melo, guiomar nano, políticas públicas de educação

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    UserMquina de escreverMelo, Guiomar Nano. Politicas Publicas de Educao. Revista Estudos Avanados, Vol. 5, N 13, So Paulo,1991. Disponivel em http://http://www.scielo.br/scielo. Acesso em 14 de abril de 2014.

    UserMquina de escrever

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  • Polticas pblicasde educaoGUIOMAR NAMO DE MELLO

    E ste documento uma tentativa de sintetizar e organizar os de-bates que ocorreram no Grupo de Estudos de Polticas Pblicasde Educao durante o ano de 1991.O Grupo formou-se em funo de temas de interesse de alguns

    estudiosos da educao, que responderam convocatria do Instituto deEstudos Avanados da USP para colaborar no projeto mais amplo doPrograma Educao Para a Cidadania, sob coordenao geral do Prof.Alfredo Bosi.

    O entendimento da educao como poltica pblica e, portanto,inserida embora no exclusivamente no conjunto das ordenaese intervenes do Estado demarcou desde o incio a perspectiva de tra-balho do Grupo. A educao bsica, sobretudo o ensino fundamentalobrigatrio, constituiu o objeto privilegiado da anlise.

    Entre maio e outubro, o Grupo reuniu-se pelo menos uma vez porms para a discusso de temas relativos gesto da educao, avaliao,qualidade de ensino e o papel do Estado no setor, baseando-se em textosou contribuies produzidas pelos prprios participantes ou por eles en-caminhadas. Algumas dessas reunies contaram com expositores con-vidados e foram ampliadas com a presena de pessoas interessadas notema especfico em pauta.

    No foi fcil sintetizar todas essas contribuies e o produto finalcertamente no reflete a riqueza e a acuidade das anlises, comentriose propostas discutidas. Alm disso, a forma de apresentao deste do-cumento, com nfase em propostas e recomendaes, tal como foi aexpectativa da direo do IEA, provavelmente no deixa transpareceralgumas diferenas ou nuances de opinio que foram freqentes noGrupo.

    O documento est dividido em quatro partes. Na primeira apre-sentada uma sntese do atual debate sobre educao em nvel mundial,onde se constata que ela volta a ocupar lugar central nas estratgias dedesenvolvimento, seja em funo do impacto tecnolgico sobre a orga-nizao e gerenciamento do trabalho, seja em funo das novas formas

  • de exerccio da cidadania em sociedades plurais e saturadas de informa-o.

    Na segunda parte feito um breve diagnstico do ensino funda-mental no Brasil, destacando-se dois aspectos: o padro de gesto ealguns indicadores de produtividade e desempenho, relacionando-oscom o problema da eqidade.

    Na terceira parte procura-se fazer indicaes para um novo padrode gesto da poltica educacional do ensino fundamental, partindo dadefinio de objetivos e prioridades nacionais e da articulao dessesobjetivos e prioridades com o fortalecimento da organizao escolar,com a necessidade de coordenao e o regime de cooperao entreUnio, estados e municpios.

    Na quarta parte so apontadas algumas opes de polticas, sempretender esgot-las, mas tentando identificar dificuldades e necessida-des de estudos e informaes que so necessrios para subsidiar essas op-es.

    Como todo grupo de trabalho voluntrio, o de Estudos de Polti-cas Pblicas de Educao contou com um ncleo mais presente e partici-pante, a quem devido um agradecimento especial: Prof Hebe Gui-mares Leme, Prof. Jos Mario Pires Azanha, Prof. Luis Carlos Mene-zes, Prof Maria Isabel Leme Matos, Prof Maria Tereza Fleury, Prof.Sergio Costa Ribeiro e Prof. Simon Schwartzman.

    Sem a colaborao permanente dessas pessoas, e das demais queestiveram presentes nas reunies, no teria sido possvel reunir os ma-teriais que subsidiaram o trabalho do Grupo e muito menos elaboraresta sntese, cujas lacunas e limitaes so de responsabilidade destacoordenao.

    Parte I Educao e cidadania: itens de uma agendal Educao: uma prioridade revisitada em nvel mundial

    A necessidade de enfrentar novos padres de produtividade e com-petitividade, impostos pelo avano tecnolgico, est levando redesco-berta da educao como componente essencial das estratgias de desen-volvimento.

    Nos pases industrializados mais adiantados j se tornou evidenteque o conhecimento, a capacidade de processar e selecionar informa-es, a criatividade e a iniciativa constituem matrias-primas vitais paraas economias modernas. Deslocam-se, assim, as prioridades de investi-mento em infra-estrutura e equipamentos para a formao de compe-

  • tncias cognitivas e sociais da populao. Esse deslocamento leva a quea educao adquira centralidade nas pautas governamentais e na agendados debates que buscam caminhos para uma reestruturao competitivada economia, com eqidade social.

    Diferentes pases, de acordo com suas caractersticas histricas,promovem reformas em seus sistemas educacionais com a finalidade detorn-los mais eficientes e eqitativos para preparar uma nova cidadania,capaz de enfrentar a revoluo que est ocorrendo no processo produ-tivo e seus desdobramentos polticos, sociais e ticos.

    Nos pases do Terceiro Mundo, sobretudo da Amrica Latina, essaagenda de debates possui os mesmos componentes, mas requer que estestenham pesos relativos diferentes e estratgias apropriadas s suas pecu-liaridades. Diferentemente da maioria dos pases desenvolvidos, os doTerceiro Mundo precisam adequar as estratgias de desenvolvimento asituaes conjunturais caracterizadas por:

    polticas de ajuste econmico de curto prazo que dificul-tam consensos em torno de objetivos de longo alcance, comoso os da educao; instabilidade e fragilidade da experincia democrtica, em

    funo de longos perodos de governos autoritrios, que pre-judicam a articulao entre as instituies polticas e os atoressociais; crescimento desigual, que faz conviver setores avanados

    tecnicamente com outros de mo-de-obra intensiva e aindanecessrios integrao de grandes contingentes marginali-zados da produo e do consumo; grandes desigualdades na distribuio de renda, e inefi-

    cincia e desigualdade na oferta de servios educacionais.Nesses pases, ainda mais imperativo que as estratgias para a

    transformao produtiva e para a insero competitiva nos mercadosmundiais no sejam dissociadas daquelas destinadas promoo daeqidade.

    A educao, neste caso, est convocada tambm, e talvez priori-tariamente, para expressar uma nova relao entre desenvolvimento edemocracia, como um dos fatores que podem contribuir para associar ocrescimento econmico com a melhoria da qualidade de vida e a con-solidao dos valores da democracia.

    2 Os novos requerimentos do processo produtivoA acelerao da automao e a disseminao dos instrumentos de

  • informao e comunicao afetam no apenas o processo produtivocomo as formas organizacionais a ele associadas, abrangendo a concep-o ds bens e servios, as relaes e as formas de gerenciamento dotrabalho. Estas apontam na direo da substituio da diviso tayloristade tarefas por atividades integradas, realizadas em equipe ou indivi-dualmente, as quais exigem viso do conjunto, autonomia, iniciativa,capacidade de resolver problemas, flexibilidade. Amplia-se, assim, anecessidade de formao bsica, tendendo a tornar mais tardia a espe-cializao profissional.

    Tecnologias que trazem embutidas no apenas as funes manuaisdo ser humano, mas tambm as intelectuais, requerem contraria-mente falsa idia da substituio simplista do homem pela mquina maior presena e competncia das pessoas para exercerem funes deauto-regulao de nvel superior. A interveno humana para organizaro processo produtivo, prevenir falhas e garantir qualidade em cada etaparequer o desenvolvimento do raciocnio analtico, da habilidade e rapi-dez para processar informao e tomar decises. Essa tendncia ocorretanto no setor de produo de bens manufaturados como no de servios.

    Esses novos requerimentos do processo produtivo remetem paraa escola a responsabilidade de propiciar um slido domnio dos cdigosinstrumentais da linguagem e da matemtica, e de contedos cientficos.Critica-se, nesse sentido, a concepo de currculos que incluem umagrande diversidade de contedos pouco aprofundados e discute-se anecessidade de uma volta s disciplinas bsicas (lngua ptria, mate-mtica, cincias, histria e geografia), cujo tratamento propicie, maisque o domnio de informaes especficas, a formao de habilidadescognitivas tais como: compreenso, pensamento analtico e abstrato,flexibilidade de raciocnio para entender situaes novas e solucionarproblemas. Alm disso, a formao de competncias sociais, como li-derana, iniciativa, capacidade de tomar decises, autonomia no traba-lho, habilidade de comunicao, constituem novos desafios educacio-nais. Em contraposio ao acmulo de informaes segmentadas, torna-se mais importante dominar as formas de acesso informao e desen-volver a capacidade de reunir e organizar aquelas que so relevantes.

    3 As demandas da cidadania moderna

    A crise das grandes estruturas verticalizadas e hierarquizadas, com-binada com a diversidade trazida pelas tecnologias de comunicao einformao, est criando condies para novas formas de organizaodos movimentos sociais. Estes tendem a ser mais diversificados porque

  • delimitados quanto a seus objetivos preservao ambiental, direito doconsumidor, combate violncia, por exemplo.

    As motivaes desses movimentos so mais freqentemente ori-ginadas em nvel local e mais diretamente associadas melhoria da qua-lidade de vida, do bairro, da regio ou da cidade, at mesmo de umainstituio.

    Os partidos mais modernos esto buscando formas de incorporarmovimentos desse tipo mas, mesmo assim, dada sua diversidade e mu-taes rpidas, eles detm grande autonomia e, muitas vezes, dispensam ou necessitam apenas como elemento auxiliar a intermediaopoltico-partidria para conquistarem seus objetivos.

    No entanto, essas formas de exerccio da cidadania dependem,para sua efetividade, de conhecimento sobre a natureza dos problemasconcretos que motivam a mobilizao das pessoas, acesso e seletividadeno uso da informao, domnio dos mecanismos legais e institucionaisque existem para encaminhar suas demandas.

    Espera-se da escola, embora no apenas dela, que contribua paraa qualificao dessa cidadania, que vai alm da reivindicao da igual-dade formal, para exercer de forma responsvel a defesa de seus interes-ses. Aquisio de conhecimentos, compreenso de idias e valores, for-mao de hbitos de convivncia num mundo cambiante e plural soentendidas como condio para que essas formas de exerccio da cida-dania no produzam novas segmentaes, mas contribuam para tornara sociedade mais justa, solidria e integrada.4 A dimenso social e tica

    A constatao de que o crescimento econmico no conduz me-canicamente superao das desigualdades sociais fato evidente noTerceiro Mundo mas tambm nos pases desenvolvidos tambm temlevado a se repensar o papel da educao, no no paradigma clssico dateoria do capital humano, mas como elemento que pode dinamizar ou-tros processos sociais importantes para alcanar maior eqidade. Discu-tem-se valores e atitudes que deveriam estar sendo formados pela esco-larizao formal, bem como pela famlia, os meios de comunicao eoutros mbitos educativos informais.

