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Anais do XI Encontro Nacional de Educação Matemática – ISSN 2178-034X Página 1 UM CURSO DE SERVIÇO PARA A DISCIPLINA MATEMÁTICA FINANCEIRA Dejair Frank Barroso Mestrando Profissional em Educação Matemática da UFJF [email protected] Marco Aurélio Kistemann Jr. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática-UFJF [email protected] Resumo: Nesta comunicação, discutiremos algumas questões desenvolvidas em nossa pesquisa de mestrado intitulada Curso de Serviço para a Disciplina Matemática Financeira na Graduação de Administração Mediada pela produção de Significados dos Alunos, inserida no Grupo de Investigação Financeiro-Econômica (GRIFE) da UFJF, liderado pelo professor Dr. Marco Aurélio Kistemann Jr.. Apresentaremos nossa análise da experiência de projetar um curso de serviço para discentes da área de humanas de uma Instituição Superior de Ensino de Minas Gerais. Nosso objetivo, neste artigo, é o de sugerir a importância de promover mudanças na maneira de lecionar a disciplina Matemática Financeira, promovendo a reflexão da sociedade líquido-moderna de consumidores por meio do uso de imagens (vídeos e charges) e na necessidade de se criar situações-problema que façam uso dos objetos financeiro-econômicos (cartão de crédito, empréstimos pessoais, financiamentos e investimentos). Palavras-chave: Educação Matemática Financeira; Cursos de Serviço; Consumo; Situações-problema. 1. Introdução O que pretendemos discutir neste artigo é parte de nossa pesquisa de dissertação de mestrado: “Uma proposta de curso de serviço para a disciplina Matemática Financeira na graduação de Administração mediada pela produção de significados dos alunos”, inserida no grupo de pesquisa GRIFE (Grupo de Investigação Financeiro-Econômica da UFJF), liderado pelo Professor Dr. Marco Aurélio Kistemann Jr., que investiga sobre a possibilidade de mudanças na disciplina Matemática Financeira e na criação de uma disciplina que esteja voltada para a formação crítica de futuros administradores (não matemáticos) na sociedade líquido-moderna. A pergunta diretriz que orienta nosso estudo é: Que significados são produzidos pelos alunos na disciplina Matemática Financeira do curso de Administração de uma Instituição Superior de Ensino de Minas Gerais quando lidam com situações-problema de consumo? Obviamente, nossa questão procura identificar elementos constitutivos que poderiam ser incorporados a disciplina de Matemática Financeira em oposição à formação presente

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UM CURSO DE SERVIÇO PARA A DISCIPLINA MATEMÁTICA FINANCEIRA

Dejair Frank Barroso

Mestrando Profissional em Educação Matemática da UFJF [email protected]

Marco Aurélio Kistemann Jr.

Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática-UFJF [email protected]

Resumo: Nesta comunicação, discutiremos algumas questões desenvolvidas em nossa

pesquisa de mestrado intitulada Curso de Serviço para a Disciplina Matemática Financeira

na Graduação de Administração Mediada pela produção de Significados dos Alunos,

inserida no Grupo de Investigação Financeiro-Econômica (GRIFE) da UFJF, liderado pelo

professor Dr. Marco Aurélio Kistemann Jr.. Apresentaremos nossa análise da experiência

de projetar um curso de serviço para discentes da área de humanas de uma Instituição

Superior de Ensino de Minas Gerais. Nosso objetivo, neste artigo, é o de sugerir a

importância de promover mudanças na maneira de lecionar a disciplina Matemática

Financeira, promovendo a reflexão da sociedade líquido-moderna de consumidores por

meio do uso de imagens (vídeos e charges) e na necessidade de se criar situações-problema

que façam uso dos objetos financeiro-econômicos (cartão de crédito, empréstimos

pessoais, financiamentos e investimentos).

Palavras-chave: Educação Matemática Financeira; Cursos de Serviço; Consumo;

Situações-problema.

1. Introdução

O que pretendemos discutir neste artigo é parte de nossa pesquisa de dissertação de

mestrado: “Uma proposta de curso de serviço para a disciplina Matemática Financeira na

graduação de Administração mediada pela produção de significados dos alunos”, inserida

no grupo de pesquisa GRIFE (Grupo de Investigação Financeiro-Econômica da UFJF),

liderado pelo Professor Dr. Marco Aurélio Kistemann Jr., que investiga sobre a

possibilidade de mudanças na disciplina Matemática Financeira e na criação de uma

disciplina que esteja voltada para a formação crítica de futuros administradores (não

matemáticos) na sociedade líquido-moderna.

