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Mediação: esporte rendimento eesporte da escola

Hugo Lovisolo

Ao longo de três números a revista Movimentopromoveu a discussão do tema Esporte na escola

e esporte de rendimento. Os colegas Bracht, Kunz(2000, 12,) Gaya, Taffarel (2000/2, 13), Stiggere Vaz (2001/1, 14) escreveram artigos cientes deestarem participando da discussão de um temapolêmico, embora sem uma estrutura que per-mitisse a organização da polêmica. Como resul-tado, os artigos não possuem eixos ou questõescomuns e, mesmo, alguns dos artigos apenastangenciam o tema polêmico. Estaríamos, por-tanto, diante de uma polêmica entre aspas, comoescreveu Vaz. O leitor tem a impressão de quecada autor desenvolveu seu tema independente-mente. Creio que o texto de Bracht e o de Gaya,que assumiu um caráter aberto de debate comBracht, juntamente com o de Taffarel, podem serconsiderados como dentro do tema.1 Os demaistextos, embora emitam sinalizações importantessobre pontos específicos, podem se consideradoscomo externos à polêmica. Deixarei por essa ra-zão para o final o comentário de alguns aspectosdesses textos.

Fui convidado pelos editores para "mediar" asposições. Declaro que não sei muito bem o quesignifica, neste caso, mediar e também, que reli-dos os trabalhos a tarefa pareceu-me de fato bas-tante difícil. Tive vontade de renunciar ao amá-vel convite, mas fiquei empenhado pelo compro-misso com a palavra dada.

Mediar significa estar no meio, com os artifíciostécnicos que realizam a comunicação mediada.Conceitos e construções de pensamento funcio-nam como mediadores entre teorizações ou des-crições de níveis do real. Mediar também signifi-

ca realizar operações simbólicas para que conhe-cimentos ou saberes de um campo se transfor-mem em produtos ou processos inovadores deintervenção ou sejam levados como crenças ouorientações para a ação do não especialista. Porúltimo, mediar significa tentar levar opositoresou antagonistas a algum tipo de acordo, como namediação dos conflitos ou processos jurídicos.Acredito que seja este último significado o queorientou o pedido dos editores da RevistaMovimento. Suponho que eles pretendem con-tribuir com acordos para a ação e penso que essesacordos estão presentes nos autores do temapolêmico. Contudo, além ou aquém deles, apre-sentam variações significativas que, comfreqüência, os levam do tratamento do tema parao confronto ou debate intelectual. E um lugarcomum afirmar que os intelectuais tendem a dis-tinguir-se e, eventualmente, a formar "igrejinhas"lideradas por figuras que tenham carisma de idéiase por vezes de personalidade. Clérigos e intelec-tuais, como foi repetidamente salientado, têmmuito em comum. Diferem do experto ou doespecialista, pois este geralmente está preocupa-do por satisfazer a demanda sem interrogar-sesobre a justiça, sobre o valor dos objetivos paraos quais deve inventar os meios de realização.

Diante das semelhanças e das diferenças, eu, ocomentarista, sou levado pela tentação de doiserros opostos: remarcar as diferenças ou enfatizaras semelhanças. Creio que os autores sentir-se-iam pouco confortáveis tanto num caso como nooutro. No primeiro caso me acusariam deenfatizar a divergência dos argumentos, esque-cendo seus pontos comuns; no segundo, diriam

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que estou esquecendo as singularidades de seusargumentos resgatando apenas os pressupostospartilhados. Como minha tarefa é de mediaçãonão realizarei citações de textos fora do debate,nem dos meus próprios. Apenas conversarei comos autores.

Uma mediação equânime significaria um distan-ciamento absoluto que permitisse mapear as se-melhanças conservando as diferenças. Não creioser capaz de manter distanciamento tão angélico.Pessoalmente, identifico-me com aqueles que pen-sam e sentem-se dentro da cidade e não com osque o fazem como se estivessem no topo da mon-tanha que a domina. Nas ruas da cidadepodemos conversar para entender o que

acontece. No topo damontanha somos do-minados pela vontade defazermos as leis e temosboas possibilidades desofrer do complexo deMoisés. Minha mediaçãoserá portanto uma conver-sa imaginária. Porém,apenas poderei mediar apartir do endereço queocupo na cidade e não denenhum lugar especialsendo, portanto, mais um

dos tantos que contribuem para que a cidadecaminhe no sentido da ordenação. Então, falareidas posições dos autores a partir de minha própriaposição que é favorável ao esforço de estabeleceracordos no campo da intervenção. Sem acordosnão há eficácia simbólica e, sem ela, não há açãoeficaz. Todavia, é importante que seja dito queminha posição foi (re) trabalhada a partir dasposições dos participantes do tema polêmico. Soudos que opinam que no debate ou na polêmicaelaboramos permanentemente nossa posição apartir do entendimento das dos outros. Se aintenção fosse apenas conservar a própria posiçãosem, minimamente,

aperfeiçoá-la, significaria que o debate foi estéril.Como orientador observo e até pergunto a meusorientandos sobre suas mudanças no processo depesquisa. Considero que a mudança de orientadore orientando é um dos eixos no diálogo do proces-so de pesquisa.

