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XI ECOMIG Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018 MEMÓRIAS COLETIVAS SUBTERRÂNEAS E SEU ESPAÇO NA DINÂMICA ALGORÍTMICA DO FACEBOOK 1 Ana Lúcia Corrêa Pinto Loureiro 2 Francisco José Paoliello Pimenta 3 Universidade Federal de Juiz de Fora Resumo A memória coletiva, apresentada por Michael Pollak como uma disputa entre a memória oficial e memórias subterrâneas, encontra no ambiente do Facebook uma ruptura de limites e sua consequente abertura às vozes anteriormente caladas pela história dos grupos dominantes. Os grupos marginalizados ganham escuta na fala de indivíduos e comunidades outrora excluídos, que passam a expressar sua posição e a ganhar força, mesmo com algoritmos interferindo na comunicação desses sujeitos dentro do ciberespaço. Neste artigo, analisaremos a produção de conteúdo – e sua consequente constituição de memória – de um grupo fechado de discussão no Facebook, o EmpoderadXs BR, a fim de observar como os algoritmos influenciam na sua comunicação. Palavras-chave: Memória coletiva subterrânea; Algoritmos; Minorias sociais; Competência Midiática; Facebook. Abstract The collective memory, presented by Michael Pollak as a dispute between official memory and subterranean memories, finds in the environment of Facebook a rupture of limits and its consequent openness to the voices previously silent by the history of the dominant groups. Marginalized groups gain listening in the speech of previously excluded individuals and communities, who begin to express their position and gain strength, even with algorithms interfering in the communication of these subjects within cyberspace. In this article, we will analyze the content production - and its consequent memory constitution - of a closed Facebook 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Culturas Digitais, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018. 2 Mestranda do PPGCOM-UFJF, linha de pesquisa Competência midiática, estética e temporalidade. e-mail: [email protected]. 3 Orientador, Professor Permanente do PPGCom/Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor em Comunicação e Semiótica. e-mail: [email protected]

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Page 1: MEMÓRIAS COLETIVAS SUBTERRÂNEAS E SEU ESPAÇO NA … · coletiva, descritos Maurice Halbwachs e Michael Pollakpor . Nossa intenção não é o debate aprofundado dos termos, mas

XI ECOMIG – Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais Faculdade de Comunicação - Universidade Federal de Juiz de Fora | 18 e 19 de outubro de 2018

MEMÓRIAS COLETIVAS SUBTERRÂNEAS E SEU ESPAÇO NA DINÂMICA ALGORÍTMICA DO FACEBOOK1

Ana Lúcia Corrêa Pinto Loureiro2 Francisco José Paoliello Pimenta3

Universidade Federal de Juiz de Fora

Resumo

A memória coletiva, apresentada por Michael Pollak como uma disputa entre a memória oficial

e memórias subterrâneas, encontra no ambiente do Facebook uma ruptura de limites e sua

consequente abertura às vozes anteriormente caladas pela história dos grupos dominantes. Os

grupos marginalizados ganham escuta na fala de indivíduos e comunidades outrora excluídos,

que passam a expressar sua posição e a ganhar força, mesmo com algoritmos interferindo na

comunicação desses sujeitos dentro do ciberespaço. Neste artigo, analisaremos a produção de

conteúdo – e sua consequente constituição de memória – de um grupo fechado de discussão no

Facebook, o EmpoderadXs BR, a fim de observar como os algoritmos influenciam na sua

comunicação.

Palavras-chave: Memória coletiva subterrânea; Algoritmos; Minorias sociais; Competência

Midiática; Facebook.

Abstract

The collective memory, presented by Michael Pollak as a dispute between official memory and

subterranean memories, finds in the environment of Facebook a rupture of limits and its

consequent openness to the voices previously silent by the history of the dominant groups.

Marginalized groups gain listening in the speech of previously excluded individuals and

communities, who begin to express their position and gain strength, even with algorithms

interfering in the communication of these subjects within cyberspace. In this article, we will

analyze the content production - and its consequent memory constitution - of a closed Facebook

1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação e Culturas Digitais, do XI Encontro dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação Social de Minas Gerais, 18 e 19 de outubro de 2018. 2 Mestranda do PPGCOM-UFJF, linha de pesquisa Competência midiática, estética e temporalidade. e-mail: [email protected]. 3 Orientador, Professor Permanente do PPGCom/Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutor em Comunicação e Semiótica. e-mail: [email protected]

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discussion group, EmpoderadXs BR, in order to observe how the algorithms influence their

communication.

