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UNISALESIANO Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium Curso de Letras Emilene Aparecida Fernandes Gian Lucan Sution MENSAGEM E O FENÔMENO SEBASTIANISTA LINS – SP 2011

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Page 1: MENSAGEM E O FENÔMENO SEBASTIANISTA · investigar acontecimentos e processos através da leitura de alguns poemas de Mensagem , para caracterizar o momento político, histórico

UNISALESIANO

Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium

Curso de Letras

Emilene Aparecida Fernandes

Gian Lucan Sution

MENSAGEM E O FENÔMENO SEBASTIANISTA

LINS – SP

2011

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EMILENE APARECIDA FERNANDES

GIAN LUCAN SUTION

MENSAGEM E O FENÔMENO SEBASTIANISTA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Banca Examinadora do Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium, como requisito parcial para obtenção do título de Graduação em Letras, sob a orientação do (a) Prof. Dno. Paulo Sergio Fernandes e orientação técnica da Profª Ma. Fatima Eliana Frigatto Bozzo

LINS – SP

2011

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Fernandes, Emilene Aparecida; Sution, Gian Luican

Mensagem e o fenômeno Sebastianista / Emilene Aparecida Fernandes; Gian Lucan Sution. – – Lins, 2011.

44p. il. 31cm.

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium – UNISALESIANO, Lins-SP, para graduação em Letras, 2011.

Orientadores: Paulo Sérgio Fernandes

1. Fernando Pessoa. Mensagem. 3. Sebastião. 4. Mito. 5. Literatura Portuguesa. I. Título

CDU 82

F399m

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EMILENE APARECIDA FERNANDES

GIAN LUCAN SUTION

MENSAGEM E O FENÔMENO SEBASTIANISTA

Monografia apresentada ao Centro Universitário Católico Salesiano Auxilium,

para obtenção do título de Graduação em Letras.

Aprovada em: _____/______/_____ Banca Examinadora: Prof. Orientador: Paulo Sérgio Fernandes

Titulação: Doutorando e Mestre em Letras

Assinatura:_________________________________

1º Prof(a): ______________________________________________________

Titulação: ______________________________________________________

_______________________________________________________________

Assinatura:_________________________________

2º Prof(a): ______________________________________________________

Titulação: ______________________________________________________

_______________________________________________________________

Assinatura: ____________________________________

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a querida professora Silvani Daruiz que fez com

que eu redescobrisse a minha origem portuguesa, despertando em mim um

amor incondicional pela literatura. Ao querido Paulo Sérgio Fernandes,

professor de grande sabedoria e amigo de grande generosidade, que me

proporcionou descobrir que a única magia que existe é a magia da palavra. À

minha mãe, Maria Benvinda, a verdadeira portuguesa, e ao meu pai Sebastião

Custódio, o melhor homem do mundo. Ao meu esposo Paulo Henrique, meu

amor e companheiro na realização de sonhos.

Emilene Aparecida Fernandes

Dedico este trabalho a todas as pessoas que participaram direta e

indiretamente na realização desse sonho. Além de meus amigos e familiares,

quero dedicá-lo especialmente à estimada professora Silvani Daruiz, que fez

com que eu me apaixonasse por literatura.

Gian Lucan Sution

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, Nossa Senhora Aparecida e São João Bosco por ter a

chance de voltar a estudar. À minha mãe Maria Benvinda e ao meu pai

Sebastião Custódio, meus eternos professores. Sem o apoio, amor e

compreensão dessas duas pessoas tão importantes e maravilhosas nada disso

seria possível. A todos os professores que contribuíram para o meu

conhecimento, tanto de mundo quanto acadêmico, principalmente aos

professores Paulo Sergio Fernandes, Silvani Daruiz e Ed Ganzarolli Pereira

Calças, que me encantaram com seus ensinamentos literários. Ao meu amigo

Gian, a quem devo todo o meu carinho e respeito, pois esteve ao meu lado em

todos os momentos desta difícil, mas gloriosa caminhada. Aos meus amigos de

sala Cauê, Danielle, Denisar, Laura, Luis Felippe e Vanderléia, pessoas de

grande importância, as quais sempre levarei dentro do meu coração. À Maria

de Jesus e José Lima (in memória), que me presentearam com Paulo

Henrique, o dono do meu coração, pai dos meus filhos e o amor da minha vida.

Emilene Fernandes

Quero, primeiramente, agradecer a Deus, pois sem a presença dele em

minha vida nada disso seria possível. Naqueles momentos em que eu passei

por algumas dificuldades, a palavra Dele foi de extrema importância para que

eu me mantivesse firme e forte até o fim dessa estrada.

Claro que não posso me esquecer de minha família e meus amigos, que

sempre deram o apoio que eu precisava, desde o início de minha alfabetização

até hoje. Em especial a minha mãe Aparecida de Fátima, a quem considero

minha primeira professora.

Também devo agradecer a todos os professores que passaram por

minha vida, desde a pré-escola até o último ano de faculdade. Sem o

aprendizado deles eu não conseguiria ganhar bolsa integral pelo ProUni e não

teria o conhecimento de mundo que tenho hoje. Mas quero agradecer

especialmente a professora Silvani Daruiz, pois se eu estou fazendo a minha

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monografia sobre este tema, foi devido a suas aulas de Literatura Portuguesa.

Com certeza ela foi uma das melhores professoras que eu tive e uma das mais

apaixonadas pelo que faz. Graças a ela, hoje já escrevo textos de minha

autoria. À professora Ed Ganzarolli Pereira Calças, que também nos ensinou

muito sobre literatura.

Agradeço ao nosso orientador Prof. Ddº. Paulo Sérgio Fernandes que

nos ajudou com o andamento deste trabalho e contribuiu muito com seus

conhecimentos. Ele é uma das pessoas mais inteligentes que conheço. À Profª

Ma. Fatima Eliana Frigatto Bozzo, por nos auxiliar em nosso trabalho.

E finalmente, sou grato aos meus amigos de classe, que compartilharam

todos os momentos comigo, sejam eles tristes ou felizes. Em especial a minha

grande amiga e companheira de trabalhos Emilene que sempre esteve comigo

quando eu precisei. Não me esquecendo dos outros amigos que fizeram parte

de meus grupos de trabalhos ou os que me ajudaram nessa caminhada: Luis

Felippe, Laura, Lais, Vanderléia, Cauê, Ivone, Danielle, Denisar, entre outros.

Sem dúvida, uma sala de aula que vai deixar saudades.

Gian Lucan Sution

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“Deus quere, o homem sonha, a obra nasce.”

