mentes brilhantes - superdotados

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Cérebro Mentes brilhantes Quais métodos os psicólogos contemporâneos usam para identificar crianças superdotadas? Como ocorre o desenvolvimento emocional desses pequenos? Veja o que existe de novo nesse campo e o que dizem os pesquisadores sobre os famosos testes de QI Por Roberta de Medeiros No supermercado, Tânia fala para sua mãe parar de colocar mercadorias no carrinho, pois já havia atingido o limite de R$ 50,00, tudo o que tinham para gastar. Com apenas 4 anos, a menina havia calculado o total gasto até aquele momento! Frequentadora de uma creche de baixa renda, ela aprendeu a contar e somar sozinha. Paulo tem 5 anos, é um menino alegre e comunicativo. Ele lê, escreve, canta e desenha, além de ter uma memória prodigiosa. Seus desenhos são excelentes para um garoto da sua idade. Pequenina e tímida, Vitória aprendeu a ler com 2 anos, quando passou a receber também aulas de inglês. Hoje, com 4 anos, ela já se debruça na leitura da mitologia grega. Os três são superdotados. Mas como descobrir quando uma criança é superdotada (ou portadora de altas habilidades como preferem dizer os especialistas)? Isso depende do conceito que se tem de superdotação. Até pouco tempo, a ideia que se tinha do superdotado remetia à imagem do garoto franzino, que era o primeiro da classe, craque em Química, Matemática ou Física. Hoje a noção mais aceita é de que os superdotados são aquelas pessoas que têm os três traços: habilidade acima da média, criatividade e envolvimento com a tarefa. As habilidades podem ser em diversas áreas do conhecimento, como dança, construção civil, filosofia, desenho, escultura, esportes, literatura, ciências, trabalhos manuais, fotografia... ou habilidades gerais como memória, processamento de informação, vocabulário. "O envolvimento é a dedicação que o sujeito deposita em sua área de interesse, perseverança, dedicação, foco e motivação. A criatividade está ligada ao pensamento inovador, à flexibilidade e novas formas de perceber as mesmas coisas", explica a psicóloga Nara Joyce Wellausen Vieira, da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Portadores de Altas Habilidades. O mito de que a inteligência era uma coisa única, compacta, ruiu há muito tempo, graças aos estudos do psicólogo americano Howard Gardner, da Universidade Harvard, que mapeou as inteligências antes tidas apenas como aptidões. Ele sustenta que há oito tipos diferentes de inteligência e não apenas aquele bloco de saber lógico que se julgava no passado ser a mais sublime expressão do intelecto. São elas a verbal, a musical, a matemática, a espacial, a corporal, a naturalista (a capacidade de compreender os fenômenos naturais), a intrapessoal (o autoconhecimento) e a interpessoal (a habilidade de interpretar as intenções alheias e exercer a liderança). Se Gardner estiver certo, é possível que existam mais talentos do que poderíamos supor. Ao invés dos 1% a 3% de pessoas superdotadas, proposto pela Organização Mundial de Saúde, o índice pode saltar para 15%, levando em conta as habilidades artísticas, criativas, de liderança ou de esportes. Outro pesquisador que deu um passo adiante na compreensão do que se considera um comportamento inteligente foi o psicólogo americano Joseph Renzulli, do Centro Nacional de Pesquisa sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut. Ao afirmar que o superdotado era uma mistura de talento, criatividade e dedicação obstinada, ele subverteu a visão antiga do Ocidente sobre os pequenos iluminados. "Tanto Gardner quanto Renzulli entendem que a inteligência não é um conceito fechado. Eles acreditam que as pessoas superdotadas têm diferentes perfis, que nem sempre condizem com a imagem do superdotado padrão, que é intelectual destacado", ressalta Nara. Testes de QI Page 1 of 7 Portal Ciência & Vida - Filosofia, História, Psicologia e Sociologia - Editora Escala. 30/3/2010 http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/50/imprime164356.asp

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Cérebro

Mentes brilhantes Quais métodos os psicólogos contemporâneos usam para identificar crianças superdotadas? Como ocorre o desenvolvimento emocional desses pequenos? Veja o que existe de novo nesse campo e o que dizem os pesquisadores sobre os famosos testes de QI Por Roberta de Medeiros