Keywords: Underground collective memory; Algorithms; Media Literacy; Digital

environments; Facebook.

Introdução

Para este estudo fizemos o empréstimo dos conceitos sociológicos de memória

coletiva, descritos por Maurice Halbwachs e Michael Pollak. Nossa intenção não é o debate

aprofundado dos termos, mas um entendimento teórico que nos auxiliará na observação de uma

possível consolidação de memória social no ciberespaço.

O conceito de memória nacional, exposto por Maurice Halbwachs, é questionado

pela perspectiva construtivista onde o interesse se volta para “os processos e os atores que

intervêm no trabalho de constituição da memória” (POLLAK, 1989, p. 4). É nesse contexto que

surge a definição de memórias coletivas subterrâneas4, de Michael Pollak, com a proposta de

priorizar a análise das vozes dos excluídos pelas memórias oficiais, a fim de entender como

aquelas são construídas e formalizadas.

Este artigo tem o objetivo de levar o conceito de memórias subterrâneas para o

ciberespaço, a fim de estudar a comunicação de grupos fechados, representativos de minorias

sociais, no Facebook e sua relação com a construção da memória coletiva desses mesmos

grupos.

Nossa hipótese é que, em ambientes digitais – especificamente os de redes sociais

–, o processo de comunicação mais democratizado (embora ainda marcado pelos interesses

comerciais e longe de ser ideal e amplamente representativo) propicia a consolidação de uma

memória subterrânea e a mobilização de grupos, que desenvolvem sua competência midiática,

mesmo com a interferência dos algoritmos. Esses grupos seriam produtores de conteúdo

genuíno e comunicariam o pensamento (memória coletiva) do movimento a qual pertencem.

Os algoritmos, por sua vez, teriam um papel de potencialização desse discurso, fortalecendo os

interesses e objetivos dessas comunidades.

4 Segundo Pollak, as minorias sociais e as comunidades marginalizadas e excluídas são dotadas de memórias subterrâneas transmitidas pelas histórias orais – já que não possuem voz nos meios oficiais utilizados pela memória nacional (POLLAK, 1989, p.4).

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O grupo escolhido para ser analisado sob o aspecto de construção de memória

subterrânea é o EmpoderadXs BR, criado no Facebook pelo mesmo fundador do site

homônimo, cuja função é unir forças das minorias em prol da luta pelos seus direitos e garantir

maior visibilidade e espaço na sociedade. O grupo é fechado5 e possui mais de 22 mil membros

espalhados por todo o país. As postagens analisadas são do período de primeiro à 30 de junho

de 2018, mês de combate à homofobia no Brasil.

Este artigo apresenta os resultados iniciais de uma pesquisa ainda em fase

embrionária, mas que aponta para um possível entendimento de que a hipótese pode ser

comprovada.

1. Memória coletiva, pertencimento e memórias subterrâneas

Para compreendermos o significado de memória subterrânea trazido por Pollak,

como enunciado na introdução deste artigo, precisamos, antes, destacar os conceitos de

memória individual e coletiva que Maurice Halbwachs trata em seu livro A memória coletiva.

Segundo Halbwachs, costumamos entender a memória como se fosse algo estritamente

individual, pessoal, isolado dos outros, e que se manifesta por vontade própria de acordo com

algum gatilho ou oportunidade (HALBWACHS, 1990, p. 57). Frequentemente, as

atribuímos a nós mesmos, como se elas não tivessem sua origem em parte alguma senão em nós, ideias e reflexões, ou sentimentos e paixões, que nos foram inspirados por nosso grupo. Estamos tão bem afinados com aqueles que nos cercam, que vibramos em uiníssono, e não sabemos mais onde está o ponto de partida das vibrações, em nós ou nos outros. Quantas vezes exprimimos então, com uma convicção que parece toda pessoal, reflexões tomadas de um jornal, de um livro, ou de uma conversa. Elas correspondem tão bem a nossa maneira de ver que nos espantaríamos descobrindo qual é o autor, e que não somos nós (HALBWACHS, 1990, p. 47).

