memorialdo convento

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“Quando digo corrigir, corrigir a História, não é no sentido de corrigir os factos da História, pois essa nunca poderia ser tarefa do romancista, d d l h f ld mas sim de introduzir nela pequenos cartuchos que façam explodir o que até então parecia indiscutível: por outras palavras, substituir o que foi pelo que poderia ter sido” pelo que poderia ter sido José Saramago História e Ficçãoin JL 1990 José Saramago, História e Ficção , in, JL, 1990

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Page 1: Memorialdo Convento

“Quando digo corrigir, corrigir a História, não é no sentido de corrigir osfactos da História, pois essa nunca poderia ser tarefa do romancista,

d d l h f l dmas sim de introduzir nela pequenos cartuchos que façam explodir o queaté então parecia indiscutível: por outras palavras, substituir o que foipelo que poderia ter sido”pelo que poderia ter sido

José Saramago “História e Ficção” in JL 1990José Saramago, História e Ficção , in, JL, 1990

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José SaramagoJosé Saramago

“Mesmo que a rota da minha vida me leve auma estrela, nem por isso fui dispensado de

r rr r i h d d ”percorrer os caminhos do mundo

J é d S S di 16José de Sousa Saramago nasceu no dia 16de Novembro de 1922, na Azinhaga do Ribatejo,pequena freguesia do concelho da Golegã. A suapequena freguesia do concelho da Golegã. A suafamília de camponeses mudou-se para Lisboaquando ele tinha somente dois anos; todavia,Saramago não esqueceu as suas origens e visitafrequentemente a sua terra natal. fig. 1 José Saramago

b l d l VO Nobel iniciou os estudos no Liceu Gil Vicente, porém, por razõeseconómicas apenas frequentou este local durante dois anos acabando porestudar na Escola Industrial Afonso Domingues. Aqui aprendeu o ofíciode serralheiro mecânico. Ao longo da sua vida foi também funcionárioadministrativo e desenhador nos Hospitais Civis de Lisboa. A par distolia sempre centenas de livros, tendo sido o utilizador mais frequente dap f qbiblioteca do Palácio Galveias.

Casou com a pintora Ilda Reis em 1924 casamento que se manteveCasou com a pintora Ilda Reis em 1924, casamento que se mantevedurante 26 anos. Foi em 1947 que nasceu a sua filha Violante, nomesmo ano em que publicou o seu primeiro título, o romance “Terra deP ad ” E ta bra a d r bida f ra ári ai vi tPecado . Esta obra passou despercebida e foram necessários mais vinteanos para que o autor de “Memorial do Convento” voltasse a publicar.Embora os seus trabalhos não fossem reconhecidos como Saramagod j ti id d fi i l já h i f id ddesejava, a sua actividade profissional já havia sofrido uma mudança:trabalhou doze anos numa editora, onde exerceu funções de direcçãoliterária e de produção, e colaborou, como crítico literário, na revistaS NSeara Nova.

Page 3: Memorialdo Convento

f d d d b dJá em 1972 e 1973 fez parte do prestigiado Diário de Lisboa, ondefoi cronista, coordenador do suplemento cultural e comentador politico.

F i d 1976 i d N b l t êFoi no ano de 1976 que a carreira do Nobel português passou a serestritamente literária. Além de poeta e cronista, Saramago é tambémdramaturgo e contista. No entanto, as suas obras de literaturadramaturgo e contista. No entanto, as suas obras de literaturaportuguesa contemporânea são as mais apreciadas.

Por fim, é casado desde 1988 com a jornalista Pilar del Rio,f , j R ,vivendo com ela na ilha de Lanzarote, nas Canárias.

Como nasceu o RomanceComo nasceu o Romance

M rial d C v t f i bid p rMemorial do Convento foi concebido porJosé Saramago no final dos anos setenta.Segundo o autor, a primeira intenção de criarg pesta obra surgiu quando ao olhar o mosteiroafirmou “Gostava de meter um dia isto dentro deum romance” Seguidamente ao ler umaum romance . Seguidamente, ao ler umapassagem de Camilo ficou bastanteimpressionado com a referência aos cinquenta milh f dhomens que sofreram para erguer o convento deMafra.

Todavia a maior das inspirações surgiuTodavia, a maior das inspirações surgiuquando o autor percebeu que havia umacoincidência cronológica entre a construção do

d d lconvento e as experiências do Padre BartolomeuLourenço de Gusmão.

fig. 3 e 4 Convento de Mafra e Passarola

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ContextualizaçãoContextualização

Memorial do Convento evoca a História portuguesa do reinado doséculo XVIII, procurando relaciona-la com as situações políticas demeados do século XX Nesta época tenta se seguir o fausto da cortemeados do século XX. Nesta época tenta-se seguir o fausto da cortefrancesa do Rei-Sol Luís XIV.

Em Portugal, D. João V deixa-se influenciar pelos diplomatas queg x f p p qo cercam (intelectuais estrangeirados) e pela riqueza vinda do Brasil.

O facto de no Brasil surgirem as grandes jazidas de ouro del iã it l ã d l bl fi i l ialuvião permite a resolução de alguns problemas financeiros e leva o rei

a investir em luxuosos palácios e igrejas. O rei português mandaconstruir o convento de Mafra na tentativa de ultrapassar af pmagnificência do Escorial de Madrid e do palácio de Versalhes, etambém em acção de graças pelo nascimento do seu filho. No conventofoi incluído uma grandiosa basílica e um extraordinário paláciofoi incluído uma grandiosa basílica e um extraordinário palácio.

D. João V foi aclamado rei a 1 de Janeiro de 1707 quando o paísatravessava uma situação económica critica. Portugal estava envolvido

G d S ãna Guerra da Sucessão.

Por outro lado o Rei megalómano tinha uma vida sentimentalmarcada pelas traições à rainha D Maria Ana Este envolveu se commarcada pelas traições à rainha D. Maria Ana. Este envolveu-se comfiguras femininas quer da corte quer do clero. O rei “semeou bastardos”.

Outra característica deste século é a Inquisição que atingiu o seuauge nesta época. Esta ocupa-se com a ordem religiosa e moral,auge nesta época. Esta ocupa se com a ordem religiosa e moral,estendendo a sua intervenção aos campos sociais, culturais e políticos.Os perseguidos deixaram de ser apenas cristãos novos e pessoas quecometem delitos de feitiçaria, superstição, magia e crença sebastianista,para passarem a ser também os intelectuais.

Page 5: Memorialdo Convento

O Santo Tribunal da Inquisição tinha como suposto objectivoprimário o combate das heresias religiosas.. Porém, este desviou-se epassou a censurar livros práticas de adivinhação e feitiçaria e bigamiapassou a censurar livros, práticas de adivinhação e feitiçaria e bigamia.Com o decorrer do tempo, todos os sectores da vida social, cultural epolítica foram afectados. As torturas eram tão bárbaras que, osp f f A q ,acusados, muitas vezes confessavam “crimes” que não tinham cometido.Muitos foram extraditados ou até mesmo queimados na fogueira.Felizmente, este Tribunal é extinto em 1821.

fig. 4 e 5 Condenações e torturas do Santo Ofício

O que nos diz o títuloO que nos diz o título…Por um lado, em relação à palavra memorial, podemos considerar a

definição monumento comemorativo. Mafra comemora uma promessa eassiste a uma fé religiosa. O romance não homenageia estascomponentes mas antes o trabalho dos operários e artistas quecomponentes, mas antes o trabalho dos operários e artistas queconstruíram o convento. Por contraste aos homenageados estão osinteresses mesquinhos e egoístas dos que mandaram edificar estemonumento.

Por outro lado, o título faz também referência ao convento ,sobrepondo-se a Basílica e Palácio (também estes presentes no edifíciosobrepondo se a Basílica e Palácio (também estes presentes no edifícioem causa). Esta foi a palavra que o povo elegeu para denominar asedificações de Mafra.

Em suma, o título “Memorial do Convento” apresenta uma cargasimbólica quer enquanto sugere as memórias – evocativas do passado – epressuposições existenciais quer ao remeter para o mundo místico epressuposições existenciais, quer ao remeter para o mundo místico emisterioso.

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Classificação do romanceClassificação do romance

Memorial do Convento pode ser classificado de várias formas:

•• RomanceRomance HistóricoHistórico A obra oferece-nos uma minuciosa descriçãod i d d d é l XV d l l id dda sociedade portuguesa do século XVIII, marcada pela luxuosa vida dacorte, associada à Inquisição e à exploração dos operários. Todos estesfactos estão historicamente provados Também o facto da Guerra dafactos estão historicamente provados. Também o facto da Guerra daSucessão ser referenciada na obra, bem como a construção da passarola,contribuem para esta classificação do romance.p f

•• Li haLi ha r ali tar ali ta t l f d i d•• LinhaLinha neoneo--realistarealista o autor eleva o povo sofredor e o operariadooprimido, por outras palavras, Saramago tenta transmitir a suapreocupação com a realidade social.preocupação com a realidade social.

•• RomanceRomance SocialSocial o romance pode ser considerado como uma crónica•• RomanceRomance SocialSocial o romance pode ser considerado como uma crónicados costumes de uma época.

•• RomanceRomance dede intervençãointervenção a obra apresenta a história repressivaportuguesa da primeira metade do século XXportuguesa da primeira metade do século XX.

RR dd “M i l d ”•• RomanceRomance dede espaçoespaço em “Memorial do Convento” representa-senão só uma época, com o seu ambiente histórico, mas também quadrossociais que decoram a obrasociais que decoram a obra.

Page 7: Memorialdo Convento

EstruturaEstruturaA estrutura do romance assenta na

coexistência de vários conflitos que secruzam e através do texto manifestam erevelam a realidade e os problemas do serrevelam a realidade e os problemas do serhumano. Nesta obra observa-se ainda umareinvenção da História que capta a atençãod l bdo leitor para situações reais perturbantes.

“Memorial do Convento” possui duaslinhas condutoras: a construção dolinhas condutoras: a construção doConvento de Mafra e as relações entreBaltasar e Blimunda.

A criação de Saramago está divididaem 25 partes não nomeadas ou numeradasmas claramente identificadasmas claramente identificadas.

Parte/Capítulo

Sequências narrativas

I •Relação do Rei e da Rainha e a promessa da construção do Convento;

•Apresentação do propósito da construção do convento;

•Narração irónica destas motivações;

•Sonhos do casal régio com a futura descendência.

II •Milagres conseguidos pelos franciscanos e o seu desejo na construção do Convento;

•Caso da morte de Frei Miguel da Anunciação;

•Gravidez da Rainha;•Gravidez da Rainha;

•O desejo dos Franciscanos desde 1624 de possuírem um convento.

III •Situação socioeconómica: excesso de riqueza/extrema pobreza;

•Excessos do Entrudo e Penitência na Quaresma;Q

•Falsidade dos penitentes;

•Falsa devoção das mulheres;

•Rainha, grávida continua a sonhar com o cunhado;

•A sátira a “mais uns tantos maridos cucos…”.

Page 8: Memorialdo Convento

IV •Baltasar Sete-Sóis regressa da guerra maneta;

•Passado heróico de Baltasar;

Vi l•Viagem em que mata o assaltante;

•Com João Elvas fala dos crimes cometidos.

V O d fé R i h i d B l Bli d dV •O auto-de-fé no Rossio e o conhecimento travado entre Baltasar, Blimunda e o padreBartolomeu;

•A rainha, no quinto mês de gravidez não pode assistir ao espectáculo;q g p p

•A mãe de Blimunda é condenada;

•Encontro entre Sete-Sóis e o padre;

•“Casamento” de Baltasar e Blimunda e sua consumação.

VI •O padre Bartolomeu Lourenço e a passarola;

•Experiências da “máquina de voar” em S. Sebastião da Pedreira, numa quinta do duquede Aveiro;

•A aceitação de Baltasar para ser ajudante do padre BartolomeuA aceitação de Baltasar para ser ajudante do padre Bartolomeu.

VII •Nascimento da filha de D. João V, Maria Bárbara;

•Apesar de alguma decepção, uma vez que não se trata de um filho varão, o rei mantém aApesar de alguma decepção, uma vez que não se trata de um filho varão, o rei mantém apromessa de elevar o convento.

VIII •Os poderes de Blimunda em ver as pessoas por dentro;

•Nascimento do segundo filho de D. João V, o infante D. Pedro.

