memória social da batalha do jenipapo: narradores/as e ... rodrigues... · a presente proposta de...

23
Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e romeiro/as e o direito à memória e à educação patrimonial no sertão do Piauí Juliana Rodrigues Cavalcante 1 RESUMO A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do reconhecimento de uma política pública de preservação do patrimônio cultural da Batalha do Jenipapo, travada em 13 de março de 1823, no âmbito do processo de independência do Brasil no, hoje, município de Campo Maior, Estado do Piauí, Nordeste do Brasil. A intenção aqui é, pensar que como uma memória social da Batalha do Jenipapo, em várias dimensões, interpela às políticas públicas patrimoniais no sentido de serem formas de continuidade histórica e memorialística da nação brasileira, piauiense e campomaiorense, práticas referidas a processos sociais e (re)significadas no plano da cultura, como de fato, cada povo (re)significa seu processo histórico e social de afirmação de identidades. Nesta direção, a construção dessa memória social aponta para novas práticas políticas entre as quais sobressaem diversos lugares de memória presentes em tradições orais o que pode ser pensado como acervos patrimoniais imateriais referenciados em oralidades e rituais em seus diálogos com as marcas materiais como o Monumento aos Heróis do Jenipapo, em Campo Maior, local de celebrações cíveis e o “Cemitério do Batalhão”, local de romarias.As memórias transmitidas na tradição oral e os rituais do catolicismo popular no Cemitério do Batalhão são bens culturais identificado nesta pesquisa. E o/as próprio/as romeiros/as e narradores/as externalizam interesse na preservação das histórias narradas seja sobre a Batalha, seja das graças alcançadas por intermédio das “Almas do Batalhão”. Palavras-chaves: Batalha do Jenipapo Tradição oral- memória social- patrimônio imaterial 1. Batalha do Jenipapo: delineamentos históricos A historiografia oficial escrita sobre o evento, aqui brevemente abordada, constrói interpretações da Batalha do Jenipapo, mostrando-a como resultado de um processo marcado por conflitos. E para entender a conjuntura social, econômica e política da Batalha, ancoramo-nos em autores/as que se dedicaram ao tema (CHAVES, 2005; DIAS, 1999; FONSECA NETO, 2010; NUNES, 1975; NEVES, 1985). A compreensão do contexto histórico da Batalha do Jenipapo supõe falar sobre as condições de vida da população da província do Piauí nos idos oitocentistas. Na 1 Bacharela em Ciências Sociais e Mestra em Política Públicas pela Universidade Federal do Piauí.

Upload: others

Post on 08-Oct-2020

0 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e romeiro/as e o direito à

memória e à educação patrimonial no sertão do Piauí

Juliana Rodrigues Cavalcante1

RESUMO

A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma

memória social na face do reconhecimento de uma política pública de preservação do

patrimônio cultural da Batalha do Jenipapo, travada em 13 de março de 1823, no âmbito

do processo de independência do Brasil no, hoje, município de Campo Maior, Estado do

Piauí, Nordeste do Brasil. A intenção aqui é, pensar que como uma memória social da

Batalha do Jenipapo, em várias dimensões, interpela às políticas públicas patrimoniais

no sentido de serem formas de continuidade histórica e memorialística da nação

brasileira, piauiense e campomaiorense, práticas referidas a processos sociais e

(re)significadas no plano da cultura, como de fato, cada povo (re)significa seu processo

histórico e social de afirmação de identidades. Nesta direção, a construção dessa

memória social aponta para novas práticas políticas entre as quais sobressaem diversos

lugares de memória presentes em tradições orais o que pode ser pensado como acervos

patrimoniais imateriais referenciados em oralidades e rituais em seus diálogos com as

marcas materiais como o Monumento aos Heróis do Jenipapo, em Campo Maior, local

de celebrações cíveis e o “Cemitério do Batalhão”, local de romarias.As memórias

transmitidas na tradição oral e os rituais do catolicismo popular no Cemitério do

Batalhão são bens culturais identificado nesta pesquisa. E o/as próprio/as romeiros/as e

narradores/as externalizam interesse na preservação das histórias narradas seja sobre a

Batalha, seja das graças alcançadas por intermédio das “Almas do Batalhão”.

Palavras-chaves: Batalha do Jenipapo – Tradição oral- memória social-

patrimônio imaterial

1. Batalha do Jenipapo: delineamentos históricos

A historiografia oficial escrita sobre o evento, aqui brevemente abordada,

constrói interpretações da Batalha do Jenipapo, mostrando-a como resultado de um

processo marcado por conflitos. E para entender a conjuntura social, econômica e

política da Batalha, ancoramo-nos em autores/as que se dedicaram ao tema (CHAVES,

2005; DIAS, 1999; FONSECA NETO, 2010; NUNES, 1975; NEVES, 1985). A

compreensão do contexto histórico da Batalha do Jenipapo supõe falar sobre as

condições de vida da população da província do Piauí nos idos oitocentistas. Na

1 Bacharela em Ciências Sociais e Mestra em Política Públicas pela Universidade Federal do Piauí.

Page 2: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

dimensão econômica, Brandão (1975) considera que apesar de o Piauí em 1821 não

oferecer quaisquer índices apreciáveis de desenvolvimento, contava com a pecuária

(criação de gado vacum), como sua principal base econômica, cujo comércio tinha como

grandes mercados as províncias do Ceará, Bahia, Pernambuco e Maranhão. No que

tange ao setor agrícola, a participação de produtos como fumo, algodão e cana-de-

açúcar, acrescentavam pouco às rendas da província (CHAVES, 2005; BRANDÂO,

1975; NUNES, 1975) que contava com aproximadamente 100 mil habitantes, sendo o

norte mais populoso (NUNES, 1975).

Naquela sociedade de base rural, a terra era monopólio de poucas famílias que

constituíam oligarquias locais (DIAS, 1999). Demais habitantes compunham-se de

pessoas que viviam em sua maioria na condição de posseiros, lavradores, vaqueiros e

roceiros (DIAS, 1999; NEVES, 1985; CHAVES, 2005), além da população escrava.

Assim, as condições sociais da maioria da população piauiense no início do século XIX,

eram de acesso precário à terra e à produção de alimentos, o que movia conflitos e

tensões. Para Claudete Dias, havia uma população faminta, um “material humano para

qualquer revolução” (DIAS, 1999, p.175), o que geraria insegurança na elite dominante.

Nesta direção, como diz a autora, havia um ambiente efervescente para ideias

emancipacionistas, como as de adesão da população brasileira aos ideais da Revolução

do Porto2 da qual, segundo Abdias Neves, surge a separação entre portugueses e

brasileiros: de um lado, os que abraçavam a revolução em todos os ideais e planos; do

outro, aqueles que queriam o governo constitucional e se opunham à ideia da

recolonização (NEVES, 1985). Segundo Dias (1999), desde 1817, idéias liberais

ecoavam nestes sertões de dentro, pelo advento da Insurreição Pernambucana de 18173.

E cresceram como forte expressão das províncias do Norte, no processo de

independência do Brasil.

Com a situação política da província confusa e com ares de intranquilidade,

agitações políticas pró-independência tornam-se conhecidas através de pasquins

sediciosos. Movimentos de cunho liberal liderados em sua maioria por grupos letrados e

homens da elite (DIAS, 1999) promovem a distribuição dos referidos pasquins nas vilas

2 Movimento militar ocorrido em agosto de 1820 em Portugal, na cidade de Porto, e que vai até Lisboa.

Teve apoio da burguesia, clero, nobreza e do exército (ANGELO, 2010). 3 O movimento tinha como foco político a independência do Brasil em relação a Portugal. Foi sufocado

de início por tropas portuguesas, e não teve forte repercussão na província do Piauí (DIAS, 1999;

BRANDÃO, 1985).

Page 3: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

de Campo Maior, Parnaíba e Oeiras (BRANDÃO, 1975; CHAVES, 2005; DIAS, 1999;

NEVES, 1985).

No contexto de agitações e movimentos contrários aos interesses de Portugal, o

governo português envia ao Piauí o Governador das Armas o Major João José da Cunha

Fidié.

