreviver nos perodos neonatais e na primeira
infncia, aumentando tanto a populao normal como a com distrbios de desenvolvimento. A
maior sobrevida dos sujeitos com PC, associada aos avanos tecnolgicos de informtica,
permitiu que, na dcada de 1960, quando ocorreu uma humanizao da reabilitao, alm dos
cuidados fsicos e de proteo, os aspectos de independncia e incluso escolar na rede pblica
tambm fossem considerados. Para tanto, o desenvolvimento de um sistema de comunicao se
fez necessrio. Nos anos 1970, foram criados as pranchas de comunicao, a comunicao
facilitada e o sistema Bliss, que foi utilizado com indivduos com PC incapazes de utilizar a
ortografia, alm de dispositivos eletrnicos.
Os profissionais que trabalhavam nessa rea assumiram a posio de que a comunicao
um direito fundamental de todo indivduo e que programas de interveno de comunicao
deveriam incluir o uso de smbolos grficos para aumentar as habilidades adquiridas. Na dcada
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de 1980, ocorreu o crescimento e o refinamento na CAA. No incio dos anos 1990, a
identificao da CAA como disciplina acadmica, clnica e educacional provocou mudanas no
pensamento social, tecnolgico e educacional, facilitando o processo de incluso social, escolar e
em ambientes de trabalho de sujeitos com oralidade restrita ou ausente. Essas mudanas
favoreceram o enfrentamento do preconceito social. Pesquisas em reas relacionadas iniciaram o
estgio para um campo de atuao novo e multidisciplinar.
Moreira e Chun (1997), tambm preocupados em averiguar o histrico da CSA, apontam
que, no ano de 1971, profissionais da equipe do "Ontrio Crippled Children's Centre", localizado
em Toronto (Canad), desenvolveram estudos com o intuito de encontrar um meio alternativo de
comunicao para crianas com distrbios neuromotores e sem fala funcional. No entanto, as
possibilidades investigadas eram insatisfatrias e limitavam o desempenho lingstico,
conduzindo-os a novas tentativas.
Diante desse impasse, a equipe localizou em "Signs and Symbols around the World", de
Elizabeth Helfman, um sistema simblico internacional (Blissymbolics - Sistema Bliss de
Comunicao), criado entre 1942 e 1965 por Charles K. Bliss, baseado na escrita pictogrfica
chinesa e nas idias do filsofo Leibniz. O objetivo inicial do sistema era desenvolver uma forma
de linguagem universal entre os homens. A partir de 1971, aps algumas adaptaes realizadas
pela equipe canadense em parceria com C. Bliss, o recurso pde ser utilizado por sujeitos com
distrbios de comunicao (MOREIRA e CHUN, 1997).
Johnson (1998) registra outro tipo de sistema simblico, denominado Picture
Communication Symbols (PCS) (Smbolos de Comunicao Pictrica), criado por ela em 1980
nos Estados Unidos da Amrica para incentivar novas possibilidades comunicativas.
Tanto o Bliss quanto o PCS so referidos por Capovilla (1993) quando afirma que a CAA
iniciou no Brasil no fim dos anos 1970. Alm do PCS, categorizado em uma viso sinttica
tradicional, o autor menciona o Pictogram Ideogram Communication (PIC), que dividido em
categorias semnticas. H evidncias de uso desse recurso em sites de associaes para sujeitos
com PC, como a Associao Beneficente Quero-Quero (SP), fundada em 1976, reconhecida
como de utilidade pblica nas trs esferas do poder em 197l.
Em 1998, Roxanne Mayer Johnson publica pela primeira vez em lngua portuguesa o seu
Guia dos Smbolos de Comunicao Pictrica, atravs da precursora Clik Recursos
Tecnolgicos para Educao, Comunicao e Facilitao, situada na cidade de Porto Alegre (RS).
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Essa evoluo tambm se fez sentir na criao de cursos de especializao e aperfeioamento na
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP) em 2002.
Mekaru (2003) constatou que, apesar da evidente importncia do recurso da CAA para
diversos casos, esta tem sido uma rea de pesquisa e aplicao clnica recente e pouco divulgada
no Brasil, sendo que, em hospitais, quase no existe. Da mesma forma, Pelosi (2005) concorda
com a necessidade de se dispor desse recurso em hospitais e prope, atravs de um artigo, a
implementao da comunicao alternativa e ampliada nos hospitais do municpio do Rio de
Janeiro (RJ).
Conforme consta no site oficial divulgado pela ISAAC-Brasil, a XI Conferncia Bianual
da International Society for Augmentative and Alternative Communication (ISAAC) ocorreu pela
primeira vez na Amrica Latina, em Natal (RN), em outubro de 2005, reunindo 450 participantes
de 33 pases. A ISAAC-Brasil foi uma conquista histrica e se prope a realizar congressos
bianuais nacionais alternados com os congressos bianuais internacionais, nos quais pesquisadores
e profissionais brasileiros tm representado o pas.
A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) organizou o I Congresso Brasileiro
de Comunicao Alternativa, primeiro evento nacional sobre o tema, ocorrido na cidade do Rio
de Janeiro em 2005 e contando com a presena de aproximadamente 300 participantes. J o II
Congresso Brasileiro foi organizado pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP,
Campinas, SP) e pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitao "Prof. Dr. Gabriel Porto"
(CEPRE), tendo essa universidade como sede. O evento ocorreu no perodo de 15 a 19 de maio
de 2007, com o objetivo de consolidar a instituio desse captulo brasileiro vinculado ISAAC e
incentivar pesquisas e o desenvolvimento clnico e educacional na rea. Em 2006, durante o XIV
Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia, em Salvador (BA), a Sociedade Brasileira de
Fonoaudiologia (SBFa) concebeu o Comit de Comunicao Suplementar Alternativa, o qual
passou a pertencer ao Departamento Cientfico de Linguagem dessa sociedade.