FERNANDO PESSOA

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RESUMO

Os objetivos mais importantes do trabalho são apresentar as principais diferenças entre a fantasia e realidade no que foi expresso nas poesias do escritor português Fernando Pessoa em Mensagem; fazer uma análise da evolução desse mito chamado de Sebastianismo, desde o seu surgimento até sua evolução através dos séculos em Portugal; compreender sua importância para o renascimento e fortalecimento da esperança da nação portuguesa, sobretudo explicar como a volta de d. Sebastião, até hoje, é aguardada como uma crença na volta de um Messias, crença esta capaz de atingir desde as pessoas das camadas mais populares até as mais instruídas. Este trabalho contém dados da vida de Fernando Pessoa: nascimento em Portugal, infância e adolescência na África do Sul, o regresso ao seu país de origem quando adulto e sua morte. Faz uma breve explanação e estudo dos principais escritos literários do próprio poeta e de seus heterônimos. Consiste em investigar acontecimentos através de leituras de poemas de Mensagem, única obra escrita por Pessoa em língua portuguesa. Essa investigação é feita para caracterizar o momento político, histórico e social em Portugal no início do século passado e a importância deste contexto para seu desenvolvimento. Relata sobre a vida do rei português d. Sebastião, que antes mesmo de seu nascimento, já era denominado Desejado, e ao subir ao trono, em sua ânsia de disseminar o Cristianismo, desapareceu em uma guerra e nunca mais foi encontrado, passando então a ser chamado de Encoberto. A partir deste fato histórico começaram a surgir quadras populares de tom obscuro e profético, atribuídas a um humilde sapateiro. Finalmente, este estudo relata a exaltação da língua portuguesa pelo poeta, pois a seu pedido, este livro não foi traduzido para outras línguas. Palavras-chaves: Fernando Pessoa. Mensagem. Sebastião. Mito. Literatura Portuguesa.

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ABSTRACT

The most important objective of this work is showing the main differences between fantasy and reality in what has been expressed in poetry of the Portuguese writer Fernando Pessoa in Mensagem; .to analyze the evolution of this myth called Sebastianismo, since its inception until its evolution through the centuries in Portugal; understand its importance to the revival and of the Portuguese nation strengthening hope, especially to explain the return d. Sebastião, still today, is expected back as a belief in a Messiah , this belief is capable of reaching from the most popular class of people to the most cult. This work contains information of Fernando Pessoa’s life: birth in Portugal, adolescence in South Africa, the return to his country of origin as an adult and his death. It does a brief explanation and study of the chief literary writings of himself and his heteronyms. Consist of investigating events through reading of the Mensagem poems, the only work written by Pessoa in Portuguese. This investigation is made to characterize the political, historical and social current in Portugal in the beginning of the last century and the context importance for its development. It reports about the king Portuguese’s life d. Sebastião, who even before his birth, he was called Desejado, and on his access to the throne, in his anxiety to disseminate Christianity, he disappeared in a war and never was found, so he was called Encoberto. From this historical fact began to emerge popular quartet of dark and prophetic tone, attributed to a humble cobbler. Finally, this study reports the Portuguese language exaltation by the poet, to his request, this book was not translated into other languages. Keywords: Fernando Pessoa. Mensagem. Sebastião. Myth. Portuguese literature.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Fernando Pessoa .................................................................... 13

Figura 2: Alberto Caeiro, por Almada Negreiros ............................. 17

Figura 3: Álvaro de Campos, por Almada Negreiros ...................... 19

Figura 4: Ricardo Reis, por Almada Negreiros ............................... 21

Figura 5: Portugal em 1910 ............................................................ 25

Figura 6: Publicação de Mensagem ............................................... 26

Figura 7: Manuscrito de Mensagem ............................................... 28

Figura 8: Brasão português ............................................................ 29

Figura 9: D. Sebastião, rei de Portugal .............................................. 33

Figura 10: Representação da batalha de Alcácer-Quibir ........................ 34

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Estrutura de Mensagem ........................................................ 30

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO......................................................................................... 11

CAPÍTULO I – FERNANDO PESSOA ................................................... 13

1 O POETA FINGIDOR...................................................................... 13

1.1 Vida ............................................................................................... 13

1.2 Obra .............................................................................................. 15

1.3 Heterônimos .................................................................................. 15

1.3.1 Alberto Caeiro................................................................................. 15

1.3.2 Álvaro de Campos.......................................................................... 18

1.3.3 Ricardo Reis ................................................................................... 20

1.4 Pessoa ortônimo............................................................................. 22

1.4.1 Poesia lírica .................................................................................... 22

1.4.2 Poesia saudosista-nacionalista ...................................................... 23

CAPÍTULO II – MENSAGEM .................................................................. 24

2 PORTUGAL POR FERNANDO PESSOA ...................................... 24

2.1 Contexto histórico ........................................................................... 24

2.2 Introduzindo a obra.......................................................................... 26

2.2 Estrutura da obra............................................................................. 29

2.2 Análise de poemas.......................................................................... 31

CAPÍTULO III - SEBASTIANISMO.......................................................... 33

3 A ESPERANÇA DE UMA NAÇÃO ................................................. 33

3.1 D. Sebastião, o Desejado................................................................ 33

3.2 Surgimento do Sebastianismo......................................................... 35

3.3 Evolução do mito ............................................................................. 35

CAPÍTULO IV – SEBASTIANISMO EM MENSAGEM ............................ 37

CONCLUSÃO.......................................................................................... 42

REFERÊNCIAS ....................................................................................... 43

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INTRODUÇÃO

Fernando Pessoa e suas obras são tão ricos que apenas um semestre

de aulas de Literatura Portuguesa na faculdade não foram suficientes para

decifrá-los inteiramente. A ideia da realização do trabalho surgiu como uma

tentativa de complementar aquilo que não foi bem esclarecido naquela ocasião.

O objetivo principal deste trabalho é ressaltar a importância do mito

sebastianista para os portugueses e sua evolução através dos tempos, mas

principalmente na obra de Fernando Pessoa. Procura também identificar a

importância da obra de Pessoa, não só para a recuperação da identidade

nacional dos portugueses, mas como uma reflexão sobre a realização dos

sonhos de cada homem, não importando sua nacionalidade. Consiste em

investigar acontecimentos e processos através da leitura de alguns poemas de

Mensagem, para caracterizar o momento político, histórico e social de Portugal

no início do século XX e a importância deste contexto para a realização da

obra.

