mercado brasileiro de automóveis - perspectivas futuras

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1 O MERCADO BRASILEIRO DE AUTOVEÍCULOS: ANOS RECENTES E PERSPECTIVAS DE LONGO PRAZO. ( Texto escrito por Alisson Rocha da Silva 1 . Encontra-se disponível para visualização em: http://alissonconsultoria.blogspot.com/2009/10/o-mercado-brasileiro-de-autoveiculos.html ) RESUMO Este artigo tem o objetivo de projetar o tamanho potencial do mercado brasileiro de autoveículos 2 nas próximas décadas. Para isso, analisaram-se os dados das vendas anuais e o Produto Interno Bruto (PIB) entre 1957 e 2008 visando estimar a elasticidade-renda 3 do autoveículo no Brasil. Na seção (1) é examinado o desempenho do setor nos anos recentes e a influência positiva que o “tripé” taxa de juros, renda e crédito causaram na indústria automobilística brasileira. Na seção (2) foi estimada a “sensibilidade” do autoveículo em relação à renda e, então, simularam-se cenários para 2028 resultando em vendas previstas entre 5.756.482 e 8.191.917 unidades por ano. Isto representa um crescimento potencial aproximado entre 131% e 229% em relação ao tamanho do mercado em 2008. Fotos: Carlos Casaes/Agência A Tarde 1 Alisson Rocha da Silva é Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dúvidas, sugestões, etc., podem ser enviadas para o e-mail [email protected] 2 O termo autoveículos engloba automóveis, veículos comerciais leves (caminhonetes de uso misto, utilitários e caminhonetes de carga) e veículos comerciais pesados (caminhões e ônibus). Os valores aqui tratados correspondem às vendas de autoveículos nacionais ao mercado interno. Fonte: Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA). Site na web: www.anfavea.com.br 3 Leia-se “elasticidade renda”, e não “elasticidade menos renda”.

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Este artigo tem o objetivo de projetar o tamanho potencial do mercado brasileiro de autoveículos nas próximas décadas.

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Page 1: Mercado brasileiro de automóveis - perspectivas futuras

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O MERCADO BRASILEIRO DE AUTOVEÍCULOS: ANOS RECENTES E

PERSPECTIVAS DE LONGO PRAZO.

( Texto escrito por Alisson Rocha da Silva1. Encontra-se disponível para visualização em:

http://alissonconsultoria.blogspot.com/2009/10/o-mercado-brasileiro-de-autoveiculos.html )

RESUMO

Este artigo tem o objetivo de projetar o tamanho potencial do mercado brasileiro de

autoveículos2 nas próximas décadas. Para isso, analisaram-se os dados das vendas anuais e

o Produto Interno Bruto (PIB) entre 1957 e 2008 visando estimar a elasticidade-renda3

do autoveículo no Brasil. Na seção (1) é examinado o desempenho do setor nos anos

recentes e a influência positiva que o “tripé” taxa de juros, renda e crédito causaram na

indústria automobilística brasileira. Na seção (2) foi estimada a “sensibilidade” do

autoveículo em relação à renda e, então, simularam-se cenários para 2028 resultando em

vendas previstas entre 5.756.482 e 8.191.917 unidades por ano. Isto representa um

crescimento potencial – aproximado – entre 131% e 229% em relação ao tamanho do

mercado em 2008.

Fotos: Carlos Casaes/Agência A Tarde 1 Alisson Rocha da Silva é Bacharel em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dúvidas,

sugestões, etc., podem ser enviadas para o e-mail [email protected]

2 O termo autoveículos engloba automóveis, veículos comerciais leves (caminhonetes de uso misto, utilitários e

caminhonetes de carga) e veículos comerciais pesados (caminhões e ônibus). Os valores aqui tratados

correspondem às vendas de autoveículos nacionais ao mercado interno. Fonte: Associação Nacional dos

Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA). Site na web: www.anfavea.com.br

3 Leia-se “elasticidade renda”, e não “elasticidade menos renda”.

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1 – O mercado brasileiro de autoveículos: forte expansão dos anos recentes.