IX •Instalação de Baltasar e Blimunda junto da passarola;

•Continuação da construção da passarola;

d l l d l d•O padre Bartolomeu parte para a Holanda, enquanto que Baltasar regressa à casa dos pais,em Mafra juntamente com Sete-Luas;

•Tourada no Terreiro do Paço.ç

X •O casal chega a Mafra e é recebido pela mãe de Sete-Sóis;

d l h V l f d d•A terra que João Francisco, pai de Baltasar tinha na Vela foi vendida para a construçãodo convento;

•Morte do infante D. Pedro que é enterrado em S. Vicente de Fora.f q S

•Baltasar ajuda o pai no campo;

•Nascimento do infante D. José, terceiro filho da rainha;

•Doença do rei, ao passo que D. Francisco, seu irmão, tenta a rainha, revelando assim àcunhada o interesse em tornar-se seu marido;

•D Maria Ana continua a sonhar com o cunhadoD.Maria Ana continua a sonhar com o cunhado.

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XI •Regresso do “voador”, que deseja que Blimunda consiga armazenar éter composto devontades;

•Em conversa com Blimunda e Baltasar conta lhes que o éter está na “vontade” de•Em conversa com Blimunda e Baltasar conta-lhes que o éter está na vontade decada um;

• Bartolomeu Lourenço pede a Blimunda que recolha as vontades com o seu dom.

XII •Blimunda comunga em jejum e, pela primeira vez, vê na hóstia uma nuvem fechada;

•Uma tempestade destruiu a igreja de madeira construída para a cerimónia de•Uma tempestade destruiu a igreja de madeira, construída para a cerimónia deinauguração dos alicerces, mas foi reconstruída em dois dias, o que passou a ser vistocomo um milagre;

•Inauguração da primeira pedra do convento, com procissão e bênção, a 17 deNovembro de 1717;

•Regresso de Baltasar e Blimunda a Lisboa onde começam a trabalhar na passarolaRegresso de Baltasar e Blimunda a Lisboa onde começam a trabalhar na passarola.

XIII •Baltasar e Blimunda constroem a forja;

•O “voador” informa Blimunda que são necessárias pelo menos duas mil vontades;

•A procissão do corpo de Deus – 8 de Junho de 1719•A procissão do corpo de Deus – 8 de Junho de 1719.

XIV •O músico Domenico Scarlatti toma conhecimento do projecto da passarola;

•O padre apresenta Scarlatti à trindade terrestre (ele, Baltasar e Blimunda) e revela-lhe oseu segredo;seu segredo;

•Bartolomeu Lourenço prepara o sermão para a festa do Corpo de Deus questionando osfundamentos da trindade divina.

XV •Blimunda serve-se da epidemia da cólera e da febre amarela para recolher as vontades;

•Blimunda adoece, recuperando através da música do cravo;, p ;

•O padre Bartolomeu avisa el-rei de que a passarola está pronta.

XVI •Viagem da passarola devido à perseguição da Inquisição ao padre Bartolomeu;

•Scarlatti, chegando a tempo de ver a máquina voadora subir, senta-se ao cravo e toca.S id t ti d t dSeguidamente atira-o para dentro do poço;

•Bartolomeu Lourenço tenta livrar-se da passarola, por emoção ou medo, sendo impedidopelo casal que o acompanha;p q p

•O Voador desaparece e são Baltasar e Blimunda que escondem a sua invenção. Maistarde seguem o seu rasto: “Isto aqui é a serra do Barregudo, lhes disse um pastor, e aquelemonte além é Monte Junto ”;monte além…é Monte Junto. ;

•Em Mafra faz-se uma procissão ao que se julgou ser a aparição do Espírito Santo.

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XVII •Baltasar regressa a Mafra com Blimunda e começa a trabalhar nas obras do convento;

•Dois meses mais tarde Sete-Sóis regressa a Monte Junto para ver a passarola;

S l i i d V d “Vi di B l d•Scarlatti anuncia a morte do Voador “Vim-te dizer, e a Baltasar, que o padreBartolomeu de Gusmão morreu em Toledo… dizem que louco…”.

XVIII •Visão irónica e trocista de Portugal;

•Caracterização dos gastos reais e dos trabalhadores em Mafra;

•Demonstração dos esforços e vítimas na construção do convento;

•Relatos de histórias pessoais dos trabalhadores•Relatos de histórias pessoais dos trabalhadores.

XIX •Baltasar torna-se boeiro através da ajuda de José Pequeno;j q

•Participa no transporte da pedra de Pêro Pinheiro: “Entre Pêro Pinheiro e Mafragastaram oito dias completos. Quando entraram no terreiro…toda a gente se admiravacom o tamanho desmedido da pedra tão grande Mas Baltasar murmurou olhando acom o tamanho desmedido da pedra, tão grande. Mas Baltasar murmurou olhando abasílica, tão pequena.”;

•Morreu Francisco Marques sob o peso de um dos muitos carros de bois quetransportavam a enorme pedra.

XX •Sete-Luas e Sete-Sóis vão juntos “cuidar” da passarola.

•De manhã, ainda em jejum Blimunda certifica-se que as duas mil vontades ainda seencontram dentro das esferas;encontram dentro das esferas;

•Morre João Francisco, pai de Baltasar.

XXI •D. João V toma a decisão de que a sagração do convento se fará em 22 de Outubro de1730, data do seu aniversário (ano de 1730 uma vez que seria o único ano em que o seuaniversário calharia ao domingo);

•O rei megalómano decide ampliar o projecto do convento de 80 para 300 frades;

•São recrutados operários em todo o reino que são escolhidos como tijolos•São recrutados operários em todo o reino, que são escolhidos como tijolos.

XXII •Casamentos da infanta Maria Bárbara com o príncipe Fernando VI de Espanha e dopríncipe D. José com a infanta espanhola Maria Vitória;p íncipe D. José com a infanta espanhola Ma ia Vitó ia;

•Esta “troca de princesas” une as famílias reais de Portugal e Espanha;

•A cerimónia do casamento é acompanhada pela música de Domenico Scarlatti.

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XXIII •Baltasar vai ao Monte Junto, sozinho, para verificar o estado da passarola;

•A máquina levanta voo quando, sem intenção, Baltasar rasga os panos que tapavamas esferas “Baltasar viu os panos arredarem se para o lado com estrondo o sol inundou aas esferas Baltasar viu os panos arredarem-se para o lado com estrondo, o sol inundou amáquina, brilharam as bolas de âmbar e as esferas. A máquina rodopiou duas vezes,despedaçou, rasgou os arbustos que a envolviam, e subiu. Não se via uma nuvem noé ”céu.”.

XXIV •Em Mafra há a sagração do convento, em 22 de Outubro de 1730;

•Blimunda inquieta e angustiada procura incessantemente o seu “marido”;

•Usa o espigão de Baltasar para evitar ser violada por um frade.

XXV •Sete-Luas procurou Baltasar por todos os lados “Durante nove anos, Blimundaprocurou Baltasar. Conheceu todos os caminhos do pó e da lama, a branda areia, a pedra

d t t d t i d i õ d ó i iaguda, tantas vezes a geada rangente e assassina, dois nevões de que só saiu viva porqueainda não queria morrer”.

•Em 1739, “onze supliciados”, entre eles António José da Silva, o Judeu, estão prestes aser queimados na fogueira;

•Baltasar é um dos condenados: “Naquele extremo arde um homem a quem falta a mãoesquerda” Após reconhecer o seu amado Blimunda viu que “uma nuvem fechada está noesquerda . Após reconhecer o seu amado Blimunda viu que uma nuvem fechada está nocentro do seu corpo. Então Blimunda disse, Vem.”.

Acção

A ã d l d á i t P é t f l l é

Construção do Convento de Mafra

A acção desenrola-se acerca de vários temas. Porém, o tema fulcral é aconstrução do convento de Mafra.

Ao longo de toda a narração desta construção estão presentes as relaçõesAo longo de toda a narração desta construção, estão presentes as relaçõesentre a Coroa e a Igreja que detêm o poder sobre o povo. Para além de seremcontados sonhos, eventos e histórias variadas, também são tecidos comentários, ,e sentenças do narrador.

São três os momentos fundamentais quando falamos neste Convento: aescolha do local, o lançamento da primeira pedra e a sagração da Basílica.

O romance inicia-se com a promessa do rei português em mandar edificarum convento em Mafra se no prazo de um ano a rainha concebesse um filho.Após o nascimento de uma filha em 1712, D. João V faz cumprir a suapromessa Este lança a primeira pedra do convento a 17 de Novembro de 1717promessa. Este lança a primeira pedra do convento a 17 de Novembro de 1717.

Page 12: Memorialdo Convento

Toda a obra é elevada através da exploração do povo.Primeiramente, os trabalhadores são recrutados à força. Passado algunsanos dá-se o transporte de uma pedra enorme desde Pêro Pinheiro aMafra onde morrem homens e animaisMafra, onde morrem homens e animais.

É também na narração desta acção que o leitor toma conhecimentodo temperamento megalómano do rei Como se já não bastasse mandardo temperamento megalómano do rei. Como se já não bastasse mandarelevar uma construção por mero capricho, D. João V ainda tentaconvencer o seu arquitecto a construir uma Basílica. Como tal éimpossível, faz com que o convento que inicialmente seria para oitentafrades passe para trezentos. Como esta decisão não implica que o prazod ã j l d (1730) é á ide construção seja alargado (1730), é necessário um novo recrutamentode homens.

Toda a narrativa respeitante à construção do Convento de MafraToda a narrativa respeitante à construção do Convento de Mafratermina com a sagração da Basílica no dia do aniversário do rei em1730, como havia sido previsto. As obras ainda não tinham terminado., p A

C ã d l ( i i d )

O sonho do padre Bartolomeu Lourenço é concretizado quando a

Construção da passarola (narrativa encaixada)

p ç qpassarola, no fim de construída, voa. Esta narrativa surge-nos intercaladacom a narrativa principal.

A á i d é íd i d S S b iã d P d iA máquina voadora é construída na quinta de S. Sebastião da Pedreira.Os seus criadores, para além do Voador são Baltasar e Blimunda. Sete-Sóis éa força ao passo que Sete-Luas é a magia. Só todos estes componentesf ç p q g pfizeram elevar a passarola.

O primeiro voo desta máquina é um pouco atribulado uma vez que foii i d O d B l d G ã ó d b i Sprecipitado. O padre Bartolomeu de Gusmão, após descobrir que o Santo

Ofício o persegue, decide fugir na sua criação. A passarola voa sobre Lisboa,passa por Mafra e cai em Monte Junto.p p f J

Depois de aterrarem, o padre fora de si, tenta destruir a sua invenção.Como é impedido por Baltasar, desaparece. A sua morte em Toledo é mais

d i d D i S l itarde anunciada por Domenico Scarlatti.

Page 13: Memorialdo Convento

O amor verdadeiro de Baltasar e Blimunda (narrativa

O encontro entre Baltasar e Blimunda dá-se no auto-de-fé onde a

(encaixada)

O encontro entre Baltasar e Blimunda dá se no auto de fé onde amãe da segunda é condenada ao degredo em Angola. Nessa noite, apósreceberem a bênção do padre Bartolomeu, o casal une-se espiritual e

l A i id d f i ã d ã d i á icorporalmente. A intensidade e perfeição deste amor são admiráveis.Esta é uma relação de cumplicidade e entendimento totais.

Depois de Baltasar desaparecer. p pcom a passarola, Blimunda,incessante e incansável procura o seu

l dcomplemento durante nove anos.Acaba por encontrá-lo na fogueirade um auto-de-fé Juntamente comde um auto-de-fé. Juntamente comele está também António José daSilva, o Judeu

fig.7 Destino cruel de Baltasar, afogueira

Encaixe de outras narrativas

O encaixe de outras narrativas na narrativa principal trata se de

Encaixe de outras narrativas

O encaixe de outras narrativas na narrativa principal trata-se deuma técnica que consegue desviar a atenção do leitor da narrativaprincipal, para atentar em aspectos paralelos da História, personagensmenos importantes, acontecimentos de segunda ordem, mas queinfluenciam a linha diegética primeira.

Este fenómeno surge nos em “Memorial do Convento” por exemploEste fenómeno surge-nos em Memorial do Convento ,por exemplo,quando Baltasar num domingo depois da missa decide ir beber comoutros trabalhadores. Neste dia, são sete os narradores intradiegéticosque, um de cada vez criam pequenas narrativas secundárias encaixadas.São eles: Francisco Marques, José Pequeno, Joaquim da Rocha, ManuelMilho João Anes Julião Mau-Tempo e o próprio Baltasar Mateus OMilho, João Anes, Julião Mau Tempo e o próprio Baltasar Mateus. Orelato destas sete personagens surge-nos na obra com o intuito demostrar a vida miserável e as conversas trocadas entre os vinte milh C d M fhomens que ergueram o Convento de Mafra.

Page 14: Memorialdo Convento

Pequenos excertos analisadosqPágina 11 e 12

“D. João, quinto do nome na tabela real…Mas Deus é grande.”