No supermercado, Tânia fala para sua mãe parar de colocar mercadorias no carrinho, pois já havia atingido o limite de R$ 50,00, tudo o que tinham para gastar. Com apenas 4 anos, a menina havia calculado o total gasto até aquele momento! Frequentadora de uma creche de baixa renda, ela aprendeu a contar e somar sozinha. Paulo tem 5 anos, é um menino alegre e comunicativo. Ele lê, escreve, canta e desenha, além de ter uma memória prodigiosa. Seus desenhos são excelentes para um garoto da sua idade. Pequenina e tímida, Vitória aprendeu a ler com 2 anos, quando passou a receber também aulas de inglês. Hoje, com 4 anos, ela já se debruça na leitura da mitologia grega. Os três são superdotados. Mas como descobrir quando uma criança é superdotada (ou portadora de altas habilidades como preferem dizer os especialistas)? Isso depende do conceito que se tem de superdotação. Até pouco tempo, a ideia que se tinha do superdotado remetia à imagem do garoto franzino, que era o primeiro da classe, craque em Química, Matemática ou Física.

Hoje a noção mais aceita é de que os superdotados são aquelas pessoas que têm os três traços: habilidade acima da média,

criatividade e envolvimento com a tarefa. As habilidades podem ser em diversas áreas do conhecimento, como dança, construção civil, filosofia, desenho, escultura, esportes, literatura, ciências, trabalhos manuais, fotografia... ou habilidades gerais como memória, processamento de informação, vocabulário. "O envolvimento é a dedicação que o sujeito deposita em sua área de interesse, perseverança, dedicação, foco e motivação. A criatividade está ligada ao pensamento inovador, à flexibilidade e novas formas de perceber as mesmas coisas", explica a psicóloga Nara Joyce Wellausen Vieira, da Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Portadores de Altas Habilidades. O mito de que a inteligência era uma coisa única, compacta, ruiu há muito tempo, graças aos estudos do psicólogo americano Howard Gardner, da Universidade Harvard, que mapeou as inteligências antes tidas apenas como aptidões. Ele sustenta que há oito tipos diferentes de inteligência e não apenas aquele bloco de saber lógico que se julgava no passado ser a mais sublime expressão do intelecto. São elas a verbal, a musical, a matemática, a espacial, a corporal, a naturalista (a capacidade de compreender os fenômenos naturais), a intrapessoal (o autoconhecimento) e a interpessoal (a habilidade de interpretar as intenções alheias e exercer a liderança). Se Gardner estiver certo, é possível que existam mais talentos do que poderíamos supor. Ao invés dos 1% a 3% de pessoas superdotadas, proposto pela Organização Mundial de Saúde, o índice pode saltar para 15%, levando em conta as habilidades artísticas, criativas, de liderança ou de esportes.

Outro pesquisador que deu um passo adiante na compreensão do que se considera um comportamento inteligente foi o psicólogo americano Joseph Renzulli, do Centro Nacional de Pesquisa sobre o Superdotado e Talentoso da Universidade de Connecticut. Ao afirmar que o superdotado era uma mistura de talento, criatividade e dedicação obstinada, ele subverteu a visão antiga do Ocidente sobre os pequenos iluminados. "Tanto Gardner quanto Renzulli entendem que a inteligência não é um conceito fechado. Eles acreditam que as pessoas superdotadas têm diferentes perfis, que nem sempre condizem com a imagem do superdotado padrão, que é intelectual destacado", ressalta Nara.

Testes de QI

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Durante o século XX, superdotado era alguém capaz de decorar conteúdos enciclopédicos ou resolver enunciados complexos. Os esforços para avaliar a inteligência a partir de testes ganharam fôlego com as ideias do psicólogo francês Alfred Binet, no início do século passado. Foi quando as autoridades francesas pediram que Binet criasse um instrumento capaz de prever quais crianças teriam sucesso nos liceus parisienses. Então, ele criou uma escala de inteligência, com 30 tarefas mentais graduadas em função da idade. Esse instrumento era capaz de mostrar se o desenvolvimento da criança era igual ao das colegas, atrasado ou adiantado. Daí o teste quociente de inteligência, o QI! E o felizardo que estourasse em pontos era inteligentíssimo.