Outro objetivo, não menos importante, do trabalho é destacar na obra de

Fernando Pessoa a utilização de elementos que fazem com que seus escritos

ganhem notoriedade, fazendo com que a língua portuguesa seja apreciada em

todas as nações que se utilizam dela ou não, pois sua obra Mensagem não foi

traduzida para outros idiomas a pedido do próprio autor. Um desses elementos

é a utilização da figura de reis portugueses, dentre eles d. Sebastião, o

Desejado, que tornou esta obra tão popular em Portugal.

Este trabalho foi realizado através de uma intensa pesquisa bibliográfica,

através de livros encontrados na biblioteca do Centro Universitário

Unisalesiano de Lins ou encomendados em sebos através da internet. Foram

utilizados textos, fotografias e documentos históricos.

Também foram aproveitadas fotografias elaboradas pelos autores em

uma visita ao Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em 20 de

novembro 2010. Nessa oportunidade, foi visitada a exposição “Fernando

Pessoa, plural como o universo”, tendo Carlos Felipe Moisés e Richard Zenith

responsáveis pela curadoria. Esta exposição consistia na reunião de fotos,

materiais multimídia e documentos históricos sobre o poeta Fernando Pessoa.

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O trabalho foi dividido em quatro capítulos.

O Capítulo I, intitulado “Fernando Pessoa”, trata-se do grande poeta

português. Apresenta alguns dados biográficos dele e de seus heterônimos,

informações sobre suas obras e análises de alguns poemas.

O Capítulo II faz uma introdução de uma das obras de Pessoa –

Mensagem. Além de explicar o contexto em que a obra foi escrita, traz

informações de ordens críticas, estilísticas e estruturais sobre ela.

No Capítulo III, o trabalho tem por objetivo relatar sobre a vida do rei d.

Sebastião e ressaltar sua importância para a nação portuguesa. Explana sobre

o mito sebastianista, desde sua origem até sua evolução através dos tempos.

No capítulo IV exemplifica o uso do mito sebastianista na obra de

Fernando Pessoa, através de análises das principais poesias do livro

Mensagem.

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CAPÍTULO I

FERNANDO PESSOA

1 O POETA FINGIDOR

1.1. Vida

Fernando Antônio Nogueira de Seabra Pessoa nasceu na cidade

portuguesa de Lisboa, a 13 de junho de 1888. Ao lado de Luis Vaz de Camões

e Antero de Quental, Pessoa figura entre os maiores nomes da literatura

portuguesa.

Seu pai, Joaquim de Seabra Pessoa, faleceu antes mesmo que ele

completasse seis anos de idade. Dois anos depois, sua mãe, Maria Madalena,

casou-se com um comandante que acabara de ser nomeado cônsul em

Durban. Sendo assim, a família mudou-se para a África do Sul, onde o escritor

viveu por dez anos e completou o ensino primário e secundário. Os primeiros

poemas de sua autoria foram escritos em língua inglesa. Foi ainda em Durban

que Pessoa adquiriu a base de sua cultura literária, com autores como Milton,

Shelley, Keats, Shakespeare, Tennyson, Pope, entre outros. Também teve

influências de cultura clássica, pois o Latim e o Grego eram matérias

obrigatórias no currículo escolar.

Ao terminar seus estudos, Pessoa resolveu regressar sozinho a Portugal

em 1905, surpreendendo toda a família. Foi assim que o escritor redescobriu

sua cultura, principalmente com as influências da poesia de Cesário Verde,

Antônio Nobre, Antero de Quental, Camilo Pessanha e Luis Vaz de Camões

(acima de todos).

Colaborou com a revista Águia. Em uma de suas publicações nesta

revista, destacou-se a série de artigos intitulada A nova poesia portuguesa, na

qual anunciou o aparecimento de um poeta supremo, que ousaria deixar

Camões em segundo plano. A que tudo indica, esse tal poeta citado no artigo

era o próprio Pessoa, que publicou posteriormente o livro de poesias

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Mensagem, que estaria à altura dessa ambição. Em 1915, publicou a revista

Orpheu, grande marco para o Modernismo português.

Teve um breve período de namoro epistolar com Ophelia de Queirós,

entre os anos de 1920 e 1921. Eles mal se avistavam. O desenvolvimento do

namoro aconteceu somente através das cartas que Pessoa escreveu. Estas

foram divulgadas por Ophelia em 1978. Eles tentaram retomar o namoro em

1929, mas romperam de vez em 1930.

Em 1935, Pessoa foi internado no hospital São Luís, em Lisboa, com

quadro de cirrose, provocada por excesso de bebida. No dia 30 de novembro

daquele ano, já impossibilitado de falar, pediu um pedaço de papel no qual

escreveu uma frase em inglês erudito: “I know not what tomorrow will bring” (Eu

não sei o que o amanhã trará). Esta foi sua ultima ação, pois horas depois, o

poeta veio a óbito.

Fonte: Elaborada pelos autores, Museu da Língua Portuguesa, 2010.

Figura 1: Fernando Pessoa

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1.2. Obra

Fernando Pessoa deixou obras de grande valor literário, escritas por ele-

mesmo ortônimo (dentre elas está o livro Mensagem) e por 127 heterônimos

(destaque para Tabacaria e O guardador de rebanhos, escritos por Álvaro de

Campos e Alberto Caeiro respectivamente).

1.3. Heterônimos

Existem diferenças entre heterônimo e pseudônimo. Um escritor utiliza-

se de pseudônimo para esconder sua identidade, enquanto o heterônimo é um

ser completamente diferente, com biografia e personalidade próprias.

Fernando Pessoa é, na literatura mundial, o único caso de heteronímia.

Dentre os 127 heterônimos dele, destacam-se Álvaro de Campos, Ricardo Reis

e, principalmente, Alberto Caeiro, que foi até venerado como mestre pelos

outros heterônimos e pelo próprio Pessoa.

Cada um de seus heterônimos herdou uma característica de Alberto

Caeiro. Ricardo Reis herdou e intensificou o paganismo e Álvaro de Campos

desenvolveu a parte sentimental.

Além de outros heterônimos de menor importância, Fernando Pessoa

criou Bernardo Soares, considerado um semi-heterônimo.

José de Nicola e Ulisses Infante (1988, p. 27-9) traçaram um breve perfil

sobre os heterônimos de Fernando Pessoa.

1.3.1. Alberto Caeiro

Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa, no dia 16 de abril de 1889, e

morreu no ano de 1915, vítima de tuberculose. Vivia com sua tia, pois era órfão

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tanto de pai quanto de mãe. Só tinha instrução primária e escrevia mal a língua

portuguesa.