Creio que Bracht faz no seu texto dois movimen-tos: um de demarcação, e o segundo de aproxi-mação. Creio que o objetivo do primeiro movi-mento é o de conservar o público interno, as ade-sões já conquistadas, para a sociologia crítica daeducação e do esporte. Bracht produz sua demar-cação a partir de três axiomas que podem ser con-traditórios: o primeiro é o do abandono da escolapelo projeto neoliberal,2 o segundo é o do papelconservador da escola e o terceiro a contribuiçãodesse papel do esporte na escola. Creio que asociologia crítica de Bracht quando usada comfunção demarcatória parece remeter aoessencialismo que ele tanto critica: escola e es-porte seriam essencialmente conservadores.Bracht deveria levar a sério as contribuições deStigger sobre a heterogeneidade das práticas es-portivas, as de Vaz sobre as interpretações do es-porte que não se situam na perspectiva da socio-logia crítica e as de Taffarel, no sentido de que oesporte não têm nada essencialmente bom oumau. Em outros termos, para Bracht continuarvalidando a funcionalidade do esporte para a re-produção deveria discutir com os autores que lheatribuem aspectos positivos nem sempre funcio-nais, no sentido da acomodação ou adequaçãoreprodutora. Creio que o texto de Taffarel é atra-vessado pelo reconhecimento dos efeitos contrá-rios e contraditórios do esporte rendimento e suaimpossibilidade, ética e prática, de ser posto nocontexto escolar, do modo que ele é.

Contudo, depois de demarcar, Bracht assume avontade de aproximação mediante a eliminaçãode mal-entendidos. Incita-nos pelo bom caminhono sentido de estarmos cientes das finalidades ouvalores da intervenção no campo do esporte e danecessária subordinação dos processos técnicos aosmesmos, mediante a crítica da suposta auto-evi-

Trata-se de

argumentar, de

negociar, de conciliar

para podermos viver

juntos. Contudo, isto

não significa que a

crítica desapareça.

Creio que ê nesse

contexto que ela pode

ganhar seu

verdadeiro papel

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dência da razão instrumental, e continuarelativizando, com muito bom senso, as posiçõesextremas. Creio que trabalha na direção da pru-dência, pelo caminho do meio, para escaparmosde erros inversos e, neste sentido, eu o acompa-nho, embora a tarefa talvez seja mais difícil do queagir dogmaticamente. Creio que todos os partici-pantes do debate estão em princípio de acordo:devemos tratá-lo pedagógicamente, tanto quantodevemos fazer isso com as matemáticas. Significaque temos que dar ao esporte da escola um senti-do diferente daquele que possui o esporte rendi-mento e que não devemos nem podemos subordi-narmos inconscientemente à técnica pelo seu valor.Entretanto, não podemos cometer o equívoco in-verso de idealizar o lúdico nem abandonar o mo-vimento pela reflexão.3

Gaya vai contra a aceitação de um ponto de vistadominante, no caso a sociologia crítica de Bracht,e reivindica a validade dos diferentes níveis de lei-tura e diferentes leituras do fenômeno esportivo.Em segundo lugar, argumenta sobre o caráterformativo e educativo do esporte de excelência, talqual uma escola da vida. Gaya pretende conven-cer-nos sobre o valor formativo do esporte e isso oleva à defesa de uma essência positiva. Em segun-do lugar, creio que perde de vista que o esporterendimento se define na relação constitutiva entreesportistas e público, por isso igualamos esporterendimento com esporte espetáculo. A fisiologíado esporte não diz nada sobre o esporte rendimen-to, enquanto relação entre atletas e público, elaapenas nos fala do organismo submetido a esfor-ços, por isso é um capítulo da fisiología do esforçoe, mais para trás no tempo, da denominada fisio-logía do trabalho. A química das tintas usadas pelopintor para fazer o quadro tem pouca ou nenhu-ma pertinência para falarmos da relação da obracom seu público. Creio que Gaya complica inutil-mente o debate quando introduz discussões deessência, mais ainda, abandona seu próprio con-selho para sermos prudentes. A essência é um con-senso, propriedade específica do objeto porquedizemos que ela assim é, que muda em função de

nossas mudanças no tratamento do objeto. Con-cordo, entretanto, sobre a possibilidade defendidapor Gaya de que sob certas circunstâncias o esportede excelência, possa ser educativo, mas essa não ésua essência! Creio que avançaremos se aceitamosque o esporte rendimento é uma realidadecontraditória e que com ela devemos lidar educati-vamente. Prefiro adotar uma perspectiva pragmá-tica, entro no debate como creio que o fazemStigger e Vaz, com aintenção de construir evalorizar acordos queorientem a ação Assim,creio que o objetivoprincipal deva ser o deestabelecer acordos para aação. Kunz, em par-ticular, defende o valor dasensibilidade, da percepçãoe da intuição no agir esportivo como componentedesse acordo.4 Procurarei manter-me dentro destapossibilidade do debate. Entendo que estamosdiante de problemas e que devemos estabeleceracordos para enfrentá-los. Trata-se de argumentar,de negociar, de conciliar para podermos viverjuntos. Contudo, isto não significa que a críticadesapareça. Creio que é nesse contexto que elapode ganhar seu verdadeiro papel.

