meningites bacterianas - diagnóstico e conduta

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ARTIGO DE REVISˆO S46 0021-7557/99/75-Supl.1/S46 Jornal de Pediatria Copyright ' 1999 by Sociedade Brasileira de Pediatria Resumo Objetivo: Apresentar conceitos atuais sobre diagnstico e tratamento de meningites bacterianas considerando agentes etiol- gicos, fisiopatologia, opıes antimicrobianas, antiinflamatrias e suportivas. MØtodos: Revisªo bibliogrÆfica utilizando o banco de dados MEDLINE abrangendo artigos publicados nos œltimos 10 anos. Um artigo clÆssico anteriormente publicado e captulos de livros-texto de doenas infecciosas foram tambØm includos. Resultados: A antibioticoterapia emprica inicial Ø efetuada com base na etiologia provÆvel de acordo com a idade. Na anÆlise microbiolgica do lquido cefalorraquidiano, a bacterioscopia pelo gram pode revelar a bactØria em 50%-80% dos casos, e a cultura em aproximadamente 85%. Os testes que detectam antgenos auxiliam no diagnstico, mas apresentam baixa sensibilidade. Na etiologia das meningites neonatais continua predominando a E. coli,o Streptococcus B ea Listeria monocytogenes. Aps esse perodo, a incidŒncia de meningites por Haemophilus influenzae b tem declinado significantemente desde a introduªo das vacinas conjugadas, enquanto o S. pneumoniae ea N. meningitidis seguem sendo freqüentes patgenos. Atualmente, as cefalosporinas de 3 a geraªo, ceftriaxona ou cefotaxima, constituem-se na antibiotico- terapia de eleiªo, sendo utilizadas em associaªo com ampicilina atØ os dois meses de idade e aps como monoterapia. A dexameta- sona tem mostrado eficÆcia na reduªo da resposta inflamatria e das seqüelas, principalmente seqüelas auditivas. Na terapŒutica de suporte, nªo hÆ vantagens com a restriªo hdrica. Conclusıes: O diagnstico precoce seguido de imediato incio da terapŒutica sªo fundamentais para o bom prognstico. Os novos conhecimentos sobre fisiopatologia, o surgimento de novos antibi- ticos e a crescente resistŒncia bacteriana tŒm provocado mudanas no tratamento. J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.1): S46-S56: meningite bacteriana, meningite meningoccica, meningite pneumoccica, meningite por Haemophilus. Abstract Objective: To present new concepts on diagnosis and treatment of bacterial meningitis regarding etiologic agents, pathophysiology and options about antimicrobial, antiinflammatory and supportive therapy. Methods: Bibliographic review from MEDLINE data includ- ing articles published during the last ten years. One classic article published before this period and chapters of textbooks on infectious diseases were also included. Results: Initial empirical antibiotic therapy is chosen according to probable etiologic agents for the age group. In the CSF micro- biological analysis, the gram stains can reveal bacteria in 50% to 80% of the cases and the culture in nearly 85%. The tests for detection of bacterial antigens are useful for the diagnosis but they present low sensitivity. The most common agents during the neonatal period continue to be E. coli, Streptococcus B and L. monocytogenes. Beyond this period, the incidence of meningitis by Haemophilus influenzae b had a significant decrease after the introduction of conjugate vaccines. However, S. pneumoniae and N. meningitidis continue to be frequent agents. Currently, the third- generation cephalosporins, ceftriaxone or cefotaxime, are the antibiotic therapy of choice. They are used with ampicillin up to two months of life and alone beyond this age. Dexamethasone has showed to be effective in reducing the inflammatory response and the sequelae, mainly the auditory sequelae. The fluid restriction doesnt offer advantages in the supportive care. Conclusions: Early diagnosis and prompt treatment are related to good outcome. The new insights on pathophysiology, the new antibiotics and the increasing bacterial resistance have determined changes in treatment. J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.1): S46-S56: meningitis bacterial, meningitis meningococcal, meningitis, pneumococcal meningitis, Haemophilus. Introduªo As meningites bacterianas caracterizam-se por um processo inflamatrio do espao subaracnideo e das membranas leptomenngeas (aracnide e pia-mater) que envolvem o encØfalo e a medula espinhal 1 . Embora reconhecida nos escritos de Hipcrates, a primeira descri- 1. Professora Assistente do Depto. de Pediatria da Univ. Federal de Santa Catarina. Mestre em Pediatria pela Univ. Federal de Sªo Paulo. 2. Professor Titular de Pediatria da Univ. Federal de Sªo Paulo Escola Paulista de Medicina. Professor Titular de MolØstias Infecciosas da Faculdade de Medicina de Marlia-Sªo Paulo. Presidente da Sociedade Latino-Americana de Infectologia PediÆtrica. Meningites bacterianas - diagnstico e conduta Bacterial meningitis diagnosis and treatment Sonia M. de Faria 1 , Calil K. Farhat 2

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Page 1: Meningites bacterianas - diagnóstico e conduta

S46 Jornal de Pediatria - Vol. 75, Supl.1, 1999

ARTIGO DE REVISÃO

S46

0021-7557/99/75-Supl.1/S46Jornal de PediatriaCopyright © 1999 by Sociedade Brasileira de Pediatria

ResumoObjetivo: Apresentar conceitos atuais sobre diagnóstico e

tratamento de meningites bacterianas considerando agentes etioló-gicos, fisiopatologia, opções antimicrobianas, antiinflamatórias esuportivas.

Métodos: Revisão bibliográfica utilizando o banco de dadosMEDLINE abrangendo artigos publicados nos últimos 10 anos.Umartigo clássico anteriormente publicado e capítulos de livros-textode doenças infecciosas foram também incluídos.

Resultados: A antibioticoterapia empírica inicial é efetuadacom base na etiologia provável de acordo com a idade. Na análisemicrobiológica do líquido cefalorraquidiano, a bacterioscopia pelogram pode revelar a bactéria em 50%-80% dos casos, e a culturaem aproximadamente 85%. Os testes que detectam antígenosauxiliam no diagnóstico, mas apresentam baixa sensibilidade. Naetiologia das meningites neonatais continua predominando a E.coli, o Streptococcus B e a Listeria monocytogenes. Após esseperíodo, a incidência de meningites por Haemophilus influenzae btem declinado significantemente desde a introdução das vacinasconjugadas, enquanto o S. pneumoniae e a N. meningitidis seguemsendo freqüentes patógenos. Atualmente, as cefalosporinas de 3a

geração, ceftriaxona ou cefotaxima, constituem-se na antibiotico-terapia de eleição, sendo utilizadas em associação com ampicilinaaté os dois meses de idade e após como monoterapia. A dexameta-sona tem mostrado eficácia na redução da resposta inflamatória edas seqüelas, principalmente seqüelas auditivas. Na terapêutica desuporte, não há vantagens com a restrição hídrica.

Conclusões:O diagnóstico precoce seguido de imediato inícioda terapêutica são fundamentais para o bom prognóstico. Os novosconhecimentos sobre fisiopatologia, o surgimento de novos antibi-óticos e a crescente resistência bacteriana têm provocadomudançasno tratamento.

J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.1): S46-S56: meningitebacteriana, meningite meningocócica, meningite pneumocócica,meningite por Haemophilus.