A pergunta diretriz que orienta nosso estudo é: Que significados são produzidos pelos

alunos na disciplina Matemática Financeira do curso de Administração de uma Instituição

Superior de Ensino de Minas Gerais quando lidam com situações-problema de consumo?

Obviamente, nossa questão procura identificar elementos constitutivos que poderiam

ser incorporados a disciplina de Matemática Financeira em oposição à formação presente

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no chamado Ensino Tradicional Vigente (ETV) (Silva, 2011) nos cursos superiores de

Administração.

Temos ainda como objetivo, propor diretrizes para um curso de serviço, direcionado

para o público dos cursos de Administração e Economia, que contemple os resultados de

nossa investigação.

A expressão “Curso de Serviço” aparece, por exemplo, em Barbosa (2004) e Silva

(2011), estaremos usando, ao longo do texto, com o seguinte sentido: atender a necessidade

do ensino de Matemática para não matemáticos, ou seja, examinar com alguma

profundidade como a Matemática Financeira pode contribuir com a formação do futuro

profissional de Administração.

Por esse fio condutor, iniciamos nosso trabalho desenvolvendo numa turma do curso

de Administração de uma Instituição Superior de Ensino em Minas Gerais, no 2º semestre

de 2011. Uma primeira investigação piloto constituiu-se de situações-problema, com o

objetivo de observarmos a produção de significados dos alunos, por meio da escrita. Tais

situações-problema foram aplicadas à medida que o conteúdo da disciplina se desenvolvia.

Num primeiro momento, fizemos as transcrições dessas situações-problema, as quais

já apresentam algumas evidências substantivas para responder aos nossos questionamentos

nesta pesquisa; por exemplo, estudar Matemática Financeira, simplesmente aplicando

fórmulas ou fazendo cálculos por meio da calculadora financeira HP-12C, não auxilia o

aluno a produzir uma reflexão sobre como esses resultados podem afetar sua escolha e

tomada de decisão. Para Kistemann Jr. (2011, p. 43), “cada cidadão deve ter possibilidade

de ler e produzir significado acerca das ferramentas que regem as ações e transações

econômicas, para que possa escolher que decisão deve tomar”.

A revisão de literatura que desenvolvemos sobre o tema Educação (Matemática)

Financeira evidenciou que esse é um dos temas menos pesquisados em Educação

Matemática. Possivelmente, talvez, porque até aqui a disciplina Matemática Financeira não

é vista como importante nas licenciaturas de Matemática, e também, não faça parte do

conteúdo obrigatório do ensino básico. Porém, identificamos alguns estudos e reflexões

sobre a temática no Brasil, na direção de nossos interesses, nas pesquisas de Kistemann Jr

(UNESP/Rio Claro, 2011), Novaes (UFRJ/2009), Hermínio (UNESP/Rio Claro, 2008),

Stefhani (PUC/RS, 2005), Nascimento (PUC/SP, 2004) e Carvalho (UNICAMP/1999).

Mais recentemente, com as pesquisas já defendidas dos integrantes do GRIFE, Luciano

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Pecoraro Costa (outubro de 2012) e Reginaldo Brito (outubro de 2012); outras que se

encontram em fase final de Amanda Fabri de Resende e André Bernardo Campos, e em

fase inicial de Neil da Rocha Canedo.

Destacamos também, a pesquisa de pós-doutorado de Silva (Rutgers, The State

University of New Jersey, 2011/2012), Educação Financeira na Escola: Perspectivas

(apresentada no VI EMEM/2012), que analisa a proposta de Educação Financeira da

OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para as escolas,

com o objetivo de informar os professores o que está acontecendo e propor diretrizes para

sua inserção nas escolas.

Na análise de livros didáticos (Ensino Superior), nossa leitura crítica sobre os livros

de Matemática Financeira revela que a metodologia abordada pelos seus autores prioriza

uma síntese teórica seguida de exemplos resolvidos e exercícios propostos para o aluno. O

foco do ensino está em propiciar técnicas e procedimentos para o aluno resolver problemas

(ETV), ou seja, encontrar a resposta certa. O uso da calculadora financeira ou de planilhas

eletrônicas, são apenas ferramentas que agilizam os procedimentos operacionais, mas não

estimulam a reflexão dos objetos financeiro-econômicos presentes na sociedade

consumista.

Entendemos que a proposta de produção de cursos de serviço é uma oportunidade

de mudança nesse quadro tão enraizada em nossa cultura acadêmica. Pois, a nossa prática

docente tem indicado exatamente o que as pesquisas acima concluíram: a imersão dos

estudantes submetidos ao ensino mecanizado, desprovido de reflexões do cenário

econômico e consequentemente a ausência de percepção financeira na tomada de decisão

para consumir.