    Padres de vida e de consumo, sofisticados mas tambm preda-trios, que esto na origem da agresso ao meio ambiente e dificultamuma distribuio de renda mais justa, estariam reclamando da escolauma revalorizao da tica da austeridade. A violncia, a discriminaoe a prpria indiferena face desigualdade social demandariam, por seu

  • lado, a formao de uma tica de convivncia mais solidria.Questiona-se a modernidade limitada posse de bens e servios

    tecnologicamente sofisticados, que no est associada modernidadenas relaes sociais, e facilitadora da tolerncia e da aceitao da diver-sidade em sociedades cada vez mais complexas. Sobretudo, questiona-sea modernidade e a sofisticao do consumo quando estas convivem como no caso dos pases do Terceiro Mundo com uma enorme de-sigualdade na distribuio de renda, e ao mesmo tempo disseminampara o conjunto da sociedade um padro de consumo ao qual apenasuma minoria pode ter acesso.

    A exposio e convivncia com a racionalidade imposta pelas no-vas tecnologias de informao e comunicao atingem, hoje, todas ascamadas sociais. Neste sentido, o padro educacional de uma elite alta-mente informada e educada, e de uma grande massa apenas escolarizadapara dar conta das tarefas elementares da industrializao e urbanizao,foi abalado medida que se esgotou o modelo econmico a que estavaassociado, modelo este que se sustentava na abundncia de matria-pri-ma e de mo-de-obra pouco qualificada e barata.

    Se hoje ningum escapa dos impactos dos avanos tecnolgicos, preciso que a sociedade como um todo e no apenas um grupo pri-vilegiado que tem acesso aos bens e servios que as novas tecnologiastornaram disponveis seja preparada para incorporar de modo ade-quado os instrumentos tecnolgicos. Isso significa aprender a utiliz-lospara melhorar a qualidade de vida, ampliando a base do mercado deconsumo e os padres de exigncia quanto qualidade.

    Por outro lado, a qualificao para o consumo, fundamentadamais na austeridade que na ostentao e associada ao aumento da pro-dutividade e da competitividade, seria uma contribuio da educaopara superar as desigualdades sociais que, isoladamente, os sistemaseducacionais podem at acentuar.

    5 Alguns consensosDessa ampla agenda, que tem orientado o debate e a formulao

    de polticas educacionais, alguns consensos em nvel internacional pa-recem estar firmados.5.1. A educao passa definitivamente a ocupar, juntamente com a po-ltica de cincia e tecnologia, lugar central e articulado na pauta dasmacropolticas do Estado, como fator importante para a qualificaodos recursos humanos requeridos pelo novo padro de desenvolvimen-to, no qual a produtividade e a qualidade dos bens e produtos so de-

  • cisivos para a competitividade internacional.5.2. Ainda que por si s a educao no assegure a justia social, nem sepossa esperar s dela a erradicao da violncia, o respeito ao meioambiente, o fim das discriminaes sociais, e outros objetivos humanis-tas que se colocam hoje para as sociedades, ela , sem dvida, parteindispensvel do esforo para tornar essas sociedades mais igualitrias,solidrias e integradas.5.3. A aquisio de conhecimentos bsicos e a formao de habilidadescognitivas, objetivos tradicionais do ensino, constituem hoje condioindispensvel para que todas as pessoas consigam, de modo produtivo,conviver em ambientes saturados de informaes, e tenham capacidadepara process-las, selecionar o que relevante, e continuar aprendendo.5.4. O conhecimento, a informao e uma viso mais ampla dos valoresso a base para a cidadania organizada em sociedades plurais, cambiantese cada vez mais complexas, nas quais a hegemonia do Estado, dos par-tidos ou de um setor social especfico tende a ser substituda por equi-lbrios instveis, que envolvem permanente negociao dos conflitospara estabelecer consensos.

    Parte II A Educao fundamental brasileira: de costaspara o futuro

    l IntroduoA anlise que se faz nesta parte detm-se basicamente na questo

    da organizao institucional do ensino fundamental, do acesso a esseensino e de seu desempenho. Sem ignorar a importncia de outros as-pectos, nem deixar de reconhecer os avanos inegveis que o sistemaeducacional brasileiro logrou nos ltimos 40 anos, essa delimitao jus-tifica-se em funo dos pressupostos discutidos na primeira parte.

    Deve-se reconhecer, por exemplo, que o Pas conseguiu desenvol-ver centros de excelncia no ensino superior e alcanou um padro bas-tante avanado de investigao em reas cientficas e tecnolgicas. Noentanto, a convivncia mesma desses avanos com a situao de penriada escola obrigatria de base mostra o descompasso do sistema com asnovas demandas econmicas e sociais, que supem um salto educacionalda sociedade como um todo.

    Da mesma forma, e j no mbito do ensino fundamental, precisoregistrar o fantstico esforo desenvolvido pelo Pas para ampliar asoportunidades de acesso. A taxa de participao na l srie (1) desse

  • ensino passou de cerca de 65% em fins da dcada de 30 a quase 95% noincio dos anos 90, num perodo de acelerado crescimento demo-grfico, intensos fluxos migratrios, acentuada urbanizao e industria-lizao. No entanto, o pssimo desempenho do sistema vem colocandosistematicamente em questo o princpio da eqidade que inspirou esseesforo, na medida em que se garantiu o acesso escola, mas no aconcluso do ensino obrigatrio, nem um atendimento escolar com umpadro socialmente justo de qualidade para todos.

    Aceito o pressuposto de que preciso preparar todos para convi-ver e incorporar os avanos tecnolgicos, integrar a sociedade e diminuira excluso de amplos setores do mercado de trabalho e de consumo, para a escola bsica que temos de voltar os olhos. Verificar a que dis-tncia o ensino, nela oferecido, se encontra desses objetivos estratgicos indispensvel para dimensionar o esforo para reverter o quadro ecoloc-lo em compasso com o novo padro de desenvolvimento.

    2 Um padro catico de gesto Os sistemas de ensino no Brasil padecem de um enorme centralismoe verticalizao que debilitam as unidades prestadoras do servio edu-cacional, isto , as escolas. Mais grave ainda o fato de que o aparatoburocrtico educacional no presta contas, seno para si mesmo, dosresultados produzidos.

    O inchamento, multiplicidade e segmentao das instncias burocr-ticas centrais e intermedirias consomem recursos que deveriam estarsendo destinados melhoria da qualidade das escolas.

    A expanso quantitativa no foi acompanhada de uma reorganizaoinstitucional que deveria ter, como foco principal de ateno, a organi-zao escolar e as condies mnimas para seu funcionamento. Assim, medida que aumentou o nmero de escolas, aumentaram e se diversifi-caram os controles centrais para ordenar, do centro para a periferia dosistema, o funcionamento dos milhares de unidades que executam asatividades-fins.

    Currculos, programas, estatutos e carreiras do magistrio, jornadasde trabalho, materiais de ensino/aprendizagem, todos esses aspectosforam decididos em nvel central, no em termos de diretrizes bsicas,mas em detalhes que determinam a gesto cotidiana das escolas. Comisto, muito pouco sobrou de margem de deciso a estas ltimas.

    A fragmentao curricular e a implantao de um modelo de 8 sries,congestionado nas iniciais e rarefeito nas terminais, devido repetnciae evaso, ampliaram e diversificaram o nmero de docentes e especia-

  • listas. Isso dificultou uma distribuio mais racional dos recursos hu-manos pelo nmero de alunos, ampliando a diversidade de interessescorporativos que transitam no aparato pblico, tanto no nvel centralcomo no espao escolar.

    A concepo assistencialista da funo da escola e do processo pe-daggico gerou uma demanda por especialistas de diversas naturezas, deadministradores de nvel superior a mdicos, dentistas, assistentes so-ciais e nutricionistas, ocasionando um nus a mais nas folhas de pessoalque hoje comprometem de 80 a 95% dos oramentos destinados edu-cao na maioria dos estados e municpios, esferas de governo que arcamcom a parte mais significativa dos gastos, com a manuteno do ensinofundamental e mdio. A expanso da rede fsica tambm se deu de modo catico, segundointeresses de polticos ou empreiteiras, de maneira que, embora o Pasdisponha matematicamente de vagas para a populao de 7 a 14 anos,h um enorme desencontro entre vagas e alunos. H escolas ociosas eescolas congestionadas, e o turno intermedirio (3 turno diurno) pas-sou a ser cada vez mais freqente nas periferias urbanas e outras regiesde grande concentrao populacional. A expanso quantitativa, alm de aumentar os recursos gastos com amquina burocrtica, privilegiou o investimento na rede fsica e nopreviu o aporte permanente para o custeio que indispensvel paramanter as escolas equipadas, em bom estado de conservao e, princi-palmente, para assegurar remunerao digna aos professores. Os recursos humanos necessrios para dar sustentao tcnica ex-panso quantitativa sobretudo os professores no foram formadosa partir de diretrizes nacionais que garantissem a qualidade desses pro-fissionais. Expandiu-se desordenadamente a oferta de ensino superior com forte predomnio do setor privado sem nenhum controle dosresultados desses cursos, apesar das exigncias prvias e cartoriais neces-srias ao seu reconhecimento. O agravamento da crise econmica e conseqente crise de governa-bilidade, a partir da segunda metade dos anos 70, debilitou a capacidadedo governo federal de formular objetivos e polticas estratgicas para aeducao e coordenar o j ento urgente esforo nacional para revertero quadro de baixa produtividade dos sistemas de ensino, expresso pelosaltos ndices de fracasso escolar e subescolarizao. No se desenvolveram sistemas de avaliao de resultados e de infor-maes confiveis para subsidiar a atuao nacional e regional do poderpblico como indutor de polticas e compensador de desigualdades. Isso

  • debilitou a ao de planejamento diante de um sistema agigantado queincorporava em ritmo acelerado populaes extremamente heterog-neas.

