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Medo e relações de poder: uma contribuição para a Psicologia da Educação Henrique Meira de Castro PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO 16 de outubro de 2012

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Page 1: Medo e relações de poder: Apresentção de slides

Medo e relações de poder: uma contribuição para a Psicologia da Educação

Henrique Meira de Castro

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO

16 de outubro de 2012

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Apresentação

• Reflexão sobre as possibilidades do uso do medo como instrumento de controle e poder.

• Como as instituições, quaisquer que sejam, utilizam o medo como forma de obtenção e manutenção do poder?

• Foram encontrados poucos estudos, na psicologia, sobre utilização do medo.

• Estudos voltados para o medo como patologia (fobias, transtorno do pânico etc)

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O gênero humano e a longa história de seus medos

• Pã, Phobos, Deimos, Pallor, Pavor

• Máscaras de tribos africanas – Traduzir, se defender e espalhar o medo

• Indígenas do continente americano - Histórias assustadoras para mostrar os perigos que rodeiam a vida nas florestas

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• Medo presente e estudado em diversas áreas como emoção, sentimento, paixão da alma, instinto de sobrevivência, traumas, recalques

• Retratado na pintura, literatura, teatro, música, cinema

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Objetivo

• Método materialista histórico e dialético para superar visões naturalistas, medicalizantes e culpabilizadores do medo

• Para tal, utilizei as produções sobre emoções e sentimentos da obra de Vigotski

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Sobre emoções e medo Emoções

• Estudos e contribuições de Vigotski para a teoria da emoções.

• Emoções como função psicológica superior

• Definição de grande potencial emancipatório, libertando o indivíduo de suas amarras instintivas e naturais.

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Medo em Darwin • O medo aguça a visão e a audição, a boca e os olhos se abrem e as

sobrancelhas são erguidas. O indivíduo fica paralisado, sem respiração, o coração acelera violentamente, mas sem conseguir funcionar melhor do que habitualmente, o que pode ser visto na pele que se torna pálida. A sudorese aumenta, os pelos se eriçam e os músculos tremem.

• Em decorrência de todas essas alterações, a respiração, que havia sido paralisada, retorna acelerada, a boca fica seca. Com o tremor dos músculos, em especial dos lábios e com a secura da boca a voz se torna rouca.

• Se o medo continua a aumentar, se torna “a agonia do terror”. O coração que há pouco disparara pode falhar. Os olhos podem saltar ou girar de um lado para o outro incessantemente, as pupilas dilatam-se e o tremor muscular pode transformar-se em convulsão.

• No pânico, o mais alto grau do medo, “um horrível grito de terror é ouvido”, enormes gotas de suor escorrem, a capacidade mental se esgota, os músculos relaxam e os intestinos e esfíncteres são afetados.

• Darwin, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

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Medo em Vigotski

• Medo “é uma forma solidificada que surgiu do instinto de autopreservação em sua forma defensiva”. (p.113)

• “A educação dos sentimentos é [...] uma reeducação desse sentimentos, ou seja, uma mudança no sentido da reação emocional inata” (p. 142)

• VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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• Considerando as descrições fisiológicas decorrentes do medo apresentadas não é de se espantar que essas expressões venham se transformando em patologias cada vez mais sérias e profundas.

• Para Delumeau, essas reações são “em si uma reação utilitária de legítima defesa, mas que o indivíduo, sobretudo sob o efeito das agressões repetidas de nossa época, nem sempre emprega com discernimento” (p.23)

• DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

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O medo como instrumento de poder

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• “E todos os homens da cidade o apedrejarão até que morra. Deste modo extirparás o mal do teu meio, e todo Israel ouvirá e ficará com medo” (Bíblia,

Deuteronômio – Século VII a.C.)

• O senhor deve tirar prazer e delícia das coisas em que seus homens têm sofrimento e trabalho, [seu papel é o de] manter a terra, pois pelo pavor que os homens do povo têm dos cavaleiros eles trabalham e cultivam as terras por pavor e medo de serem destruídos (Champier, médico e nobre – 1510)

• Ao Príncipe “é muito mais seguro ser temido do que amado” (Maquiavel, O Príncipe - 1513)

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• “[os índios] talvez por medo se convertam mais depressa do que o fazem por amor” (Manuel da Nóbrega – 1550)

• “Assim por experiência vemos que por amor é muito difficultosa a sua conversão, mas como é gente servil por medo fazem tudo” (Manuel da Nóbrega – 1557)

• “Estou muito a favor do uso do gás venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso teria um bom efeito moral e difundiria um terror perdurável. (Churchill, 1919)

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• Mundukuru (2010) afirma que tribos indígenas criavam histórias nas quais entes da floresta arrancavam os olhos dos que desafiavam a noite

• E hoje ainda ouvimos as histórias do Bicho-papão, do boi da cara preta e que a Cuca vem pegar.