Fidié chega a Oeiras, via São Luis do Maranhão, na primeira semana de

agosto de 1822, menos de 30 dias para o 7 de setembro. Sua missão, tal dito,

não tem aparentemente nexos diretos com o que sucede na corte-regente

brasileira. Mas um mundo de significados logo terá sua presença em terras do

Piauí, logo se verá: garantir os interesses diretos do rei de Portugal, afastada

outra qualquer variável que não seja exprimir fidelidade ao soberano-pai,

João VI. Tivesse o governador [Fidié] acessado o Piauí pelas bandas do

Ceará, Pernambuco, ou ainda a Bahia, teria chamuscado seus pés em chamas

de revolucionarismo. Pelo Maranhão foi bafejado pelo incenso que lhe

sopravam os irmãos de Portugal, sem desconfiar que pisava em chão morno

de rebeldia, senão o da ilha-capital azulejada, mas certamente o do continente

expandido aos sertões (FONSECA NETO, 2010, p. 48) (grifo nosso).

Fonseca Neto (2010) alude ao mundo de significados produzidos pela presença

de Fidié no imaginário popular da província4. Como diz o relato, a posse do Governador

das Armas se deu em “meio do entusiasmo festivo de uns, e da retração cautelosa de

outros” (NEVES, 1975, p. 53).

A posse de Fidié confunde e ainda sinaliza ao ativismo político local pelo

menos duas possibilidades: a) seria ele o homem que viera em nome da nova

ordem instauradora em Lisboa, consagradora da dualidade monárquica já

aludida, rigorosamente o projeto, pretendido pelas forças em disputa; b) sua

presença aqui seria uma daquelas “revivescência” das forças intrusas

articulando um sentido de poder já tido por decaído - nas linhagens do

absolutismo varrido na Europa. (FONSECA NETO, 2010, p. 48).

Assim que chega a terras piauienses, Fidié foi informado dos acontecimentos

pela Junta Governativa, ficando a par das tendências emancipacionistas do povo

(CHAVES, 2005; NEVES, 1975) e de que as vilas de Parnaíba e Campo Maior

expressavam forte adesão ao movimento. Fidié, então, desloca o destacamento da Vila

de Marvão5 para Campo Maior, onde pareciam ser mais pronunciadas as tendências

separatistas (CHAVES, 2005).

No Piauí, mas especificamente, na vila de Parnaíba, chegaram notícias do “grito

do Ipiranga”, ou da proclamação da Independência do Brasil por D. Pedro, em 7 de

4 O que podemos pressupor como um dos importantes pontos de partida da tradição oral da Batalha do

Jenipapo em Campo Maior, em cujo âmbito, Fidié é referido como “sanguinário”. 5Atual município de Castelo do Piauí, localizado na mesorregião Centro-Norte piauiense, na microrregião

de Campo Maior. Foi instalado como município em 1939 (IBGE, 2002).

Page 4: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

setembro de 1822, e da adesão do Ceará. O juiz de fora João Cândido de Deus e Silva, e

o Coronel Simplício Dias da Silva, sabendo desses acontecidos, proclamam a

independência do Piauí em ralação a Portugal, na vila de Parnaíba, a 19 de outubro de

1822 (NUNES, 1975).

Este fato culminou na adesão de outras vilas, como a capital Oeiras, à causa da

independência. Enquanto Fidié marcha de Oeiras para Parnaíba, no intuito de conter a

adesão da vila de destino, Oeiras conspira a favor da causa. Na madrugada de 24 de

janeiro de 1823, movimentam-se os conjurados que ocupam pontos estratégicos da

cidade, tomam o quartel, a Casa da Pólvora, depõem a Junta Governativa e convocam a

população para o levante. Ao amanhecer, a independência estava proclamada em Oeiras

e D. Pedro declarado Imperador Constitucional (NEVES, 1985; DIAS, 1999).

Segundo Dias (1999), esta movimentação culmina no maior, mais violento e

sangrento combate considerado pela historiografia como o mais notável nas lutas pela

independência do Brasil: no Piauí, a batalha ou combate às margens do riacho Jenipapo,

em Campo Maior. Uma luta de sertanejos, vindos de várias partes do Piauí e do Ceará,

ocorrida a 13 de março de 1823. Assim, em Campo Maior, quando se soube que Fidié

vinha de Parnaíba, o Capitão Luis Rodrigues Chaves acelerou a mobilização na vila,

para o “tributo de sangue” (CHAVES, 2005, p. 307). O comandante português Fidié era

tido como “opressão” (DIAS, 1999. p. 286). A multidão engrossava fileiras no combate

“e nesse entusiasmo, surgiu o dia do encontro o 13 de março” (NEVES, 1985, p. 120),

quando

ao amanhecer o dia, a tropa formou no largo de Sto. Antonio. Dada à ordem

de marcha, todos caminharam para o rio Jenipapo, onde pretendiam barrar a

marcha aos portugueses. O terreno ali é plano; uma várzea imensa, aberta,

sem amparo. Aquele era um ano de grande estiagem. O rio estava seco. O

grosso da tropa ocultou-se no próprio leito do rio, enquanto que alguns outros

contingentes se abrigaram nos mufumbais das ribanceiras [...] O Cap.

Rodrigues Chaves enviou uma patrulha para explorar a estrada da direita.

Fidié descia com o grosso de sua força pela estrada da esquerda e explorava a

da direita com um pelotão de sua cavalaria. Este se havia distanciado da tropa

e foi ele que se chocou com os cearenses da patrulha. O reencontro foi brusco

e violento [...] ouvindo o tiroteio, as tropas que guarneciam as margens do rio

não atenderam mais o Comando. Fidié, sabedor do que havia acontecido, não

perdeu tempo, passou rapidamente o grosso de suas tropas para o outro lado

do rio [...] cavou trincheiras, dispôs a artilharia, distribuiu linha de caçadores

e esperou os brasileiros [...]. A fuzilaria e as peças dos portugueses varriam

os campos em todas as direções. As cargas se sucediam, heróicas, mas

inúteis. Muitos patriotas iam morrer a boca das peças com um desamor pela

vida que pasmava os soldados, pouco afeitos a semelhantes atos de heroísmo

[...]. Depois de cinco horas de combate, às 14 horas, começou a debandada

[...] Nunca se pode saber quantas foram às baixas de Fidié no Jenipapo. Ele

não as enumerou na sua parte (CHAVES, 2005, p. 152-153).

Page 5: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

Este episódio da história do Brasil e piauiense já decorre 187 anos, perguntamos

como se dá os sentidos desta batalha no âmbito da tradição oral e da religiosidade

popular? “A memória e a história relacionadas ao Jenipapo, do enfrentamento de 1823

estão disponíveis no inventário das lembranças” (FONSECA NETO 2010, p. 15). Se a

memória social, em sentido lato, reconhece a historiografia como parte do inventário

das lembranças, através de textos escritos, assim como a monumentalização, através do

Monumento aos Heróis do Jenipapo, erigido em Campo Maior, e o Cemitério das almas

do Batalhão, qual a visibilidade e reconhecimento das fabulações tecidas na tradição

oral?

O Monumento e Cemitério proporcionam essas formas de lembrar. São lugares

de memória, cuja razão é parar no tempo, é prender o máximo de sentidos em um

mínimo de sinais (NORA, 1993), isto é, fazer com que formas rituais se concretizem no

cotidiano como a calendarização do dia em que ocorreu um fato que marcou o passado

de um povo. Assim, participantes das solenidades que celebras a Batalha, acionam

sentidos diversos, inclusive, os de fazer parte da história do lugar.

A carga de sentidos atribuídos aos espaços consagrados à memória da Batalha

aponta para marcadores identitários e, como tal, para a importância do direito à

memória. Tais espaços simbolizados são bens culturais, patrimoniais, e tradição oral

que os cerca e (re)significa se põe como suporte não apenas do passado, mas também do

futuro. O desejo de continuidade da tradição se processa em rememorações de várias

ordens, como se pode ver nas práticas da religiosidade popular.

2. Sentidos e significados da memória social da Batalha do Jenipapo:

narradores/as e romeiros/as pagadores/as de promessas das “Almas do Batalhão”

O episódio da Batalha do Jenipapo reverbera de forma significativa na vida das

pessoas da cidade de Campo Maior, no Estado do Piauí, até hoje. A história vem sendo

(re)contada através de gerações, pelos fios condutores do escrito, do inscrito e da

oralidade, pelas lembranças de quem ouviu/reelaborou/transmitiu e/ou ainda transmite,

narrativas da Batalha. Tomar como objeto de estudo narrativo, cujo âmbito se dá em um

processo de atribuição de sentidos e significados à Batalha do Jenipapo entre

narradores/as, em Campo Maior e de como essa memória dialoga com a Política

Nacional de Patrimônio Imaterial. Um pressuposto inicial da existência de uma

Page 6: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

memória subterrânea (POLLACK, 1989) eclipsada (MORAES, 2000), aponta para

possibilidades de apreender, nas narrativas orais sobre o passado, marcadores

identitários e virtualidades de patrimonialização oficial de uma memória que se

reelabora nas reverbações entre o oral, o escrito e o inscrito.