Ratcliff, Koul e Lloyd (2008) realizaram um levantamento acerca da formao
especializada em CAA nos Estados Unidos da Amrica. A pesquisa foi enviada para todos os
programas de treinamento de especialistas em fala e linguagem via e-mails direcionados aos
diretores dos programas ou das faculdades que ensinam a CAA. Vinte e nove por cento dos
cursos tm especialista no tema, embora 73% ofeream ao menos um curso especfico nessa
rea. Os autores concluram que necessrio ter mais acadmicos e clnicos preparados para a
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rea de CAA. Tal necessidade est associada ao fato de haver 12% de usurios na populao pr-
escolar, de diversas raas e etnias e com vrios distrbios de linguagem e/ou desenvolvimento.
Isso indica a necessidade urgente de que todas as pr-escolas tenham especialistas em fala e
linguagem preparados para oferecer servios para crianas que requerem CAA (BINGER e
LIGHT, 2006).
O histrico da CAA aponta para uma rpida evoluo dos recursos em oposio a um
domnio ainda precrio e ampliao do uso nas prticas profissionais, apesar dos evidentes
ganhos que traz vida de seu usurio. Na prxima seo, so abordados os aspectos mais
relevantes encontrados na literatura atual como intervenientes no processo de seleo, introduo
e generalizao do uso da CAA.
2.1.2.2 Seleo, criao, confeco, introduo, interveno, generalizao e manuteno do uso
Basil e Bellacasa (1988) descreveram os sistemas de comunicao em dois grupos,
caracterizando-os com ou sem ajuda. Os sistemas com ajuda requerem assistncia externa,
instrumento ou ajuda tcnica para haver comunicao. So compatveis com esse tipo de sistema
os objetos, miniaturas, fotos, palavras escritas, alfabeto e smbolos grficos. Os smbolos grficos
podem ser do tipo pictogrficos, quando apresentam semelhana fsica com aquilo que
representam, ideogrficos, quando tm uma relao conceitual ou lgica com aquilo que
representam, ou arbitrrios, quando o significado obedece a convenes pr-estabelecidas. Podem
abranger uma abordagem multimodal, empregando a combinao de diferentes modos de ao e
utilizando todas as capacidades do indivduo, como gestos, fala residual ou vocalizaes,
expresses faciais e auxlios de comunicao, visando substituir, suplementar ou apoiar a fala. A
arbitrria e verstil associao entre essas possibilidades comunicativas introduzem e ampliam o
funcionamento lingstico e discursivo do sujeito limitado em sua expressividade oral (BASIL,
1997).
Portanto, dever haver um especialista capaz de selecionar o tipo de CAA mais adequado a
cada usurio. A prtica extensiva e a orientao do conselho de um fonoaudilogo so
necessrias para que os pais se sintam confiantes ao usar um auxlio de comunicao socialmente
(BROWNE, 2000). A mesma autora refere que as necessidades de comunicao e de
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equipamento mudaro gradualmente com o tempo, pois as crianas se deparam com novos
desafios e o quadro das capacidades fsicas se modifica.
Paula e Enumo (2007) analisaram a adequao da avaliao assistida para sete alunos
com problemas de comunicao, comparando o seu desempenho em provas psicomtricas
tradicionais e prova assistida e fornecendo indicadores dos efeitos de um programa de
interveno com sistema alternativo de comunicao sobre as habilidades lingsticas e
cognitivas dessas crianas. Concluram que a integrao de reas to promissoras, como a
avaliao assistida e a CAA, poder auxiliar no desenvolvimento de intervenes psicolgicas
mais sensveis e eficazes, contribuindo para melhorar a qualidade de vida das pessoas com
deficincia e outras necessidades especficas de ensino. As autoras concluram que apenas os
testes paramtricos no so suficientes para realizar uma avaliao; nesse tipo de avaliao, no
h mediao compartilhada, podendo o sujeito ficar aqum de suas reais capacidades. Deve-se,
portanto, associar a avaliao psicomtrica tradicional avaliao assistida para a realizao de
um diagnstico psicolgico em crianas com dficits comunicativos.
Schlosser e Lee (2000) propuseram-se a determinar a efetividade das intervenes em
CAA com uma nfase particular nas estratgias que induzem generalizaes e/ou manuteno. Os
autores analisaram 50 artigos selecionados atravs de banco de dados eletrnico dos ltimos 20
anos. Foram realizadas 232 comparaes de fases experimentais e de desfechos relatados. Os
estudos foram agrupados por categorias: interveno, generalizao, manuteno. Os autores
concluram que a interveno e a generalizao so mais bem sucedidas do que a manuteno.
Schlosser e Sigafoos (2006) analisaram, a partir de tcnicas de sade baseadas em
evidncias, a efetividade da CAA com e sem suporte, ou ambos, em 45 estudos. O treino
experimental pode ser uma forma de escolher o recurso, mas os estudos no forneceram
evidncias suficientes para se concluir sobre a eficcia da CAA na comunicao, embora os
desfechos demonstrassem ganhos. A mesma concluso tiveram Campbell et al. (2006) ao
revisarem a literatura sobre prticas de ensino para crianas pequenas no uso de recursos de
tecnologia assistiva, pois, embora haja resultados positivos, as evidncias da efetividade do uso
de recursos de tecnologia assistiva so limitadas em termos de nmero de relatos, reas de
contedo e nvel de evidncias.