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• Na escola o silêncio é barganhado com ameaças de suspensão ou visitas a diretoria.

• E na rua as crianças nunca podem ‘aprontar’, pois sempre o ‘moço está olhando’.

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Cultura do medo

• Repetidas agressões a que somos submetidos diariamente nos jornais, revistas e telejornais.

• Redução de 20% dos homicídios entre 1990 e 1998, com aumento de 600% de histórias sobre assassinatos nos noticiários televisivos.

• A consciência de estar em guerra e, portanto em

perigo, faz parecer natural a entrega de todo o poder a uma pequena casta: é uma inevitável condição de sobrevivência (ORWELL, George. 1984 – 13ª Ed. São Paulo: Companhia

Editora Nacional, 1980)

– “Guerra ao Terror” e Lei do Ato Patriótico – UPPs e violência de estado – Internações compulsórias

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Nesse mundo de medo

• Indústrias bélica, segurança, farmacêutica.

• Eis o que nos dizem: para superarmos as ameaças domésticas precisamos de mais polícia, mais prisões, mais segurança privada e menos privacidade. Para enfrentar as ameaças globais precisamos de mais exércitos, mais serviços secretos e a suspensão temporária da nossa cidadania. [...] Vivemos – como cidadãos e como espécie – em permanente situação de emergência. Como em qualquer estado de sítio, as liberdades individuais devem ser contidas, a privacidade pode ser invadida e a racionalidade deve ser suspensa. (COUTO, 2011)

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• Parece, então, clara a relação entre medo e poder, e que esse uso social do medo leva, analogamente, a uma paralisia social, fazendo com que indivíduos, grupos tenham reduzidas possibilidades de agirem no mundo.

• Partindo da premissa que a atividade é a categoria fundante do psiquismo humano, esses indivíduos e grupos teriam suas atividades restritas às imposições do cotidiano do trabalho alienado da sociedade capitalista, portanto não exercendo toda sua potência de humanização.

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É possível superar a cultura do medo?

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Sociedade de classes

• Opressores X Oprimidos – Estado responsável por administrar, gerir,

financiar, legislar e legitimar a manutenção da classe dominante.

– Métodos de manutenção do controle, entre outros: • Violência (física e, posteriormente, outras)

• Ideologia (discursos para legitimar o poder de uma classe social dominante)

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• A educação na sociedade de classes visa o desenvolvimento desigual e combinado de futuras forças de trabalho, somos, portanto, educados de acordo com os desígnios de nossa classe.

• Faz-se necessário que todos aqueles que possuem apenas sua força de trabalho como meio de sustento, sejam, desde a infância, inseridos em um cultura de submissão, silêncio, obediência, entre outras formas veladas de violência por meio dos mais diversos métodos e um deles é, invariavelmente, o medo.

• E, então, sempre com medo da possível punição vamos tornando-nos obedientes, silenciados, prontos para receber ordens sem questionamentos; submissos como cães adestrados, estamos prontos para entrarmos na linha de produção e reprodução da sociedade de modo a mantê-la e de não tentar superá-la.

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Agindo nas contradições

• Mas é do interior da sociedade capitalista que surgem as condições para sua superação e também, como germe, faz-se possível o estabelecimento de diferentes relações de poder.

• Em situações específicas, organizadas intencionalmente, é possível criar uma relação de hierarquia horizontal entre os indivíduos envolvidos e agir de forma cooperativa sem o estabelecimento prévio de autoridades e regras sociais. É possível a construção de um processo grupal, no qual intencionalmente as relações mercantis e de exploração da sociedade capitalista sejam deixadas de lado para o estabelecimento de novas formas de organização social.

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• Nessa perspectiva a atividade escolar poderia realizar, dentro de suas limitações objetivas, um trabalho diferente do que acontece hoje, por exemplo, dentro da sala de aula.

