mecca chiesa - behaviorismo radical - a filosofia e a ciência

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BEHAVIORISMO RADICAL: A FILOSOFIA E A CIÊNCIA Uma visão totalmente diferente sobre o objeto de estudo da Psicologia. Um dia será reconhecido que esta posição ter surgido sob o rótulo do behaviorismo foi, acima de tudo, um acidente da história. Mecca Chiesa ê Editora Celeiro

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  • BEHAVIORISMO RADICAL: A FILOSOFIA

    E A CINCIA

    Uma viso totalmente diferente sobre o objeto de estudo da Psicologia. Um dia ser reconhecido que esta posio ter surgido sob o rtulo do behaviorismo foi, acima de tudo, um acidente da histria.

    Mecca Chiesa

    EditoraCeleiro

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    w w w .s l id e s h a r e .n e t / j s f e r n a n d e s / d o c u m e n t s

  • BEHAVIORISMO RADICAL: A filosofia

    e a cincia

    Uma viso totalmente diferente sobre o objeto de estudo da Psicologia. Um dia ser reconhecido que esta posio ter surgido sob o rtulo do behaviorismo foi, acima de tudo, um acidente da histria.

    Mecca Chiesa

    Braslia - DF 2006

    ^ 1 LIVRARIA DO PSICLOGO W J E EDUCADOR LTDA.

    LIVROS 6 T6ST6S

    Rv. Contorno, 1390 floresto CP: 30110-008 - Belo Horizonte - MGsite: aiaju.livroriodopsicolo9o.com.br

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  • BEHAVIORISMO RADICAL:

    A Filosofia e

    A Cincia

    Mecca Chiesa

    Traduo de Carlos Eduardo Cameschi

    Professor-Doutor do Instituto de Psicologia da Universidade de Braslia

  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    Prefcio

    Os estudantes de psicologia observam sistematicamente a falta de unidade da disciplina. A psicologia parece uma coleo catica e heterognea de idias, prticas e sistemas tericos explicativos concorrentes. Reunir a psicologia em um quadro que permita avaliar suas abordagens e sistemas uma tarefa que intimida. Um tema nico, entretanto, atravessa a psicologia e a formao dos estudantes - uma nfase no mtodo experimental como modo de formular questes e fazer afirmaes sobre as pessoas e seus comportamentos. Os psiclogos sustentam que suas afirmaes so derivadas cientificamente e, desse modo, so confiveis.

    Como outros estudantes de psicologia, fui treinada na graduao de acordo com os conceitos e mtodos do teste de hipteses e anlise estatstica dos dados. E, na mesma condio, participei como sujeito em alguns experimentos que formavam parte de nosso treino em mtodos de pesquisa. Alguma coisa me incomodava acerca desses mtodos e das afirmaes que solicitavam que fizssemos. Quando ramos instrudos, com base em um teste de signifi- cncia, a afirmar, O acontecimento X afeta o comportamento deste modo, eu protestava que as medidas para alguns dos sujeitos do grupo (incluindo, com freqncia, as minhas prprias medidas) contradiziam esta afirmao. Como poderia sustentar que havia demonstrado um fato cientfico, se podia ver nos dados a meu respeito que este no era o caso, isto , que simplesmente no se aplicava a alguns dos indivduos envolvidos no experimento? Desde que ningum mais parecia perturbado, considerei no ter compreendido algum aspecto crucial do mtodo que era ensinado e tentei fortemente ignorar minhas reservas sobre o status cientfico das afirmaes psicolgicas.

    Consultar as avaliaes e crticas aos mtodos de pesquisa em psicologia no ajudou muito. Estas estavam mais preocupadas em minar a abordagem cientfica, com argumentos, por exemplo, de que a cincia no um mtodo apropriado para o entendimento da conduta humana. H muitas tentativas para desenvolver alternativas abordagem cientfica, mas essas tentativas parecem somente adicionar mais uma srie de confuses nos discursos e multiplicar ainda mais os sistemas explicativos.