AbstractObjective:To present new concepts on diagnosis and treatment

of bacterial meningitis regarding etiologic agents, pathophysiologyand options about antimicrobial, antiinflammatory and supportivetherapy.

Methods: Bibliographic review from MEDLINE data includ-ing articles published during the last ten years. One classic articlepublished before this period and chapters of textbooks on infectiousdiseases were also included.

Results: Initial empirical antibiotic therapy is chosen accordingto probable etiologic agents for the age group. In the CSF micro-biological analysis, the gram stains can reveal bacteria in 50% to80% of the cases and the culture in nearly 85%. The tests fordetection of bacterial antigens are useful for the diagnosis but theypresent low sensitivity. The most common agents during theneonatal period continue to be E. coli, Streptococcus B and L.monocytogenes. Beyond this period, the incidence of meningitis byHaemophilus influenzae b had a significant decrease after theintroduction of conjugate vaccines. However, S. pneumoniae andN.meningitidis continue to be frequent agents.Currently, the third-generation cephalosporins, ceftriaxone or cefotaxime, are theantibiotic therapy of choice. They are usedwith ampicillin up to twomonths of life and alone beyond this age. Dexamethasone hasshowed to be effective in reducing the inflammatory response andthe sequelae, mainly the auditory sequelae. The fluid restrictiondoesn�t offer advantages in the supportive care.

Conclusions:Early diagnosis and prompt treatment are relatedto good outcome. The new insights on pathophysiology, the newantibiotics and the increasing bacterial resistance have determinedchanges in treatment.

J. pediatr. (Rio J.). 1999; 75 (Supl.1): S46-S56: meningitisbacterial, meningitis meningococcal, meningitis, pneumococcalmeningitis, Haemophilus.

IntroduçãoAs meningites bacterianas caracterizam-se por um

processo inflamatório do espaço subaracnóideo e dasmembranas leptomeníngeas (aracnóide e pia-mater) queenvolvem o encéfalo e a medula espinhal1. Emborareconhecida nos escritos de Hipócrates, a primeira descri-

1. Professora Assistente do Depto. de Pediatria da Univ. Federal de SantaCatarina. Mestre em Pediatria pela Univ. Federal de São Paulo.

2. Professor Titular de Pediatria da Univ. Federal de São Paulo �EscolaPaulista de Medicina. Professor Titular de Moléstias Infecciosas daFaculdade de Medicina de Marília-São Paulo. Presidente da SociedadeLatino-Americana de Infectologia Pediátrica.

Meningites bacterianas - diagnóstico e condutaBacterial meningitis � diagnosis and treatment

Sonia M. de Faria1, Calil K. Farhat2

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ção clínica e patológica de meningite bacteriana data doinício do século XIX. Durante mais de um século na erapré-antibióticos, as observações clínicas caracterizavam adoença pelo seu potencial endêmico e epidêmico, pelaincidência predominante em crianças e pelo seu cursoinvariavelmente fatal2.

Historicamente, nenhuma intervenção teve impactotão significante na evolução clínica das meningites bacte-rianas quanto o uso de agentes antimicrobianos. O sucessoinicial do emprego de sulfonamidas e penicilinas notratamento da doença3, seguido do cloranfenicol, dosagentes b-lactâmicos, monobactâmicos, carbapenens equinolonas, tem possibilitado a cura microbiológica damaioria das infecções do sistema nervoso central (SNC)2.

Entrentanto, a despeito do uso de novos e potentesantibióticos e de medidas avançadas de suporte utilizadasnas unidades de terapia intensiva, as meningites bacteria-nas ainda representam importante causa de morbidade emortalidade infantil. O crescente desenvolvimento deresistência bacteriana nos últimos anos tem contribuídopara dificultar o manejo da doença4. Por outro lado, abusca de modalidades terapêuticas adjuvantes com afinalidade de melhorar o prognóstico das meningites temdado origem a diversos estudos sobre a resposta inflama-tória meníngea induzida pelas bactérias e/ou seus produ-tos5-8. Com base nesses estudos, muitos achados clínicose seqüelas da doença, que durante muito tempo foramatribuídos à ação dos produtos tóxicos bacterianos, sãoagora considerados conseqüência da resposta inflamatóriado hospedeiro. Infelizmente, até o momento, poucosucesso clínico tem se obtido com a utilização de medidasque visam à regulação ou modulação da resposta inflama-tória meníngea.

As meningites bacterianas, portanto, continuam sendouniversalmente um grave problema de saúde pública. Nocontrole da doença, a medida mais eficaz desde o adventodos antibióticos foi introduzida no final da década de 80 enão está relacionada à terapêutica, mas à prevenção, maisespecificamente, ao uso das vacinas conjugadas contra oHaemophilus influenzae b (Hib). A eficácia de tal medidaé inquestionável e pode ser avaliada pela redução signifi-cante do número de casos de meningite por esse agente nospaíses em que as vacinas passaram a ser utilizadas rotinei-ramente1,4,9. Espera-se que, num futuro próximo, medi-das similares venham a ser utilizadas com êxito naprevenção das meningites determinadas por outras bacté-rias, como o meningococo e o pneumococo.

Etioepidemiologia

Qualquer bactéria pode produzir meningite num indi-víduo suceptível. Haemophilus influenzae tipo b, Neisse-ria meningitidis (meningococo) e Streptococcus pneumo-niae (pneumococo) são agentes responsáveis por aproxi-madamente 95% dos casos de meningite bacteriana apósos dois meses de idade, com incidência predominante dos

dois últimos nos locais onde a vacina contra Hib é usadade rotina1. Nos Estados Unidos (EUA), em 1986, oprincipal agente das meningites bacterianas em criançasera o Haemophilus b, responsável por aproximadamente45% dos casos. Após a drástica redução (aproximadamen-te 95%) na incidência das meningites por Hib determinadapelo uso da vacina, o principal agente etiológico demeningite bacteriana atualmente nos EUA é o pneumoco-co9,10. No Brasil, é observado um predomínio do menin-gococo como agente etiológico das meningites bacterianasem geral; no entanto, o Haemophilus b permanece comoimportante agente nas crianças menores de cinco anos deidade11, já que a vacina contra o Hib ainda não é utilizadarotineiramente no nosso meio.

No período neonatal, os patógenos mais envolvidos nagênese das meningites são Streptococcus do grupo B(Streptococcus agalactiae), Escherichia coli e Listeriamonocytogenes, raríssima entre nós, cuja incidência variade acordo com a área geográfica e socioeconômica estu-dada. Na América Latina, a Escheria coli e outros colifor-mes são os principais agentes etiológicos das meningitesneonatais, enquanto nos países da Europa e da América doNorte, o Streptococcus B é o agente predominante12.

A faixa etária de um a três meses é considerada comouma categoria especial, que pode ser definida quanto àetiologia como de transição, pois podem ser encontradosos patógenos do período neonatal, assim como aqueles quehabitualmente incidem em crianças após esse período, ouseja, Hib, meningococo e pneumococo13.Em nosso meioessa faixa se restringe ao período de um a dois meses.