Ao longo deste excerto, José Saramago pretende criticar a relaçãoconjugal do casal régio. Chega mesmo a afirmar que, a rainha D. Maria Anaj g g C g f q , M AJosefa, apenas chegou de Áustria para “dar infantes à coroa portuguesa”.

No entanto, apesar de todas as obrigações conjugais, a rainha “até hojep g ç j g jainda não emprenhou”. Devido a esta delicada situação, a esposa de D. João Vimplora aos céus um filho.

Cabe à mulher implorar aos céus por um herdeiro uma vez que é“naturalmente suplicante”. Obviamente o problema de infertilidade nunca

d ria r atrib íd a r i dad q “a t rilidad ã é al d h dapoderia ser atribuído ao rei dado que a esterilidade não é mal dos homens, damulher sim” e porque “abundam no reino bastardos da real semente”.

Assim, uma vez que o rei é persistente e a situação já não é nova (“D.Maria Ana Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria”), só aj d di i d á ili i hajuda divina poderá auxiliar a rainha.

É ainda visível neste trecho a crença que há em Deus. Crê-se queaquilo que virá a acontecer acontecerá por intervenção divina (“Masaquilo que virá a acontecer, acontecerá por intervenção divina ( MasDeus é grande.”).

Em suma, o autor pretende iniciar o romance com uma acesa críticaàs relações da família real, consequentes traições e também àsàs relações da família real, consequentes traições e também àsexpectativas exageradas que toda a população depositava em Deus.

Page 15: Memorialdo Convento

Página 13 e 14

“Mas vem agora entrando D. Nuno daCunha…a fertilidade dificultosa da rainha”f f

Este é o excerto onde D. João V prometeu elevar um conventoEste é o excerto onde D. João V prometeu elevar um conventode franciscanos em Mafra, se Deus lhe desse sucessão.

D. Nuno da Cunha, bispo inquisidor, dá a entender ao reimegalómano que se der a Deus algo, Ele retribuirá o favor. Aqui écriticado o interesse que sempre motivou o Clero.

“Prometo, pela minha palavra real, que farei construir umconvento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filhoconvento de franciscanos na vila de Mafra se a rainha me der um filhono prazo de um ano a contar deste dia em que estamos”

Página 15

“Mas el-rei já se anunciou…sem o qual não pode dormir, seja i ã ”

Este é o primeiro encontro entre D.João V e a sua esposa, após o primeiro

inverno ou verão”

João V e a sua esposa, após o primeiroter feito a promessa.

Mais uma vez, esta relação é alvode uma forte crítica por Saramago. Oautor de Memorial do Convento chegamesmo a afirmar que “está o quarto umamesmo a afirmar que está o quarto umaassembleia”. Toda o acto que deveria serde amor e intimidade é descrito aqui

d dcomo se de teatro se tratasse, onde osespectadores vêm e aplaudem. Até ocomportamento do casal é teatral (“as

Fig.9 mobiliário do séculoXVIIIp (

majestades fazem mutuas vénias, nuncamais acaba o cerimonial”).

XVIII

Page 16: Memorialdo Convento

V d “ ”D. João V encontra-se de “espírito aceso” para mais uma tentativade conseguir um herdeiro. O rei possui uma dupla motivação: o “devercarnal” e “a promessa que fez a Deus por intermédio e bons ofícios decarnal e a promessa que fez a Deus por intermédio e bons ofícios defrei António de S. José”.

Concluindo, mais uma vez José Saramago demonstra a repugnaque sente pelo rei absolutista. Desta vez não só crítica a relação deq p çobrigação que tem com a sua mulher, mas também a promessa absurdaque fez só por capricho, sem pensar no sofrimento que viria a causar.

Página 16g

“Vestem a rainha e o rei camisas compridas…sejam segredo doconfessionário”

Neste fragmento do romance de José Saramago são-nos dadospormenores. A razão pela qual o autor os descreve é apenas para trazermais veracidade ao que relata. Assim, a descrição do vestuário do casal,o facto da camisa da rainha ter um “bom meio palmo mais para que nemo facto da camisa da rainha ter um bom meio palmo mais, para que nema ponta dos pés se veja, o dedo grande ou os outros” apenas nosaproxima mais da realidade do século XVIII.p x

Continua a ser ironizada toda a relação do casal “D. João Vconduz D. Maria Ana ao leito, leva-a pela mão como no baile ocavaleiro á dama”.

Page 17: Memorialdo Convento

Seguidamente, o autor daobra mostra-nos como o rei“ fi d l ti l” O iconfia no poder celestial . O reie a rainha “ajoelham-se e dizemas orações acautelantesçnecessárias”.

Existem duas razões parai il D J ã V f E

Fig.10 e 11 imagensrelacionadas com areligião.o viril D. João V o fazer. Em

primeiro lugar, o rei vaidoso tempavor de “morrer no momento do

religião.

pacto carnal” e em segundoespera “confiança em Deus e noseu próprio vigor” paraseu próprio vigor paraconseguir um descendente.

Página 17Página 17

“D. Maria Ana estende ao rei a mãozinha suada e fria… Senhor,. Ma ia Ana estende ao ei a mãozinha suada e f ia… Senho ,ao menos um filho”

Saramago que, ao longo dos excertos anteriores nos mostrou aforma teatral como ocorre a relação do casal real, neste trecho pretendedemonstrar ao leitor como termina a relação sexual (“e el rei que jádemonstrar ao leitor como termina a relação sexual ( e el-rei, que jácumpriu o seu dever, e tudo espera do convencimento e criativo esforçocom que o cumpriu, beija-lha como a rainha e futura mãe, se não

d d f d ”)presumiu demasiado frei António de S. José”).Na segunda parte deste fragmento, o romancista dá-nos a entender

que sente pena da personagem feminina O facto de ela rezarque sente pena da personagem feminina. O facto de ela rezarsistematicamente por um filho (“Senhor, ao menos um filho”), e deinvejar nossa Senhora uma vez que teve um filho sem necessitar de

f lsacrifício suscita quer no autor quer no leitor uma grande compaixão.

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Página 54 55 56 e 57Página 54, 55, 56 e 57

“Frias hão-de ter parecido, a quem perto estivesse, as palavrasp q p pditas por Blimunda…Nunca te olharei por dentro”

É l l d lÉ neste excerto que Baltasar e Blimunda se encontram pelaprimeira vez. As personagens encontram-se no auto-de-fé de SebastianaMaria de Jesus, mãe de Blimunda.Maria de Jesus, mãe de Blimunda.

A filha da condenada, assiste imóvel à condenação da mãe “nem onome a salvou, degradada para Angola e lá ficar, quem sabe se

l d l l l d dconsolada espiritual e corporalmente pelo padre António Teixeira deSousa, que muita prática leva de cá”. Neste micro trecho, o autor criticaabertamente o clero.abertamente o clero.

“Que nome é o seu”. É assim que Blimunda trava conhecimentocom o seu futuro homem. Seguidamente, a relação inicia-se da formamais simples que se possa imaginar: ao ser deixada aberta uma porta.

A simplicidade desta relação é cativante. Blimunda serve sopa ao padreBartolomeu e a Baltasar. Depois, é com a colher de Baltasar que janta. Aop q jfazer isto, Blimunda responde à pergunta “Aceitas para a tua boca a colherque serviu a boca deste homem, fazendo seu o que era teu, agora tornando a

f i d l id d d ”ser teu o que foi dele, e tantas vezes que se perca o sentido do teu e do meu”.Inicia-se assim a relação de complementaridade destes dois seres.

O adr Bart l L r ab a t a al q r d ia “aO padre Bartolomeu Lourenço abençoa este casal e o que o rodeia: acomida e a colher” simbolizam o alimento, “o regaço” denota o carinho, “olume na lareira” expressa o calor humano, “a candeia” emblema a luz, oulume na lareira expressa o calor humano, a candeia emblema a luz, ouseja, o conhecimento, “a esteira no chão” figura o amor físico e “o punhocortado de Baltasar” traduz o passado.

Quando o pároco saiu, o recém casal ficou sozinho. Baltasar começa adebater-se entre ficar e voltar à sua casa em Mafra. Ao contrário do que

d d “ fseria de esperar, Sete-Luas não o prende “Se não quiseres ficar, vai-teembora, não te posso obrigar”. Mas, Sete-Sóis já estava enamorado pela suaamada; supostamente ela já o teria olhado por dentro Todavia ela afirmaamada; supostamente ela já o teria olhado por dentro. Todavia ela afirmaque tal nunca fará.

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O amor puro destes dois jovens continua quando ele pergunta “Se euficar, onde durmo?” ao que ela responde “Comigo”. Parece que para eles mais

d l d l d dnada interessava para além deles os dois. Este sim é o amor no seu estadooriginal.

Seguidamente Blimunda faz uma jura de sangue “Com as pontas dosSeguidamente Blimunda faz uma jura de sangue Com as pontas dosdedos médio e indicador humedecidos nele, Blimunda persignou-se e fez umacruz no peito de Baltasar, sobre o coração”. A partir daquele momento, nuncamais se separaram.

C t l S d t é d d i E t ãCom este casal, Saramago demonstra o que é o verdadeiro amor. Este nãoé o que une o casal régio nem sequer o que une muitos casais da actualidade.Esta relação baseia-se no amor, na confiança e sobretudo na liberdade.ç f ç

fig. 12, 13, 14, 15 e 16 objectos relacionados com o casal

Página 202 à página 210Página 202 à página 210

“Agora, sim, podem partir…para seu primeiro milagre aéreo nãoesteve nada mal”

N t t l l i iNeste excerto a passarola voa pela primeira vez.O Voador chega à Quinta do Duque de Aveiro apavorado uma vez

que o Santo Ofício o persegue. Sem alternativa vê-se obrigado a voarque o Santo Ofício o persegue. Sem alternativa vê se obrigado a voarpara longe com os seus aliados, na sua construção. (“A máquinaestremeceu, oscilou como se procurasse um equilíbrio subitamente

did ” “ i d b i ó i t bi ”)perdido”, “girou duas vezes sobre si própria enquanto subia”).Já no seu, o padre Bartolomeu de Gusmão está completamente em

êxtase, orgulhoso e excitado com a sua criação. Pelo contrário, Blimundaêxtase, orgulhoso e excitado com a sua criação. Pelo contrário, Blimundae Baltasar estão acanhados, com um certo receio de encararem o que osrodeia (“Blimunda, Baltasar, venham ver, levantem-se daí, não tenha,

d ”)medo”).

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O inventor da passarola mal pode acreditar que concretizou o seumaior sonho: voar. Chega mesmo a acreditar que vê “os frisos das

d d d d tã t d t ib ivarandas onde o padre morou, e onde agora estão entrando os tribunaisdo Santo Ofício para o prenderem”. Porém, Bartolomeu não vê o cravo.

Domenico Scarlatti, chegando à quinta vê os seus colegas aDomenico Scarlatti, chegando à quinta vê os seus colegas aarrancarem na passarola. Esta é a única personagem que tem o privilégiode ver voar a passarola. E, como que para ajudar neste momento mágico,

ú i t t D id “ it b bo músico senta-se ao cravo e toca. De seguida, “porque muito bem sabeser perigoso deixar ali o cravo” deita-o ao poço.

Enquanto desaparece Scarlatti na terra, no céu, a trindade nãoEnquanto desaparece Scarlatti na terra, no céu, a trindade nãoconsegue mover-se pela ausência do vento. Mas, percebendo isto, logo ésolucionado o problema.

Contudo, a noite aproxima-se e, com ela o possível fim destestransgressores (“É demasiado tarde, porém. Para o lado do Oriente já seavistam sombras, a noite está-se aproximando, não é possível fugir-lhe.”)avistam sombras, a noite está se aproximando, não é possível fugir lhe. )

É neste momento crucial que se invertem os papeis dasq p ppersonagens. O padre Bartolomeu Lourenço que, no principio da viagemestava no comando da máquina voadora, nesta hora desiste por completoresignando se à sua sorte: a morte Porém é Blimunda que assume aresignando-se à sua sorte: a morte. Porém, é Blimunda que assume achefia e, sem hesitações se abraça à esfera das vontades, juntando-lhes asua (“O padre Bartolomeu Lourenço olha indiferente, está fora do

d l d fmundo, para além da própria resignação, espera o fim que não vaitardar. Mas de súbito Blimunda solta-se de Baltasar, a quem convulsase agarrara quando a máquina precipitou a descida, e rodeia com osse agarrara quando a máquina precipitou a descida, e rodeia com osbraços uma das esferas que contêm as nuvens fechadas, as vontades,duas mil são mas não chegam, cobre-as com o corpo, como se as quisesse

t r d tr d i j t r l A á i dá lt brmeter dentro de si ou juntar-se a elas. A máquina dá um salto brusco,levanta a cabeça, cavalo a que puxaram o bridão, suspende-se por umsegundo, hesita, depois recomeça a cair, mas menos depressa, e Blimundag p pgrita, Baltasar, Baltasar, não precisou chamar três vezes, já ele seabraçara com a outra esfera, fazia corpo com ela, Sete-Luas e Sete-Sóissustentavam com as suas nuvens fechadas a máquina que baixavasustentavam com as suas nuvens fechadas a máquina que baixavaagora, devagar.”).