Creio que faz-se necessário esclarecer que vejo oconjunto dos autores como progressistas, críticos,de esquerda, radicais ou como queiram ser deno-minados. Compartilham a crítica do esporte e dasociedade, o que não significa que sejam contra oesporte e a sociedade, e todos pretendem gerar al-gum tipo de mudança que aproxime o esporte realdo ideal e procuram o mesmo movimento, do realpara o ideal, em suas considerações sobre a socie-dade. Contrapõem-se, em bloco, àqueles que ad-miram o esporte como ele é e gostariam que a es-cola difundisse suas práticas tecnicamente orien-tadas para obtenção de resultados, despertasse vo-cações e se possível detectasse e encaminhasse ta-

Creio que faz-se

necessário esclarecer

que vejo o conjunto

dos autores como

progressistas, críticos,

de esquerda, radicais

ou como queiram ser

denominados

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lentos para o esporte rendimento ou espetáculo.Rejeitam, portanto, trabalhar para promover ohorizonte do esporte negócio, do esporte espetáculoou rendimento. O fato de que não sejam contra,como afirma Bracht, e ao mesmo tempo que se-jam críticos do esporte, provoca uma tensão emseus discursos que, às vezes, pode levar a posiçõesque outros decodificam como contra o esporte.(Diria que grande parte das contraposições entre

Bracht e Gaya sãodesse tipo).

Com diversos arranjosargumentativos

rejeitam as demandas doesporte rendimento ecolocam outros objetivospara o esporte da escola.A partir dessa rejeiçãopodemos perfilar umamesa de acordo.Basicamente, tratar-se-ia,então, de situar o esportedentro do processo de for-mação educacional,do bildung ou pai-déiaimaginada comonecessária, justa, bela e/ou

verdadeira. Creio que deveríamos partir desteacordo, embora de alta formalidade. Neste senti-do, importa menos aquilo que o esporte rendi-mento é na sociedade e muito mais — como sa-lientou Taffarel em seu artigo, seguindo a opi-nião de Parlebas — o que fazemos com ele noprocesso educacional. Sartre dizia alguma coisasemelhante: é menos importante aquilo que nosfizeram que aquilo que fazemos com o que fize-ram de nós. Caso contrário, se importasse mais oque fizeram estaríamos renunciando a nossa pró-pria intervenção no mundo. Este critério geral seaplica às ciências, à artes, às tecnologias, enfim, atudo aquilo que por ser cultura a educação deveincorporar. Nenhuma dessas "incorporações"deve ser realizada como mera cópia dos univer-

sos simbólicos e práticos de cada campo de pro-dução cultural.

Há três pontos que devo considerar inicialmentepara eliminar malentendidos. Primeiro: conside-ro que a competição que se expressa em ganhar eperder é a alma do esporte. A competição, comoalguma vez explicou Lévi-Straus, é o contráriodo ritual. A competição desiguala os iguais, o ri-tual iguala os desiguais.5 A desigualação geradapela competição é sancionada pela distribuiçãode bens simbólicos ou materiais (moeda ou espé-cie). Não consigo imaginar como realizar um es-porte que não seja competitivo e desigualador.Podemos imaginar uma estrutura competitivacuja desigualação seja sancionada apenas pela dis-tribuição de bens simbólicos. De fato, acreditoque essa seja a característica que define o esporteamador. O menor bem simbólico é a satisfaçãoindividual ou grupai em ter participado do jogocompetitivo, o maior talvez seja a medalha Olím-pica. Participar do jogo é importante em si mes-mo, significa dizer, eu estive lá, fui parte da his-tória. Creio que este é um tópico que geramalentendidos entre os educadores físicos. Te-mos que reconhecer que olhamos com admira-ção para o atleta que participou de uma Olimpí-ada, embora tenha chegado por último. O pró-prio fato de estar lá faz uma tremenda diferença,talvez não tenha sido o melhor, mas certamenteera muito bom. Resumindo, proponho que fale-mos de esportista para nos referirmos à figuraque participa ou está motivada para participar doesporte competitivo. Segundo: considero im-portante não perder de vista as atitudes dos atoresesportivos. E freqüente que os esportistas entremem competições sabendo que não poderão ga-nhar. Podem participar para acumular experiên-cia, para superar seus próprios desempenhos an-teriores ou para chegar a alguma etapa da seleçãoou desigualação competitiva entre outros moti-vos. Os esportistas re-significam sua própria par-ticipação, estabelecendo objetivos e finalidadespróprias, sob o pano de fundo da regra da com-petição. Os esportistas desenvolvem argumentos

