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Júlio Delgado & Óscar Santos Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-Verdiana Praia 2006

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Júlio Delgado & Óscar Santos

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-Verdiana

Praia2006

Ficha Técnica

Título: CADERNOS DO BANCO DE CABO VERDE

Série: Working Papers

Editor: Banco de Cabo Verde

Avenida Amilcar Cabral, nº 27 • C.P. 101• Praia • Cabo Verde

Tel.: + 238 260 7181 • Fax + 238 26144 47 • www.bcv.cv

Paginação: DAG - Banco de Cabo Verde

Impressão: Gráfica da Praia

Tiragem: 100 Exemplares

Os Working Papers são trabalhos em evolução, cuja publicação visa incentivar o debate e o aprofundamento dos temas tratados. Os pontos de vista expressos são os dos seus autores e não reflectem, necessariamente, os

do Banco de Cabo Verde, nem vinculam de qualquer forma esta Instituição.

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 5

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 5

Resumo

O objectivo deste trabalho é identificar uma medida de Core Inflation para a economia cabo-verdiana. Para o efeito, usámos dados desagregados do Índice de Preços no Consumidor (IPC) de Janeiro de 1997 a Maio de 2006, caracterizámos a distribuição seccional da variação homóloga do IPC, calculámos dois tipos de medidas de Core Inflation – Medidas de Exclusão e Média Aparada – e, por último, avaliámos a sua performance com base em dois critérios: Core Inflation, enquanto indicador da tendência de inflação e de capacidade de previsão futura de inflação. Chegámos à conclusão de que a distribuição seccional da variação homóloga do IPC é ligeiramente assimétrica e fortemente leptocúrtica. Concluímos também que as medidas de Média Aparada apresentam melhor performance do que as Medidas de Exclusão.

Capítulo I

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 9

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 9

De acordo com o Artigo 17.º da sua Lei Orgânica, o Banco de Cabo Verde (BCV) tem por atribuição principal a manutenção da estabilidade de preços. A mesma lei, contudo, não define em nenhum dos seus articulados, o significado de estabilidade de preços, deixando esta interpretação ao poder discricionário da Administração do BCV.1 Esta falta de clarificação sugere alguma indefinição na prossecução do objectivo de estabilidade de preços, pois não se sabe qual o nível de variação mensal ou homóloga do IPC que é susceptível de requerer intervenção da autoridade monetária.

Apesar do regime monetário vigente não ser o de meta de inflação, nada obsta que a autoridade monetária disponha de uma medida distinta da inflação, uma espécie de meta “intermédia”, que monitorize o desempenho do BCV no âmbito da sua atribuição de manutenção da estabilidade de preços, em alternativa ao índice tradicional de inflação, o Índice de Preços no Consumidor (IPC).

Existe um consenso na literatura de que a “core inflation” é um indicador que melhor descreve a tendência de fundo da inflação. Sem um indicador capaz de acompanhar a tendência da inflação, é possível que a política monetária se

torne indistinta, pois tenderá a reagir a ruídos, o que aumentaria a ineficácia dos instrumentos do Banco Central, comprometendo o alcance dos seus objectivos de política.

Alguns autores defendem que, devido ao desfasamento dos mecanismos de transmissão de política, as variações de curto prazo, ou transitórias, da inflação, não deverão, em princípio e impropriamente, afectar as decisões de política monetária2. Por isso, a autoridade monetária tem de ser capaz de decompor os dados contidos no IPC em, por um lado, uma componente de tendência de longo prazo, que reflecte as fontes persistentes de pressão inflacionista, e outra componente temporária ou reversível, por outro. Para vários analistas, a primeira componente, designada por “core inflation” é a que incorpora as informações de interesse para a política monetária. Seguindo estes desenvolvimentos, vários bancos centrais passaram a publicar um conjunto de medidas de “core inflation” que, supostamente, fornecem melhor indicação da tendência de fundo da inflação.