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A força do sonho é mais uma vez posta à prova aqui. Se nãofossem as vontades do casal os três teriam morrido No entantofossem as vontades do casal, os três teriam morrido. No entanto,Blimunda não desistiu e, graças à sua força a passarola e os seustripulantes sobreviveram.p

Fig.17 passarola

PersonagensPersonagensMemorial do Convento possui uma vasta lista de personagens distintas

entre si.Todas estas personagens estão agrupadas em dois grupos opostos. Em

primeiro lugar encontram se os poderosos do século XVIII onde naturalmenteprimeiro lugar encontram-se os poderosos do século XVIII, onde naturalmenteestá integrado o monarca D. João V. Estas figuras passeiam-se pelas páginasda obra cobertas de ridículo, ostentação, falsidade, indiferença pelo sofrimentohumano ou crueldade mal disfarçada de religiosidade.

No grupo oposto encontram-se os heróis esquecidos pela História. Porém,na obra de Saramago estes “pequenos” ganham relevo desafiam os “grandes” ena obra de Saramago, estes pequenos ganham relevo, desafiam os grandes eafirmam a sua rebeldia contra o que os oprime. Dois exemplos desta força sãoBaltasar e Blimunda.

É necessário ainda referir que algumas figuras foram recortadas daHistória, embora moldadas pelo narrador que lhes dá vida. Todavia, como emtodos os romances existem também personagens ficcionais onde reina otodos os romances existem também personagens ficcionais onde reina ofantástico.

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Personagens históricasPersonagens históricas

D. João V

D. João V é um rei megalómano, egocêntrico, arrogante e poderoso.Possui concentrado em si todo o poder (absolutismo). É um homem rico esuperficial, infantil e vaidoso. Pensa ser detentor do conhecimento mas op f , fleitor chega à conclusão do oposto.

A relação desta personagem com a sua esposa apenas se baseia na“obrigação de dar herdeiros à coroa” ou seja o casal régio apenasobrigação de dar herdeiros à coroa , ou seja, o casal régio apenascumpre os deveres maritais.

A caracterização do rei é feita predominantemente através dad i ã d õ d d d i didescrição das suas acções e dos seus pensamentos – de modo indirecto.

“No dia seguinte, D. João V mandou chamar o arquitecto de Mafra,um tal João Frederico Ludovice que é alemão escrito à portuguesa e disseum tal João Frederico Ludovice, que é alemão escrito à portuguesa, e disse-lhe sem outros rodeios, É minha vontade que seja construída na corte umaigreja como a de S. Pedro de Roma, e, tendo assim dito, olhou severamenteg jo artista.”

“Enfim o rei bate na testa, resplandece-lhe a fronte, rodeia-a o nimboda inspiração, E se aumentássemos para duzentos frades o convento deMafra, quem diz duzentos, diz quinhentos, diz mil, estou que seria umaacção de não menor grandeza que a basílica que não pode haver.”

Fi 18 D J ã VFig.18 D. João V

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ÁD. Maria Ana de Áustria

Esta personagem é o espelho das mulheres do séculoXVIII. É extremamente dedicada, obediente erespeitadora O seu único préstimo é o de dar “herdeiros àrespeitadora. O seu único préstimo é o de dar herdeiros àcoroa”. É uma mulher passiva, apática, devota e piedosa.É também recalcada sexualmente, assídua de confrarias ex , figrejas paroquiais.

Fig.19 D. Maria Ana Josefa

“ d l d d d“Retirados el-rei e os camaristas, deitadas já as damas que a serveme lhe protegem o sono, sempre cuida a rainha que seria sua obrigaçãolevantar se para as últimas orações mas tendo de guardar o choco porlevantar-se para as últimas orações, mas, tendo de guardar o choco porconselho dos médicos, contenta-se com murmurá-las infinitamente,passando cada vez mais devagar as contas do rosário, até que adormecep g qno meio duma ave-maria cheia de graça, ao menos com essa foi tudo tãofácil, bendito seja o fruto do vosso ventre, e é no do seu ansiado próprio

á d filh h filh ”que está pensando, ao menos um filho, Senhor, ao menos um filho.”

Page 24: Memorialdo Convento

Infanta D. Maria BárbaraInfanta . Ma ia á ba a

É a primeira filha do casal real. Tem “carap fde lua cheia”, é bexigosa e feia, mas “boarapariga, musical a quanto pode chegar uma

” fprincesa”. Casa aos 17 anos com o infante D.Fernando de Espanha, pelo que não chegasequer a ver o convento que foi elevado emsequer a ver o convento que foi elevado emhonra do seu nascimento.

“…e agora vai Maria Bárbara paraEspanha, o convento é para si como um sonhop , psonhado, uma névoa impalpável, não podesequer representá-lo na imaginação, se a outra

Fig.20 D. Maria Bárbara

lembrança não serviria a memória”

Infante D FranciscoInfante D. Francisco

É irmão de D João V Esta é uma personagem sem escrúpulos que cobiçaÉ irmão de D. João V. Esta é uma personagem sem escrúpulos que cobiçao trono e a esposa do irmão, bem como se diverte a demonstrar a sua boapontaria de espingarda nos marinheiros que estão nos barcos ancorados no rioT jTejo.

“Levantemos agora os nossos próprios olhos que é tempo de ver o infanteLevantemos agora os nossos próprios olhos, que é tempo de ver o infanteD. Francisco a espingardear, da janela do seu palácio, à beirinha do Tejo, osmarinheiros que estão empoleirados nas vergas dos barcos, só para provar a boapontaria que tem, e quando acerta e eles vão cair no convés, sangrando todos,um que outro morto, e se a bala errou não se livram de um braço partido, dá oinfante palmas de irreprimível júbilo enquanto os criados lhe carregam outrainfante palmas de irreprimível júbilo, enquanto os criados lhe carregam outravez as armas, bem pode acontecer que este criado seja irmão daquelemarinheiro, mas a esta distância nem sequer a voz do sangue é possível ouvir,

i i d ã d doutro tiro, outro grito e queda, e o contramestre não se atreve a mandar desceros marujos para não irritar sua alteza.”

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João Frederico Ludovice João Frederico Ludovice

Este é arquitecto alemão, contratado por D. João V para aedificação do convento de Mafra. É um homem vaidoso mas tambémrealista.

“Porém, há limites, este rei não sabe o que pede, é tolo, é néscio, sejulga que a simples vontade, mesmo real, faz nascer um Bramante, umR f l S ll P i j l b t i diRafael, um Sangallo, um Peruzzi…se julga que basta vir dizer-me, amim, Ludwig, ou Ludovisi, ou Ludovice, se é para orelhas portuguesas,Quero S. Pedro, e S. Pedro aparece feito, quando eu o que sei fazer é sóQuero S. Pedro, e S. Pedro aparece feito, quando eu o que sei fazer é sóMafras, artista sou, é verdade, e muito vaidoso, como todos, masconheço a medida do meu pé”

O Herói Colectivo: o Povo

A religião tem um grande efeito sobre esta classe social. Todo opovo possui uma moral estreita devido a esta influência, ou seja, crê em

il f iti i t tmilagres, feitiçarias entre outros.

Esta faixa da população vive na completa miséria física e moral.Toda ela sobrevivia aterrorizada pelo Santo OfícioToda ela sobrevivia aterrorizada pelo Santo Ofício.

Por fim, o herói colectivo é humilhado e explorado constantementedevido aos frequentes caprichos do reidevido aos frequentes caprichos do rei.

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“Mas o grande (e todavia) inconsciente antagonista da classed i t ã i i i l t 10 000 d i 20 000 30 000 fidominante são os inicialmente 10 000, depois 20 000, 30 000 e por fim40 000 operários abarracados numa imensa “ilha da Madeira” junto aoscanteiros da construção. (…)canteiros da construção. (…)

Entre estes dois pólos, o de uma corte barroca e o de uma multidãoque sofre e dá quanto os seus músculos podem para simplesmenteq f q p p psobreviver, o narrador desenrola sucessivos painéis e episódios, orapatéticos ora burlescos, quando não de farsa trágica, que traçam, nãoapenas o pitoresco como as tensões e as fugas de humor da épocajoanina, mais exactamente de um período de cerca do primeiro terço doséculo XVIIIséculo XVIII.

O que neste conjunto de evocações há de mais inovador em relaçãoao historicismo romântico é a emergência de caracteres popularesao historicismo romântico é a emergência de caracteres popularesindividualizados no seio de uma grande movimentação multitudináriacomo que em busca de sentido próprio.”

Óscar Lopes, Os sinais e os Sentidos, ed. Caminho

Domenico Scarlatti

O músico nasceu Nápoles a 26 de Outubro de 1685. Foi um compositoritaliano de música barroca que chegou à corte portuguesa para ensinar ositaliano de música barroca que chegou à corte portuguesa para ensinar osinfantes do século XVIII. Seguiu para Espanha com a infanta D. MariaBárbara para Espanha quando esta casou com Fernando VI deste mesmo reino.p p q

Scarlatti passou a maior parte da sua vida entre Portugal e Espanha.Através do seu estilo individual, teve uma enorme influência nodesenvolvimento do período clássico da música, embora ele tenha vivido a maiorparte da sua vida dentro do período barroco.

Morreu em Madrid a 23 de Julho de 1757.

Em Memorial do Convento, esta é uma personagem importante quandof l d l F j i d d jáfalamos da passarola. Forma um quarteto juntamente com a trindade jáexistente. Aquando da subida da máquina voadora, a música do napolitanotornou o momento mais mágico ainda sendo ele o único homem com o privilégiotornou o momento mais mágico ainda, sendo ele o único homem com o privilégiode assistir a tal acontecimento.

Page 27: Memorialdo Convento

“…indo Domenico Scarlatti à quinta, viu, já chegando perto,levantar-se de repente a máquina,…, só fica uma pungente melancolia,

t f t D i S l tti testa que faz sentar-se Domenico Scarlatti ao cravo e tocar um pouco,quase nada, apenas passando os dedos pelas teclas como se estivessemaflorando um rosto quando já as palavras foram ditas ou são de menos,aflorando um rosto quando já as palavras foram ditas ou são de menos,e depois, porque muito bem sabe ser perigoso deixar ali o cravo, arrasta-opara fora…até ao bocal do poço”

Padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão

Este homem nasceu em Santos, em 1685. Ficou famoso por terinventado o primeiro aerostático operacional Ainda hoje é uma dasinventado o primeiro aerostático operacional. Ainda hoje é uma dasmaiores figuras da história da aeronáutica mundial. Morreu em Toledo a18 de Novembro de 1724.

Em Memorial do Convento, Bartolomeu de Gusmão é capelão ed d l d Vi d lorador na corte, sendo um talentoso pregador. Vive atormentado pelas

dúvidas religiosas e, por isso, não respeita os dogmas da Igreja. É umhomem culto, dado a experiências aerostáticas, apoiado pelo rei nessas, xp , p pmesmas experiências. No fundo é um sonhador, que acaba por serperseguido pela Inquisição devido às suas “heresias”.

h á i i i li dEsta personagem tem um cunho mágico e, por isso, atrai Blimunda eBaltasar. Forma com eles a trindade da construção da passarola, unindoassim o real com o ficcionário. O seu maior sonho é um dia conseguir voarf g(“O homem primeiro tropeça, depois anda, depois corre, um dia voará”).