Neste artigo, apresentaremos a experiência que tivemos ao propor um curso de

serviço para alunos da graduação de Administração com o objetivo de expor situações-

problema elaboradas a partir de coleta de vídeos e charges, cujo teor revele as

características da sociedade líquido-moderna de consumidores.

2. O ambiente da investigação: A Sociedade Líquido-Moderna de Consumo

Uma das inspirações para iniciarmos nossa pesquisa foi a leitura do livro Vida para

Consumo de Bauman (2008 a) que trata da transformação das pessoas em mercadoria. O

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autor analisa de um modo bastante sutil como a sociedade moderna de produtores foi se

transformando em uma sociedade de consumidores: sociedade pós-moderna.

Percebemos que esta transformação se inicia com o progresso industrial, quando o

trabalho humano passa a ser substituído pelo trabalho da máquina e posteriormente, a

mente humana é substituída pelo computador, assim inicia-se o caminho da produção

ilimitada, e consequentemente o consumo ilimitado.

Esta mudança de comportamento é caracterizada de sociedade pós-moderna, ou seja:

[...] A velha sociedade moderna engajava seus membros primordialmente como

produtores e soldados [...] A norma que aquela sociedade colocava para seus

membros era a capacidade e a vontade de desempenhá-los. Mas o atual estágio,

pós-moderno, a sociedade moderna tem pouca necessidade de mão de obra

industrial em massa e de exércitos recrutados; em vez disso precisa engajar seus

membros pela condição de consumidores. (BAUMAN, 1999 b, p. 88).

Nessa nova organização social, os indivíduos se tornam ao mesmo tempo

promotores de mercadorias e também as próprias mercadorias que promovem, desta forma,

é modelado um novo espaço de relações denominado “mercado de consumo”, onde os

indivíduos-consumidores1 são induzidos a seguirem um estilo de vida de conquistas

materiais, que julgam prazerosas e dignas de produzir felicidade. Consumir é uma

qualidade, “é um jeito de aliviar a ansiedade, porque o que se tem não pode ser tirado”.

(FROMM, 1976, p.45).

Esta perspectiva de vida nos conduz a uma sociedade empenhada em adquirir

propriedade e obter lucro, valendo o que eu tenho e não o que eu sou. Uma cultura

extremamente excludente, onde não há espaço para aceitar as diferenças econômicas e tão

pouco compartilhar o consumo. O que importa para o mercado capitalista é alavancar do

pobre o pouco dinheiro ou os ínfimos recursos que dispõe com objetos de consumo, que

não são prioridades em sua vida.

Refletindo sobre esta realidade imposta e mascarada na sociedade de consumidores,

que é enaltecida pelas campanhas publicitárias e instituições financeiras que promovem a

oferta contínua de crédito a jovens e adultos, de modo que estes últimos sejam

disciplinados não mais no antigo hábito burguês da poupança a longo prazo, mas na busca

1 O termo indivíduo-consumidor é extraído da pesquisa de doutorado de Kistemann Jr. (2011) e significa um

indivíduo que consome algo, que significados produz, quando se depara com um quadro financeiro-

econômico e com seus objetos, e que instrumental matemático utiliza (ou não) para tomar suas decisões.

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de suas satisfações imediatas, sempre que estas estejam ao alcance do digitar das senhas de

um cartão de crédito.

Graças a essa generosidade dos bancos, é possível transformar sonhos em realidade.

Com um cartão de crédito, é possível inverter a ordem dos fatores: desfrute agora e pague

depois! Com o “dinheiro de plástico” você tem o poder para administrar sua satisfação, não

precisa mais juntar ou ganhar o suficiente para obtê-las, é só desejar, e ainda, pode pagar

em 10 vezes sem juros, quanta benevolência!

Ah! Então quem é o vilão dessa história? Claro que a instituição financeira não está

preocupada se temos ou não dinheiro para honrar os nossos compromissos futuros, mas

elas sempre nos proporcionam um negócio de irmãos: você pode pagar um valor mínimo

ou ainda um valor entre o mínimo e o total, isso me faz lembrar um bordão usado no fim

dos comerciais por um extinto banco: “esse Bamerindus!”

Vamos refletir sobre o efeito rebote da situação anterior: um indivíduo-consumidor

tem um saldo devedor em seu cartão de crédito no valor de R$ 100,00:

Em 2 anos deverá R$ 1.878,81

Em 5 anos deverá R$ 153.005,35

Em 10 anos deverá R$ 234.106.363,03

Em 15 anos deverá R$ 358.195.253.802,61

Cartão de crédito: juros de 13% ao mês – Fonte: Instituto DSOP de Educação Financeira

Quem não tem percepção financeira, faz isso por sua própria conta e risco, sem se

preocupar com o futuro. E com certeza pagará um preço pesado. A satisfação de querer o

prazer imediato, não proporciona o gozo desse prazer mais acessível economicamente.