    No vazio deixado pelo planejamento estratgico no nvel federal,ocorreram processos que atuaram complementarmente para constituir opadro catico de gesto hoje existente:

    promoveu-se uma descentralizao decidida do centro nvelfederal , pela qual o ensino fundamental foi municipalizado so-bretudo nos estados mais pobres do Pas, criando uma dualizaode redes a estadual e a municipal sem prever mecanismos deintegrao regional; a alocao de recursos do governo federalpara os estados e municpios, que deveria ter papel compensador,passou a ser feita em bases de curto prazo, sem definio de metase com forte influncia do clientelismo poltico. O mesmo padroreproduziu-se no mbito estadual na relao Estado-municipios.

    Estabeleceram-se mecanismos de financiamento direto do governofederal s prefeituras, muitas vezes passando por fora das secretariasestaduais de Educao, ignorando o papel dos estados-membros da fe-derao, como instncias de governo e, portanto, tambm formuladorase coordenadoras de polticas. A ausncia de continuidade e atualizao financeira dos convnios,pela qual a sistemtica de financiamento vem se efetuando, provoca umaenorme desigualdade, que hoje afeta sobretudo os alunos das redesmunicipais de ensino, cujo custo chega a ser 1/4 do custo-aluno esta-dual. De tudo isso resulta a inexistncia de um sistema coerente de cola-borao entre Unio, estados e municpios.

    3 Sem desempenho no h eqidadeUm exame rigoroso da situao do ensino fundamental no Brasil

    revela, hoje, que o acesso a esse ensino est praticamente universalizado.Nossas crianas chegam escola. O problema que, apesar de nela per-manecerem por um perodo de tempo suficiente para terminar o lGrau, devido a fatores internos quela e no como costuma afirmaro senso comum por causa de suas condies materiais de vida, aban-donam-na antes de terminar o curso.

    Se tomarmos a populao jovem, chegamos espantosa conclusode que cerca de 95% das crianas de cada gerao, em algum momentode suas vidas, tiveram acesso 1 srie do ensino fundamental como

  • indicado pela taxa de participao. Quanto populao de 7 a 14 anos,podemos constatar, pelo Grfico 1, que 81,2% esto freqentando aescola de l Grau e 2,4%, a Pr-escola. Os 15,4%, que no esto, en-quadram-se nas seguintes situaes:

    3,6% esto aguardando ingresso, uma boa parte delas de-vido ao congestionamento que representa a existncia de 50%de repetentes na matrcula da l srie. No entanto, essas crian-as chegaro escola aps os 7 anos, com um pequeno atraso,o que no representa um problema grave; 7,5% j tiveram acesso escola e a abandonaram antes de

    completar 14 anos. Como vrios estudos indicam uma altacorrelao entre abandono e repetncia, a maioria dessascrianas saiu da escola aps vrias repetncias que as desmo-tivaram, e s suas famlias, a permanecer na escola, tornandoesta ltima menos poderosa que o apelo do mercado informalde trabalho. Conforme se ver mais adiante, as maiores taxasde evaso ocorrem aps 5 ou 6 anos de permanncia no sis-tema, o que confirma essa hiptese; dos 5,3% restantes, que efetivamente no tm acesso, 80%

    esto localizadas no Nordeste rural pobre, onde a inexistnciade escola faz parte de um cenrio de carncias no qual a im-possibilidade de acesso ao ensino talvez no seja a mais grave.

    A concluso mais importante que se pode retirar desses dados vaicontra o mito de que o Pas tem um dficit crnico e estrutural de vagasno ensino fundamental. Essa idia no se sustenta, pelo menos de modosimples. H com certeza grande desencontro entre vagas e crianas, quetem levado muitos sistemas a introduzir o turno intermedirio, e a pr-

  • mover uma ampliao gigantesca das unidades escolares que as tornaquase inadministrveis. Mesmo assim, isso no tem impedido que agrande maioria encontre uma vaga na escola.

    Costuma-se proclamar de modo espetaculoso que temos mais de4.000.000 de crianas de 7 a 14 anos fora da escola. No entanto, pes-quisa recente feita com base domiciliar pela PNAD (2) revela que cercade 2.000.000 delas tiveram acesso escola, mas se evadiram, aps vriasrepetncias.

    J no ano de 1985, no Nordeste onde se insiste no dficit ab-soluto de vagas 30,75% dos alunos matriculados no l Grau tinhammais de 14 anos 1.577.458 em nmeros absolutos. Nesse mesmoano, havia na regio 1.832.295 crianas de 7 a 14 anos fora da escola.Isso significa que, se no fossem as contnuas repetncias, a regio todaprecisaria, de fato, de apenas 254.837 novas vagas para universalizar oacesso ao ensino fundamental. Mais ainda, esse dficit estava concen-trado em trs estados: Maranho, Bahia e Alagoas. Em todos os outrosestados nordestinos, a chamada sobrematrcula, ou seja, alunos que estono ensino fundamental com mais de 14 anos, era maior que o nmerode crianas fora da escola na faixa de 7 a 14 anos. interessante dizerisso de outra forma, para evidenciar melhor o problema: na regio maispobre do Pais, 6 dos 9 estados j tinham, em 1985, mais vagas no ensinofundamental do que o total da populao escolarizvel de 7 a 14 anos.S que parte significativa dessas vagas estava ocupada por repetentes(3).

    Para se ter uma idia do que essa situao representa de desper-dcio em recursos humanos e materiais, vale a pena examinar esses mes-mos dados, no para um nico ano, mas para um determinado perodode tempo. Pode-se construir a partir das taxas de promoo por srie,repetncia e evaso entre sries, uma simulao do fluxo a partir deamostra aleatria de 1.000 alunos que estejam matriculados na l srie,num ano dado, incluindo repetentes e alunos novos. Essa simulao feita aplicando-se a cada ano as taxas de transio de srie calculadas pelomodelo PROFLUXO (4), supondo-se que estas no variam signi-ficantemente com o tempo e a idade dos alunos, uma hiptese bastanteplausvel quando se examina essas taxas ao longo das ltimas cinco d-cadas. A taxa de repetncia na 1 srie, por exemplo, tem se mantidoacima dos 50% desde 1931.

    Usando esse modelo de fluxo possvel simular, como na Tabelade Fluxo 1, a situao em relao s sries desses 1.000 alunos aps um,dois, trs, etc. anos do acesso ao sistema escolar, cobrindo um perodode 20 anos (o tempo necessrio para que o ltimo aluno deixe o sis-

  • tema). A Tabela de Fluxo 1 apresenta, na vertical, as sries e, na hori-zontal, a distribuio desses 1.000 alunos no 1 ano, no segundo ano, eassim por diante.

    A primeira observao dramtica da ineficincia do sistema a deque so necessrios 20 anos at que o ltimo desses 1.000 alunos deixeo sistema, evadido ou graduado.

    A taxa de concluso do ensino fundamental maior do que adivulgada oficialmente, ou seja, mais de 40%, j que ao longo desses 20anos 444 alunos conseguem se graduar, a maioria deles entre o 9 e o13 ano de permanncia. No entanto, se cruzarmos a coluna da 8 sriecom o 8 ano de permanncia na escola, verificamos que apenas 32 em1.000 chegam ltima srie e, destes, 25 conseguem se graduar. Ouseja, de cada gerao matriculada na l srie, considerando-se, inclusive,os que j esto repetindo essa srie, 2,5% vo concluir o ensino funda-mental sem nenhum acidente de percurso, isto , sem nenhuma novarepetncia!

    Ao final de 20 anos foram necessrias 8.724 matrculas para for-mar 444 alunos, o que significa que o Pas necessita aproximadamentede 20 alunos-anos de instruo para formar cada aluno com escolaridadecompleta de 8 sries (8.724/444).

    Caso no houvesse repetncia, 1.000 ingressantes necessitariam de8.000 matrculas para completar o ensino fundamental em 8 anos.Como esse fluxo se repete a cada ano, h por conseqncia um excedentede mais de 700 matrculas em cada 1.000 alunos ingressantes. Isto sig-nifica que h matrculas mais que suficientes para que todos os alunosque ingressassem na l srie conclussem o l Grau no Brasil.

    Talvez, a mais espantosa revelao desses dados seja a de que osalunos permanecessem 8,6 anos, em mdia, na escola de l Grau. Osevadidos permanecem na escola uma mdia de 6,7 anos e os graduados,11,7 anos. Essas cifras se obtm pela mdia ponderada do total de eva-didos em cada ano, multiplicada pelo nmero de anos de permanncia.Note-se que, no caso dos graduados, o tempo de permanncia seriasuficiente para que boa parte deles conclusse no apenas o ensino fun-damental como tambm o ensino mdio. Isso nos permite afirmar que a baixa produtividade do ensino fundamental que ocasionou a quedada proporo do ensino mdio no total de matrculas do Pas durante adcada de 1980, de 10 para 9,5% (5), quando o espervel seria umaumento dessa proporo, tal como se observou em alguns pases latino-americanos como o Chile e o Mxico.

    O brasileiro faz, portanto, um esforo dramtico, no s para in-

  • gressar na escola, mas, sobretudo, para permanecer nela. No a evasoprecoce que impede a universalizao do ensino fundamental. Ela deapenas 2,9% na passagem da l para a 2 srie e atinge seu ponto maisalto entre o 5 e o 6 ano de permanncia no sistema. Temos matrculase, por conseqncia, vagas mais que suficientes para a universalizao dol Grau. O que precisamos dar qualidade a essas vagas, uma vez queo entrave universalizao do ensino obrigatrio est nas absurdas taxasde repetncia. Essas taxas podem ser deduzidas a partir da Tabela deFluxo 1, examinando, por exemplo, o nmero daqueles que continuamna 1 srie, no 2, 3, 4 ano de permanncia no sistema, e assim pordiante. Da mesma forma, tomando-se a 2, 3, 4, at 8 srie, verifica-sequantos permanecem na mesma srie de um ano para outro.

    Atrs desses nmeros, que do a dimenso quantitativa da inefi-cincia do ensino fundamental, desenvolve-se um drama cotidiano, decentenas de milhares de crianas cujas famlias valorizam a escola, esfor-am-se para a mant-las, e que ano a ano defrontam-se com o fracassoe acabam por incorpor-lo sua vida. O efeito dizimador que isto causana auto-imagem e na auto-estima sem dvida to perverso quanto opuro e simples assassinato de crianas. No entanto, infelizmente, ele muito menos visvel, no se torna notcia da mdia impressa ou eletr-nica. Acaba sendo considerada normal, pela sociedade, a formao degeraes e geraes de jovens e adultos, que se consideram fracassadosou pelo menos incapazes de adquirir habilidades intelectuais bsicas.