Suas características literárias são o objetivismo, o paganismo, o

sentimentalismo e o bucolismo.

Poemas completos de Alberto Caeiro é constituído por 104 poemas, 49

desses no famoso O guardador de rebanhos. Eis o poema IX desta obra:

Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz. (PESSOA, 2010, O.P. II, p. 51-2)

Neste poema, Caeiro revela-se “um poeta cuja visão de mundo não era

visão de mundo, e sim sensação do mundo.” (NICOLA; INFANTE, 1988, p. 31).

Todo o conhecimento de mundo do poeta se estabelece através das

sensações.

Há metafísica bastante em não pensar em nada. O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. (...) (PESSOA, 2010, O.P. II, p. 39)

Neste pequeno trecho do poema V de O guardador de rebanhos, é

possível encontrar a visão de um poeta que não considera o pensamento tão

importante na vida. “Não pensar é a maneira mais sábia de viver.” (NICOLA;

INFANTE, 1988, p. 37)

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Fonte: NICOLA; INFANTE, 1988, p. 22

Figura 2: Alberto Caeiro, por Almada Negreiros

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1.3.2. Álvaro de Campos

Álvaro de Campos nasceu no dia 15 de outubro de 1890 em uma cidade

do extremo sul de Portugal chamada Tavira. Não teve morte datada por

Fernando Pessoa. Formou-se em Engenharia Naval na Escócia, mas vive

inativo, pois “jamais poderia se submeter às quatro paredes de um escritório.”

(NICOLA; INFANTE. 1988, p. 27)

É um poeta com visões futuristas e das novidades industriais. É

considerado o poeta do não. Jane Tutikian (PESSOA, O.P. IV, 2010, p. 23)

escreveu uma introdução na qual revela que o próprio Fernando Pessoa disse

na famosa carta ao crítico Adolfo Casais Monteiro, que colocou em Álvaro de

Campos toda a emoção que não havia dado nem a ele mesmo, nem à vida.

Dentre suas poesias de destaque estão Ode Triunfal e Tabacaria.

Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo. Janelas do meu quarto, Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe

[quem é (E se soubessem quem é, o que saberiam?), Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente. Para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa, Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres, Com a morte a pôr umidade nas paredes e cabelos brancos nos

[homens Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada. Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade. Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer, E não tivesse mais irmandade com as coisas Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada De dentro da minha cabeça, E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida. Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu. Estou hoje dividido entre a lealdade que devo À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora, E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro (...) (PESSOA, 2010, O.P. IV, p. 160-1)

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O poema Tabacaria faz alusão ao tédio da inutilidade e aos sonhos não

realizados. Mostra uma pessoa que está dividida entre a fantasia e a realidade,

mas que vive um momento de extravasamento de emoções.

Fonte: NICOLA; INFANTE, 1988, p. 24

Figura 3: Álvaro de Campos, por Almada Negreiros

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1.3.3. Ricardo Reis

Ricardo Reis nasceu na cidade do Porto, a 19 de setembro de 1887.

Assim como Álvaro de Campos, não teve sua morte datada por Pessoa, mas o

escritor José Saramago a fez, em O ano da morte de Ricardo Reis: 1936. O

trecho abaixo, retirado da obra de Saramago, expressa o momento em que

Fernando Pessoa leva Ricardo Reis para “a terra que o espera”:

Saíram de casa, Fernando Pessoa ainda observou, Você não trouxe chapéu, Melhor do que eu sabe que não se usa lá. Estavam no passeio do jardim, olhavam as luzes pálidas do rio, a sombra ameaçadora dos montes. Então vamos, disse Fernando Pessoa, Vamos, disse Ricardo Reis. O Adamastor não se voltou para ver, parecia-lhe que desta vez ia ser capaz de dar o grande grito. Aqui, onde o mar se acabou e a terra espera. (SARAMAGO, 1988, p. 427)

Estudou em colégio jesuíta e formou-se em Medicina. Exilou-se no

Brasil, por defender a Monarquia ao invés da República que se estabelecera

em Portugal.

Dentre suas características principais estão o paganismo e o epicurismo

(carpe diem, não temer a morte e fugir da dor).

Tão cedo passa tudo quanto passa! Morre tão jovem ante os deuses quanto Morre! Tudo é tão pouco! Nada se sabe, tudo se imagina. Circunda-te de rosas, ama, bebe E cala. O mais é nada. (PESSOA, O. P. III, 2010, p.15)

As poesias de Ricardo Reis remetem-se ao carpe diem do poeta latino

Horácio, pois existe uma preocupação com efemeridade da vida. Suas poesias

também são marcadas pelo paganismo, pois Reis acredita na presença dos

deuses.

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Fonte: NICOLA; INFANTE, 1988, p. 22

Figura 4: Ricardo Reis, por Almada Negreiros

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1.4. Pessoa ortônimo

A poesia assinada por Fernando Pessoa ele-mesmo – ou Fernando

Pessoa ortônimo (expressão criada pelo próprio poeta) – escrita em língua

portuguesa deve ser divida em poesia lírica e poesia saudosista-nacionalista.

1.4.1. Poesia lírica

A poesia lírica de Pessoa está reunida nos livros Cancioneiro e Quadras

ao gosto popular, e “revela-nos um poeta que retoma alguns temas, ritmos e

formas tradicionais e populares do lirismo português” (NICOLA; INFANTE,

1988, p. 85). O exemplo mais visível desse resgate às formas tradicionais está

no próprio livro Cancioneiro.

“Em Cancioneiro encontramos desde poesias que apresentam uma

reflexão sobre a própria arte poética e sobre o papel desempenhado pelo

artista a poesias que sondam o eu-profundo” (NICOLA; INFANTE, 1988, p. 85)

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que lêem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama o coração. (PESSOA, Poesias, 2010, p. 42)

Este é o famoso poema “Autopsicografia”, que questiona toda a criação

artística, particularizando a criação literária. “O artista transforma-se num

criador de mundos, de sonhos, de ilusões, de verdades.” (NICOLA; INFANTE,

1988, p. 98)

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1.4.2. Poesia saudosista-nacionalista

Portugal foi tomado pela poesia saudosista-nacionalista durante as

crises do primeiro período republicano. O misticismo nacionalista é

representado por uma volta ao passado, buscando Portugal em seu período de

formação. “A identificação com o mar, o período das Grandes Navegações, o

profetismo sebastianista e o sonho de um império grande, que não admite o

meio termo – é o todo ou o nada.” (NICOLA; INFANTE, 1988, p. 83)

Porque é do portuguez, pae de amplos mares, Querer, poder só isto: O inteiro mar, ou a orla vã desfeita – O todo, ou o seu nada. (PESSOA, 1954, p. 39)

A poesia saudosista-nacionalista é fortemente representada pela obra

Mensagem.