Estaremos apenas adiando o momento em que daremos conta dessa triste verdade.

Mas as instituições financeiras não querem fazer dessa situação: “Viva agora, pague

depois”, apenas um momento único para lucrarem com o indivíduo-consumidor, elas tem

muito mais a oferecer. De acordo com Bauman (2010 c) não há nada de tão ruim que não

possa piorar:

“Para impedir que o efeito dos cartões de crédito e do crédito fácil se reduza a um lucro que o emprestador só realiza uma vez com cada cliente, a dívida contraída

tinha de ser (e realmente foi) transformada numa fonte permanente de lucro”.

(BAUMAN, 2010c, p. 13).

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De fato, aquele indivíduo-consumidor que não pode pagar sua dívida são os clientes

preferenciais dos bancos, pois eles não estão interessados em receber nos prazos pré-

fixados, não querem seu dinheiro de volta. Novamente são os parceiros que não deixa o

cliente na mão, oferecem mais créditos para pagar a dívida antiga e ainda um dinheiro

extra (conforme Bauman, 2010c, p. 14, “alguma dívida extra”) para realizar novas alegrias.

É desta forma que os bancos e empresas de cartão de crédito exploram o “serviço”

continuado das dívidas do que com seu imediato pagamento. Nas palavras de Bauman

(2011c, p. 15) “o „devedor ideal‟ é aquele que jamais paga integralmente suas dívidas”.

O leitor pode estar pensando agora, que culpamos severamente as instituições

financeiras pelo endividamento dos indivíduos-consumidores. É isso mesmo! Os juros

praticados por esses credores jurídicos é uma forma que os ricos encontraram para se

tornarem mais ricos sem derramar uma gota de suor.

Analisemos uma contraprova do enriquecimento dos bancos, o demonstrativo do

pagamento de juros sobre a linha de crédito do cheque especial e, também, do mesmo valor

aplicado na caderneta de poupança:

JUROS PAGOS NA LINHA DE CRÉDITO DO CHEQUE ESPECIAL – 12 MESES

Quantidade

de parcelas

Base de cálculos Porcentagem

(%)

Juros (R$) Valor com

juros

1 1.000,00 10 100,00 1.100,00

2 1.100,00 10 110,00 1.210,00

3 1.210,00 10 121,00 1.331,00

4 1.331,00 10 133,10 1.464,10

5 1.464,10 10 146,41 1.610,51

6 1.610,51 10 161,05 1.771,56

7 1.771,56 10 177,16 1.948,72

8 1.948,72 10 194,87 2.143,59

9 2.143,59 10 214,36 2.357,95

10 2.357,95 10 235,80 2.593,74 11 2.593,74 10 259,37 2.853,12

12

Juros pagos

2.853,12

10

285,31

2.138,43

3.138,43

Adaptado do Instituto DSOP de Educação Financeira

JUROS GANHOS NA CADERNETA DE POUPANÇA – 12 MESES

Quantidade

de parcelas

Base de cálculos Porcentagem

(%)

Juros (R$) Valor com

juros

1 1.000,00 0,6 6,00 1.006,00

2 1.006,00 0,6 6,04 1.012,04

3 1.012,04 0,6 6,07 1.018,11

4 1.018,11 0,6 6,11 1.024,22

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5 1.024,22 0,6 6,15 1.030,36 6 1.030,36 0,6 6,18 1.036,54

7 1.036,54 0,6 6,22 1.042,76

8 1.042,76 0,6 6,26 1.049,02

9 1.049,02 0,6 6,29 1.055,31

10 1.055,31 0,6 6,33 1.061,65

11 1.061,65 0,6 6,37 1.068,02

12

Juros ganhos

1.068,02

0,6 6,41

74,42

1.074,42

Adaptado do Instituto DSOP de Educação Financeira

Os juros são o preço do dinheiro, que não é uma mercadoria como outra qualquer. O

preço da gasolina pode variar de um posto para outro; os juros variam não só de banco para

banco, mas também – e principalmente – variam de quem está “comprando” o dinheiro. Na

situação que acabamos de analisar, os indivíduos-consumidores no Brasil pagam mais de

200% ao ano no cheque especial, enquanto os poupadores têm ganhos de

aproximadamente 7,44% ao ano na caderneta de poupança. Há uma injustiça nesses

números, pois justamente os que mais necessitam do dinheiro são os que pagam mais por

ele.