O que Halbwachs procura evidenciar é que o homem está tão inserido num contexto

social que não consegue se separar plenamente desse universo, incluindo aí, suas percepções e

lembranças. Não se pode, portanto, entender a memória como exclusividade do sujeito e, sim,

como uma faculdade compartilhada pelo grupo (ou grupos) do qual ele faz parte. O autor não

nega, entretanto, o que seria a manifestação de uma consciência essencialmente individual,

5 Modalidade de grupo oferecida pelo Facebook, onde é necessário o convite do administrador do grupo para fazer parte do mesmo. Esse tipo de grupo pode ou não ter um mediador para filtrar e autorizar as postagens dos demais membros.

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situada na base da lembrança gerada na mente da pessoa, o que chama de “intuição sensível”,

pois, dessa forma, conseguimos distinguir a consciência individual “das percepções onde

entram [os] tantos elementos do pensamento social” (HALBWACHS, 1990, p. 37).

A memória coletiva, então, seria aquela compartilhada pelos membros de um grupo

social e evocada quando o indivíduo se considera ainda parte desse grupo no momento da

lembrança (HALBWACHS, 1990, p. 36). Sobre o caráter essencialmente social da memória e

sua construção diferenciada na mente de cada um, Halbwachs esclarece que:

[...] se a memória coletiva tira sua força e sua duração do fato de ter por suporte um conjunto de homens, não obstante eles são indivíduos que se lembram, enquanto membros do grupo. Dessa massa de lembranças comuns, e que se apoiam uma sobre a outra, não são as mesmas que aparecerão com mais intensidade para cada um deles. Diríamos voluntariamente que cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios. Não é de admirar que, do instrumento comum, nem todos aproveitam do mesmo modo. Todavia quando tentamos explicar essa diversidade, voltamos sempre a uma combinação de influências que são, todas, de natureza social (HALBWACHS, 1990, p. 51).

Em seu artigo Memória, esquecimento, silêncio, Michael Pollak aponta que

Halbwachs não enxerga a memória coletiva como uma imposição abusiva, pelo contrário,

“acentua as funções positivas desempenhadas pela memóría comum, a saber, de reforçar a

coesão social, não pela coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo, donde o termo que utiliza,

de "comunidade afetiva" (POLLAK, 1989, p.3). O sentimento de pertencimento é, portanto,

característica fundamental não só para que o indivíduo se reconheça como ser inserido em uma

determinada sociedade, bem como para a formalização de sua memória. Pollak destaca,

inclusive, que Halbwachs entende que “a nação é a forma mais acabada de um grupo, e a

memória nacional, a forma mais completa de uma memória coletiva” (POLLAK, 1989, p.3).

Pollak, no entanto, propõe a discussão da memória sob a ótica construtivista6, que

“acentua o caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva nacional”

(POLLAK, 1989, p.4), ao analisar os atores e os processos que produzem essas memórias, como

eles interferem e como são incorporados nessa construção. Dessa forma, o olhar é desviado do

6 Segundo Pollak, a visão de Halbwachs não contemplava o caráter conflituoso que a memória coletiva carregava e, com a finalidade de atualizar os estudos sobre o tema, utilizou-se da ótica construtivista, a qual “não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas. Como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade” (POLLAK, 1989, p.4). O termo construtivismo surgiu na obra do psicólogo Jean Piaget, e traz “a idéia de que nada, a rigor, está pronto, acabado, e de que, especificamente, o conhecimento não é dado, em nenhuma instância, como algo terminado. Ele se constitui pela interação do indivíduo com o meio físico e social, [...] e se constitui por força de sua ação e não por qualquer dotação prévia, na bagagem hereditária ou no meio, de tal modo que podemos afirmar que antes da ação não há psiquismo nem consciência e, muito menos, pensamento” (BECKER, 2009, p.2)

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macro para os micros cenários, privilegiando e reabilitando as minorias sociais7 e as

comunidades marginalizadas e excluídas, todas dotadas de memórias subterrâneas transmitidas

pelas histórias orais, a única maneira de perpetuar sua memória – já que não são ouvidos nos

meios oficiais utilizados pelos construtores da memória nacional (POLLAK, 1989, p.4).