A experiência de Cabo Verde no cálculo de medidas de “core inflation” é ainda incipiente. Os resultados da estimativa de um indicador estatístico

1. Introdução

1 Na zona euro, o Banco Central Europeu (BCE) definiu estabilidade de preços como “um aumento homólogo do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor para a área do euro inferior a 2%”. O BCE avança ainda que “a definição deixa claro que a inflação acima de 2%, como também a deflação, são incompatíveis com a estabilidade de preços”.2 Juan Luis Vega e Mark A. Wynne, “An evaluation of some measure of core inflation for the euro area”, ECE Working Paper n.º 53, April 2001.

10 Júlio Delgado e Óscar Santos

de “core inflation”, através da aplicação do método das componentes principais3, revelaram-se estatísticamente pouco significativos, na medida em que a primeira componente justifica apenas 25% da variância das variações homólogas mensais do IPC, enquanto que em estudos de outros países, os valores encontrados atingem em média os 60%.

Este artigo retoma o debate do cálculo de medidas de “core infaltion” para Cabo Verde.

Para isso, encontra-se estruturado da seguinte forma: no ponto 2, faz-se uma breve revisão sobre as metodologias de cálculo de Core Inflation. De seguida, no ponto 3, faz-se uma análise da distribuição seccional do IPC e, no ponto 4, calculam-se as medidas de “core inflation” e apresentam-se as suas propriedades estatísticas, para, no ponto 5, se avaliar a sua performance. Por último, apresentam-se as principais conclusões.

3 Os Determinantes da Inflação em Cabo Verde - Departamento de Estudos e Estatísticas, 2005 - Banco de Cabo Verde.

10 Júlio Delgado e Óscar Santos

Capítulo II

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 13

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 13

Existem diferentes métodos para determinação de um conceito de tendência de inflação. Todos esses métodos procuram, mediante o uso de informações contidas no IPC, estimar as variações nos preços que melhor reflictam a tendência subjacente da inflação.

A abordagem mais antiga é conhecida como ex. Food and Energy. A ideia básica por detrás deste método é predefinir um grupo de produtos que será sistematicamente excluído na estimativa da tendência de inflação, devido à alta volatilidade dos seus preços (ou por ainda terem as suas variações administradas por imposição governamental). Especificamente, os preços da classe “alimentares e energia” são normalmente sujeitos a grandes variações, resultantes de roturas da oferta, mau ano agrícola, por exemplo, mas que, ou são transitórias, ou não persistem com o tempo. Esta medida de “core inflation” procura eximir estas flutuações da tendência de longo prazo da inflação. O ex. Food and Energy é uma abordagem simples, facilmente compreendida pelo público, mas apresenta a desvantagem do método de exclusão ser, para alguns autores, arbitrário. Adianta-se, ainda, que nem sempre os preços da energia e alimentação são os mais voláteis na cesta de preços, pelo que se admite que, quando se descartam alguns produtos do cabaz, informações relevantes sobre a tendência da inflação podem ser eliminadas.

Uma outra abordagem, amplamente usada, é a do uso de estimadores truncados, ou média aparada (trimmed mean), proposta por Bryan e

Cecchetti (1994). As médias aparadas são obtidas a partir da exclusão de uma dada percentagem das maiores e das menores variações de preços, sendo que uma vez descartados, para cada mês, os produtos correspondentes às observações extremas, o IPC pode ser recalculado. A justificação para a utilização desta abordagem deriva, em parte, da teoria estatística, segundo a qual a distribuição da taxa de variação dos preços dos produtos, num certo mês, apresenta alto grau de assimetria ou abas pesadas. Neste caso, o estimador da média aparada, que exclui parte das abas de distribuição, é mais eficiente do que o estimador da média simples da taxa de variação, como o caso dos índices de preços habituais (Bryan e Cecchetti, 1994). Apesar deste método excluír os preços de forma menos arbitrária que a metodologia anterior, apresenta a inconveniência de não ser facilmente entendido pelo público e dos resultados serem, segundo sustentam Bakhshi e Yates (1999), sensíveis ao grau de truncamento adoptado.