O Haemophilus influenzae é um cocobacilo gram-negativo pequeno e pleomórfico. Apresenta-se sob aforma capsular com seis tipos antigênicos distintos (a-f),e não capsular. As formas invasivas de doença, incluindomeningites, são em geral determinadas por cepas capsula-res do tipo b, enquanto as cepas não capsulares estãohabitualmente envolvidas na etiologia de infecções respi-ratórias, como otite média, sinusite e bronquite. A infec-ção pelo Hib é mais freqüente em crianças com idade entretrês meses e três anos, sendo rara após os cinco anos.Crianças em creches ou vivendo em situações de aglome-rados humanos, assim como aquelas não amamentadascom leite materno, apresentam maior risco de infecçãopelo Hib. Anemia falciforme e outras asplenias, infecçãopelo HIV e outras situações de imunodeficiência sãoconsideradas condições predisponentes à doença14.

A Neisseria meningitidis é um diplococo gram-negati-vo com múltiplos sorogrupos causadores de doença inva-siva: A, B,C, X, Y, Z, W135 e L. Os sorogrupos B e Csão os responsáveis pela maioria dos casos de doençameningocócica, com maior prevalência, em geral, dosorogrupo B. O sorogrupo A tem sido associado a epide-mias da doença. A doençameningocócica pode ocorrer emqualquer idade; sendo, no entanto, mais freqüente emcrianças menores de cinco anos de idade. Indivíduos comdeficiência dos componentes da cadeia terminal do sistema

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de complemento (C5-9), deficiência de properdina eaqueles com asplenia anatômica ou funcional têm maiorrisco de desenvolver doença invasiva e recorrente pelomeningococo14.

O Streptococcus pneumoniae apresenta-se na colora-ção pelo gram como diplococo gram-positivo. Noventasorotipos de pneumococo são identificados, sendo quealguns prevalecem em adultos e outros são mais prevalen-tes em crianças. Os sorotipos 4, 6B, 9V, 14, 18 C, 19F e23F (Sistema de sorotipagem dinamarquês) são os quecausam com maior freqüência infecções invasivas emcrianças nos EUA14, embora não sejam necessariamenteos mesmos sorotipos prevalentes no Brasil15. As infecçõespneumocócicas podem ocorrer em qualquer idade, sendomais freqüentes em crianças de baixa idade (lactentesmenores de seis meses) e em idosos. Algumas condiçõessão consideradas predisponentes à infecção por esseagente, ex.: asplenia anatômica ou funcional (incluindoanemia falciforme), imunodeficiência congênita ou adqui-rida, síndrome nefrótico, insuficiência renal crônica,transplante de órgãos, diabetes mellitus, doença pulmonarcrônica, insuficiência cardíaca congestiva e pacientes comfístula liquórica, que tendem a apresentar meningite recor-rente por pneumococo14. Em relação a esse agente, agrande preocupação atual é com a crescente resistênciabacteriana desenvolvida nos últimos anos, inicialmente, àpenicilina e, em seguida, a outros antibióticos, inclusive àscefalosporinas de 3a geração. A prevalência de infecçõescausadas por pneumococo não suceptível à penicilina temaumentado assustadoramente nos EUA nos últimos cincoanos, com proporções que variam de 0 (zero) a 41% nosisolados em crianças. Dentre esses não sucetíveis à peni-cilina, 5 a 21% são resistentes (MIC > 2�g/ml)15. NoBrasil, os estudos sobre sensibilidade do pneumococo àpenicilina têm mostrado um percentual em torno de 20%de cepas com resistência intermediária (MIC variável de0,1 a 1,0 �g/ml) e um percentual relativamente baixo(<2%) de cepas altamente resistentes15,17,18.

FisiopatologiaMeningite bacteriana no recém-nascido em geral asso-

cia-se à sepse, sendo considerada condição predisponenteà sepse e meningite, à imaturidade fisiológica do sistemade defesa do hospedeiro nesse período da vida, sobretudodaqueles nascidos prematuramente. A fonte dos patógenosé habitualmente a mãe ou o ambiente pós-natal. As vias deinfecção são transplacentária (ex.: L. monocytogenes),vertical durante o parto (ex.: E. coli e Streptococcus B) ouhorizontal após o nascimento (ex.: infecções estafilocóci-cas adquiridas em berçários)12.

Após o período neonatal, as meningites bacterianasdeterminadas por Hib, meningococo e pneumococo têminício, em geral, com a colonização da mucosa do nasofa-ringe6,13. Eventualmente, a meningite pode ser conse-

qüência da invasão bacteriana a partir de um foco deinfecção contíguo ao SNC, por exemplo, mastoidite,sinusite e, raramente, otite média, já que nessa situação ameningite comumente é resultado de bacteremia1.

A colonização damucosa do nasofaringe determina umestado transitório de portador assintomático do agenteinfeccioso. Em raras ocasiões, as bactérias invadem acorrente sanguínea após vencerem as defesas locais dohospedeiro, representadas no nasofaringe pela atividadeciliar do epitélio respiratório e pela presença local de IgAsecretória. No processo de invasão da mucosa, as bacté-rias inicialmente secretam enzimas específicas (IgA pro-teases), que clivam e inativam a molécula de IgA local e,posteriormente, agridem as células epiteliais do aparelhorespiratório, determinando a perda da atividade ciliardesse epitélio. Em seguida, ligam-se seletivamente àscélulas epiteliais não ciliadas, sendo essa ligação depen-dente de estruturas presentes nas bactérias (fímbrias) e dereceptores presentes na superfície das células do hospedei-ro7,8.

Após a invasão da mucosa do nasofaringe, as bactériasentram no espaço intravascular e necessitam vencer outrasbarreiras do hospedeiro antes de penetrar no SNC. Nosangue, a linha de defesa mais importante é a atividadebactericida da via clássica do sistema complemento asso-ciada à atividade fagocitária dos neutrófilos. A habilidadeda bactéria de sobreviver na circulação está diretamenteassociada a sua cápsula de polissacáride, com proprieda-des antifagocitárias capazes de evitar as defesas do hospe-deiro nesse compartimento7,8. Os anticorpos séricos tam-bém têm atuação como elementos de defesa do hospedeiro.Como exemplo, citam-se os anticorpos dirigidos à cápsulade polissacáride. Como a cápsula bacteriana constitui-senum antígeno célula T-independente, a resposta imunoló-gica a ele dirigida não é adequada em crianças menores dedois anos de idade, o que pode contribuir para a maiorincidência de meningites bacterianas nesse grupo etário19.

O mecanismo de invasão do espaço subaracnóideo(ESA) pelas bactérias, assim como o sítio exato onde asmesmas penetram no SNC, não são ainda bem conhecidos.Alguns estudos têm sugerido que elas entram no SNC viaplexo coróide. É possível que as células do plexo coróidee as capilares cerebrais possuam receptores para aderênciadas bactérias, de forma que as mesmas possam sertransportadas para o ESA. Elementos da bactéria, como asfímbrias, aparecem como importante fator de virulênciana penetração do patógeno no SNC. Quando no ESA, asbactérias encontram condições extremamente favoráveis àsua replicação, uma vez que esse espaço é habitualmentedesprovido de qualquer mecanismo de defesa capaz decontrolar a infecção7,8.

