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Memórias de um Sargento de Milícias

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Memórias de um Sargento de Milícias

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Memórias de um Sargentode Milícias

Manuel Antôniode Almeida

Biografia e introduçãoAfrânio Coutinho

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Direitos de edição da obra em língua portuguesa adqui-ridos pela Editora Nova FroNtEira ParticiPaçõEs s.a. Todos os direitos reservados.

Projeto gráfico de capa e miolo: Celina Faria e Leandro B. LiporageDiagramação: Filigrana

Equipe editorial: Shahira Mahmud Adriana Torres, Claudia Ajuz

Preparação de originais: Gustavo Penha, José Grillo, Luiz Alberto Monjardim

CIP-Brasil. Catalogação na fonteSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

A444m Almeida, Manuel Antônio de, 1831-1861 Memórias de um sargento de milícias / Manuel Antô-nio de Almeida. - [Ed. especial]. - Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 2012. ISBN 978.85.209.3185-1 1. Romance brasileiro. I. Título. II. Série.

CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

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Sumário

Biografia ............................................................. 9

Introdução ....................................................... 11

1 — Origem, nascimento e batizado ............... 17

2 — Primeiros infortúnios .............................. 21

3 — Despedida às travessuras .......................... 28

4 — Fortuna .................................................. 32

5 — O Vidigal ................................................ 34

6 — Primeira noite fora de casa ...................... 38

7 — A comadre .............................................. 42

8 — O Pátio dos Bichos ................................. 45

9 — O arranjei-me do compadre ..................... 48

10 — Explicações ............................................. 52

11 — Progresso e atraso .................................... 57

12 — Entrada para a escola ............................... 61

13 — Mudança de vida .................................... 64

14 — Nova vingança e seu resultado ................ 68

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15 — Estralada ................................................. 74

16 — Sucesso do plano .................................... 79

17 — Dona Maria ............................................ 82

18 — Amores ................................................... 89

19 — Domingo do Espírito Santo .................... 92

20 — O fogo no Campo .................................. 95

21 — Contrariedades ....................................... 99

22 — Aliança ................................................. 102

23 — Declaração ............................................ 105

24 — A comadre em exercício ....................... 107

25 — Trauma ................................................. 111

26 — Derrota ................................................ 115

27 — O mestre de reza .................................. 119

28 — Transtorno ............................................ 123

29 — Pior transtorno ..................................... 128

30 — Remédio aos males ............................... 132

31 — Novos amores ....................................... 136

32 — José Manuel triunfa .............................. 140

33 — O agregado ........................................... 146

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34 — Malsinação ............................................ 150

35 — Triunfo completo de José Manuel ......... 154

36 — Escapula ............................................... 157

37 — O Vidigal desapontado .......................... 161

38 — Caldo entornado .................................. 164

39 — Ciúmes ................................................. 167

40 — Fogo de palha ....................................... 170

41 — Represálias ........................................... 173

42 — O granadeiro ........................................ 178

43 — Novas diabruras .................................... 182

44 — Descoberta ........................................... 189

45 — Empenhos ............................................ 193

46 — As três em comissão ............................... 196

47 — A morte é juiz ...................................... 201

48 — Conclusão feliz ..................................... 205

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Biografia

A 17 de novembro de 1831 nasceu Manuel Antônio de Almeida, na praia da Gamboa, em casa humilde da rua do Propósito, no Rio de Janeiro. Era filho do tenente Antônio de Al meida e Josefina Maria de Almeida. Pouco depois, a família mudou-se para uma casa em local onde hoje é a rua Uruguaiana. A infância não lhe correu alegre, e, em virtude da pobreza da família, sua instrução foi difícil, ainda agravada pelo fa lecimento do pai. Iniciou os estu-dos secundários, logo interrompi dos; cursou desenho na Academia de Belas-Artes; estudou medicina, diplomando--se em 1855. Morta a mãe, ficou com o encargo dos três irmãos, tendo que recorrer ao jor nalismo em busca do ne-cessário sustento. Fez também traduções e obteve empre-go efetivo no jornal Correio Mercantil, no qual encon trou o meio de vida que a carreira de médico não lhe propor-cionou. Em 1858, é nomeado administrador da Tipografia Nacional, no exercício de cujo cargo veio a conhecer e ajudar Machado de Assis, então com 18 anos e se iniciando na vida. Conseguiu depois o lugar de se gundo oficial da Secretaria dos Ne gócios da Fazenda, mas, apesar de todo o auxílio dos amigos, não se firmou na vida, continuando a ga nhar de trabalhos esporádicos, tra duções, jornalismo. Em 1861, 28 de novembro, de viagem para Campos aonde iria tentar uma eleição para a Assembleia Provincial, o navio Hermes bate num arrecife e soço bra, morrendo no desastre 37 passageiros, entre os quais Manuel Antônio de Almeida.