    A esta altura cabe indagar o que significa uma vaga na escola bra-sileira hoje, ou seja, preciso verificar a que qualidade de ensino essavaga d acesso, para constatar se o princpio da eqidade se mantmquando o princpio da eficincia relegado a segundo plano.

    Pode-se afirmar que uma vaga na escola representa, para a maioriadas crianas brasileiras, um atendimento programado para o fracasso,que apresenta pelo menos os seguintes aspectos:

    professores mal-pagos, fato para o qual no h necessidadede apresentar estatsticas, basta consultar as notcias sobre ascontnuas greves do magistrio nos ltimos anos; professores despreparados para trabalhar com o tipo de

    aluno que predomina na escola pblica e que se sentem aban-donados e sem assistncia para enfrentar to difcil tarefa, paraa qual no receberam formao adequada; jornada escolar encurtada, que dificilmente atinge mais de3 (trs) horas de trabalho escolar efetivo, salvo em situaesexcepcionais e, portanto, pouco freqentes;

  • falta de condies mnimas para o ensino-aprendizagem:livros, materiais didticos, bibliotecas, laboratrios e, emmuitos casos, falta mesmo de carteiras, lousas e giz; falta ou rotatividade de professores, devido ao absentesmo

    ou desistncia da carreira em funo de baixos salrios, mscondies de trabalho e desmotivao; ano letivo encurtado por paralisaes, recessos, comemora-es, e toda a sorte de incidentes; currculo fragmentado supostamente enriquecido , le-

    vando a que, numa jornada de trabalho curta, a hora-aula tor-ne-se cada vez menor (h casos de at 35 minutos, mas 50minutos o mais freqente). Esse fato mais comum das 5ss 8s sries, embora em alguns estados, como So Paulo, asnegociaes sindicais tenham transferido esse padro tambmpara a jornada de trabalho do professor polivalente de l a 4srie, cujo tempo contado em unidades de 50 minutos, di-minuindo para 13,5 horas relgio de 60 minutos a cargahorria semanal de 16 horas-aula mais 4 horas-atividade; ausncia de integrao entre as sries e entre as disciplinas

    do currculo, causada pela descontinuidade e instabilidade deprofessores, que dificultam o trabalho de equipe e impedem aformulao de um projeto pedaggico; prdios em pssimas condies de conservao devido

    principalmente morosidade e ineficincia da mquina buro-crtica para realizar manuteno preventiva.

    Em suma, a vaga, embora exista, insere-se num contexto de de-sorganizao da unidade escolar, num padro de gesto segmentado edescontnuo, agravado pelo fato de que a ausncia de avaliao de re-sultados, em termos do progresso de aprendizagem dos alunos, a cen-tralizao e a hierarquizao produzem uma situao de impunidade.Ningum responsvel e ningum presta contas do que substantivo,ou seja, se os alunos esto ou no aprendendo.

    Essa situao, no entanto, apresenta uma diferenciao interna,que discrimina sempre a favor das regies ou setores sociais mais favo-recidos e minoritrios. H uma porcentagem pequena de escolas publi-cas de melhor qualidade, em geral nas regies de classe mdia dos cen-tros urbanos. H, ainda, para os que podem pagar, as escolas particu-lares que detm cerca de 14% das matrculas, oferecendo um ensino emgeral melhor que o pblico, embora o setor educacional privado sejamuito heterogneo, fazendo com que, na mdia, o ensino privado no

  • seja melhor que o ensino publico.Ora, como a grande maioria de cada gerao est conseguindo ter

    acesso escola, a desigualdade hoje j no se d mais entre os totalmenteexcludos e os que ingressam no sistema. Ela se deslocou para dentrodeste ltimo, entre uma minoria que, por sua condio social e de mo-radia, tem acesso a um atendimento escolar pblico ou privado de me-lhor qualidade, e a grande maioria que tem simplesmente acesso a umavaga e nela permanece por vrios anos. Estes ltimos concluem ouabandonam a escola com uma formao que, do ponto de vista cogni-tivo, de domnio de conhecimentos, de habilidades sociais, de compre-enso de idias e valores, est a sculos de distncia das necessidades quea revoluo tecnolgica e o exerccio da cidadania moderna esto apre-sentando sociedade.

    Nenhum pas pode candidatar-se ao ingresso no Primeiro Mundocom um sistema escolar fundamental to atrasado, segmentado e inquocomo o brasileiro, e a reverso desse quadro depende de um consensosocial fortemente estabelecido, estvel e duradouro, tanto quanto davontade dos polticos e da competncia tcnica dos profissionais daeducao.

    Parte III Tentando olhar o futuro: indicaes para umnovo padro de gesto da poltica educacional no Brasil

    l IntroduoNesta terceira parte d-se maior nfase no a tpicos isolados, mas

    a uma mudana mais ampla na organizao institucional do sistema deensino, com ateno especial ao fundamental.

    O padro de gesto tem a ver com dois aspectos inter-relaciona-dos. O primeiro deles refere-se existncia de matriz geradora de ob-jetivos, prioridades e polticas que definem nveis diferentes de interven-es. O segundo diz respeito capacidade de executar as polticas, parasuperar a costumeira defasagem entre a capacidade de formulao e adebilidade de execuo e continuidade.

    As prioridades e polticas sugeridas tm como referncia o ensinofundamental, dada a delimitao temtica deste documento. No se po-deria no entanto deixar de registrar que, entre outras prioridades norelacionadas, talvez a mais importante referira-se qualidade e produti-vidade do ensino superior. Num pas em que os que chegam a esse graude ensino so to poucos e altamente selecionados, no se pode desper-diar esses recursos humanos e sociais com a banalidade e a desqualifi-

  • cao. A nao depende desse contingente minoritrio de juventude paradar sustentao ao processo de absoro e produo cientfico-tec-nolgica, para formar lideranas profissionais e polticas competentespara atuarem visando um novo padro de desenvolvimento econmicoe solidariedade.

    2 Eleger objetivos e prioridades nacionaisDiante do quadro de carncias da educao fundamental brasileira

    tudo importante a pobreza dos alunos, a desnutrio, as drogas, adistncia entre a escola e a comunidade, a falta de participao de pro-fessores e pais. No entanto, dado seu carter multideterminado e com-plexo e dada a sua dimenso quantitativa, nem tudo nesse quadro podeser prioritrio.

    Existem aes e mudanas que devem ser priorizadas em funode:

    terem menor reversibilidade; induzirem outras mudanas; incidirem sobre os problemas mais graves.

    A eleio de prioridades no significa, portanto, diminuir a im-portncia de outros aspectos, mas decidir por onde comear, inclusivepara, a mdio e longo prazo, promover reformas com maior profundi-dade e abrangncia em outros aspectos importantes.

    Para saber por onde comear, h um pr-requisito indispensvel.E preciso que a sociedade e o poder pblico tenham um razovel con-senso sobre a funo da escola fundamental, o que se pode esperar e oque se deve cobrar dela.

    A educao obrigatria no Brasil no pode continuar tendo suaidentidade diluda, ora como simples poltica de proteo social numaperspectiva assistencialista, ora apenas como processo de formao deconscincia numa perspectiva ideologizante, ora como uma vaga pre-parao para a vida, sem objetivar o que seria essa preparao. precisode uma vez por todas entender que a funo principal da escola ensinare que, portanto, o resultado que dela deve ser esperado, avaliado e co-brado a aprendizagem do aluno.

    O eixo central da organizao da escola , assim, o processo deensino e aprendizagem. Funes de outra natureza podem ser assumidaspela instituio escolar, por imposio de contingncias histricas e so-ciais, mas elas devem estar subordinadas sua tarefa fundamental que a gesto da relao pedaggica pela qual o ensino e a aprendizagem seefetuam.

  • Desse modo os objetivos estratgicos do ensino fundamental,voltados para as necessidades deste final de sculo e os desafios do ter-ceiro milnio, deveriam abranger:

    a compreenso ampla de idias e valores, indispensvelpara exerccio da cidadania moderna; a aquisio de conhecimentos e habilidades cognitivas e

    sociais bsicas, por meio de uma educao geral de boa qua-lidade, que assegure preparo e treinabilidade para o desem-penho profissional, de acordo com os novos padres tecnol-gicos e as formas de organizao e gerenciamento do trabalhoa eles associadas; o desenvolvimento de habilidades e valores que permitam

    ao conjunto da sociedade incorporar de forma produtiva osinstrumentos da racionalidade tecnolgica; a formao de hbitos de consumo orientados no apenas

    para a posse de bens e servios, mas tambm para a austeri-dade necessria ao aumento da capacidade de poupana e in-vestimento.

    Para alcanar esses objetivos, levando em conta a realidade atualda escola fundamental brasileira, parece mais eficaz eleger poucas prio-ridades mas defini-las de forma clara e inequvoca.

    2.1 Satisfazer as necessidades bsicas de aprendizagemA definio de objetivos estratgicos ambiciosos no deve ser con-

    fundida com a fragmentao curricular que tem predominado no ensinofundamental do Pas. As necessidades bsicas de aprendizagem remetem valorizao das disciplinas bsicas e instrumentais que, se receberemtratamento adequado, podem contribuir para a consecuo daquelesobjetivos. Essas disciplinas dizem respeito aos cdigos instrumentais daleitura, escrita e clculo matemtico e aos contedos bsicos de cinciase humanidades.

    Contedos mais diversificados e especficos, como educao am-biental, educao do consumidor, preveno no uso de drogas e vriosoutros, podem e devem ser tratados integrados aos contedos bsicos,sem necessidade de fragmentar o tempo escolar em um grande nmerode disciplinas estanques.

    Da mesma forma, contedos voltados para a realidade sociocul-tural local seriam incorporados estrutura curricular, eventualmentecomo disciplinas especficas, mas, preferencialmente, permeando os

  • contedos bsicos, numa forma inovadora e transdiscipiinar.Realidades escolares e scio-regionais to diversificadas, como o

    caso brasileiro, certamente no comportam modelos nicos de organi-zao e tratamento dos contedos curriculares, e grande margem dedeciso neste aspecto deve ser dada s escolas, uma vez capacitadas paraessa tarefa.

    No entanto, preciso deixar claro que o Pas necessita no de

  • ambiciosas revises curriculares, mas de capacidade para promover aorganizao e o tratamento dos contedos bsicos universalmente con-sagrados, de forma adequada a alunados desiguais socialmente e hete-rogneos culturalmente. Sobre esse tipo de competncia, pouco se veminvestindo e investigando e abre-se, aqui, um amplo campo de estudospara a pedagogia.