    A originalidade da filosofia denominada de behaviorismo radical ofereceu uma alternativa cientfica aos mtodos que dominam os textos e artigos psicolgicos. Sua crtica aos conceitos e mtodos e seu exame das prticas da psicologia ajudaram a dar voz ao meu desconforto, oferecendo- me uma direo para abordar algumas das questes cientficas mais fun

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  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    damentais. Em vez de aborrecer-me em verificar se h sujeitos suficientes em um grupo ou se estes foram designados aleatoriamente, chamou minha ateno para os problemas subjacentes ao tratamento estatstico da conduta humana, bem como para a lgica e utilidade cientfica do uso de grandes amostras e do delineamento de grupos. Levou-me a questionar a limitao formal do teste de hipteses como um meio de descobrir regularidades. Encorajou-me a olhar os tipos de constructos tericos que os psiclogos usam para explicar o comportamento, a formular questes sobre o status cientfico desses constructos e, desse modo, a examinar concepes tais como a de causa e explicao em cincia. A coerncia do behaviorismo radical como um sistema filosfico e cientfico ajudou a esclarecer muitas de minhas confuses relacionadas com as prticas cientficas em psicologia.

    Este livro minha tentativa de unir e articular a posio do behaviorismo radical acerca das questes relacionadas ao modo como formulamos perguntas sobre o comportamento e como este pode ser explicado dentro de uma estrutura cientfica. Alguns podem discordar de minhas interpretaes, outros podem encontrar aspectos que contribuam e os auxiliem na compreenso do assunto. Acima de tudo, espero que este livro faa por outros estudantes e praticantes da psicologia, o que escrev-lo fez para mim: proporcionar um tema integrativo para avaliar a multiplicidade de abordagens tericas da psicologia atual. Como a prtica da cincia estabelece a ordem no caos do mundo, que o tema da cincia proporcione um meio de estabelecer a ordem no caos da psicologia.

    E um prazer reconhecer as importantes contribuies na produo deste livro. Derek Blackman, da Universidade do Pas de Gales, em Car- diff, iniciou-me no behaviorismo radical, orientando e encorajando meus estudos durante o doutorado e, desde ento, ofereceu generosamente seu tempo para ler e comentar as verses do manuscrito. Sem o seu apoio e entusiasmo sistemticos, seria duvidoso que este projeto fosse finalizado e lhe agradeo sinceramente. Andrew Belsey apresentou-me ao fascnio da filosofia da cincia e vem ajudando a esclarecer os vrios problemas filosficos discutidos neste livro. Marc Richelle, da Universidade de Liege, Blgica, ofereceu comentrios teis e encorajadores para a tese de doutorado de onde este livro derivou-se. Ao longo do livro, a influncia acadmica de B. E Skinner ser evidente. Em acrscimo, os trabalhos acadmicos de Phil Hineline, Vicki Lee, Jack Marr, Murray Sidman e Laurence Smith contriburam substancialmente para minha avaliao dos problemas cientficos e filosficos dentro do behaviorismo radical e da psicologia como um todo. Devo agradecimento adicional a Murray Sidman por seu entu-

  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    siasmo pelo projeto e pela sua edio cuidadosa e paciente. Meus colegas, Sandy Hobbs, da Universidade de Paisley, e Phil Elliott leram e comentaram vrios captulos, e acredito que esses captulos ficaram mais claros por isso. Harry Chiesa ofereceu tempo e ajuda na reviso no texto e Mike Harries, mais ainda, transformou sentenas horrorosamente desajeitadas em Ingls identificvel.

    Um trabalho menor com extratos dos temas deste livro pode ser encontrado na edio especial da American Psychologist dedicada vida e trabalho de B. F. Skinner (Novembro, 1992).