Para lidar com estas situações, têm sido sugeridas, em alternativa, técnicas de alisamento de séries temporais, recorrendo-se, por exemplo, às metodologias de filtro, como a modelagem ARIMA. Diewert (1995) sugere a utilização de “Edgeworth Índex” que, contrariamente à média aparada, não exclui nenhuma das componentes do IPC, mas antes repondera as componentes atribuindo um peso menor aos produtos mais voláteis. Mas o facto de uma componente de peso reduzido no cabaz do IPC passar a ter uma ponderação maior

2. Medidas de “Core Inflation”

14 Júlio Delgado e Óscar Santos

no índice é, para muitos, uma desvantagem deste método. Recentemente, modelos econométricos multivariados têm sido desenvolvidos para estimar a “core inflation”. Para este artigo, no entanto,

incidiremos, essencialmente, sobre as medidas de exclusão e de média aparada, deixando para pesquisas futuras outras abordagens.

14 Júlio Delgado e Óscar Santos

Capítulo III

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 17

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 17

Nesta secção faz-se uma breve análise da distri-buição seccional do IPC, entendida como análise es-tatística da distribuição mensal da variação dos preços dos diversos bens e serviços incluídos neste índice. A compreensão da forma como os preços variam per-mite ter uma ideia importante do processo de inflação e do comportamento das medidas de inflação.

Para o efeito, na nossa análise empírica, usámos dados mensais do Índice de Preços no Consumidor (IPC) cobrindo o período entre Janeiro de 1997 a Maio de 2006. A medida de inflação de referência usada foi a taxa de variação homóloga (TVH) do IPC, que se justifica pelo facto de constituir uma medida relativamente simples para corrigir as flu-tuações de natureza sazonal.

Com base na TVH das componentes do IPC e respectivos pesos (ωi), calculámos os momentos da distribuição: média, desvio padrão (dispersão), coeficiente de assimetria e curtose (grau de achata-mento). Em particular, a TVH da componente i do IPC (πi) no mês t é dada pela seguinte expressão:

it� � 1001 ��

��

����

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it

it

IPC

IPC���

Neste caso, a média ponderada das variações homólogas do IPC (isto é, a TVH média, consti-tuída pelas variações de preços das componentes individuais) é representada por:

t� � �

�N

iitit

1

�� ���

Assim, obtém-se os momentos desvio padrão, assimetria e curtose, dados pelas expressões [3], [4] e [5], respectivamente:

Os momentos da distribuição calculados e apresentados na figura 1, permitem sintetizar a distribuição da variação homóloga do IPC.

No primeiro painel da figura 1 encontram-se representados graficamente os valores médios mensais e o desvio padrão da TVH. No caso da média, é de registar alguns períodos de variações homólogas extremas dos preços, particularmente em 1999 e, mais recentemente, em Maio de 2006, traduzindo os efeitos do mau ano agrícola, por um lado, e de repercussão sobre a economia da actua-lização dos preços dos derivados de petróleo. Para além disso, nota-se uma volatilidade periódica da variação homóloga do IPC, com vários períodos em que o valor é significativamente diferente nos meses anteriores [o valor médio da variação homó-loga do IPC situa-se em 1.76% (ver tabela 1)]. Por ser a média uma medida que é muito afectada pelos valores extremos, a evolução da variação homóloga do IPC é influenciada no nosso caso, como vamos ver mais abaixo, pelo comportamento irregular de alguns bens e serviços.

3. Distribuição Seccional do IPC

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18 Júlio Delgado e Óscar Santos Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 19

Tabela 1Valores médios dos momentos das variações

homólogas do IPC

Média Desvio-padrão Assimetria Curtose

1.76 7.06 1.01 11.06

Por seu turno, o desvio padrão permite analisar a dispersão das variações homólogas do IPC e ter uma ideia da sua variabilidade/volatilidade. A evo-lução desta estatística permite verificar uma certa

frequência de períodos de maior dispersão (volati-lidade) da variação homóloga do IPC. Uma análise mais desagregada deste indicador permite associar aquelas perturbações com a evolução de preços de algumas componentes do IPC – é o caso, por exemplo, dos produtos alimentares, energia e água, ensino e lazer e transportes (para uma análise mais pormenorizada ver tabela em anexo). Esta disper-são seccional do IPC transmite irregularidades à evolução da variação homóloga do IPC. Confron-tando a evolução gráfica da dispersão com a média da variação homóloga do IPC, podemos constatar

Figura 1 - Momentos da TVH

1998 2000 2002 2004 2006

-2.5

0.0

2.5

5.0

7.5 Média

1998 2000 2002 2004 2006

5.0

7.5

10.0

12.5Desvio padrão

1998 2000 2002 2004 2006

-2.5

0.0

2.5

5.0

Assimetria

1998 2000 2002 2004 2006

10

20

30

40

50 Curtose

18 Júlio Delgado e Óscar Santos Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 19

uma relação positiva entre as duas, ou seja, valores extremos da média correspondem a aumento da dispersão. O valor positivo do coeficiente de corre-lação confirma esta observação.