A tradição da escrita à base da produção historiográfica sobre a Batalha do

Jenipapo fundada, principalmente, em fontes documentais escritas, em larga medida,

produzidas a partir da narrativa oficial, legitimada por um discurso dominante, muitas

vezes com base na hagiografia de vultos “importantes”. Mas não se pode afirmar que

não haja elementos de oralidade na própria historiografia oficial. Como lembra Alberti

(2005), há uma relação entre o oral e o escrito, o que leva a pensar que um documento e

uma lembrança jamais são inócuos. Resultam de uma montagem tanto da sociedade que

os produziu quanto das sociedades onde continuam a existir, chegando até a nossa

(GONDAR, 2005) por diferentes vias de transmissão.

De fato, como lembra Gondar (2005), a memória social é polissêmica, pois

comporta diversas significações e uma variedade de sistemas de signos. Tal polissemia

pode ser entendida em duas vertentes: de um lado, a memória comporta diversas

significações; de outro, ela se abre a uma variedade de sistemas de signos, tanto

simbólicos (palavras orais ou escritas) quanto icônicos (imagens desenhadas) e mesmo

indiciais (marcas corporais). Nesta direção, Alessandro Portelli chama a atenção, na

análise das narrativas, para a percepção dos múltiplos fragmentos de memória

interrelacionadas. O autor compreende haver uma “multiplicidade de memórias

fragmentadas e internamente divididas, todas de uma forma ou de outra, ideológica e

culturalmente mediadas” (PORTELLI, 1996, p. 106). Assim, no âmbito de um grupo,

podem-se encontrar diferentes versões de uma mesma tradição oral (GODOI, 1999).

Junte-se a isto que no trabalho de construção na memória, dos significados

sociais, narradores/as selecionam suas rememorações de acordo com pontos de vista

particulares, e quando não têm dados podem até inventá-los (FENTRES E WICKHAN,

1992). Como afirmado por Sigmund Freud, a memória é em parte lembrança e em parte

invenção a qual tem sua carga de significados culturais em um processo no qual “para

algumas lembranças reais junta-se uma massa de lembranças fictícias” (HALBWACHS,

1990, p. 28 ). Assim não é a “verdade” nas narrativas inferidas a partir da memória oral

que se procura, mas a presença de mitos, valores, sentidos, significados, nela, envoltos.

Page 7: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

Verena Alberti concebe tradição oral, a partir da Enciclopédia Britânica, como

“o agregado de costumes, crenças e práticas que não foram originariamente colocadas

na forma escrita, mas contribuem para a continuidade de um grupo social e ajudam a

formar sua visão de mundo” (ALBERTI, 2005, p. 24). Como pensar então, a tradição

oral relacionada a um evento com registro historiográfico?

Assim, trabalhar a tradição oral da Batalha do Jenipapo, leva a pensar o

quanto de historiografia há nas narrativas orais e o quanto de tradição oral há nos textos

historiográficos e outras inscrições.

São versões repassadas de uma geração a outra, podendo, como dito por

Pollak (1992), memória ser tomada como herança que preserva histórias de um tempo

pertencente ao grupo. Nesta direção, se expressa a relação entre memória e identidade

como refere: “a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade [...] é

também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de

coerência de uma pessoa ou de um grupo” (POLLAK, 1992, p. 204). Diz o autor, que

embora se trate de acontecimentos dos quais as pessoas não participaram, eles ganham

tamanho relevo, no imaginário, que narradores/as chegam a se sentir pertencentes

àquela história. E de fato o são: a narrativa traduz vínculos com o passado, embora

distante, presentificando-o no próprio ato de narrar que o (re)significa.

Na tradição oral da Batalha do Jenipapo entre idosos/as, encontram-se, no

tecido narrativo, temas como: Fidié, combatentes, a Batalha e vaqueiros. Tais temas

vêm permeados por subjetividades que expressam sentidos coletivos, como a bravura de

um exército sem armas, identificações com personagens etc;

Neste processo, práticas culturais da religiosidade popular ocupam um

espaço significativo na memória da Batalha, reafirmando o valor do sacrifício dos

combatentes, atribuindo-lhes santidade. Devotos/as recorrem a estes heróis santificados

não-canonicamente em pedidos que, tidos como atendidos, têm como consequência o

pagamento de promessas. Tal pagamento é traduzido, muitas vezes, em oferenda de ex-

votos e queima de velas. O pagamento de promessas no “Cemitério do Batalhão” já foi

tema abordado pela da imprensa local:

Pessoas pagam promessas para as “almas do batalhão”. Assim, relata a

publicação do Jornal A Luta de 13 de março de 1973: Inúmeras são as

pessoas que, não só no dia 13 de março como em qualquer época do ano

procuram os mortos do jenipapo com fim de fazerem promessas para

Page 8: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

alcançarem graças. A base do vetusto Cruzeiro do Cemitério do Batalhão já

ardeu, muitas vezes, nas chamas de velas que são acesas ali pelos que

cumprem promessas pelas obtenções de benefícios de toda espécie (...). Lá

vai o moço vitorioso, a pé, em direção do Jenipapo, percorrendo mais de duas

léguas, ida e volta, pagando a promessas (maneira essa mais frequente) feitas

aos mártires da Pátria (JORNAL A LUTA, 197—, s/autor. Apud, LIMA,

2009, p. 87).

O relato da peregrinação ao Cemitério do Batalhão em busca dos milagres

realizados pelas almas dos mortos na Batalha fala da relação com o sagrado na busca de

soluções para os problemas. São práticas que atravessam séculos na existência humana

e caracterizam-se como aportes comportamentais da instituição religião a qual Émile

Durkheim define como “um sistema mais ou menos complexo de mitos, de dogmas, de

ritos, de cerimônias” (DURKHEIM, 2000, p. 18). São crenças e práticas relativas a

coisas sagradas, que se unem em uma comunidade moral única. A religião é um

fenômeno social predisposto à classificação das coisas entre profano e sagrado

(DURKHEIM, 2000).

a divisão do mundo em dois domínios que compreendem, um, tudo que é

sagrado, outro, tudo o que é profano, tal é o traço distintivo do pensamento

religioso: as crenças, os mitos, os gnomos, as lendas são representações ou

sistemas de representação que exprimem a natureza das coisas sagradas, as

virtudes e os poderes que lhe são atribuídos, sua história, suas relações

mútuas e com as coisas profanas (DURKHEIM, 2000, p.20).

Etimologicamente religião vem do latim “religio, cognato de religare,

“atar”, “ligar para tras” [...]. Comumente, pode-se defini-la como conjunto de relações

teóricas e práticas entre o homem e uma potência superior” (TELES, 1995, p. 255). A

religião, além de legitimar estilos de vida singulares, também desempenha funções

sociais; pode ser passível de uma análise sociológica, pois dela não se espera somente

refrigério para as angústias, busca da cura e alívio dos sofrimentos. A partir dela se

alcança também a compreensão das estruturas sociais na qual estão inseridos os sujeitos

sociais (BOURDIEU, 1996).

Na religião, “as crenças, rituais e objetos adquirem qualidade sacra não de

uma reação individual, mas através da reação coletiva do grupo [...] os indivíduos

adquirem suas ideias religiosas dos grupos em que vivem” (CHINOY, s/d, p. 492). As

práticas religiosas celebram muitas vezes acontecimentos significativos e simbólicos,

como a crucificação, a fuga dos judeus do Egito (Páscoa), o nascimento de Buda, dentre

Page 9: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

outros (CHINOY, s/d). Autores clássicos que abordaram o tema da religião

(DURKHEIM, 2000; ELIADE, 1992; WEBER, 1971) a toma como expressão cultural.

É a religião um fenômeno importante para se compreender a cultura, no caso, a cultura

popular, como diz Carlos Rodrigues Brandão:

Talvez a melhor maneira de se compreender a cultura popular seja por meio

do estudo da religião. Ela existe em franco estado de luta acesa, ora por

sobrevivência, ora por autonomia, em meio a enfrentamentos profanos e

sagrados entre o domínio erudito dos dominantes e o domínio popular dos

subalternos (BRANDÃO, 1986, p.15).