Cesa, Ramos-Souza e Kessler (no prelo) realizaram uma busca na literatura dos ltimos
cinco anos para investigar quais temticas foram mais estudadas em peridicos internacionais
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sobre CAA. Design e acessibilidade do recurso, aspectos lingsticos e estratgias focadas no
usurio, na famlia e com foco duplo so importantes em todas as etapas da implementao. Para
uma melhor visualizao dessas temticas, ao trmino da leitura dos 28 artigos, foi criado um
organograma ilustrando os princpios na seleo e criao, confeco, introduo, interveno,
generalizao e manuteno do uso da CAA:
Processo de Seleo do recurso
Design Acessibilidade
Comunicao Aumentativa e
Alternativa (CAA)
Tipos de Smbolos (signos lingsticos)
Disposio dos smbolos na
prancha ou display
Tipo de acesso
Velocidade de acesso
Direto
Indiretoteclado, mouse,via varredura:
- com ou sem animao - automtico ou no
- step, etc.
Posicionamento cadeiras de rodas, bancos, cavaletes, etc
Aspectos Lingsticos
Adequar Tamanhos ao
usurio
Favorece a leitura
Instruo sinttica possvel
Favorece a aquisio de vocabulrio em
contextos formais e informais
Relevncia da informao
Favorece o desenvolvimento da
fala
Processos deInterveno,
Generalizao, Manuteno
Estratgias focadas no
Usurio
Estratgias focadas na
Famlia
Estratgias com o foco
duplo na relao entre
o Usurio, Famlia e Demais
Parceiros Conversa-
cionais Analisar ndice de responsividade dos parceiros aos sinais emitidos
pelo usurio de CAA
Levar em conta o impacto na qualidade de vida familiar
Atendimento personalizado das necessidades do usurio, famlia e demais parceiros conversacionais
Criao de cenrios hipotticos de situaes cotidianas na relao
comunicacional
Usar o recurso em contextos formais e informais
Treino para busca de empregos
Posicionamento no momento da interao (face-a-face) importante
Cuidar a freqncia de perguntas abertas, proporo de perguntas e respostas utilizadas pelo parceiro
PCS, PIC e fotos so melhores do que o Bliss e a
ortografia
Adequar Cores ao usurio
Tipos de Recursos
Alta tecnologia(ex.: vocalizadores)
Baixa tecnologia(ex.: pranchas de
comunicao, etc.)
Organograma 1 Princpios na seleo, criao, confeco, introduo, interveno, generalizao e manuteno do uso da Comunicao Aumentativa e Alternativa - CAA
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Esmiuando um pouco a sntese descrita, observa-se que o processo de seleo do recurso
est focado em dois grandes pontos: o design e a acessibilidade. Salienta-se que a nfase na
descrio do desenho de linha PCS se justifica por ser esta uma das representaes encontradas
com maior freqncia na composio das pranchas de comunicao utilizadas pelas famlias
entrevistadas.
Mirenda e Locke (1989) descrevem a hierarquia dos smbolos grficos na seguinte ordem:
objetos, fotos coloridas, fotos em preto e branco, desenhos em preto e branco (smbolos dos
sistemas PCS, PIC e REBUS), smbolos Bliss e ortografia. Sob esta perspectiva de anlise do
recurso em si, Thiers e Capovilla (2006) realizaram um estudo experimental com 11 estudantes
universitrios sem alterao neurolgica para que julgassem a translucncia de substantivos,
verbos e modificadores em quatro Sistemas de Comunicao Alternativa e Suplementar (Bliss,
PIC, PCS e ImagoAnaVox). Os participantes deveriam usar um software (Sonda) que
apresentava os smbolos e registrava a pontuao atribuda, o tempo de julgamento e o nmero de
repeties demandadas. Os sistemas mais icnicos foram, em ordem decrescente, ImagoAnaVox,
PCS, PIC e Bliss. Os autores observaram que a alta pontuao mdia alcanada pelos verbos de
ImagoAnaVox parece confirmar a eficcia da estratgia de uso de animao grfica para
representar aes. O estudo constatou tambm que os smbolos modificadores (advrbios e
adjetivos) so mais difceis de serem reconhecidos pela limitao de se representarem em
imagens do que a categoria dos substantivos.
Capovilla, Macedo, Capovilla, Duduchi e Gonalves (1996), ao revisarem a literatura
sobre afasia e sistemas alternativos de comunicao, tambm indicam o sistema de comunicao
pictorial, pois o sistema lingstico baseado em ortografias alfabticas e silbicas, Lngua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) e semantografia Bliss. Salientam que o aspecto iconicidade deve
ser ponderado. Recursos tecnolgicos tambm devem ser considerados na interveno, como
prancha computadorizada, voz digitalizada e acessibilidade. Em outro estudo, demonstram que a
voz digitalizada permitiu codificar fonologicamente a informao pictorial, aumentando a
capacidade da memria de trabalho e, portanto, viabilizando a progresso no uso funcional do
sistema para comunicao no caso de uma menina de 13 anos e 6 meses (CAPOVILLA et al.,
1998).
Outros estudos abordam a importncia da iconicidade, como o de Hurlbut, Iwata e Green
(1982). Em um estudo de casos de adolescentes, esses autores demonstraram que os sujeitos
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precisaram de quatro vezes mais tentativas para adquirir os smbolos do Bliss do que os icnicos.