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“É um homem que é mais do que ele: frade oratoriano, doutor emleis por Coimbra orador da corte funcionário da corte sonha voar Esteleis por Coimbra, orador da corte, funcionário da corte, sonha voar. Esteseu sonho não se desenvolve por meios místicos, por entusiasmos da fé,mas por via de uma razão mecanicista, calculadora, técnica, uma razão

l f l d f l d dexperimental e física, totalmente desconforme com a mentalidadeeclesiástica dominicana e jesuítica que imperava então no Terreiro doPaço. (…) Devido à sua fé na ciência mais do que na inspiração cristãPaço. (…) Devido à sua fé na ciência mais do que na inspiração cristãda fé, P. Bartolomeu de Gusmão tenta unir as teorias antigas da físicamedieval do éter como quinta-essência do mundo (para além dos quatrol t á t f ) l t i id d t â belementos ar, água, terra e fogo) com a electricidade presente no âmbar e

o electromagnetismo do íman. Para isso, ele que estudara no Brasil e emPortugal segundo o rígido esquema do ensino escolástico imposto pelag g g q p pcontra-reforma, sente a necessidade de ir à liberal Holanda, comungardas novas descobertas cientificas (…). É de lá que traz a nova teoria,maravilhosa e paradoxal que destrói a antiga tese da existência de umamaravilhosa e paradoxal, que destrói a antiga tese da existência de umaquinta-essência divina. (…) Isto é, o elemento espiritual, divino, quetudo sustenta no universo, é simplesmente humano, está dentro de cadah ”homem. ”

Miguel Real

“De facto, a vida do “voador” permite, pela imprecisão dos seuscontornos, a entrada na lenda e na derivação semi-simbólica,

if tá ti ( ) O t j t t li iã tólisemifantástica (…). O seu trajecto, entre a religião católica e ojudaísmo, os passos da sua vida como religioso jesuíta, a sua alegadaentrada na bruxaria, as suas actividades alquímicas, o seu interesseentrada na bruxaria, as suas actividades alquímicas, o seu interessecientifico (sobretudo na aerostática), servem a transformação do seuinteresse individual específico – a construção de uma máquina voadora,a passarola – em objecto do próprio sonho do homem (da sua “loucura”,se quisermos), envolvendo a realidade e o desejo, o presente e o futuro.”

Isabel V. Ponce de Leão,

M.ª do Carmo Castelo-Branco M. do Carmo Castelo Branco

Fi 22 P d Fig.22 Padre Bartolomeu Lourenço

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Personagens FiccionaisPersonagens Ficcionais

Baltasar Sete-SóisBaltasar Sete Sóis

Baltasar Mateus esteve na guerra de sucessão de Espanha,d i di d d diddurante quatro anos. Foi dispensado desta por ter perdido a mãoesquerda em combate. Após regressar, é num auto-de-fé que conheceBlimunda, a quem se liga amorosa e espiritualmente. Mais tarde é

d d l d l dconvidado pelo padre Bartolomeu Lourenço para o ajudar naconstrução da “passarola”, sonho que passa também a ser seu. Passadoalgum tempo, começa a trabalhar nas obras do convento de Mafra,g p fprimeiro como servente e, depois, como boeiro. Depois da morte do padreBartolomeu, é Baltasar que zela pela preservação da “máquinavoadora”. Porém, um dia, por descuido, é levado ao acaso pela máquina, , p , p qque ajudou a construir. Acaba por ser condenado à fogueira nove anosdepois.

Esta é uma personagem do povo analfabeta e humilde que aceitaEsta é uma personagem do povo, analfabeta e humilde, que aceitaa vida tal como esta lhe surge.

Antes de conhecer Blimunda, Sete-Sóis era apenas um trabalhadorrude Todavia o amor transformou-o elevando-o espiritualmente Talrude. Todavia, o amor transformou-o elevando-o espiritualmente. Talcomo o padre Bartolomeu de Gusmão é um homem sonhador.

A sua alcunha “Sete-Sóis” tem uma simbologia enorme. O númerosete é um número mágico e o sol é o símbolo da vida e do poder. Até ag psua morte através do fogo simboliza o apagar da luz.

Posso afirmar que esta não é uma personagem heróica, é apenas umhomem que lutou pelos seus objectivos.

Page 30: Memorialdo Convento

“A simpatia do narrador por Baltasar e por todos os outros que elerepresenta, bem como por aqueles com quem mais directamente serelaciona, é facilmente perceptível não só a partir da isenção de ironia no

d ã t d É t bé i di i d l f t dmodo como são apresentados. É, também, indiciada pelo facto danarrativa, invertendo o rumo inicial e o próprio título do romance, sepreocupar em seguir o percurso seguido por Sete-Sóis que, dessa forma,preocupar em seguir o percurso seguido por Sete Sóis que, dessa forma,“destrona” o rei e o memorial do “seu” convento do primeiro plano.

Não se pense, contudo, que basta esta troca de privilégios no quep , , q p g qtoca a atenção do narrador para que de um soldado maneta se faça umherói. O processo de heroicização respeitará várias etapas, entre os quaisa voluntária relação com Blimunda, cujos dons fantásticos, aliados aofacto de ser filha de uma condenada pela Inquisição, embrionariamentecolocam Baltasar em situação de latente conflito com os valores dacolocam Baltasar em situação de latente conflito com os valores dasociedade setecencista.

É, todavia, pela relação de amizade com o padre Bartolomeu Lourenço,é i d ã d i B l é f l de por uma espécie de reacção em cadeia, que a Baltasar é facultado o

conhecimento de outras verdades bem diferentes daquelas que lhe sãopermitidas Dizem estas verdades respeito não apenas aopermitidas. Dizem estas verdades respeito não apenas aoquestionamento de dogmas religiosos mas também à tomada deconsciência do papel que o homem desempenha no mundo, mas este sóserá compreendido depois de Baltasar ter aprendido a (re)conhecer e aassumir o seu próprio valor. ”

Ana Paula Arnaut, Memorial do Convento, História, Ficção e Ideologia, ed. Fora do Textox

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Blimunda Sete-LuasBlimunda Sete Luas

Blimunda de Jesus é uma mulher do povo, a quem o padre BartolomeuL b ti d “S t L ” E t iLourenço, baptiza de Sete-Luas . Esta personagem vive um amorapaixonado, franco e leal com Baltasar; é o seu complemento. Possui o domde, em jejum, ver o interior das pessoas e das coisas, o que lhe permite recolherde, em jejum, ver o interior das pessoas e das coisas, o que lhe permite recolheras duas mil “vontades” indispensável para o funcionamento da passarola. Édetentora de grande densidade psicológica e de uma perseverança sem limites.Esta capacidade é evidenciada quando procura “o seu homem” durante noveanos. Une-se a ele eternamente ao retirar-lhe a vontade quando finalmente oreencontra num auto de fé em que este está a ser queimado no fogo dareencontra num auto-de-fé em que este está a ser queimado no fogo daInquisição…

O nome de Blimunda, estranho e raro tal como a personagem que o veste,O nome de limunda, est anho e a o tal como a pe sonagem que o veste,teria surgido ao narrador, talvez pela musicalidade que ele encerra ou pelamagia das suas três sílabas, símbolo da perfeição. Esta mulher representa aforça que permite ao povo a sua sobrevivência, assim como a contestação dopoder e resistência.

“Logo à primeira vista se percebe que as personagens de Saramagog p p q p g S gsão tudo menos típicas. A sua excentricidade tem um duplo significado.Por um lado, são personagens geralmente marginalizadas pelos rectos dahistória oficial; assim, contribuem para uma nova visão dosacontecimentos. Ao mesmo tempo, todos são literalmente excêntricos:invulgares originais diferentes dos outros representantes do seu meioinvulgares, originais, diferentes dos outros, representantes do seu meio,como Baltasar, dotados de poderes sobrenaturais, como Blimunda (…)

Blimunda é daquelas figuras femininas que têm no romance deBlimunda é daquelas figuras femininas que têm no romance deSaramago uma forte presença, desempenhando o papel de“desencadeadoras da acção” e cuja importância é, como diz o autor,“motora”. Blimunda, além de introduzir a perspectiva feminina notexto, serve também de veículo para os elementos do maravilhoso. É ela

i d b t i i t id d dque possuiu os poderes sobrenaturais que consistem na capacidade de,quando em jejum, ver “por dentro” das pessoas e objectos.

Page 32: Memorialdo Convento

Além disso caracterizam-na um excepcional poder perceptivo, deintuição e compreensão da complexidade do mundo, qualidades que opróprio narrador classifica como inverosímeis. Blimunda aprendeu ascoisas sobre a vida e a morte sobre o pecado e o amor “na barriga dacoisas sobre a vida e a morte, sobre o pecado e o amor na barriga damãe”, onde esteve “de olhos abertos”. Esta figura inesquecível constituium exemplo perfeito da personagem excêntrica, nela se combinando ox p p f p g x ,realismo de uma protagonista popular com o fantástico e o fictício. ”

Helena Kaufman

Sebastiana Maria de Jesus

E é d Bli d É d l i i AEsta personagem é mãe de Blimunda. É condena pela Inquisição. Aoavistar a filha no meio da multidão que assiste ao auto-de-fé da Inquisição,interroga-se sobre a identidade do homem “tão alto que está perto deinterroga se sobre a identidade do homem tão alto, que está perto deBlimunda”. “Força” então a filha, apenas com o olhar, a perguntar o nome dohomem ao seu lado, nascendo assim a relação entre Sete-Luas e Sete-Sóis.

“Sebastiana Maria de Jesus, nem o nome a salvou, degredada paraA l lá fi b l d i i l l lAngola e lá ficar, quem sabe se consolada espiritual e corporalmente pelopadre António Teixeira de Sousa, que muita prática leva de cá, e ainda bem,para não ser tão infeliz o mundo mesmo quando já tem garantida apara não ser tão infeliz o mundo, mesmo quando já tem garantida acondenação.”

Page 33: Memorialdo Convento

Marta Maria

Esta mulher é a mãe de Baltasar, é quem recebe o “filho pródigo” ea “esposa” em sua casa quando estes vão pela primeira vez juntos aa esposa em sua casa, quando estes vão pela primeira vez juntos aMafra.

João Francisco

Este é o pai de Baltasar. É um homem do povo, trabalhador, cujasubsistência reside na agriculturasubsistência reside na agricultura.

Inês Antónia

Esta personagem é irmã de Baltasar e mãe de duas crianças. Sofreimensamente a morte do filho mais novo, com pouco mais de dois anos,

rr d “b xi ”que morre de bexigas .

Álvaro Diogo

É o marido de Inês Antónia. É um homem do povo e antigosoldado com quem Baltasar trava amizade ao chegar a Mafra. É umaimportante ajuda quando consegue trabalho para Sete-Sóis naimportante ajuda quando consegue trabalho para Sete Sóis naconstrução do convento de Mafra.

Page 34: Memorialdo Convento

Os trabalhadores do convento

Saramago criou uma personagem colectiva, cuja “força bruta” eesforço desmedido são explorados de forma desumana No livro podemesforço desmedido são explorados de forma desumana. No livro podemobservar-se nomes como: Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas,Firmino, Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcolino, Nicanor,, G , , , J , , , ,Onofre, Paulo, Quitério, Rufino, Sebastião, Tadeu, Ubaldo, Valério,Xavier e Zacarias. O autor escolheu um nome para cada letra dolf lhalfabeto com o intuito de mostrar o numero exorbitante de trabalhadores

que foram explorados na construção do convento de Mafra.

As relações amorosasAs relações amorosas

lCasal régio

D J ã V r i ló ã D A dD. João V, o rei megalómano não ama a sua esposa D. Ana deÁustria. Assim, a rainha, obediente, é obrigada a ter relações com omarido com um único intuito: procriar. O casamento das figuras reais ép f gum casamento por procuração baseado apenas em interesses políticos.Não há espaço para o amor nesta relação. Há apenas o cumprimento dasobrigações conjugais (“duas vezes por semana cumpre vigorosamente oobrigações conjugais ( duas vezes por semana cumpre vigorosamente oseu dever real e conjugal”).

O respeito é outro aspecto que não cabe nesta união. O rei absolutop p qé adultero e imoral. Ao ter relações com as freiras do Convento deOdivelas encontra o amor carnal e sensual que não possui com a rainha(“abundam no reino bastardos da semente real”)( abundam no reino bastardos da semente real ).

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Baltasar e Blimunda

Estas duas personagens são o oposto das figuras reais. Baltasar ep g p f gBlimunda são pessoas apaixonadas que vivem um para o outro. Sete-Sóis é o complemento de Sete-Luas e vice-versa. A união destas

é á i é d d ãpersonagens é mágica e, é de notar que, em todo o romance não seseparam. Quando o homem é levado pela passarola “Durante nove anos,Blimunda procurou Baltasar ” Mesmo quando Sete-Sóis ardia naBlimunda procurou Baltasar. . Mesmo quando Sete Sóis ardia nafogueira, Sete-Luas recolheu a sua vontade, ficando com ela sempre.Este casal representa a utopia do amor, o amor verdadeiro e eterno.

O encontro dos corpos e das almas, o amor espiritual e carnal sãoperfeitamente visualizados nestas duas personagens. Eles amam-sequando querem e onde querem, sendo por isso transgressores para a épocaem que viviam. Porém, o que mais marca a relação é acomplementaridade a fidelidade e a liberdade que cada intervenientecomplementaridade, a fidelidade, e a liberdade que cada intervenientepossui.