Tabela 2Correlação entre os momentos das variações

homólogas do IPC

Desvio-padrão Assimetria Curtose

Média 0.70 0.54 0.23

Desvio-padrão 0.50 0.21

Assimetria 0.85

No segundo painel da figura 1 encontram-se representados os outros dois momentos: coeficien-te de assimetria e de achatamento. A representação gráfica da evolução do coeficiente de assimetria ilustra que, na maioria dos meses, a distribuição da variação de preço é assimétrica – a distribuição é frequentemente mais assimétrica positiva do que assimétrica negativa. Neste caso, geralmente, a va-riação homóloga do IPC tem sido superior à ten-dência de crescimento da generalidade dos preços.4

Por exemplo, é visível no gráfico de assimetria que, recentemente (desde Junho de 2005), a variação homóloga do IPC se encontra acima da tendência de crescimento da generalidade dos preços, en-

quanto que no primeiro trimestre de 2005, se ve-rificava exactamente o contrário. Esta observação é corroborada pelo valor médio do coeficiente de as-simetria, 1.01, o que indica, típicamente, que a aba direita da distribuição é ligeiramente mais longa do que a aba esquerda. É visível na figura a relação po-sitiva entre o coeficiente de assimetria e a média – o valor do coeficiente de correlação é de 0.54.

O principal ponto a destacar da evolução do Curtose é de que é frequentemente elevado. Na maioria dos casos é superior a 3, em todos os meses (em média 11.06), indicando que a distri-buição seccional da variação homóloga do IPC é fortemente leptocúrtica, o que denota abas mais pesadas do que uma distribuição normal. Quando isto acontece, uma grande proporção dos preços do cabaz do IPC apresenta variações homólogas sig-nificativamente diferentes da média das variações. Por outras palavras, existe maior probabilidade de ocorrência de variações extremas da variação ho-móloga do IPC.

Em síntese, da análise das várias medidas de distribuição seccional das variações homólogas dos preços, constatamos que o IPC é afectado pela evo-lução irregular dos preços de alguns bens e serviços, classe dos alimentares por exemplo, o que pode não reflectir apropriadamente a tendência geral da evo-lução dos preços. A natureza da irregularidade das componentes do IPC vai determinar o comporta-mento quer do IPC, quer das medidas de Core Infla-tion que se baseiam nas componentes do IPC.

4 Uma assimetria positiva (negativa) corresponde a uma situação em que a variação homóloga do IPC é superior (inferior) à tendência de crescimento da generalidade dos preços, sendo esta entendida, em termos gerais, como o ritmo de variação de preços para o qual se verifica uma maior frequência.

Capítulo IV

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 23

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 23

Segundo Roger5 (1997), para que um indicador de tendência de inflação ajude na tomada de deci-sões, é preciso que seja disponibilizado em tempo útil, não ser sujeito a revisões e ser facilmente ve-rificável. Conforme mencionado anteriormente, fazemos, neste artigo, uma avaliação de dois tipos de medidas de Core Inflation, que foram desenvol-vidos com o objectivo de identificar a tendência geral de evolução do preço.

Medidas de Exclusão

Das medidas de exclusão tradicionais mais conhecidas, as seguintes foram apreciadas: i)Overall excluding energy and water; ii) Overall excluding food; iii) Overall excluding food, energy, and water; e iv) Overall excluding food and beverages.