Segundo o autor, “essas memórias subterrâneas que prosseguem seu trabalho de subversão no

silêncio e de maneira quase imperceptível afloram em momentos de crise em sobressaltos

bruscos e exacerbados. A memória entra em disputa” (POLLAK, 1989, p.4).

Quando uma memória subterrânea consegue emergir e ganhar espaço, torna-se

necessária uma profunda mudança sócio-política em paralelo a uma “revisão (auto)crítica do

passado” (POLLAK, 1989, p.5). Apesar de normalmente o embate entre memória oficial e

memórias subterrâneas estar ligado a situações de disputa de poder e dominância, verifica-se

que esse problema é mais comum nas relações de confronto direto de minorias com a própria

sociedade onde estas estão inseridas (POLLAK, 1989, p.5).

2. Ciberespaço: a amplificação de vozes excluídas em um ambiente de dinâmica

algoritmica

O pensamento de Pollak, no momento de sua formulação, no final da década de 80,

não considerou as mudanças sociais promovidas pelo avanço da internet. Apesar disso, iremos

aproveitar sua conceituação, trazendo o significado de memórias subterrâneas para a atual

configuração digital das relações sociais, a fim de mapear os motivos pelos quais o ciberespaço

pode ser considerado o ambiente propício para a amplificação do discurso das minorias, que

não mais precisam se manter caladas ou oprimidas como no passado. Ciberespaço, aqui, será

entendido pela definição dada por Pierre Lévy, que diz ser:

[...] o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 1999, p. 15).

Segundo Lévy, o ciberespaço promove o retorno da comunicação como na época

das culturas orais – obviamente em uma escala diferente e sem o limite de fronteiras de tempo

7 Como minorias sociais, termo que usaremos para orientar a escolha do grupo a ser analisado, entenderemos os grupos que não possuem voz nos meios oficiais utilizados pelos que detêm o poder e dominância na sociedade (POLLAK, 1989, p.4)

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e espaço –, onde a interconexão de indivíduos possibilita não só a troca de mensagens diretas,

mas a sua “vinculação permanente com as comunidades” nas quais estão inseridos (LÉVY,

1999, p. 14). “Torna-se possível, então, que comunidades dispersas possam comunicar-se por

meio do compartilhamento de uma telememória na qual cada membro lê e escreve, qualquer

que seja sua posição geográfica” (LÉVY, 1999, p. 94). A grande vantagem, então, é que a

comunicação feita pelos grupos inseridos no ciberespaço, independentemente se fazem parte da

sociedade dominante ou se são tidos como minorias, vão sempre encontrar uma escuta para

suas mensagens8.

Certamente o ciberespaço está longe de ser um espaço democrático em sua

totalidade e a exclusão ainda é um tema crucial a ser discutido, mas, segundo Lévy,

qualquer avanço nos sistemas de comunicação acarreta necessariamente alguma exclusão. Cada novo sistema de comunicação fabrica seus excluídos. Não havia iletrados antes da invenção da escrita. A impressão e a televisão introduziram a divisão entre aqueles que publicam ou estão na mídia e os outros. Como já observei, estima-se que apenas pouco mais de 20% dos seres humanos possui um telefone. Nenhum desses fatos constitui um argumento sério contra a escrita, a impressão, a televisão ou o telefone (LÉVY, 1999, p. 241).

Devemos nos apegar, então, ao fato de que as zonas de sombra e silêncio que

existiam na comunicação de comunidades marginalizadas, antes da emersão da cibercultura,

podem ser facilmente rompidas com o acesso ao ciberespaço. Pollak já entendia que “as

fronteiras desses silêncios e ‘não-ditos’ com o esquecimento definitivo e o reprimido

inconsciente” não estão estagnadas, pelo contrário, se deslocam constantemente (POLLAK,

1989, p.8), bastando uma circunstância propícia – um espaço de fala e escuta – para mudar a

situação.