Houve porcentagem maior de manuteno de smbolos icnicos, e a generalizao de estmulos
ocorreu em ambos os sistemas. O nmero de respostas corretas foi muito maior no icnico em
uso espontneo em contextos. O estudo concluiu que o sistema icnico pode ser mais
prontamente adquirido, mantido e generalizado para situaes dirias do que a semantografia
Bliss. Segundo Thiers e Capovilla (2006), iconicidade pode ser definida como o grau de
isomorfismo entre o smbolo e o referente por ele representado, ou como o grau em que o
significado de um smbolo transparente a um observador ingnuo no-familiarizado com o
smbolo.
Entre os smbolos icnicos, o PCS, desenvolvido por Roxanne Mayer Johnson em 1980,
destaca-se como o mais utilizado. Para sua indicao, necessrio considerar fatores associados,
como o nvel de sofisticao da linguagem, a acuidade visual e percepo, as habilidades
cognitivas, a atitude do usurio, o apoio de parceiros de comunicao, um facilitador, as
habilidades de fala atuais e possveis no futuro, as habilidades de comunicao adicionais e os
problemas de comportamento. Os parceiros de comunicao devem dispor de tempo,
envolvimento e interesse para compreender e interagir utilizando o recurso de comunicao
(JOHNSON, 1998).
A autora agrupou os smbolos PCS por categorias, em um total de seis, constitudas por
verbo, social, descritivo (adjetivos e advrbios), pessoas, substantivos e miscelnea. H
flexibilidade no tamanho do desenho do smbolo impresso no livro para reproduo em
copiadora, podendo variar de 2,5 cm, 5,1 cm ou 1,9 cm. Na verso informatizada, o programa
para computador Boardmaker, que um banco de dados grficos com mais de 3.000 smbolos,
viabiliza ao facilitador adequar o tamanho do desenho conforme a necessidade. Codificar por
cores diferentes as categorias, alm de tornar a prancha mais atraente, auxilia a agilizar a
localizao dos smbolos. Baseado no sistema Blissymbolics, recomenda-se amarelo para
pessoas, verde para verbos, azul para descritivos, laranja para substantivos, branco para
miscelnea e rosa para social. O tpico miscelnea compreende basicamente artigos,
conjunes, preposies, conceito de tempo, cores, o alfabeto, nmeros e outras palavras
abstratas variadas.
Essa diviso por categorias, na viso gramatical do autor, pode vir a favorecer o
desenvolvimento da estrutura gramatical, da sintaxe. Esse conhecimento fundamental para a
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construo de narrativas atravs dos smbolos grficos e tambm para viabilizar a estruturao da
linguagem escrita via CSA, associada ou no ortografia.
Em relao acessibilidade, Johnson (1998) afirma que h diferentes tcnicas de seleo,
ou seja, a forma pela qual o usurio escolhe os smbolos em uma prancha de comunicao de alta
ou baixa tecnologia. Estas devem ser eficientes, considerando aspectos como preciso, fadiga e
velocidade. Podem ser divididas em seleo direta, varredura e codificao. Gregory et al. (2006)
analisaram a aprendizagem de cdigos de abreviao e expanso associados a itens especficos de
vocabulrio com acesso pelo mouse e teclado. O experimento foi realizado com 30 adultos
normais, para os quais foram apresentados os cdigos de abreviao e expanso associados ao
vocabulrio com acesso pelo mouse e teclado. Os resultados demonstraram que o acesso ao
teclado permite maior domnio dos cdigos de abreviao do que o mouse.
Em relao s crianas, a seleo direta mais adequada do que a varredura em tela fixa
(WAGNER e JACKSON, 2006), e a contextualizao, via animao, facilita a compreenso e
uso da CAA (McCARTHY et al., 2006). Os estudos de Lund e Light (2003), Drager et al. (2003,
2004) e Johnston (2006) tambm concordam em seus desfechos de pesquisas ao destacarem a
importncia da adequao contextual no delineamento e implementao da interveno,
indicando que o aprendizado do vocabulrio e uso da CAA, quando exposto em cenas
contextualizadas, permitiu melhor aprendizado e generalizao para usurios e parceiros. A
pesquisa de Mechling e Cronin (2006) obteve sucesso ao ensinar alunos com distrbios
intelectuais de moderado a grave a fazer pedidos em restaurantes fast-food em contexto real
usando recursos de CAA.
J os estudos sobre aspectos lingsticos discutem aspectos gramaticais no processo de
aquisio da linguagem oral e escrita e nas possibilidades de utilizao comunicativa da CAA na
comunicao diria. Os estudos apresentados na literatura internacional utilizam
predominantemente uma concepo gerativista e/ou estruturalista de lngua(gem).
Foley e Staples (2003) desenvolveram uma abordagem integrada utilizando CAA e
alfabetizao direcionada para adultos com autismo, como o planejamento de leitura
contextualizada atravs de temas como ir ao salo, restaurantes, banco, igreja ou sobre temticas
de interesse geral, como a vida de determinados animais. O desenvolvimento de rotas de leitura
foi feito usando o texto como unidade. Trs sujeitos demonstraram ganhos aps quatro a seis
semanas de interveno, e dois aps dois anos. Intervenes utilizadas na populao com idade
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escolar sem alteraes ou com distrbio leve podem ser efetivamente adaptadas para integrar
abordagens de CAA e alfabetizao para adultos com autismo.