Como se pode constatar na figura 2, a TVH do IPC tem um comportamento errático, bem como as medidas de exclusão ensaiadas, com destaque para os picos alcançados nos anos de 1999 e 2001, que traduzem, em parte, os efeitos desfasados do choque de taxa de câmbio do dólar e do petróleo. Contudo, o “trend inflation”, calculado pelo filtro Hodrick-Prescott (H-P), apresenta uma tendência descendente, situando-se acima dos dois períodos de deflação de 2000 e 2004, validando, no entanto, o achado de outros estudos, segundo os quais o regime cambial de peg fixo, adoptado a partir de 1998, tem contribuído para a redução da inflação no país. Finalmente, as medidas tradicionais de ex-clusão Overall excluding energy and water e Overall excluding food and beverages (Tabela 3) são menos

4. Cálculo das Medidas de “Core Inflation”

5 Roger, S. (1997) “Inflation Measures for Monetary Policy: Measuring the Underlying Inflation Trend and its Implication for Monetary Policy implementation, Bank of Japan, Monetary and Economics Studies.

Figura 2 - Medidas (tradicionais) de exclusão

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

-2.5

0.0

2.5

5.0

7.5

10.0

12.5 Inflação_(TVH) Trend_(HP) Overall_excluding_energy_and_water Overall_excluding_food Overall_excluding_food,_energy,_and_water Overall_excluding_food_and_beverages

24 Júlio Delgado e Óscar Santos Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 25

voláteis do que a variação homóloga do IPC – o desvio padrão das várias medidas de exclusão va-ria entre 1.93 e 3.16, o que não deve surpreender, pois essas componentes descartadas do IPC são as que, de acordo com a tabela em anexo, apresentam maior variabilidade. São os casos dos alimentares não transformados (peixes, legumes frescos e fru-tas), normalmente afectados por constrangimentos da oferta, e dos derivados de petróleo, que têm sido objecto de alterações nos últimos tempos devido às oscilações de preços no mercado internacional.

Médias Aparadas

As Médias Aparadas (Trimmed Mean) obtêm-se excluindo para cada mês uma certa proporção dos itens do IPC correspondentes às observações extremas (maiores e menores variações de preços)

e recalculando o IPC com base na nova pondera-ção. Por exemplo, uma média aparada a 10% cor-responde ao cálculo da média de 80 por cento das observações centrais do IPC, eliminando as meno-res e maiores subidas do IPC. Calculámos médias aparadas a 5%,10% 15%,20%,25%,30% e 35%.

Conforme se disse anteriormente, uma lepto-cúrtica elevada da distribuição das variações de preços indica que existem muitas observações nas extremidades das abas, com fortes interferências sobre o valor da média. Neste contexto, à medida que as abas da distribuição tornam-se mais pesa-das, o que indica que existem variações nos preços distintas das da tendência de fundo da inflação, se-ria conveniente remover fracções desta abas no cál-culo da média da inflação. A mesma atenção deve ser dada às assimetrias na construção das médias

Figura 3 - Medida Aparada

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

-4

-2

0

2

4

6

8 Inflação_(TVH) Trend_(HP) TM_5% TM_10% TM_15% TM_20% TM_25% TM_30%

24 Júlio Delgado e Óscar Santos Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 25

aparadas, especialmente se se tratar de distribuição simétrica ou assimétrica positiva ou negativa.6

A figura 3 apresenta as médias aparadas obtidas a partir da eliminação de uma certa percentagem das maiores e menores variações nos preços. Nota-se que nos períodos de particular irregularidade nas taxas de variações homólogas do IPC, as

médias aparadas apresentam no geral uma varia-bilidade menor. A Tabela 3 abaixo, apresenta as estatísticas básicas que permitem caracterizar as propriedades das medidas de “core inflation”. A principal conclusão que se pode tirar da análise da tabela é de que a medida de média aparada a 25% é aquela que apresenta um menor desvio padrão, 1.91 (menos volátil).

Tabela 3 - Estatísticas das Medidas de CI

Média Desvio Padrão

TVH Geral 1.76 3.07

Medidas de Exclusão

Overall excluding energy and water 1.06 1.93

Overall excluding food 1.25 3.16

Overall excluding food, energy, and water 2.99 3.01

Overall excluding food and beverages 2.26 2.83

Média Aparada

MA 5% 0.96 2.38

MA 10% 0.94 2.21

MA 15% 0.95 2.06

MA 20% 0.95 1.94

MA 25% 1.02 1.91MA 30% 1.06 1.93MA 35% 0.96 2.38

6 Para mais detalhes, ver Jonathan Kearns, The Distribution and Measurement of Inflation - Reserve Bank of Australia - Research Discussion Paper 9810, 1999.