Com a replicação das bactérias no ESA, as mesmasliberam componentes subcapsulares ativos, sendo os maisconhecidos e estudados o lipopolissacáride (endotoxina)das bactérias gram-negativas e os elementos da paredecelular das bactérias gram-positivas (peptidoglican e ácido

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teicóico). Essas substâncias, uma vez liberadas, estimu-lam as células cerebrais equivalentes aos macrófagos(astrócitos e células da microglia) e o endotélio capilarcerebral a produzirem citocinas, como Fator de NecroseTumoral (FNT) e interleucina 1 (IL-1), considerados osmediadores que desencadeiam a resposta inflamatóriameníngea20. Ambos, (FNT e IL-1) estimulam a adesão dosneutrófilos às células endoteliais e sua conseqüente passa-gem para o ESA. Na aderência dos neutrófilos ao endoté-lio, participam um grupo de glicoproteínas, as denomina-das moléculas de adesão, presentes tanto nos neutrófilosquanto no endotélio, que são ativadas pela IL-1 e FNT. Naevolução da resposta inflamatória, outros mediadores sãoem seguida liberados: outras interleucinas (IL-6, IL-8),fator ativador de plaquetas, metabólitos do ácido araqui-dônico e proteínas derivadas dos macrófagos7,8.

A resposta inflamatória induzida pelas bactérias deter-mina lesão do endotélio com alteração da permeabilidadeda barreira hematoencefálica, permitindo a passagem deproteínas séricas para o ESA e o conseqüente aparecimen-to de edema tipo vasogênico. Na gênese do edema cerebral

também participam os neutrófilos juntamente com asbactérias, através da liberação de substâncias tóxicas noESA (edema citotóxico) e na produção de exsudato infla-matório, que altera a dinâmica do líquido cefalorraquidi-ano (LCR), originando edema do tipo intersticial. Asdiferentes formas de edema cerebral são responsáveis poraumento da pressão intracraniana (PIC), que resulta emdiminuição da pressão de perfusão cerebral (PPC), comconseqüente hipoxemia e metabolismo anaeróbio. Esteúltimo, por sua vez, determina aumento da concentraçãode lactato e consumo de glicose (hipoglicorraquia)6-8.

À medida que a infecção progride, a auto-regulaçãovascular do SNC é perdida, tornando o fluxo sanguíneocerebral (FSC) diretamente dependente da pressão arterialsistêmica, de maneira que, a hipotensão sistêmica ocasio-na redução do FSC e isquemia tecidual. Em adição,vasculite e fenômenos trombóticos também presentes nasmeningites bacterianas podem levar a áreas de infartoisquêmico, reduzindo ainda mais o FSC. A interação detodos esses eventos pode culminar em dano cerebral focalou difuso e irreversível6-8 (Figura 1).

Figura 1 - Meningite Bacteriana � FisiopatologiaFonte: Modificado de Saéz-Llorens X & McCracken Jr GH13

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DiagnósticoClínicoO diagnóstico precoce e conseqüente instituição ime-

diata de terapêutica são condições imprescindíveis parareduzir a morbidade e mortalidade determinadas pormeningite bacteriana. A suspeita diagnóstica é feita napresença de sinais e sintomas clínicos que, em geral,traduzem a inflamação meníngea e suas conseqüências eque variam de acordo com a faixa etária acometida.

As crianças maiores (pré-escolares e escolares) costu-mam manifestar a doença com a clássica tríade: cefaléia,vômitos e febre, de início agudo ou insidioso, acompanha-da freqüentemente de fotofobia e queda do estado geral(sonolência, letargia). Ao exame físico em geral estãopresentes os sinais de irritação meníngea: rigidez de nuca,sinal de Brudzinski (flexão involuntária dos membrosinferiores quando o pescoço é fletido) e sinal de Kernig (aoflexionar a perna em ângulo de 90 graus com o quadril,torna-se impossível estendê-la a mais de 135 graus). Emlactentes os sintomas costumam ser inespecíficos, cha-mando atenção para o diagnóstico irritabilidade, apatia erecusa alimentar associados à febre. Os sinais de irritaçãomeníngea não são freqüentes nessa faixa etária e podemaparecer apenas em fase mais tardia da doença. Por outrolado, o aumento da pressão intracraniana, que é a regra emmeningite bacteriana e manifesta-se por cefaléia na crian-ça maior, em lactentes traduz-se por abaulamento dafontanela anterior e diástese de suturas. Em recém-nascidos, os sinais e sintomas de meningite são indistin-guíveis de sepse e outras enfermidades que ocorrem noperíodo neonatal, sendo freqüentes instabilidade térmica(hipo/hipertermia), dificuldade respiratória, letargia, re-cusa alimentar, icterícia, vômitos, não sendo comumenteobservados sinais meníngeos1,13,21-23.

Alterações da consciência que variam desde obnubila-ção até o coma podem estar presentes nas meningites emqualquer faixa etária, assim como sinais neurológicosfocais que, quando manifestos no momento do diagnósti-co, podem indicar pior prognóstico da doença. As convul-sões são relatadas em até 20 a 30% das crianças commeningite bacteriana na admissão e nos primeiros dias dehospitalização, mas não costumam estar relacionadas comprognóstico, desde que restritas ao período inicial dadoença1,22.

Dentre as manifestações sistêmicas associadas às me-ningites bacterianas, citam-se artralgias, mialgias, peté-quias ou púrpura e choque, que podem ocorrer comqualquer agente infeccioso, sendo porém significantemen-te mais freqüentes com meningococo1. A doença menin-gocócica pode se manifestar basicamente de três formas:a) meningite; b) meningococcemia; c) meningite e menin-gococcemia associadas. Os casos típicos de meningiteisoladamente são clinicamente indistinguíveis das menin-gites de outra etiologia bacteriana. A meningococcemiacaracteriza-se pela presença de lesões de pele, petequiaise/ou purpúricas, que podem ser precedidas por exantema

do tipo máculo-papular. As lesões localizam-se principal-mente nas extremidades dosmembros e nas regiões da pelesubmetidas a pressões. As petéquias, que são inicialmentesuperficiais, podem coalescer e atingir planos mais pro-fundos, transformando-se em sufusões hemorrágicas eequimoses. Nameningococcemia fulminante a doença temevolução extremamente rápida e se associa a sinais dechoque (alteração da consciência, taquicardia, taquipnéia,diminuição da amplitude de pulso, enchimento capilarlento, hipotensão arterial e oligúria) e coagulação intra-vascular disseminada (CIVD). Nessa forma, o LCR inici-almente costuma ser normal14,24.

LaboratorialUma vez que existam sinais e sintomas sugestivos de

meningite, a realização de punção lombar com coleta deLCR é medida imperativa para estabelecer o diagnósticoda doença. As contra-indicações à punção lombar emcrianças são raras, devendo ser evitada apenas quandoexiste: importante comprometimento cardiorespiratório,principalmente em neonatos; suspeita de hipertensão in-tracraniana, com sinais focais e/ou papiledema; infecçãono local da punção21. Nos casos suspeitos de hipertensãointracraniana, a tomografia computadorizada de crânioestá indicada4; devendo, no entanto, ser ressaltado que nãohá indicação para realização rotineira de exames diagnós-ticos por imagem nas meningites bacterianas.

