merleau-ponty obra de arte e filosofia · pdf fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da...

14
1' \ i men ti'.ihaiho de fotografo. compondo :i ILIX nuni espayo ob.scuro conex'bido como \ >iume. son au.sciente d;t scparacao do mundo do ver- bo daqucle da irn;tgem que eu qucro rcconciliar, ficando fiel ao iconofilo exterior cjuc eu era. e ao iconofilo interior cm que me transformer Po.sso dix.er que nunca pegitei nada em fotografia. Pegar em foto e uma constatacao valida para os outros, que me veem como fotografo. Na realidade eu tentei sobretudo fazer valcr uma imagem mental convertendo- se em pelfcula. Isto que eu fotografo, os outros nao podem faze-lo, e reci- procamente. Situando-me no ponto zero da fotografia eu devo refletir novamente sobre uma significance apropriada da camera obscura, da qual eu tenho a experiencia material em absolute. Se as minhas imagens existem para mini atraves da descricao dos outros, isto nao me impede em nada a pos- sibilidade de vive-las pela atividade mental. Elas existem mais para mim quanto mais elas possam se comunicar tambem com os outros. Talvez Filostrato tenha visto a galeria de Napoles; todavia, pelo seu texto podemos imagina-la. As pessoas que olham diretamente as minhas fotos me dao a possibilidade de me assegurar da realidade materializada dos meus atos mentais. For esta razao, eu me considero um artista concei- tual sempre obrigado a pre-imaginar a imagem sobre a pelfcula. O apare- Iho fotografico nao pode pensar por mim. Traduqao de Rubens Machado 466 MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia Marilena Cbaui DESFAZENDO AS AMARRAS DA TRADIfAO Merleau-Pomy busca o Esgfrito Selvagem e o_Ser,Bruto. Sua imerro- gacao vem exprimir-se numa espanfosa nota de trabalho de seu livro pos- tumo e inacabado, O.viswel e o invisivel: "O Ser e o que exige de nos criacjo para que dele tenhamos experiencia". Frase cujo prosseguimento retine emblematicameme arte e filosofia, pois a nota continua.- "filosofia e arte, juntas, nao sao fabricacoes arbitrarias no universe da cultura, mas contatp com o ser justamente enquanto criacoes". Por que criafdo? Porque entre a realidade dada como um fato, institui- [- da, e a essencia secreta que a sustenta por dentro ha o momento instituinte no qual o Ser vem a ser: para que o ser do visfvel venha a visibilidade,' solicita o trabalho do pintor: para que o ser da linguagem venha a expres- sao, pede o trabalho do escritor; para que o ser do pensamento venha a inteligibilidade, exige o trabalho do filosofo. Se esses trabalhos sao cria- dores e justamente porque tateiam ao redor. de uma intencao de exprimir alguma coisa para a qual nao possuem um modelo que Ihes garanta o acesso ao Ser, pois e sua acao que se abre e abre a via de acesso para o contato pelo qual pode haver experiencia do Ser. Por isso, em A linguagem indi- reta e as voZes do silencio, opondo-se a teoria de Malraux sobre o artista como "genio e monstroincomparavel", Merleau-Ponty assinala que o pro- blema da arte moderna nao e o surgimento do indivfduo, mas o da coniu- nica^ao com o Ser sem ojigoio numa J^atureza^preestabelecida e fonte (*) Serao citadas as seguintes obras de MerJeau-Pomy: Le visible et I'hirisible, Paris. Gallimard, 1964 (trad, brasileira, O lisirel e o invisivel, Sao Paulo, Perspectiva. 1971); "Lc doiite de Cezanne", em Sens et non-sens, Genebra, Nagel, 1965: / 'oeit et /'esprit, Paris. Gallimard, 1964; "Le langage indirect et les voix du silence", em Signes. Paris, Gallimard, 1960: "L'algorithme et le mystere du langage", em La prose du motide, Paris, Gallimard, 19"!,

Upload: vuonghuong

Post on 31-Jan-2018

218 views

Category:

Documents


3 download

TRANSCRIPT

Page 1: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

1' \ i men t i ' . ihaiho de fotografo. compondo :i I L I X n u n i espayo ob.scuroconex'bido como \ > iume . son au.sciente d;t scparacao do mundo do ver-bo daqucle da irn;tgem que eu qucro rcconciliar, ficando fiel ao iconofiloexterior cjuc eu era. e ao iconofilo interior cm que me transformer

Po.sso dix.er que nunca pegitei nada em fotografia. Pegar em foto euma constatacao valida para os outros, que me veem como fotografo. Narealidade eu tentei sobretudo fazer valcr uma imagem mental convertendo-se em pelfcula. Isto que eu fotografo, os outros nao podem faze-lo, e reci-procamente.

Situando-me no ponto zero da fotografia eu devo refletir novamentesobre uma significance apropriada da camera obscura, da qual eu tenhoa experiencia material em absolute. Se as minhas imagens existem paramini atraves da descricao dos outros, isto nao me impede em nada a pos-sibilidade de vive-las pela atividade mental. Elas existem mais para mimquanto mais elas possam se comunicar tambem com os outros.

Talvez Filostrato tenha visto a galeria de Napoles; todavia, pelo seutexto podemos imagina-la. As pessoas que olham diretamente as minhasfotos me dao a possibilidade de me assegurar da realidade materializadados meus atos mentais. For esta razao, eu me considero um artista concei-tual sempre obrigado a pre-imaginar a imagem sobre a pelfcula. O apare-Iho fotografico nao pode pensar por mim.

Traduqao de Rubens Machado

466

MERLEAU-PONTYObra de arte e filosofia

Marilena Cbaui

DESFAZENDO AS AMARRAS DA TRADIfAO

Merleau-Pomy busca o Esgfrito Selvagem e o_Ser,Bruto. Sua imerro-gacao vem exprimir-se numa espanfosa nota de trabalho de seu livro pos-tumo e inacabado, O.viswel e o invisivel: "O Ser e o que exige de noscriacjo para que dele tenhamos experiencia". Frase cujo prosseguimentoretine emblematicameme arte e filosofia, pois a nota continua.- "filosofiae arte, juntas, nao sao fabricacoes arbitrarias no universe da cultura, mascontatp com o ser justamente enquanto criacoes".

Por que criafdo? Porque entre a realidade dada como um fato, institui- [-da, e a essencia secreta que a sustenta por dentro ha o momento instituinteno qual o Ser vem a ser: para que o ser do visfvel venha a visibilidade,'solicita o trabalho do pintor: para que o ser da linguagem venha a expres-sao, pede o trabalho do escritor; para que o ser do pensamento venha ainteligibilidade, exige o trabalho do filosofo. Se esses trabalhos sao cria-dores e justamente porque tateiam ao redor. de uma intencao de exprimiralguma coisa para a qual nao possuem um modelo que Ihes garanta o acessoao Ser, pois e sua acao que se abre e abre a via de acesso para o contatopelo qual pode haver experiencia do Ser. Por isso, em A linguagem indi-reta e as voZes do silencio, opondo-se a teoria de Malraux sobre o artistacomo "genio e monstroincomparavel", Merleau-Ponty assinala que o pro-blema da arte moderna nao e o surgimento do indivfduo, mas o da coniu-nica^ao com o Ser sem ojigoio numa J^atureza^preestabelecida e fonte

(*) Serao citadas as seguintes obras de MerJeau-Pomy: Le visible et I'hirisible, Paris.Gallimard, 1964 (trad, brasileira, O lisirel e o invisivel, Sao Paulo, Perspectiva. 1971); "Lcdoiite de Cezanne", em Sens et non-sens, Genebra, Nagel, 1965: / 'oeit et /'esprit, Paris.Gallimard, 1964; "Le langage indirect et les voix du silence", em Signes. Paris, Gallimard, 1960:"L'algorithme et le mystere du langage", em La prose du motide, Paris, Gallimard, 19"!,

Page 2: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

paradigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para acederao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc (o cstiio)o meio para dar a ver c a tonitccer a universalidade (a obraj. I:i.s por queMcrleau-Ponty, naquela mesma nota dc trabalho, accntua que . sc trata dacriacao em sentido radical, oferccendo-a com as expressoes contatd)co»io Ser, reiniegrafdp no Ser, inscri^ao no Ser,, r, eenja^dfpj^tgniaru).

Que laco amarra num tecido unico experiencia, criacao, origcm e Ser?Aquele que prende Espfrito Selvagem e Ser Bruto.

Que e Espfrito Selvagem? E o espfrito de. praxi|'que quer e pode algu-ma coisa, o sujeito que nao diz "eu penso", elsirh "eu quero", "eu pos-so", mas que "nao saberia como concretizar isto que quer e pode senaoquerendo e podendo, isto e, agindo. O que torna possivel a experienciae a existencia de uma fgjta ou de uma lacuna a serem preenchidas, sentT-das pelo sujeito como intencao de significar alguma coisa precisa e deter-minada, fazendo do trabalho para realizar a intencao significative o pr6-prio caminho para preencher seu vazio e determinar sua indeterminacao,levando a expressao o que ainda e nunca havia sido expresso. Ha umaintencao significativa que e, simultarieamente, um vazio a ser preenchidoe um vazio determinado que soiicita o querer-poder do espfrito, suscitan-do sua a^ao significadora a partir do que se encontra disponfvel na cultu-ra como falta. e^excessp, que exige p surgimento de um sentido.novoi Ocriador, lemos em Senso e ndo-senso, nao se contenta em ser um ' 'animalculto", mas vai a origem da cultura para funda-ia^novamente. O EspfritoSelvagem e atividade :_nascida_de uma fpr^a — "eu quero", "eu posso"— e de uma carencia ou lacuna que exigem; preenchimento significative).;O sentimento do querer-poder e da falta suscitam a acao significadora quee, assim, ejcperienda atiyajje deterrninacao dpiindeterrninado; o pintordesvenda p irivisiver, o_.escritor quebra o<sTlenci6) qjsensador interrogao impensadf>r Realizam um trabalho no quafverh exprimir-se o co-perten-cimeritede uma, intencao e de urn gesto inseparaveis, de um sujeito queso se efetua como tal porque^arde^para ex-por sua interioridade praticacomo obra. E isso^ criac^o, fazendo vir ao Ser aquilo que sem ela nosprivaria de experimenta-lo.

Mas, por que Ser Bruto?O Set Bruto i o sgr_d£jridivisjiQ., descnnhpreridn^geparacap entre

sujeito eopieto^jlma e corpo^ eonsciencia e mundo. Indiviso, no entan-to, epura diferenQi interna e nap positividade id£nti_ea a si mesma: e pordiferenca.queTTao vermelho ou o verde entre as cores, o alto e o baixoou o proximo e o distante, fazendo existir espaco como_gualida_de ou pu-ra^ifje^ejTcJacaade^lugaces. Ser de indivisao, o Ser Bruto e o iHvisivel quefaz ver porque sustema gor_dentro o visivel, o indizivel que faz dizer por-que sustenta por dentro 'o dizfvel, o irnpens^velvque faz pensar porquesustenta por dentro o pensavel. Nao sendo urri positive, tambem nao e

__ 468 ' —

um ncgativo, ma.s aqui lo que,/^or dentro. permitc a positividade de um'visfvel, dc um dizfvel, de um p?nsavel, "como a nervura secreta que sus-tenta e conserva unidas as partes de uma folha, dando-lhe a estrutura quemantem diferenciados e inseparaveis o dircito e o ayesso. O Ser Bruto ea dist3ncia interna entre um visfvel e outro que c seu invisivel. entre umdizfvel e outro que e seu indizivel, entre um pensavel e outro que e seuimpensavel. E um ''sistema de equivalencias'' diferenciado e diferencia-dor pelo qual ha mundp) Eis por que Renoir podia pintar a agua do riachodas Lavandieres olhando para o mar: pedia-lhe o acesso ao elemento If-quido como pura diferenca entre elementos e como sistema de equiva-lencias da substancia Ifquida. Desatando os liames costumeirbs entre ascoisas, o Ser Bruto abre o acesso a uma relacao originaria entre elas comodifereng|s qualitati vas que sp^xiJ2ej^e_seJmejpr£tarriajimesrrjas enquantpf^rrfflijs3a£coresr9as texturas, dos sons, dos pdpresjque reenviam a subs-tancialidade impalpaverdo que as faz vir_a ser. Se o Ser exige de nos cria-

..; . . cao para que dele tenhamos experiencia, entretanto, nao deposita todaa iniciativa do vir-a-ser na atividade do Espfrito Selvagem. mas. como SerBruto, compartilha daquele o trabalho criativo, dando-lhe o fundo do quale no qual a criacao emerge.