Mas não é bem assim. Eles foram logo considerados uma armadilha. Seriam tendenciosos, porque exigem, por exemplo, a familiaridade com as expressões e o vocabulário embutidos nas questões. Outro ponto criticado por ela é que os testes não avaliam outros elementos como liderança, habilidade para

interagir, imaginação e determinação. E tem mais: esses testes avaliam apenas respostas certas dentro de um intervalo de tempo, são padronizadas. "O que fazer, então, quando as respostas são originais?", questiona Nara. E o mais perigoso em tudo isso: "Os resultados desses testes de inteligência são supervalorizados e aceitos com muita facilidade, rotulando algumas crianças", critica.

"O importante, tanto para a escola, quanto para a família, não é rotular, e sim criar formas adequadas da criança ou do jovem desenvolver seu potencial"

Avessos aos testes de QI, hoje os especialistas recorrem a outro

Os sinais que indicam que uma pessoa será superdotada podem estar no seu genoma. A genética molecular definiria os traços de superdotação. Cientistas já detectaram até polimorfismos do gene SNAP-25 em superdotados

Ser um aluno superdotado pode causar grande ansiedade e confusão na criança. Isso porque a escola exige que o aluno progrida de maneira igual em todas as áreas do conhecimento, o que não acontece com quem tem superdotação

arsenal para detectar a inteligência, como check-list,

autoavaliação, observação, participação de professores e testes. O primeiro passo é levantar um histórico da criança a partir do relato dos pais. A criança passa por um extenso período de observação em seu ambiente de aprendizagem na escola ou em uma sala de recursos. O profissional coleta dados sobre seus interesses, sua forma preferida de aprender e sua produção. A criatividade também é avaliada. "Podem ser aplicadas provas acadêmicas de uma série acima. Isso permitirá ver as estratégias que ela usa para elaborar um problema que ela ainda não conhece formalmente. Se a área de talento for música ou artes plásticas, por exemplo, um expert deverá avaliar o caso", diz Maria Clara Sodré, professora da PUCRJ e autora de Educação de Superdotados: Teoria e Prática, da Editora Pedagógica e Universitária.

Para ela, o talento precoce é uma pista valiosa na hora de identificar o superdotado, já que o talento dele tende a desabrochar muito cedo. Em geral, os pequenos desenvolvem espontaneamente a sua habilidade: são crianças que aprendem a ler sozinhas ou que desmontam o computador sem causar estragos. Na mais tenra idade, mostram familiaridade com instrumentos musicais, têm um vocabulário elaborado, raciocínio ágil ou memória fora do comum. "A precocidade faz com que a criança seja capaz de fazer coisas típicas de crianças mais velhas e se desenvolver mais rápido e ter um talento superior", explica Maria Clara. Como Gardner, ela acredita que a inteligência é uma mistura de dois ingredientes: a bagagem genética e a capacidade da pessoa conquistar esses talentos ao longo da vida. "Existe uma inteligência herdada que poderá ou não ser desenvolvida. Se a criança não recebeu essa herança, ela terá dificuldade em aprimorá-la. Por outro lado, se ela nasce com alguma desenvoltura e não tem oportunidade de desenvolvê-la, não terá muito potencial", argumenta.

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Mãe de três filhos talentosos, a psicóloga Ângela Virgolim, professora da UnB (Universidade de Brasília), também não vê com bons olhos o uso dos testes, embora admita que eles são úteis para avaliar uma criança com notas baixas na escola, por exemplo, por causa de desmotivação ou problemas emocionais. "As pessoas nos procuram para fazer um teste de QI ou para 'diagnosticar' um filho que pode ser ou não superdotado. Mas temos que fugir destas armadilhas. O importante, tanto para a escola, quanto para a família, não é classificar ou rotular, e sim criar formas mais adequadas da criança ou do jovem desenvolver seu potencial", completa Ângela, que estudou com a equipe de Renzulli durante a defesa do seu doutorado pela Universidade de Connecticut. Não há consenso entre os especialistas. O fato é que a ciência ainda não encontrou uma fórmula para medir com precisão quem é superdotado. "Se o conceito de inteligência se basear numa noção estática, será usado um ponto de corte nos resultados do