A competição,segundo Lévi-Straus,

é o contrário doritual. A competição

desiguala os iguais, oritual iguala os

desiguais.5 Adesigualação gerada

pela competição ésancionada pela

distribuição de benssimbólicos ou

materiais (moeda ouespécie)

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que os "protegem" da perda da competição, (en-quanto escrevo os flamenguistas celebram o jogoque lhes permite continuar na Primeira Divisão,embora entre os últimos classificados). Se nãoestamos dispostos a desenvolver esses argumen-tos, e entre eles os que permitem derivar "gan-hos" da derrota, não poderemos estar no esporte.Nesse caso, eu sugeriria que nos dedicássemos adesenvolver rituais ao invés de competições e, seassim fosse, creio que a religião seria o camponatural de igualação ritual e que fracassaríamosse tentássemos dar essa função ao esporte. Ter-ceiro: o fato de fazermos atividade física, de de-senvolver nosso condicionamento físico não sig-nifica que sejamos esportistas no sentido estrito.Assim, posso imaginar atividade física escolargeradora de condicionamento sem competição.Durante meus anos da Escola Normal nas aulasde Educação Física fazíamos ginástica e dançasfolclóricas. Não tínhamos competição esportivanem iniciação esportiva, talvez por falta de con-dições. Quarto: o fato que se trabalhe pela inclu-são nas atividades físicas ou esportivas escolaresnão significa que todos queiram incluir-se damesma maneira, participar com a mesma inten-sidade e, mesmo, podem existir aqueles que nãodesejam ser incluídos. A possibilidade não podeser confundida com sua realização.

Creio, portanto, que se há atividade esportiva naescola algum grau de competição terá que estarpresente. Contudo, a existência de algum grau decompetição não implica que a mesma seja oobjetivo principal da atividade esportiva na es-cola. Assim, o esporte deveria estar articulado,estruturado no projeto da escola. Não comoatividade agregada, como elemento de uma soma,porém como dimensão e parte de um todo vivo eem movimento.

Emergem assim três questões que deveriam tersido eixos explícitos do debate para gerar as res-postas dos participantes: a) quais as finalidades(valores e objetivos) dos esporte da escola, b) quaisos meios de ensino-aprendizagem não contradi-

torios com essas finalidades e c) como se articu-lam as ações do esporte da escola com o conjun-to de suas finalidades e meios. Importa destacarque, se um dos objetivos da educação é o desen-volvimento da "autonomia moral e cognitiva",por exemplo, não poderíamos agir com proces-sos de ensino-aprendizagem que reforcem a"heteronomia". Creio que todos os participantesconcordam com essa posição que, em outra lin-guagem, é um dos eixos da intervenção de Kunz.

É necessário ainda estabelecer outro tópico deacordo. A educação tem uma semelhança pro-funda com a história. Sabemos vivencialmenteque a história é diferente, que muda, porém tam-bém que estamos na mesma história. A história étensão entre a continuidade e a mudança queformam seus fios entremeados, e cuja sua distin-ção é uma tarefa complexa e difícil que perseguehistoriadores e analistassociais. Ambas, conti-nuidade e mudança,resultam das lutas dosatores sociais (indivíduos,classes, elites ou gruposem função da teoria dahistória posta emação por quem construiu anarrativa) dependendo dasconfigurações, do estado edinâmica dos campos, das conjunturas ou daconsciência possível. A educação será portantoum misto de conservação e transformação. Elajamais poderá ser absolutamente nova ouabsolutamente conservadora. A ansiedade pelo"absoluto" forma parte da vontade totalitária.Não podemos compactuar com o totalitarismoem nenhum campo, menos ainda com oabsolutismo educacional, uma de suas variantes.

A proporção na formação do bolo educacionalde conservação e mudança é um poderoso crité-rio para organizarmos o entendimento de seus

O menor bemsimbólico é asatisfação individualou grupal em terparticipado do jogocompetitivo, o maiortalvez seja a medalhaOlímpica

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projetos ou propostas. Em sociedades plurais mo-dernas, é mais ou menos evidente que os projetoseducacionais devem apresentar diferenças de "per-sonalidades" (identidades culturais e procuras deconstrução pessoais) para atender as demandasdiferenciadas, embora por vezes de perfis difusos

ou pouco explícitos.Contudo, essas diferençasde personalidades nãopodem renunciar àpersonalidade comum ouà formação do cidadão.Surge nova complexidade,porque o projeto de cadaescola deve tantoresponder às exigências doidealda sociedade global,expresso, por exemplo, na

formação do cidadão, como das particularidadesdemandadas pelas diferenças que compõem asociedade plural.