Ser Bruto e Espfrito Selvagem estao entrelacados, abracados e enlaca-dos.- pjnvisfyel permite o trabalho de criacao do visfvel, o indizfvel. o dodjziyd, ojmpensaveJ'," pi do]pensave). Merleau-Ponty fala numa visao, nu-ma fala e num perisanjnstituinjeljque empregam o institufdp — a cultura— para fazer surgrngJarnlffi^sjEp} jasiais_ditp>)arriais pensadd — a pbra.O Ser Bruto era o que Cezanne desejava pintar quando dizia dirigir-se" "afonte impalpavel da sensacao" porque "a Natureza esta no interior". Eo origina"rio, nao como aJgo passado que se desejaria repetir, mas comoo aqui e agora que sustenta, pelo avesso, toda forma de expressao.

Abracados e enlacados, Espfrito Selvagem e Ser Bruto sao a polpa car-nal dp mundo, carne de nosso corpo e carne das coisas. Carne.- habitadaspor significacoes, as coisas do mundo possuem interior, sao fulguracoesde sentido, como as estrelas de Van Gogh; como elas, nosso corpo tam-b6m possui interior, e e faz sentido. Se elas e nos nos comunicamos naoe porque elas agiriam sobre nossos 6rgaos dos sentidos e sobre nosso sis-tema nervoso, nem porque nosso entendimento as transformaria em ideiase conceitos, mas porque elas c nos paftjciBarnos da mesma Carne. A Carnedo Mundo e o que e visfvel por si mesmo, dizfvel por si mesmo, pensavelpor si mesmo, sem, contudo, ser um gleno macifp, mas, paradoxalmen-te, unipjeno^»orosp, habitado por um'oco pelo qual um posjtjvp^comemnele mesmo o negative que aspirajjpr ser, uma falta nopToprio Ser, fissu-

j^"queWpreencheaocavar-see que se cava aopreencher-se. Nao e, pois,uma presenca plena, masgrejenca habitada por uma ausencja que nao cessade aspirar pelo preenchimento e que, a cada plenitude, remete a um vazio

469

Page 3: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

J»-'seni o qual nao poderia vir :i ser. H "^J^iasma do visivel e do invdo dizfvel e do indixivel. do pensavel e do impensavel. cuja rcversibilida-de e diferenciacao se fazem por si mesmas.

Merleau-Ponty fala em deiscencia da Cctnic, vocabulo vindo da bo-tanica para referir-se a abertura cspontanea dos orgaos dos vegetais quan-do alcanc.am a maturidade, dispostos a fecundar e a ser fecundados. A Camee p originario, e este, genese interminavel que pede, exige nossa criacaopara que possamos experinienta-Jo. E podemos responder -ao seu apeloporque somos feitos da mesma polpa insondavel que ele. Somos espfritosverdadeiramehte encarnados., - - ^••, < ,

Ser de indivisao, o Ser Bruto e o que placessa dc djferencigr-sg ppxsi mesmo, duplicando todos os seres, fazendo-os ter um fora e um dentroreversfveis e parentes. Assim, se e por ele que somos dados ao ser, comoa crianca e dada a luz ao emergir do interior do corpo materno, no entan-to, e por nos que ele se manifesta, como no instante glorioso em que opintor faz vir ao visivel um outro visivel que recolhe o primeiro e Ihe con-fere um sentido novo. O/^Qun3p~da'cuiruraJfecundidadc que passa. masnao cessa, e o parto interminavel do Ser Bruto e do Espfrito Selvagem.

Busca-los e desamarrar os lacos que amarravam o pensamento avtra-dicao filosofica evjecomecjiF a interrpgacao, interpelando, de um lado, asobras filosoficas para nelas encontrar as questoes que as fizeram nascere viver em seu tempo e sua hora, mas, por outro lado, interpelando a obrade arte como abertura para aquilo que a filosofia e a ciencia deixaram deinterrogar ou imaginaram haver respondido. "A ciencia manipula as coi-sas e recjjsa-se a habita-las", lemos na abertura de O olho e o espfrito. Em-pregando instrumentos tecnicos, constrdi o rhundo como nhjeto em Ge-ial, destinado a ser apenas aquilo que Ihe e permitido ser peias operacoesque o construfram. A filosofia, por seu turno, erige-se em Sujeito Univer-sal quf, de lugar algum e de tempo nenhum, ergue-se como puro_olharimejectual desencarnadp que contempla soberanamente o mundo, domi-nando-o por meio de representacoes construfdas pelas operacoes intelec-tuais. Nao ppjvacasp, diz Merleau-Ponty, filosofia e ciencia, desde Platao,erigiram amatematica):omo paradigma do conhecimento e do pensamentoverdadeiroT isto e, elegeram como ideal do saber o ta mdthema, aquelemodo de pensar que domina intelectualmente seus objetos porque os cons-troi inteiramente* A tradicao filosofico-cientffica e seii efeito principal —a tecnologia como domfnio instrumental dos constructos —

indp, giais_yelho do,que n6s e do que nossas representacoes, e aban-dono do pensamento encarnado num corpo que pensappjrcoataig e porinerencia as coisas. alcahc,ando-as de modo oblfguo ejndiretp. O apeloa obra de arte compiecpfneco da interrogacao filosofica1 e apelo aqueles

nao manipulam e sim manejam as coisas e que, "ruminandp o mun-, jarnais abandonam sua inerencia a ele, mas, de dentro dele, o"ttansfi-

-^O

guram para que scja vcrdadeiro sendo o que e quaiu: > encontra quem sai^ba vc-lo ou dixe-lo. isto e. quem consign arranca-lo de si mesmo para quesen scntido venha a cxpressao. Em outras palavras. a invocacao das obrasde arte rompe com a tradicao filosofica que as julgara c_6pias imaginativas

/da perccpcao, sjmulacros.platoniccjs e, portanto, identificara ficcao, erro> e ilusao. O imaginario nao e, como supusera Sartre, a presenca plenamen-te observavel, porque a imagem e pura construcao subjetiva herdeira dasensacao e da memoria, mas, lemos em Oolho e o espfrito, e "o diagramado real em meu corpo" e a "textura do real que atapeta interiormeme"a visao, a linguagerh e o pensamento, Desfazer a tradicao filosofica, gracasao ensinamento da arte, e famais esquecer que o artista tern seu corpo "co-mo sentinela em vigflia as portas do sensivel" e que cabe a fiJosofia recu-perar a :"dignidade^ontolj5gica do sensivel". '

Desamarrar^os nos da tradicao filosofica e, pois. renunciar aomodelo,Cl3S§l£°_do(Espfrite que a fiJosofia ergueu sobre uma imagem da consciencia<como purairansparencia de si consigo, pura identidade e coincidencia con-fsigo.mesma, imanente aos pensamentos e as ideias postas por ela mesma, jinterioridade plena e pura que, por sua espontaneidade essencial, teria o'poder para transformar as coisas exteriores em puros conceitos do enten- >dimento, pondo-as como representacoes claras e distintas ou constituin-do-as como significacoes. Trata-se, agora, de renunciar a ideia do Ser co-mo "ser posto" pela conscidncia enquanto poder absoluto de posicjp,derivado de seu poderio como reflexao completa — portanto, como ple-na posse intelectual de si mesma — e como subjetividade transcendental— portanto, como poder total para constituir o real enquanto cpnceitp,ideia ou significacao. Rumar para o Espfrito Selvagem e abandonar a defi-nicao do espfrito como consciencia de si, a da consciencia como reflexaoe a da reflexao como posse intelectual de si e do mundo.

Pe^taj^euja^t£adigap_filos6fica e tambem renunciar ao modelo clas-sico do Ser como^cols^ definida como pura exterioridade espaco-temporaldada, mosaico de pairtes exteriores umas as outras ligadas por relacoes cau-sais ou funcionais. como feixe de propriedades objetivas analisaveis ouseparaveis pelo pensamento e novamente reunidas por uma sfntese inte-lectual, analisee sfntese que seriam permitidas pelo uso dos instrumentostecnicos inventados pelas ciencias. E preciso abandonar o Ser como coisaempfrica, mas tambem como resultadp da analise e da sfntese intelectuaisquepfazeni posto pelo entendimento. Trata-se, pois, de renunciar ao ou-tro lado da Subjetividade pura, a Objetividade pura, construfda pelas ope-racoes de um pensamento que se julga desencarnado e de uma tecnicareduzida apenas a sua superficie instrumental.

Desfazer pjecido da tradic.ap e, assim, renunciar a heranca filosofico-xrientffica que nos legou as dfeptprflja^a realidade como consciencia oucoisa, como ideia ou fato, como exterioridade identica a si mesma ou inte-

470

Page 4: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

noridade identica a si mcsma. E que crgucu essas dicotomias sobre aquc-la, tida como fundadora: a oposicao entre essenci;u'realidade — aparencia/ilu-

. sao, como se alguma essencia pudesse existir sem aparecer e como se umaaparencia nao manifcstasse um modo de ser nosso e das coisas. E chegadaa hora de fazer o luto de uma filosofia ancorada na oposiy.ao entre o ParaSi e o Em Si para que possa nascer uma interrogacao filosofica nova cujaterra natal sejam os paradoxes e as a_rnbigiiidad£s de uma consciencia en-carnada e de um corpo dotado de interioridade.

A jnterro^cJoJllQSofica como recomego radical comega por aban-donar os duallsmds inaugurados por Descartes cujo primeiro efeito haviasido impedir um pensamento ancorado na uniao entre a alma e o corpoe na relacao originaria do sujeito e do mundo. Abandonar a heranca carte-siana (vale dizer, o racionalismo classico e o que dele derivou-se no idea-lismo alemao) implica ultrapassar as ideias claras e distintas de sujeito epbjeto, a oposicao entre qualidades primarias (fisico-geometricas) e secun-darias (sensoriais, como a cor, o odor, o sabor, a sonoridade, a textura),a separacao entre conceito e ideia e entre ambos e as coisas, a posicaoda subjetividade transcendental que funda e acompanha todas as repre-sentacoes. Mas trata-se ainda de ir alem da cn'tica dos romanticos ao idea-lismo transcendental (cn'tica que os fizera desejar um retorno passive aoseio da Natureza) e da cn'tica hegeliana aos romanticos (cn'tica que condu-zira Hegel a fazer do sensfvel um momento alienado do espfrito), assimcomo se trata de abandonar definitivamente o f6ssil do Grande Raciona-lismo exibido pelo Pequeno Racionalismo cientificista do ini'cio do secu-lo xx (que pretendeu erguer a racionalidade sem o fundamento que a tor-nara possfvel no Grande Racionalismo do seculo xvn, a ideia do infinitepositive no qual uniam-se as dualidades metafisicas, irreconciliaveis parae nos entes finitos).