No período entre dezembro de 2002 e maio de 2009 as operações de crédito4 do sistema

financeiro aos setores público e privado, em relação ao PIB, subiram de 24,21% para 43,18%.

O PIB, por sua vez, teve um crescimento acumulado de aproximadamente 27% para o mesmo

período. Já a meta da taxa de juros Selic5 foi reduzida de 25,00% ao ano para 10,25% ao ano.

Poucos setores no Brasil se beneficiaram tanto do “tripé” aumento da renda+expansão do

crédito+redução da taxa de juros quanto à indústria automobilística. Este comportamento é

explicitado pelo gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Vendas* mensais de autoveículos no Brasil (jan/03 – maio/09).

* valores em unidades.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA.

Analisando o gráfico (1), as vendas de veículos saíram de um patamar de 97.684

unidades (jan/2003) para 193.971 (jan/2008), chegando a um nível recorde em março de 2009,

mês no qual foram comercializadas 249.000 unidades (alta de aproximadamente 154% em

relação à jan/2003). Freqüentemente, os valores estiveram acima da média móvel de vendas

(linha preta do gráfico) dos últimos 12 meses, sinalizando um crescimento sustentado e

acelerado. Porém, a mesma média móvel evidencia períodos de enfraquecimento na indústria

automobilística com destaque, negativo, para o último trimestre de 20086.

Dado o fraco desempenho no final de 2008, o governo preferiu não esperar que o

mercado se recuperasse sozinho da crise econômica e em dezembro de 2008 reduziu

4 Fonte: Banco Central do Brasil, Boletim, Seção Moeda e Crédito (BCB Boletim/Moeda). Site na web:

www.bacen.gov.br

5 A taxa Selic corresponde à taxa básica de juros da economia. Grosso modo, seria a taxa de juros média que o

governo paga aos bancos que lhe emprestam dinheiro.

6 No último semestre de 2008, particularmente no último trimestre, houve uma grave crise financeira mundial.

Esta crise se espalhou dos mercados financeiros para os demais setores da economia, mergulhando o mundo em

uma das piores recessões desde a crise de 1929. A queda da renda, do emprego e a restrição ao mercado de

crédito provocaram uma forte redução nas vendas de veículos no mundo inteiro, inclusive no Brasil.

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impostos sobre a produção de veículos. Essa medida provocou uma queda imediata nos

preços e foi um fator7 importante para a retomada do crescimento da indústria automobilística

rumo aos patamares recordes de vendas que existiam antes da crise.

Será que essa recuperação irá se sustentar pelos próximos anos? Qual é o potencial de

crescimento do mercado brasileiro de autoveículos? Abordaremos essa questão na seção (2),

a seguir.

Fotos: Carlos Casaes/Agência A Tarde

2 – Indústria automobilística no Brasil: o que esperar para as próximas décadas?

É um fato amplamente reconhecido que a indústria automobilística brasileira passou por

uma enorme expansão desde o início do Plano Real (1994), principalmente de 2003 até os dias

atuais. Porém, o que ocorrerá nos próximos anos? Mais ainda: quantas unidades serão

vendidas anualmente em 2028?

Para responder a esta pergunta iremos, basicamente, fazer algumas suposições sobre o

crescimento econômico brasileiro para os próximos 20 anos e calcular o quanto isso se

“traduzirá” em expansão da indústria automobilística brasileira. Falando na “linguagem dos

economistas”, é necessário calcular a elasticidade-renda da demanda por autoveículos.

A elasticidade-renda de uma variável nada mais é do que:

Quando o resultado deste cálculo é maior do que um, a variável é classificada como

renda-elástica, significando que ela possui grande sensibilidade em relação a variações na

renda. Por exemplo: um aumento de 10% na renda implicará em um aumento maior do que

10% no consumo de um bem renda-elástico. O outro lado é que uma queda de 10% na renda

provocará uma redução maior do que 10% no consumo do bem renda-elástico.

7 Outros fatores também ajudaram esta retomada como, por exemplo, a “reabertura” do mercado de crédito para

o financiamento de veículos e a redução menor do que a esperada no nível de emprego e renda.