Capítulo V

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 29

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 29

Neste ponto avalia-se a performance das diferentes medidas de “core inflation”, enquanto indicador de tendência de inflação, ou seja, a forma como as várias medidas seguem a evolução de longo prazo dos preços (Track Trend Inflation) e a capacidade das mesmas em prever a inflação futura.

Como medida de tendência de inflação, considerámos o filtro Hodrick-Prescott (H-P) com o parâmetro de alisamento λ=14.400, para dados mensais (as figura 2 e 3 acima exibem o comportamento da tendência de inflação)7.

A performance é medida pela estatística do Erro Quadrático Médio (EQM), representada por:

onde, πtc é o candidato a “core inflation” no

período t, πttrend é a tendência de inflação e T é o

número total de observações.

Um segundo critério consiste em aferir a qualidade das várias medidas de “core inflation” em prever a inflação futura. Para isso usámos a estatística do Erro Quadrático Médio de Previsão (EQMP), representada da seguinte forma:

onde, πtc é o candidato a “core inflation” no

período t, πt+18

é a inflação no período t+18.8

Um bom estimador da “core inflation” deve ser capaz de avaliar a tendência da inflação de duas formas: primeiro, ao longo do tempo, a variação média da “core inflation” deve ser muito diferente das variações no IPC, pois seria conveniente para a autoridade monetária dispor de um estimador que não sobrestimasse (ou subestimasse) a tendência de longo prazo da inflação. Adicionalmente, uma medida de “core inflation” deve seguir de perto a trajectória de longo prazo de inflação (trend inflation). Por outras palavras, quando a tendência

5. Avaliação das Medidas

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18

1 �� ���

7 O filtro Hodrick-Prescott (H-P) é um método muito popular na extracção do trend dos dados macroeconómicos. O filtro H-P pode ser utilizado para extraír o trend, y

t*, do valor actual, y, minimizando a dimensão da flutuação em volta do trend. O filtro H-P é a série de valores

que minimiza a seguinte expressão:

onde, T é o nº de observações e o parâmetro λ é o factor de ponderação que determina o alisamento da tendência. O parâmetro toma os valores λ =100, λ=1600 e λ=14400, conforme se trate de dados anuais, trimestrais ou mensais, respectivamente. Dado o problema dos end-points do filtro HP, foi alternativamente usada a Média Móvel, como indicador de tendência de inflação. Os resultados obtidos são semelhantes.8 Muitos estudos apontam para o período de desfasamento de dezoito meses na transmissão dos efeitos da política monetária.

30 Júlio Delgado e Óscar Santos

da inflação aumenta, por exemplo, o estimador da core inflation deverá crescer proporcionalmente.

Com base neste critério, a tabela 4 apresenta os valores do EQM, o enviesamento e o EQMP das diferentes medidas de “core inflation”. Começando por analisar a performance das medidas de “core inflation”, enquanto indicador de tendência de inflação (Track Trend Inflation), nos termos descritos acima (menor EQM), podemos constatar que as médias aparadas (5% a 30%) apresentam

uma melhor performance do que as medidas de exclusão (todas as medidas têm um EQM inferior a 2.0). Nota-se que a média aparada a 25% apresenta um menor EQM, o que quer dizer que é a medida que mais se aproxima da tendência de inflação. Também, é uma medida com uma melhor performance do que a própria inflação. A medida de exclusão que apresenta melhor performance é a taxa de inflação excluindo energia e água, com um EQM de 2.19.