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  • Sobre as Referncias

    Muitos dos artigos de B. F. Skinner esto agora publicados nos trabalhos de reedio. Por exemplo, Cumulative Reco rd: A Selection of Papers (Skinner, 1972) contm artigos que datam at de 1931. Para que o leitor possa localizar o trabalho de Skinner, tanto no contexto histrico como no filosfico, os artigos que se referem ao Cumulative Record recebem tambm suas datas e referncias originais, embora as citaes e numerao das pginas sejam do Cumulative Record. Um exemplo Skinner (1950/1972), que se refere a Are Theories of Learning Necessary? As citaes deste artigo foram tiradas de Cumulative Record e a numerao das pginas se referem a este trabalho. Assim, o leitor pode tambm observar que o artigo foi publicado, originalmente, em 1950 e ser capaz de localizar os argumentos inseridos em seus contextos histricos, relacionados aos debates psicolgicos daquele momento.

    Outros trabalhos, tais como o livro de Ernst Mach The Science of Me- chanics e o Enquiries, de David Hume, trazem as datas de publicao originais pela mesma razo. Nos casos em que um artigo ou outro trabalho est separado por somente poucos anos de sua publicao original, foi considerado desnecessrio informar a data de publicao original.

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    BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a CinciaM

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  • Sumrio

    Captulo 1 Introduo 15A Psicologia e a Cincia 17Behaviorismo Radical: Uma Filosofia da Cincia Diferente 19Erros Repetidos: Behaviorismo, Mecanismo e Dualismo 23

    Captulo 2 Linguagem Comum e Cincia 33Sistemas Conceituais e Linguagem Comum 37

    A linguagem da mente 37A linguagem da aprendizagem 39A linguagem da linguagem 40

    A Gramtica e a Sintaxe da Ao 42Categorias gramaticais 42Agentes das aes 44Superando as armadilhas da linguagem 45

    A Fala Direcional 48

    Captulo 3 Os Objetivos e Mtodos da Cincia 53Os Mtodos da Psicologia Contempornea 54As Hipteses em Cincia 56Induo 60

    Generalizando a partir de instncias especficas 61A suposio de uniformidade contnua 61O problema da induo de teorias 62

    Mudando as Vises Sobre os Objetivos da Cincia 64Primeira fase: teorias etreas 65A segunda fase: um novo critrio epistmico 68

    Os Arqutipos Compartilhados na Psicologia Contempornea 70O Contexto do Comportamento Cientfico 71

  • !Captulo 4 Os Objetivos, os Mtodos e o Indivduo 76Do Indivduo para a Mdia 77A Costura Metodolgica da Psicologia 80

    Rigor e conveno 81Os defeitos no corpo de conhecimentos: Erro Tipo I 83O status do acaso 84

    Relaes Ordenadas e Controle Experimental 85Trabalhando com a individualidade 87Generalizao e o indivduo 88

    Planos Cientficos 89Buscando as fontes de variabilidade 90Problemas bsicos da cincia e problemas de engenharia 91

    Captulo 5 As Concepes de Causa 96A Pessoa se Comportando 97Determinismo e Comportamento Humano 100

    O argumento da individualidade 102O argumento da complexidade 103O argumento da intencionalidade 103

    A Concepo de Causa em Cincia 105A metfora da cadeia 107Descries causais e redes tericas. 108Elos-numa-cadeia e o pensamento mecanicista 110

    A Concepo de Causa no Behaviorismo Radical 110As relaes funcionais de Ernst Mach 111Causao Mltipla 113A seleo como um modelo causal 114

    Alm dos Elos da Cadeia Causal 120

    Captulo 6 Tcnicas de Interpretao e Teorias Explicativas 122Descrio e Relao Funcional: Mach 123Explicao e Teoria: Mach 125Descrio e Relaes Funcionais: Skinner 128Explicao e Teoria: Skinner 130Construindo uma Teoria 131