A fronteira entre o dizível e o indizível, o confessável e o inconfessável, separa, em nossos exemplos, uma memória coletiva subterrânea da sociedade civil dominada ou de grupos específicos, de uma memória coletiva organizada que resume a imagem que uma sociedade majoritária ou o Estado desejam passar e impor. Distinguir entre conjunturas favoráveis ou desfavoráveis às memórias marginalizadas é de saída reconhecer a que ponto o presente colore o passado. Conforme as circunstâncias, ocorre a emergência de certas lembranças, a ênfase é dada a um ou outro aspecto (POLLAK, 1989, p.8).

E se, na história da humanidade, “muitas vozes foram caladas para sempre” (LÉVY,

1999, p. 13), o ciberespaço proporciona o contrário, ou seja, a perpetuação das mensagens para

a construção das memórias coletivas das comunidades que nele estiverem inseridas.

8 Pollak, em seu artigo, destaca que “para poder relatar seus sofrimentos, uma pessoa precisa antes de mais nada

encontrar uma escuta” (POLLAK, 1989, p.6). Na época, isso era um fator determinante para que as memórias clandestinas pudessem ser expostas.

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No caso específico do Facebook, porém, nos interessa saber se grupos

representantes de minorias sociais conseguem construir um conteúdo genuíno, que possa ser

considerado representativo de suas comunidades e, consequentemente, constituir sua memória

coletiva. A dúvida surge no momento em que o ambiente digital da plataforma conta com o

controle da inteligência artificial. “O que se vê no feed de notícias do Facebook é predefinido

por um algoritmo9 programado para entregar o conteúdo que é mais valioso para determinado

usuário, que seja capaz de atrair sua atenção por mais tempo” (LEMOS, 2014, p.29), então, o

quanto essa dinâmica algorítmica interfere na comunicação das comunidades é o que

pretendemos estudar nesta pesquisa.

3. Competência midiática e mobilização social

Não podemos avançar neste estudo sem antes nos debruçar na conceituação de

competência midiática e sobre seu efeito na construção de cidadania em uma sociedade. Várias

instituições ao redor do globo estudam a competência mídiática, ou media literacy10, e

desenvolvem estratégias para sua implantação e aferição em vários níveis. Potter, em seu artigo

“The state of media literacy11”, publicado em 2010, faz um apanhado de vários conceitos

expostos por organizações que tem seu interesse focado no tema. De acordo com o Center for

Media Literacy (CML), competência midiática pode ser definida como "a capacidade de

comunicar com competência em todas as formas de mídia, impressa e eletrônica, bem como

acessar, compreender, analisar e avaliar as imagens, palavras e sons que compõem nossa cultura

contemporânea de mídia de massa12” (POTTER, 2010, p.677). Outras instituições, segundo o

autor, também reforçam a ideia de que a competência midiática nos ajuda a “reconhecer como

as mensagens da mídia nos influenciam”, e a “desenvolver o pensamento crítico para promover

a autoestima13” (POTTER, 2010, p.678).

9 Por algoritmos, podemos entender que se trata de instruções programadas cuja lógica depende de dois fatores: controle e automação (ARAÚJO, 2017). No Facebook: dispositivo dinâmico que se adapta às alterações de comportamento do usuário e de seus amigos (CASTRO, 2017). 10 Media literacy, ou literacia midiática, é como o termo competência midiática é mais difundido nos diversos países. A diferença semântica entre “competência” e “literacia” leva autores no Brasil e em países de língua espanhola adotarem uma ou outra palavra, por reconhecerem uma maior identificação com suas crenças sobre o assunto. Ambos os termos levam ao mesmo objeto de estudo. 11 “A situação da literacia midiática” (ou competência midiática) – tradução nossa. 12 Tradução nossa. 13 Tradução nossa.

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Tendo em mente que o importante não é somente saber usar as ferramentas,

entender como se dá e o que deve ser feito com o atual processo comunicacional em que todos

(que possuem acesso ao ciberespaço) são atores, é preciso cuidar para que os indivíduos não

sejam meros replicadores de informações e de ideologias. A competência midiática deve se

preocupar menos com “o que [o indivíduo vai] pensar; em vez disso, enfatizar o processo de

ajudar as pessoas a chegarem a escolhas informadas que sejam consistentes com seus próprios

valores através da prática ativa, reflexiva, colaborativa e autorrealizadora de recepção e

produção14” (HOBBS, 2011, p. 427).