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teste para selecionar quem deve entrar no programa e quem deve ficar de fora. Renzulli, por exemplo, acredita que a superdotação poderá aparecer em um momento e desaparecer em outro, fruto do contexto em que a criança vivencia. "Assim, ela precisa ser sempre avaliada para ver se o programa está realmente desenvolvendo seu potencial", diz Ângela.

"Todos os seres humanos, inclusive os superdotados, possuem, em média, a mesma quantidade de neurônios"

Caprichos da Genética Uma das questões sobre a natureza humana que mais intrigam os cientistas é o que faz uma pessoa ser mais inteligente do que outra. Já se sabe que a genética e a experiência ao longo da vida são importantes. Mas ainda não se sabe qual é o peso de cada um. Depois de estudar por mais de 20 anos gênios e prodígios, o psicólogo Anders Ericsson, da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, defende que não existem capacidades herdadas. O ingrediente-chave é a persistência em querer aumentar o desempenho. Na contramão, Paul Thompson, da Universidade da Califórnia, insiste que todas as capacidades intelectuais de uma pessoa são determinadas no berçário, e a genética molecular seria uma poderosa arma para identificar os traços de superdotação. A resposta estaria escrita no genoma, a sequência de códigos químicos que tornam cada pessoa tão única.

Geneticistas da UNESP (Univesidade Estadual Paulista Júlio Mesquita Filho), compartilham da segunda opinião e pretendem um passo adiante na compreensão da inteligência humana. Desconfiados de que a superdotação seja fruto de uma mutação genética, eles iniciaram testes neuropsicológicos em crianças e adolescentes com desajuste escolar, entre eles, superdotados, atendidos pelo Ambulatório de Desvios de Aprendizagem. E estão dispostos a descobrir se existe uma relação dos polimorfismos do gene SNAP-25 em superdotados. Os estudos recentes sugeriram uma participação possível desse gene na aprendizagem e na memória, ambos são componentes da inteligência humana. Os cientistas partem do princípio de que ninguém nasce sabendo, mas algumas pessoas podem ganhar um empurrão da natureza. É o caso de Albert Einstein, o pai da teoria da relatividade. O patologista americano Thomas Harvey foi o primeiro a abrir o crânio de seu "paciente" mais ilustre para descobrir a receita de tanta inteligência e divulgá-la ao mundo. Por falta de uma base para comparação, não chegou a nenhuma conclusão. Em 1999, a pesquisadora Sandra Witelson, da McMaster University, no Canadá, comparou medidas do cérebro do gênio com aquelas de cérebros de 35 homens e 50 mulheres com inteligência normal. O cérebro era semelhante ao dos demais, com exceção de uma área chamada parietal, que era 15% mais larga. A cognição visuoespacial, o pensamento matemático e as imagens de movimento são fortemente dependentes dessa região. Além disso, o cérebro do físico não tinha os sulcos que separam as duas porções dessa região, o que facilitaria a comunicação entre os neurônios. Os cientistas ainda encontraram uma porcentagem maior de células gliais, que suportam e nutrem a rede de neurônios.

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"Avessos aos testes de qi, especialistas recorrem a outro arsenal para examinar a inteligência, como check-list, auto-avaliação, observação"

A partir da década de 70, o alarde feito em torno da possível existência do gene da superdotação se disseminou perigosamente. Obcecado por conceitos de eugenia, o milionário Robert Graham criou o banco de sêmen, cujos doadores eram cientistas brilhantes, ganhadores do Nobel. Ele queria que a reprodução das pessoas consideradas "burras" desse lugar à reprodução maciça daquelas que teriam um talento superior. Foi assim que vendeu às mães inférteis e de boa condição social o sonho de gerar uma criança brilhante. Para sua frustração, não houve nenhum gênio entre os 240 bebês produzidos até 1999, quando a clínica fechou as portas. Os seres humanos, inclusive os superdotados, têm cerca de 100 bilhões de neurônios, equivalente ao número de estrelas existentes em toda a Via Láctea. Cada célula nervosa se liga a milhares de outras em mais de 100 trilhões de conexões. Portanto, a diferença não estaria no número de neurônios, mas na existência de um maior número de conexões entre eles. Essa trama precisa e delicada seria responsável por alguns traços que