    Ensinar um pouco de tudo, e mal, uma receita para o fracasso.Uma proposta curricular pode ser sbria nas disciplinas que oferece eousada nos objetivos de conhecimento, cognio e formao, que per-segue.

    2.2 Vencer a barreira da repetnciaEssa a prioridade educacional mais desafiadora que se coloca

    diante da sociedade e do poder pblico no Brasil de hoje.A repetncia, nos nveis em que acontece na escola fundamental

    brasileira, e inexplicvel do ponto de vista pedaggico, inaceitvel doponto de vista social e improdutiva do ponto de vista econmico.

    Reverter o quadro da repetncia e conseqentemente diminuira evaso condio para regularizar o fluxo escolar e reorganizar osistema de ensino como um todo, do pr-escolar ao superior, da ocarter estratgico dessa prioridade.

    O problema que temos mais segurana sobre o que no deve serfeito para diminuir a repetncia do que sobre o que pode e deve ser feito.A complexidade da questo e maior do que pode parecer primeira vistae requer conhecimento pedaggico e capacidade de gesto poltico-ins-titucional para:

    entender a heterogeneidade do significado da repetnciaem contextos socioculturais distintos. Sendo um fenmenoque ocorre com maior intensidade nos meios de baixa renda,mas incide em graus ainda significativos no ensino do Pastodo, certamente a interao entre os fatores escolares que aproduzem sero diferentes no nordeste rural e no sul urbano;seu contedo tambm dever ser diferenciado, pois um alunorepetente em Barra do Graa, no Maranho, dever ter carac-tersticas distintas do aluno repetente no Interior do Rio deJaneiro; apreender a homogeneidade que uma certa cultura da repe-

    tncia imprimiu ao escolar em meios sociais e culturais todiferentes, o que constitui a face complementar da diversida-de;

  • articular estratgias de curto, mdio e longo prazo no en-frentamento da questo, que conduzam a uma regularizao amais imediata possvel da trajetria escolar dos alunos queesto hoje no sistema e manuteno dessa regularizao paraos que vo ingressar;

    dispor de instrumentos de diagnstico para estabelecer ospontos de partida de alunados heterogneos e definir resulta-dos possveis para a populao escolar hoje matriculada, demodo a garantir um mnimo de qualidade;

    promover os ajustes necessrios para elevar os padres dequalidade, medida que as taxas de repetncia diminuam e queo fluxo escolar comece a se regularizar;

    utilizar com competncia diagnsticos e avaliaes peri-dicas do rendimento escolar, para definir polticas de assistn-cia tcnica e financeira, visando a compensar desigualdades epolticas de capacitao da gesto escolar e dos docentes;

    estimular a investigao educacional voltada para as con-dies de ensino e aprendizagem das crianas e jovens queconstituem a grande massa de repetentes. Que tipo de orga-nizao das condies de ensino, de material didtico, de aten-o especfica esses alunos requerem para serem bem-sucedi-dos na experincia escolar e, por conseqncia, que perfil dedesempenho profissional deve ter o professor, um campo deestudos no qual ainda h muito por descobrir, inovar e avaliar;

    apoiar de todas as formas possveis experincias de escolase regies que se disponham a reverter a situao de fracassoescolar.

    Por fim, cabe lembrar o que no deve ser feito no que diz respeito repetncia:

    diminu-la ou elimin-la por decreto;

    incentivar a promoo indiscriminada; que no assegure omximo de progresso possvel para alunos cujos pontos departida so diferentes; adotar estratgias homogneas para o Pas todo;

    ignorar que a repetncia uma barreira a ser vencida emcada escola e por todas elas se se quer uma reverso ampla doquadro atual, e que, portanto, a escola que deve ser capaci-

  • tada e fortalecida para propor metas, adotar formas de traba-lho para cumpri-las e prestar contas.

    3 Mudar o padro de interveno do EstadoA educao fundamental brasileira no vai conseguir respon-

    der aos desafios do terceiro milnio se continuar de costas para o futuro.Ela precisa dar uma volta de 180 e passar por uma profunda reformu-lao. Ao contrrio do que comumente se imagina quando se trata dotema, essa reformulao no tem como foco central e prioritrio aspec-tos pontuais como a reviso curricular, a melhoria dos materiais de en-sino ou a capacitao de professores. Todos esses insumos bsicos soextremamente importantes, porm a investigao educacional j pro-duziu conhecimentos que permitem afirmar que o aumento desses insu-mos, isoladamente, no apresenta correlao direta com a melhoria daaprendizagem dos alunos, resultado que se busca em ltima instncia.

    J se tornou evidente que a capacitao de professores, asmudanas curriculares e metodolgicas, os equipamentos e materiais deensino, so melhor utilizados e produzem os resultados esperados quan-do ocorre entre eles uma interao que propiciada pela dinmica defuncionamento da escola. Escolas organizadas, com certo grau de iden-tidade institucional prpria, capacitadas para definir uma proposta peda-ggica cujos objetivos sejam assumidos pela sua equipe, com responsa-bilidades compartilhadas, so as que conseguem usar eficientemente osinsumos financeiros, humanos e pedaggicos.

    A estratgia, portanto, deve ser a da reorganizao institucio-nal dos sistemas de ensino fundamental que leve ao fortalecimento daorganizao escolar. Para isso, ser preciso promover uma ampla des-centralizao desses sistemas, devolvendo s escolas iniciativa e autono-mia de deciso quanto ao seu projeto pedaggico, construo de suaidentidade institucional, e a uma integrao mais dinmica com seumeio social imediato.

    Por descentralizao no se entende a simples transferncia deencargos sem os recursos necessrios, nem o desmonte de servios, nema delegao de funes de operao que mantm concentrado no nvelcentral todo o poder de deciso.

    A descentralizao aqui proposta, que ter como objetivo l-timo o fortalecimento da organizao escolar e sua maior autonomia, seconstituir num processo de redefinio do papel das instncias centra-lizadas do aparato estatal e de polticas pactuadas com instncias inter-medirias.

  • 3.1 A autonomia das unidades escolaresA verdadeira descentralizao dever criar condies para que

    recursos financeiros e humanos, projeto e identidade, iniciativa, inova-o e capacidade de gesto se desloquem para as escolas. A estas deverocaber as tarefas de definir o tratamento a ser dado aos contedos curri-culares, mtodos de ensino, uso mais adequado do tempo e do espaofsico, gerenciamento dos recursos humanos e materiais que receber pararealizar seu prprio projeto.

    A autonomia tem como contrapartida a responsabilidade e ocompromisso. Tomar como critrio os resultados aferidos pelo pro-gresso da aprendizagem dos alunos e criar condies para que as escolasrespondam por eles parte da autonomia.

    Isso supe, por sua vez, a diminuio das burocracias centra-lizadas, dedicadas aos controles processuais e cartoriais, e a reduo aum mnimo indispensvel dos ordenamentos homogneos para todo osistema, tanto legais como tcnicos.

    Componente inseparvel da autonomia escolar a integraoda instituio no seu meio social e a participao da comunidade. Issoser uma das condies para que as propostas pedaggicas no se pren-dam a modismos ou teorias abstratas, mas partam das reais caracters-ticas e necessidades dos alunos, integrando suas experincias com oscontedos escolares e as prticas dos professores.

    Os nveis e contedos da participao da comunidade na es-cola constituem desafios que ainda no receberam respostas conclusivas.Pode-se, no entanto, afirmar que a participao de pais e outros setoresdo meio social imediato no deve ser banalizada por intermdio dasimples presena em colegiados, eleio de diretores ou assemblias, semque as escolas disponham de instrumentos efetivos para implementardecises.

    Por outro lado, preciso lembrar que a participao no deveser instrumentalizada para desobrigar a escola de dar respostas e adotarsolues tcnicas e pedaggicas que so de sua competncia e responsa-bilidade. No se espera da participao que ela substitua a escola nemdilua esta ltima com a famlia. Papis diferenciados garantem umaparticipao qualificada.

    Aos pais no compete decidir, por exemplo, qual o melhormtodo de ensino de portugus ou se ou no necessrio ensinar fra-es. Mas eles tm o direito de saber o que seus filhos devem aprenderem cada srie, se eles de fato aprenderam e por qu, quantos recursos a

  • escola recebe, no que e como os gasta.

    3.2 A coordenao nacionalA coordenao nacional, articulada coordenao regional,

    deve ser de competncia do Estado e suas instancias centralizadas, nonvel federal e estadual.

    A essas instncias cumpre conduzir a poltica educacional emsentido amplo, garantindo que no se perca de vista os objetivos estra-tgicos, assegurando a gratuidade e a eqidade. Nesse sentido, a descen-tralizao no implica debilitar o Estado mas, ao contrario fortalecer suagovernabilidade. Aparatos burocrticos hierarquizados e agigantados,mas de pouca capacidade indutora e coordenadora de polticas, deve-riam ser substitudos por organismos centrais menores, alimentados porum sistema de informaes nacionais e estaduais que permita tomardecises e promover ajustes com agilidade.

    Nesse novo padro de interveno, o Estado est chamado aatuar em torno do eixo da coordenao, exercendo pelo menos as se-guintes funes:

    desenvolver um sistema de avaliao que permita realizardiagnsticos e aferir resultados em termos do progresso daaprendizagem dos contedos bsicos; identificar necessidadesde compensao financeira e tcnica; adotar incentivos sala-riais para os que cumprem as metas; e informar a populaosobre o desempenho das escolas que ela custeia; adotar uma sistemtica de financiamento e transferncia de

    recursos que vise a aumentar os montantes destinados s es-colas e equalizao das condies, compensando desigual-dades sociais e regionais;

    estabelecer os contedos curriculares bsicos por srie egrau de ensino e, por conseqncia, as normas gerais para for-mao de professores, avaliando esta ltima tambm por re-sultados; disponibilizar conhecimentos e assistncia tcnica s esco-

    las, por meio de alternativas diferenciadas e flexveis para acapacitao da gesto escolar e dos seus profissionais.

    3.3 O sistema de cooperao nos marcos do federalismoUma vez consensuados objetivos e prioridades nacionais, ser es-

    sencial que o processo de descentralizao estabelea um sistema racio-

  • nal de cooperao entre a Unio, estados e municpios. Essa cooperaoprovavelmente tomar formatos diferentes nas diversas regies, mas seutrao comum ser permitir a distribuio justa e o uso mais racional dosrecursos, evitando a duplicidade ou sobreposio de aes.