Como referido, no interior das celebrações oficiais da Batalha do Jenipapo,

há celebrações religiosas oficiais, da tradição cristã católica e evangélica. No entanto,

não se pode ignorar que o campo da religiosidade envolvendo a Batalha adquire

sentidos específicos, de um acontecimento significativo para Campo Maior e

adjacências, com a devoção de pessoas comuns, com práticas religiosas do que a

literatura especializada denomina catolicismo popular com suas práticas

centradas no culto aos santos, sobretudo aos padroeiros locais, com

promessas e novenas e nas rezas católicas tradicionais, o catolicismo popular,

normalmente, um culto alegre com suas festas e danças nos dias dos santos

principais [...], [além dos] seus momentos de contrição, com mortificações e

penitências (NEGRÃO, 2008, p. 264).

O nome catolicismo precedido do termo popular parte da relação teórico-

política estabelecida entre cultura dominante e cultura popular6, a qual no que tange à

religião se constituiu por vertentes de um catolicismo oficial (cultura hegemônica) e

pela religiosidade popular, um catolicismo extraoficial praticado pelas, como diria

Gramsci (1998), classes subalternas.

Mas se a religiosidade popular com seus “santos do povo” (BRANDÃO,

1986), e seus lugares sagrados, pode ser tida como forma de contestação (CUCHE,

2000), pela modificação de visões de mundo, não se pode deixar de lembrar que no

6 Cuche (2002) faz menção em sua análise a duas teses a minimalista e a maximalista. A primeira diz que

tais culturas são derivações da cultura dominante a qual é tida como cultura central, de referência; a

segunda refere-se à cultura popular como autônoma sem derivação da cultura dominante. Estas teses se

colocam um tanto distante da complexidade que envolve a relação entre cultura popular e cultura

dominante, pois as culturas populares não são inteiramente dependentes, nem inteiramente autônomas,

não imitam e nem criam totalmente. “[...] toda cultura particular é uma reunião de elementos importados,

de invenções próprias e de empréstimos” (CUCHE, 2000, p. 14).

Page 10: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

processo há uma “circularidade cultural” (GINZBURG, 1987, p.16) com elementos da

cultura dominante compondo a cultura popular, o mesmo ocorrendo em sentido

contrário, em um “influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica”

(GINZBURG, 1987, p. 20).

Tendo em conta a pluralidade no panorama das religiões populares no

Brasil, esta pesquisa foi delimitada à perspectiva do catolicismo popular brasileiro7

tradicional sua característica principal é a prática devocional, a qual se caracteriza como

uma garantia de auxílio celeste para as necessidades humanas. A fidelidade ao santo ou

a santa manifesta-se no cumprimento das promessas feitas (AZZI, 1994). É o que se

chama comumente de devoções populares, “devoções marginais” (PEREIRA, 2005, p.

36), pois “subsistem às margens da Igreja oficial, muitas vezes, sem o conhecimento ou

reconhecimento da mesma, mas que são praticadas por fiéis que, nas pesquisas

censitárias, se denominam católicos” (PEREIRA, 2005, p. 36). Para o autor, as

devoções marginais mais comuns são aos “santos de cemitério”, esses “santos

populares”. Apesar de estarem à margem das devoções oficiais, nem por isso são menos

celebrados. Os espaços da devoção oficial e marginal são diferenciados em uma

configuração espacial por fiéis, que territorializam simbolicamente, outros espaços

como sagrados, para além dos espaços canônicos, no caso em questão, o lugar de

práticas rituais, o “Cemitério do Batalhão” no âmbito da devoção às “Almas do

Batalhão”8.

Tem-se aqui um catolicismo configurado na “devoção marginal”, que

transfere práticas devocionais de um território previamente estabelecido instituído como

sagrado (igrejas, capelas, santuários, templos), para “ocupar as fronteiras do profano e

dos locais incomuns, como cemitérios [...]. [Assim], (des)territorializa aquilo que foi

previamente territorializado, demarcado e defendido contra a invasão de outros

elementos, principalmente no que tange ao profano” (PEREIRA, 2005, p.34). No caso

do Cemitério do Monumento aos Heróis do Jenipapo, recriou-se este espaço por meio

da fixação de símbolos, e práticas devocionais. A devoção às “Almas do Batalhão”

volta-se para santos não-oficiais ou não-canônicos sem reconhecimento da Igreja

Católica. São reconhecidos apenas pela devoção popular, por isso, conhecidos como

7 Como um sistema híbrido de crenças, isto significa ignorar a presença local da religiosidade. No

entanto, nos limites desta pesquisa, focalizei as práticas referidas. 8 O grupo de pesquisa intitulado “Caçadores de Milagres”, coordenado por Dourado (2006), realizou o

mapeamento dos pontos de peregrinação no Piauí. E dentre os pontos mapeados, se encontra em Campo

Maior, o único Cemitério identificado como lugar de peregrinação, dentre os pontos mapeados.

Page 11: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

“santos do povo [...]. [E] para cada santo popular há um mito nuclear que funda sua

“vida nesse mundo”, cercado de narrativas, às vezes de improviso, que colocam nos

santos casos de ousadia, sagacidade e poder” (BRANDÃO, 1986, p. 207. Aspas internas

no original).

Uma classificação tipológica dos santos-não canônicos da argentina feita

por Coluccio (1994) ajuda a melhor compreender o tema, segundo esta classificação, há

os 1/ iluminados: pessoas que em vida se dedicaram à pratica da caridade. Após sua

morte foram invocados na resolução de problemas, criando cultos populares. A Igreja

Católica vem-se apropriando destas formas devocionais e dos seus lugares de culto,

inclusive com reconhecimento canônico da santidade; 2/ vítimas de morte violenta ou

injusta: há três grupos: os chamados anjos - crianças que findaram a vida ainda na

primeira infância; as chamadas vítimas inocentes - adolescentes e adultos que foram

assassinado/as, espancado/as e estuprado/as; as chamadas pessoas de vida errada -

bandidos e prostitutas cujo/as devotos/as crêem que, em vida, tiveram a oportunidade do

arrependimento e obtenção do perdão por seus pecados.

Com base nesta tipologia as “Almas do Batalhão” se aproximam da

categoria vítimas inocentes. Na perspectiva mnemônica, a lembrança associa o martírio

dos combatentes às dores de devoto/as. Vítimas de uma guerra travada entre forças

desiguais transformam-se no imaginário popular em seres santificados que operam em

prol dos necessitados.

O culto popular às “Almas do Batalhão” põe o desafio de tentar

compreender como a relação devoto/as-santos se processa no imaginário religioso, a

partir de vivências e experiências individuais e coletivas, portadoras de sentidos

construídos em tradições culturais, como, diria Geertz (1989) teias de significados. Para

este autor, “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo

teceu. Assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise” (GEERTZ, (1989, p.

15). E tais significados podem ser interpretados: “a cultura é publica porque seu

significado o é” (GEERTZ, 1989, p. 22).

Na tentativa de registrar e compreender expressões da cultura devocional às

“Almas do Batalhão”, volto-me para narrativas e rituais de pagadores/as de promessas e

devoto/as. Tal memória devocional traduz-se em práticas de significação do sagrado,

expressões de piedade popular como o cumprimento de promessas pelas graças

alcançadas, peregrinações, romarias e penitências. Na busca de compreender

Page 12: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

(re)significações culturais, tenho em mente que determinados componentes do campo

religioso escapam à racionalização, dialogando com dimensões sobrenaturais, isto é,

percorre uma ordem inversa da lógica estruturada, faz com que homens e mulheres

inventem seu cotidiano, recorrendo à busca do imaterial, do invisível, pela fé.

O ritual do romeiro de deixar seu lar, sair do seu cotidiano impondo a si

mesmo um processo penitencial de uma caminhada longa e cansativa no movimento do

abandono do profano (espaço familiar), com o objetivo de ir ao encontro do sagrado

(POMPA, 2004), tem um significado simbólico do contrato cumprido. Um ato

devocional de gratidão pelo cumprimento das promessas relativas ao que for pedido e

alcançado por penitentes. São momentos que

constituem uma das mais tradicionais manifestações da devoção popular

brasileira [...] trata-se de peregrinações rumo a lugares sagrados, que podem

ser cruzeiros, pequenas capelas no mato ou grandes centros regionais de

romaria, realizadas normalmente em cumprimento de uma promessa

(POMPA, 2004, p. 78).