Podemos defender a competência midiática como um instrumento de

empoderamento, que promove o desenvolvimento de pensamento crítico e prepara o indivíduo

para tomada de decisões com autonomia (HOBBS, 2011, p. 426), ou seja, garante a

consolidação de sua cidadania. Não nos preocuparemos, neste momento, com a aplicação de

uma metodologia pautada em índices para mensurar o grau da competência midiática de

indivíduos ou grupos, mas, sim, com a possibilidade de aprendizado de uma postura consciente

e crítica de indivíduos, através da observação da atuação de líderes e outros agentes, membros

de um mesmo grupo, construindo essa competência em tais sujeitos.

4. EmpoderadXs BR e a luta contra o enquadramento da memória

Para este trabalho, buscamos analisar um grupo de discussão do Facebook, que

representasse uma minoria social e que possuísse as seguintes premissas: missão clara de

comunicação e representatividade; número relevante de seguidores; e permissão para receber

postagens individuais dos membros (mesmo com a figura de um moderador atuante).

O grupo escolhido para ser analisado, neste primeiro momento de nossa pesquisa,

foi o EmpoderadXs BR, que se encaixa nas três características acima elencadas, primeiro por

possuir como descrição uma frase que não deixa dúvidas sobre sua intenção de representar

comunidades marginalizadas, a saber: “acreditamos que as minorias juntas podem somar forças

na luta por seus direitos e conseguir mais visibilidade e espaço na sociedade”

(EMPODERADXS BR, 2018). Em segundo lugar, por ter mais de 22 mil membros15, o que foi

considerado relevante quando comparado com os números de outros grupos pré-selecionados

14 Tradução nossa. 15 Número atualizado em 7 de agosto de 2018.

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anteriormente. Em terceiro lugar, porque está configurado para receber postagens dos membros,

apesar de existir um moderador que não autoriza, ou que exclui posteriormente, publicações

que não estão de acordo com a proposta do grupo (como é o caso das publicidades).

O EmpoderadXs BR foi criado pelo mesmo fundador do site homônimo, o jornalista

Emílio Faustino16, que, sozinho, possui mais de 20 mil seguidores no Facebook. O site17, que

deu origem ao grupo da rede social, tem definições bem claras de sua visão, valores, e missão,

sendo importante destacar os objetivos de sua atividade:

Nosso objetivo vai além do virtual, queremos promover encontros, debates e eventos que possam contribuir de forma efetiva para o desenvolvimento social e plural. Além de trabalhar a informação de forma responsável, nossa intenção é protagonizar mudanças, através de ações que atendam as minorias, possibilitando a construção de um ambiente inclusivo, colaborativo e empoderador (EMPODERADXS, 2018).

A intenção de promover o diálogo e o desenvolvimento dos membros para garantir

mudanças sociais, vai de encontro com o que Lévy entende sobre as consequências das novas

relações estabelecidas no ambiente do ciberespaço:

Com esse novo suporte de informação e de comunicação emergem gêneros de conhecimento inusitados, critérios de avaliação inéditos para orientar o saber, novos atores na produção e tratamento dos conhecimentos (LÉVY, 1999, p. 169).

O debate proposto pelo grupo se torna importante porque “através desse trabalho

de reconstrução de si mesmo o indivíduo tende a definir seu lugar social e suas relações com os

outros” (POLLAK, 1989, p.13), contribuindo para que a memória coletiva daquela comunidade

não se deixe ofuscar pela memória oficial. Isso significa, também, lutar contra um

enquadramento de memória, ao passo que fornece à sociedade um novo “quadro de referências”

e “pontos de referência” (POLLAK, 1989, p.9).

O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história. Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro. [...] O que está em jogo na memória é também o sentido da identidade individual e do grupo (POLLAK, 1989, p.9-10).