  • Captulo 7 O Pensamento Mecanicista em Psicologia 138A Fisiologia do Comportamento 140O Modelo Psicodinmico 142Os Modelos Tericos da Memria 145Motivao e Comportamento 150

    Motivao fisiolgica 153Motivao intrnseca 155A linguagem da motivao 158Por que o rato pressiona a barra 160As causas do comportamento 161

    A Fsica do Sculo XIX e a Psicologia do Sculo XX 162

    Captulo 8 O Behaviorismo e o Behaviorismo Radical 164A Introduo ao Behaviorismo 165Ivan P. Pavlov 167

    O comportamento e o sistema nervoso 170A psicologia estmulo-resposta 172

    John B. Watson 173Dispensando o dualismo 176O autoconhecimento e a comunidade verbal 178

    Edward C. Tolman 179A psicologia S-O-R 179O passado e presente da psicologia cognitiva 182A psicologia cognitiva e suas conseqncias 182

    Clark L .H ull 184O Behaviorismo como um Marco Histrico 187

    Captulo 9 Comentrios Finais 189Enfrentando a Crise Global 192Cincia e Comportamento Humano 194

    Referncias 196

  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    Captulo 1

    Introduo

    Profundas mudanas na filosofia da cincia vm ocorrendo desde o final do sculo XIX, quando a fsica entrou em crise devido a comprovaes de que os princpios da fsica newtoniana, supostos at ento como verdades universais, poderiam no ser aplicados a certos tipos de fenmenos fsicos. Os filsofos do Crculo de Viena (Positivistas Lgicos) tentaram desenvolver um programa de definio dos limites da explicao cientfica e eliminao da metafsica de tais explicaes. Mais tarde, tericos como Kuhn (1962) e Lakatos (ver Lakatos & Musgrave, 1970) questionaram as noes populares de verdades ltimas e absolutas em cincia, apontando que, mesmo nos processos de validao do conhecimento cientfico, existe uma medida de arbitrariedade nas tomadas de deciso. Desde Kuhn e Lakatos no mais adequado argumentar que o mundo como porque assim sustenta a cincia e a possibilidade de observao pura (observao independente de teoria, sem basear-se em suposies anteriores) foi, igualmente, excluda da corrente principal de opinies aceitveis (por exemplo, ver Hanson, 1958).

    O desenvolvimento das cincias sociais ajudou a gerar novas crticas e insights na filosofia da cincia. De fato, Thomas Kuhn reconheceu que o seu conceito de paradigma surgiu, em parte, dos enigmas sobre o nmero e extenso das divergncias abertas entre os cientistas sociais sobre a natureza da legitimao dos mtodos e problemas cientficos (Kuhn, 1962, p. viii), quando avaliada em relao coeso relativa dos alicerces filosficos e metodolgicos da cincia natural. Ao final do sculo XX, os filsofos e cientistas continuam a debater as implicaes das novas vises da cincia e das novas vises da natureza dadas pela cincia contempornea. O impacto de tais debates capturado cuidadosamente nas palavras de Steve Woolgar, quando coloca: Uma das caractersticas mais marcantes do pensamento moderno a extenso em que mudaram as idias sobre a cincia (Woolgar, 1988, p. 9).

    Em termos amplos, este contnuo debate baseia-se na mudana da certeza para a incerteza nos redutos da cincia e da filosofia da cincia. Os novos resultados na fsica demonstraram que os princpios antes considerados certos, os princpios da cincia newtoniana que, como se pensava, podiam ser aplicados a todos os fenmenos fsicos, no mais descrevem certos aspectos da natureza. O mundo fsico no parece mais, como antes, ser assim to simples e calculvel. Similarmente, novas crticas na filosofia da cincia e avanos no

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    Captulo 1 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    estudo social da cincia minaram as noes acalentadas de que o trabalho cotidiano dos cientistas prossegue de modo lgico, racional e objetivo. O comportamento dos cientistas e a organizao social da cincia agora so, em si mesmos, assuntos para o debate. A certeza do conhecimento cientfico, que antes caracterizou nosso pensamento sobre a cincia, cedeu lugar, sob o peso de comprovaes cientficas e argumentos filosficos, ao reconhecimento de que o conhecimento cientfico pode ser tanto um produto do comportamento humano, como , de fato, a descrio do mundo l fora.