IXsmanchar as amarras da tradicao e romper com os erros gemeose rivais do idealismo e do realismo, do intelectualismo e do empirismo,passando a interrogar os fendmHnbs e a exgeriencia^depois de haver re-

. nunciado a/iccao dafeflexJacfrgomo coincidencia entre pensar e ser. Espf-rito Selvagem e Ser Bruto desvendam que aTeflexao tern o irrefletido nelapropria — a irreflexao nao Ihe e exterior, mas interior, pois 6 a experifin-qia muda de sua encarnacao num corpo — e que o pensamento Vive si-multaneamente dentro e fora de si, jamais repousando junto a si. A simul-

. , taneidade do sair de si e do entrar em si — que Merleau-Ponty diz ser a''d^2flwggflg«e§rjaa^^^^Hi^— Transpafece quando aexperjincig e capta-da compinicia£ao aos segredos do mundo.

"A palavra^gzmeHCHj^arece opor-se a palavra iniciafao. De fate, aprimeira, composta pelo prefixo latino ex — para fora, em,diregao a —e pela palavra gregapmw — limite, demarcate, fronteira — , significa umsair de si rumoao exigxior, viagem e aventura fora de si, inspecao da exte-

472

rioridade. A scgunda, porem. c ccjmposta pclo prefixo latino in — cm.para dentro, em direcao ao interior — e pelo vcrbo latino eo, na formacomposta ineo — ir para dentro de. ir em — e dele derivando-se initium— comeco, origem. Iniciaqao pertence ao vocabulario religioso de inter-pretacao" dos auspfcios divinos no comeco de uma cerimonia religiosa, dafsignificar: ir para dentro de um misterio, dirigir-se para o interior de ummisterio. Ora, se o sair de si e o entrar em si definem o espfrito, se o mun-do e carne ou interioridade e a consciencia esta originariamente encarna-da, nao ha como opor experientia e initiatio. A experiencia ja nao podeser o que era para o empirismo, isto e, rjassividade recgptiva e respostaa estfmulps sensoriais externos, mosaico de sensacoes que se associam me-canicamente para formar percepcoes, imagens e ideias; nem pode ser o queera para o intelectualismo, isto e, atiyidade de inspecao intelectual do mun-do. Percebida, doravante, como nosso modo de ser e de existir nQmundo,a experiencia sera aquilo que ela sempre foi: iniciacao aps mTsFerios do

"E a experiencia que nos dirigimos para que nps abra ao que nao.e", lemos numa nota de O visjyel e o inyisii'el. E exercfcio do que aiii-

^^^ das coi-sas, dos corpos, das palavfaSTT^Tdela?. E atn?rdade-passividade indiscer-nfveis. Abertura para o que nao e nos, £Xcentxicida3^ muito mais do que

- descentramento, a experidncia, escreve Merleau-Ponty em O olho e o es-pfrito, e "o mHn gup me p ^M° de estar ajuscnte de mim mesmo. de §$|sistijf Potdcrttrofc^saftdoSeriifechando-me sobre mim mesmo somentequando ela chega ao fim". isto e. <ntingjj& ^

Debrucemo-nos um instante sobre esta curiosa expressao: fissaono Ser.

A tradicao filosofica jamais conseguiu suportar que a experiencia seja .atp.jSj5agem^dp querer_ e do podet, inerencia de nosso ser no mundo. /Fugindo dela ou buscando domeslicarla, a filosofia sempre procurou re-fugio no 'Qensamento da experi§ncic{, isto e, representada pelo enten-dimento e, portanto, neutralizada: tida como regiao do conhecimentoconfuse ou inacabado, a experiencia como exercfcio r^mfogM©1 de umespfritp encarpado so poderia fornar-se conhecfvel e inteligfvel se fossetransformada numa representacao ou no pensamento de experimentar,pejisamento de ver, pensamento de falar, pensarnentp.de pensaj. Assimprocedenclo, a tradicao, tari'to" empirista quanto intelectualista, cindiu oate e o sentido da experidncia, colocando o primeiro na esfera do cpnfu-so e o segundo na do conceito. Qompreender a expedSnjcia exigia Sjttgdeseujrecinto, destacar-se dela para^gracas a gcpafac5by-pehsa-la e explica-la, de sorte que, em lugar da compreensao da experiencia, obteve-se aexperiencia compreendida, um^discurso sobre ela sfienciando-a enquan-to fala propria.

« 4-3

Page 5: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

Ao faxer falar a experiencia como /issc'io tin Set", Merlcau-Ponty leva-nos de volta ao recinto da encarnacao. abandonando aquela maneira cle-senvoka com a qual a filosofia julgava poder explica-la, perdendo-a. Do-ravante, nao se trata. em primeiro lugar. de explicar a expericncia, masde decifr;Ha nela mesma, e nao se trata, cm segundo lugar, de separar-sedela para compreende-la. Somos levados ao recinto da experiencia pelas

, cujo trab_a!hp e a iniciacao que nos ensina a decifrar zfissdo no Ser.Fissao: as cosmologias e a ffsica nuclear decifram a origem do univer-

so pela explosao da massa em energia cuja peculiaridade esta em que asnovas partfculas produzidas sao de mesma especie das que as produziram,de tal maneira que O proprio Ser divide-se p^>r flentrp serg separar-se desi mesmn ffitfefi-gpfia.s^ de si mesmo sem perder-se de si mesmo.— *>&'

Quando invoca a experiencia do pintor, do musico ou do escritor,para contrapo-las ao modo como a filosofia interpreta a experiencia, Mer-leau-Ponty se demora naqueles instantes em que ver, ouvir ou falar-escreveratrayessam a carapaca da culturajostUuicJ^e desnudam o originario de ummundo visfvel, sonoro e falante. A expressao/mao no Ser manifesta a di-visao no interior da indivisao, a experiencia como aquele momento noqual um visfvel (o corpo do pintor) se faz vidente sem sair da visibilidadee um vidente se faz visfvel (o quadro) sem sair da visibilidade; no qual umouvinte (o corpo do musico) se faz sonoro sem sair da sonoridade e umsonoro (a miisica) se faz audfvel sem sair da sonoridade; no qual um falan-te (o corpo do escritor) se faz dizfvel sem abandonar a linguagem e umdizfvel (o texto) se faz falante sem sair da linguagem. A experifincia e cisaoque nao Separa — o pintor traz seu corpo para olhar & que nao e ele, omusico traz seu corpo para ouvir o que ainda nao tem som, o escritor traza volubilidade de seu espfrito para cercar aqutfe que ^e diz> senrqle —,e e indivisao que nao identifica — Cezanne 030 e a Montanha Santa Vito-ria, Mozart nao e a Flauta Magica, Guimaraes Rosa nao e Diadorim. A ex-periencia e o ponto maximo de proximidade e de distancia, de inerdnciae diferenciacao, de unidade e pluralidade em que p Mesmo ,se faz Outro..DP interior_de si mesmo.^— "O que e a experiencia da visao? E o ato de ver, advento simultaneodo vidente e do visfvel como reversfveis e entrecruzados, gracas ao invi-sfvel que misteriojamente os sustenta. O que e a experiencia da lingua-gem? E o ato de dizer como advento simultaneo do dizente e do dizfvel,gracas ao silencio que mistef losamente os sustenta. O que e a experiSnciadapensamento? E o ato de pensar como advento simultaneo do pensantee do pensavel, gracas ao impensado que misteriosamente os sustenta. h.exrjeri|ncia e o que em n6s se ve quando vernos, o que em nos iB'falaquando falamos, o que em nos se pensa quando pensamos. Nenhum dostermos e origem: visfvel, dizfvel e pensavel nao existem egisj como eoi-

ou ideias; vidente, falante e pensante nao sao operacoes de um sujeito

conni pura conscicnda dc.scncarnada: viM'vcl. dizfvel e pensavel nao saocausas da visao. da linguagem e d<^ pensamento, assim como o vidente,o falante e o pcn.same nao sao causadores intelectuais clo ver. falar e pen-sar. Sao simultaneos e diferentes. sao reversfveis c entrecruzados. existemjuntos ou cocxistem sustentados pelo fundo nao visfvel^ nao proferidpe nao pensado, sao o originario porque a origem e, aqui e agora, a juncaode um dentro e um fora, de um passado e de um porvir, de um antes eum depois, prolifenjcjiq e irradiacao de um fundp ilriernQrial que so exis-te prpliferancip e irradiando,

A experiencia e diferenciadora: vidente-visfvel, tocante-tocado, falante-falado, pensante-pensado sao diferentes, assim como ver e diferente detocar. ambos sao diferentes de falar e pensar, falar e diferente de ver epensar; pensar, diferente de ver, tocar ou falar. Abolir essas diferencas se-ria fegressar a Subjetividade como c^nsc^giaxepresentadorajgue jreduz;todos os termos a bomogeneidade de representacoes claras e distintas. Po-r6m, a diferenciacao propria da experiencia nao eposta por ela: manifesta-se nela porque g g^proBfjo mundo que se poe a si mesmt) como visfvel-invisfvel, dizfvel-indizfvel, pensavel-impensavel. No entanto, a cisao dostermos so e possfvel porque o mundo como Carne e a coesao interna, aindivisao que sustenta os diferentes como dimensoes simultaneas do mes-mo Ser. O mundo e simultanejdajd^jQlgdi^nsges oiferenciadas ou, cb-mo escreve Merleau-Pontv. d Ser Vertical cuias rafzes estao desnudadas.

(SpKP»m^en^^^frfi|g|cifia? Que o pensamento nao pode fixarjenumi>01o (coisa ou consciencia, sujeito ou objeto, visfvel ou vidente, vi-sfvel ou invisfvel, palavra ou silencio), mas precisa sempre mover^e no^gn.-trt-dois}sendo mais importante o mover-se do que o entre-dois, pois entre-dois poderia fazer supor dois termos positivos separayeis, enquanto o

re vela que a experiencia e "o~pensaniento T s a o l H M I a f c d e : um 'Jqnno por dentro do put.rp. passando pelos poros do outro7cada quaTrcefiviando ao outro sem cessar. Eis por que as artes ensinam a filosofia a im-possibilfdade de um pehsarnento de sqbrevdo que veria tudo de uma sovez, yeria cada coisa em seu lugar e com sua identidade, veria redes cau-sais completas, veria todas as relacoes possfveis entre as coisas, como oolhar do Deus de Leibniz, geometral de todos os pontos de vista. Merleau-Ponty insiste em que o artista ensina ao filosofo o que e existir como umbumano. ~ - v • ' .