“Ali se deitaram, numa cama de folhagem, servindo as própriasroupas despidos de abrigo e enxerga. Em profunda escuridão sep p g x g p fprocuraram, nus, sôfrego entrou ele nela, ela o recebeu ansiosa, depois asofreguidão dela, a ânsia dele, enfim os corpos encontrados, osmovimentos, a voz que vem do ser profundo, aquele que não tem voz, ogrito nascido, prolongado, interrompido, o soluço seco, a lágrimainesperada e a máquina a tremer a vibrar porventura não está já nainesperada, e a máquina a tremer, a vibrar, porventura não está já naterra, rasgou a cortina de silvas e enleios, pairou na alta noite, entre asnuvens, Blimunda, Baltasar, pesa o corpo dele sobre o dela, e ambos, , , p p ,pesam sobre a terra, afinal estão aqui, foram e voltaram.”

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EspaçoEspaço

Espaço físico

São abundantes as referências aos espaços físicos neste romance.Existem espaços exteriores interiores e geográfico É ao longo das ruas eExistem espaços exteriores, interiores e geográfico. É ao longo das ruas edos caminhos, das igrejas e das casas que as personagens interagem,dando a conhecer ao leitor a sua história.

No fundo, o espaço físico é o espaço real, onde os acontecimentosocorrem. O autor descreve-o para conferir uma maior verosimilhança àp fhistória narrada.

Espaço geográfico

Lisboa e Mafra são os espaços fulcrais do espaço geográfico umalvez que é lá que se movimentam as personagens principais. Dentro

destes espaços, o autor dá a conhecer ao leitor, nomeadamente, o Terreirodo Paço (local que revela a vida na corte) o Rossio (local muitodo Paço (local que revela a vida na corte), o Rossio (local muitofrequentado, onde se realizam, por exemplo, os autos-de-fé), S. Sebastiãoda Pedreira (localidade situada nos arredores de Lisboa, onde decorre a(construção da “passarola”, na quinta do duque de Aveiro), a “ilha daMadeira” (vale onde os trabalhadores descansam).

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Faz-se ainda referência a Évora, Montemor, Pegões, Aldegalega(locais por onde Sete-Sóis passa, depois de regressar da guerra, no seu

té h Li b ) à d B d M t J tpercurso até chegar a Lisboa); à serra do Barregudo, ao Monte Junto, aoMonte Achique, a Pinheiro de Loures, a Pêro Pinheiro (local onde oshomens vão buscar a brutesca pedra para o convento), a Cheleiros,homens vão buscar a brutesca pedra para o convento), a Cheleiros,Torres Vedras, Leiria, à região do Algarve, Alentejo e Entre-Douro-e-Minho.

Fig.23 Lisboa

Espaço exterior

Os espaços exteriores percorrem aspáginas de Memorial do Convento,fornecendo o local para as personagens sedeslocarem Na obra surgem-nos comodeslocarem. Na obra surgem nos comoespaços exteriores as ruas e praças, o Terreirodo Paço, Remolares, Rossio, o morro dasT i S R V l d l d “ilhTaipas, S. Roque, Valverde, o vale da “ilhada Madeira” e os campos. São inúmeros oscaminhos. Destes são destacadas as imundasruas da Lisboa setecentista, o Tejo(considera-se o caminho aquático parapessoas e mercadorias) os deslumbrantes epessoas e mercadorias), os deslumbrantes etemíveis caminhos do ar, todos os itineráriosque convergem em Mafra e, por fim, oslongos e pedregosos trilhos que calejaram ospés de Blimunda durante nove anos.

Page 38: Memorialdo Convento

Espaço interior

Também os espaços interiores abundam nas páginas de Memorialdo Convento. É descrito ao leitor o Palácio Real (Lisboa), a albegoariaR ( ), gda quinta do duque de Aveiro (local onde foi construída a passarola), acasa dos pais de Baltasar (Mafra).

É ainda de referir o magnífico contraste entre o esplendor barrocodas igrejas e palácios, e despojamento das casas e dos barracões onde

i i l ã T d i l h bit õ hvivia a população. Todavia, algumas habitações ganham umaimportante riqueza simbólica não pelo seu interior, mas sim pelas acçõesdas personagens nestes mesmos locais. Estes locais simbólicosdas personagens nestes mesmos locais. Estes locais simbólicostransportam-nos para o espaço simbólico.

“Leva a dita igreja uns altos e fortes mastros, dispostos pelamesma formalidade dos alicerces quer dizer segundo o perímetro quemesma formalidade dos alicerces, quer dizer, segundo o perímetro queterá a basílica definitiva, e o tecto será armado com velas de navios,forradas de pano de brim, planta em cruz, como igreja que se preza ser,f p , p , g j q p ,de madeira, sim, e provisória, mas com a dignidade de anunciadora daque de pedra aqui se construirá”

Fig.25 Interior de uma gigreja

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Espaço simbólicoEspaço simbólico

“Baltasar e Blimunda, com as suas três mãos e um ganchoconstruíram a sua casa, levantaram, haveria que dizer com maisexactidão, uma parte e dependurado a outra, que são estas as técnicas deconstrução de que sempre se serviu a escassez para estabelecer a suacasa erguer um poste crescer um muro içar a lona pendurar umacasa, erguer um poste, crescer um muro, içar a lona, pendurar umacortina. Marcaram-se os limites de um novo território, seleccionou-seuma parte para que de facto isso seja uma casa, um lugar onde estaremosp p q f j , gsós, uma acomodação, um recinto para descanso, para nos entregarmosmutuamente e sermos os três, Sete-Sóis, Sete-Luas e a casa, uma únicacasa.”

J é J í P B ñJosé Joaquín Parra Bañon

Este é o espaço da dimensão simbólica. Saramago relaciona-o com opar amoroso Blimunda e Baltasar.

A casa de Blimunda (Lisboa), a abegoaria (onde foi construída apassarola), o palheiro de Morelena, a passarola, a barraca da burra(M f ) ã l i d S Sói S L(Mafra) e a natureza são os locais onde Sete-Sóis e Sete-Luas se amaramsem regras ou preocupações.

Também a dimensão do olhar pode ser enquadrada neste espaçoTambém a dimensão do olhar pode ser enquadrada neste espaço,uma vez que foi através dele que tudo começou (“Não tenho forças queme levem daqui, deitaste-me um encanto…olhaste-me por dentro”).q , p )

fig.26 olho de Blimunda

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Espaço psicológicop ç p g

“São os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. Mas sãotambém os sonhos que lhe fazem uma coroa de luas, por isso o céu é oresplendor que há dentro da cabeça dos homens o próprio e único céu ”resplendor que há dentro da cabeça dos homens, o próprio e único céu.

Memorial do Convento

O espaço psicológico no qual se integram as vivências íntimas daspersonagens, os seus pensamentos, sonhos, estados de espírito, memóriase reflexões. Todos estes aspectos ajudam a caracterizar o ambiente quelh tá i dlhe está associado.

José Saramago dá ao leitor alguns espaços psicológicos: o sonho, aJosé Saramago dá ao leitor alguns espaços psicológicos: o sonho, aimaginação, a memória e a reflexão.

Se o leitor prestar atenção à obra verá que ao longo dela sãop ç q gdescritos os sonhos de várias personagens, onde são revelados os seusmais íntimos desejos, ansiedades e inquietações. Exemplo disto é a

h h h d (“ d drainha que sonha com o cunhado, D. Francisco (“São meandros dainconsciência real, como aqueles outros sonhos que sempre D. MariaAna tem vá lá explicá-los quando el-rei vem ao seu quarto que é ver-seAna tem, vá lá explicá-los, quando el-rei vem ao seu quarto, que é ver-seatravessando o Terreiro do Paço para o lado dos açougues… enquanto oinfante D. Francisco, seu cunhado,, cujo antigo quarto agora ocupa,f j g q g palguma assombração lhe ficando, dança em redor dela, empoleirado emandas, como uma cegonha negra.”).

Fig.27 cegonha negra

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Por outro lado temos o campo da imaginação. Este aspecto éfrisado por exemplo na procura incessante de Blimunda por Baltasar(“Quantas vezes imaginou Blimunda que estando sentado na praça de

il di l h i i l duma vila, a pedir esmola, um homem se aproximaria e em lugar dedinheiro ou pão lhe estenderia um gancho de ferro, e ela meteria a mãoao alforge e de lá tiraria um espigão da mesma forja, sinal da suaao alforge e de lá tiraria um espigão da mesma forja, sinal da suaconstância e guarda, Assim te encontro, Blimunda, Assim te encontro,Baltasar”).

Também a “memória” chega até ao lector através de Baltasar.Exemplo deste factor é o episódio em que Sete-Sóis relembra comoperdeu a mão esquerda (“…contudo já pensou tudo isto, e mais ainda,que foi lembrar-se dos seus próprios ossos, brancos entre a carnerasgada quando o levavam para a retaguarda e depois a mão caídarasgada, quando o levavam para a retaguarda, e depois a mão caída,arredada para o lado pelo pé do cirurgião”).

Por fim o espaço da reflexão é visível na conversa que a rainhaPor fim, o espaço da reflexão é visível na conversa que a rainhatem com a infanta D. Maria Bárbara no dia do casamento da última.

“Então é nada esta infanta que eu sou, nada os homens que vãoalém, nada este coche que nos leva, nada aquele oficial que vai à chuva elh i d A i é i h filh t i folha para mim, nada, Assim é minha filha, e quanto mais se for

prolongando a tua vida, melhor verás que o mundo é como uma grandesombra que vai passando para dentro do nosso coração, por isso o mundosombra que vai passando para dentro do nosso coração, por isso o mundose torna vazio e o coração não resiste, oh, minha mãe, que é nascer,Nascer é morrer, Maria Bárbara.”

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Espaço Social

O espaço social demonstra ambiente social vivido pelaspersonagens. O narrador tem preferência por grandes aglomerados depessoas que permitem mostrar a realidade social do século XVIII.

P l E d Q i ã d i ê iPor exemplo, o Entrudo, a Quaresma e a procissão de penitênciasão narrados com o pretexto de ficarem conhecidos os excessos e aimoralidade destas épocas Quanto a histórias de milagres e de crimes oimoralidade destas épocas. Quanto a histórias de milagres e de crimes, oautor pretende transmitir a obtusidade do povo, bem como as crendices eas superstições do mesmo. Se referenciarmos os autos-de-fé podemosobservar a repressão religiosa e o fanatismo típicos do século XVIII. Poroutro lado, os baptizados e os funerais régios transparecem o luxo e a

ã d f íli l id á lostentação da família real; a vida e a morte como um espectáculo.Também o clero é vitima da crítica de Saramago em relação ao luxo esumptuosidade quando o inquisidor D. Nuno da Cunha é elevado asumptuosidade quando o inquisidor D. Nuno da Cunha é elevado acardeal.

Igualmente a vida conventual do clero em geral é ironizada, sendorevelados a sua vida imoral e a corrupção de costumes.

Por outro lado, o povo é criticado, tal como nos autos-de-fé, dadoque vêm o sangue e a morte como um espectáculo. Similarmente àprocissão da penitência, também a procissão do Corpo de Deus é alvo deironia devido ao luxo e excessos, principalmente do rei.

i l j d d i f l dFinalmente, o cortejo de casamento dos infantes mostra o papel damulher no casamento (através da conversa da rainha com a filha), aostentação e o luxo da realeza em contraste com as condições miseráveisostentação e o luxo da realeza em contraste com as condições miseráveisem que vive o povo e também o estado deplorável em que se encontravamos caminhos por que passaram.p q p

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TempoTempo

“(…) entendo o tempo como uma grande tela, uma tela imensa,onde os acontecimentos se projectam todos, desde os primeiros ao de

l d l d d d dagora mesmo. Nessa tela, tudo está ao lado de tudo, numa espécie decaos, como se o tempo fosse comprido e além de comprido espalmado,sobre essa superfície; e como se os acontecimentos os factos as pessoassobre essa superfície; e como se os acontecimentos, os factos, as pessoas,tudo isso aparecesse ali não diacronicamente arrumado, mas numa outra“arrumação caótica”, na qual depois seria preciso encontrar um sentido.”ç q p p

in, Carlos Reis, Diálogos com José Saramago

Tempo histórico

O tempo histórico é o conjunto de referências a acontecimentos e ai i d é dpersonagens reais que transmitem pormenores da época, neste caso, do

século XVIII, ao texto.

O tempo histórico é visível em Memorial do Convento através dosO tempo histórico é visível em Memorial do Convento através dosfactos da História que podem ser comprovados. São alguns os exemplostais como, o casamento de D. João V e D. Maria Ana Josefa (1708), o, J A J f ( ),início da construção do Convento de Mafra (1717) e o último auto-de-féonde é sentenciado António José da Silva, o Judeu (1739).

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Tempo diegético ou da história

Tempo diegético é o tempo durante o qual a acção se desenrola,segundo uma ordenação cronológica e em que surgem marcas objectivasda passagem do tempo (anos, dias, horas, etc.).