Talentos desabrochados precocemente, como uma boa desenvoltura com artes e pinturas, devem ser analisados por profissionais, pois são indicações de que a criança é superdotada

Ser uma criança superdotada não significa que ela será uma expert em Matemática ou Física. Há o exemplo dos 'savants', indivíduos que apresentam superdotação em habilidades como arte, música e dança

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os superdotados possuem, pois graças a ela o homem raciocina, lembra e aprende. Segundo Bárbara Clark, professora da Universidade da Califórnia, o cérebro de um superdotado tem conexões neurais mais integradas, mais rapidamente realizadas e mais complexas. Os neurônios possuem mais receptores de estímulos (dendritos) para criar os caminhos, as células gliais crescem e há o revestimento de mielina dos axônios (a mielina é uma substância que rodeia algumas fibras nervosas, fazendo com que tenham uma condução de impulsos nervosos mais rápida). Esse processo promove a velocidade e a qualidade da transmissão de uma célula para outra. "Desta maneira, as crianças superdotadas tornam-se biologicamente diferentes dos demais, não no nascimento, mas em consequência do uso e do desenvolvimento dessa estrutura maravilhosa e complexa com que nasceram. No nascimento, quase todos somos programados para ser fenomenais", diz a pesquisadora.

Outros estudos mostram que as pessoas com alta pontuação nos testes de inteligência parecem usar mais efificientemente a glicose nas áreas cerebrais específicas para a tarefa quando estão envolvidos com algum exercício cognitivo. Um estudo feito pelo neurologista Richard Haier, da Universidade da Califórnia, sugeriu que o cérebro de pessoas mais capazes além de ser mais econômico no consumo de glicose, com menor gasto de energia, também é mais eficiente, respondendo prontamente às tarefas. Mas para manter a mente sempre afiada o cérebro precisa de desafios. E isso vale para qualquer pessoa.

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Desenvolvimento Afetivo Ser superdotado não significa ter uma vida de facilidades como supõe o imaginário popular. Afinal, não é nada fácil ter a inteligência de um adulto num corpo de criança. Isso faz com que o superdotado tenha um desenvolvimento desarmônico em diferentes campos, como afetivo, cognitivo e motor. "Não é fácil para essas crianças viver com o descompasso entre o raciocínio e a linguagem, entre o cognitivo e motricidade e entre o afetivo e o cognitivo. Isso consome grande energia e gera ansiedade e confusão", diz Nara. "Como a escola tende a esperar que o aluno progrida de uma maneira homogênea em diferentes áreas do conhecimento, isso pode gerar dificuldades para o aluno, sobretudo, de natureza emocional", pondera Ângela. "O superdotado pode ser, por exemplo, dominado por medos e ansiedades que resultam das suas reflexões sobre problemas enfrentados pela humanidade ou a partir de leituras sobre temas geradores de ansiedade, com as quais ele não sabe lidar". Além disso, quando alguém tem facilidade para uma atividade, há uma tendência natural a investir mais em experiências desta mesma área.

"Uma criança que tem mais facilidade para leitura, irá se dedicar por mais tempo e com mais prazer nesse campo. Outra, com talento na inteligência corporal, tende a se exercitar mais em esportes, dança ou outra atividade que consegue mais sucesso. Isso explica, em parte, esse descompasso", diz a psicóloga Mara Regina Nieckel da Costa, professora da Universidade Luterana do Brasil e membro do CONBRASD (Conselho Brasileiro para Superdotação). O perfeccionismo dos superdotados é outra fonte de estresse. Um estudo realizado com 51 estudantes do programa para alunos

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com altas habilidades da Secretaria da Educação do Distrito Federal indicou que 66,67% se classificaram como perfeccionistas saudáveis e 10,61% como perfeccionistas não saudáveis, ou seja, neuróticos. "Esses resultados chamam a atenção para um número significativo de alunos superdotados que necessitam de assistência, para que possam compreender e lidar melhor com a sua conduta, buscando reverter o lado destrutivo do perfeccionismo", diz.