    Essas novas vises da cincia e da natureza e as implicaes da perda de certeza em cincia e na filosofia da cincia tm sido especialmente consideradas em dcadas passadas recentes. Um conjunto ilustrativo de ttulos, cujos autores variam de jornalistas cientficos a qumicos ganhadores do Prmio Nobel, indica a extenso e profundidade deste novo pensamento: TheTao of Physics (Capra, 1975); Mathematics: The Loss of Certainty (Kline, 1980); The Death of Nature: Women, Ecology, and the Scientific Revolution (Merchant, 1982); The Turning Point: Science, Society and the Rising Culture (Capra, 1983); Order out of Chaos: Mars new dialogue with nature (Prigo- gine and Stengers, 1985); Mathematics and the Search for Knowledge (Kline, 1985); The Cosmic Blueprint (Davies, 1987); Chaos: Making a new Science (Gleick, 1988); A Brief History ofTime (Hawking, 1988); e Does God Play Dice? (Stewart, 1980). Vrios destes ttulos esto publicados em edies-brochura populares, indicando que eles no almejam somente uma audincia acadmica. A revoluo cientfica da primeira parte do sculo XX gerou uma literatura filosfica que desafia nosso pensamento numa extenso que pode ser chamada como revoluo filosfica em seu final.

    Um aspecto da cincia inalterado pela revoluo filosfica o seu prestgio. Os cientistas e seus trabalhos continuam a ser levados em alta considerao, vistos com respeito e, em conseqncia, so subvencionados com suportes financeiros e institucionais numa extenso no alcanada por outras disciplinas. Alm disso, a cincia est associada a idias tais como a de confiabilidade, isto , a noo de que as afirmaes so confiveis porque foram elaboradas com base em provas, e que, portanto, as explicaes dadas pelos cientistas no foram inventadas, mas firmemente derivadas da observao e medida dos fenmenos naturais. E evidente que a cincia distingue-se do mito ou opinio pessoal, e que, quando o cientista faz alegaes sobre o mundo, no o faz com base em seu vis pessoal nem apenas nas suposies acalentadas pela cultura, mas baseando-se em experimentos ou em alguma outra forma de manipulao de dados. Por esta razo, outras disciplinas alm da fsica, qumica, biologia, mecnica, e assim por diante, empenham-se em desenvolver metodologias rigorosas, capazes de demonstrar a confiabilidade das suas afirmaes para, ento, reivindicar o prestgio associado confiabilidade.

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  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia Captulo 1

    A Psicologia e a Cincia

    Na psicologia cientfica, da mesma forma, ocorreram mudanas profundas ao longo do sculo XX. Como uma disciplina cientfica, a psicologia naturalmente est preocupada com o impacto do debate geral na filosofia da cincia como, tambm, com seus prprios debates internos sobre a natureza de seu objeto de estudo e acerca da adequao dos seus mtodos de investigao. Ela est, hoje em dia, muito mais preocupada com questes filosficas do que quando, ao separar-se dos departamentos acadmicos de filosofia, emergiu como um campo independente de indagao. Muitas reas de investigao, que atualmente representam a psicologia, podem ter vestgios na literatura da filosofia e pode-se considerar que elas executam um programa que busca responder velhas questes sobre a natureza das pessoas, dos seus comportamentos, de suas relaes com o mundo das coisas e de outras pessoas, das possibilidades e limites de seus respectivos processos sensrios, de seus potenciais enquanto seres humanos, da relao entre a biologia e a cultura, e assim por diante.