Tabela 4 - EQM, Enviesamento e EQMP

Medidas de “Core Inflation” EQM Enviesamento EQMP

Medidas de Exclusão

Overall excluding energy and water 2.49 -0.38 5.27

Overall excluding food 3.06 1.43 5.30

Overall excluding food, energy, and water 2.55 0.72 4.96

Overall excluding food and beverages 3.56 1.75 5.77

Média Aparada

MA 5% 1.87 -0.66 4.64

MA 10% 1.72 -0.67 4.45

MA 15% 1.58 -0.65 4.36

MA 20% 1.52 -0.65 4.27

MA 25% 1.45 -0.58 4.23

MA 30% 1.49 -0.54 4.24

MA 35% 1.51 -0.54 4.22

Uma forma alternativa de analisar as medidas de “core inflation” é através do enviesamento médio, definido como o desvio médio da tendência das diferentes medidas de “core inflation”. A tabela 4 mostra o enviesamento para os dois tipos de medidas. Nota-se que as medidas de médias aparadas apresentam enviesamento negativo, o que quer dizer que subestimam ligeiramente a trajectória da inflação ou “true inflation”, o que se percebe, pois o período da amostra não é muito longo para dirimir os efeitos

de curto prazo das variações relativas de preços sobre o “trend”. As medidas de exclusão, com excepção de Overall excluding energy and water, com enviesamento positivo, sobrestimam a tendência de inflação. Quanto aos valores obtidos para o EQMP, podemos constatar que as medidas de médias aparadas apresentam menor EQMP, do que as medidas de exclusão: as médias aparadas a 25% e 35% são as medidas que apresentam melhores performances, com o EQMP de 4.23 e 4.22, respectivamente.

30 Júlio Delgado e Óscar Santos

Capítulo VI

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 33

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 33

A Lei Orgânica atribui ao Banco de Cabo Verde como tarefa fundamental a manutenção da esta-bilidade de preços, sem contudo precisar qual o nível de variação de preços que permite aferir se o desempenho da autoridade está ou não a atingir aquele propósito. Recentemente, vários bancos centrais, mesmo aqueles que não adoptaram como estratégia a meta da inflação, em reconhecimento de que as variações de curto prazo, ou transitórias, da inflação, não devem afectar as decisões de polí-tica monetária, começaram a publicar indicadores da tendência de longo prazo da inflação, ou seja, “core inflation”.

Neste contexto, o objectivo deste trabalho con-sistiu em identificar uma medida de Core Inflation para a economia cabo-verdiana. Para o efeito, usámos dados desagregados do IPC de Janeiro de 1997 a Maio de 2006, caracterizámos a distribuição seccional da variação homóloga do IPC, calculámos dois tipos de medidas de Core Inflation – medidas de exclusão e média aparada – e chegámos à conclusão de que a distribuição seccional da variação homólo-ga do IPC é fortemente leptocúrtica e ligeiramente assimétrica e, portanto, justifica-se a utilização de medidas de exclusão e de médias aparadas.

Para avaliar as suas performances, usámos dois critérios de avaliação da “Core Inflation”: uma medida de tendência de inflação e outra de capa-cidade de previsão futura da inflação. Concluímos, com base nesses dois critérios, que as medidas de média aparada apresentam melhor performance e, portanto, poderão ser adoptadas pela autoridade monetária como uma meta “intermédia” distinta dos valores do IPC. Através delas será possível avaliar o desempenho do Banco de Cabo Verde no âmbito da sua atribuição de manutenção da estabi-lidade de preços.

Por último, dadas as propriedades da distri-buição seccional do IPC e o facto dos indicadores de média aparada subestimarem ligeiramente a trajectória da inflação, por razões que se prendem com a dimensão da série, muito curta para eximir os efeitos de curto prazo sobre a tendência futura dos preços, estes resultados devem ser interpreta-dos com cautela, sugerindo passos de investigação futura, utilizando outras metodologias e medidas de “core inflation”.