O LCR coletado deve ser examinado imediatamente,com análise citológica, bioquímica e bacteriológica. OLCR normal em crianças maiores de três meses de idadetem aspecto límpido, número de leucócitos até 5/mm3 edestes, praticamente 100% linfomononucleares. A pre-sença de polimorfonuclear no LCR, mesmo com númeronormal de células, chama atenção para anormalidade. Adosagem normal de proteínas no LCR não excede 40mg/dl e a glicorraquia normal corresponde a um coeficiente>0,6 em relação à glicose sangüínea. Os valores normaisdo LCR no período neonatal exibem amplas variações,dificultando bastante a sua interpretação. Durante a pri-meira semana de vida, o LCR normal contém em média 8lecócitos/mm3, mas valores até 32 leucócitos/mm3 têmsido observados em recém-nascidos normais (não infecta-dos). Aproximadamente 60% dos leucócitos são polimor-fonucleares. A concentração média de proteínas no LCRem recém-nascidos a termo é de 90mg/dl (20-170 mg/dl),e, nos prematuros, a média é 115 mg/dl (65-150 mg/dl).Quanto à glicose, corresponde em média a 75% a 80% daglicemia, sofrendo também amplas variações13,21.

O LCR inflamatório das meningites bacterianas após operíodo neonatal tem geralmente aspecto turvo, aumentoimportante do número de células às custas de leucócitospolimorfonucleares, cujo número absoluto costuma sersuperior a 1000/mm3, podendo eventualmente apresentarvalores inferiores, inclusive inferiores a 100/mm3, comoobservados na doençameningocócica, ou numa fase muitoinicial da meningite. As proteínas apresentam valores

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elevados (em geral > 100mg/dl) e a glicorraquia é baixa,com valores habitualmente <40 mg/dl; devendo-se, noentanto, sempre que possível, estabelecer correlação coma glicemia, já que as infecções costumam cursar comhiperglicemia na sua fase inicial, o que pode ocasionarvalores mais elevados de glicose no LCR1,4,22.

A análise bacteriológica inclui a bacterioscopia pelométodo do gram, cultura e, se possível, a realização deteste para detecção de antígeno (Látex ou contra-imunoe-letroforese). Nas meningites bacterianas virgens de trata-mento, o método do gram, quando realizado por pessoaltecnicamente habilitado, revela a bactéria em 50% a 80%dos casos, e a cultura, em torno de 85% 4. Toda amostrade LCR coletada, mesmo com aspecto aparentementenormal, deve ser cultivada. Na tentativa de se isolar oagente, deve-se também coletar sangue para hemoculturaantes de iniciar terapêutica antimicrobiana.

De maneira geral, no Brasil, ainda é significante onúmero de casos nos quais não se identifica o agenteetiológico. Isso reflete tanto as deficiências técnicas ehumanas dos nossos laboratórios, quanto o uso indiscrimi-nado de antibióticos no nosso meio, de forma que, quandose faz o diagnóstico demeningite,muitos pacientes já estãoem uso de antibióticos.

Os testes de detecção de antígenos das bactériashabitualmente envolvidas na etiologia das meningitesauxiliam no diagnóstico. Têm a vantagem de ser testesrápidos e de não se alterarem com o uso prévio deantibióticos. A especificidade desses testes é boa, mas asensibilidade é limitada, ou seja, resultados negativos nãoexcluem meningite bacteriana. Novos testes, como PCR(Reação em Cadeia da Polimerase), estão em investigaçãoe podem, no futuro, constituir-se em testes de melhorsensibilidade e especificidade para o diagnóstico de me-ningite4.

DiferencialUma das dificuldades encontradas na prática clínica

com freqüência é estabelecer com precisão o diagnóstico

diferencial entre meningite bacteriana e viral (meningiteasséptica), particularmente naqueles casos em que ostestes para identificação da bactéria são negativos. Umpercentual significante de meningites virais, principal-mente aquelas determinadas por enterovírus, pode na suafase inicial cursar com predomínio de polimorfonuclearese mimetizar meningite bacteriana, apesar de nesses casosa concentração de glicose no LCR manter-se normal, e ade proteínas, próxima do normal (pode haver discretoaumento)25. Alguns testes inespecíficos, como a dosagemde lactato e a dosagem de proteína C-reativa, têm sidoutilizados em estudos clínicos e experimentais com afinalidade de diferenciar meningite bacteriana de menin-gite asséptica; no entanto, a utilidade do uso clínicorotineiro dos mesmos ainda é questionável22. Na prática,frente a um LCR de etiologia duvidosa, deve prevalecer obom senso e a soberania da clínica. Nos casos suspeitos demeningite viral em que existe predomínio de polimorfonu-cleares recomenda-se manter a criança em observaçãoapenas com tratamento sintomático, e, se necessário,dependendo da evolução clínica, repetir a punção lombar12 a 24 horas após a primeira, que deverá então mostraro predomínio de mononucleares. Se o LCR é duvidosoquanto à etiologia, e o estado geral da criança estácomprometido, deve-se instituir antibioticoterapia, po-dendo, nesses casos, outros exames inespecíficos, comohemograma, sugerirem etiologia bacteriana. A Tabela 1mostra, de maneira geral, as principais diferenças entremeningite bacteriana e meningite asséptica, relacionadasaos achados do LCR, devendo-se sempre considerar que,em função de fatores previamente discutidos, a bacterios-copia negativa, assim como a cultura, não invalidam odiagnóstico de meningite bacteriana.

TratamentoAntibioticoterapiaO sucesso do tratamento antimicrobiano em meningi-

tes implica na seleção de antibióticos que sejam eficazes

LCR Meningite bacteriana Meningite asséptica

Nº leucócitos ↑ (em geral>1000/mm3) ↑ (10-2000/mm3)Predomínio de neutrófilos Predomínio de linfócitos

Glicose ↓ (< 40 mg/dl) Normal (> 45mg/dl)

Relação glicose LCR/sangue < 0.3 > 0.6

Proteínas ↑ (em geral > 100mg/dl) Normal ou discreto ↑

Gram (Bacterioscopia) bactéria em geral presente Ausência de bactériasnos casos não tratados

Cultura Positiva Negativa

Fonte: modificado de Phillips EJ, Simor AE4

Tabela 1 - Características do LCR em meningites bacterianas e meningites assépticas

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contra os patógenos prováveis, que tenham boa penetraçãono SNC, que atinjam concentrações bactericidas adequa-das no LCR e, preferencialmente, que apresentem baixatoxicidade para o paciente. Outro fator decisivo para osucesso terapêutico é a instituição da antibioticoterapia omais precocemente possível, tão logo tenha se efetuado odiagnóstico, ou seja, antes do isolamento da bactéria.Dessa forma, a escolha inicial do(s) antibiótico(s) é feitageralmente de maneira empírica, tendo como base aincidência bacteriana provável de acordo com a idade eeventualmente outras características do hospedeiro, le-vando-se também em conta a suscetibilidade das bactériasaos antibióticos no meio (local) onde os mesmos serãoutilizados.

Durante muitos anos, a associação de ampicilina comaminoglicosídeo no período neonatal e ampicilina comcloranfenicol após os dois meses de idade foram osesquemas antimicrobianos de eleição para o tratamentoempírico inicial das meningites bacterianas. Com o desen-volvimento de novas cefalosporinas e outros antibióticoscom excelente atividade bactericida no SNC e com ocrescente aparecimento de cepas bacterianas resistentesaos esquemas convencionais, a antibioticoterapia parameningites tem sofrido alterações nos últimos anos. Den-tre as novas opções terapêuticas, as cefalosporinas de 3a

geração, particularmente cefotaxima e ceftriaxona, jáacumulam uma experiência bem sucedida de aproximada-mente uma década no tratamento das meningites bacteri-anas em crianças. Isso faz com que se constituam atual-mente nas drogas antimicrobianas de escolha para otratamento dessa enfermidade em pediatria1,26-28.