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CAPÍTULO II

MENSAGEM

2 PORTUGAL POR FERNANDO PESSOA

2.1. Contexto histórico

Carlos Felipe Moisés (2000, p. 11) descreve um dos episódios mais

humilhantes da história de Portugal, que ocorreu quando Fernando Pessoa

tinha apenas dois anos de idade. Este episódio aconteceu no dia 11 de janeiro

de 1890 e ficou conhecido como Ultimatum. Os britânicos exigiram que as

tropas portuguesas se retirassem da região do Xire, no continente africano, ou

a Grã-Bretanha declararia guerra a Portugal. O governo não teve alternativa

que não fosse baixar a cabeça e obedecer. Isso teve um ponto positivo para

Portugal, que não se envolveu na Primeira Guerra Mundial como as demais

potências como Alemanha, Itália e França.

Mas Ultimatum fez renascer uma luta política em Portugal e estremeceu

as estruturas da Monarquia, que veio a ruir em 1910, com a proclamação da

República, no dia 5 de outubro.

Com um país dividido e mergulhado na crise, uma revolução liderada

pelo general Gomes da Costa criou, em maio de 1926, a chamada República

Unitária e Corporativa. Isso abriu caminho para que Antônio de Oliveira Salazar

estabelecesse o regime ditatorial salazarista, que teve início em 1933. Apesar

da ditadura, Portugal viveu um período de estabilidade financeira.

Salazar foi afastado do governo em 1968, devido a uma queda que ele

sofreu de uma cadeira, e morreu em 1970. O regime salazarista só teve fim em

1974, com a Revolução dos cravos. Desses longos anos de ditadura, Fernando

Pessoa viveu apenas o início, pois morreu em 1935, aos 47 anos.

Estes acontecimentos foram muito importantes para a elaboração de

Mensagem, pois alguns de seus poemas têm como tema a decadência vivida

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em Portugal no início do século XX e a insistente procura por um espírito de

patriotismo dos portugueses.

Fonte: LANCASTRE, 1986, p.127

Figura 5: Portugal em 1910

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2.2. Introduzindo a obra

Mensagem é um livro de poemas com temas nacionalistas publicado em

1934 e escrito por Fernando Pessoa.

Mensagem foi elaborado ao longo de anos, de 1913 a 1934, e a sequência cronológica dos poemas não corresponde à sua ordenação no livro. Isto sugere que o poeta foi escrevendo poemas avulsos, anos a fio, e só a certa altura percebeu que todos tratavam da mesma matéria – a alma portuguesa através de sua história. (MOISÉS, 2000, p. 37-8)

Fonte: Museu da Língua Portuguesa, São Paulo, 2010. Foto tirada pelos próprios autores.

Figura 6: Publicação de Mensagem

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A distinção de Mensagem da maioria dos poemas épicos conhecidos e

que faz dela uma epopéia rara é o fato de interessar-se pelo futuro, e não pelo

passado. Embora haja uma simulação em falar, o tempo todo do passado,

Pessoa concentra-se com obsessão no que está por vir, dando à maior parte

de seus poemas um tom enigmático, como se estes acontecimentos fossem

sinais misteriosos que deveriam ser decifrados para prever o que estaria para

acontecer. Neste momento, podemos considerar o poeta como um visionário,

um poeta com alma de profeta. Ao longo do livro, pode-se observar um clima

de magia em torno de presságios e adivinhações, sugerindo que algo

grandioso está por vir.

Há algumas curiosidades sobre a obra. Antes de receber o título com

qual foi publicado, Mensagem chamava-se Portugal, e Carlos Felipe Moisés

(2000, p. 38), com base em afirmações de João Gaspar Simões, atribui a tal

mudança ao próprio poeta, que não achou “a sua obra à altura do nome da

Pátria” e por Mensagem “estar mais dentro da índole do trabalho e, ainda por

ter o mesmo número de letras”. Além do título, foram acrescentados mais três

poemas, passando de 41 para 44 ao todo.

No ano de publicação da obra, foi instituído pelo governo salazarista um

prêmio que fosse atribuído ao melhor livro de poesia nacionalista. Este foi o

prêmio denominado “Antero de Quental”.

No dia 31 de dezembro de 1934 foi divulgado o resultado. O júri atribuiu o prêmio ao livro Romaria, do padre franciscano Vasco Reis (...). O regulamento previa apenas um prêmio único, mas, na mesma nota, o júri fez saber que, à última hora, decidiu criar, para Mensagem, um prêmio de “segunda categoria”, por se tratar de “um alto poema de evocação e interpretação histórica, que tem sido merecidamente elogiado pela crítica”. (MOISÉS, 2000, p. 42)

O baiano André Luiz de Oliveira, cineasta, músico, intérprete e

compositor, sendo apaixonado por Fernando Pessoa desde a adolescência,

ousou enfrentar o desafio de musicar doze poemas de Mensagem. Ele

distribuiu por alguns poemas da obra, ritmos e melodias portugueses e

brasileiros, ao mesmo tempo, nascendo assim uma homenagem musical.

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Fonte: Elaborada pelos autores. Museu da Língua Portuguesa, 2010.

Figura 7: Manuscrito de Mensagem

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2.3. Estrutura da obra

O livro Mensagem é formado por 44 poemas. Esses poemas estão

distribuídos em três partes: Brasão, constituída por 5 seções e 19 poemas; Mar

portuguez, constituída por 12 poemas; O Encoberto, constituída por 3 seções e

13 poemas. Cada uma dessas partes retrata um dos momentos históricos de

Portugal.

A primeira parte lida com as origens de Portugal e chega até o início da expansão marítima. “Brasão”, portanto, retrata aquela fase em que Portugal define a sua nacionalidade e em seguida expande o seu território, primeiro no continente europeu, depois mar afora. A segunda parte, como o título sugere, lida com as grandes viagens e com a amplidão marítima, descortinada pelos portugueses no seu apogeu. A terceira parte se fixa na figura de d. Sebastião e abrange desde o seu desaparecimento até a atualidade, correspondendo à fase de decadência da nação. (MOISÉS, 2000, p. 50-1)

Fonte: MOISÉS, 2000, p. 52

Figura 8: Brasão português.