    Para isso indispensvel que instncias intermedirias gover-nadores, secretrios estaduais e municipais de Educao, prefeitos estabeleam pactos quanto aos critrios para a sistemtica de financia-mento e para a diviso dos encargos e funes de cada esfera de governo,e sejam responsveis por aqueles que lhes couberem, devendo existirmecanismos eficazes de cobrana e prestao de contas das responsabi-lidades de cada esfera governamental. Neste sentido, sistemticas de fi-nanciamento, que combinem a compensao de desigualdades com umcomponente de incentivo a estados e municpios que melhor cumpramas prioridades nacionais, seriam bastante desejveis.

    Assegurada a coordenao nacional, estados e municpios devemter autonomia para decidir sobre suas prprias estratgias e polticaspara promover a descentralizao e fortalecer as escolas. Todavia, essaautonomia ter de ser exercida de modo integrado, para no reforar asegmentao e dualizao das redes de ensino estaduais e municipais.

    4 Adotar princpios compatveis com objetivos e prio-ridades estratgicas para ordenar a formulao de pol-ticas

    Entre esses princpios merecem destaque especial:4.1 Eqidade com qualidade, ou a qualificao das vagas

    No Brasil de hoje, a simples ampliao do acesso escola nogarante a igualdade de oportunidades. Ou se assegura um padro dequalidade bsico para todos, ou vai se manter a desigualdade entre osque adquirem, na escola, uma efetiva experincia de aprendizagem e osque apenas passam por ela sem ter atendidas suas necessidades bsicasde aprendizagem.

    No adianta continuar construindo escolas para que elas sigamsendo depsitos de repetentes e fracassados. Se no se resolver o pro-blema da qualidade, os famosos dficits de matrculas continuaro etendero a aumentar e a sociedade continuar custeando um investi-mento de baixssimo retorno. A poltica de expanso da rede fsica deve,portanto, estar prioritariamente voltada para dar mais qualidade s va-gas j existentes.

    Alm disso, nada justifica a segmentao do sistema de ensino em

  • centros de excelncia, de um lado, e escolas sem as mnimas condiesde funcionamento, de outro. E perfeitamente aceitvel que alguns te-nham acesso a uma escola diferenciada particular e paga em algunscasos, ou oferecida pelo poder pblico para populaes especficas emoutros , mas isso no pode em hiptese alguma desobrigar a socie-dade e o Estado de uma ampla e profunda interveno visando a revertera situao de penria e abandono de todas as escolas dos sistemas deensino, que a mdio prazo equalize de fato as oportunidades de apren-dizagem. Experincias com novos modelos arquitetnicos e pedaggi-cos sero teis, se ao mesmo tempo houver uma atuao sria nas es-colas j existentes. Caso contrrio, mesmo quando destinadas s popu-laes de baixa renda, essas experincias s faro dividir os alunos empobres de l e de 2 categoria. Os primeiros, freqentando uma escolade tempo integral, os demais, uma escola de qualquer tempo. Pobresque saem na televiso e pobres cujo massacre educacional continuarinvisvel para a sociedade.

    4.2 Diversidade e flexibilidadeNa formulao de polticas, ser indispensvel considerar que um

    pas de dimenses continentais, grande diversidade regional e profundasdesigualdades sociais no comporta alternativas nicas e modelos idn-ticos.

    A autonomia da escola, bem como do nvel local e estadual, condio importante para que surjam solues diversificadas, flexveispara incorporar ajustes e reformulaes e adaptadas s necessidades demeios sociais e alunados muito heterogneos.

    4.3 Equacionamento de metas de curto e longo prazoA conduo da poltica educacional um processo permeado de

    conflitos e envolve sempre administrar carncias. Metas viveis de maiscurto prazo devem estar inseridas num plano gradativo para atingirmetas mais ambiciosas.

    Um caso exemplar , por exemplo, a urgente necessidade de am-pliar o tempo dirio de permanncia na escola. Se tomarmos a eqidadecomo princpio, preciso que esse aumento seja oferecido a todos osalunos. No entanto, certo que o Pas no dispe de recursos para, deimediato, universalizar uma escola de turno nico. preciso, assim,definir mnimos possveis de 5 ou 6 horas para as sries iniciais, porexemplo, e continuar equacionando recursos e a expanso da rede fsicapara metas mais ousadas, de 6 ou 7 horas dirias, para todas as crianas.

  • Isso requer que o planejamento e a execuo das polticas em edu-cao tenham continuidade e sofram o menos possvel de rupturasbruscas, como acontece com a alternncia de poder em pases politica-mente instveis e de tradio democrtica frgil.

    4.4 Construo de consensosEm funo dessa dinmica das polticas educacionais, que reque-

    rem perodos longos para produzir resultados, indispensvel, como seafirmou, garantir sua estabilidade e continuidade. Isso demanda queessas polticas reflitam nveis possveis de consenso entre os diversosatores dirigentes, sindicatos de professores, setores sociais direta-mente interessados como os pais, empresrios, trabalhadores, parlamen-tares, meios formadores de opinio. Encontrar frmulas de chegar a esseconsenso num regime democrtico , talvez, o maior desafio, mas tam-bm a principal condio de sustentao poltica para as polticas educa-cionais.

    Parte IV Atuando nas contradies do presente:opes de polticas

    " No real da, vida, as coisas acabam com menos formato, nem aca-bam.Melhor assim. Pelejar por exato, d erro contra agente. No stqueira"

    Joo Guimares Rosa

    l Qualificar a gesto escolarA capacidade de gesto pr-requisito para fortalecimento da es-

    cola e o exerccio de sua autonomia. Essa capacidade, no entanto, no algo que se pode criar de imediato, implica um processo de aprendi-zagem de equipe e em condies institucionais mnimas. Entre essascondies, a existncia de pessoal de apoio administrativo e principal-mente de um ncleo relativamente estvel de professores indispen-svel. A escola precisa de tempo para consolidar sua proposta de tra-balho, identificar falhas e aprender com elas, promover ajustes. Estudossugerem que um dos aspectos que parecem influenciar a aprendizagemdo aluno o tempo de experincia que a escola tem com uma equiperazoavelmente estvel.

    Tornar disponveis s escolas alternativas de capacitao, paraelaborar sua proposta pedaggica, gerenciar recursos humanos e finan-ceiros, assumir tarefas administrativas, pode contribuir para ir desen-volvendo sua capacidade de gesto. A existncia de colegiados que dis-

  • ponham de poder para deliberar pode, tambm, ajudar a consolidar aprtica da co-responsabilidade. No entanto, considerando as condiesatuais de organizao e funcionamento das escolas de ensino fundamen-tal do Pas, a figura do diretor provavelmente ser o ponto de apoiomais importante para dar incio ao processo de qualificao da gesto.Nesse sentido, a forma de escolha do diretor ou diretora escolar torna-sefator decisivo para fortalecer a organizao da instituio.

    O controverso tema da escolha do diretor merece por isso atenoespecial, bem como o das competncias sociais e tcnico-profissionaisque ele deve ter para dirigir unidades escolares com maior autonomia.Avaliar as recentes experincias com processos eletivos, conhecer aexperincia de outros pases, rever os ordenamentos legais e cartoriaispara provimento dos cargos, bem como os contedos e formatos insti-tucionais dos cursos de formao de diretores constituem tarefas im-portantes para subsidiar opes de polticas visando a qualificar a gestoescolar.

    Estimular formas inovadoras e criativas de escolha de diretores,que combinem competncia profissional com liderana e evitem a par-tidarizao do processo, seja por eleio ou indicao poltica, umaforma estratgica promissora. O debate das vantagens e desvantagens daefetivao no cargo pode abrir espao para retirar a questo do mbitoestritamente corporativo. Diretores de unidades de prestao de servi-os, como a escola, no deveriam ser vitalcios nos cargos.

    Finalmente, importante dizer que a qualificao da gesto serfortemente induzida e estimulada se o projeto da escola for assumidocomo um contrato que ela estabelece com alunos e pais e com as instn-cias centrais de avaliao. Os cumprimentos das metas e compromissosestabelecidos nesse contrato devem ser objetivo de contnua prestaode contas por parte da escola, baseada tanto na auto-avaliao institu-cional como na avaliao de resultados aferidos pela aprendizagem dosalunos.

    2 Capacitar os docentesOs resultados de estudos sobre a efetividade dos programas de

    capacitao docente para melhorar a aprendizagem dos alunos no soalentadores.

    Se sustentvel o pressuposto de que a capacitao pode ser me-lhor potencializada numa efetiva interao com a organizao escolar, asestratgias e formatos desses programas deveriam ser repensados. Onovo enfoque teria em vista capacitar o professor, no apenas em con-

  • tedos e metodologias, mas naqueles contedos e metodologias reque-ridos para participar efetivamente da formulao e execuo do projetopedaggico da escola, mantida a especificidade da rea ou disciplina deensino. Uma estratgia desse tipo sinaliza na direo de formas de capa-citao diversificadas, flexveis e regionalizadas, empregando meios no-convencionais como ensino a distncia e televiso.

    Treinamento e assistncia tcnica em servio, oficinas pedaggicasque permitam o intercmbio de escolas de uma mesma regio, aprovei-tamento de especialistas ou professores aposentados que detm conhe-cimento e competncia, enfim, inmeras estratgias podem ser adota-das, se houver criatividade e iniciativa no nvel local.

    Por outro lado, considerando os objetivos e prioridades nacionais,a capacitao nos contedos curriculares bsicos e em formas de traba-lho para diminuir a repetncia deve receber ateno prioritria por meiode programas concebidos no nvel central ou regional, mas executadosdescentralizadamente. Essa capacitao bsica seria complementada comprogramas propostos pelas regies ou pelas prprias escolas, para con-secuo dos mesmos objetivos nacionais estratgicos, mas in-corporando formas de tratamento adequadas s suas peculiaridades.

    Todas essas opes de polticas necessitam de informaes confi-veis, produzidas por estudos e pesquisas especificamente delineados paraesse fim. Uma avaliao cuidadosa do impacto de programas de capaci-tao docente sobre a aprendizagem dos alunos, bem como de experin-cias em curso ou de programas que vierem a ser implementados emdiferentes formatos, fundamental para subsidiar decises com menormargem de erro.

    3 Formular uma poltica do livro didticoO livro didtico e continuar sendo por um bom tempo o prin-

    cipal e, na maioria das vezes, o nico material de ensino-aprendizagemdisponvel para o professor e o aluno. A distribuio gratuita do livrodidtico faz do ensino fundamental um mercado cativo de quase30.000.000 de alunos consumidores, intermediados por cerca de1.000.000 de professores distribudos por 200.000 escolas. Esses n-meros do uma ordem de grandeza do problema e da indiscutvel rele-vncia de uma poltica do livro didtico como indutora de melhoria doensino.