Creio que ao longo dos últimos cento e cinqüentaanos ocorreram várias coisas importantes com oesporte de rendimento ou esporte espetáculo. Aprimeira e fundamental é que o gosto pelo es-porte rendimento se expandiu por diferentes clas-ses e culturas. Algumas de suas variações, comofutebol, chegaram a contar com bilhões de apre-ciadores. Houve um considerável investimento,material e simbólico, para construirmos o nossogosto pelo esporte, e o jornalismo jogou um pa-pel de primordial importância nessa construçãoque incidiu sobre o crescimento e importânciado próprio jornalismo. Gostamos de esportes par-ticulares (prática ou espetáculo) porque que elesnos divertem, nos emocionam, enfim, em mi-nhas palavras, nos tiram do tédio muito mais doque ajudam a evadir-nos da realidade.6 En-tremeada com a construção do gosto, formou-seum significativo campo de negócios esportivos eum campo não menos significativo de constru-ções identitárias de distinção e participação (declasse, de estamento, locais, nacionais, etc). Sem

gosto e emoção não teríamos um mundo de ne-gócios. Creio também que sem identidades nãoteríamos os níveis de emoção que temos. De fato,ter uma identidade é participar de um mundosimbólico e social e, sobretudo, de afetosidentificadores. Duas observações apoiam essaconsideração: raramente torcemos sozinhos, pre-ferimos torcer juntos e desconfiamos daquele quegosta do esporte sem torcer por algum dos ad-versários. Será que ele gosta mesmo? Por último,o esporte tornou-se um mercado de emprego epassou a ser visto como uma das escadas possí-veis de mobilidade social.

Crianças e jovens das camadas populares sonhamem serem esportistas. Como outros sonham emserem médicos, advogados, artistas ou, mesmo,donos de supermercados, como Manolo, o fa-moso "amiguito" da Mafalda. Sonham em fazero que gostam, em ganhar dinheiro ou em seremreconhecidos. Os adultos repetem em coro querealizar esses sonhos não é fácil e que ainda émuito mais difícil sem escola. Assim, todos espe-ramos que a educação faça alguma coisa pela re-alização dos sonhos. Admiramos as pessoas querealizam seus sonhos, gostaríamos de ser comoelas, gostaríamos de ocupar o lugar delas. Depoisde tudo, Pelé é rico, reconhecido e fez aquilo quegostou, jogar futebol, de forma impecável. (O"sonhar" é uma figura fortemente presente emPaulo Freire, não há mudança sem haver sonha-do e criar sonhos em conjunto é tremendamenteimportante).

Gosto, acumulação e reconhecimento sãoorientadores tremendamente forte da conduta.Com ênfases variadas, entendemos que a realiza-ção passa por misturas dessas dimensões. O es-porte espetáculo tornou-se um campo respeitadoe desejado de realização dos sonhos de cons-trução dos "eus", ao lado dos negócios, da políti-ca, das ciências e das artes, entre outros.7

Eu diria, Bracht, que você pode propor o esporteda escola com os valores e modalidades que vocêquiser, entretanto, se ele for chato, se não emoci-

A educação tem uma

semelhança profunda

com a história.

Sabemos

vivencialmente que a

história é diferente,

que muda, porém

também que estamos

na mesma história

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onar, se não for uma atividade antitédio e se nãose situar no horizonte dos sonhos dos pratican-tes, você terá pouquíssimos alunos em qualquersistema que valorize a liberdade de escolha dasatividades escolares. Se a atividade proposta é umtédio e se não se cruza com os sonhos apenas arepressão fará que os estudantes participem. Se aparticipação é determinada pela obrigaçãonormativa podemos obter como resposta a pre-sença ausente, participação muito pequena, com"p" minúsculo. Estou dizendo então que o es-porte lida com o estético, com gostos e emoções,do corpo e da performance esportiva, e que nãopodemos esquecer essa dimensão, talvez hoje aprincipal.

Concordo, no entanto, com Bracht nas rejeiçõeséticas e parciais que realiza. Veja-se os exemplosde seu artigo, da "malandragem" que burla ouusa a regra a seu favor e das "crenças tontas" comopensar que Deus nos ajudou no jogo. Creio que aeducação deve ter um tom kantiano, presente nosautores que Bracht menciona no campo da ética.E nossa obrigação salientar que a "malan-dragem" é uma crença, de difícil justificação, eque se empenha contra a qualidade do jogo. Omalandro esquece que os outros também podemser malandros. Num mundo de malandros nãopoderíamos confiar em ninguém. Como vivernesse mundo, sem confiança ontológica, comodiria Giddens? Um mundo de malandros pare-ceria ser uma variante do mundo hobbesiano, daguerra de todos contra todos. Esse mundo de-manda um poder de hetero-controle forte, quaseabsoluto. O mundo dos malandros solicita umditador. O que agradece a Deus por haver venci-do (Marcelino no exemplo de Bracht), tem umaação bem diferente de agradecer a Deus porqueninguém se contundiu, tem uma idéia de Deusbem utilitarista e individualista. Não creio queDeus concorde com ele. E se concorda, então,nossos deuses são diferentes. O meu não é nem afavor nem contra o Flamengo ou o Palmeiras.Pode até assistir e gostar do jogo, mas deixa quenossa habilidade defina o placar e olha com mui-