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PARTES SEÇÕES POEMAS I. Brasão Os campos

Os castelos As quinas A coroa O timbre

1º: O dos castelos 2º: O das quinas 1º: Ulisses 2º: Viriato 3º: O conde d. Henrique 4º: D. Tareja 5º: D. Afonso Henrique 6º: D. Dinis 7º: (I) D. João o Primeiro 7º: (II) D. Filipa de Lencastre 1º: D. Duarte, rei de Portugal 2º: D. Fernando, infante de Portugal 3º: D. Pedro, regente de Portugal 4º: D. João, infante de Portugal 5º: D. Sebastião, rei de Portugal Nun’Álvares Pereira A cabeça do grifo: o infante D.

Henrique Uma asa do grifo: D. João o Segundo A outra asa do grifo: Afonso de

Albuquerque. II. Mar Português I. O infante

II. Horizonte III. Padrão IV. O monstrengo V. Epitáfio de Bartolomeu Dias VI. Os colombos VII. Ocidente VIII. Fernão de Magalhães IX. Ascensão de Vasco da Gama X. Mar português XI. A última nau XII. Prece

III. O Encoberto Os símbolos Os avisos Os tempos

1º: D. Sebastião 2º: O Quinto Império 3º: O Desejado 4º: As ilhas afortunadas 5º: O Encoberto 1º: O Bandarra 2º: Antonio Vieira 3º: [‘Screvo meu livro à beira mágoa] 1º: Noite 2º: Tormenta 3º: Calma 4º: Antemanhã 5º: Nevoeiro

Fonte: MOISÉS, 2000, p. 48-9 Quadro 1: Estrutura de Mensagem

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2.4. Análise de poemas

Em alguns poemas de Mensagem, é possível encontrar elementos que

fazem alusões não apenas a história da nação portuguesa, mas que são de

igual convenção em qualquer nação do mundo, fazendo com que a obra tenha

caráter universal. Esta obra mostra que não se deve desistir dos ideais, assim

busca-se a coragem, a determinação e a esperança de alcançar os sonhos tão

almejados.

Ó mar salgado, quanto do teu sal São lagrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão resaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abysmo deu, Mas nelle é que espelhou o céu. (PESSOA, 1954, p. 68)

Em Mar portuguez, que constitui a 2ª parte da obra, o mar é usado como

uma entidade divina. Ele simboliza as lágrimas dos familiares dos navegantes

portugueses que saíam em busca de aventuras. O poema também traz uma

pergunta crucial: Depois de tanta dor e tanta luta, será que “valeu a pena”?

Deus quere, o homem sonha, a obra nasce. Deus quiz que a terra fosse toda uma, Que o mar unisse, já não separasse. Sagrou- te, e foste desvendando a espuma, E a orla branca foi de ilha em continente, Clareou, correndo, até o fim do mundo, E viu-se a terra inteira, de repente, Surgir, redonda, do azul profundo. Quem te sagrou creou-te portuguez. Do mar e nós em ti nos deu signal. Cumpriu-se o Mar, e o Imperio se desfez. Senhor, falta cumprir-se Portugal! (PESSOA, 1954, p. 55)

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Esse poema faz menção ao infante d. Henrique (1394-1460) que foi o

grande incentivador para as expansões marítimas portuguesas. Para o poeta, a

vontade de Deus foi determinante para que o sonho do infante se

transformasse em realidade, no caso, as navegações. Em outras palavras, o

poeta juntou a vontade divina ao sonho humano para que isso se realizasse.

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra, Define com perfil e ser Este fulgor baço da terra Que é Portugal a entristecer – Brilho sem luz e sem arder, Como o que o fogo-fatuo encerra. Ninguem sabe que coisa quere. Ninguem conhece que alma tem, Nem o que é mal nem o que é bem. (Que ancia distante perto chora?) Tudo é incerto e derradeiro. Tudo é disperso, nada é inteiro. Ó Portugal, hoje és nevoeiro... É a Hora! (PESSOA, 1954, p. 102)

No ultimo poema do livro, intitulado “Nevoeiro”, o poeta faz uma

insinuação de que ele é o terceiro a avisar sobre a volta do Encoberto, sendo o

primeiro Bandarra e o segundo Padre Antônio Vieira, alertando que Portugal

deixe para trás o passado e busque o presente. A nação precisa atravessar o

nevoeiro em que se encontra, para alcançar a “Hora”.

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CAPÍTULO III

SEBASTIANISMO

3 A ESPERANÇA DE UMA NAÇÃO

3.1. D. Sebastião, o Desejado

Nascido a 20 de janeiro de 1554, d. Sebastião era filho do Príncipe d.

João e neto do rei d. João III, foi coroado com apenas três anos de idade.

Em 20 de janeiro de 1554, quando nasceu d. Sebastião, as ruas de Lisboa se encheram de louvações e agradecimentos a Deus pelo envio de um herdeiro para o reino, poucos dias depois do falecimento de seu pai, o príncipe d. João. Tanto nos púlpitos como nas procissões os portugueses procuravam demonstrar aos céus sua infinita gratidão pela chegada daquele que, mais uma vez, reafirmaria a soberania de Portugal frente a Castela, ancestral postulante a direitos sucessórios da monarquia lusitana. (HERMANN, 1998, p. 17)

Fonte: Wikipedia, <http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rei_D._Sebastião.jpg>

Figura 9: D. Sebastião, rei de Portugal

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Aos 14 anos, foi declarado maior, e assim, assumiu o trono português.

Era um rei justo e um homem de bem. Preocupava-se com seus vassalos. Um

de seus principais objetivos era instalar o império português no norte da África

e combater os muçulmanos disseminando o cristianismo.

Ao assumir o trono, começou o seu projeto de guerra contra os mouros.

Mas no dia 4 de agosto de 1578, seu exército de 15 mil homens foi arrasado

pelas forças superiores do sultão Moulay Abd al-Malik, no que foi conhecida

como batalha de Alcácer-Quibir. Nessa batalha, o rei d. Sebastião desapareceu

misteriosamente e seu corpo jamais foi encontrado.

O fato de o rei não deixar herdeiros facilitou para que a Espanha

tomasse Portugal como sua colônia em 1580, após a morte do cardeal d.

Henrique, tio-avô de d. Sebastião. Essa situação durou sessenta anos. A

esperança que o povo tanto depositou na figura do Desejado, ironicamente

voltou-se contra eles mesmos.