    A formulao dessa poltica, portanto, no pode ficar reduzida aodilema da centralizao x descentralizao, pois este apenas um aspectode um problema muito maior, mais complexo e no qual muitos interes-

  • ses esto em jogo. Parece evidente e de bom senso que a compra edistribuio descentralizada no mbito estadual ou municipal, conformeo caso, tornariam todo o processo mais econmico e gil. A questo dalisura dos procedimentos de aquisio dos livros e dos servios detransporte no educacional, mas insere-se no mbito da moralizaode todo o aparato pblico. H, no entanto, opes de polticas a seremfeitas que antecedem os problemas da aquisio e distribuio.

    Em primeiro lugar, a poltica do livro didtico deve ser desvincu-lada das demais aes assistenciais, e atribuda s esferas que cuidam decurrculos, programas, assistncia tcnica e outros aspectos pedaggicos.O aluno no come o livro nem precisa dele para sobreviver biologica-mente. O livro indispensvel como facilitador para o acesso ao conhe-cimento, informao e ao imaginrio.

    Nesse sentido, convm registrar que em muitos pases nos quais apopulao escolar no apresenta carncias materiais, como no caso bra-sileiro, o livro continua sendo distribudo gratuitamente, porque uminstrumento de adequao entre contedos considerados nacionalmenteindispensveis e o trabalho da sala de aula. Manter o livro didtico nomesmo mbito da merenda e da assistncia sade aceitar uma dis-toro que a experincia de outros pases desaconselha.

    Todo o processo de criao, editorao e produo do livro did-tico deveria ser objeto de ateno do Estado, para verificar a relevncia,atualidade, correo, adequao no tratamento e na forma de apresen-tao dos contedos. A banalizao, os exerccios repetitivos, a ausnciade material estimulante e criativo deveriam, tambm, ser levados emconta.

    As editoras podem ter liberdade para produzir qualquer livro,mas, sendo o Estado um grande consumidor ou indutor do consumo, aaquisio deveria ser baseada em critrios para garantir padres de qua-lidade. No se trata de ampliar o intervencionismo estatal numa rea naqual a liberdade de criao e expresso vital. Trata-se de preparar oconsumidor do livro centrais de compra, escolas, professores, alunos para selecionar criteriosamente esse que o principal instrumento deensino.

    No entanto, o problema no simples, pois a definio de padresde qualidade pode estar sujeita a controvrsias ticas, estticas, tericas,ideolgicas e tcnicas. Estudos para subsidiar decises so extremamen-te necessrios e a definio de critrios ter que combinar qualidade comflexibilidade e diversidade, preservando a representatividade das diferen-tes tendncias e a mais ampla margem possvel de liberdade s escolas e

  • professores. Equilibrar adequadamente todos esses fatores significa ca-pacidade tcnica e institucional ainda no desenvolvida. Acumular co-nhecimento, informao e avaliao peridicas da produo editorial nasreas bsicas de currculo, desenvolver sistemtica de seleo que incluaalternativas as mais diversificadas possveis e estabelecer acordos com omercado editorial, no sentido de elevar a qualidade do livro didticoproduzido no Pas, estariam entre os componentes de uma poltica inte-ligente neste setor.

    A polmica sobre o livro descartvel talvez exemplifique bemcomo a questo vem sendo tratada entre ns, pois a descartabilidadeacabou merecendo mais ateno que a qualidade. Um livro ruim, comimprecises de contedo ou exerccios banalizados, deve ser descartadona seleo. Tratando-se de um bom livro, talvez o aluno, sobretudo o demeios socioculturais desfavorecidos, merea guard-lo. Ser provavel-mente uma das poucas oportunidades que essa criana ter de possuirUm livro e introduzi-lo no seu universo familiar.

    Considerando o formato adotado pelo Pas para a poltica do livrodidtico, na qual a prestao de servios do setor privado componenteinevitvel, seria de eficcia duvidosa condenar as editoras pela produodo livro descartvel, por exemplo. Mas no se deveria ter nenhuma com-placncia face produo de um livro que, submetido a uma avaliaocriteriosa, orientada pelos objetivos nacionais do ensino fundamental,no se revelasse um material de ensino eficaz para a aquisio de conhe-cimentos, estimulao de habilidades cognitivas e compreenso de idiase valores.

    4 Rever o planejamento para expanso e ocupao darede fsica

    A ampliao e construo de escolas, bem como a ocupao das jexistentes, deveriam estar voltadas prioritariamente para racionalizar emelhorar a capacidade fsica j instalada, tendo em vista:

    eliminar o turno intermedirio (3 turno diurno); ampliar a jornada escolar de todos os alunos dos sistemas

    pblicos de ensino. A meta inicial seria de pelo menos 5 horasde trabalho escolar efetivo, para as sries iniciais e, nas sriesterminais, nunca menos de 4 horas. Essa ampliao de jornada perfeitamente compatvel com o funcionamento em doisturnos diurnos, e um modelo de turno nico poderia ser co-locado como meta mais ambiciosa, medida que se regulari-zasse o fluxo escolar;

  • racionalizar a ocupao do espao fsico pela integrao dasredes estaduais e municipais e/ou de escolas de uma mesmamicro-regio, de modo a ter o conjunto das salas de aula des-sas escolas ocupadas, nas sries de 5 a 8, com um mnimo de30 a 35 alunos. Essa racionalizao visaria complementarmen-te a diminuir o nmero de alunos por sala nas sries iniciais,em geral congestionadas, tendo como meta no mximo 30, sepossvel, 25 alunos.

    Esta uma rea na qual os sistemas de ensino necessitam desen-volver competncia de micro planejamento, bem como mecanismospara estimular um nvel de integrao regional entre escolas e entreredes.

    Aqui, as opes de polticas encontram obstculos de ordem cul-tural e corporativa, na medida em que a racionalizao do uso do espaofsico pode levar necessidade de redistribuio de pessoal e exige queas escolas sejam entendidas como propriedade da populao e no dosdiretores ou de suas equipes.

    Informar s comunidades envolvidas, discutir com elas os benef-cios comuns e estimular a participao para controlar o uso pblico doespao escolar constitui requisito importante para sustentar decisessobre essa questo.

    5 Estabelecer diretrizes para articular a escola aosequipamentos de sade, lazer e cultura

    A autonomia e flexibilidade no mbito da escola em nvel localdeve visar, tambm, ao atendimento integrado das necessidades do alu-nado. Incentivos financeiros e assistncia tcnica devem ser alocadospara experincias inovadoras, que envolvam prefeituras e outras organi-zaes governamentais, bem como as no-governamentais ou comuni-trias, no sentido de oferecer alternativas para o uso do tempo em quea criana no est na escola, em atendimentos ou atividades de diversanatureza, adaptadas s realidades locais.

    Aquilo que parece muito difcil quando se pensa no Pas como umtodo, com suas diversidades e desigualdades, pode ser simples no m-bito de um municpio, distrito ou micro regio. Essas iniciativas j tmsurgido espontaneamente, mas cabe ao poder pblico, em todos os n-veis, usar seu poder indutor para estimul-las e apoi-las, bem comopara fixar diretrizes mnimas de qualidade e avali-las.

    6 Buscar alternativas para a formao docenteOs contedos e modelos institucionais mais adequados para a for-

  • mao de professores do ensino fundamental so, ainda, objeto de gran-de controvrsia e esta constitui uma rea fundamental para investir emestudos, estimulo a experincias diferenciadas sobretudo levando emconta as desigualdades regionais do Pas e principalmente avaliaodaquilo que vem sendo feito.

    Contraditoriamente, uma questo que requer interveno urgen-te, uma vez que os professores do terceiro milnio so os que esto hojefreqentando os cursos de formao ou neles vo ingressar daqui emdiante. Opes de polticas devem ser feitas desde j, e ajustes poderoser realizados na medida em que estudos e avaliaes puderem fornecerrespostas mais seguras para as muitas dvidas hoje existentes.

    Entre as opes de polticas de mais curto prazo, seria importantedestacar:

    o estabelecimento de nveis bsicos de domnio de conte-dos e metodologias de ensino fundamental, a ser aferido poravaliao de resultados dos cursos hoje em funcionamento, emexames de habilitao profissional realizados sob responsabi-lidade do poder pblico, sem os quais o professor no seriaconsiderado apto a lecionar, e as escolas pblicas ou privadas que mantm os cursos responsabilizadas por completarou corrigir a formao desses futuros professores. Essa exi-gncia seria geral para qualquer tipo de curso e formato insti-tucional; o apoio tcnico a experincias de formao que adotam

    estratgias inovadoras e adequadas s condies da regio,como por exemplo campi avanados das universidades, ensinopor mdulos com espaamento temporal diferenciado, entreoutras;

    as alternativas de organizao institucional no modelo decentros especificamente dedicados formao do magistrio,tanto no nvel mdio como superior. A diluio da preparaodo professor no ensino mdio profissionalizante, ou na orga-nizao departamental do ensino superior, no caso das licen-ciaturas, tem sido apontada como uma das causas da perda daespecificidade e conseqente esvaziamento da formao do-cente. Embora polmica, a existncia de alternativas de centrosde formao estimularia o desempenho e permitiria a compa-rao de resultados. A reunio de toda a formao docente eminstituies especificamente dedicadas a essa atividade teria,ainda, a vantagem adicional de possibilitar a criao de meca-

  • nismos de estmulo para recrutamento dos estudantes. Manti-da a situao atual, em que a carreira de professor poucoatraente para estudantes de melhor nvel socio-econmico ouintelectual, permitiria investir de forma concentrada naquelesque escolhem o magistrio, recuperando contedos ehabilidades bsicas no-adquiridos por falhas na formaoanterior, oferecendo bolsas de manuteno para permannciaem tempo integral na escola e ateno individualizada, sobre-tudo no que diz respeito a estgios e disciplinas prticas. Paraalunos de origem mais modesta, o magistrio talvez ainda re-presente uma opo de ascenso social no curto prazo, e oretorno do investimento seria garantido pela obrigatoriedadede permanecer lecionando por determinado perodo de tem-po, quem sabe o necessrio para que o magistrio volte a seruma atividade profissional mais competitiva.