Em 2013, mais de 60% das famílias brasileiras começaram o ano com dívidas,

segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC). Entre as famílias

pesquisadas em janeiro, 60,2% relataram ter dívidas com cheque pré-datado, cartão de

crédito, cheque especial carnê de loja, empréstimo pessoal, prestação de carro ou seguros.

E a dívida, talvez de consequências mais impactantes, dos estudantes universitários, futuro

da nação, aumentou de tamanho. Segundo Bauman (2010, p. 20), “os estudantes foram

obrigados/encorajados a viver a crédito, a gastar um dinheiro que, na melhor das hipóteses,

só ganhariam muitos anos mais tarde”.

3. Procedimentos Metodológicos: estratégias de ação

Em todo o processo até aqui desenvolvido, nos orientamos com base nas premissas

do Modelo dos Campos Semânticos (MCS), proposto por Lins (1997) e presente em

Kistemann Jr. (2011).

Nosso escopo é examinar que significados são produzidos pelos alunos para os

objetos financeiro-econômicos quando lidam com situações-problema de consumo, como

fazem suas escolhas e tomam suas decisões na sociedade de consumidores, a fim de

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elaborarmos um curso de serviço para a disciplina Matemática Financeira na graduação de

Administração.

Desta forma, o encaminhamento da investigação do piloto se estruturou nas

concepções epistemológicas que assumimos com base em nosso referencial teórico. Por

exemplo, para nós o conhecimento é entendido nos seguintes termos:

Conhecimento é produto da enunciação do sujeito, sendo entendido par

(conhecimento: crença-afirmação + justificação). Assim, quando duas pessoas enunciam a mesma crença, mas com justificações diferentes, dizemos que elas

produzem conhecimentos distintos. (LINS apud KISTEMANN JR, 2011, p. 143).

Fica evidente, neste par a correspondência entre uma crença-afirmação e sua

justificação, ou seja, o conhecimento é do domínio da enunciação, e não do enunciado.

Nesta investigação considera-se enunciação o ato de enunciar algo a alguém (interlocutor),

já enunciado são resíduos de enunciação que nos permite afirmar algumas coisas

importantes, as quais precisam ser explicitadas por alguém (interlocutor).

Comungamos com a fala de Kistemann Jr. (2011), que a importância do MCS se

manifesta quando propicia ao pesquisador em sua investigação pontuar os objetos com que

estão operando os sujeitos e que significados são produzidos para cada um desses objetos.

É justamente nesse momento que o modelo revela sua potencialidade de leitura,

evidenciando que não há “erro” a ser identificado, e sim, a ausência de leituras plausíveis

do conhecimento produzido pelos sujeitos.

Para o MCS a ideia de objeto caracteriza-se como sendo qualquer coisa sobre a qual

um sujeito está enunciando, por exemplo, taxas de juros ou dinheiro. Quanto a ideia de

significado no MCS é o que um sujeito efetivamente diz sobre um objeto, quando é

estabelecido o contexto de atuação. Entretanto, cabe frisar que “não é tudo que pode ser

dito (pelo sujeito), já que qualquer dada cultura aceita alguns, mas nunca todos os modos

possíveis de produzir significado”. (LINS & GIMENEZ, 1997, p. 143).

O objeto, sobre o qual o sujeito fala, não está previamente constituído, ele é

exatamente aquilo que se constitui durante a fala do sujeito a partir de um resíduo de uma

enunciação (conceitos, teorias, situações-problema, e tudo mais).

Em decorrência disso, Lins (apud KISTEMANN JR. 2011, p. 176) descreve que,

“quem produz uma enunciação sempre o faz na direção de “alguém”, afirmando que se em

outros modelos esse alguém “para quem se fala” é caracterizado como um outro, o MCS

postula a existência de interlocutores como seres cognitivos, e não biológicos”. Assim, à

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direção na qual um sujeito produz uma enunciação, vai de encontro com aquilo que ele

acredita ser o interlocutor (um outro sujeito), quem é digno de dizer o que ele diz, com a

justificação que ele diria. Em outras palavras, o sujeito fala numa direção na qual acredita

ser legitimo falar, e consequentemente se faria compreendido.

No que tange a nossa investigação, almejamos esclarecer por meio do MCS, o

modus operandi dos alunos do curso de Administração, quando lidam com situações-

problema de consumo na sociedade líquido-moderna.

4. Curso de Serviço: Uma tematização sobre situações-problema

Para atender a necessidade do ensino de Matemática para não matemáticos, foram

idealizados os cursos de serviço, cujo objetivo é examinar com alguma profundidade como

a Matemática pode contribuir para a formação do futuro profissional.