• A realidade escolar, para a grande parte dos alunos, é um misto de diversos medos. Mesmo em uma instituição que pouco ensina, que produz o fracasso escolar, ainda há a culpabilização do estudante que sente medo de mais um dia chegar à escola e não conseguir ler o que está escrito na lousa, medo da reprovação, da vergonha de não conseguir aprender e da angústia de não ver perspectivas.

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• Necessário ter clareza de que são experiências pontuais e que dificilmente se sustentarão em outras condições, enquanto não houver uma transformação real da sociedade.

• Enquanto houver Estado protegendo e justificando a exploração do homem pelo homem não poderemos falar em liberdade. – E tão logo que for possível falar-se de liberdade, o

Estado como tal deixará de existir. Por isso, nós proporíamos que fosse dita sempre, em vez da palavra Estado, a palavra ‘Comunidade’ (Gemeinwesen) uma boa e antiga palavra alemã que equivale à palavra francesa ‘Commune’. (Engels, s/d)

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Considerações finais

• Não há, também, um julgamento moral e valorativo sobre o medo. Há uma condenação à inculcação do medo como estratégia de obtenção e manutenção do poder. No entanto, não há uma definição se o medo é bom ou ruim; na verdade, consideramos que o medo é uma emoção importante e necessária, não havendo mal, nem vergonha em sentir medo.

• A expectativa na execução deste estudo é, em um primeiro momento, de fomentar a discussão sobre os usos do medo dentro da psicologia e educação, com intuito de poder lidar com as possíveis consequências de sofrimento e adoecimento que estas podem causar nos indivíduos.

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• Em um segundo momento, em uma análise mais profunda, é de poder entender tal uso instrumental na expectativa de poder superá-lo no advento de uma revolução socialista. Já foi afirmado que não é possível superar a cultura do medo dentro de uma sociedade de classes, no entanto, experiências são possíveis e devem ser fomentadas.

• O trabalho educativo é um desses possíveis espaços. Sabemos que a escola é contraditoriamente um espaço de produção de medo, mas é também, um dos meios para superá-lo. Ao socializar os conhecimentos da humanidade, transformar conceitos espontâneos em conceitos científicos, contribui-se para a superação de uma visão sincrética de sociedade e de si mesmo, como um dos meios para dar base à ação revolucionária.

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Obrigado, Henrique Meira de Castro - [email protected]

• Referências • BÍBLIA. A.T. Deuteronômio. In: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002a. Cap. 21, vers. 18-

21. • COUTO, Mia. Murar o medo. Conferência não publicada em Estoril Conferences 2011, 2011.

Disponível em <http://www.youtube.com/watch?v=jACccaTogxE>. Recuperado em 05 de novembro de 2011.

• DARWIN, Charles. A expressão das emoções no homem e nos animais. (L. D. Garcia, Trad.) São Paulo: Companhia das Letras, 2000. (originalmente publicado em 1872).

• DELUMEAU, Jean. História do medo no ocidente (1300-1800). (H. Jahn, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

• ENGELS, Friedrich. Sôbre a autoridade. In: MARX, K.; ENGELS, F. Obras escolhidas, vol. 2. São Paulo: Alfa ômega, s/d. (Texto original de 1873).

• GALEANO, Eduardo. Os filhos dos dias. (E. Nepomuceno, Trad.). Porto Alegre: L&PM Editores, 2012.

• MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. (O. Bauduh, Trad.) São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Coleção Os Pensadores)

• MASSIMI, Marina; MIRANDA, Lilian. A paixão do medo nos documentos de viagens e na literatura espiritual e filosóficados jesuítas, no Brasil do século XVI. In: MASSIMI, M., SILVA, P. J. C. Os olhos vêem pelo coração. Conhecimento psicológico das paixões na história da cultura brasileira dos séculos XVI a XVII. Ribeirão Preto, Holos, 2001.

• MUNDUKURU, Daniel. A Caveira-Rolante, a Mulher-Lesma e outras histórias indígenas de assustar. São Paulo: Global, 2010.

• ORWELL, George. 1984 – 13ª Ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980. • VIGOTSKI, Lev Semenovich. A educação no comportamento emocional. In: VIGOTSKI, L. S.

Psicologia pedagógica. (P. Bezerra, Trad.) 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

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