Bedrosian, Hoag e McCoy (2003) analisaram os efeitos da relevncia, velocidade e
caractersticas do juiz na simulao entre usurio de CAA e vendedor. Como metodologia, foram
analisadas 20 condies com a manipulao de velocidade, relevncia e sexo dos juzes (96
vendedores). Os juzes valorizaram mais a relevncia da mensagem do que sua velocidade nesse
estudo.
Hoag et al. (2004) analisaram os efeitos de conflito de mximas conversacionais em
simulao entre usurio de CAA e vendedor. Foram filmadas 16 condies em que estavam em
conflito a velocidade da comunicao e a informatividade da mensagem, sendo julgadas por 96
juzes vendedores. A velocidade e a relevncia combinam-se para produzir o melhor uso da CAA
Fallon et al. (2004) analisaram a eficcia de um programa de instruo de leitura atravs
de tarefas de conscincia fonolgica em usurios de CAA com alteraes neurolgicas. Cinco
sujeitos, com idades entre nove e 14 anos, sendo trs com retardo mental e dois com PC,
realizaram tarefas fonolgicas de aliterao, busca de sons em outras posies das palavras e
leitura de palavras com coda. Trs demonstraram generalizao para a leitura via rota fonolgica
(palavras desconhecidas). Quatro passaram a ler livros, mas com dificuldade. Conclui-se que
vlida a aplicao do programa em sujeitos com inteligibilidade de fala prejudicada.
Millar, Light e Scholosser (2006) analisaram a efetividade da CAA e seu impacto na fala
em 23 estudos de 1975 a 2003, envolvendo 67 sujeitos. A CAA favoreceu a fala em 55 dos 67
sujeitos analisados, e em apenas cinco casos a fala decaiu. Existe a percepo de que a fala
favorecida pela CAA.
Guarda e Deliberato (2006) investigaram os enunciados de narrativas construdas por um
aluno de 14 anos com PC do tipo tetraparesia espstica. Os resultados demonstraram que a
natureza dos elementos constituintes dos enunciados era composta de objeto, smbolo grfico,
escrita, vocalizao e gesto representativo. Quanto ordenao e complexidade da estrutura
sinttica, foram observadas ordenaes sintticas simples das categorias sujeito, verbo e objeto,
utilizados isoladamente em enunciados verticais, isto , quando foi usado um tipo naturalstico
somente e ordenaes mais complexas, utilizadas em sentenas horizontais, as quais continham
dois elementos em um mesmo enunciado. A mediao metalingstica da interlocutora com o
aluno favoreceu o aprimoramento narrativo.
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Neste ltimo estudo, observa-se, mesmo que discreta, uma valorizao interacional
compartilhada do outro no processo lingstico de construo de narrativas atravs da CAA,
mesmo tendo o referido estudo um enfoque na estrutura sinttica e semntica.
Em relao s tcnicas de interveno, destacam-se estudos de cunho
comportamentalista na literatura internacional.
Richman e Kozlowski (1977) realizaram um estudo de caso com uma menina
institucionalizada de 9 anos, com quadriparesia espstica e grave deficincia cognitiva. Foram
utilizadas didticas operativas para treinar e produzir trs habilidades de comunicao pr-
intencional: manter o contato visual, manter o controle de cabea na posio vertical e aumentar
as imitaes verbais/vocalizaes onomatopicas. Os comportamentos reduziram-se durante a
reverso e logo aumentaram novamente, uma vez que o tratamento foi recomeado. Entretanto,
durante a segunda fase do tratamento, os comportamentos no alcanaram os nveis da fase
inicial do tratamento inicial. Foram observadas maiores pontuaes para os trs comportamentos
durante o seguimento de 12 meses.
Outro estudo de caso (CAMPBELL e STREMEL-CAMPBELL, 1982) objetivou
investigar a generalizao do comportamento de linguagem complexa e espontnea em um
ambiente de no treinamento e a durabilidade da generalizao como resultado de programao
da estratgia de treinamento-frouxo. Foram utilizadas tcnicas de treinamento operante para
ensinar o sujeito a produzir is/are ( ou est/so ou esto) em trs estruturas sintticas
(perguntas WH, perguntas SIM/NO, enunciados). Durante 155 sesses, divididas em sesses de
15 minutos por dia, foi medida a freqncia de produes corretas is/are em cada uma das trs
estruturas-alvo. Os desfechos demonstram que houve o aprendizado do uso do is/are na relao
dinmica com o ambiente de treinamento durante o contexto das atividades rotineiras da escola.
Hunt et al. (1986) fizeram um estudo de caso, usando um desenho de investigao
mltipla e de valores iniciais mltiplos, com uma menina de 7 anos com PC que conseguia
realizar vocalizaes, mas com grave deficincia cognitiva, transtornos mltiplos e limitao em
parear figura e objeto concreto. O sujeito foi ensinado a solicitar quatro objetos ou eventos
(aes) ao sinalizar com os olhos os desenhos lineares que simbolizam o objeto ou a ao. Foram
usados mtodos didticos operativos que incluram a aprendizagem com treinamento de pedidos.
O tratamento foi administrado duas vezes por dia, com 55 sesses no total. O valor inicial foi
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estvel e mostrou um uso pouco freqente de todos os pedidos. Ao trmino, houve clara
tendncia positiva no comportamento-alvo.