16 Foram encontrados três perfis diferentes de Emílio Faustino e verificamos que ele publica no grupo

EmpoderadXs BR, na maior parte do tempo, com o perfil que possui o número maior de seguidores – mais de 19 mil pessoas. Emílio também possui canal no Youtube, que não é atualizado constantemente e que conta com menos de 150 inscritos, e um perfil no Instagram, com mais de 37 mil seguidores. Dados colhidos em 7 de agosto de 2018.

17 https://empoderadxs.com.br/

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Com a possibilidade de escuta do outro promovida pelo ciberespaço, o contato com

indivíduos que possuem pensamentos e posicionamentos semelhantes ao seu é benéfico quando

se trata de sujeitos que buscam uma identificação com um grupo, ou uma causa.

5. Números de uma memória coletiva no Facebook

Durante o mês de junho de 2018, dedicado ao combate à homofobia no país, vários

temas – todos relacionados às questões das minorias sociais – foram abordados no

EmpoderadXs BR, dentre eles: racismo, aborto, paternidade ativa, papéis sociais de gênero,

casamento homoafetivo, etc.

Apesar de não termos o controle administrativo do grupo, conseguimos mapear a

comunicação do mesmo classificando os posts de sua timeline. Durante o período analisado,

foram realizadas 228 postagens, sendo, destas, as mais relevantes:

– 95 compartilhamentos de texto e/ou imagem, ou notícia, com conteúdo alinhado com a

proposta do grupo;

– 35 compartilhamentos de vídeo, também com conteúdo alinhado com a proposta do grupo;

– 24 postagens pessoais (texto, imagem ou vídeo), com conteúdo engajado visando a promoção

de debates ou alertas sobre assuntos de interesse do grupo;

– 38 postagens de assuntos variados – cinema, livros, eventos, etc – com ou sem ligação direta

com a proposta do grupo, mas com a intenção de promover arte e cultura representativas do

grupo;

– 7 postagens de utilidade pública, visando auxiliar os membros do grupo em questões sociais

e de saúde;

– 29 postagens aleatórias, sem nenhuma conexão com os objetivos do grupo (dentre elas, alguns

tipos de anúncios, posts avulsos e material removido).

A postagem com maior interatividade18 do mês de junho foi o compartilhamento de

uma notícia sobre a agressão a um casal gay no primeiro dia de Copa do mundo na Rússia, que

rendeu 393 curtidas e 100 comentários. Segue-se a questão levantada por um membro do grupo,

18 Os critérios para definir as postagens com maior iteratividade do público está sendo a soma das curtidas com os

comentários dos posts, para avaliar a movimentação dos membros em relação à publicação. Os números foram contabilizados em 7 de agosto de 2018, e podem sofrer alterações.

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sobre o fato de que, na Parada gay de São Paulo, as mulheres trans não podiam ficar sem camisa,

enquanto os “boys”, sim19, com 123 curtidas e 313 comentários.

Emílio Faustino fez duas publicações em junho que também tiveram uma boa

repercussão dentro do grupo: uma dando as boas-vindas à primeira colunista trans do site,

Katherine B. Waseluche, com 143 likes e 20 comentários; e a outra incentivando os membros

a compartilhar a notícia de que a Latam demitiu um funcionário que aparece em um vídeo

machista publicado na rede, com 117 likes e 9 comentários.

Figura 1 – Gráfico com números absolutos

19 A pergunta feita no post de 5 de junho de 2018 do membro Fábio Bonifácio era: “Por que você ou o boy gostoso

que vc paquerou podem ficar sem camisa na Parada e as travas não???”(sic).

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Figura 2 – Gráfico com porcentagens de cada tipo de postagem

5.1. Sobre a hipótese e os resultados encontrados

Relembrando, nossa hipótese é que encontraríamos no Facebook evidências do

processo de construção de memória coletiva subterrânea através de grupos com competência

midiática em desenvolvimento, capazes de se apropriar dos recursos técnicos da plataforma –

dominada pela ação dos algoritmos – para expor seus pensamentos. Além disso, esses grupos,

representantes de minorias sociais, seriam produtores de conteúdo genuíno e comunicariam o

pensamento (memória coletiva) de suas comunidades e teriam nos algoritmos um aliado para

aumentar a argumentação e geração desse discurso de mobilização, que é o objetivo do grupo.