Como acontece com qualquer excepcional, a criança superdotada tem um desenvolvimento desigual. "Eu conheci uma criança de 6 anos que já sabia ler, mas que ainda usava fralda. Mas não faz sentido a escola argumentar que a criança não poderá avançar uma série porque não está emocionalmente preparada para aquela turma. Porque com a mudança, ela estará ajustada pelo menos na área acadêmica", argumenta Maria Clara.

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"Quase 50% dos adolescentes com altas habilidades sofrem do chamado bullying' e são vítimas de apelidos pejorativos"

Vida Social Outro mito é que os pródigos são tímidos, introvertidos. Mas será verdade que eles têm dificuldades em manter uma vida social? Alguns teóricos atestam justamente o contrário. As altas habilidades podem facilitar a vida social, já que os jovens talentosos têm um grande senso de adequação e muita empatia. Essas pessoas tendem a ser mais curiosas, seus interesses abrangem um universo maior e a relação delas com o mundo é mais rica. Por outro lado, há também superdotados com traços que dificultam a socialização, como a dedicação obstinada, a independência, o alto nível de concentração e o perfeccionismo - o que pode fazer com que sejam rejeitados por seus colegas. É o que notou a psicóloga Fabíola Gomide Baquero, professora da Universidade Católica de Brasília e mentora de um programa de extensão para universitários com altas habilidades. "Uma dificuldade comum dos adolescentes atendidos no projeto que coordenei era de se relacionar com colegas da mesma idade, sofriam com preconceitos e se sentiam peixes fora d'agua. Esses alunos preferiam a companhia de pessoas mais velhas, professores que tivessem o mesmo interesse de investigação ou pessoas da equipe que trabalhava diretamente com eles", conta.

Quase 50% dos adolescentes com altas habilidades sofrem do chamado bullying e são vítimas de apelidos pejorativos e hostilidades por causa da sua condição, mostra a pesquisadora Jane Farias Chagas Ferreira, em sua tese de doutorado apresentada no Instituto de Psicologia da UnB. A pesquisa revela que, para não serem rechaçados pela turma, os jovens são obrigados a negar suas habilidades - um comportamento muito comum entre as meninas. Em casa, a relação também é conflituosa. Os irmãos de superdotados parecem se incomodar com a comparação entre eles. Esses irmãos acabam se ressentindo por se verem obrigados a se dedicar mais às tarefas domésticas, enquanto os jovens talentosos passam mais tempo em atividades ligadas ao talento.

A pesquisa ainda revelou que muitos pais estavam insatisfeitos por ter conseguido tardiamente atendimento para seus filhos talentosos. No Brasil, 2.300 crianças participam de programas especiais para desenvolver suas habilidades. Onze Estados têm algum tipo de atendimento. Estima-se que o País tenha pelo menos 1,5 milhão de superdotados. Os primeiros programas surgiram há cerca

Sem compreensão

Beethoven foi considerado medíocre por seu professor de música. Walt Disney foi despedido por um jornal porque não tinha boas ideias e rabiscava demais. Isaac Newton, que descobriu a teoria da gravitação universal, tirava notas baixas na escola. Albert Einstein foi reprovado em Matemática e tinha dificuldades em ler e soletrar

Em estudos realizados no crânio do cientista Albert Einstein, reconhecido mundialmente pela sua genialidade, descobriu-se que uma área chamada parietal era 15% mais larga em comparação com crânios de pessoas tidas como 'normais'

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de 10 anos. Neles os estudantes participam de atividades que estão fora do currículo escolar, já que as escolas exclusivas para superdotados estão em desuso. "Entre as principais barreiras ao desenvolvimento do talento, na percepção dos adolescentes, familiares e professores da nossa pesquisa, está a dificuldade de acesso a programas de atendimento ao aluno superdotado, a formação deficitária dos professores do ensino regular para atuar com o aluno talentoso e a falta de políticas públicas e de apoio institucional", diz Jane.