ta ternura para os que perderam o jogo. Gaya,pela sua vez, poderia contar histórias deautosuperação, de solidariedade, de compa-nheirismo e de altruísmo no esporte. Ambos,poderiam passar a vida colhendo exemplos a fa-vor ou contra o esporte. Eu insisto juntamentecom Taffarel, é o que fazemos com ele e não oque ele é. Temos então que realizar nossos "pas-ses" éticos; mas, isso, em toda a escola e de formacontextualizada em cada atividade ou disciplina.Sob o ponto de vista ético, esporte, matemáticas,história ou português, entre outras disciplinas ouatividades, não são diferentes. Devemos promo-ver na formação doprofessor a competênciafilosófica e ética. Seapenas uma minoria podelidar com asconsiderações de Appel eoutros, será muito difíciltransformar a reflexãoética em componente doprocesso educacional.Preocupa-me, em relaçãoao contexto da formaçãodos educadores físicos, opeso desproporcional queassume o conhecimentoaplicado ou útil. Preocu-pa-me que a notícia dominante seja a últimareceita para desenvolver os músculos e o des-prezo pelas aquisições do passado. Preocupa-mea moda construída sem fundamentos teóricossólidos e empíricos válidos. Creio que todos osque participaram da "polêmica" partilham dessaspreocupações.

Kunz concentra o olhar, a partir de seu referencialfenomenológico, para o valor da autonomia daaprendizagem dos esportes. O esporte é para Kunzum bom lugar para os estudantes desenvolveremsua capacidade de agir , de fazer, de sentir, depraticar, de acertar e também, eu diria, de errar.

Gostamos deesportes particulares(prática ouespetáculo) porqueque eles nosdivertem, nosemocionam, enfim,em minhas palavras,nos tiram do tédiomuito mais do queajudam a evadir-nosda realidade

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Valoriza os modos ativos e autônomos de apre-ender em detrimento dos comandos externos edas instruções detalhadas que poderiam reduziras capacidades de perceber e se movimentar. Par-tilho com Kunz a resistência à heteronomia noprocesso de ensino aprendizagem e sua valoriza-ção do fazer, do sentir, do agir.8 Creio, tambémque Kunz e eu concordamos num ponto: seestamos com um problema temos que conversarsobre ele. Creio que na polifonia das vozes pode-mos encontrar a inovação, ainda quando se tratede coisas técnicas como o treinamento. Por essarazão escrevi com Yara Lacerda sobre Phil Jackson,para chamarmos a atenção sobre o lugar que, emum time várias vezes campeão de basquetebol,ocupavam valores como compaixão e meditação:o lugar da espiritualidade.9 Estamos de acordo, oesporte não é, nem deveria ser, somente técnica evontade de vencer. E também lugar de reconhe-cer que quando perdemos aprendemos e cresce-mos se conversarmos, se formos compassivos, setivermos piedade de nós e dos outros. Creio queneste ponto também concordam os outros auto-res e, especialmente, Gaya.

A vontade de demarcação de Bracht ficaclara em dois aspectos que aparecem com desta-que em outros dois autores da polêmica: Stiggere Vaz. O primeiro, combate a sociologia crítica apartir da homogeneidade que a mesma realiza doesporte. Para Stigger, o esporte seria um campoheterogêneo de finalidades ou intencionalidadese também de relações sociais. Propõe um olharmais antropológico que compreendendo aespecificidade de diversos casos leve para umenriquecimento conceituai que permita perceberas diferenças das práticas. Contudo, Stiggerpensa a partir de um material etnográfico muitorico de orientações de adultos, não de crianças ejovens. Porém, creio que também no caso, agir,movimento, diversão, sociabilidade, prazer deestar juntos entre outras orientações têm sig-nificativo peso.

Vaz, por seu lado, apresenta um campo teórico

cindido, onde a sociologia crítica não apenas per-de espaço para outras visões, como a de DaMattae Elias, por exemplo, que reconhecem apositividade dos esportes (educação política eautocontrole, entre outros valores), como tam-bém não consegue explicar o fato das técnicas detreinamento terem sido supervalorizadas no so-cialismo real. Nos autores tratados por Vaz, a in-terpretação cai para o lado da "civilização" emlugar da "repressão" ou "reprodução".