O critério adotado, neste momento da pesquisa, para verificar se os algoritmos

influenciam ou não a produção de conteúdo dentro do grupo foi a contraposição do número de

compartilhamentos de mensagens em relação ao número de postagens espontâneas. Os

compartilhamentos representam a ação dos algoritmos uma vez que o conteúdo compartilhado

é, em grande parte, material que chega à timeline do indivíduo por identificação de perfil, ou

seja, aparece em seu feed o que mais lhe interessa, segundo a dinâmica algorítmica. No caso

estudado, encontramos 130 compartilhamentos no universo de 228 postagens, representando,

os compartilhamentos, 57% das postagens no mês. Podemos considerar, desta forma, uma

indicação de que os algoritmos influenciam a produção de conteúdo, já que mais da metade

deste foi gerado por meio de postagens de terceiros, compartilhadas com o grupo.

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Vale ressaltar que esse número significativo se refere a um conteúdo alinhado com

os objetivos do grupo, que é o de promover debates e oferecer informações que possam

contribuir com a inclusão e o empoderamento dos membros. Os conteúdos considerados

desconexos com esse propósito (29 postagens aleatórias) somam apenas 12% do material

produzido no mês.

As postagens com maior interatividade apontadas anteriormente confirmam o

diálogo com os interesses do grupo, promovendo discussões sobre a homofobia,

comportamento e inclusão, por exemplo.

Esse resultado nos leva a entender que nossa hipótese tende a ser confirmada com

a continuação do desenvolvimento de nossa pesquisa, levando em conta que os algoritmos, na

função de compartilhamento do Facebook, contribuíram positivamente para a amplificação

dessa memória coletiva construída pelo grupo analisado.

Considerações finais

O ciberespaço apresenta uma configuração democrática para as comunidades

marginalizadas construírem e darem voz às memórias subterrâneas, apesar da exclusão por falta

de acesso ainda ser um problema grave que afeta grande parte da população mundial. No

entanto, segundo Lévy:

[...] essa questão não deve nos impedir de contemplar as implicações culturais da cibercultura em todas as suas dimensões. Aliás, não são os pobres que se opõem à Internet — são aqueles cujas posições de poder, os privilégios (sobretudo os privilégios culturais) e os monopólios encontram-se ameaçados pela emergência dessa nova configuração de comunicação (LÉVY, 1999, p. 11).

Realmente, questões sensíveis a essas minorias podem ser discutidas em tempo real,

sem fronteiras, em paralelo com o registro e a divulgação das memórias coletivas desses grupos.

Esse movimento acarreta na dissolução do enquadramento de memórias e propicia um diálogo

mais amplo entre as comunidades que representam os indivíduos excluídos com a sociedade

que os engloba. Com isso, o ciberespaço auxilia na escuta do outro, como descreve Lévy:

O outro não é mais um ser assustador, ameaçador: como eu, ele ignora bastante e domina alguns conhecimentos. Mas como nossas zonas de inexperiência não se justapõem ele representa uma fonte possível de enriquecimento de meus próprios saberes. Ele pode aumentar meu potencial de ser, e tanto mais quanto mais diferir de mim. Poderei associar minhas competências às suas, de tal modo que atuemos melhor juntos do que separados (LÉVY, 2007, p.27).

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Levando essa questão para o ambiente do Facebook, encontramos, nos seus grupos

de discussão, grandes agentes de mobilização e transformação social – tal como o

EmpoderadXs BR, que analisamos, ainda superficialmente, no decorrer deste trabalho. Com a

hipótese tendo uma sinalização de confirmação pelos resultados apresentados, concluímos que

as vozes das minorias têm no ciberespaço um local que propicia a união e a constituição de sua

memória através do empoderamento e do reforço da cidadania dos indivíduos que fazem parte

do grupo. Mesmo com os algoritmos controlando o que deve aparecer em nosso feed de notícias,

acabamos por compartilhar esse conteúdo mais relevante com o grupo, contribuindo para a

solidificação de pensamento e de identidade da comunidade da qual fazemos parte.

Referências

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