A partir de 1852, por sugestão de seu amigo Antônio César Ramos, é que Manuel Antônio de Almeida escreve e publica o romance Memó rias de um Sargento de Milícias. Tra-balhava então no Correio Mer cantil, e o livro sai em fascícu-los no suplemento do jornal, “A Pacoti lha”, publicando-o semanalmente, entre 27 de junho de 1852 a 31 de julho de 1853. Estimulado pelo êxito da publicação, o autor lan-ça-a em dois volumes em 1854 e 1855, com a assinatura de “Um Brasileiro”. Nas livrarias, o livro não teve o mesmo

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êxito de venda, mas, aos poucos, as edições se su cedem, até atingir cem anos depois a casa dos quarenta ou mais.

É interessante assinalar a cir cunstância em que Manuel Antô nio de Almeida escreveu seu livro. Ia redigindo os ca-pítulos, ao correr da pena, frequentemente em casa do seu amigo Bethencourt Silva, estirado numa cama, enquanto es tudantes seus colegas se entrega vam a patuscadas e de-clamações acompanhadas ao violão, em meio a discussões políticas e literárias.

Afrânio Coutinho*

* Afrânio Coutinho (1911-2000) foi membro da Academia Brasi-leira de Letras, professor, crítico literário e ensaísta.

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Introdução

A fortuna crítica das Memó rias de um Sargento de Milí-cias, entre 1855, quando do seu aparecimento em livro, com a autoria disfarçada sob a forma de “Um Brasileiro”, e a atualidade, obedeceu à mais caprichosa moda lidade. Na época da publicação, o livro não agradou, atribuída a au toria a alguma pessoa de mais ida de, dado que a época em que se passa a história era muito anterior. Ademais, não estava o livro em acordo com a atmosfera romântica do tempo em que se publicou, o que dava lugar a certa incompreensão por parte dos leitores, acostumados aos dramas românticos ou aos per sonagens encharcados de lirismo e às deformações da realidade. Daí ficasse mer-gulhada em completo esquecimento a obra, guardada em edição que se tornou raridade, de pois na que editou Quintino Bocaiuva em 1863, e na clandestina de 1862, lançada em Pelotas. Havia um público das Memórias, mas era marginal e a literatura não tinha incorporado o livro aos seus anais. Só com o naturalismo e depois é que o romance encontraria o jul gamento adequado e o seu renome daí cresceria constantemente, até o pleno re-conhecimento por parte da crítica, máxime depois do mo dernismo.

O problema inicial das Memó rias é o da sua classifica-ção. Muito se tem dito acerca da sua natureza de roman-ce realista avant la lettre, de sua condição de precursor da ficção realista. Na verdade, essa alegação é um esforço de superva lorização a partir de um naciona lismo mal-enten-dido, que procura emprestar ao romancista brasileiro uma posição de antecipador do re alismo à francesa, segundo uma in fluência que se ligaria sobretudo a Balzac, como sugeriu Ronald de Carvalho.

Em verdade, o suposto realismo das Memórias remon-ta a fontes mais distantes. Mostrou-o Josué Montello de maneira cabal. O pro cesso do realismo a que se filia difere essencialmente daquele em pregado pelo autor da Comédia

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humana e dos que se lhe sucede ram nas literaturas euro-peias do século XIX.

Na essência, o seu realismo nada tem da teoria e da prática do romance realista. Falta-lhe o gosto da “verda-de áspera” que apaixo nava Stendhal. Falecem-lhe a téc nica psicológica, a pintura real do coração humano, a tendência às paixões violentas e aos desenlaces trágicos, a presença dos grandes conflitos humano-sociais, a ideolo gia da vida social, da vida indivi dual, do caráter humano. Os dois gran-des romances de Stendhal apareceram em 1830 e 1839.