A experiencia e esse fundo que sustenta a manifestacao da propriaexperiencia, sem o qual ela nao existiria — como a figura nao existe semo fundo — e gracas ao qual os termos que a constituem sao^eversfveis— como o fundo que se torna figura e a figura que se torna funcTo. Essefundo imemorial, essa ausfincia que suscita uma presenca, e inesgotavel:nao W uma yosaoietal que veria tudo e completamente, pois para ver epreciso a profundidadftque nunca pode ser vista; nao ha uma linguagem

474

Page 6: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

otal que diria tudo c completamcnte. pojs para f'alar e precise o silenciosem o qual nenhuma palavra poderia ser proferida; nao ha um pensamen-to total que pensaria tudo t completamente. pois para pensar e precisooNimpensado' que faz pensar e da a pensar. Assim. se oQbndo e uma ausenciaque pede uma presenca, um vazip que pede preenchimento, ele e tam-bem, c simultaneamente, um i npei: o que nos leva a buscar novasex-pressoes e o excesso do que gnetempa exprimir sobre o que ja foi expresso.A cultura sedimenta e cristaliza as expressoes, mas o institufdo carrega umvazio e um excesso que pedem nova institiucao, novasjxpressoes. Comisto, o primeiro parentesco profundo entre filosofia e arte aparece: a obrade arte como a obra de pensamento sao interminaveis. O pintor nap po-de parar de pintar, o musico nao pode parar de compor, o poeta nao podeparar de escrever, o pensador nao pode parar de pensar. Cada expressaoengendra de si mesma e de sua relacao com as expressoes passadas e com Io mundo presente a necessidade de novas expressoes. A experiencia e as<obras que ela suscita sem cessar sao, assim, iniciacao ao misterio do tem-po como — literalmente — pura Jnguietacao, nao-quietude.

Esse parentesco, porem, nao se esgota na relacao entre filosofia e ar-te como interminaveis, como esse "irmaisjbnge" de que falava Van Gogh.Tomar a experiencia como iniciacao ao misterio do mundo significa reco-nhecer que o sair de"fi 60 entrar ng^mundo, Resta saber, no entanto, co-mo e por que esse entrar no mundo e tambem nosja volta a nos mesmos.A pintura revela que a experiencia de pintar {f$if>erffflettll^ o que em n6sse ve quando vemos (Cezanne dizia: "sou a corisciincia da paisagem"),a literatura revela que a experiencia de escrever e experimentar o que emnos se fala ou escreve quando falamos ou escrevemos (Guimaraes dizia-sefalado pela linguagem que o "empurrava" a escrever) e, assim, ambas en-sinam 2 filosofia que

Experi£ncia: algo age em nos quando agimos, co-mo se fdssemos agidps no instante mesmo em que somos agentes. A obra,de arte e a chave do enigma da experiencia e do espfrito e, dessa maneira,ensina a filosofia o filosofar, ensinando-lhe a reversibilidade entre ativida-de e passividads, _quej.Itaj&cJiajulgara Qppjtas_.

Todavia, alem do parentesco entre obra de arte e obra de pensamen-to e do ensinamento artfstico para a interrogacao filospfica, uma terceirarelagao existe entre*arte e filosofia: as artes indicam como e por que, sen-do parentes e mestras da filosofia, sao tambem diferentes dela, e £ estadif£raic^u^p_ermiie:a^^ filosofaa-ialar_epensansobre as artes. Pode haverum discurso filosoficoj^^ as artes porque estas sao filosofia selvagemque a filosofia tematiz^ Do lado das artes, podemos dizer artepensamen-to, enquanto do lado da filosofia precisamos dizer arte e pensamento, con-quista de uma diferenca prometida pela pr6pria arte. Todavia, por que adifeTenca que permite dizer arte e filosofia e conquistada a partir do deci-

.A-

C v

framento da experiencia artistica, ha tambem diferenca entre crftica de ar-te e filosofia. A primeira chcga as artes sabendo o que sao. podendo julga-las e avalia-Ias. A segunda parece comecar como se tambem ja estivessena posse de um saber, mas, acolhendo o trabalho dos artistas, vai, poucoa pouco, aprendendo com eles e, atraves de suas obras. alcanca uma viade acesso a si propria como um saber que nao e outra coisa senao a expe-riencia interminavel da interrogacap. •/_" i , - ;

A OBRA INTERMINAVEL

O ensaio "A duvida de Cezanne" realiza dois movimentos simulta-neos: o primeiro interpreta a obra de arte como trabalho de transfigura-cjp da vida — a hereditariedade, as circunstancias, os habitos e as influen-cfas — ou como passagem da necessidade a liberdade e como trabalhomotivado pela vida, isto e, como expressao livre do que e .neressario. Osegundo movimento, que abre e fecha o texto, expoe a essencia da obrade arte como genese sem fim e trabalho interminave). Cezanne e Leonar-do figuram esse duplo movimento.

Cezanne duvida do valor e do sentido de sua obra. Zola, seu amigo.fala em "obra abortada", atribuindo o fracasso do pintor ao seu tempera-mento doentio, morbido e depressivo, efeito da hereditariedade e das con-dicoes de seu meio. Emile Bernard, outro amigo, comenta a duvida dopintor a partir de suas dificuldades para ultrapassar as influencias do im-pressionismo. Para ambos, a obra de Cezanne e o efeito necessario de umacausalidade bio!6gica, social e cultural. No polo oposto. interpretando aobra de Leonardo, Valery a apresenta como expressao acabada de umaliberdade plena e sem freios, de uma esppntaneidade que nada deve a si-tuacao vital, familiar, social e cultural do pintor. A obra de Leonardo eincausada, ou melhor, tem como causa aquilo que 6 desprovido de causa:a pura liberdade de Leonardo.

Contra essas duas interpretacoes opostas e gemeas, Merleau-Pontyenfatiza a liberdade de Cezanne e o peso da necessidade sobre a obra deLeonardo. No entanto, ao faze-lo, opera duas mudancas fundamentals: mo;difica a ideia de^causajjecessarlj e a dq liberdade imotivada. Com elas,modifica inteiramente ano2ao_de^obra: esta nao e efeito da vida, mas aquiloque exige esta vida determinada, seja a de Cezanne, seja a de Leonardo.E a obra que explic3*a vida e nao o contrario, pois a obra e a maneira co-mo o artista transforma, num sentido figurado e novo. o sentido literale prosaico de sua s.ituagao-de fato. A obra de arte e existencia, isto e, o

_ - j>ojder humano para transcender a faticidadejnua de uma situacao dada,conferindo-lhe um sentido que, sem a obra, ela nao possuiria. El Greconao pinta figuras longilmeas e curvilfneas por ser astigmata e esquizoide,

476

Page 7: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

ao contnirio, c porquc pinta riguras longilmeas e curvilineas quc e astig-niata c esqui/oidc.

For scr ansioso c morbido. ter dificuldade na relacao com os outros.desconfiando deles e os temendo, isolando-se cm crises de deprcssao, Zolajulga Cezanne incapaz de atitudes flexiveis e de dominar situacoes novas,refugiando-se nos habitos, pintando apenas a natureza ou dando uma t'i-sionomia desumana aos rostos humanos, pintando-os como se fossem coi-sas. For outro lado, julga Emile Bernard que, distanciando-se dos impres-sionistas, Cezanne queria buscar a realidade sem se afastar da sensagao edas impressoes imediatas, sem cercar os contornos, sem enquadrar a corcom o desenho, sem compor a perspective, tentando alcancar a realidadesem recorrer aos meios que justamente permitiriam alcanca-la, mergulhan-do no caos das sensacoes, incapaz de oferecer um sentido inteligivel aosquadros, afogando "a pintura na ignorancia e seu espirito nas trevas".

Zola e Bernard quiseram explicar Cezanne. Aplicaram a sua vida e asua obra as dicoto.mias tradicionais entre sensacao e pensamento, caos e

r/.,Qrdem- Ora, o que Cezanne busca e a "natureza dando-se forma, a ordemnascendo por uma organizacao espomanea". Nao. quer separar as coisasfixas que aparecem ao nosso olhar e seu modo fugidio de aparecer; buscaajupjura_entre a ordem espontanea das coisas percebidaseja ordem hq- Lmgna d-as idetasjELda ciencia. "E esse mundo primordial que Cezanne quispintar e por isso seus quadros dao a impressao da natureza na origem, en-quanto fotografias dessas mesmas paisagens sugerem os trabalhos dos ho-mens, suas comodidades, sua presenc.a iminente." E a natureza em estado

; nascente, m7eTaFpT'esencaTTulna1nat/ que ele busca: a paisagem sem ven-to, o lago sem movimento, os objetos geladjbs hesitantes como na origemda terra, o fundo desumanc^primordial sobre o qual o humano se instala.

Cezanne dizia desejar "unir natureza e arte", dar um sentido a expres-sao classica: a arte e o homem acrescentado a natureza. Nosso olho naoe um objeto tecnico, nao e um aparelho fotografico. Diferentemente damaquina fotografica, nao vemos obliquamente um cfrculo como se fosseuma elipse, vemos uma forma que oscila entre o cfrculo e a elipse, semser nenhum deles. A perspectiva buscada por Cezanne, assim como a pes-quisa da cor e seu emprego sao, do ponto de vista da geometria e da opti-ca, deforrnacjoes'deliberadas porque somente assim'" sao capazes de dara impressao de uma ordem nascente, de um objeto comecando a apare-cer e aparecendo, pondo-se a aglomerar-se sob nossos olhos". Cezanneevita a alternativa entre_marcarjQdos os contornos e marcar um so: para x

^oferecer uma coisa inesgotavel, busca modulacoes coloridas, de maneira-^que o desenho resulte da cor, dando o mundo em sua espessura, rnassa

sem lacunas, organismo de cores, fazendo o espaco fulgurar como vibrac.ao.O mundo — ser bruto e vertical, simultaneidade de todas as dirnen-

soes (olfativas, gustativas, visuais, motrizes, sonoras, tacteis) — para ser

478

expresso como totalidade leva Ce/anne a mcditar "as ve/cs d u i a n t c umahora antes de depositar o toque" sobre a tela, pois cada tociuc deve con-ter "o ar. a luz, o objeto, o piano, o carater, o desenho e o es t i l r j " . A ex-pressao do que existe, escre\ Merleau-Ponty, e uma tareta in f in i t a .

Cezanne nao negligenciava a fisionomia dos objetos. mas a buscavaquando emerge da cor. Dizia que "o pintor interpreta um rosto". Inter-pretar nao e uma operacao do intelecto ou do pensamento que se senarada visao para explica-la e para conceituar um rosto visfvel. Interpretar umrosto em pintura e "ver o espirito que se le nos olhare's que sao apenasconjuntos coloridos", pois os "outros espfritos so se oferecem a nos en-carnados, aderentes a um rosto e a gestos". Cezanne deseja a^xperiencia

>^rimordjal, aquela que desconhece a separacao conceitual entre a almae o corpo, deseja o misterio da aparic.ao de um outro humano no interiorda natureza.

Que e o trabalho da pintura, para Cezanne!' No romance La peciu dechagrin, Balzac fala numa "toalha branca como uma camada de neve fres-camente cafda sobre a qual ele\avam-se simetricamente os talheres coroa-dos de paezinhos loiros". Dizia Cezanne: "durante toda a minha juventu-de quis pintar isto, essa toalha de neve fresca... Sei, agora, que e precisoquerer pintar apenas 'elevavam-se simetricamente os talheres' e 'paezinhosloiros'. Se eu pintar 'coroados', estarei fodido. entende? Se verdadeira-mente equilibro e matizo meus talheres e meus paes como na natureza,tenha certeza de que as coroas, a neve e todo o tremor al estarao". Dondeo comentario de Merleau-Ponty: Cezanne^ poe em suspenso o mundocultural, feito de utensilios e objetos que trazem a marca da intervencaohumana sobre a natureza, para pintar a vibracao e a fulguracao do mundoantes.do homem. E esse olhar do pintor, que revela ojiao-hurnano ouo ainda nao-humano, so e possfvel para um ser humano que vai as raizesdas coisas, abaixo do mundo constitufdo pela cultura, para captar ojnsti-tuinte como criafao.