    No existe acordo geral sobre uma definio do termo amplo Psicologia. A disciplina mais bem entendida como compreendendo uma srie de sub- disciplinas, cada uma com suas prprias concepes de pessoa, seus prprios problemas e seus prprios mtodos para atacar esses problemas. Os textos introdutrios que do forma a essa disciplina so normalmente organizados em torno de seis temas principais: biolgico, etolgico, comportamental, cognitivo, psicodinmico e fenomenolgico. Demarcaes ulteriores podem acrescentar: psicologia social, neuropsicologia, psicologia fisiolgica, psicologia do desenvolvimento, inteligncia artificial, aprendizagem e memria, motivao e emoo, psicologia do excepcional e outros.

    Assim como no h uma definio geral aceita da disciplina global, pode tambm no haver acordo em cada subdisciplina sobre a natureza exata de seu objeto ou sobre um conjunto de mtodos apropriados. Pode haver, at mesmo, sobreposio entre duas reas que parecem distintas. Por exemplo, um psiclogo social pode opor-se s investigaes de laboratrio por considerar o prprio laboratrio como um ambiente social, sendo este o nico campo de observao e meio lgico e aceitvel de fazer psicologia social. Metodologicamente, este tipo de psicologia sobrepe-se etologia que, geralmente, entende-se como o estudo de outras espcies em seus prprios ambientes. Similarmente, a psicologia do desenvolvimento contm, pelo menos, duas tendncias distintas: cognio e aprendizagem social. Recentemente, a psicologia do desenvolvimento social/cognitiva comeou a tarefa de unificar essas duas tendncias. A mesma sobreposio e divergncia pode ser encontrada entre muitas outras subdis-

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    rCaptulo 1 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    ciplinas na psicologia contempornea. Falta disciplina geral uma estrutura unificada ou conjunto de princpios que defina o campo e oriente a pesquisa. Alm de suas pesquisas regulares, os psiclogos ainda discutem os fundamentos e debatem acerca da estrutura total da psicologia. Vicki Lee observou que a falta de unidade na psicologia mais fundamental do que uma mera incompatibilidade entre interpretaes de experimentos particulares: Isto tem a ver com o que se considera como o objeto de estudo da psicologia, com quais questes se pode formular sobre esse objeto, com os modos de tratar os resultados ou respostas a estas questes, com o status do conhecimento psicolgico existente e com a possibilidade da psicologia ser uma cincia. Os psiclogos no se entendem em relao a esses temas bsicos (Lee, 1988, pp. 2-3). Cada subdisciplina coleta seus dados usando vrias tcnicas e medidas desses dados, com base em sua prpria estrutura ou teoria geral e pouca generalizao entre os princpios de uma abordagem terica para outra.

    Talvez o nico princpio unificador seja o compromisso com as prticas da cincia (no sentido mais amplo desta palavra). Os psiclogos vem a cincia como meio de resolver questes filosficas, sendo seguro dizer, portanto, que perseguem uma epistemologia emprica. As cincias fsicas demonstraram seus poderes para entender, explicar, predizer e manipular o mundo ao redor e espe- ra-se que seus mtodos se mostrem igualmente poderosos quando aplicados s questes da psicologia humana. Bertrand Russell, entre outros, expressou esta f no poder explicativo superior da cincia, sobre outros mtodos de conhecimento, deduzindo: Eu no tenho dvida, at onde o conhecimento filosfico permite, que atravs desses mtodos (os mtodos da cincia) que essa aplicao deve ser buscada. E tambm no tenho dvidas de que, atravs desses mtodos, muitos problemas antigos sero totalmente resolvidos (Russell, 1946, p. 788).