Pinder e Olswang (1995) estudaram quatro sujeitos (dois meninos e duas meninas), entre
11 e 13 meses, com PC grave. O trabalho de 12 semanas, em duas sesses semanais de 50 a 60
minutos, abordou o pedido de objetos mais pelo olhar. Para isso, foram utilizadas as estratgias
de realizao do modelo pelo terapeuta (modelagem) e controle da espera, com uso do reforo
positivo. Para compor a situao experimental, foi escolhida a ao de pedir objetos durante a
brincadeira e, para a situao controle, a ao de pedir objetos durante o lanche. Observaram que
todos tiveram aumento do nmero de pedidos, alguns no incio do treinamento e outros a partir da
terceira e quarta sesso de treinamento. O aumento da produo de pedidos tambm ocorreu no
caso de um menino de 6 anos com PC e alterao cognitiva moderada, o qual se comunicava pelo
olhar e entendia comandos falados, estudado por Sigafoos e Couzens (1995).
Com uma abordagem focada na relao usurio de CAA com sua famlia e demais
parceiros conversacionais, alguns estudos trabalharam o treinamento de familiares.
McCollum (1984) realizou um estudo de caso com uma me que raramente fazia a
criana interagir e, alm disso, usava um tom neutro na interao. Como variveis utilizadas na
condio experimental, foram trabalhadas a aproximao do rosto da me com o da criana e a
imitao da vocalizao da criana. Como condio controle, foi mantida a interao me e
criana, brincando ou jogando com brinquedos, como de costume. A durao do presente estudo
foi de trs sesses basais, seis de tratamento e uma de seguimento. A me aumentou o nmero de
vezes que aproximou o seu rosto da criana e manteve esse comportamento aps o trmino da
interveno. A imitao da vocalizao de seu filho aumentou durante a interveno, porm com
muita variao e uma possvel tendncia a diminuir essa imitao prximo ao fim do tratamento.
As habilidades pareciam se generalizar a uma situao de brincadeira no tratada, mas no foram
mantidas aps a terapia. A criana tambm aumentou a sua vocalizao quando sua me fez o
mesmo no treinamento.
Outro estudo, realizado pelo treino de mes e com um grupo de pais como controle, teve
como foco de trabalho a instruo verbal do terapeuta para que ocorresse a troca de turno,
aumento da responsividade, aumento do contato face-a-face, reduo da diretividade e controle
teraputico. As mes praticavam as tcnicas em sesses e recebiam material informativo. O grupo
controle tambm recebeu orientaes, mas de outra ordem: demonstraes de tcnicas
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neurodesenvolvimentais para inibir tnus anormal e promover movimento normal, prtica com o
terapeuta e material informativo. Foram realizadas visitas domiciliares em ambos os grupos, com
tomadas de vdeos da interao pais-criana para anlise e discusso. Como desfecho, aps a
interveno, as mes do grupo experimental usaram menos direcionamento fsico, mais contato
face-a-face e menos contato fsico. No houve diferenas em relao diretividade verbal,
elogios, perguntas ou interao verbal antes e aps a instruo para os dois grupos. As crianas
do grupo experimental tiveram aumento da responsividade voluntria. Ocorreu menos obedincia
fisicamente direcionada, mas no houve diferenas na quantidade de brincadeiras livres
(independentes, ou seja, sem diretividade).
Basil (1992) realizou um estudo tendo trs mes e um pai no grupo experimental e um
grupo de professores de trs meninas e um menino como grupo controle, com idade entre 7a4m e
8a8m e diagnstico mdico de PC. Suas idades de linguagem estimada eram entre 3 e 5 anos.
Eles se comunicavam por mmica facial, vocalizao, olhar e prancha de comunicao com 52 a
188 smbolos. Quanto aos aspectos metodolgicos, o estudo descreve que foi realizada uma
sesso com o grupo experimental em um centro de reabilitao tendo as seguintes diretrizes: uso
de pranchas de comunicao, mtodos de seleo de smbolos, reduo da prpria velocidade de
fala, solicitar o uso da CAA, fazer perguntas abertas e aumentar as respostas comunicao da
criana. Aps esse momento, ocorreram trs visitas domiciliares. Durante trs sesses antes do
tratamento com o grupo de pais, foram colhidas amostras de ndices de atitudes comunicativas.
Trs sesses aps a interveno, os mesmos ndices foram mensurados. Para os adultos, os
ndices de medidas avaliativas foram freqncia de incio de turno de conversao, respostas,
no-respostas, perguntas abertas e fechadas. J para as crianas os ndices foram freqncia de
incio de turno de conversao, respostas, no-respostas, enunciados por meio da prancha e por
outros modos. O grupo controle (professores) no recebeu o treinamento. Terminada a
interveno, foram observados os seguintes desfechos: a) sem diferenas entre a porcentagem de
turnos mantidos na conversao ou na proporo de respostas aos enunciados das crianas por
pais treinados ou professores no treinados antes e aps a interveno; b) os pais fizeram menos
perguntas abertas do que os professores antes da terapia, mas aumentaram essas perguntas abertas
aps o treinamento, ao passo que o uso de perguntas abertas pelos professores permaneceu
estvel; c) antes do treinamento aos pais, as crianas no respondiam s interaes com os pais
com mais freqncia do que com os professores, mas aumentaram suas respostas depois da
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interveno; e d) as crianas se comunicavam com menos freqncia atravs de suas pranchas de
comunicao com smbolos com seus pais do que com seus professores, mas aumentaram o seu
uso aps o treinamento.