Cezanne busca o que chamava de "amgtiro^', como falamos no mo-tivo de uma renda ou de um bordado. o tema central que da coesao esentido ao todo. Dizia: "Ha um minuto do mundo que passa. e precisopinta-lo em sua realidade". Meditava horas, dias. e a longa meditacao termi-nava quando podia dizer: "agarrei meu motive". A partir desse momento,

atacava o quadro por todos os lados ao mesmo tempo, cercava com man-chas coloridas o primeiro tra?o de carvao, o esqueleto geologico. A imagemse saturava, ligava-se, desenhava-se, equilibrava-se, vindo_a maturidade de umaso^ez. A paisagemrsepensa tm. mini, sou a consciencia dela.r. O pintor reto-ma e convene justamente em objeto visivel aquilo que, sem ele. ficaria en-cerrado na vida separada de cada^onsci6ncia: a vibracao das apardncias quee o berco do mundo... Para esse pintor, ha um s6 sentimento de estranhexa,um so lirismo: a existencia sempre recomecada.

47O

Page 8: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

tambem conhccc surdas muta<,f>es. H:i um tempo da cultura cm que as ohrasde arte e da ciencia se gastam. cmbora .stja um tempo mais lento do que oda historia e o do mundo fisico.'Na obra de arte como na obra teorica, assimcomo na coisa sensivel. o.scntido_e inigparavel dojigno. A expressao, por-tanto, nunca esta acabada.

A OBRA DE ARTE COMO FILOSOFIA SELVAGEM

"O pintor 'traz seu corpo'. Com efeito, nao vemos como um espiritopoderia pintar. E emprestando seu corpo ao mundo que o pintor trans-forma o mundo em pintura." Com essas palavras, Merleau-Ponty abre o-,ensaio O olho e o espirito.

A pintura e transubstanciacao entre o corpo do pintor e o corpo dascoisas. Como e isso possivel? E que a visao e o movimento sao insepara-veis, embora diferentes: ver nao e apropriar-se do mundo em imagem,mas aproximar-se das coisas, te-las, mas ajiistancia; mover-se nao e reali-zar comandos que a alma envia ao corpo, mas o resultado imanente doamadurecimento de uma visao. Nosso corpo e uma potencia vidente e mo- ••triz que ve porque se move e se move porque re. Mas por que ha tran-Substanciac.ao entre nosso corpo e o mundo? j ' ,

CKcorpo e um enigma. Entre as coisas visiveis, e um visivel, mas do-tado do poder de ver — e vidente. Visivel vidente, o corpo tem o poderde ver-se quando ve, ve-se vendo, e um vidente visivel para si mesmo.Entre as coisas tacteis, o corpo 6 um tactil, mas dotado do poder de tocar— e tocante. Tactil tocante, tem o poder de tocar-se ao tocar, e um tocan-te tactifpara si mesmo. Entre as coisas moveis, o corpo e movel, mas do-tado do poder de mover — e urn movente. Movel movente, o corpo temo poder de mover-se movendo — e movel movente para si mesmo. Ocorpo e sensivel para si.

Quando Cezanne afirma que a natureza esta no interior e que pensaem pintura, quando Matisse se olha no espelho pintando-se a si mesmo,quando Klee diz que deseja fazer uma linha sonhar para com o novelode linhas chegar ao elementar, quando Rodin afirma que o que da movi-mento a um quadro ou a uma escultura e a figura do corpo quando cadauma de suas panes se encontra num instante temporal diferente, cada umdeles nao faz outra coisa senao celebrar o njist^rio do sensivel e do corpocomo reflexao.

A presence das coisas e um misterio porque reivindicam a existenciacomo individuos e so podem te-la se forem mais ou menos do que indivf-duos. Mais: sao campps ou configura^pes, famflias ou estilos de ser — afamilia das cores, dos bdores, dos sonoros. Menos: sao pjurasLdiferencia-coes. Uma cor e pura diferenca entre cores, nao uma coisa, uma onda'lu-

minosa dotada de idcntidadc. As coisas se entrelagam e se cruzam: a su-perficie sc cnlac,a e se cruza com as cores e os sons que se enlagam e sccruzam com os odores e texturas que se enla^am e se cruzam em movi-mentos infindaveis, numa troca incessante na qual cada um e discernivelporque pertence a uma famflia diferente, mas tambem cada um e indis-cernivel dos outros porque juntos formam o tecido cerrado e poroso domundo.

Nosso corpo, coisa sensivel entre as coisas, e sensivel para si. E eleque nos faz ver as coisas no lugar em que estao e segundo o desejo delas,realizando o misterio do ver e do tocar, pois visao e tato tem o dom daubiqiiidade: a visao se efetua simultaneamente a partir das coisas e dosolhos, o tato se realiza simultaneamente a partir das coisas e das maos.Nossos sentidos operam por transitivicialJe, enlacando-se como as coisas:o olho apalpa, as maos veem, os olhos se movem com o tato, o tato sus-tenta pelos olhos nossa mobilidade e imobilidade, compensando a imobi-lidade e a mobilidade das coisas.

O pintor e o escultor desvendam o misterio das coisas e do corpoporque revelam o corpo como sensivel errante — um sensivel entre ossensiveis — e um sensivel concentrado — um sensivel sentiente que e sen-sivel para si mesmo. O trabalho_do.jjrti§ia-destr6i a distinc.ao metafiskaentre tfajsugdaj^e ajiYidad_§, desvendando-as como simultaneas e indis-cerniveis. Pintura e escultura vao alem dessa destfuic.ao. Por elas, desco-brimos que o corpo e misterioso: preso no tecido do visivel, continua ase ver; atado ao tangivel, continua a se tocar; movido no tecido do movi-mento, nao cessa de mover-se. Sofre do visto, do tocado e do movidoa agap que exerce sobre eles. Sente de dentro seu fora e sente de fora seudentro. Sentindo-se, o corpo re/JexiOna. Pela primeira vez, na historia dafilosofia, gra£as_^obra de arte, descobrimos que asjeflexaj^nao e privile-

da consci6ncia, mas que esta recoIhfTurna^reflexao mais antiga que a enslna a refletff: a_reflggo_corgoral. Ora, o tra-balhoselvagem do artista revela algo mais: a reflexapcorporal nao e ple-na_pjQsse_de_si^nem plena identidade do corpo consigo mesmoTfnasTne-rencia e c^on/jisao o^lje^ajnagpjmesmo e com as coisas. Essa descobertaensina a filosofia a impossibilidade, para a consciencia, de realizar umareflexao completa e de ser posse intelectual de si e do murftlo. Os olhosnos fazem descobrir quando a filosofia perdeu o foco: quando falou emolho — no singular — e o designou como olho do espfritd, Ha os olhos.Ha o olho e o espirito. • • \s Merleau-Ponty:

A humanidade nao e produzida como feit$> de nossas aniculacoes, nem daimplantacao de nossos olhos, nem pela existencia dos espelhos que, no en-tanto, sao os unices a tornar nosso corpo inteiramente visivel para nos. Essas

Page 9: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

contingencias c outras scmelhantcs, sem as quais nao haveria homem. naofazem, por simples soma, quc haja urn unico humano... L'm corpo humanoexiste quando, entrc vidente e visivel, entre tangivel e tangiclo, cntre urn olhoe outro, uma mao e outra se realiza uma especie de entrecruzamento. quan-do se acende a flama do sentiente-sensivel, quando "pega" esse fogo que naocessara de queimar ate que urn acidente do corpo fac.a desaparccer o que nenhum acidente teria bastado para fazer... Ora, desde que esse estranho sistemade trocas esteja dado, todos os problemas da pintura estao af. Eles ilustramo enigma do"corpo. £la os justifica... Qualidade, luz, cor, profundidade, queestao la longe, s6 estao ali porque despertam um eco em nosso corpo, por-que ele as acolhe. Esse equivalente interno, essa f6rmula carnal de sua pre-senca que as coisas suscitam em mim, por que, por sua vez, nao suscitariamum tracado tambem visivel no qual um outro olhar reencontrara os motivesque sustentam sua inspec.ao do mundo? Entao, aparecera um visivel em se-gunda potencia, essencia carnal ou icone do primeiro. Nao se trata de umduplo enfraquecido nem de uma ilusao de otica, nao e uma outra coisa. Osanimais pintados na parede da caverna de Lascaux nao estao ali como ali es-tao a fenda ou o inchaco do calcario. Mas tambem nao estao alhures. Um poucoadiante, um pouco atras, sustentados pela massa da parede, dela se servindocorretamente, irradiam a volta dela sem jamais romper com ela a amarra ina-preensjvel. Eu teria multJFdificuJdade para dizer onde esta o quadro que olho.Pois nao o olho como olho uma coisa, nao o fixo num lugar, meu olhar va-gueia por ele como nos nimbos do Ser, vejo de acqrdo cojn ele ou vejo comele, muito mais do que o vejo... O quadro, como a mimica do ator, pertenceao imaginario... O imaginario esta muito mais perto e muito mais longe doatual!' Mais perto, pois e o diagrama da vida dele em meu corpo, sua polpaou seu avesso carnal exposto pela primeira vez aos olhares dos outros.. JSlui-to mais longe, pois o quadro nao e um analogo do mundo senao segundoo corpo, nao oferece ao espirito uma ocasiao para repensar as relacoes cons-titutivas das coisas, mas oferece ao olhar, para que este os espose, os vesti-gios da visao do dentro, oferece a visao o que a atapeta interiormente, a tex-rura imaginaria do real... O olho do pintor v6 o mundo e o que falta no mundopara ser quadro e o que falta ao quadro para ser ele mesmo, e sobre a paleta,a cor que o quadro espera, e ye", uma vez feito, o quadro que responde atodas essas faltas e v£ os quadros dos outros, as respostas dos outros a outrasfaltas... O olho do pintor e aquilo que foi emocionado por um certo impactodo mundo e ocestitui ao visivel pelos traces da mao [.-..] desde as cavernasde Lascaux ate hoje, pura ou impura, figurativa ou nao figurativa, a pinturanao celebra nunca outro enigma senao o da visibilidade (...] o mundo do pin-tor e um mundo visivel, nada alem de visivel, um mundo quase louco, poise completo sendo parcial. A pintura desperta e eleva a sua ultima potenciaum delirio que e a prdpria visao, pois ver 6 ter a distancia e a pintura esten-de essa bjzafrapoSSC a todos os aspectos do Ser que devem, de algum modo,tornar-se visiveis, para entrar nela [...] essa vis&o «fefora«/e,>para alem dos"dados visuais", abre para uma textura do Ser cujas mensagens sensoriais se-paradas sao apenas pontuacoes ou cesuras, pois o olho habita o Ser como o

hom:;m sua ca.sa... Hnquanto pinta, o pintor pratica uma teorin magici: davisao (...] uma mesma co;^a esta la longe, no coragao do mundo e aqui perto,no coracao da visao, a mesma coisa aqui e la, genese e metamorfose do Serem sua visao. E a propria montanha que, la de longe, se faz ver pelo pintor,e e ela que ele interroga cam o olhar. Que Ihe pede ele? Que desvende osmeios puramente visiveis pelos quais ela se faz montanha aos nossos oihos.Luz, iluminacao, sombras, reflexos, cor: todos os objetos da investigacao eda busca do pintor nao sao seres completamente reais. Sao como os fan t as-j^as, pois so tern existencia visual [...] o olhar do pintor Ihes pergunta comoe que eles fazem para que, de repente, haja algurnaj:oisa, e para que esta coi-

#• sa componha o talisma do mundo, fazendo-nos ver o visivel.