Podemos então, começar a pensar, em desenvolver a Matemática Financeira para o

curso de Administração, como uma proposta de Educação Matemática que se comprometa

pela reflexão e crítica dos conceitos financeiro-econômicos.

No Brasil, o setor financeiro é tão vasto e amplo como em qualquer país

desenvolvido. Os conceitos de valor presente e valor futuro afetam desde o mais simples

cidadão até o empresário mais bem-sucedido. Ambos irão se defrontar com elementos que

interferem com sua renda, seu consumo e, consequentemente, sua poupança deve ser

protegida ao longo dos tempos. Apesar de não convivermos mais com as altas taxas

inflacionárias crônicas, ainda sim, a economia é afetada pelas sucessivas flutuações nas

taxas de juros.

Esse cenário de conflitos sinaliza a necessidade de reflexão para tomada de decisão,

e isso, não significa apenas fazer contas. Segundo Samanez (2002, prefácio), “o cálculo

financeiro e a análise de investimentos são atualmente ferramentas essenciais na tomada de

decisões e na gestão financeira das empresas e das pessoas”. De fato, o desconhecimento

desse ferramental pode resultar em um custo muito alto, pois decisões desprovidas de

embasamento geralmente se traduzem em perdas financeiras e custos altos.

Analisemos uma questão que julgamos ser propícia para o embasamento crítico do

indivíduo-consumidor na sociedade líquido-moderna de consumidores.

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A grande maioria dos brasileiros sempre faz a opção pelos financiamentos para

adquirir um automóvel, imóvel, material de construção, viagens, produtos eletrônicos e

outros. É verdade também, que esses indivíduos-consumidores olham apenas para o valor

da prestação fixa, mas será que eles sabem os valores que estão agregados nessa prestação?

Ou ainda verificam se há restrições no contrato, como multas ou penalizações sobre

antecipações de pagamento. Uma penalização comum é a exigência de que apenas uma

fração dos juros devidos seja descontada da parcela a ser antecipada.

Outra penalização é a imposição contratual de permitir antecipar somente as últimas

parcelas a vencer. E por que apenas as últimas?

Queremos levar o leitor a tematizar conosco sobre essas artimanhas, que estão

ausentes nos livros de Matemática Financeira. Vamos considerar a seguinte situação-

problema:

Um indivíduo-consumidor (devedor) deseja comprar de uma loja um determinado produto

cujo valor é de R$ 4.190,00. O devedor deseja pagar os R$ 4.190,00 no prazo de 24 meses.

A loja oferece o serviço da financeira: Credbom (credor), que aceita financiar o valor

R$ 4.190,00 pelo prazo solicitado, com pagamento de juros de 1,3% ao mês.

O devedor e o credor combinam (contrato), que o empréstimo será regido pela Tabela

Price, e também haverá cobrança de IOF de 3% sobre o valor do financiamento, diluído

nas prestações. Será permitido antecipar somente as últimas prestações a vencer.

Inicialmente iremos calcular o valor da prestação, e em seguida construiremos a

tabela de financiamento, para que possamos entender a exigência contratual de poder

antecipar apenas as últimas prestações a vencer.

Valor do produto:

Nº de prestações: ( )

Taxa mensal:

IOF: 3% sobre R$ 4.190,00 → R$ 125,70

Valor financiado (valor presente):

Prestação:

( )

( )

( )

( )

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Planilha de financiamento:

Período

(n)

Saldo devedor

(PVt)

Amortização

(At)

Juros

(Jt)

IOF Prestação (PMT)

Amortização +

Juros

0 4.315,70

(4.190,00 + 125,70)

- - 125,70 -

1 4.161,31 154,39 56,10 - 210,49

2 4.004,92 156,39 54,10 - 210,49

3 3.846,49 158,43 52,06 - 210,49

4 3.686,00 160,49 50,00 - 210,49

5 3.523,43 162,57 47,92 - 210,49

6 3.358,74 164,69 45,80 - 210,49

7 3.191,91 166,83 43,66 - 210,49

8 3.022,91 169,00 41,49 - 210,49

9 2.851,72 171,19 39,30 - 210,49

10 2.678,30 173,42 37,07 - 210,49

11 2.502,63 175,67 34,82 - 210,49

12 2.324,67 177,96 32,53 - 210,49

13 2.144,40 180,27 30,22 - 210,49

14 1.961,79 182,61 27,88 - 210,49

15 1.776,80 184,99 25,50 - 210,49

16 1.589,41 187,39 23,10 - 210,49

17 1.399,58 189,83 20,66 - 210,49

18 1.207,28 192,30 18,19 - 210,49

19 1.012,48 194,80 15,69 - 210,49

20 815,15 197,33 13,16 - 210,49

21 615,26 199,89 10,60 - 210,49

22 412,77 202,49 8,00 - 210,49

23 207,65 205,12 5,37 - 210,49

24 - 207,65 2,84 - 210,49

Quem paga um financiamento e administra bem suas finanças pode se deparar com a

oportunidade de antecipar pagamentos, na eventualidade de sobrar algum dinheiro extra na

conta. Será que vale a pena?