6. Conclusões

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 35

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 35

Estatísticas das componentes do IPC

Componentes Média Desvio-padrão Mínimo Máximo

Bens e Serviços Adquiridos

Alimentares e Bebidas 0.69 3.89 -7.55 9.96

Alimentares 0.64 4.28 -8.31 11.20

Cereais e derivados 0.01 4.69 -10.96 15.34

Lácteos e ovos 1.13 3.73 -4.61 11.16

Óleos e gorduras -0.34 4.21 -11.60 11.17

Carne 2.17 2.94 -4.04 9.51

Peixe 3.91 15.38 -26.11 45.01

Legumes frescos 0.68 13.31 -24.32 33.38

Legumes secos e em conservas -0.47 9.36 -21.25 21.13

Frutas 3.46 9.97 -16.69 43.67

Açúcar e derivados -0.15 12.19 -23.68 50.93

Alimentares diversos 2.37 3.60 -6.54 12.31

Bebidas 1.18 2.15 -3.06 8.46

Bebidas alcoólicas 3.49 3.08 -2.49 17.19

Bebidas não alcoólicas -1.86 6.03 -20.62 6.08

Outras bebidas -1.33 5.65 -15.81 9.46

Tabacos e cigarros 1.06 4.05 -7.74 8.91

Vestuário e calçado 1.34 5.90 -8.91 12.01

Vestuário 1.21 5.92 -8.95 10.93

Calçado 1.73 6.55 -9.91 14.72

Habitação, Equipamento e Material de Uso Doméstico 4.77 4.60 -1.32 12.94

Energia e água 6.95 7.88 -2.18 19.33

Serviços diversos 0.99 0.60 0.00 2.06

Equipamentos e Material 1.77 1.91 -1.98 5.79

Bens e Serviços Diversos 3.82 4.71 -3.92 21.41

Saúde, Higiene e Cuidados Pessoais 1.77 0.95 -0.63 3.73

Saúde 2.29 2.40 -0.07 10.51

Higiene e cuidados pessoais 1.69 1.19 -0.97 4.09

Ensino, Cultura e Lazer 13.86 25.17 -9.43 71.72

Transportes e telecomunicações 3.88 8.56 -7.97 38.25

Transportes 4.39 9.64 -7.96 42.66

Telecomunicaçôes 1.29 1.89 0.00 6.87

Anexo

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 37

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 37

- Bryan, Michael F.- and Stephen G. Cecchetti -, 1999a. Inflation and the distribution of price changes. es. Review of Economics and Statistics, LXXXI, 188-196.

- Bryan, Michael F.- and Stephen G. Cecchetti, 1994. Measuring core inflation, in N. Gregory Mankiw (ed.) Monetary Policy, Chicago: University of Chicago Press.

- Bryan, Michael F., and Christopher J. Pike, 1991. Median price changes: An alternative approach to measuring current monetary inflation. Federal Reserve Bank of Cleveland Economic Commentary, December.

- Bryan, Michael F., and Stephen G. Cecchetti. 1993. “Measuring Core Inflation.” NBER Working Paper Nº 4303.

- Cecchetti, Stephen G. 1996. “Measuring Short-Run Inflation for Central Bankers.” Paper prepared for Economic Policy Conference, Federal Reserve Bank of St. Louis (October).

- Cecchetti, Stephen G., 1997. Measuring short-run inflation for central bankers, Federal Reserve Bank of St. Louis Review, 79, 143-155.

- Coimbra C., Neves P.D., 1997, “Trend inflation indicators”, Banco de Portugal, Economic Bulletin, March;

- Jonathan Kearns, The Distribution and Measurement of Inflation-Reserve Bank of Australia- Research Discussion paper 9810, 1999

- Juan Luis Vega e Mark A. Wynne, “An Evaluation of some measure of core inflation for the euro area”. ECE Working Paper nº 53, April 2001.

- Roger, S.(1997) “Inflation Measures for Monetary Policy: Measuring the Underlying Inflation Trend and its Implication for Monetary Policy implementation”, Bank of Japan, Monetary and Economics Studies.

Bibliografia

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 39

Medidas de Core Inflation para a Economia Cabo-verdiana 39

Resumo......................................................................................................................................................... 5

1. Introdução................................................................................................................................................ 9

2. Medidas de “Core Inflation” .................................................................................................................. 13

3. Distribuição Seccional do IPC............................................................................................................... 17

4. Cálculo das Medidas de “Core Inflation”.............................................................................................. 23

5. Avaliação das Medidas ........................................................................................................................... 29

6. Conclusões.............................................................................................................................................. 33

Anexo: Estatísticas das componentes do IPC ........................................................................................... 35

Bibliografia ................................................................................................................................................. 37

Índice