Teoria magica da visao, filosofia selvagem, pois o pintor como oescultor e o dangarino vivem ria'f^cjnagao! seus gestos parecem emanardas proprias coisas, serem exigidos por elas, estarem nelas como o dese-nho das constelagoes. Eis por que Klee confessa: "Numa floresta, senti,varias vezes, que nao era eu quern olhava a floresta. Senti, certos dias,q.ue eram as arvores que me olhavam, me falavam... Eu, eu ficava ali,escutando... Creio que o pintor deve ser trespassado pelo universe enao querer trespassa-lo. Espero estar interiormente submerse, enterra-do. Pinto para surgir.'E a conclusao extraordinaria de Merleau-Ponty es-cutando Klee: "O que chamamos inspiragao deveria ser tornado literal-mente: ha verdadeiramente inspirac.ao e expiracao no Ser, respira^ao noSer, acao e paixao tap pouco discernfveis gu£ja nao sabemos quem vee quern evisto, quem pinta e quem e pintado... Poderfamos procurarnos proprios quadros uma filosofia figurada da visao e como que suaiconografia",

V iFilosofia figurada^da J5^ o que a pintura ensina a filosofia e a im-ztsigi - cartesiano, kantiano, hegeliano, ou husserliano

de uma tepria filosofica da sensibilida,de_cornq^ensamento de ver e pen-samento ele sentir. Isto e, como esforco intelectual para distinguir, sepa-

•— "' " - " --- -^^_ _ . fc -..,- .- — .. — —*•--..«.-- -.-^--=---_. - i - .. ... - - . - * _ ! - . ' A

rar, analisar e diferenciar sujeito e objeto, consciencia e coisa, alma e^ sensive] e inteligivel. As -artes,) como filosolia selvagem do sensi-

vel, desvendam as ilusoes^a jazap ocidentaj.como desejo de purificagaointelectual do mundo. Ensinamento tanto maior quanto mais a pinturamoderna e as artes modernas trabalharam para livrar-se da suposicao doilusionisrrio. Paradoxalrnente, diriamos, quanto mais as artes se desven-

\m como o oposto da ilusao, tanto mais indicaram as ilusoes da filo-sofia.

Examinando como os artistas trabalharam a profundidade, a cor, alinha e o movimento, como os artistas buscam a "animagao interna" dosensivel, Merleau-Ponty afirma: "A arte nao e construgao, artiffcio, rela-gao industriosa com um espago e um mundo exteriores [...] e o gritp inar-tjculado que se assemelha a voz da luz". Assim, por exemplo, no caso da

Page 10: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

A incerteza c a solidao de Cezanne nao sc explicam por sen temperamento ner\'oso, mas pela intencao de sua obra. Hcreditariedade, meio so-cial, influencias artfsticas sao os acidentes e nao a essencia da vida do pin-tor, "a parte que a natureza c a historia Ihe deram para que as decifrasse".Sao as condigoes do senjjdxjjiteral de sua obra; esta, porem, e o sentidofigurado que o artista impos aqueles acidentes naturais e historicos. As con-difoes iniciais do trabalho artistico sao o monograma e o emblema de umavida que se intetpreta a si mesma livremente, tornando-se obra. A vidanao explica causalmente a obra. Vida e obra se comunicam, e "a verdadee que esta obra por fazer exigia esta vida por viver". Sao uma so aventu-ra. A obra revela o sentido metaffsico da vida: nao e destine nem absur-do, mas uma possibilidade geral para todo aquele que enfrenta o enigmada expressao.

A liberdade de Cezanne nao esta desenraizada. Ejukcjsao selvagernde liberar as coisas para que o que queriam dizer e que nao poderiam di-zer, se Cezanne~nao transformasse seu temperamento em obra.

Se, do lado de Cezanne, a liberdade parecia, a primeira vista, impos-sfvel, do lado de Leonardo, parecemos estar no polo oposto. Interpretadopor Valery, Leonardo e pura liberdade para pensar e agir como criador,sem as amarras de seu corpo, de seu temperamento, de sua sexualidade,de seu meio social e de seu meio artistico. No entanto, a interpretacao ofe-recida por Freud para o quadro A Virgem e a crian$a, a partir de umarecordacao infantil do pintor, fazem-nos duvidar da imagem proposta porValery.

Leonardo se sente assombrado e perseguido pelos abutres, ele os pinta,os desenha, os inventa como maquinas, compondo-os com asas de cerasobre lagartixas. O manto da Virgem, interpreta Freud, e um abutre queroca a crianca, e Leonardo se recorda do sonho infantil em que um abutreabria seus la"bios para enfiar-se em sua boca. Leonardo e filho natural de uma

. camponesa e de um homem abastado que a abandona para casar-se comuma mulher esteril, levando, apos quatro anos, o menino para morarcom ele, deixando a mae sozinha. Teria Leonardo uma vida sem fantas-mas? Sua incapacidade para ligagoes amorosas, tanto hetero quanto ho-mossexuais, suas obras sempre inacabadas, sua obsessao com o voo, nadaseriam? <-.-''' • ••"' ' '•'•

A interpretacao psicanalftica nao e uma explicagao da obra de Leo-nardo por suas fantasias infantis. O que a psicanalise traz 6 uma de§£ri£aoda vida de Leonardo da qual ele nao tern plena consciencia, mas que oengaja a viver de uma determinada maneira. O fantasma do abutre e, "co-mo a palavra do augurio, um simbolo ambiguo que se aplica de antemaoa varias linhas de acontecimentos possfveis", um ela inicial de nossa situa-

;j;:aQ,que pode ser aceito ou recusado, mas a aceitacao e uma recusa e arecusa, uma aceitacao, pois nao se dao no mesmo piano de consciencia.

A psicanalise descreve a troca contfnua entre o passado e o futuro. mos-trando que cada v'fda"sonha enigmas cujo sentido final nao se cncontrainscrito em parte alguma e exige a liberdade como retomada criadora denos mesmos, fazendo nossa vida sempre fiel a si mesma. Como Cezanne,Leonardo esta jituado, mas sua situacao e um campo aberto de possfveissobre os quais exerce a decisao livre ou de apenas repetir o dado inicialou de transcende-lo, clando-lhe um sentido figurado novo. A obra de artenao e efeito das condicoes dadas, mas resposta a elas, por isso e enraiza-rnento e ultrapassamento, isto e, rigorosamente, cjrjgc.ao radical.

Se assim e, compreendemos por que a obra e interminavej.Em 1906, aos 6~ anos, um mes antes de morrer, Cezanne escreve:

"Encontro-me num tal estado de perturbacao que temo perder a razao...Parece que agora estou melhor e penso com mais justeza sobre a orienta-cao de meus estudos. Chegarei ao objetivo tao longamente procurado?Estudo sempre sobre a natureza e me parece que faco lentos progresses".

O filosofo Husserl. poucos dias antes de sua morte, proferiu uma con-ferencia na qual afirmava que sua obra — gigantesca — estava equivocadae que iria recomeca-la, pois havia, finalmente, compreendido o que deve-ria ser o objeto da filosofia.

O diario de Cezanne e a confere"ncia de Husserl, assim como os traba-Ihos inacabados de Leonardo, revelam que os ire's submeteram os aconte-cimentos e as experidncias a significagao que tinham para eles como umfulgor vindo de parte alguma e que, em certos mementos, os iluminavapor inteiro. O artista, como o fi!6sofo, nuncaesta_no centro de si mesmo,

v eSJ3o_£em^r.ejfqraji£§i, rodeados pela misena empfrica do mundo e pelomundo que devem realizar e revelar pela obra. Sempre duvidarao dos re-sultados, pois somente p" assentlmento dos outros confere valor a obra.Por isso interrogam o mundo, a si mesmos, seu proprio trabalho, nao po-dendo parar de pintar, compor, dangar, escrever. Sua obra e interminavelporque nunca abandonamos nossa vida e o mundo, nuncjryemos a ideia,

_d sentid_o e j_liberdade_cara a cara.Escreve Merleau-Pont\-, no prefacio a Sens et non-sens:

Na presenca de um romance, de um poema, de uma pintura, de um filmeyjilidos, sabemos que houve, CQntaio com alguma coisa, que alguma coisa

- tornou-se urn* aquisicao para os homens e a obra comeca a emitir uma men-sagem ininterrupta... Mas, para o artista e para o publico, o sentido da obraso e formulavel por ela mesma; nem o pensamento que a fez nem o pensa-mento que a recebe sao senhores de si [.7.'f com que riscos cumprem-se a ex- /pressao e a comunicacao... t como um passo na-hruma, sobre o qual nin-guem pode dizer se levara a alguma parte. Mesmo nossa jrnaterhatTCa, cessoude ser longas cadeias de razoes. Os seres matematicos so se deixam apanharpor£rocedimentos^bjliqups, metodos improvisados-<ao op&cos quanto ummineral desconhecido. O mundo da cukura i descontinub como o outro,

Page 11: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

busa, moderna do que Leonardo chamava dc "Im&Mfexuosa , a pintura.figurativaou nao figurativa, reyela quo a linha nao e imitacao das coisas,<•' da propria nao £ coisa, mas urn "certo desequilfbrio arranjado na mdi-ferenca do papel branco, uma certa perfuracao no em-si, um ccrto vazioconstituinte do qual as estatuas de Moore mostram que, como vazio, trazperemptoriamente a pretensa positividade das coisas [...] a linha e ntodu-lacao de uma espacialidade previa".

Assim, tambem, a pesquisa do movimento pelos artistas atinge suaessencia:

As fotografias de Marey, as anaiises cubistas, a Mariee de Duchamp nao se me-xem, ofercem um devaneio zenoniano do movimento. Ve-se um corpo rigldocomo uma armadura cujas articulacoes se mexeriam, ele esta aqui e ali, magica-mente, mas nao vai daqui para la, pois e uma soma de rnovimentos instanta-neos que petrificam o movimento. O cinema da o movimento. Como? Seria,como se acredita, copiando mais de perto a mudanca de lugar? De jeito nenhum,pois a camera lenta oferece um corpo flutuando entre os objetos como umaalga, sem se mover. O que da o movimento, como diz Rodin, e uma imagemonde os bracos, as pernas, o tronco, a cabeca sao tornados, cada qual num ins-tante diferente do tempo, figurando, portanto, o corpo numa atitude que naoteve em momento algum, e que impoe as suas panes ajustamentos ficticios,como se esse fflfrentamentojinsLincnmpjTssjvejs pudesse, e somente ele pu-desse, soldar no bronze e na tela a~transicao e a duracao.

A arte raetamprfoseiao tempo para que ele possa durar. Nao o imita.Recria-bs, inventando o movimento a partir de sua existencia secretamentecifrada.

Mas, afinal, o que as chamadas artes visuais e artes do movimento en-sinam>a filosofia? For que sao filosofia selvagem? Porque as primeiras des-cobrem o {pvisivej como estofo, forro, avesso e polpa do visfvel e naocomo seu duplo intelectual. Porque as segundas descobrem o imovel co-mo o que sustenta o movimento, como vazio e falta que o solicita e o em-purra para ser ele mesmo, ejiap uma ijusao sensiyel nem uma equacaofisico-matematica. Mais do que isto. Cada arte faz descobrir que, ao traba-Ihar com uma dimensao do Ser, chama todas as outras, invoca todas elas,e que a unidade/ie cada arte e de todas elas nao est£numa historia conti-Jiuade_acurnulacoes, mas no j^reseru^de cada uma como retornada inces-sante de si mesma e de tpdas as outras. As artes ensinam a filosofia adds-1

jrericjajda Carrie dp mundo e do corpo.A filosofia da visao e do movimento esta por ser feita e so o sera quan-

do o fi!6sofo levar a serio a afirma^ap dp artista de que nensa enquantppjnturaLPu escultura ou danga. A 'Jilpsofia do sensfvelprometida pelas ar-tes e a dauniversal sem conceito: o Ser Bruto na sijnultanejdade verticalde todas as suas dimensoes e o Espfrito Selvagem como excesso e faltaque tornam impossivel, doravante, pensa-lo no modo da presenc.a a si.