Ao analisar o ritmo de amortizações e pagamentos de juros em financiamentos

longos, percebemos que, nas últimas prestações, o valor dos juros é mínimo. A antecipação

de pagamentos seria um péssimo negócio, pois não daria direito a praticamente nenhum

desconto. Melhor é aplicar o dinheiro e efetuar o pagamento no vencimento.

Outra situação, a reparar, é o momento do fluxo em que o indivíduo-consumidor se

encontra. Em fluxos longos, como o de financiamentos de imóveis, a maior parte do valor

das primeiras prestações equivale a juros, e a maior parte do valor das últimas equivale a

amortizações. Quem está na primeira metade do fluxo e pode antecipar parcelas

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subsequentes, fará um bom negócio. Para quem já passou da metade do fluxo, a

antecipação não vale a pena, mesmo que não haja penalizações, pois o desconto sobre cada

antecipação é mínimo. Melhor, novamente, é aplicar o dinheiro.

Para Cerbasi (2010), do ponto de vista emocional, antecipar traz um sentimento de

alívio, principalmente para quem está com dinheiro e não tem renda estável, como

acontece com autônomos, profissionais liberais e quem está perto de se aposentar. O alívio

decorrente do fim de um compromisso pode ser muito bem pago por qualquer desconto

obtido. Cabe ao indivíduo-consumidor decidir se será capaz de conviver com a disciplina

do compromisso no longo prazo, ou se quer pagar o preço para ter o orçamento mais leve

no futuro.

5. O contexto da sociedade líquido-moderna de consumidores em situações-problema

na proposta de curso de serviço

1ª) Análise de investigação de uma situação-problema do piloto

Vejamos uma situação bastante comum nas vendas no comércio:

DE R$ 799,00 por

O que você indivíduo-consumidor tem a dizer sobre este anúncio?

Objetivo: Verificar a influência de um anúncio, que oferta um produto em pagamentos

parcelados sem juros ou à vista, para tomada de decisão.

Destacamos as produções de significados de dois alunos:

Flora

A oferta é atraente, pois comprando à vista ou parcelado, o celular sai pelo mesmo preço.

Olívia

A loja está embutindo no preço do celular o valor do lucro.

A estratégia da loja de usar um preço à “vista” que agrega os juros e dividi-lo em 10

parcelas iguais, não é percebida por Flora, que opera com o dinheiro no tempo sem usar a

CELULAR MOTOROLA Screen Dual Chip – GSM c/ leitor de dois chips, Touch Screen

c/ tela de 3,2” , Câmera 3.0 MP c/ zoom 4x, Filmadora, MP3 Player, Rádio FM, Bluetooth,

Fone, Cabo de Dados e cartão de 2GB – Desbloqueado.

R$ 449,00 MENOR PREÇO DO MERCADO

10 X R$ 44,90 SEM JUROS!

SÓ HOJE!

OU À VISTA R$ 449,00

SÓ HOJE!

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equivalência de capitais. Já Olívia afirma que o juro que o consumidor pagará está

agregado no valor anunciado. Assim, Flora fala numa direção, que o valor à vista (sem

juros) está dividido em 10 pagamentos iguais, enquanto que Olívia fala em outra direção,

o preço que a loja coloca como à vista, não é o verdadeiro, representa um valor futuro

(valor presente + juros). Para esclarecer este ponto remetemo-nos a caracterização de Lins

sobre “significado”:

“É a relação entre uma crença-afirmação e uma justificativa para ela, o que coloca

claramente a relatividade de um significado, ao mesmo tempo que os caracteriza

como a articulação entre as coisas em que se acredita e as razões que se tem para

acreditar nela”. (LINS,1993, p.86).

É nesse sentido que vejo Flora operando, comprando à vista ou parcelado, o celular

sai pelo mesmo preço, é absolutamente coerente com sua maneira de operar. Para ela

449 : 10 = 44,90, ou seja, a operação aritmética de divisão é suficiente para justificar sua

crença. Na crença-afirmação de Olívia, a loja está embutindo no preço do celular o valor

do lucro, também retrata sua maneira de operar, ou seja, que o dinheiro tem um custo no

tempo, e o valor da parcela R$ 44,90, significa a acumulação de capital para o final de 10

meses.