Elasticidade-renda = (variação percentual da quantidade demandada)/(variação

percentual da renda)

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Utilizando os dados do setor automobilístico brasileiro, estimamos8 a elasticidade-renda

da demanda por autoveículos como se situando entre 1,56 e 2,87, com valor médio de 2,22.

Assim as vendas tendem a crescer mais do que o crescimento do PIB, porém, diminuem mais

do que a redução do PIB em momentos de recessão. Pelo fato da compra de um veículo sofrer

outras influências9 pode ser que em alguns anos a renda caia e a venda suba, ou vice-versa.

Isso fica visível observando-se o gráfico (2):

Gráfico 2 – Dispersão: variação* das vendas de autoveículos versus variação do PIB (1957 – 2008).

* variação percentual em escala decimal. Por exemplo: 0,2=20%

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA.

O gráfico acima possui uma área cinza que corresponde àquela na qual a variação das

vendas de autoveículos tem o mesmo sinal da variação do Produto Interno Bruto, isto é,

quando um varia positivamente o outro também irá variar positivamente e quando um varia

negativamente o outro também irá variar negativamente. De fato é o que ocorre na maior parte

das vezes, pois os pontos de dispersão – representados pelas “cruzes vermelhas” – caem

quase sempre na área cinza. Porém, como já foi alertado que outros fatores além do

crescimento da renda (aqui representado pelo PIB) afetam a venda de veículos, existem as

“cruzes vermelhas” que se localizam na área branca e sinalizam os anos nos quais as variáveis

tiveram sinais distintos10

. A reta azul é uma reta de ajuste para o período e sinaliza que, de

fato, variações positivas no PIB levam, em média, a variações também positivas nas vendas.

8 No cálculo da elasticidade-renda foram utilizadas as vendas anuais de autoveículos nacionais ao mercado interno

brasileiro e o Produto Interno Bruto, entre 1957 e 2008.

9 Pense que um consumidor ao adquirir um carro observará não apenas a própria renda, mas também o preço do

carro, a taxa de juros, o preço do combustível, dentre outros fatores.

10 Entenda sinais distintos como: no ano em que a venda de autoveículos variou positivamente o PIB variou

negativamente, e quando a venda variou negativamente o PIB variou positivamente.

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De posse da estimativa da elasticidade, calculada anteriormente, podemos simular

diversos cenários para ter uma idéia de quantos veículos serão vendidos no mercado brasileiro

em 2028. Iremos supor um crescimento médio do PIB de 2% ao ano como um cenário

pessimista, já que a maioria dos economistas espera que nos próximos 20 anos o Brasil cresça

a uma taxa média maior do que essa. Um crescimento de 3,0% ao ano será chamado o nosso

cenário base, pois é uma taxa média bem possível de ocorrer para os próximos 20 anos. Por

último, temos o cenário otimista que utiliza um crescimento médio do PIB a uma taxa de 5,00%

ao ano, desempenho que apenas os muito otimistas acreditam que possa ocorrer.

Dito isto, calculamos nove possíveis cenários para o mercado brasileiro de autoveículos

e estes valores estão na tabela (1):

Tabela 1 – Previsões das vendas* de autoveículos para o mercado

brasileiro em 2028.

Taxa média anual de crescimento do PIB

(2009 - 2028)

Elasticidade-renda

1,56 2,22 2,87

2,00% 5.756.482 8.191.917 10.590.452

3,00% 6.996.960 9.957.212 12.872.612

5,00% 10.278.686 14.627.361 18.910.146 * valores em unidades

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA.

A combinação11

que produz o menor patamar de vendas (5.756.482 unidades) é um

crescimento médio no PIB de 2% ao ano – que classificamos como pessimista – com uma

elasticidade igual a 1,56. Por sua vez, um crescimento médio de 5% ao ano – classificado

como otimista – no PIB e uma elasticidade igual a 2,87 conduz à venda de 18.910.146

unidades.

Dada essa grande diferença entre os maiores e os menores valores, vamos aplicar mais

uma filtragem nos dados de modo a chegar aos valores mais prováveis. O filtro utilizado será a

quantidade de unidades vendidas (por ano) para cada grupo de 1.000 habitantes do país.