OBRA DE AKTI-: /: 1)H P1-.\SAM1-\TO l\STITUI\TFS:HISTORIA I- CL 7.77 'RA

Filosofia e ciencia sonham com o ideal de uma linguaggniputautrans-rjaj-ente, docil aos conceitos e as operagoes cientfficas, puramente instru-mental, cuja funcao seria a de traduzir perfeitamente ideias em si mesmassilenciosas. Sonham com uma linguagem que dissesse tudo e o dissessetao completamente que seria a perfeita transcricao de um texto originalcuja expressao estivesse terminada. Sonham com uma lingua bcm-feita,reduzida a algoritmos unfvocos como os da matematica, direta, t ompletae sem ambiguidades.

O sonho da filosofia e da ciencia faz com a linguagem o mesmo quefez com o sensfvel: perde-a, como o perdeu.

Como o sensfvel, como o visfvel, a linguagem e misteriosa:

Num certo sentido, a linguagem so tem a ver consigo mesma: no monologointerior como no dialogo, nao ha jsensamentos, sao palavras que as palavrassuscitam e, na medida mesma em que pensamos mais plenamente. as pala-vras preenchem tao exatamente nosso espirito que nao ihe deixam um cantovazio para pensamentos puros e para significances que nao sejam lin^uagel-ras. O misterio e que, no exato momento em que a linguagem esta assim ob-cecada consigo mesma, e-lhe dado, como que por excesso; abrir-nos parauma significacao. Num instante, esse fluxo de palavras se anula como ruido,lanca-nos em cheio no que queremos dizer e, se respondemos, e ainda porpalavras, sem querer: nao pensamos nos vocabulos que dizemos e nos di-zem, como nao pensamos na matxque apertamos. Esta nao e um pacote deossos e carne, mas a p"r6pria presenga de outrem. Ha, pois, um singular signi-ficado da linguagem, tanto mais evidente quanto mais a ela nos entregamos,tanto menos equivoco quanto menos pensamos nele, rebelde a toda capturadireta, mas d6cif ao encantamento da linguagem, sempre ali quando nos diri-,gimos a ela para evoca-lo, mas sempre urn pouco mais diwanie do ponto on-de acreditamos agarra-lo. ,

Som e sinal, a linguagem e misterio porque presentifica significacoes,transgride a materialidade sonora e grafica, invade a imaterialidade e, cor-po glonoso e impalpavel, acasala-se com o invisfvel.

Nao e instrumento para traduzir significacoes silenciosas. E habitadapor elas. Nao e meip para chegar a alguma coisa, mas rtigcj|n dp sgrj Maisdo que isso. t um set nela mesma. O sentido nao e algo que preexistiriaa palavra, mas movirhento total de uma fala e por isso nosso pensamenfovagabundeia pela linguagem. Quando nos entregamos a ela, o sentido vem.Quando queremos agarra-lo sem ela, ele nunca vem. Rigorosamente, nos-so pensamento esta sempre na ponta da lingua.

Mas como a linguagem significa? De modo indjretp e alusivo. Nao de-signa um sentido, presentifica-o atraves do's slgnos, porem sempre sobre

Page 12: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

um fundo primordial e inesgotavel de silencio. Sem duvida, temos o sen-timento de que nossa lingua exprime completa e diretamente as significa-goes. Quando em ingles se diz "The man 1 love", nossa tenddncia espon-tanea e julgar que falta na frase inglesa algo que existe na portuguesa eque a faria exprimir mais completamente o sentido — "O homem que euamo". Todavia, esse sentimento de falta alheia e completude nossa deve-se apenas ao fato de que nossa lingua nos insere num mundo cultural on-de ehparece exprimir completamente e nap porque realmente o faca oupossa faze-lo. E por ser indireta_ealusiya,um fundo interior de silencio, que a palavra e exessFva:aTinguagerndiz peremptoriamente quando renuncia a jizer a or ooria coisa [...] signi-fica quando, em vez de copiar o pensamento, deixa-se fazer e refazerpor ele".

Porem, que linguagem e esta cuja forca existe somente quando naose reduz a ser mera designacao de coisas nem mera copia de pensamen-tos? Nao e a linguagem empirica e costumeira de nossa vida cotidiana, jainstituida em nossa cultura. E a linguagem jCfjjdiQfiyiOperante, instituinte. ,E a linguagern do escritor quando esteJmprime uma^orcjk^na liriguagenTexistente, obriga-a a umak!,'jdlefpspac^)>coerente'?, rouba-lhe o equilfbriopara fa/e-la significar e dizer~q||p;ijffc "Como o tecelao, o escritor trabalhapelo avesso: s6 tem a ver com a linguagem e e assim que, subitamente,encontra-se rodeado de sejjtida^O misterio da linguagem esta em quefcs6 exprime quando se fazfesquecjer e s6 se deixa esquecer quando conse-jfgue exprimir. Quando spiLcativada por um livro, ngo vejo letras sobre'uma pagina, nao olho sinais, mas participo de uma aventura) que e purasignificacao e, no entanto, ele nao poderia oferecer-se a mim senao comolinguag*em. Um livro, escreve Merleau-Ponty, e "uma m^quina infernal deproduzir significances". A virtude gloriosa da linguagem esta exatamentenisto, nesse ppder para esconder-nps suas operacoes — como o tecelaoque s6 nos oeixa^er o direito da tapecaria, embpra esta so exista gracasao trabalho feito pelo avesso. O triunfo da linguagem e o de nos fazer crer,ao termino de um livro, que nos comunicamos com o autor de espiritoa espirito, sem palavras.

Preguigosarrffente, comedo a ler um livro. Contribuo com alguns pen-samentos, julgo entender o que esta escrito porque conheco a lingua eas coisas indicadas pelas palavras, assim como sei identificar as experi^n-cias ali relatadas. Escritor e leitor possuem qjriesmg rejjertdrio y^vdde^alaynis, coisas, fatos, experifincias, depositados pela cultura insti-tuida e sedimentados no mundo de ambos. De repente, porem, algumaspalavras me "pegam". Insensivelmente, o escritor as desviou de seu sen-tido comum e costumeirq e elas me arrastam, como num turbilhap, paraurrTsentido novo que alcanco apenas gracas a elas. O escritor me invade,passo a pensar de den&eKdcif e nao apenas com ele, ele s<Fpensa em mim

-ar-

'-, X

ao falar cm mim com palavras cujo sentido ele fez mudar. O livro que euparecia dominar soberanamente apossa-se de mim. interpcla-me, forca-mea passar da lingua falada a linguagem raiante, arrasta-me do instituido aoinstituinte. Somente depois, ao termino da leitura, tenho o sentimento deuma comunicacao que se teria feito sem palavras, pois, agora, as palavrasdo escritor tornaram-se minhas, nao cpnsigo distinguir-me dele, separarsuas palavras e as minhas. Neste momento, uma^gquTsicabjiPi teita,"T~

' livro, doravante, pertence as si^njlicatpesjjisppniveis da cultura. Se eutambem for escritora, uma tradigao foi instituida e eu a recolherei para,ao retoma-la, reabrir a linguagem numa nova instituicao. *--

A obra literaria, como a obra de pensamento, pane de uma cumplici-dade ehtre escritor e leitor, do eco das palavras do primeiro no segundo,do "enfrentamento entre os corpos gloriosos e impalpaveis de minha pa-lavra e a do autor". Como e por que isto e possfvel? Como e por que apalavra instituinte — a obra — desloca, deforma e descentra a palavra ins-tituida e carrega o leitor para o recinto do livro? Como e possfvel a cum-plicidade inicial entre autor e leitor, o enfrentamento inicial, a fascinagaoe, finalmente, a mdistincao entre ambos que s6 sera desfeita quando a di-ferenca entre ler e escrever for reposta por um leitor que se torne escri-tor? Por que a assimetria inicial e final entre leitor e escritor aparece soba forma (ilusoria) da soberania — no inicio, a do leitor sobre o autor; nofim, a do escritor sobre o leitor? £ que a linguagem e retomada sublimadada percepgao, reconquistando-a numa ordem diferente-dela. Porque a lin-guagem recolhe e transforma um mundo maisjmjgo, onde vivem leitore escritor, entre ambos se instala a cumplicidade, a assimetria experimen-tada como rivalidgde de soberanias, a fascinacao e a diferenga que permi-tira a um leitor tornar-se escritor. Como a pintura, a literatura e retomadade"^JgjdlilftiPai^^^ ejeaber- \a de uma nova tradigao, a da obra como cultura. Assim como o pintor •

tateia entre finhas e cores para fazer surglr no visivel um novo visivel, as-sim tambem o escritor tateia entre sons e sinais para fazer surgir na lingua-gem uma nova linguagem. Essas operac.6es instituem o mundo culturalcomo mundo hist6rico no qual o momento instituinte se enraiza no insti-tuido, abrindo uma nova instituicao que se tornara, a seguir, instituida euma tradicap djsrjojiiydLpara todos.

CjPintolfe 0 escritbr tateiam em torno de uma intenc.ao de significar quenao se guia por um modelo pr6vio: o pintor escolhe um visivel arrancan-do-o de um fundo invisiyel; o escritor escolhe um dizivel arrancando-o deum fundo silencipso. Realizam a operacao da(prigemi O primeiro efetua *a acao livre que 'Beseem*? e reagrupa as coisaspcTsegundo, a acao livreque descentra e reagrupa as palavras. Por isso o primeiro nos ensinap quee ver e o segundo, o que 6 dizer. Ao faze-lo, ambos ensinam ao filosofotfjue^o verdadeiro: "e essencial ao verdadeiro sempre apresentar-se,

Page 13: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

fftfjgt«*rtdjgrsf)licita nossa imagcm primeiro, numdo mundo mmcLa^Sais sentido".t<

Cada obra de arte — visual ou literaria. do movimento ou do som— retoma uma tradicao: a da percepcao, as obras dos outros, as obras an-teriores do mesmo artista, numa especie de "etcrnidade provisoria"; mas,simultaneamente, ins^ga-umi tradicao: abre o tempo e_ajusiorla. funda

j novamente seu camgo H<- trphalh^ e, incidindo sobre as questoes que of>resente• Ihe colocaTresgata o passado ao criar o porvir. Exprimir e em-'pregar os meios disponfveis oferecidos pelo instituido — o mundo da per-cepcao e da cultura — para deforma-los, instituindo uma nova coerenciae um novp^equilibrio que, a seguir, serao retomados numa nova expres-sao qne os recolheu como falta e excesso do que deseja exprimir. Sob es-ta perspectiva, a distincao entre sincronia e diacronia ganha outro senti- \. Ja nao estamos diante da oposicao entre o presente como totalidade

simultanea e o (tempo corner mercLescoamemo, porem mergulhados nu-Iporque nela o presente, como falta e

excesso, pede um porvir,-exigindo o future nao como telos, mas comorestituicao instituinte do passado. A diacronia nao e diferenca dos tem-pos, mas diferenca temporal entre o que jamais podera ser repetido e, noentanto, evoca um porvir ao ecoar no presente, e o que ainda nao foi rea-lizado, mas invoca o passado dando-lhe um future., Eis por que a historia das obras de arte e de pensamento nao e uma; hjst^ria^mpirica de acontecimentos, nem uma historia racionatespiritual! de desenvolvimento ou progresso linear: e uma historia d4~advento$) Por(r£)

esse motive, escreve Merleau-Ponty, nem sempre o museu e a bibliotecasao benfazejos. Por um lado, criam a impressao de que as obras estao aca-badas, existindo apenas para serem contempladas, e que a unidade hist6-rica das artes e a do pensamento se fazem por acumula^ao e reuniao deobras; por outro lado, substituem a historia como advento pela hipocrisiada historia pomposa, oficial e celebrativa, que e esquecimento e perda da

' forma nobre da memoria. Seria precise ir ao museu e a biblioteca comoali vao os artistas, os escritores e os pensadores: na alegria e na dor deuma tarefa interminavel em que cada comeco e promessa de recomeco.