As referências temporais não são abundantes, e algumas são mesmodeduzidas Sabe se que a narrativa se inicia em 1711 (“D João quintodeduzidas. Sabe-se que a narrativa se inicia em 1711 ( D. João, quintodo nome na tabela real, irá esta noite ao quarto de sua mulher, D. MariaAna Josefa, que chegou há mais de dois anos da Áustria para darf q g pinfantes à coroa portuguesa e até hoje ainda não emprenhou”, “Em milsetecentos e quarenta terei cinquenta e um anos, e acrescentoulugubremente Se ainda for vivo”) Também é do conhecimento do leitorlugubremente, Se ainda for vivo ). Também é do conhecimento do leitorque a construção do convento de Mafra é datada de “dezassete denovembro deste ano da graça de mil setecentos e dezassete”.

É ta bé dad a h r p l r i a data da agra ã da ba íli a dÉ também dado a conhecer pelo rei a data da sagração da basílica deMafra (“segundo o Ritual, e então el-rei mandou apurar quando cairia odia do seu aniversário, vinte e dois de outubro, a um domingo, tendo osdia do seu anive sá io, vinte e dois de outub o, a um domingo, tendo ossecretários respondido, após cuidadosa verificação do calendário, que talcoincidência se daria daí a dois anos, em mil setecentos e trinta”.). Porfim, a última referência temporal é a do auto-de-fé onde Baltasar équeimado em conjunto com o Judeu, em 1739.

d ó b hi ó i É i í lContudo, o tempo não passa só sobre a história. É visível oenvelhecer das personagens com o decorrer da obra. Quando se conhecemBlimunda e Baltasar têm respectivamente 19 e 26 anos Mais tardeBlimunda e Baltasar têm respectivamente 19 e 26 anos. Mais tarde,quando Sete-Sóis afirma ter estado perto do sol tem 40 anos e a suacompanheira 33. Seguidamente, Baltasar é levado pela passarola no diap g p p21 de Outubro de 1730, aos 45 anos, tendo a sua mulher 38 anos. Porfim, Blimunda procura o amado durante nove anos. Encontra-o na horad d l 47 l 54da sua morte tendo ela 47 e ele 54 anos.

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Tempo do discursoTempo do discurso

O tempo do discurso é o modo como o narrador conta osO tempo do discu so é o modo como o na ado conta osacontecimentos. Este pode elaborar o seu discurso segundo umafrequência, ordem e ritmo temporais diferentes.

Se tivermos em conta a frequência temporal podemos ter: umdiscurso singulativo, se o narrador narrar apenas uma vez o que

di i i i á iaconteceu, um discurso repetitivo, se o expositor enumerar várias vezes oque só ocorreu uma vez e um discurso iterativo se o relatador contar umavez o que sucedeu várias vezesvez o que sucedeu várias vezes.

Porém, se analisarmos a ordem temporal, obtemos: analepses nasquais o narrador narra no presente acontecimentos já passados; prolepsesquais o narrador narra no presente acontecimentos já passados; prolepsescaso o historiador antecipe acontecimentos futuros e ordens lineares se oexpositor seguir a ordem cronológica dos eventos .

Por fim, se tivermos em conta o ritmo temporal teremos anisocronias, ouja ã há i idê ia tr t da hi tória d di r i r iaseja, não há coincidência entre o tempo da história e do discurso, e isocronias

em que há concordância entre os dois tempos (discurso directo).

Na sua generalidade o discurso do narrador segue o fluir cronológico daNa sua generalidade, o discurso do narrador segue o fluir cronológico daacção. No entanto são conhecidos algumas anisocronias. Estas podem serdecorrentes do tratamento do tempo quando nos referimos a analepsesp q f p(analepse que faz referência à vontade dos franciscanos terem um convento) eprolepses (morte do sobrinho de Baltasar e de D. Pedro). Podem ainda ser

l d d d lresultantes do estatuto de um narrador que não quer ocultar a suapersonalidade de homem do século XX. Esta característica está patente noromance quando o leitor observa comentários juízos críticos e registos deromance quando o leitor observa comentários, juízos críticos e registos delíngua (“que se lixam, com perdão da anacrónica voz”) e de acontecimentosdesse tempo (“os capelões de varas levantadas e molhos de cravos nas pontasp ( p pdelas, ai o destino das flores, um dia as meterão nos canos das espingardas”).Sabe-se que estes desvios temporais apenas surgem na obra para esbaterem ab i d i dif fl ibarreira entre dois tempos diferentes: o presente reflecte-se e revive-se nopassado, interpretando-se.

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T i ló iTempo psicológico

O tempo psicológico não está relacionado com a problemáticaexistencial de cada personagem. Se a figura está feliz ou aborrecidax p g f g fassim o tempo passa depressa ou devagar.

Este fenómeno é observado no percurso até Espanha, no dia docasamento de Maria Bárbara. Esta vai observando o que a rodeiatomando consciência sobre o facto de nunca ter visto o conventoi tit íd h d i t (“S h ã i h i hinstituído em honra do seu nascimento (“Senhora mãe e rainha minha,aqui estou eu, indo para Espanha, donde não voltarei, e em Mafra seique se constrói um convento por causa de voto em que fui parte, e nuncaque se constrói um convento por causa de voto em que fui parte, e nuncaninguém de cá me levou a vê-lo, há nisto muita coisa que não seientender”).

NarradorNarrador“Conhecemos o narrador que se comporta de um modo imparcial,

que vai dizendo escrupulosamente o que acontece, conservando sempre aque vai dizendo escrupulosamente o que acontece, conservando sempre asua própria subjectividade fora dos conflitos de que é espectador. Mashá um outro tipo de narrador, mais complexo, que não tem uma vozúnica: é um narrador substituível um narrador que o leitor vaiúnica: é um narrador substituível, um narrador que o leitor vaireconhecendo como constante ao longo da narrativa, mas que algumasvezes lhe causará a estranha impressão de ser outro. Digo outro porqueele se colocou num diferente ponto de vista a partir do qual pode mesmoele se colocou num diferente ponto de vista, a partir do qual pode mesmocriticar o ponto de vista do primeiro narrador. O narrador será também,inesperadamente, um narrador que se assume como pessoa colectiva. Seráigualmente uma voz que não se sabe de onde vem e que se recusa a dizerigualmente uma voz que não se sabe de onde vem e que se recusa a dizerquem é, ou usa de uma arte maquiavélica que leve o leitor a sentir-seidentificado com ele, a ser, de algum modo, ele. E pode, finalmente, masnão de um modo explicito ser a voz do próprio autor capaz de fabricarnão de um modo explicito, ser a voz do próprio autor, capaz de fabricartodos os narradores que entender, não está limitado a saber apenas o queas suas personagens sabem, porquanto ele sabe, e não o esquece nunca,t d q a t ti r a t id d i da ida d la ”tudo quanto tiver acontecido depois da vida delas.

José Saramago, in, JL, nº400

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No romance de Saramago o narrador é na maioria das vezesheterodiegético (não é personagem da trama) quanto à presença e omniscienteheterodiegético (não é personagem da trama) quanto à presença e omnisciente(tudo sabe e tudo vê) relativamente à focalização. É um narrador subjectivouma vez que enuncia juízos de valor, comentários e opiniões.

C t d i t d “ t ” àContudo, existem passagens em que o narrador “empresta a sua voz” àsdiversas personagens, adoptando assim o seu ponto de vista (focalizaçãointerna): “e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus”.

O contador pretende também aproximar-se da época retratada atravésda reconstrução do ambiente e do vocabulário que utiliza. No entanto, porvezes há um distanciamento desta intenção quando são utilizadas prolepses,ç q p p ,ironias e/ou linguagem actual. Esta última característica está bem patentena descrição dos encontros sexuais do casal régio. Ao nível do vocabulário, oautor tanto utiliza vocábulos distanciados da época descrita, como explicitap , xpconceitos que ali são descritos e na actualidade sofreram alterações (“passoua manhã, foi a hora do jantar, que é este o nome da refeição do meio-dia, nãoesqueçamos”).esqueçamos ).

Em suma, o narrador de Memorial do Convento é um relator que semovimenta no tempo, passado, presente e futuro, com extrema facilidade. Édetentor de um imenso conhecimento o que o torna capaz de controlar adetentor de um imenso conhecimento o que o torna capaz de controlar aacção e as personagens.

“O narrador de Memorial do Convento é, porventura, o seuelemento mais fascinante pela imprevisibilidade de procedimentoselemento mais fascinante pela imprevisibilidade de procedimentos,próximos do tom transgressor que enforma a obra. Assim, apenas seenvolve emocionalmente com as personagens com quem cria uma relação

d d dempática, remetendo para as outras uma toada irónica. Reinterpretandoa história, controla toda a narrativa, não se privando de posiçõesjudicativas, posto que interprete um passado à luz do presente, ou, se sejudicativas, posto que interprete um passado à luz do presente, ou, se sepreferir, interprete o presente à luz do passado. Contemporâneo dopresumível leitor, opta pela irreverência, génese de todas ast õ di d d hi tó i t é d ttransgressões, parodiando um passado histórico que, através de um tomcáustico, subverte. (…)

O narrador transforma-se assim num protagonista sarcástico que seO narrador transforma se assim num protagonista sarcástico que sedebruça sobre si mesmo procurando agradar; trata da gestão do seuestatuto optando pelo tom da conversa banal que vai convertendo em

ã t é d d d d ã t “ ”narração para, através de um poder de sedução, reverter o seu “eu” numemergente “nós”, por virtude da cumplicidade que pretende alcançar como leitor, enquanto crítico de uma época de desconcerto que aguarda oq p q gconcerto, ontem como hoje. ”

Isabel Ponce de Leão, Maria do Carmo Castelo-Branco

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EstiloEstilo“Há muito de funcionamento muscular nesse estilo… O que eudi i b i óli é di l lquero dizer com esta coisa bastante insólita é que o discurso, tal qual se

apresenta no meu estilo, tem que mover-se de uma forma que eu diria“descontraída”, em que tudo o que vai acontecendo resulta do que já foi, q q q j fdito, a palavra que vem liga-se à palavra que está, como se eu nãoquisesse que houvesse nem roturas nem cortes e que o discurso pudesseter uma fluidez tal que ocupasse todo o espaço narrativo Quer dizer:ter uma fluidez tal que ocupasse todo o espaço narrativo. Quer dizer:aquilo a que eu aspiro é traduzir uma simultaneidade, é dizer tudo aomesmo tempo.

(…) nós, quando falamos, não usamos sinais de pontuação. É alh d l h f l fvelha declaração minha: fala-se como se faz música, com sons e com

pausas; toda a música é feita de sons e de pausas e toda a fala é feita desons e pausas”p

José Saramago, in, Carlos Reis, op. cit.

Saramago possui um estilo muito próprio como foi possívelobservar ao longo de toda a obra e, também, nas declarações que fez. Ele

ã it i t di i i U i di i i d tnão respeita quaisquer regras tradicionais. Usa indiscriminadamenteletras maiúsculas no interior das frases. As vírgulas são para ele “sinaisde pausa, no sentido musical, quer dizer: aqui o leitor faz uma pausade pausa, no sentido musical, quer dizer: aqui o leitor faz uma pausabreve” e, por isso utiliza-as frequentemente. Já os pontos servem para oleitor fazer “uma pausa mais longa”.

Para além deste desrespeito completo por regras e pontuação, JoséSaramago ainda mistura os discursos directo e indirecto. Introduz

l d l d f l d figualmente juízos de valor e comentários que dificultam a identificaçãodas personagens, por parte do leitor. Para além de tudo isto, o autor deMemorial do Convento emprega simultaneamente um tom cómico eMemorial do Convento emprega simultaneamente um tom cómico etrágico, utilizando apartes, aforismos e ditados populares.

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Quanto às figuras de estilo, este autor adora brincar com aspalavras Os recursos estilísticos que utiliza vão desde o trocadilhopalavras. Os recursos estilísticos que utiliza vão desde o trocadilho,assíndeto (“o regaço, o lume na lareira, a candeia, a esteira no chão, opunho cortado de Baltasar”), anáfora, antítese, enumeração, hipérbolep ) f ç p(“e a máquina a tremer, a vibrar, porventura não está já na terra, rasgoua cortina de silvas e enleios, pairou na alta noite, entre as nuvens”),

áf (“M id d i d d é b imetáfora (“Mas esta cidade, mais do que todas, é um boca que mastigade sobejo para um lado e de escasso para o outro”) até à tão presenteironia (“Mas Deus é grande”)ironia ( Mas Deus é grande ).

Concluindo, Saramago alia as características do código oral com odiscurso literário, para criar uma cumplicidade com o leitor.discurso literário, para criar uma cumplicidade com o leitor.