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"Os pais devem evitar comparações com outros adolescentes, principalmente entre irmãos, amigos e parentes mais próximos"

Mas os superdotados são plenamente capazes de enfrentar dificuldades. A pesquisa mostra que eles se destacam no quesito resiliência - a capacidade de resolver problemas com criatividade e bom humor, de superar as adversidades e de olhar a realidade a partir de uma nova perspectiva. "Para isso, eles têm alguns traços em comum, como independência, habilidade para se relacionar, criando laços com outras pessoas, iniciativa para ter controle sobre os problemas, criatividade e capacidade de se comprometer com valores socialmente aceitos", explica. Pesquisas mostram que os jovens talentosos tinham pais com autoridade, mas não autoritários. "Por isso, é importante que os pais valorizem as habilidades dos filhos, que tenham altas expectativas com relação as suas possibilidades de realização, sem uma cobrança exacerbada sobre o desempenho. Os pais devem evitar comparações com outros adolescentes, principalmente entre irmãos, amigos e parentes mais próximos.

Devem procurar um mentor ou especialista da área de talento do adolescente que possa auxiliar no aperfeiçoamento de suas habilidades. Compreender que é preciso tempo para o desenvolvimento de habilidades, o que implica, em geral, uma atividade solitária. Ajudar, sem pressão demasiada, o adolescente na vinculação ou não de seu talento com uma vocação profissional".

Dificuldades na Aprendizagem Crianças que demonstram dificuldades severas na aprendizagem podem ser talentosas com outras atividades fora da escola, como fotografia, computação, esportes ou artes. Claro, elas também podem ser superdotadas! Por exemplo, os savants, que demonstram um severo retardo, mas habilidades espantosas em artes, cálculos matemáticos e música, memória prodigiosa e discriminação sensorial acurada. O mesmo vale para crianças com dislexia, síndrome de Asperger ou doenças mentais. Um superdotado será assim para o resto da vida? Não. Ele pode ser prodigioso em algum momento, apenas na infância, por exemplo. "Suas habilidades podem ficar adormecidas por falta de estímulo naquele momento da sua vida. Ou ele pode ter um pico de desenvolvimento em uma determinada idade, e depois deixar de praticar, desenvolver ou fomentar aquela habilidade, podendo ser ultrapassado pelos outros que demonstram maior motivação ou uma produção mais criativa", diz Ângela. Daí a importância da educação especial.

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Níveis de inteligência Precoce: crianças que apresentam alguma habilidade prematuramente em qualquer área do conhecimento, como uma criança que lê antes dos 4 anos ou um aluno que ingressa na universidade aos 13.

Prodígio: crianças com idade até 10 anos demonstram desempenho ao nível de um profissional adulto em qualquer campo,

Para ler e saber

O livro Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas, da Editora Artmed, reune elementos teóricos da Neurologia, da Psicologia Cognítiva, do estudo de superdotados e de crianças diferentes, examinando as implicações educacionais de suas concepções teóricas, contrapondo-as com outras orientações. Já o livro Educação de Superdotados - Teoria e Prática, da editora Pedagógica e Universitária apresenta uma base teórica sobre a qual são examinados os processos de desenvolvimento, as características e as alternativas para a educação de crianças e jovens superdotados; apresenta também relatos de experiências desenvolvidas por suas colaboradoras.

Alguns superdotados apresentam traços de timidez, o que pode dificultar sua socialização. A dedicação obstinada, concentração demasiada e perfeccionismo podem fazer a criança ser rejeitada pelos colegas

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como Mozart (música) e Josh Waitzkin (xadrez).

Gênio: implica na transformação de um campo do conhecimento com consequências fundamentais e irreversíveis. O gênio seria aquele que, além de deixar sua marca, leva as pessoas a pensarem de forma criativa e diferente. Como Einstein e Freud.

Roberta de Medeiros é jornalista e escreve para esta publicação

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