Fonte: HERMANN, 1998, p. 119

Figura 10: Representação da batalha de Alcácer-Quibir

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3.2. Surgimento do Sebastianismo

Logo após o desparecimento do rei e a tomada do poder pelos

espanhóis, começaram a circular em Lisboa quadras populares de sentido

obscuro e messiânico, nas quais continham mistérios e presságios. Estas eram

atribuídas ao humilde sapateiro Gonçalo Eanes Bandarra, profetizavam graves

eventos políticos e a volta de d. Sebastião.

O povo começou a ver nessas quadras um aviso e uma profecia: d. Sebastião não estaria morto, apenas escondido; a fé dos portugueses estava sendo posta à prova. Se passassem pela prova, teriam de volta d. Sebastião e Portugal recuperaria o esplendor momentaneamente perdido. (MOISÉS, 2000, p. 17)

Também faziam uma analogia às profecias bíblicas de Daniel sobre o

Quinto Império, que seria o império definitivo de Cristo na Terra, e que Portugal

seria sua sede. Tais profecias eram extraídas do Antigo Testamento, como o

próprio Bandarra afirma:

Muitos podem responder E dizer: Com que prova o sapateiro Fazer isto verdadeiro Ou como isto pode ser? Logo quero responder Sem me deter. Se lerdes as profecias De Daniel e Jeremias Por Esdras o podeis ver. (AZEVEDO, 1947, p. 12)

3.3. Evolução do mito

O Sebastianismo parecia ser apenas uma crendice popular, mas acabou

ganhando repercussão até tornar-se um mito de dimensões nacionais,

atingindo todas as classes sociais: do mais simples trabalhador até as pessoas

mais cultas como o religioso, escritor e orador português Padre Antônio Vieira

(1608 – 1697), que se intitulava sebastianista fervoroso.

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A persistência do messianismo, por tão longo tempo, e sempre o mesmo na expressão, a animar a mentalidade de um povo, é fenómeno que, excluída a raça hebraica, não tem igual na história. Enxertado no fundo de poesia imanente no carácter nacional, pode-se dizer que nele definitivamente se integrou. Ninguém acredita já que D. Sebastião venha a ressuscitar; mas, poder-se-á dizer que desapareceu de todo o sebastianismo? Nascido da dor, nutrindo-se da esperança, ele é na história o que é na poesia a saudade, uma feição inseparável da alma portuguesa. (AZEVEDO, 1947, p 7-8)

Após a saída dos espanhóis da realeza portuguesa e a reforma proposta

pelo Marques de Pombal, o Sebastianismo começou a entrar em declínio, mas

nunca veio a desaparecer.

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CAPÍTULO IV

SEBASTIANISMO EM MENSAGEM

Mesmo havendo as profecias bíblicas de Daniel em relação ao Quinto

Império, profecias estas associadas pelo Padre Antonio Vieira ao

Sebastianismo, Pessoa considerava-se um sebastianista racional, portanto,

neste momento, sua visão não era mística nem visionária. Sendo assim, Carlos

Felipe Moisés (2000, p. 81) afirma que o próprio Sebastianismo entraria em

Mensagem como meros símbolos poéticos, não devendo ser tomados ao pé da

letra, pois a história de Portugal e de toda a humanidade, representadas

metaforicamente está mais para antropologia cultural do que para a profecia

messiânica.

Triste de quem vive em casa, Contente com seu lar, Sem que um sonho, no erguer de asa, Faça até mais rubra a brasa Da lareira a abandonar! Triste de quem é feliz! Vive porque a vida dura. Nada na alma lhe diz Mais que a lição da raiz – Ter por vida a sepultura. Eras sobre eras se somem No tempo em que eras vem. Ser descontente é ser homem. Que as forças cegas se domem Pela visão que a alma tem! E assim, passados os quatro Tempos do ser que sonhou, A terra será theatro Do dia claro, que no atro Da erma noite começou. Grecia, Roma, Christandade, Europa – os quatro se vão Para onde vae toda edade. Quem vem viver a verdade Que morreu D. Sebastião? (PESSOA, 1954, p. 80-1)

Essa é uma clara referência às profecias de Daniel. O Quinto Império

surgiria como o definitivo de Cristo na Terra, depois dos quatro grandes

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impérios da humanidade: Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma. Na visão

sebastianista, o quinto seria Portugal, com a ressurreição de d. Sebastão, que

reinaria esse império ao lado de Jesus Cristo.

Mas na poesia, Pessoa faz referências aos impérios da civilização

ocidental-cristã, como bem explica Carlos Felipe Moisés (2000, p. 77): a Grécia

é o berço da filosofia, do pensamento humano; Roma, o império pagão; a

Cristandade representa o império que intensificou as navegações durante o

Renascimento, e que tinha por objetivo cristianizar o mundo; a Europa

representa a Inglaterra, sede do império britânico, de onde se originou

mercantilismo moderno.

Abaixo seguem três poesias que compõem a parte intitulada “O

Encoberto” na seção “Avisos”:

Sonhava, anonymo e disperso, O Imperio por Deus mesmo visto, Confuso como o Universo E plebeu como Jesus Christo. Não foi nem santo nem heroe, Mas Deus sagrou com Seu signal Este, cujo coração foi Não portuguez mas Portugal. (PESSOA, 1954, p. 89)

O sapateiro Bandarra foi o autor do primeiro aviso, do surgimento do

Quinto Império. Esta poesia declara que nas profecias do sapateiro de

Trancoso, o Messias que estaria por vir não buscaria a glória para si, mas

governaria em função da nação portuguesa.

O céu strella o azul e tem grandeza. Este, que teve a fama e à glória tem, Imperador da lingua portuguesa, Foi-nos um céu tambem. No immenso espaço seu de meditar, Constellado de fórma e de visão, Surge, prenuncio claro do luar, El-Rei D. Sebastião. Mas não, não é luar: é luz do ethereo. É um dia; e, no céu amplo de desejo, A madrugada irreal do Quinto Imperio Doira as margens do Tejo. (PESSOA, 1954, p. 90)

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Considerado por Fernando Pessoa e pela maioria dos estudiosos como

o grande mestre da língua portuguesa, padre Antonio Vieira foi o autor segundo

aviso sobre o Quinto Império. Diz que este surgiria como uma luz etérea

refletida às margens do rio Tejo.