    Alguns, entretanto, consideram que a psicologia foi muito longe em seu comprometimento com a cincia e que este compromisso obscureceu a natureza real de seu objeto de estudo. Sigmund Kock, por exemplo, argumenta: Desde a emergncia da psicologia como uma cincia independente ela tem se preocupado mais em ser uma cincia, do que em enfrentar corajosa e determinadamente seu objeto de estudo historicamente significativo. Sua histria tem sido largamente uma questo de emulao dos mtodos, formas e smbolos das cincias estabelecidas, especialmente a fsica (Koch, 1961, p. 629). Existem outros que, enquanto mantm seus compromissos com a abordagem cientfica, reconhecem a posio da moderna filosofia da cincia de que a cincia no uma busca direta e lgica como antes se pensava que fosse. Por exemplo, B. F. Skinner escreveu: Se estamos interessados na perpetuao das prticas responsveis pelo presente corpo de conhecimento cientfico, devemos reco

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  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia Captulo 1

    nhecer que algumas partes muito importantes do processo cientfico no so ainda suscetveis de qualquer tratamento formal lgico ou matemtico. No sabemos o suficiente sobre o comportamento humano para explicar como o cientista faz o que faz (Skinner, 1959, pp. 360-361). Outros ainda advertem que a psicologia deve manter-se consciente dos novos desenvolvimentos nas cincias fsicas, de modo a no moldar-se de acordo com uma forma de cincia que no existe mais. Em seu discurso American Psychological Association, o fsico Robert Oppenheimer advertiu: O pior de todos os possveis equvocos seria a psicologia tomar como modelo uma fsica ultrapassada, isto , que j est totalmente desatualizada (Oppenheimer, 1956, p. 134).

    Considerando o compromisso da psicologia com a cincia (novamente, no sentido mais amplo desta palavra) como um meio de obter conhecimento, com a extenso dos debates e disputas que esse compromisso engendra e com o moderno debate na filosofia da cincia gerado pela mudana de certeza para incerteza, no exagero sustentar que as questes da filosofia da cincia preocupam a psicologia contempornea. E so tambm questes fundamentais para uma sociedade que acredita nas afirmaes psicolgicas. Os especialistas da psicologia esto envolvidos numa ampla srie de atividades na educao, trabalho social, prticas de seleo industrial e em situaes clnicas onde algum comportamento seja de algum modo inadequado, a ponto de afligir os indivduos, suas famlias e amigos e as instituies legais e mdicas. Como uma disciplina cientfica, a psicologia deve se preocupar com as questes atuais da filosofia da cincia, enquanto continua seu debate interno sobre a natureza de seu objeto de estudo e dos mtodos apropriados de investigao. Uma sociedade que concede status e valor s asseres cientficas, que confia nas alegaes dos psiclogos sobre educao, trabalho social, ambientes clnicos, entre outras, deve tambm se preocupar com a natureza da cincia como praticada pelos psiclogos e, desse modo, com a natureza das afirmaes cientficas da psicologia.

    Behaviorismo Radical: Uma Filosofia da Cincia Diferente

    Conforme foi formulado acima, a psicologia mais bem entendida como um conjunto de subdisciplinas e que cada uma obtm e manipula os dados de acordo com sua estrutura ou teoria geral. Considerou-se tambm que existe pouca ou nenhuma generalizao de princpios entre as abordagens tericas e, mesmo dentro de uma subdisciplina, pode haver controvrsias sobre a natureza do objeto de estudo e da adequao de suas tcnicas. Sendo assim, a filosofia da cincia da disciplina geral e, mesmo de muitas das subdisciplinas,

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    Captulo 1 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia

    difcil de ser caracterizada. Embora o compromisso com o mtodo cientfico una as subdisciplinas, isto no significa que o comprometimento com o mesmo tipo de cincia.