As cefalosporinas de 3a geração, cefotaxima e ceftri-axona, são antibióticos com excelente atividade contra asbactérias que freqüentemente causam meningite na crian-ça, esterilizam rapidamente o LCR e apresentam poucosefeitos adversos13,29. Há poucas diferenças entre ambasno que diz respeito à atividade bactericida no LCR,mostrando serem drogas seguras e eficazes para meningi-tes30. A escolha de uma ou outra baseia-se em geral naexperiência com o uso das mesmas, apresentando aceftriaxona vantagem, ao nosso ver, sobre a cefotaximadevido a sua meia-vida mais prolongada, que lhe permiteser administrada em dose única diária. Nas meningites dorecém-nascido dá-se preferência à cefotaxima pela maiorexperiência com o seu uso no período neonatal e pelo fatoda mesma não ter excreção biliar, via pela qual a ceftria-xona é eliminada. A excreção biliar da ceftriaxona podesuprimir a flora bacteriana intestinal, como também des-locar a bilirrubina dos locais de ligação à albumina comconseqüente precipitação ou agravamento de quadros deicterícia neonatal1,13,20.

Considerando a etiologia das meningites bacterianasde acordo com a faixa etária, recomenda-se atualmentecomo esquema terapêutico inicial para o período de zeroa dois meses de idade a associação de cefalosporina de 3a

geração com ampicilina, tendo a última a finalidade de

ampliar a cobertura antimicrobiana para Listeria mono-cytogenes e enterococos (bastante raros entre nós), quepodem, embora com menor freqüência que a E. coli e oStreptococcus B, incidir nesse grupo etário4,23,27,28. Emrecém-nascidos pré-termo com longa internação em ber-çário e que desenvolvem meningite mais tardiamentedeve-se ampliar a cobertura para estafilococos, sobretudonaqueles com catéter de longa permanência23. Nessescasos, vancomicina deve ser adicionada ao esquemainicial. Após os dois meses de idade, quando os agentesetiológicos mais prováveis são o Hib, o pneumococo e omeningococo, recomenda-se atualmentemonoterapia comcefalosporina de 3a geração1,23,27,28. Em qualquer faixaetária, quando não há disponibilidade de cefalosporina de3a para uso clínico, os esquemas convencionais seguemcomo alternativa terapêutica. Todo esquema terapêuticoempírico inicial deve ser reavaliado e, se necessário,alterado, quando os resultados de cultura e testes desensibilidade antimicrobianos estiverem disponíveis, oque ocorre em média 48 a 72 horas após início dotratamento.

O tempo de antibioticoterapia é variável com o agentecausal e com a resposta clínica. No período neonatal aantibioticoterapia é indicada por, pelo menos, 14 dias apósa esterilização do LCR, com um mínimo de 21 dias detratamento para enterobactérias e 14 dias para o Strepto-coccus B e Listeria. Após o período neonatal, nas menin-gites meningocócicas cinco a sete dias são, em geral,suficientes para o tratamento, enquanto para o Hib e opneumococo são necessários, em média, sete a 10dias1,27,28. Se a melhora clínica ocorre dentro de 24 horasda introdução da terapêutica, não há necessidade de repetira punção lombar durante o curso do tratamento ou após oseu término. Caso contrário, ou seja, se não ocorremelhora ou é mais lenta que o esperado, o exame deve serrepetido. Em recém-nascidos, em que os achados clínicospodem não refletir complicações neurológicas, a punçãolombar deve ser repetida 24 a 36 horas após o início e nofinal do tratamento23.

As alterações na antibioticoterapia para meningitebacteriana, nos últimos anos, também têm ocorrido emfunção da emergência de cepas resistentes de bactériasenvolvidas na gênese da doença. Em relação ao Hib, hárelatos de que, dependendo do local, 10% a 40% das cepasisoladas produzem b-lactamase e conseqüentemente sãoresistentes à ampicilina. Algumas cepas de Hib tambémtêm apresentado resistência ao cloranfenicol. Quanto aomeningococo, os relatos de resistência à penicilina aindasão escassos, embora já tenha sido documentada resistên-cia in vitro na Espanha e em algumas áreas da África13. Oproblema mais sério de resistência bacteriana diz respeitoao pneumococo31, o que temmotivado a recomendação deassociar vancomicina à cefotaxima ou ceftriaxona aotratamento inicial, quando a etiologia pneumocócica épraticamente comprovada (bacterioscopia compatível e/outeste de antígeno positivo) ou possível. Essa recomenda-ção, do comitê de doenças infecciosas da Academia

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Americana de Pediatria, considera que se após o resultadodo teste de sensibilidade antimicrobiana, constatar-se queo pneumococo é sensível à penicilina, ou resistente àpenicilina mas sensível à cefalosporina de 3a, o uso destadeve ser continuado normalmente e o da vancomicinasuspenso. No caso do pneumococo ser resistente à penici-lina e à cefalosporina de 3a, mantém-se o esquemainicial(não suspender o uso da cefalosporina de 3a)14,16.Essa recomendação nos parece válida para os locais ondeo pneumococo resistente é reconhecidamente um proble-ma. Em nosso meio, apesar de a incidência de pneumoco-cos resistentes à penicilina ser elevada, eles são aindabastante sensíveis à ceftriaxona; portanto, não nos parecesensato adotar tal conduta, principalmente se levarmos emconta que o uso abusivo de vancomicina pode contribuirpara o desenvolvimento de resistência. A nossa recomen-dação continua sendo terapêutica inicial com cefalospori-na de 3a geração, devendo a mesma ser reavaliada noscasos de etiologia pneumocócica, em 24 a 48 horas apóso seu início, caso o paciente não apresente melhora oupiore a sua condição clínica. Nesses casos, a punçãolombar deve ser repetida e, se o LCR mantiver bacterios-copia positiva com os demais parâmetros inflamatóriosinalterados, a adição de vancomicina ao esquema deveentão ser considerada.

Outros antibióticos têm sido utilizados no tratamentodas meningites em crianças, principalmente nos casos deresistência ao esquema terapêutico habitual. Como exem-plo, citamos a) Ceftazidime, uma cefalosporina de 3a

geração com eficácia comprovada nas meningites por

Pseudomonas aeruginosa1,27; b) aztreonam, um mono-bactâmico ativo contra bactérias gram-negativas, comespectro, similar aos aminoglicosídeos1,29; c)meropenem,um carbapenem de amplo espectro, similar ao imipenem,porém com menor potencial epileptogênico, com atuaçãoinclusive sobre Listeria e sobre pneumococos resisten-tes29,32, embora a experiência sobre os últimos seja aindalimitada; d) cefepima, uma cefalosporina de 4a geraçãocom atuação sobre bactérias gram-positivas e gram-nega-tivas, com maior atividade contra cepas de Enterobactere Pseudomonas aeruginosa33. Em estudos clínicos rando-mizados, os resultados obtidos commeropenen e cefepimano tratamento de meningites em crianças foram similaresaos obtidos com cefotaxima33,34. Novos antimicrobianoscontinuam em estudos para tratamento de meningites e,dentre esses, cita-se uma nova fluoroquinolona de largoespectro(trovafloxacin) para a qual não se dispõe ainda deresultados de estudos clínicos e cujo uso não está autori-zado em pediatria31. Os antibióticos utilizados na terapêu-tica das meningites em pediatria e as respectivas doses eintervalos de aplicação encontram-se na Tabela 2.