Ambos, Stigger e Vaz, procuram apresentar osargumentos contrapostos e relacioná-los comdescrições empíricas e narrativas sobre o esporte.Diria para Stigger que nos casos que ele analisasempre há a procura da diversão, da emoção, depassar um bom momento, enfim, de situar-se nomundo oposto ao do tédio. Também é certo quequando os atores tomam uma decisão, tem umaforte tendência a gerar argumentos que reforcema mesma. Assim, se comecei a jogar futebol por-que me diverte posso, sem muito esforço, encon-trar que ele promove a amizade, a sociabilidade,a ajuda mútua, a saúde, o antiestresse e tantasoutras funcionalidades ou valores que, rapida-mente, podem ser vistas como intencionalidadeou finalidades.

Com Vaz caminhamos muito próximos, ambostemos tentado conciliar. Isto significa que talvezestejamos lutando pela prudência, pela tempe-rança dos extremos, pelo encontro de alternati-vas. Estamos lutando muito mais por acordossobre a boa vida que por uma definição da ver-dade. Concordamos, creio que todos, que a boavida não pode ser tal se a maioria está fora dela.A hiper valorização da técnica, contudo, não nospode levar a uma hiper valorização romântica dadestecnificação; a hiper valorização da ciência nãodeve fazer que nossa reação seja uma hiper valo-rização do mito, pois, no fundo, a primeira hipervalorização significa o mito da ciência. Assim, areação seria autocontraditória, ataca o mito comoutro mito. Pretendemos, mais modestamente,embora seja uma tarefa difícil, apenas colocar a

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ciência no seu lugar.10 Temos que mediar e en-contrar algum equilíbrio. Creio que no fundo nãoqueremos ficar apontando com o dedo e dizen-do: vejam o que fizeram com o mundo, vejam ocom fizeram conosco, vejam o que me fizeram!Creio que nos situamos como dançarinos a beirado abismo e dizemos, talvez como Sartre, o queimporta é aquilo que faremos com o que nos fi-zeram! Penso tudo isso, insisto, andando pela ci-dade e não a partir da montanha!

As ciências, as artes, os esportes não podem estarfora da escola. Como não podem ficar fora daescola tarefas importantes como cuidar da natu-reza, da cidade, do lar, das crianças, dos fracos,dos doentes e dos velhos. Defendo, por isso, queos bolsistas da pós-graduação tenham a obriga-ção de devolver à sociedade o que esta faz poreles, cuidando dos aspectos acima mencionados,como prática de idéias. Concordo com Bracht nosentido de que devemos no esporte escolardesenvolver a reflexão ética e com Sigger e Vazem que podemos reforçar os valores positivos doesporte ao mesmo tempo que criticamos os ne-gativos de forma prática, talvez como diria Gaya.Se fizermos isso, não haverá problemas em orga-nizarmos torneios e mostrarmos com modestoorgulho os nossos troféus. Concordo com Kunz,quando afirma que trata-se de modificar as prá-ticas escolares e de treinamento e irmos na direçãoda apropriação dos processos que reforçam a au-tonomia do fazer. Sua idéia é boa, temos queajudá-lo a aperfeiçoá-la. Este é um dos pontos deacordo possível se melhorarmos seus exemplos ese formos cientes dos efeitos de suas propostas.Estou tentando afirmar que temos que gerar aprática de idéias e formas de conversação que nospermitam agregar acordos para a ação.

Notas

1 Suponho que o leitor já leu os textos dos

participantes do tema polêmico. Se não fez isso

seria bom que o fizesse antes de continuar. Eu

concordo com muitas das afirmações feitas por

Taffarel. Sua intervenção, entretanto, é realizada

dentro do modelo tradicional do intelectual

leninista do partido. Vai da estrutura para a

conjuntura, da luta de classes para a relação docente

aluno, do modo de produção para a situação

concreta, etc. Fiquei convencido da precariedade

dessa forma de proceder há mais de 20 anos atrás.

Lembro do Rio Grande do Norte quando um

técnico marxista explicava ao camponês como a

exploração imperialista, capitalista e a luta de classe

tinham feito que perdesse sua colheita por falta de

chuva. Semanas mais tarde perguntei ao camponês

em quem tinha votado. Disse-me o nome e o

motivo: votou no candidato que tinha prometido

fazer um açude na sua propriedade. Temos que

enfrentar os problemas aqui e agora e, para isso as

análises tradicionais marxistas se revelaram muito

pouco eficientes. Estamos falando das

possibilidades de ação, não necessariamente da

verdade. De fato, domina no marxismo pensar a

ação a partir da representação ou da teoria

elaborada pela vanguarda intelectual, segundo o

modelo desenvolvido por Lenin no Que fazer.

Taffarel pertence a essa tradição. Segundo Lenin,

o proletariado apenas pode desenvolver "teorias

reformistas", e é tarefa dos intelectuais fazer a

"teoria revolucionária". Creio que Taffarel continua

pensando desse modo, então, apenas mencionarei

alguns acordos que temos de "bom senso".