De Balzac, cuja vasta série inicia-se em 1829, também é dife rente a obra de Almeida. É ausente dele a preocupação balzaquiana com o naturalismo para a classifi cação das fa-mílias como espécies animais. Não lhe escapou a fideli dade de Balzac à fisiologia de Lava ter, mas não se lhe encontra qual quer traço da sua presença no seu romance, apesar de no assunto aludir em crônica sobre a “fisiolo gia da voz”. Mas Balzac, também como Stendhal, faz viver a paixão no quadro social e os seus persona gens não apaixonados frequente mente pela sede do dinheiro, do que resulta o choque com a sociedade e o drama. A objetividade é a da pró pria vida, e a pintura exata do am biente e dos costumes do tempo não deixa que se esqueça a análise dos caracteres, tudo feito com a má xima e esgotante precisão e minú cias. Há um vasto afresco histórico, social e econômico, dentro do qual os personagens avultam em tipos imensos. Assim, a pintura de cos tumes associa-se habilmente à análise dos caracteres e à ação, tudo encaminhado para a eclosão do drama. O realismo de Balzac é seve ro, rigoroso, preciso, minucioso, na ação, nas descrições. Imaginação e observa-ção não se opõem, ao con trário, somam-se, fazendo com que se encontrem nele o visionário e o observador, a visão partindo da ob servação e do real. A arte da descri ção é um ponto alto de Balzac.

De Flaubert nem se deve falar, primeiro porque a cro-nologia não permite — o romance Madame Bo vary é de 1857 — e nada há no brasileiro da arte impessoal, objetiva,

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fria, pessimista, da análise psicológica quase científica, que seriam características da arte flaubertiana.

Há um vezo da crítica em pro curar valorizar certos ro-mances anteriores ao romantismo — como é o caso de Fielding, fazendo-os passar como precursores do realis mo. Esse vezo se repete no caso do brasileiro Manuel Antônio de Al meida. No entanto, examinados propriamente, aque-les romancis tas do século XIX que marcaram a passagem do romantismo para o realismo não podem deixar de re-velar certo hibridismo romântico-realista, como é notório em Stend hal, Balzac e outros. Basta que le vemos em conta a presença em grande parte dos romances da época — e no Brasil do início do ro mance o fato é evidente — de ele mentos típicos do romantismo como o humor negro, o romance alegre e vaudevilesco, o traço cari catural, o gosto da aventura roma nesca e melodramática.

A tradição a que parece liga rem-se mais adequadamen-te as Memórias ainda é à romântica. Não há uma só família romântica: há a do romance pessoal, a do romance his-tórico, a do romance da aventu ra, a do romance filosó-fico, a do ro mance campestre, ora tendências pessoais e íntimas, ora históricas e pitorescas, ora sentimentais, ora naturalistas, ora líricas, ora dra máticas, ora épicas. Não se pode recusar a filiação romântica das Memórias só por-que elas não se en quadram no tipo do romance vi gente na época de seu apareci mento e representado fosse pelos livros de Macedo, de romantismo sentimentalesco, fosse pelo roman tismo alencariano de cunho india nista ou re-gionalista ou de costu mes urbanos pequeno-burgueses. O romance-confidência e de mal do século, à Chateaubriand e Mus set, em nada se aproxima do ro mance histórico à Walter Scott.

Levado possivelmente pelo temperamento, Manuel An-tônio de Almeida faz no seu livro a evocação histórica de uma época (“Era no tempo do Rei”, referindo-se à época de D. João VI, no Rio de Janeiro), sem todavia subordinar--se à téc nica do romance histórico à Walter Scott e mesmo

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Victor Hugo, dife rindo nisso de seu contemporâneo José de Alencar. É antes um cronis ta, de exatidão reconhecida e até surpreendente aos leitores do livro, que imaginaram, naquele “Um Brasileiro” com que se escondia, um velho contemporâneo do pe ríodo retratado. Tem-se afirmado que a sua recompensa é tão fiel que o livro pode passar como um retrato da vida entre os anos de 1810 e 1850 no Rio de Janeiro, inclusive pela reprodução de tipos po-pulares reais, como o major Vidigal, homem da polícia do tempo. Isso, contudo, não obsta a que seja o livro consi-derado romântico.

É à fonte do século XVIII que remonta a origem do tipo de narrativa a que obedecem as Memórias. A árvore genealógica das Memórias mergulha em dois fecundos ma-nanciais, oriundos dos séculos XVII e XVIII: de um lado na cor rente francesa que provém do ro mance realista e popular, reação contra o idealismo aristocrático do século XVII e que tem no Roman comique (1649-57) de Scarron e no Roman bourgeois (1666) de Fure tière as suas expres-sões mais des tacadas; de outro lado, no romance também realista de costumes do tipo do Diable boiteux (1707) e do Gil Blas (1715-1735) de Lesage, precisamente dedicados à pintura dos costumes e sua sátira (como é o caso das Memórias); e ainda na cor rente do romance de aventuras, no gênero do de Cirano de Bergerac, a histoire comique. Aventura, cos tumes, realismo popular e gosto do pitoresco desenvolvem-se a partir daí até frutificar no século XIX em diversas formas da ficção românti ca. E a preferência de Almeida por Alexandre Dumas é seguro indício de seus parentescos.