Na tradição religiosa da Batalha, esse penitencialismo está associado ao

sofrimento dos combatentes mortos no confronto. Relatos de devotos/as penitentes, nem

sempre ouvidos e gravados no Cemitério, exprimem identificação com o sofrimento dos

combatentes reafirmando o que a literatura (BRANDÃO, 1986; ZALUAR, 1983;

POMPA, 2004) diz sobre a relação no catolicismo popular, entre padecimento e

santificação.

Olha, muita gente fala que [as almas são milagrosas] por conta do combate

por que eles foram mortos, o povo muito guerreiro, por isso operam muitos

milagres. Quem tem fé acredita nisso. Nossa fé é grande por isso a gente

conseguiu. (Sr. Davi Soares, Campo Maior, comunicação oral)9

Elas são milagrosas devido à forma delas ter ido guerrear, devido aquele

sufoco que elas tiveram elas tornaram-se milagrosas, sabe?. (Sr. Florisberto

Machado Sirqueira, 58 anos, vígia, Campo Maior, comunicação oral)10

Interessante constatar que há quem se identifica, no imaginário religioso de

devoção as “Almas do Batalhão”, não apenas com as almas dos combatentes locais mas

também com as de soldados da tropa portuguesa. Em sua memória religiosa, seu Eudes

Soares da Silva, 78 anos, significa a santificação não apenas pelo aspecto da luta injusta,

da guerra desigual, mas da morte violenta. Diz:

9 Entrevista concedida a Juliana Rodrigues Cavalcante em 13/03/2011.

10 Entrevista concedida a Juliana Rodrigues Cavalcante em 13/10/2011.

Page 13: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

Todos os anos nós vamos acender velas [...].São milagrosas as almas.

Se pega com uma e é valido, Sofreram, foram mortas de bala, de facão

e a gente se apega não é só com os que morreram daqui [nordestinos],

mas com as almas dos de lá [portugueses] por que eles vieram para cá

e se acabaram [morreram] também! (Sr. Eudes Soares da Silva, 78

anos, aposentado, Campo Maior, comunicação oral).

Entrevistados chegam a dizer que o Cemitério do Batalhão é lugar sagrado.

Dona Tania Maria de Souza, em um momento da sua entrevista diz: “aquele lugar todo,

ali, é como se fosse sagrado porque lá é que está enterrado os corpos delas [almas]”. No

imaginário da narradora, o lugar se torna sagrado pelo fato de estarem enterrados, ali, os

corpos dos combatentes. Seu esposo seu Francisco, 49 anos, pedreiro, falou que também

paga promessas às almas e que leva fogos para soltar no cemitério, em homenagem às

almas.

tem gente que faz promessa de não vir de transporte, faz para vir

caminhando. Aí, vem bem cedinho umas seis [6] horas da manhã, acende as

velas e solta uns fogos. Eu mesmo já levei uns fogos para soltar! Foi uma

homenagem que eu fiz às almas (Sr. Francisco, 49 anos pedreiro, Altamira

zona rural de Campo Maior).

O lugar-cemitério torna-se referência simbólica ritualmente e na tradição oral.

Como dito por Michel de Certeau “o espaço é um lugar praticado” (CERTEAU, 2011,

p.184). No caso, por rituais que remetem ao sagrado o que, segundo Mircea Eliade

[...] se manifesta por uma hierofania11

qualquer não só na rotura na

homogeneidade do espaço como também revelação de uma realidade

absoluta, que se opõe à não realidade da imensa extensão envolvente. A

manifestação do sagrado funda ontologicamente o mundo. Na extensão

homogênea e infinita onde não é possível nenhum ponto de referência, onde

portanto, nenhuma orientação pode efetuar-se, hierofania revela um “ponto

fixo” absoluto, “Centro” (ELIADE, 1992, p. 17).

Assim, transcende-se do material, para o imaginado, para o subjetivo, para o

encantado, produzido em práticas rituais (re)significadoras do espaço, em lugar sagrado.

As práticas rituais de devoção/louvor às “Almas do Batalhão” apontam para um

imaginário12

popular sobre um povo pobre, desarmado, injustiçado, barbaramente

11

“Ato da manifestação do sagrado, propusemos o termo hierofania. Este termo é cômodo, pois não

implica nenhuma precisão suplementar: Exprime apenas o que está implicado no seu conteúdo

etimológico, a saber, que algo de sagrado se nos revela [ou seja] Não se trata de uma veneração da pedra

como pedra, de um culto da arvore como árvore, mas justamente porque são hierofanias, porque

“revelam” algo que já não é nem pedra, nem arvore, mas o sagrado, o ganz andere” (ELIADE, 1992,

p.13-18. Itálico e aspas internas no original). 12

“O imaginário é aquilo que pertence ao domínio da imaginação [...] pode ser entendido por “imagens”

que povoam as ideias ou a mente de pessoas ou grupos específicos e que são vistos a partir destes, como

axiomas que norteiam suas ações comportamentais” (PEREIRA, 2005, p. 30). Para Legros (2007) “o

Page 14: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

morto, que é santificado. Brandão (1986) diz que a morte, no convívio coletivo, produz

fascinação, pois trata do fim da vida.

Neste sentido, Halbwachs (1990) refere à importância da ancoragem espacial da

memória, a respeito diz Pierre Nora: “a memória pendura-se em lugares” (NORA, 1993,

p. 25). No caso, esta ancoragem é (re)alimentada pela tradição de promessas feitas e

pagas com ex-votos e velas às “almas do Batalhão” e pelas narrativas de peregrino/as

sobre graças alcançadas. Nora (1993) fala de lugares de memória em três sentidos:

material, simbólico e funcional. Isto significa que um lugar materializado torna-se lugar

de memória pela imaginação que o investe de uma aura simbólica.

Considerações finais: memória e Educação patrimonial como direitos de

narradores/as e romeiros/as

Nesta direção, a construção desta memória social aponta para novas práticas

políticas e diversos lugares de memória trazidos pela tradição oral através de

narradores/as diversos, em suas inserções sociais de gênero e geração. E o/as próprio/as

narradores e narradoras podem ser pensados teoricamente como lugares de memória.

Além disto, no processo pelo qual histórias e práticas sociais são (re)construídas na

tradição oral, torna-se importante verificar como essa tradição oral interpela às novas

gerações13

e como é percebido este patrimônio cultural.

O termo patrimônio, de origem latina, significa “em nome do pai”, ou seja, em

nome da herança paterna, ou de bens familiares (CHOAY, 2001). Refere-se,

historicamente, à carga de herança das gerações passadas e está ligada a processos da

memória, os quais retiram seus repertórios de signos como pontos de referências

imaginário é um pensamento simbólico total na medida em que este último “ativa” os diferentes sentidos

de compreensão do mundo. Ao mesmo tempo que “reúne” ao construir os esquemas de reconhecimento

social: ou seja, “dinamiza” ao fazer variar e evoluir sua própria produção. E é pelo fato de este

pensamento simbólico ser um “mundo criado” que ele se torna dificiilmente acessível” (LEGROS et al,

2007, p.112). No campo da relação religião e imaginário Legros (2007, p. 112) enfatiza que “religião e

imaginário, por terem em comum uma característica fundamental-atividade simbólica-, são dois domínios

que se aproximam, assimilando-se mutuamente”. 13 Jean - François Sirinelli concebe geração como escala móvel do tempo. O autor chama a atenção para

a categoria conceitual de geração na análise da divisão do tempo que possui sentidos diferenciados, como

o “biológico”, aparentemente natural, mas também cultural, por um lado modelado por acontecimentos e

por outro derivado de auto-representação: o sentimento de pertencer a uma faixa etária com forte

identidade diferencial, no caso, novas e velhas gerações fazendo alusão a jovens e idosos/as. Não se pode

ignorar que as gerações apreendem discursos, vivencias e experiências em contextos históricos diferentes,

por isso despontam visões diferenciadas (SIRINELLI, 2006). Sobre geração, ver, ainda, Segalen (1999).

Page 15: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

individuais e coletivos (CORRÊA, 2008)14

. Assim, patrimônio se enquadra nos recortes

da memória histórica (HALBWACHS, 1990) e deve, “ser compreendido como o

conjunto de informações que caracterizam as ordens de significado dentro de um grupo,

povo ou nação” (DOBEDEI, 2005, p. 47). A tradição oral da Batalha do Jenipapo, em

Campo Maior, no sentido aqui exposto, é um patrimônio cultural e como tal interpela a

política Pública Nacional de Proteção ao Patrimônio Imaterial.