Screvo meu livro à beira-magua. Meu coração não tem que ter. Tenho meus olhos quentes de água. Só tu, Senhor, me dás viver. Só te sentir e te pensar Meus dias vacuos enche e doura. Mas quando quererás voltar? Quando é o Rei? Quando é a Hora? Quando virás a ser o Christo De a quem morreu o falso Deus, E a dispertar do mal que existo A Nova Terra e os Novos Céus? Quando virás, ó Encoberto, Sonho das eras portuguez, Torna-me mais que o sopro incerto De um grande anceio que Deus fez? Ah, quando quererás, voltando, Fazer minha esperança amor? Da nevoa e da saudade quando? Quando, meu Sonho e meu Senhor? (PESSOA, 1954, p. 91-2)

O poeta refere-se a ele mesmo, sendo o sucessor de Bandarra e padre

Vieira. Nesta poesia, o terceiro aviso, Pessoa confirma alusões às profecias de

Daniel.

Além de alusões ao Quinto Império, outras poesias de Mensagem

exaltam a figura do rei d. Sebastião:

Levando a bordo El-Rei D. Sebastião, E erguendo, como um nome, alto o pendão Do Imperio, Foi-se a ultima nau, ao sol aziago Erma, e entre choros de ancia e de presago Mysterio. Não voltou mais. A que ilha indescoberta Aportou? Voltará da sorte incerta Que teve? Deus guarda o corpo e a fórma do futuro, Mas Sua luz projecta-o, sonho escuro E breve.

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Ah, quanto mais ao povo a alma falta, Mais a minha alma atlantica se exalta E entorna, E em mi, num mar que não tem tempo ou spaço, Vejo entre a cerração teu vulto baço Que torna. Não sei a hora, mas sei que ha a hora, Demore-a Deus, chame-lhe a alma embora Mysterio. Surges ao sol em mim nevoa finda: A mesma, e trazes o pendão ainda Do Imperio. (PESSOA, 1954, p. 70)

O desaparecimento de d. Sebastião é um mistério. Nesta poesia

percebe-se claramente a esperança que o povo deposita na volta de um

Messias, que fará de Portugal um império.

Louco, sim, louco, porque quiz grandeza Qual a Sorte a não dá. Não soube em mim minha certeza; Porisso onde o areal está Ficou meu ser que houve, não o que ha. Minha loucura, outros que me a tomem Com o que nella ia. Sem a loucura que é o homem Mais que a besta sadia, Cadaver addiado que procria?

(PESSOA, 1954, p. 40)

Este poema é narrado em 1ª pessoa, no qual d. Sebastião tenta justificar

a loucura de buscar uma vida além da mediocridade, pois ele abominava a

ideia de estar morto em vida. Seu sonho era dominar terras para transformar

Portugal em um grande império, como antigamente.

Onde quer que, entre sombras e dizeres, Jazas, remoto, sente-te sonhado, E ergue-te do fundo de não-seres Para teu novo fado! Vem, Galaaz com patria, erguer de novo, Mas já no auge da suprema prova, A alma penitente do teu povo À Eucharistia Nova. Mestre da Paz, ergue teu gladio ungido, Excalibur do Fim, em geito tal Que sua Luz ao mundo dividido Revele o Santo Gral! (PESSOA, 1954, p. 82)

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Nesta poesia, Pessoa faz algumas referências à história de Galahad e o

Ciclo da Távola Redonda. Para isso utiliza-se do símbolo do Santo Graal, para

demonstrar a esperança do povo português na volta de um Messias.

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CONCLUSÃO

Apesar de o livro contar a história de Portugal, pode-se considerar que

esta obra é universal. Para Carlos Felipe Moisés (2000, p. 91) “Uma obra

universal não é aquela que volta as costas para as particularidades do seu

ambiente de origem [...], mas aquela que se concentra exatamente nessas

particularidades [...]”. Essa particularidade de Mensagem também faz com que

a língua e, sobretudo, a cultura portuguesa seja apreciada no mundo inteiro.

Fernando Pessoa tenta passar com o Sebastianismo uma “mensagem”

de otimismo aos portugueses que sofriam com a decadência de Portugal. Eles

acreditavam no advento do rei d. Sebastião, que havia desaparecido após uma

batalha no século XVI, e que com sua volta, levaria Portugal ao Quinto Império.

Para o poeta, não faz diferença se o mito fosse verdadeiro ou não, mas ele

utilizou-o como um mero símbolo, com o intuito de fazer com que os

portugueses recuperassem a identidade nacional que foi perdida ao longo dos

anos. Ele não utiliza esse símbolo para representar Portugal, mas sim

representar o homem em busca de seus ideais.

Para que o homem sobreviva, é preciso que ele sonhe e que este sonho

alimente suas esperanças. Pessoa poderia até saber que d. Sebastião nunca

retornaria, mas nem por isso perdeu a fé em ver Portugal buscar novos feitos,

grandes realizações, como na época em que os navegantes portugueses

desbravavam os mares. Esta é a grande diferença entre fantasia e realidade

que o autor expressa na obra.

A explicação para que o mito atravesse tantas gerações e mesmo assim

permaneça vivo em todos os corações é apenas uma: a crença e a esperança

dos homens é que fazem com que ele sobreviva.

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REFERÊNCIAS

AZEVEDO, João Lúcio de. A Evolução do Sebastianismo. 2ª Ed. Corrigida e simplificada. Lisboa: Livraria Clássica Editora, 1947. HERMANN, Jacqueline. No reino do Desejado: A construção do sebastianismo em Portugal (séculos XVI e XVII). São Paulo: Companhia das Letras, 1998. LANCASTRE, Maria José. Fernando Pessoa: uma fotobiografia. Imprensa Nacional, São Paulo, 1986. MOISÉS, Carlos Felipe. Roteiro de Leitura: Mensagem de Fernando Pessoa. São Paulo: Ática, 2000. NICOLA, José de; INFANTE, Ulisses. Como ler Fernando Pessoa. São Paulo: Scipione, 1988. PESSOA, Fernando. Mensagem. Lisboa: Ática, 1954. ______. Mensagem: Obra poética I; organização, introdução e notas Jane Tutikian. Porto Alegre: L&PM, 2010. ______. Odes de Ricardo Reis: Obra poética III; organização, introdução e notas Jane Tutikian. Porto Alegre: L&PM, 2010. ______. Poemas de Álvaro de Campos: Obra poética IV; organização, introdução e notas Jane Tutikian. Porto Alegre: L&PM, 2010. ______. Poemas de Alberto Caeiro: Obra poética II; organização, introdução e notas Jane Tutikian. Porto Alegre: L&PM, 2010. ______. Poesias; organização de Sueli Barros Cassol. Porto Alegre: L&PM, 2010. SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.

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SEABRA, José Augusto. Fernando Pessoa ou o Poetodrama. São Paulo: Editora Perspectiva S. A., 1974.