Tratamento adjuvanteÀ medida que a fisiopatologia das meningites bacteri-

anas vem se tornando melhor conhecida, a evoluçãoclínica e as seqüelas da doença passaram a ser relacionadascom a resposta inflamatória do hospedeiro. Desde então,buscam-se modalidades terapêuticas com objetivo de re-duzir a resposta inflamatória meníngea. Dentre estas, a

Recém-nascido*

Antibiótico 0 a 7 dias 8 a 28 dias > 28 dias

Amicacina 15-20 ÷ 12/12h 20-30 ÷ 8/8h 15-22,5 ÷ 8/8h(máx:1,5g)Ampicilina 100-150 ÷ 12/12h 150-200 ÷ 8/8ou6/6h 300 ÷ 4/4h(máx:12g)Aztreonam 90 ÷ 8/8h 120 ÷ 6/6h 120 ÷ 6/6h(máx: 8g)Cefotaxima 100 ÷ 12/12h 150-200 ÷ 8/8ou6/6h 200-300 ÷ 8/8ou6/6h

(máx: 8-10g)

Ceftriaxona ___ � ___ 80-100 ÷ 12/12ou24/ 24h(máx: 4g)

Ceftazidima 60 ÷ 12/12h 90 ÷ 8/8h 125-150 ÷ 8/8h (máx: 6g)Cefepima ___ ___ 150 ÷ ÷ 8/8h (máx4g)Cloranfenicol 25 1x ao dia 50 ÷ 12/12h 100 ÷ 6/6h (máx: 4g)Gentamicina 5 ÷ 12/12h 7,5 ÷ 8/8h 7,5 ÷ 8/8hMeropenem ___ ___ 120 ÷ 8/8hPenicilina G 100.000-150.000U 150.000-200.000U 250.000-400.000U

÷ 12/12h ÷ 12/12ou8 /8h ÷ 4/4h

Vancomicina 30-45 ÷ 8/8ou12/12h 45-60 ÷ 8/8h 60 ÷ 6/6h

Tabela 2 � Dosagem de antibióticos (mg/kg/dia) via endovenosa para tratamento de meningites empediatria de acordo com a idade

* As doses recomendadas para recém-nascidos são para aqueles com peso >2000g. Recém-nascidos com peso maisbaixo requerem doses menores e intervalos mais longos;

� significa que não há experiência clínica suficiente para recomendar estas drogas no período neonatal.Fonte: modificado de Klein JO27

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mais amplamente utilizada tem sido a terapêutica comdexametasona. Quando administrada imediatamente antesdo antibiótico, a dexametasona inibe a resposta inflamató-ria desencadeada pela rápida lise bacteriana induzida peloantibiótico, reduz a liberação de citocinas e conseqüente-mente diminui a pressão intracraniana, o edema cerebrale, em última análise, reduz as seqüelas neurológicas dasmeningites8,13.

O emprego de corticosteróides na terapêutica dasmeningites ainda é alvo de controvérsias4. De maneirageral, o seu uso é recomendado considerando os benefíci-os evidenciados em estudos experimentais e clínicos. Numestudo recente de meta-análise em que foram envolvidos11 estudos clínicos randomizados e controlados publica-dos entre 1988 e 1996, evidenciou-se significante reduçãonas seqüelas auditivas determinadas por Hib com o uso dedexametasona quando comparada com placebo, indepen-dentemente do tempo de administração da mesma emrelação ao antibiótico. Nesse mesmo estudo, para opneumococo, o efeito protetor da dexametasona paraseqüela auditiva foi observado apenas quando a dexame-tasona foi administrada antes do antibiótico. O estudosugere proteção para outras seqüelas neurológicas, embo-ra, neste aspecto, não tenha sido verificada significânciaestatística. Os resultados em relação às seqüelas foramsemelhantes em estudos que utilizaram dois ou quatro diasde tratamento, mas os efeitos adversos gastrintestinais docorticóide foram mais freqüentes quando o tempo de usofoi mais prolongado (quatro dias)35.

Em nosso meio, temos recomendado a corticoterapiacom dexametasona nas meningites bacterianas, observan-do os seguintes critérios14: a) para melhor eficácia, adexametasona deve ser administrada imediatamente antesda primeira dose de antibiótico; b) a dose recomendada éde 0,6mg/kg/dia dividida de 6/6 horas ou 0,8mg/kg/diadividida de 12/12 horas, durante dois dias; c) a dexame-tasona só deve ser utilizada quando existirem evidênciasclínico-laboratoriais compatíveis com meningite bacteria-na, não devendo ser utilizada emmeningites assépticas; d)a dexametasona não é recomendada nas meningites bacte-rianas que ocorrem antes de seis semanas de vida, pois nãohá estudos clínicos que suportem o seu uso nesse grupoetário.

Tratamento de suporteAs medidas de suporte e o controle das complicações

são tão importantes quanto a antibioticoterapia no trata-mento das meningites. O tratamento do choque e dahipertensão intracraniana, o controle das convulsões e amanutenção da homeostase hidroeletrolítica são medidasessenciais para um bom prognóstico.

As medidas gerais incluem rigorosa monitorização dossinais vitais, nível de consciência, diurese e avaliaçãoneurológica seqüencial, sobretudo nas primeiras 24-48horas de tratamento. Pacientes que apresentem, à admis-

são ou durante a evolução, instabilidade hemodinâmica ouchoque, alterações respiratórias e alterações da consciên-cia devem ser manuseados, sempre que possível, emunidades de terapia intensiva. São pacientes que requeremcom freqüência assistência ventilatória, reposição volêmi-ca com monitorização e drogas vasoativas. Até que secomplete 24 horas de antibioticoterapia, os pacientesinternados com meningite bacteriana devem permanecerem unidades de isolamento14.

Até recentemente, restrição hídrica em torno de 2/3das necessidades basais era preconizada rotineiramentenas meningites bacterianas pela preocupação com o desen-volvimento da síndrome de secreção inapropriada dehormônio antidiurético �HAD (SSIHAD), que continuasendo uma complicação da doença, embora não tãofreqüente. Para o diagnóstico de SSIHAD os seguintescritérios devem estar presentes: a) hiponatremia acompa-nhada de hipoosmolaridade sérica (< 270-280 mOsm/L);b) osmolaridade urinária superior à osmolaridade sérica;c) ausência de evidência clínica de depleção de volume(turgor da pele e pressão arterial normais); d) natriuresecontínua; e) funções renal e supra-renal normais. Seestivermos diante deste quadro, a restrição de volume estáindicada36. Caso contrário, recomenda-se hidratação en-dovenosa inicial para os pacientes hemodinamicamenteestáveis com requerimento básico de água e sódio e, nocaso de ocorrerem perdas extras, elas devem ser acresci-das ao esquema de hidratação. Estudos clínicos nãomostram qualquer benefício na evolução clínica das me-ningites com a restrição hídrica37. Em estudo experimen-tal observou-se aumento nas concentrações de lactato eredução nas de glicose no LCR de animais com meningitesubmetidos à restrição hídrica, sugerindo um impactonegativo de tal conduta no fluxo sanguíneo e no metabo-lismo cerebral38.