A pesquisa sobre tradição oral da Batalha do Jenipapo, em suas diversas

reverberações, traz à tona memórias periféricas (POLACK, 1989) com narradores/as

expressando versões da história a partir das (re)significações pelas quais se

reelaboram/transmitem sentidos na vida sociocultural dos grupos aos quais pertencem, e

como dito por Albert (2005) constitui-se tal memória em patrimônio imaterial do grupo

Assim, o tema se insere no debate atual da Política Nacional de Preservação ao

Patrimônio Imaterial15

.

A construção/ narração da memória do passado, tanto coletiva quanto individual,

constituída de processos sociais que vão desde o aprendizado com outros até o vigor

imaginativo (THOMPSON, 1992), se encontram ordenadas culturalmente pela história

de diferentes formas e nas diversas sociedades, de acordo com os esquemas de

significação das coisas, pois em alguma medida os significados são revalidados na

prática (SAHLINS, 1997). Nisso, a construção de sentidos referentes à Batalha do

Jenipapo sofre processos ordenados pelos cenários culturais (GIDDENS, 2005), ou seja,

a história dos grupos promovem relações simbólicas com o seu passado de formas

diversas, como no contar e (re)contar essa história.

Nesse sentido, Nilson Moraes afirma que memórias coexistem na cultura, seja de

maneira conflituosa/pacífica ou mais ou menos integrada como sinalização de

expectativas em termos relacionais/conceituais/empíricos, isto é, a memória constitui do

ponto de vista político uma forma de estratégia para afirmação de identidades e culturas

(MORAES, 2005). Ao conceber cultura como uma teia de significados que o homem

mesmo tece Geertz (1989) também concebe que a compreensão destes significados leva

à interpretação da cultura. Nesta direção, apontam para a construção de identidades

locais a partir do sentimento de pertença (POLACK, 1988). No caso da memória oral

da Batalha do Jenipapo em Campo Maior este é um aporte relevante para pensar

14

Este autor amplia o conceito, referindo-as a patrimônios bioculturais (CORRÊA, 2008). 15

A propósito, ver Costa (2010), sobre a relação entre memória oral da Balaiada e políticas públicas de

patrimônio imaterial.

Page 16: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

marcadores identitários nacionais, regionais e locais a partir das narrativas tecidas por

narradores/as comuns, via tradição oral.

Pensamos esta tradição em diálogo com a referida política patrimonial,

porquanto a noção de patrimônio cultural imaterial, no Brasil, está pautada numa

concepção que abrange as dimensões do reconhecimento da diversidade cultural e traz

consigo proposições de inclusão cultural através de políticas públicas “relacionadas à

cultura e nas referências de memória e de identidade que o país produz para si mesmo

[...]. Trata-se de um instrumento de reconhecimento da diversidade cultural que vive no

território brasileiro e traz consigo o relevante tema da inclusão cultural”

(CAVALCANTI, 2008, p. 12). Assim, patrimônio se relaciona tanto à memória

histórica (HALBWACHS, 1990) quanto deve “[...] ser compreendido como o conjunto

de informações que caracterizam as ordens de significado dentro de um grupo, povo ou

nação” (DOBEDEI, 2005, p. 47).

O Estado brasileiro institui o decreto n° 3. 551 em 04 de agosto de 2000 e abre

caminhos para o registro de bens culturais imateriais ao criar o Programa Nacional de

Patrimônio Imaterial. Segundo o decreto, patrimônio imaterial se constitui de saberes,

ofícios, festas, rituais, lugares, formas de expressão e celebrações. “O conceito de

patrimônio cultural imaterial é, portanto, amplo, dotado de forte viés antropológico e

abarca expressões de todos os grupos e camadas sociais” (CAVALCANTI, 2008, p. 12).

Assim, o direito à preservação de bens culturais dialoga com o exercício da cidadania,

sendo uma conquista de cidadania cultural como o direito à fruição, a experimentação, à

informação, à memória e à participação, vista como importante elemento de construção

de identidades e cidadania (CHAUÍ, 1995).

Como dito por Fonseca (2008) a conquista do direito à cidadania cultural está

ligada diretamente à ampliação do conceito de patrimônio cultural que gradualmente

cria novos instrumentos de proteção. No caso brasileiro, os artigos 215 e 216 da

Constituição Federal Brasileira de 1988 constituem o marco inicial das políticas

públicas que incorporam a dimensão imaterial à concepção de patrimônio cultural.

Nisso,

Estado e a sociedade são apresentados como parceiros na formulação e

implementação das políticas culturais. Importante ressaltar a menção dada,

no art. 215, aos direitos culturais, dentre os quais se inclui o direito à

memória dos grupos formadores da sociedade brasileira. São mencionadas

explicitamente as culturas indígenas e afro-brasileiras, e também as culturas

populares, todas até então praticamente ausentes das vias de tombamento o

Page 17: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

que evidência o caráter compensatório e inclusivo das políticas voltadas para

o patrimônio (FONSECA, 2008, p. 40).

A noção de patrimônio cultural imaterial no Brasil pauta-se numa concepção

voltada ao reconhecimento da diversidade cultural e à inclusão cultural com proposições

de políticas públicas as quais estão

relacionadas à cultura e nas referências de memória e de identidade que o

país produz para si mesmo (...) trata-se de um instrumento de reconhecimento

da diversidade cultural que vive no território brasileiro e traz consigo o

relevante tema da inclusão cultural (CAVALCANTI, 2008, p. 12).

Esse processo deve-se também, em larga medida, à abertura na plataforma de

discussão envolvendo a participação da sociedade civil nos espaços públicos de

discussão, até mesmo no curso e gestão de políticas. A abertura democrática ampliou os

espaços públicos de interlocução com o Estado, como conferências, fóruns de

discussão, que tratam das temáticas das políticas públicas (ARRETCHE, 2007;

DAGNINO, 2002), formas pelas quais os órgãos de proteção/preservação dialogam com

a sociedade16

.

Nesta direção, a memória oral da Batalha do Jenipapo pode ser pensada, em

larga medida, como patrimônio imaterial nacional, regional e local, pois esta luta é

significada tanto histórica quanto memorialmente, como uma das lutas importantes no

processo de independência do Brasil, das colônias do Norte (parte da atual região

Nordeste), do Piauí e, em especial, de Campo Maior. Tais memórias das populações

piauiense e campomaiorense e, merecem ser inventariadas e postas a interpelar à

política patrimonial, com vistas a reconhecimento, preservação e proteção.

Representantes das novas gerações se dizem interessado/as em narrativas do

passado do lugar onde vivem, associando-o ao Estado do Piauí e ao Brasil. Ao mesmo

tempo, demonstram curiosidade por mais informações sobre um passado do qual se

sentem herdeiro/as. E (re)significam este passado em um processo de construção

identitária. Tais inferências empíricas leva a se pensar, com base em Horta (1999), sobre

a necessidade de uma educação patrimonial, “um instrumento de “alfabetização

cultural”, o qual permite ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o

16 A exemplo, seminários promovidos por Aluisio Magalhães à frente do Centro Nacional de Referências

Culturais (CNRC) com as comunidades das cidades históricas de Ouro Preto e Diamantina (Minas

Gerais), como outras formas de espaço de interlocução com grupos como as ONGS e até mesmo a

iniciativa privada (CAVALCANTI, 2008).

Page 18: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórica temporal na qual ele

está inserido” (HORTA et al., 1999).

Insiro o tema da educação patrimonial como mais uma perspectiva de

diálogos com a memória social da Batalha, uma vez que uma “meta das políticas de

educação patrimonial é a intensificação dos sentimentos de identidade e cidadania, com

base no reconhecimento e valorização do patrimônio local, seja ele material e imaterial”

(ROLIN, 2010, p.12). No caso, acrescento: não se poderia pensar um projeto de

educação patrimonial sem a participação de narradore/as e devoto/as das ‘ Almas do

Batalhão”.