Visão críticaVisão crítica

Memorial do Convento não é uma mera reconstituição deM m d C v um m u ç dacontecimentos históricos; é um testemunho intemporal e universal dosofrimento de um povo sujeito à tirania de uma sociedade em que só “avontade de el-rei prevalece; o resto é nada”.

São vários os factores e grupos sociais criticados ao longo de toda abobra.

Page 50: Memorialdo Convento

Os dominadores (por oposição aos dominados)

Os primeiros a sofrerem a crítica do autor são os dominadores (poroposição as dominados). Toda a família real é dominadora, no entanto D.

(p p ç )

p ç ) fJoão V é destacado. Este toma as decisões de forma autoritária e alienada,sem tomar consciência das consequências. É do conhecimento geral que osd i d fi i d Hi ó i ldominadores ficam registados na História, no entanto não são eles que arealizam (exemplo, transporte da pedra de Pêro Pinheiro).

Por oposição encontra-se o povoque é enaltecido. Baltasar e Blimundasão os representantes deste povo e porsão os representantes deste povo e, porisso tanto sofrem. Também a rainha seenquadra no grupo dos dominados pois éa representante da mulher passiva doa representante da mulher passiva doséculo XVIII e, por isso, gera compaixão.

Fig.28 Povo

Em relação à actuação da inquisição, são criticadas as perseguições

Actuação da Inquisição

ç ç q ç p g çe os autos-de-fé (“Grita o povinho furiosos impropérios aos condenados,guincham as mulheres debruçadas dos peitoris, alanzoam os frades, a

i é b di i R iprocissão é uma serpente enorme que não cabe direita no Rossio e porisso se vai curvando e recurvando como se determinasse chegar a toda aparte ou oferecer o espectáculo edificante a toda a cidade”) Um exemploparte ou oferecer o espectáculo edificante a toda a cidade ). Um exemplode um homem perseguido pelas suas ideias novas foi o padre BartolomeuLourenço de Gusmão.G

Por outro lado, uma daspersonagens caracterizadas maispejorativamente é sem dúvida Dpejorativamente é sem dúvida D.Nuno da Cunha que tem uma grandeinfluência sobre D. João V.f J V

Fig.29 procissão dos condenados

Page 51: Memorialdo Convento

T d l é l d í i l d d

O Clero

Todo o clero é alvo de uma acesa crítica ao longo de todo oromance. O autor incide bastante nas relações amorosas das freiras, quercom homens da corte (“escândalo de que são causa os freiráticos, nobres e( q f ,não nobres, que frequentam as esposas do Senhor e as deixam grávidasno tempo de uma ave-maria”), quer com padres (“por isso se diverte tantocom as freiras nos mosteiros e as vai emprenhando uma após outra oucom as freiras nos mosteiros e as vai emprenhando, uma após outra, ouvárias ao mesmo tempo, que quando acabar a sua história se hão-decontar por dezenas os filhos assim arranjados”).

Por outro lado, os padres, durante os sermões, pretendiamextorquir dinheiro a todos, incluindo os pobres e também intimidar osignorantes com visões do inferno e heresias O exemplo da proposta doignorantes com visões do inferno e heresias. O exemplo da proposta dopadre António de S. José feita por interesse prova a quebra dos votoscristãos de pobreza e a ingenuidade de D. João V, que, supostamente eraum rei esclarecido.

São também ironizados outros temas. O adultério, por exemplo, écriticado através dos filhos bastardos do rei e dos sonhos da rainha(adultério não concretizado ) Também a guerra é alvo de sarcasmo uma(adultério não concretizado.). Também a guerra é alvo de sarcasmo umavez que os homens capazes eram necessários. Porém, se sofressem algumacidente eram dispensados e tratados como lixo.p x

Por fim, outros dos temas criticados por Saramago são odesrespeito pelos votos do Clero e a “Escravatura”, ou seja, exploraçãolaboral para a construção do convento.

Memorial do Convento é uma obra que problematiza temasperfeitamente adaptáveis à época contemporânea do autor e que conduza uma releitura do passado e à correcção da visão que se tem da história.

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Si b l iSimbologia

O d S é b d á i éO romance de Saramago é uma obra em que cada página épincelada por símbolos muito expressivos. Cada personagem, cada acçãopossui algo que o leitor só conhecerá com bastante atenção.possui algo que o leitor só conhecerá com bastante atenção.

Números

São quatro os números com relevância no romance.q

O número três, surge ao leitor na obra pelas três sílabas do nome de, g pBaltasar e Blimunda, pelos três tempos de construção da passarola (1º:“Tempo de espera”; 2º: “Tempo de operário”; 3º “Tempo da magia” ) epela trindade terrestre (Bartolomeu, Baltasar e Blimunda).

Este número simboliza a perfeição, a totalidade, a unidade divina,h i ilíb i ( d f )a harmonia e o equilíbrio, os tempos (presente, passado e futuro) e os

momentos da vida (nascimento, crescimento e morte) .

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Por outro lado, o número quatro expressa os pontos cardeais, asfases da lua e as estações. É o símbolo de plenitude, de totalidade ef ç p ,universalidade. Aparece na obra quando a arte se junta ao trabalho, poroutras palavras, quando Domenico Scarlatti se une ao trabalho deBlimunda Baltasar e BartolomeuBlimunda, Baltasar e Bartolomeu.

Também o número sete enriquece as páginas do romance EsteTambém o número sete enriquece as páginas do romance. Estedesponta na obra através dos nomes de Baltasar e Blimunda (Sete-Sóis eSete-Luas) por exemplo. São igualmente sete os anos vividos em

l l l dPortugal pelo músico Domenico Scarlatti e o mesmo número de vezesque Blimunda passou por Lisboa à procura de Baltasar. São ainda seteos bispos que baptizaram D. Maria Bárbara.os bispos que baptiza am . Ma ia Bá ba a.

Este algarismo está presente em vários campos do mundo. Senãovejamos, são sete: os dias da semana, os dias da construção do Mundo,

d d das cores do arco-íris, as notas musicais, os pecados mortais e as virtudes.

Finalmente, surge ao leitor o número nove. Este número encerrasimbolicamente a ideia de procura. Desponta no romance de Saramagosimbolicamente a ideia de p ocu a. Desponta no omance de Sa amagorelacionado com os anos de procura de Blimunda por Baltasar.

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PPersonagens

São seis as personagens que encerram figurismo.

Começando pela personagem que move toda a obra, D. João V.Esta personagem quer deixar como marca do seu reinado uma obragrandiosa e magnificente, o Convento de Mafra, construído sobre opretexto de que cumpre uma promessa feita ao Clero. Pretende tambémestar informado de todas as ideias novas por isso se relaciona com Padreestar informado de todas as ideias novas, por isso se relaciona com PadreBartolomeu e o músico Domenico Scarlatti. Não hesita em sacrificartodos os homens válidos e a riqueza do país na construção do Convento.q p ç

Este monarca é símbolo do absolutismo, do megalomanismo e doegocentrismo. No fundo, ele é o rosto da imposição do poder e davaidade.

Simbolismo completamente diferente encerra a rainha D MariaSimbolismo completamente diferente encerra a rainha D. MariaAna Josefa. Esta é uma mulher crente e ingénua, cujo papel unicamentese restringe a “dar infantes à coroa”. Portanto, esta personagemrepresenta a figura feminina neste século: submissa, simples procriadorae objecto da vontade masculina.

Pelo contrário, Baltasar Sete-Sóis encarna simbolicamente a vidade todos os homens do povo, sempre labutando e sempre perdendo ode todos os homens do povo, semp e labutando e semp e pe dendo ofruto do seu trabalho. É ainda o símbolo da vida, da força, do poder e doconhecimento (sol) o que torna a sua morte o retorno ás trevas (o apagard l)do sol).

Esta figura perde a mão esquerda na guerra, contudo, demonstrauma enorme persistência na vida mesmo depois de “inválido”. Começa auma enorme persistência na vida mesmo depois de inválido . Começa atrabalhar na obra do Convento e colabora na construção da passarola.Acaba por morrer no auto-de-fé, devido à sua própria construção.

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Blimunda Sete-Luas, na obra apaixona-se por Baltasar. Estamulher tem o dom de “ver” as pessoas por dentro e é esta dádiva que atorna capaz de ajudar na construção da passarola. No final do romance,

t B lt d l t lquanto Baltasar desaparece na passarola, o amor que sente por eleencoraja-a a procurá-lo incessantemente.

Esta é talvez a personagem mais mística de toda a obra de JoséEsta é talvez a personagem mais mística de toda a obra de JoséSaramago. O simbolismo que confina é de uma beleza extrema.Blimunda é o símbolo do amor incondicional e verdadeiro. Por outrolado, a sua alcunha, Sete-Luas mostra a sua necessidade de permanecercom Baltasar Sete-Sóis. Explicitando, a lua que não tem luz própria,carece do sol para brilhar.

Já o padre Bartolomeu de Gusmão representa a possibilidade dearticulação entre a cultura e o humano entre o saber e o sonho entre oarticulação entre a cultura e o humano, entre o saber e o sonho, entre oconhecimento e o desejo.

Este padre destaca-se na obra pela persistência nas suas ideias eEste padre destaca se na obra pela persistência nas suas ideias epelo desejo de construir a passarola e voar. É ele que une Baltasar eBlimunda. É um transgressor uma vez que abençoa uma relação semcontrair matrimónio. Por fim, morre dado como louco. No fim de tantolutar, não consegue resistir mais.

Por último surge Domenico Scarlatti, um artista estrangeirod D J ã V i ú i à i f M icontratado por D. João V para ensinar música à infanta Maria

Bárbara. A convite do padre Bartolomeu torna-se cúmplice silencioso doprojecto da passarola No final é ele que dá a notícia a Baltasar e aprojecto da passarola. No final é ele que dá a notícia a Baltasar e aBlimunda da morte do Padre Bartolomeu.

Esta personagem simboliza a arte: a inovação, a harmonia; ap g ç , ;dedicação e o poder curativo da música.

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Elementos

As duas mil vontades são o símbolo de todos aqueles quecontribuem para o progresso do mundo, mesmo que inconscientemente.Estes elementos surgem na obra quando o padre Bartolomeu descobreEstes elementos surgem na obra quando o padre Bartolomeu descobreque funcionam como éter. São também elas que Blimunda procura comos seus dons para se cumprir o sonho de voar.p p

Objectos

A passarola representa a capacidade libertadora alicerçada navontade dos Homens. É através da conjunção de vontades e saberes que

d b d l d lh da máquina voadora sobe, são as vontades que Blimunda recolhe que dãoo contributo final ao projecto de Bartolomeu. A criação de Bartolomeusimboliza também a concretização do sonho A passarola podesimboliza também a concretização do sonho. A passarola poderepresentar ainda a libertação de um povo oprimido (Baltasar eBlimunda), a criação de um espaço anti-poder onde não possa chegar o) ç p ç p p gTribunal do Santo Ofício.

Na obra, tem uma função antagónica ao longo da narrativa: uneBlimunda, Baltasar e Bartolomeu, mas é também ela que acaba porsepará-los.

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Por fim, também a enorme pedra de mármore transportada de PêroPinheiro a Mafra tem um grande simbolismo. Esta surge na obra por

h d d l f f d d hcapricho do rei, é movida pelo esforço físico de centenas de homens ebois e provocou a morte de Francisco Marques e dos bois, ambosesmagadosesmagados.

Esta pedra simboliza o esforço sobre-humano exigido aos homens eo esmagamento redutor.o esmagamento redutor.

ConclusãoConclusãoJosé Saramago é um autor memorável que mereceu o Nobel que

recebeu A sua capacidade de se mover no tempo passando do presenterecebeu. A sua capacidade de se mover no tempo, passando do presentepara o passado e deste para o futuro, sem nunca perder a atenção doleitor é fantástica.f

Em relação à sua obra, Memorial do Convento é um romance queconta a história do nosso país. Porém, não a revela como geralmente elaé narrada: refere-se ao povo como herói e ao rei como um tirano. É estacrítica sempre presente que transforma o romance numa obra tão rica.C d á i é id i ú íti t bé iCada página é percorrida por inúmeras críticas mas também por imensossímbolos.

Em suma Saramago povoou o seu romance com personagensEm suma, Saramago povoou o seu romance com personagensvariadas, ficcionais e reais, críticas, simbolos e recursos estílisticosvariadíssimos. Tudo isto é narrado ao jeito único do autor que, semj q ,dúvida capta a atenção do leitor.

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“Enquanto não alcançares a verdade, não poderás corrigi-la.Porém, se não a corrigires, não a alcançarás. Entretanto, não teresignes.”

R l d Realizado por

ili T AFilipa Tavares nº. 3 12ºA