2ª) Uma reflexão da sociedade líquido-moderna por meio do filme “Amor por Contrato”,

escrito e dirigido por Derrick Borte, traz uma critica à sociedade líquido-moderna de

consumidores. No filme, uma empresa de vendas cria falsas famílias perfeitas e as envia

para pequenas e ricas cidades americanas. Essa falsa família é perfeita, composta de um

marido e uma esposa que se amam e se dão presentes, tem o carro do ano, uma casa com

tudo, um filho e uma filha populares que possuem os artigos tecnológicos de ultima

geração. O objetivo da empresa de vendas é criar nos vizinhos o desejo de ser igual àquela

falsa família, que todos pensam ser verdadeira. Quando veem aquelas pessoas teoricamente

tão perfeitas, todos na cidade logo associam os bens materiais à felicidade familiar. E

assim se apressam em comprar tudo o que puderem.

Vamos olhar um pequeno diálogo que retrata as consequências do consumismo para

ostentação da falsa felicidade:

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Essa necessidade de se equiparar aos vizinhos, que faz todos perderem o equilíbrio

financeiro consumindo mais arduamente para se manter bem aos olhos da sociedade, é a

rotina de muitas famílias.

3ª) O papel das charges na elaboração de situações-problema

Às vezes uma imagem vale mais que dezenas de linhas em um texto ou mais que 1

hora de conversa, para atingir o nosso objetivo em sala de aula. É com essa certeza que

acreditamos que o uso das charges constitui-se numa ferramenta poderosa de comunicação

e interação com os estudantes.

Podemos exemplificar nossa convicção, relatando um pequeno trecho de uma

entrevista de Rodolfo Bracel com Joaquín Salvador Lavado (Quino), criador de Mafalda:

[...] Aquela primeira conversa de 1967 foi um repetido cair em poços de ar, em

pausas abissais. [...] Para conseguir cada resposta de Quino eu tinha que me

esfalfar. Com um mudo teria sido mais fácil. Foi por isso que, em algum momento,

vendo que minha pergunta não obtinha retorno com som de palavras, propus ao resignado Quino que desenhasse a resposta. A pergunta era: O que espera da

humanidade? Onde vai parar o mundo dos homens? Com seu desenho, Quino

respondeu na mesma hora. Desenhou um homenzinho, cidadão de óculos, que

chutava uma bola. Na verdade, observada detidamente, a bola de futebol era um

globo. Terrestre. Isso mesmo. [...] (BRACEL, 2010, prefácio).

Estamos labutando com este propósito, oferecer um curso de serviço, que quebre os

paradigmas do Ensino de Matemática Financeira engessado, rotulado na resolução de listas

de exercícios e sem criticidade.

6. Considerações finais

[...] Continua dando que todos os nossos cartões estão estourados, mas você pagou as faturas,

não pagou?

Claro! Isso deve ser erro do sistema. [...]

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Ao propormos um curso de serviço para a disciplina Matemática Financeira na

graduação de Administração, temos a intenção que nossos alunos aprendam a se posicionar

criticamente diante dessas questões de consumo. Segundo Skovsmose (2001, p. 101), “para

ser crítica, a educação deve reagir às contradições sociais”.

Neste artigo, buscamos mostrar que ensinar matemática para não matemáticos, é

romper com a ideia de foco apenas no conteúdo, mas introduzir questões que estabeleçam

uma simbiose com a matemática. Desta forma, introduzimos a discussão da sociedade

líquido-moderna, para que viesse a tona o cenário pós-moderno, com as implicações do

capitalismo voltado para o consumismo.

Na situação-problema que apresentamos, a leitura plausível do MCS revelou a

cultura do brasileiro: acreditar nos estratagemas de marketing e comprar por meio de

financiamentos, independente do preço do produto, em: “10 vezes, 18 vezes, 24 vezes, ...,

“sem juros”! E consequentemente pagando, pelo menos duas vezes o valor do produto.

Certamente, esse momento descortinará a possibilidade de reflexão: Como reagir às

questões que maquiam a “realidade” para os indivíduos-consumidores? Neste contexto de

questionamento procuramos revelar, como a Matemática Financeira pode servir de bússola

para ajudar o indivíduo-consumidor a tomar sua decisão, identificando que preço, valor à

vista, valor a prazo, cartão de crédito, cheque especial e propagandas estão a serviço do

capitalismo de consumo e consequentemente da degradação da renda do cidadão.

7. Referências

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de Janeiro: Zahar, 2008.

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