Isto vai ao encontro da ideia de cidadania17

, em especial, de uma de suas

dimensões, qual seja, a cidadania cultural. Lembro com José Ricardo Oriá Fernandes,

que os direitos culturais se configuram em direitos sociais. Segundo o autor, os direitos

culturais “são aqueles que o indivíduo tem em relação à cultura da sociedade da qual faz

parte, que vão desde o direito à produção cultural, passando pelo direito de acesso à

cultura até a memória histórica” (FERNANDES, 1993, p. 271). Diz, ainda, que uma

política eficaz para o patrimônio está na articulação entre Estado e sociedade civil,

atuando nas áreas de pesquisa, preservação e educação patrimonial. Na Educação

Patrimonial,

entende-se a utilização de museus, monumentos, arquivos, bibliotecas - os

“lugares de memória” [...], no processo educativo, a fim de desenvolver a

sensibilidade e a consciência dos educandos e futuros cidadãos da

importância da preservação destes bens culturais. A educação patrimonial

nada mais é do que a educação voltada para questões atinentes ao Patrimônio

Cultural, que compreende desde a inclusão nos currículos escolares de todos

os níveis de ensino, de disciplinas ou conteúdos programáticos que versem

sobre o conhecimento e a conservação do Patrimônio Histórico, até a

realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a

comunidade em geral a fim de lhes proporcionar informações acerca do

patrimônio Cultural, de forma a habilitá-los a despertar nos educandos e na

sociedade o senso de preservação da memória histórica e o consequente

interesse pelo tema (FERNANDES, 1993, p. 274) (aspas internas no

original).

17

“Para Marshall, a cidadania é formada pelo conjunto de direitos civis, direitos políticos e direitos

sociais, que corresponderia cada um desses conjuntos de direitos à Cidadania Civil, Cidadania Política e

Cidadania social, respectivamente. Como Cidadania Civil, ele enquadrou os direitos necessários à

liberdade individual e o direito à justiça; como Cidadania Política, encontra-se o direito à participação no

exercício do poder político, seja indiretamente, por ocasião das eleições, na escolha de nossos

representantes, seja participando diretamente da vida política nacional. Cidadania Social compreende

desde o direito a um mínimo de bem-estar social e econômico, à segurança, à educação e à cultural até o

direito à prestação de serviços assistencial e de previdência social” (FERNANDES, 1993, p. 270).

Page 19: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

Entendendo lugares de memória para além dos citados por Fernandes

(1993), penso ser interessante, no que tange ao caso em estudo, políticas públicas de

educação patrimonial, as quais visem à promoção da inclusão social da comunidade ao

patrimônio por meio de atividades culturais em cujo âmbito também se identifiquem

mestres populares, narradore/as e mantenedores dos rituais devocionais, por excelência.

Nesse processo, o acervo cultural assume a representatividade dos seus valores com

estas políticas projetando-se de forma significativa para afirmação de culturas históricas

locais, regionais, nacionais, ao mesmo tempo em que desenvolvem e ou se apropriam de

instrumentos e meios para uma cultura de preservação, pois ele/as ajudam na

interpretação e compreensão do bem cultural (ROLIM, 2010).

Com base no exposto, dentre diversas possibilidades, poder-se-ia pensar em

uma proposta de educação patrimonial no âmbito da memória social da Batalha que

inclua, por exemplo: 1/ produção videográfica de narradores/as idosos/as que contam

sobre a Batalha; 2/ rodas de história da Batalha do Jenipapo em escolas e no próprio

Monumento aos Heróis do Jenipapo; 3/ concursos de narrativas; 4/oficinas de produção

de cordel nas escolas; 5/articulação das universidades do Piauí com o Memorial,

incentivando-se pesquisas e debates.

REFERÊNCIAS

.

ALBERTI, V. Tradição oral e história oral: proximidades e fronteiras. História Oral.

Associação Brasileira de História Oral. V.8.n.1, jan/jun/2005, pp. 11-28.

AUGÉ, M. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 6ª ed.

Campinas: Papirus, 2007.

AZZI, R. Espiritualidade popular no Brasil: um enfoque histórico. Revista Grande Sinal.

Petrópolis: Vozes, ano XLXIII, 1994.

BOURDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero Limitada, 1996.

BRANDÃO, C. R. A cultura na rua. Campinas: papirus, 1989.

BRANDÃO, C. R. Diário de Campo - a antropologia como alegoria. São Paulo: Brasiliense,

1982.

BRANDÃO, C. R. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981.

BRANDÃO, C. R. Os deuses do povo: um estudo sobre religião popular. São Paulo:

Brasiliense, 1986.

BRANDÃO, W. A. História da independência do Piauí. Teresina: FUNDAPI, 2006.

BRITO, B. O Piauí e a unidade nacional. In: O Piauí e a unidade nacional (org). SANTANA,

R. N. e SANTOS, C. Teresina. FUNDAPI, 2007.

BURKE, P. A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992.

Page 20: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

CAVALCANTE, J. R. Do passado de facões e canhões ao presente de velas e promessas: o

movimento religioso no Monumento aos Heróis do Jenipapo na cidade de Campo Maior- Piauí.

Artigo. Teresina, 2004. 11p.

CAVALCANTI, C. M. L. V FONSECA, M. C. L. Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília:

UNESCO. Educart, 2008.

CAVALCANTI, M. L. V. de C.; GONÇALVES, J. R. Cultura, festas e patrimônios. In:

MARTINS, C. B.; DUARTE, L. F. D. Horizontes das ciências sociais no Brasil: antropologia.

São Paulo: ANPOCS, 2010.

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2011.

CHARTIER, R. A História cultural entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Ed.

Bertrad, 1990.

CHAUÍ, M. Cidadania Cultural. O direito à cultura. Ed.Fundação Perseu Abramo. São Paulo,

2006.

CHAUÍ. M. Cultura política e política cultural. Estu. Av, São Paulo, v. 9, n. 23, 1995, pp -71-

84.

CHAVES, M. Obra Completa. Teresina: Ed. FMC, 2005.

CHINOY, E. Sociedade uma introdução à sociologia. São Paulo: Cutrix, 1978.

CHOAY, F. A alegoria do patrimônio. São Paulo: Ed. UNESP, 2001.

CORRÊA, A. F. Patrimônio bioculturais. Ensaios da antropologia das memórias sociais e do

patrimônio cultural. São Luis: Edfuma, 2008.

COSTA, F. A. Cronologia histórica do Estado do Piauí. Rio de Janeiro: Ed. Artenova, 1974.

COSTA, M. B. Ecos da Balaiada em Caxias- MA na memória oral de idoso/os (uma

interpelação á Política Nacional de Patrimônio Imaterial). Teresina: Piauí. Dissertação

(mestrado) - Mestrado em Políticas Públicas da Universidade Federal do Piauí. 2010.

CUCHE, D. Hierarquias sociais e hierarquias culturais: A noção de cultura nas ciências

sociais. Bauru: EDUSC, 2002.

DAGNINO, E (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo: Paz e Terra,

2002.

DELGADO, L. A. N. História oral e narrativa: tempo, memória e identidades. História Oral.

v. 6. 2003, p. 9-25.

DIAS, C. M. M. O outro lado da história: o processo de independência do Brasil visto pelas

lutas no Piauí 1789- 1850. Tese (de doutorado em Historia Social). Universidade Federal do Rio

de Janeiro. 1999.

DOBEDEI, V. Memória, circunstância e movimento. In: GONDAR, J. DOBEDEI, V (org). O

que é memória social? Rio de Janeiro: Contra capa livraria, 2005.

DOURADO, J. L. Caçadores de milagres: Inventário crítico dos focos difusores dos “milagres”

piauienses. In: MELO, J. M; GOBBI, M. C. DOURADO, J. L (org). Folkcom. Do ex - voto à

indústria dos milagres: a comunicação dos pagadores de promessas. Teresina: Halley, 2006.

DURKHEIM, E. As formas elementares de vida religiosa: os sistemas totemicos na

Australia. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2000.

ELIADE, M. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

FERNANDES, J. R. O. Educação patrimonial e cidadania: Uma proposta alternativa para o

ensino da história. Rev. Bras. de Hist. São Paulo v. 13, nº 25/26, pp 265-276, set 1992/ ago.

1993.

Page 21: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

FIDIÉ, J. J. C. Vária Fortuna de um soldado português. Teresina: FUNDAPI, 2006.

FONSECA NETO, A. Jenipapo: riacho irrigado com sangue da esperança. Teresina: CCOM/

Governo do Estado do Piauí, 2010.

FRANCO, J. P. Capítulos da história do Piauí. Teresina: Ed. Senado Federal, 1983.

FREITAS, C. O Fidié. In: Revista da Academia Piauiense de Letras, edição comemorativa do

primeiro centenário da independência do Piauí. Teresina: Papelaria piauiense, 1923, ano VI.

FREUD, S. Lembranças de infância e lembranças encobridoras. In: Obras completas. Rio de

Janeiro: Imago, 1976a. v. 6. pp – 67-76.