2 O apelo a uma suposta posição liberal do governo

nas políticas públicas, especialmente em campos

como educação e saúde, é altamente discutível em

termos conceituais e práticos. Assim como há alguns

anos atrás se atribuía todos os males à ditadura,

atualmente o fantasma da vez é o neoliberalismo.

Um mecanismo desta natureza é muito cômodo,

contudo, fecha as possibilidades de pensar e agir.

Creio que isso leva a Bracht a beirar perigosamente

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a autocontradição: se a escola é estratégica para a

reprodução, porque o projeto liberal a abandonaria?

Bracht afirma essas duas proposições ao mesmo

tempo sem maior elaboração.

3 Não estou convencido, como Bracht parece estar,

de que "pedagogizar o esporte tornou-se um

problema para o sistema esportivo, porque coloca

nesta prática elementos que acabam entrando em

confronto com os princípios, com a lógica que

orienta a ações no âmbito esportivo". Creio que

Bracht teria que desenvolver elementos teóricos e

empíricos mais finos para fundamentar essa

afirmação. Há escola privadas que promovem as

escolinhas (pagas por fora) e mantém a educação

física (incluída na mensalidade) por uma razão

muito simples: nem todos os alunos querem

praticar esporte dentro da "técnica" nem aspiram

tornar-se esportistas. Creio que Bracht sofre de

uma forte atração pela demarcação.

4 Creio que o trabalho de Kunz merece uma reflexão

detida que escapa ao escopo da mediação que estou

realizando, tanto em relação aos fundamentos

filosóficos quanto as suas conclusões. O título de

seu trabalho Esporte: uma abordagem com a

fenomenología, implicaria que a fenomenologia é

uma técnica, um instrumento? Não haveria no caso

uma "intelectualização" semelhante àquela que

crítica no treinamento. Contudo, considero que

Kunz está apontando perspectivas de trabalho que,

em princípio, considero atraentes.

5 Então, teríamos em termos de Kunz & sobrepujança

e a comparação objetiva. Observo que o atleta pode

sobrepujar a seus concorrentes sem, no entanto,

destacar-se na comparação objetiva. A comparação

objetiva parece apenas operar quando temos

relógios e fitas métricas, é de muito difícil realização

nos esportes coletivos e artísticos, que exigem júris

de especialistas. Há uma força estética no esporte,

tanto nos corpos como nos movimentos, que

devemos pensar melhor pois se tornam ideais ou

fantasias de identificação. Creio que no campo do

esporte passamos de valorizações éticas para

estéticas. Bracht e Gaya ainda estão dominados

pela percepção da eticidade no esporte. Se o que

principalmente se admira é a performance

esportiva, o desempenho, o virtuosismo do gesto,

não estaríamos diante do esporte como

manifestação de arte popular do mundo "pós-

moderno"? Se for assim, o domínio técnico e a

"genialidade do artista" não seriam elementos

constitutivos? Teríamos, então, que trabalhar as

relações entre ética e estética nos esportes?

6 Observo que o ato de gostar e a formação dos gostos

são temas básicos da estética.

7 Creio que os participantes da polêmica escrevem para

serem reconhecidos e possivelmente porque gostam

da atividade intelectual, de brincar com a

combinatoria que a fundamenta, como diria Pareto.

Talvez apresentem-se como não estando orientados

pela acumulação, contudo, por mais baixos que

sejam os salários universitários estamos todos dentro

do 1 ou 2% da população economicamente ativa

que tem maiores ganhos. Para os que estão dentro

do Brasil brasileiro não é pouca coisa.

8 Tenho algumas dúvidas sobre a possibilidade de

fundamentar via tradição fenomenológica as

propostas de Kunz e, em segundo lugar, creio que

suas conclusões não se derivam claramente de seus

argumentos fenomenológicos. Contudo, não creio

que seja esta a oportunidade de discutir essas

questões pois provocaria um desvio de meus

objetivos de "mediação".

9 Tenho a sensação de que Kunz para apresentar suas

propostas homogeneiza e estereotipa tanto a técnica

quanto a figura do técnico. Parece-me difícil

encontrar técnicos que não valorizem a intuição, a

sensibilidade e a percepção do atleta. Também me

parece difícil encontrar técnicos que não valorizem

o fazer como meio de desenvolvimento do atleta.

Mais ainda, meu relacionamento com os técnicos

me leva a pensar que eles são muito mais práticos

interessados em resultados que intelectuais

preocupados pela racionalização e verdade. Eu os

vejo como membros de uma família dentro da qual

tentam inovar para ganhar.

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Os colegas autores dos textos parecem partilhar

uma tremenda vontade de colocar a técnica no seu

lugar, não de eliminá-la. Não sei se para trabalhar

nessa direção Adorno, por exemplo, muito

utilizado por Vaz, seja um bom companheiro de

rota. Percebo uma quebra entre as opções teóricas

e as vontades do caminho da prudência, da boa

vida e de outras alternativas enunciadas pelos

autores. Contudo, o problema da técnica mereceria

um debate nele focado.

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