    7 Rever o padro de financiamento e alocao de recur-sos

    E urgente dimensionar o montante global que o Pas dispe, emtese, para financiar a educao, a partir da reforma tributria e do au-mento dos percentuais da receita vinculada que deve ser destinada sdespesas com manuteno e desenvolvimento do ensino, conforme de-terminado pela Constituio de 88. Estados, municpios, Unio e Parla-mento devem, com uma base mais segura de informao, estabelecer umconsenso sobre o que efetivamente constituem essas despesas, para darefetividade a um sistema de colaborao pactuado entre as trs esferasgovernamentais.

    O papel dos rgos de controle do sistema e do Legislativo deveser reforado, para fiscalizar o uso dos recursos. Diretrizes para umpadro de financiamento e dispendios devem induzir previso adequa-da do custeio das escolas e diminuio dos gastos com a mquinaburocrtica.

    Transferncias de encargos e repasses de recursos de um mbitogovernamental ao outro, ou mesmo para as escolas, devem ser feitoscom previso de metas de longo prazo, continuidade e atualizao fi-nanceira, obedecendo a objetivos e prioridades estratgicas.

    Finalmente, preciso reverter o atual padro de financiamentoque leva o Estado a gastar milhares de dlares anuais com um aluno doensino superior, enquanto que o do ensino fundamental custa, nos es-tados mais ricos, umas poucas centenas de dlares por ano.

  • Este, com certeza, no um problema que comporta soluessimplistas e adotadas sem negociao e consenso social. Racionalizar opadro de custeio das universidades pblicas para aumentar a produti-vidade, diminuir o peso da folha de pagamento no custo do aluno eampliar as oportunidades de acesso ao ensino superior, parecem sermetas passveis de negociao.

    A introduo de formas de retribuio dos alunos das universi-dades pblicas j constitui um tema altamente sujeito a conotaes ideo-lgicas, que dependeria de debate mais aprofundado e uma efetiva an-lise de custos e benefcios, tanto econmicos quanto polticos.

    O importante seria estabelecer estratgias de mais longo prazo,nas quais as mudanas nos mecanismos de captao e alocao promo-veriam ajustes gradativos, visando a uma distribuio mais justa dosrecursos. A efetividade dessas estratgias vai depender em larga medidada sustentao poltica que os setores mais qualificados da sociedade empresrios, partidos polticos, trabalhadores organizados, meios for-madores de opinio estiverem dispostos a dar s opes que visem aestabelecer maior eqidade.

    8 Levantar as dificuldades e alternativas de soluo paraa questo salarial

    A melhoria salarial do professor constitui o desafio maior em ter-mos de opes de polticas, porque em grande medida determinanteda efetividade de quase todas as demais opes. Contraditoriamente,depende de vrias delas e tambm porque no ser fcil nem rpidopromover um efetivo aumento da remunerao docente no ensino fun-damental.

    Talvez um bom comeo seja adotar uma posio responsvel erealista diante do problema. Opes de polticas neste delicado tema nopodero se orientar pela nostalgia do tempo em que a professora pri-mria ganhava tanto quanto o juiz da cidade. Esse tempo, em que aescola primria pblica era um privilgio das elites, no volta mais, oque no significa que se considera aceitvel a atual deteriorao salarialdo magistrio, nem se deva empreender todos os esforos possveis paraque o professor receba remunerao digna.

    Outra questo a considerar a de que a melhoria salarial do pro-fessor do ensino fundamental depender no apenas de alocar mais re-cursos, como de racionalizar o uso dos j disponveis. Neste sentido, amudana no padro de gesto, a racionalizao da ocupao da redefsica, a reviso das reformas de financiamento, todas essas estratgias e

  • polticas visariam a canalizar mais recursos para as escolas, a maior partedeles a ser gasta no custeio de melhores salrios.

    Por outro lado, enquanto a folha de pagamentos e encargos con-tinuar consumindo quase todos os oramentos de custeio do ensino, serdifcil reverter a atual situao em que um nmero cada vez maior recebesalrios cada vez menores. Deve-se, assim, atuar de ambos os lados doproblema aumentando os recursos oramentrios e racionalizando ouso dos recursos humanos, para uma distribuio mais justa da massasalarial. No Brasil, no h estatisticamente falta de professores, j que oPas apresenta uma mdia de 25 a 30 alunos para cada professor queconsta das folhas de pagamento. No entanto, faltam professores de v-rias disciplinas. Jornadas de trabalho fragmentadas, falta de informaosobre o nmero e o efetivo tempo de trabalho do professor na escolatornam essa estatstica muito pouco confivel. Por outro lado, o Paspaga mais de um professor por posto de trabalho e h estados ondeexistem 30% de professores mais que o necessrio!

    Estatutos e carreiras que prevem a melhoria de salrio com baseapenas em critrios formais e cartoriais tempo e titulao ; ac-mulo de pequenas vantagens, pecunirias ou no, mas que oneram osoramentos; aposentadoria especial; acmulos de ordenamentos legaismuitas vezes casusticos e negociados por critrios clientelistas; inme-ros e freqentes afastamentos da escola e da sala de aula, todas essasquestes acumularam um nus financeiro que vem dificultando o pa-gamento de um salrio melhor aos que exercem efetivamente a docncia.

    Uma profunda reviso nesse padro de gesto dos recursos hu-manos, negociada com os sindicatos de professores e informando so-ciedade, condio para uma poltica salarial adequada.

    A mais longo prazo , tambm, necessrio comear a discutir ouso de avaliaes de resultados, aferidos pela aprendizagem dos alunos,que permitam a diferenciao do desempenho de escolas e professorese, por conseqncia, um padro de remunerao pelo mrito. Escolas eprofessores que, em condies equivalentes, sejam responsveis pelofracasso e pelo xito da aprendizagem, deveriam ser assistidos tcnica efinanceiramente, no primeiro caso, e premiados salarialmente, no se-gundo. No entanto, este um tema explosivo, sujeito desinformao,dado o teor de ameaa que adquire se no for cautelosamente tratado.Na realidade, antes que o Pas disponha de um sistema de avaliao deresultados confivel e consolidado o que demanda tempo e trabalho,no adianta adotar intempestivamente a utilizao desses resultadospara diferenciao salarial. Prazos coordenados para criar uma cultura

  • avaliativa enquanto se adquire competncia na rea devem ser estabele-cidos.

    9 Qualificar a demandaNo se muda a educao apenas pelo lado da oferta. preciso,

    tambm, que a sociedade seja instrumentalizada para demandar ensinode qualidade.

    Um sistema de informao ao pblico, que faa transparecer osresultados obtidos pelas" escolas, de forma simples, possvel de ser veri-ficada e cobrada, fundamental nesse sentido.

    Estender a preocupao educativa comunidade local, s famlias, tambm, importante no s para co-responsabilizar a sociedade mas,tambm, para garantir a valorizao da escolaridade nas estratgias fa-miliares de melhoria de vida.

    O papel dos meios de comunicao e outros formadores de opi-nio insubstituvel na formulao de uma poltica de qualificao dedemanda. Sem eles, a educao continuar invisvel para a sociedade ouentendida como tema restrito aos educadores e polticos.

    Notas

    1 Taxa de participao de acesso a proporo de uma gerao jovem que eventualmentetem acesso, em algum momento de sua vida, quela srie ou curso, e calculada pelomximo da distribuio, por idade, das propores de uma gerao que ingressa numasrie ou num curso.Obs.: importante distinguir taxa de participao de taxa de escolaridade. Esta ltima calculada dividindo-se o total de matrculas em determinado curso, por exemplo o lGrau, pelo nmero de indivduos com idades prprias ou normais (7 a 14 anos no casodo l Grau). Devido entrada precoce e, principalmente, repetncia, o nmero dematriculados com idade fora desses limites muito grande, o que produz um indicadorfalso da real situao do acesso da populao a um determinado curso. Em alguns casos,esta taxa maior que 100%, um bvio absurdo., por conseguinte, de todo recomendvel que se utilize a taxa de participao que nodepende dos ndices de repetncia e, portanto, permite comparaes ao longo dotempo e entre regies ou pases com um significado correto e comparvel do acesso dapopulao a uma determinada srie ou curso. claro que se um pas associa diretamen-te srie e idade, caso da Sucia e Holanda, por exemplo, os dois indicadores so equi-valentes.

    2 Ver grfico 1.

    3 Ministrio da Educao Secretaria do Ensino Bsico. O Nordeste no horizonte de 15anos. Braslia, 1987.

    4 Ribeiro, S. C. "A pedagogia da repetncia", in: Estudos Avanados, v.5, n 12,maio/agosto 1991, USP.

    5 MEC. A educao brasileira, na dcada de 80.

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    b) Outras publicaes:BARRETO, Elba Siqueira de S. O planejamento educacional e as novas demandas sociais

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  • c) Outros textos:CASTRO, Cludio de Moura e OLIVEIRA, Joo Batista A.Educao:por onde comear?CASTRO, Claudio de Moura e outros. Dealing with poor students.MEC/SENEB Diretrizes para a formulao de projetos pedaggicos dos Ciacs (mimeo.,sad.).MELLO, Guiomar Namo de. Autonomia da escola: possibilidades, limites e condies. Braslia,

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    entre a realidade e a utopia (mimeo., sad.).

    Resumo

    O documento discute as mudanas na demanda por educao provocadas pelodesenvolvimento tecnolgico, tanto do ponto de vista econmico como poltico-social.Apresenta dados que mostram que a repetncia no ensino fundamental bem maior do queindicam as estatsticas oficiais e discute as conseqncias perversas que a ineficincia daescola causa sobre os alunos individualmente e para a sociedade. Atribuindo essa ineficinciaa um padro catico altamente centralizado da gesto, faz recomendaes para mudar essepadro no sentido de reforar a autonomia da escola, estabelecer novas funes para osrgos centrais da administrao do ensino e implementar mecanismos de avalizao eprestao de contas.

    Abstract

    This report is a synthesis of the discussions held by the Group of Studies on EducationalPolicy of the I.E.A. from June to October 1991, as a part of the activities of the Educationand Citizenship Project. It considers the role that education is to be playng in a newdevelopment model for developing countries in order to balance equity andcompetitiveness Arguing that the poor quality of primary education in Brazil has beenbrought about by high centralized and unaccountable management, the author makesrecommandations in favour of improving primary education management. Schoolautonomy and accountability are stregthened.

    Guiomar Namo de Mello professora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo econsultora do Instituto de Economia do Setor Pblico da FUNDAP. Foi professora-visi-tante do IEA em l991.Documento apresentado no seminrio " Polticas Publicas de Educao ", realizado no dia19 de dezembro de 1991, no IEA. Reviso de Srgio Costa Ribeiro.