Analisando as tabelas (2) e (3), localizadas na pág. 6, é possível perceber que a venda

– em 2028 – de qualquer quantidade acima de nove milhões de unidades/ano é muito pouco

provável, pois seria necessário que o Brasil comercializasse – proporcionalmente – mais

veículos do que países ricos como Alemanha, Japão e Estados Unidos venderam em 2008.

No ano de 2008, foram vendidas 2.483.379 unidades no Brasil. Desta forma, o mercado

brasileiro pode – mesmo adotando premissas conservadoras – chegar a 5.756.482 unidades

11 Para interpretar a tabela (1) basta que o leitor escolha um valor para a elasticidade-renda e outro para a taxa

média de crescimento do PIB (2009 – 2028). Exemplificando: caso escolha crescimento de 2% com elasticidade de

1,56 chega-se à previsão de 5.756.482 unidades. A combinação de 2% de crescimento com elasticidade de 2,22

produz a previsão de 8.191.917, e assim sucessivamente.

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comercializadas (em 2028), crescimento de 131,8% em relação aos patamares atuais. Sendo

mais otimista, e descartando os valores da tabela (1) que levariam o mercado a proporções

maiores do que 40 unidades vendidas por grupo de 1.000 habitantes, o Brasil pode chegar a

8.191.917 unidades comercializadas (em 2028), expansão de 229,86% em relação a 2008.

Tabela 2 – Proporção*: vendas de autoveículos/população

(diversos países).

País

Quantidade de autoveículos (novos) vendidos por ano a cada 1.000 habitantes.

Estados Unidos 44

Alemanha 41

Japão 39

França 40

Itália 41

Espanha 30

Portugal 25

Argentina 15

Grécia 26

Brasil 14 *proporção para o ano de 2008.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA.

A seguir, o cálculo da mesma proporção da tabela (2), porém, de acordo com as vendas

e a população12

estimadas para o Brasil em 2028:

Tabela 3 – Proporção*: vendas de autoveículos/população, de acordo

com os cenários da tabela (1).

Taxa média anual de crescimento do PIB

(2009 - 2028)

Elasticidade-renda

1,56 2,22 2,87

2,00% 26 37 49

3,00% 32 46 59

5,00% 47 67 87 * dados relativos à projeção dos cenários para o mercado brasileiro em 2028.

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados da ANFAVEA e IBGE.

12 A projeção da população é feita pelo IBGE e encontra-se disponível em

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/projecao_da_populacao/2008/projecao.pdf

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3 – Conclusão: mesmo com toda a expansão dos últimos anos ainda há muito

crescimento pela frente.

As projeções realizadas neste artigo mostram todo o potencial de crescimento que a

indústria automobilística possui no Brasil para as próximas décadas, ao contrário dos mercados

dos países ricos que já parecem estar saturados13

e sem grandes perspectivas de crescimento

no longo prazo. Não por acaso, as grandes montadoras de automóveis no mundo tem voltado

suas atenções para os países ditos emergentes, principalmente para o Brasil, Rússia, China e

Índia.

Um último fato importante: a capacidade14

de produção brasileira – atual – é de quatro

milhões de veículos por ano. Isso denota que até 2028, usando premissas realistas, as

montadoras precisarão expandir a sua capacidade produtiva para algo na faixa de seis a oito

milhões de veículos por ano se não quiserem depender da importação para suprir essa

demanda interna. Tal expansão só será possível mediante investimentos de várias dezenas de

bilhões de reais, portanto, os Estados que quiserem uma “fatia” desse enorme “bolo de

dinheiro” devem começar a se planejar, desde já.

Fotos: Carlos Casaes/Agência A Tarde

13 Para que o leitor tenha uma idéia desta saturação, em 1999 foram vendidas nos Estados Unidos, Japão e

Alemanha 16.959.000, 5.861.000 e 4.127.000 unidades, respectivamente. Porém, em 2008, as vendas de veículos

nestes países foram 13.493.000, 5.082.000 e 3.425.000 unidades, respectivamente. Fonte: ANFAVEA.

14 Fonte: ANFAVEA. Dado para o ano de 2008.