McConachie e Pennington (1997) realizaram um estudo experimental com 19 sujeitos
(nove professores, 10 assistentes de professores), tendo um grupo controle de 14 sujeitos (oito
professores e seis assistentes), o qual no recebeu treinamento. Este foi denominado Minha vez
de falar e consistia em: incentivar a atividade dialgica em diferentes posies enunciativas
(ativas e passivas), investigar mtodos de acesso, criar oportunidades de interao, negociar uma
falha/quebra de comunicao e planejar o desenvolvimento da comunicao. As estratgias de
ensino incluam pequenas conversas curtas, demonstraes em vdeo, tarefas escritas, livre
associao de idias, teatro, planejamento da interveno. Foram feitos vdeos de cinco minutos
de cada adulto interagindo com a criana no ms anterior ao tratamento, um ms aps e quatro
meses mais tarde. A facilitao da comunicao dos usurios de CAA foi avaliada em 11
categorias atravs de uma escala de trs pontos. Metade dos vdeos foi avaliada por um dos
autores, e a outra metade, por um juiz-cego. Ao total, a durao foi de cinco sesses de 90
minutos na escola ao longo de 10 a 12 semanas. Como desfechos houve diferenas um ms aps
o treinamento para os professores, mas no para os assistentes do grupo experimental. O grupo
experimental usou mais estratgias para facilitar a comunicao da criana quatro meses aps o
treinamento, e o grupo controle no teve mudana nos padres de interao.
Pennington, Goldbart e Marshall (2004) revisaram todas as pesquisas experimentais em
treinamento de comunicao para parceiros conversacionais de crianas com PC e avaliaram a
efetividade desse tipo de interveno. Como metodologia para a anlise, utilizaram diversos
bancos de dados eletrnicos das reas da sade, psicologia e educao at dezembro de 2002.
Para serem includos na anlise, os estudos teriam que relatar intervenes com algum elemento
de controle experimental, com o objetivo de mudar o estilo de interao dos parceiros
conversacionais de sujeitos entre zero a 19 anos com PC, mas sem graves comprometimentos
globais. Quatro estudos foram analisados, e os autores concluram que os seguintes
procedimentos so positivos: cuidar o posicionamento dos parceiros conversacionais e das
crianas na interao, criar oportunidades de comunicao e se dispor a fornecer responsividade
aos sinais comunicativos da criana.
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Os estudos contm falhas metodolgicas, e os resultados podem no demonstrar se as
mudanas so definitivamente um resultado da interveno. Outros estudos demonstram a
necessidade de interveno com foco duplo, tomando a famlia como unidade de servio
(CRESS, 2004), j que h altos nveis de iniciativa e diretividade nos padres conversacionais
das mes de usurios de CAA (PENNINGTON e McCONACHIE, 2001). A importncia da
interveno fonoaudiolgica com foco duplo nos casos dos retardos de linguagem, especialmente
na clnica da PC, tambm defendida no estudo de caso de Cesa (2007).
Starble et al. (2005) descreveram uma abordagem centrada na famlia para desenvolver e
implementar um treinamento de uso de recursos de CAA. Foi realizado um treinamento com uma
famlia focando em avaliao das necessidades, identificao de contextos prioritrios de
comunicao, implementao de recursos de CAA e treinamento do parceiro conversacional. Foi
aplicado um questionrio de avaliao, que demonstrou altos nveis de satisfao para a maioria
das dimenses (por exemplo: conhecimento e sensibilidade do instrutor, relevncia e adequao
do treinamento). Outras dimenses foram associadas com a menor satisfao, como, por
exemplo, o conforto da famlia ao usar o recurso de CAA. Esse fato parece se conectar ao
estresse relacionado ao tempo de uso do recurso, por isso o uso da comunicao corporal
preferido (BAILEY et al., 2006).
Pennington, Goldbart e Marshall (2007) investigaram quatro estudos centrados na relao
dos pais ou outros parceiros conversacionais com usurios crianas. Os autores apontam xito
nesse tipo de interveno demonstrado atravs das mudanas de seus estilos de interao
(freqncia de perguntas abertas, proporo de perguntas e respostas, etc.). Para conseguir bons
resultados nessas intervenes, aspectos como crenas em auto-eficcia materna e a classificao
que a me faz das habilidades lingsticas dos filhos devem ser considerados (HARTY, ALANT
e UYS, 2006).
Saito e Turnbull (2007) analisaram desfechos e perspectivas familiares em relao
prtica de CAA para identificar questes que as famlias percebem como importantes para suas
vidas. Foi realizada uma reviso de literatura de 13 artigos publicados entre 1985 e 2005 que
abrangessem sujeitos de at 21 anos. Utilizou-se uma escala de medio de Qualidade de Vida
Familiar (QVF) para avaliar os estudos. O impacto das prticas de CAA interage com cinco
domnios de QVF: interao familiar, funo parental, bem-estar fsico e material, suporte em
relao ao distrbio e bem-estar emocional. A famlia deve ser o foco da prtica e da pesquisa,
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mas o mesmo deve ser ampliado a outros contextos para que se d o processo de incluso dos
usurios da CAA na sociedade (ZAPATA, 2001; MOREIRA, 2001). Corroborando tais
afirmativas, destacam-se os estudos de Fernandes (2001), Almeida, Piza e Lamnica (2005) e
Von Tetzchner, Brekke, Sjothun e Grindheim (2005). Moreira (2001) salienta ainda que, para
viabilizar a incluso, alm de aspectos tecnolgicos para o recurso da CAA, necessrio
conhecimento das estruturas e processos econmicos e polticos da sociedade.