Recomenda-se também a introdução de um suportenutricional adequado o mais precocemente possível, con-siderando as alterações hormonais e do metabolismo dosdiversos nutrientes induzidas pela liberação dos mediado-res inflamatórios. Como resultado tem-se um balançonitrogenado negativo36. Se o paciente não recebe nessafase adequado aporte protéico, instala-se um processo dedesnutrição aguda ou agrava-se uma desnutrição pré-existente. Portanto, nos pacientes em condições de receberdieta via oral a mesma deve ser introduzida precocementee, naqueles com alteração da consciência, a dieta deve seradministrada via sonda, de preferência do tipo nasojeju-nal.

Além da monitorização clínica, pode também sernecessária e útil a avaliação laboratorial. Esta incluirotineiramente hemograma e glicemia, além do LCR ehemocultura, na admissão do paciente, e outros exames,como eletrólitos séricos, osmolaridade sérica e urinária,uréia, creatinina, gasometria arterial e coagulograma,dependendo da apresentação clínica inicial ou da evoluçãoda doença.

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Prognóstico e SeqüelasO prognóstico das meningites bacterianas depende de

muitos fatores, dentre os quais incluem-se idade dopaciente, agente etiológico, precocidade do diagnóstico,condições clínicas associadas, intensidade da respostainflamatória, antibioticoterapia adequada e tempo neces-sário para esterilizar o LCR1,13.

As taxas de mortalidade variam em média de 15% a20% nas meningites neonatais. Após o período neonatal,nas meningites pneumocócicas, a taxa média situa-se emtorno de 10%23, podendo atingir valores tão elevadosquanto 40% 4. Nas meningites meningocócicas, as taxassituam-se em geral entre 5% e 10% e, naquelas produzidaspelo Hib, entre 3% e 6%23 (em nosso meio 10% a 15%).Nos países subdesenvolvidos, particularmente nas áreasonde os recursos propedêuticos e terapêuticos são precá-rios, as taxas de mortalidade tendem a ser mais elevadas.

As seqüelas neurológicas ocorrem em 30% a 50% dossobreviventes de meningites bacterianas e variam com oagente causal, ocorrendo em aproximadamente 10% dasmeningites meningocócicas, 15% das determinadas peloHib e em 25% a 30% dasmeningites pneumocócicas23. Asseqüelas mais freqüentes pós-meningite são deficiênciasauditivas, distúrbios da linguagem, retardo mental, anor-malidades motoras, convulsões, distúrbios do comporta-mento, déficits visuais, baixos quocientes de inteligênciae hidrocefalia. A surdez neurosensorial constitui a seqüelaneurológica mais comum, sendo relatada em diversosestudos com taxas variáveis de 3% a 40%13.

PrevençãoQuimioprofilaxiaA quimioprofilaxia com rifampicina (quatro doses de

10mg/kg/dose via oral administradas de 12/12 horas,máximo de 600mg/dose para adultos e mínima de 5mg/kg/dose para recém-nascidos) é recomendada para todos oscontatos íntimos (domiciliares e creches) de pacientes comdoençameningocócica. O pessoal da área da saúde só devereceber quimioprofilaxia nos casos de contato direto comas secreções salivares do paciente (ex.: respiração boca aboca e intubação). Os casos índices, quando não tratadoscom ceftriaxona ou cefotaxima, devem, antes da altahospitalar, receber quimioprofilaxia com rifampicina.Embora não recomendada rotineiramente, a ceftriaxonaconstitui-se uma opção à rifampicina nas situações em queo uso da mesma não está indicado (ex.: gestantes). Aceftriaxona é, nesses casos, administrada em dose únicapor via intramuscular (dose de 125 mg para criançasmenores de 12 anos e 250mg para as maiores e adultos)14.Outras drogas, como ciprofloxacin14 e azitromicina39,administradas em dose única oral de 500mg, têm sidoestudadas em adultos e têm mostrado eficácia na erradica-ção do meningococo do nasofaringe.

A quimioprofilaxia para meningites determinadas peloHib é recomendada para todos os contatos domiciliares docaso índice somente quando, pelo menos, um destes tem

idade inferior a quatro anos. Em creches, a eficácia e osbenefícios da quimioprofilaxia para infecções invasivaspelo Hib são questionáveis, sendo recomendada para ascrianças que freqüentam a creche e seus supervisoresapenas quando dois ou mais casos da doença ocorrem numintervalo menor que 60 dias. A rifampicina para profilaxiadas infecções peloHib é recomendada na dose de 20mg/kg(máximo de 600mg) administrada via oral, em dose únicadiária, durante quatro dias. Se o caso índice foi tratadocom ampicilina ou cloranfenicol, o mesmo deve receberrifampicina antes da alta hospitalar. Crianças previamentevacinadas contra o Hib, quando em contato íntimo com ocaso índice, também devem receber quimioprofilaxia14.

VacinasOs benefícios das vacinas conjugadas contra Hib na

prevenção das meningites determinadas por esse agente jáforam por demais discutidos. A vacina contra Hib deve serrecomendada rotineiramente para crianças com idadeentre dois meses e cinco anos e provavelmente, em breve,será inserida no calendário vacinal do Programa Nacionalde Imunização (PNI).

Em relação ao meningococo, não dispomos até omomento de uma vacina eficaz para o sorogrupo B,prevalente no nosso meio. Uma vacina quadrivalentecontra os sorogrupos A, C, Y e W135 está disponível e éindicada para crianças maiores de dois anos de idade comalto risco para infecção meningocócica (asplenia e defi-ciência de complemento). Essa vacina também tem sidoindicada em situações de surtos e epidemias pelos sorogru-pos A ou C, não tendo indicação para uso rotineiro14.

A vacina antipneumococo atualmente disponível é umavacina 23-valente, que contém 23 sorotipos de pneumoco-cos. É uma vacina que não é indicada rotineiramente emcrianças devido a sua baixa imunogenicidade naquelascom menos de dois anos de idade e ao rápido declínio deanticorpos que se observa após a vacinação. A vacina éindicada para crianças maiores de dois anos e com maiorrisco de desenvolver infecções graves por pneumococo.Estudos com vacinas conjugadas contra pneumococoestão sendo realizados e têm trazido resultados animado-res, podendo nos próximos anos constituir-se numa medi-da eficaz na prevenção dessa infecção. O maior problemaem relação ao desenvolvimento dessas vacinas conjugadasé o grande número de sorotipos conhecidos de pneumoco-co e a necessidade de conjugá-los um a um à proteínacarreadora, antes de incorporá-los à vacina. A vacina 23-valente contém a maior parte dos sorotipos de pneumoco-cos mais prevalentes em todo o mundo, mas as vacinasconjugadas só poderão conter alguns sorotipos, devido aproblemas de volume. Esse fato tem gerado muita discus-são sobre quais os sorotipos que devem ser incluídos nasvacinas conjugadas, uma vez que existem diferençasepidemiológicas quanto à prevalência dos sorotipos deacordo com a idade e a população estudada40.

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Endereço para correspondência:Dra. Sônia Maria de FariaRua Santo Inácio de Loyola, 64/501CEP 88015-290 � Florianópolis - SCFone: (048) 324.0594 - Fax: (048) 228.1822E-mail: [email protected]

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