Mas é mister não desdenhar ou tra fonte, que tem sido recente mente posta em relevo: a do ro mance picaresco es-panhol assina lada primeiro por Mário de Andra de, a que se deve também associar a do costumbrismo de mesma ori-gem. Josué Montello, Eugênio Gomes e Eduardo Frieiro mostraram diver sos encontros entre o romance do brasilei-ro e obras da escola espa nhola, de in fluência acentuada na

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literatura brasileira, não se de vendo esquecer que a própria co média de Martins Pena trai essa marca, fato de importân-cia, dada a contemporaneidade dos dois escri tores. Assim entrevisto, o livro não foge à participação no romantis mo. Aliás, Eugênio Gomes não aceita a tese da reação antirro-mântica do livro, no que parece ter toda razão.

O romance de Manuel Antônio de Almeida obedece a uma narra tiva corrida, em primeira pessoa, mas sem participação do narrador nos acontecimentos, é de estru-tura simples, linear, sem maiores com plicações de enredo, em maneira negligente, desleixada, e relata a história e as aventuras de um píca ro, sem demasias de cor local nas descrições, nem tampouco de mi nuciosidades, mas com muita na turalidade e espontaneidade. O tipo do livro li-ga-se nitidamente aos romances de aventura, no gê nero Alexandre Dumas, varrido por um sopro de vingança social “con tra a hipocrisia, a venalidade, a in justiça e a corrupção social”, como muito bem diz Eugênio Gomes. O pendor do autor para o romance de aventuras está ex-plícito na sua tradução, publicada em 1861, do romance O rei dos mendigos, de Paul Féval, romancista típico da fase do início do século XIX e rival de Eugène Sue na explo-ração do gênero de aventuras e picaresco, ao lado de Ale-xandre Dumas. Esse ca ráter picaresco, pela primeira vez assinalado por Mário de Andrade em relação às Memórias, é real mente o traço predominante e tí pico do livro, a justificar, ao lado das linhagens francesas acima apontadas, o traço realista da obra, que tanto enganariam a críti-cos menos prevenidos, a começar por José Veríssimo, que insistem em arrolá-lo como um precursor do re alismo do século XIX. Filiação im possível, dadas as diferenças fun damentais de técnica e ideologia, mais acordes com o enquadramento no romantismo, em vez de ser uma reação antirromântica.

Uma tônica do romance é a sua linguagem. Pela pri-meira vez na ficção brasileira, a língua falada é utilizada por um escritor sem a menor reserva e com toda a digni dade

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e naturalidade. A isso deve-se o caráter espontâneo da narrativa, que corre despretensiosa, tal como é falada pelo personagem, sem os artifícios a que a submetem ainda os escritores do tempo.

Por todo o livro, perpassa o es pírito de comicidade a caricatura do autor, muito na linha do pito resco e do ro-man comique. É sabo rosa a sua veia satírica aos costu mes da sociedade do tempo retrata do, a época do rei, durante a qual sobrados motivos havia para a aná lise cruel de um espírito sarcástico. Nada lhe escapa, nobres e burgue ses, policiais e funcionários, pe quenos e grandes, padres e lei-gos, políticos e serventuários da justi ça.

De modo geral, é consumada a arte do narrador, daí que seu livro ainda hoje resista de pé, como dos mais sig-nificativos da ficção brasi leira. Aí está a caricatura de uma época, feita por um gênio da narra tiva. Leonardo-Pataca, o Vidigal, Luisinha, Maria, o compadre, a comadre, o mestre de cerimônias, o fidalgo, o capuchinho, Chico-Juca, José Manuel, Chiquinha, Vidinha, Teotônio, Maria-Regalada, mula tos, meirinhos, comadres, escravis tas, casamentos, padres, eis alguns representantes desse mundo ver dadeiro de um Brasil que começa a mostrar uma sociedade já autôno ma, e que se traduzia nos modos de ser e sentir próprios. Não se es queça tampouco um traço marcan te: a intenção de procurar, pela sá tira, a correção dos costumes. Nis so, como em tudo o mais, um ro mântico, para quem a arte deve ter um propósito de saneamento e re forma.

Afrânio Coutinho