Em termos de experincias, Sader (2001) relata o processo de incluso no curso superior
de jornalismo de um sujeito acometido pela PC do tipo atetide, e Bryen, Cohen e Carey (2004)
usaram a CAA para aumentar as oportunidades de emprego de seis adultos usurios. Os
participantes melhoraram suas habilidades de busca de emprego, a forma de lidar com o distrbio
no trabalho, comunicao e tecnologia da informao. Alm disso, houve um impacto sobre o
emprego e/ou aumento salarial para quatro dos seis participantes.
Com base na leitura desses artigos, observa-se uma mudana no olhar sobre o recurso da
CAA, valorizando o instrumento para facilitar e viabilizar a incluso escolar e social em sujeitos
com oralidade ausente ou restrita. No entanto, perceptvel que a maior parte deles est centrada
em uma perspectiva comportamentalista de linguagem e comunicao. Apresentam a viso de
lngua como cdigo, e isso talvez explique os resultados inconclusivos ou limitados no processo
de generalizao de uso da CAA. Este estudo afirma a necessidade de se repensar a concepo de
lngua e linguagem com a qual tal recurso introduzido e tambm a prxis na clnica de
linguagem. As prximas sees buscam trazer novos subsdios tericos para uma nova
perspectiva.
2.1.2.3 A Comunicao Aumentativa e Alternativa na Fonoaudiologia: mudana de paradigmas
na clnica de linguagem
Em uma perspectiva comportamentalista, os estudos se preocupam com os requisitos para
o sucesso na introduo do uso da CAA. Moreira e Chun (1997) afirmam que a CAA deve ser
iniciada por conceitos bsicos, exerccios de pareamento, associao e discriminao, e que a
eficcia da utilizao do sistema depender da habilidade de cada sujeito em aprender, das metas
a serem alcanadas, do ambiente de aprendizagem, da motivao e das habilidades do facilitador.
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Fernandes (1999) prope uma avaliao composta da realizao de um questionrio, da
observao de situao ldica entre sujeito, me e avaliadora e da investigao das habilidades
motora, cognitiva e lingstica. Em seu estudo, os indivduos apresentaram dificuldade na
representao simblica, seguindo uma hierarquia de reconhecimento grfico: objeto, foto e
smbolo pictogrfico. Os autores no tm dvida do ganho cognitivo e lingstico (PIRES e
LIMONGI, 2002), mas apenas alguns falam dos ganhos em criatividade (SCHIRMER e
VICENTIN, 2001; SCHIRMER, 2001) e afetivo (LOUREIRO e SIQUEIRA, 2001) no uso da
CAA. Estas comentam que a comunicao a base para a realizao de trocas afetivas, de
obteno de ajuda e de informao, a partir da descrio de atividades realizadas com quatro
sujeitos com PC entre 11 e 27 anos. No decorrer do trabalho, foi observado que, atravs da CSA,
os sujeitos obtiveram crescimento no mbito social, havendo uma integrao melhor entre os
terapeutas e os familiares, desenvolvendo auto-estima, confiana e independncia nas atividades
de vida diria, melhora nas trocas de experincias, na eficincia da comunicao e na qualidade
de vida.
Tais trabalhos centram-se na comunicao como objeto de estudo da Fonoaudiologia, mas
no abordam aspectos da funo constitutiva da linguagem. O trabalho de Panhan (2001)
aproxima-se mais de uma perspectiva interacionista que considera tais fatores. Ele faz uma
reflexo crtica, luz da clnica de linguagem proposta a partir de Freire (1996) e outros autores
(SOUZA, 1999; WOLFF, 2001), sobre a maioria dos trabalhos de CAA estarem focados em
aspectos instrumentais, com a descrio de tcnicas e a efetividade do uso desse recurso nas
teraputicas, sem haver uma reflexo sobre o mtodo clnico e a base terica.
Vasconcelos (2001) estudou o caso de uma criana (dos 7 anos e 3 meses aos 7 anos e 10
meses) com quadro motor grave (quadriparesia espstico-atetide) que foi introduzida no sistema
Bliss. Ela no podia apontar os smbolos, levando a terapeuta a buscar os smbolos atravs de
tentativas e erros com o uso de sim e no pela criana (via olhar e maneios de cabea) para
confirmar as opes dadas pela terapeuta. A eficcia do uso da comunicao alternativa e
suplementar resultaria do fato de serem submetidos ao trabalho da lngua que est na escuta
desse portador de paralisia. Atravs desse trabalho, a terapeuta consegue interpretar seqncias
de enunciados, nos quais h o uso de smbolos em conjunto com o uso de letras, para compor
relatos de vida (passeio do fim de semana) e permitir narrativas como a do conto de fadas
popularmente conhecido como Joo e Maria.
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Em uma perspectiva vigotskyana, Chun (2003) e Trevizor e Chun (2004), em diferentes
artigos, relatam um mesmo estudo documental e retrospectivo sobre a terapia fonoaudiolgica
pela introduo do PCS com uma criana de 8 anos no falante, com histrico de convulses,
leso hemisfrica direita e alterao neurolgica por trauma aps acidente de carro. O diagnstico
neurolgico no conclusivo para explicar a quase ausncia de fala no caso. O sujeito recebeu
terapia individual e grupal de linguagem dos 5 aos 7 anos, sem avanos na fala, quando foi
introduzido o PCS. A proposta terica de linguagem foi baseada na teoria vigotskyana. O
resultado teraputico foi positivo, j que, por meio do PCS, o sujeito passou a produzir relatos de
vida diria e diversos, manifestar sentimentos e ampliar o processo de interlocuo com outro. O
uso do PCS ampliou espontaneamente o desenho e incentivou a aquisio da linguagem escr