FREUD, S. O inconsciente. In: Escritos sobre a psicologia do inconsciente, v. II. Rio de

Janeiro: Imago Ed, 2006.

GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. In: A

interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. p. 13-41.

GINZBURG, C. O queijo e os vermes. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987.

GODOI, E. P. O trabalho da memória: cotidiano e história no sertão do Piauí. Campinas:

Unicamp, 1999.

GOMES, L. A Batalha do Jenipapo. In: 1822. Rio de Janeiro. Nova Fronteira. 2010.

GONDAR, J. Quatro proposições sobre memória social. In: GONGAR, J. DOBEDEI, V (org).

O que é memória social? Contra Capa livraria, 2005.

GROSSI, Y. S; FERREIRA, A. C. Razão e narrativa: significados e memória: História Oral.

Associação Brasileira de História Oral. V. 4, 2001, p. 25-38.

HALBWACHS, M. A memória coletiva. São Paulo: Vetice/ revistas dos tribunais, 1990.

HORTA, M. L et al. INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTÓRICO ARTISTICO E

NACIONAL (BRASIL). Guia Básico de educação patrimonial. Brasília: IPHAN, Museu

Imperial, 1999.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE). Perfil dos

municípios brasileiros. Meio-Ambiente 2002. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/ munic

Acesso em 14 nov. 2010.

LEGROS, Patrick et al. Sociologia do Imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2007. (coleção

imaginário).

LIMA, F. A. A Batalha: o reconhecimento. Campo Maior: Edição do autor, 2009.

MANNHEIM, K. Le problème des générations. Paris: Nathan, 1990.

MELO, C. Os primórdios de nossa história. Texto não publicado do Padre Claudio Melo.

Arquivo Público. Sala de reservas relativas ao poder executivo e legislativo, 1983.

MELO, M. A. Estado, governo e políticas públicas. In: Miceli, S. (org.). O que ler na ciência

social brasileira (1970-1995): Ciência Política. São Paulo/Brasilia: Sumaré/copes. 1999.

MORAES, M. D. C. Ainda queremos ser...tão: reflexões sobre identidade dultural e imaginário

de sertão no Piauí. O público e o privado: Cadernos do núcleo e grupos de pesquisa

vinculados ao mestrado de políticas publicas e sociedade – Universidade Estadual do Ceara.

Ano 4, nº. 07, pp. 15-36, jan/jun, 2007.

MORAES, M. D. C. e CAVALCANTE, J. R. Memória social da Batalha do Jenipapo em

Campo Maior-PI: trilhas, enredos e patrimônio. CONGRESSO BRASILEIRO DE

SOCIOLIGIA, 15., 2011, Curitiba. Anais...Curitiba:UFPR, 2011. 22p.

Page 22: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

MORAES, M. D. C. FONSECA NETO, A. “O povo sertanejo na Batalha do Jenipapo:

Memória, história e tradição oral no sertão de Campo Maior”. Projeto de pesquisa. Teresina,

maio de 2007. 30 p.

MORAES, M. D. C., FONSECA NETO, A., COIMBRA, T. História, tradição oral, e memória

no sertão de Campo Maior: o povo sertanejo na Batalha do Jenipapo (nas trilhas de uma

pesquisa). Apresentado no VI Encontro de História Oral do Nordeste, de 02 a 06/05/2007, no

Espaço de Diálogo: “Sertania: memórias, identidades e narrativas”, Ilhéus, BA, 2007. 21 p.

MORAES, M. D. C.; CAVALCANTE, J. R. Batalha do Jenipapo: Lugares de memória em

Campo Maior-PI. Projeto de pesquisa. Teresina, outubro de 2010. 23 p.

MORAES, M.D.C. Memórias de um sertão desencantado (modernização agrícola, narrativas

e atores sociais nos cerrados do sudoeste piauiense). Tese (Doutorado em Ciências Sociais).

Universidade Estadual de Campinas: UNICAMP, 2000. 475 p.

MORAES, N. M. Solidariedade orgânica e disputas de sentidos. In: GONGAR, J. DOBEDEI, V

(orgs). O que é memória social? Rio de Janeiro. Contra Capa livraria, 2005

MOTT, L. R. B. Piauí Colonial. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985.

MOTTA, B. A e WELLER, W. Apresentação: a atualidade do conceito de gerações na pesquisa

sociológica. Revista Sociedade e Estado [online], 2010, v.25, n.2,pp 175- 184.

NEGRÃO, L. N. Pluralismo e multiplicidades religiosas no Brasil contemporâneo. Sociedade e

Estado, Brasília, v. 23, n.2, p. 261-279, maio/ago. 2008.

NEVES, A. A guerra do Fidié. 3. ed. Teresina: projeto Petrônio Portela, 1985.

NORA, P. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto história. São Paulo, v.

10, n.10, dez. 1993.

NUNES, O. Pesquisas para a história do Piauí: a independência do Brasil, especialmente no

Piauí: manifestações republicanas: a ordem. Teresina: FUNDAPI; FMC. 2007.

O´DONNEL, G. Autoritarismo e democratização: contrapontos. São Paulo: UNESP, 1986.

PEREIRA, J. C. Devoções Marginais: Interfaces do imaginário religioso. Porto Alegre,

2005.

PEREIRO, X. “Patrimônio cultural: o casamento entre patrimônio e cultura”. ADRA nº 2.

Revista do

POLLAK, M. Memória e Identidade social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10,

1992, p. 200 – 212.

POLLAK, M. Memória, esquecimento e silêncio: estudos históricos. Rio de Janeiro, v. 2, n. 3,

p. 3-15, 1989.

POMPA, C. Leituras do “fanatismo religioso” no sertão brasileiro. Novos estudos CEBRAPI

nº 69, julho/2004, PP. 71-78. .

ROLIM, E. S. Patrimônio arquitetônico de cajazeiras – PB: memória, politicas públicas e

educação patrimonial. João Pessoa – PB: dissertação (mestrado) – programa de pós-graduação

em história, 2010.

SAHLINS, M. Ilhas de história. Rio de Janeiro: Jorge zahar Ed, 1997

SANTANA, R. N. M. Evolução histórica da economia piauiense. Teresina: Ed. APL, 2001.

SANTOS, A. P. História oral e memória : uma abordagem acerca da construção da hidrelétrica

de Itaipu. In: Patrimônio e Memória. UNESP-FCLASs- CEDAP, v.1, n.2, p. 99-204, 2005..

SANTOS, G E KRUEL, K. História do Piauí. Teresina: Halley/; Zodíaco, 2009.

Page 23: Memória social da Batalha do Jenipapo: narradores/as e ... Rodrigues... · A presente proposta de trabalho aborda a diversidade cultural dentro de uma memória social na face do

SHARPE, J. A história vista de baixo. In: Burke, P. (org). A escrita da História: novas

perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p. 39-62.

SILVA, L. H. M.: “O povo sertanejo na Batalha do Jenipapo: Memória, história e tradição oral

no sertão de Campo Maior”. Relatório. Teresina, agosto de 2008. 52p.

SIRINELLI, J. F. A geração. In: AMADO, J & MORAES, M (org.). Usos e Abusos em

história oral. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas: 2006.

SIRINELLI, Jean-François. A geração. In: FERREIRA, Marieta de M.; AMADO, J. Usos &

abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2006. p.131-137.

SOUSA, M. S. R. de. Direito e patrimônio: entre a materialidade e a imaterialidade do

patrimônio do mundo da vida e do sistema do direito. In: PINHIERO, A. P.; PELEGRINI, S. C.

Tempo, memória e patrimônio cultural. Teresina: EDUFPI, 2010.

SOUZA, C, V. A pátria geográfica: sertão e litoral no pensamento social brasileiro. Ed. Da

UFG, Goiânia, 1997.

SOUZA, C. Políticas públicas: uma revisão de literatura. Revista sociologia, Porto Alegre, nº

16, p. 01-11, jul./dez., 2006.

SOUZA, L. de M. O diabo e a terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil

colonial. São Paulo: companhia das letras, 1986.

SOUZA, P. G. C. História e identidade: as narrativas da piauiensidade. Teresina: EDUFPI,

2010..

TELES, A. X. Religião. In: Enciclopédia Barsa. Rio de Janeiro/São Paulo, 1995.

THOMPSON, P. A voz do passado: História oral. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

TURNER, V. O processo ritual: estrutura e anti-estrutura. Petrópolis: Vozes, 1974..