Qual a diferenca entre acontecimento e advento, esquecimento e me-m6ria? Se o temrJb for tornado como sugessao .empirica e escoamento de \j ou se for tornado como forma a priori da subjetividade trans- (f-;!

cendentai que organiza a sucessao num sistema de.retenc.pes e proiensoes, /, nao Tiavera senao a s6tietde acpntecirn,entQs. O acontecimento fecha-se

; em sua diferenca empirica ou rite diferenca dos tempos, esgota-se ao acofi-' \tecer. 6 Advento, porem, e o(]exces )da obra sobre as intencoes signifi-

cadoras'do arffsta; e aquilo que sem o artista ou sem o pensador n3o po-deria existir, mas tambem o que eles deixam como ainda nao realizado, falgo excessivo contido no interior jje_suas obras e experimentado comoj

490

- falta pclos que viraq dcpois deles c que rctornanlo o t'tritn atraves do nao-feitp,_do por-fazcr solicitado pela propria obra. O advento e aquilo que,do interior da obra. clama por uma postcridade, pede para ser acolhido.exige uma retomada porque o que foi deixado como heranca torna-se doa-cao, o dom para ir alem cielu. Ha advento quando ha obra e ha obra quan-do o que foi feito, dito ou pensado da a fazer, da a dizer e da a pensar.Q_3dventjQ_,e "promessa de acontecimentos".

A hjstQria dp adyentp, debruca-se sobre o artista e o pensador no tra-balho quando, num so gesto, agarram a tradicao e instituem uma outra

v que sera agarrada pelos posteros. Nc(j^^al^, artistas e pensadores re-^c^rjcjliarnjgdas.as_Qbras — as suas e as~3os outros — porque cada uma

delas exprime uma existencia inteira e nao uma colecao de objetos finitose gestos vaos. A historia do acontecimento, ao contrario, possui duas ma-neiras de perder as obras: ou quebrando a temporalidade imanente queas sustenta, submetendo-as ao tratamento analitico para, depois, tentari*£unj-lajyjela Si'ntesejntelectual (como se a, unidade da cultura viesse dasoma sintetica de obras despedacadas pelo entendimento); ou dando a cadauma delas um lugaf hum sistema geral do desenvolvimento do Ss^ijijtoque permite a lembranca delas sob a condicao expressa de roubar-lhes aalma, isto e, o essencial. O esquecjmemo: lemos numa nota de trabalhode O visivel e o invisivel, e djesdiferenciacao, perda de relevo e de contor-no. ^ memoria do Espfritg_jjg^ge^sque^imeritn_rle'fcriB^s qu^-sf rnramvsem deixar cicatrizes.

"u esquecimento i pura repeticao, pompa e cerimonia... funebres. Aforma nobre da memoria, porem, e a retomada das obras pelos artistase pensadores, que as retomam para nao repeti-las, mas para criar. A unida-de temporal das artes, da literatura, da filosofia e a percepcao, obliqua eindireta, que cada artista, escritor ou filosofo possui de seu trabalho co-mo momento de uma tarefa unica e, por isso mesmo, infinita. Quandofoi feito o primeiro desenho na parede da caverna, foi prometido um mun-do a pintar que os pintores nao fizeram senao retomar e afenj. Quandofoi proferido o primeiro canto e o primeiro poema, foi prometido um mun-do a cantar e a dizer que musicos e escritores nao fizeram senao retomare abrir. Quando foi feito o primeiro gesto cerimonial, foi prometido ummundo a dancar e a esculpir que dangarinos e escultores nao fizeram se-nao retomar e abrir. Quando o primeiro pensamento foi expresso, foi pro-metido um mundo a pensar que cientistas e fildsofos nao fizeram senaoretomar e abrir.

AJiistdria como esquecirnento, historicidade da morte, toma a obraacabada como" prodfgicTa ser confemplado — e a hist6ria vista pelo meroespectador. A historia como forma nobre da memoria, historicidade davida, e a que capta as obras como excesso do que se queria f'azer, dizer(Tpensar, excesso que abre aos outros a possibilidade da retomada e da

491

Page 14: MERLEAU-PONTY Obra de arte e filosofia · PDF fileparadigmas. dc unia saida-oa incrcncia e da rruicao dc si para aceder ao univer.satatravc.s do particular, enconirando na particularidadc

cria^ao como carencia c yazip no interior do excesso — e a historia efc-tuada pelo trabalho dos artistas, escritores e pensadores. Inquietacao ins-tituinte sempre aberta.

Donde, escreve Merleau-Ponty, o parentesco profundo entre arte, fi-losofia e politica:

O que faz de uma obra de arte algo insubstituivel e mais do que um instru-mento de prazer e que ela e um 6tgao doje^r^itp, cujo analogo se encontraem toda pbra filos6fica e politica^ se fofem produtivas, se contiverem naoideias, mas matriz& de /tMas.iemblemas cujo sentido jamais acabaremos dedesenvolver, Justamente porque elas se instalam em n6s e nos instalam nummundo cuja cnave nao possuimos (...) O que julga um homem — artista, fJ16-sofo, politico — nao e a imencao nem o fato, mas que tenha conseguido ounao fazer passar os valores nos fatos. Quando isto acontece, o sentido da acaonao se esgota na situacao que foi sua ocasiao, nem em algum vago juizo devalor, mas ela permanecera exemplar e sobrevivera em outras situacoes, sobuma outra aparencia. Abre umicaflity?, as vezes, institui um rnundo, e, emtodo caso, desenha um porvir.

A historia das artes, da literatura, da filosofia e da acao politica e ma-turacuo de um futuro e nao sacrificio do presente por um futuro desco-nhecido. A regra, e unica regra, de agao para o artista, o escritor, o filosb-fo e o politico nao e que sua ac.ao seja eficaz, mas que sefefecunda, matriz_e matriciaj. —:—^

Acao fecunda,(qejsc£ncjade nossa carne e da carne do mundo, gravi-dez e Raito interminaveis, promessa de acontecimentos, instituigao dead7

ventos:Todos esses termos exprimem a mesma significacao, o excesso dosentido sobre o sentido ji realizado, fazendo com que arte, literatura, filo-sofia e politica sejam sempre elucidacao de uma percepgao historica aber-ta sorjre o enigma de uma plenitude excessiva e carente.

O que a oferajJejute^instituinte nos ensina, afinal?

Toda acao e todo conhecimento que nao quiserem ser uma elucidacao/ela-boracao abertas e interminaveis, que quiserem estabelecer valores sem cor-po em nossa historia individual e coletiva, ou, o que da1 no mesmo, que quei-ram escolher os meios por um caJculo e por um procedimento tecnico, caemaquem dos problemas que pretendiam resolver. A vida pessoal, a expressaoarti'stica, a aclo polftica, o conhecimento filos6fico e a hist6ria avancam obli-gjjamente, nunca v3o diretamente aos fins e aos conceitos. Aquilo que^us-camosm'liito deliberadamente, nao conscguimos obter, mas as ideias e os va-lores nao faltarao a quem souber, em sua vida meditante, liberar-lhes afonte Iespontanea.

492

SOBRE OS AUTORES

EVGEN BAVCAR Nasceu em Lobravec (ex-Iugoslivia) em 1946. Ficou cego entre os dez e osdoze anos. Doutor em filosofia est£tica. Pesquisador do Centre National de la Recher-che Scientifique desde 1976. Colaborador de L'/mprononfable, Reveu d'esthfrique,France Culture. Publicou os seguintes artigos, entre outros, "Mots pour Jabes"; "L'es-thetique ca^me anthropologie"; "L'Art en tarn qu'acte d'amoun".

•WILLI BOLLE Professor de literatura na USP. Publicou: Fisiognomia da metr6pole moderna —Representafao da bistdria em Walter Benjamin, Edusp, 1994.

GERD BORNHEIM Professor de fllosofla na UFRJ. Publicou: Dialitica: teoria e praxis, Globo;O idiota e o espirito objetivo, Globo; Sartre, Perspectiva; Brecbt, a est&ica do teatro,Graal, 1992, alem de ensaios em O olbar, O desejo, £ttca. Rede tmagindria — Televi-sdo e democracia, Tempo e histdria, Companhia das Letras,

MARILENA CHAUi Professora de hist6ria da filosofia e de filosofia politica na USP. Foi secrctSriade Cultura do Municfpio de Sao Paulo na gestao da prefeita Luiza Erundlna de Souza(1989-92). Publicou, entre outros, Cultura e democracia: o discurso competente e o«-trasfalas, Moderna (1? a 3? eds.), 1980, eCortez(4? a7?eds.), 1989; Oqueeideolo-gia, Brasiliense, 1980; Da realidude sem misterios ao misterio do mundo (Espinosa.Voltaire e Merleau-Ponty), Brasiliense, 1981; Introducao a bistoria da filosofia, vol.i, Dos Pre-socrdticos a Aristdteles, Brasiliense, 1994; Convite a filosofia, Atica, 1994,alem de ensaios em Os sentidos da paixao, O olbar, O desejo, £tica, Companhia dasLetras. Atualmente prepara o lancamento de Nervura do real: Espinosa e a idiia deliberdade, Companhia das Letras.

JORGE COLI Professor de hist6ria da arte no Departamento de Histdria da Universidade Esta-dual de Campinas. Mestre pela Universidade de Provence e doutor pela USP. Publicou:O que 6 arte, Brasiliense, 1981, e Van Gogh, a noite estrelada, Brasiliense, 1985.

PAULO SERGIO DUARTE Professor, ciftico de artc, ex-diretor do Instituto de Anes Plisticas daFunarte. Publicou artigos sobre arte moderna e contemporanea. *

RODRIGO A. P. DUARTE Professor adjunto do Departamento de Filosofia da UFMG. Publicou: Marxe a natureza em "O capital", Loyola, 1986; Mimesis e ractonaHOad*. A concepcOode dominio da natureza em Tbeodor W. Adorno, Loyola, 1993; Anaisdo ColoquioNational Morte da Arte Hoje (como organlzador), LabDratorio de Estetica, 1993-

ALAIN GROSRICHARD Diretor do Departamento de Literatura Francesa na Universidade Gene-bra. Presidentc da Sociedade Jean-Jacques Rousseau e rnembro da Escola da Causa Freu-diana. Publicou no Brasil A estrutura do barem, Brasiliense.

LEON KOSSOVITCH Professor de esietica e dc histdria da ane na USP. Publicou diversos anigose o livro Signos e poderes em Nietzsche, Atica, 1980.