    Talvez a filosofia da cincia hoje mais coerente em psicologia seja o beha- viorismo radical, a filosofia que orienta a anlise do comportamento (ou anlise funcional, como tambm conhecida). Normam Malcolm, por exemplo, descreveu o behaviorismo corretamente como essencialmente uma doutrina filosfica (Malcolm, 1964, p. 144), e Hillix e Marx declararam que ele a coisa mais prxima a uma escola ou paradigma entre todas as modernas posies (Hillix & Marx, 1974, p. 264). A definio dada por Skinner descreve o behaviorismo no somente como uma posio filosfica mas, especificamente, com uma filosofia da cincia: O behaviorismo no o estudo cientfico do comportamento mas uma filosofia da cincia preocupada com o objeto e mtodos da psicologia (Skinner, 1969, p. 221, nfases acrescentadas).

    Esta filosofia da cincia (e a anlise do comportamento que ela orienta) diferente dentro da psicologia em dois aspectos principais. Primeiro, ela caracterizada por um grau de coerncia interna no encontrada nas outras subdisciplinas. Seu objeto de estudo cuidadosamente definido e aceito geralmente pelos pesquisadores dentro do campo. Seus mtodos de coleta, anlise e interpretao de dados so tambm aceitos numa extenso no observada em outras reas e este acordo interno entre pesquisadores do campo que induz Hillix e Marx a descrev-lo como sendo prximo a uma escola ou paradigma. Segundo, ela diferente do fluxo principal da psicologia experimental contempornea, considerando que suas influncias histricas levaram-na para o desenvolvimento de um sistema de princpios descritivos, observacionais e integrativos derivados indutivamente, em contraste com os modelos de orientao teortica dos princpios estatsticos derivados hipottico-dedutivamen- te, que caracterizam a maioria dos ramos da psicologia experimental. O behaviorismo radical e a anlise do comportamento geram um sistema explicativo diferente e coerente dentro da disciplina geral da psicologia.

    B. E Skinner sustentou sistematicamente a viso de que o entendimento cientfico dos assuntos humanos ser atingido, aps ser percorrido um longo caminho, orientado por formulaes claras e busca de solues para os inmeros e complexos problemas sociais que afligem o mundo moderno. Pode- se argumentar que, considerando a nfase no mtodo cientfico dada pela psicologia de modo geral, esta viso pode ser comum a todos os psiclogos. No entanto, o behaviorismo radical em geral (e B. E Skinner, em particular) tem sido alvo de alguns dos mais severos nveis de crtica contra a psicologia. Estas crticas vm tanto de dentro como de fora da comunidade psicolgica.

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  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia Captulo 1

    Michael Binyon, comentando B. F. Skinner para The Times Higher Educa- tion Supplement anos atrs, comeou seu artigo afirmando Talvez nenhum acadmico sofreu tanto vituprio como B. F. Skinner, o eminente behavio- rista. Seus livros tm sido recebidos com enxurradas de crticas arrasadoras; sua psicologia tem sido chamada de vazia, irresponsvel, no cientfica, sem uma psyche; ele mesmo tem sido chamado de fascista, megalomanaco e manipulador de corao frio; e tais acusaes tm vindo de figuras distintas: Noam Chomsky, Thomas Szasz, Cari Rogers, Rollo May, Stephen Spender, para citar uns poucos (Binyon, 1977, p. 7). Skinner enquanto pessoa e o behaviorismo como filosofia provocam fortes reaes de uma ampla faixa de cientistas e filsofos, desde trabalhos completos como o de Mackenzie (1977), Behaviorism and the Limits of Scientific Method, at comentrios dispensveis e grosseiros baseados em pontos de vista alternativos, tal com o de Michael Eysenck: No h dvida que a pesquisa contempornea no campo da cognio representa uma forte reao contra a abordagem superficial do Behaviorismo (Eysenck, 1984, p. 20).

    O nome de Skinner e sua filosofia behaviorista radical tm sido citados em dcadas recentes em relao ao moderno debate na filosofia da cincia, envolvendo a nova viso de mundo e suas implicaes. Infelizmente srios erros de interpretao, dentro do debate, levam o behaviorismo radical e a anlise do comportamento a serem relacionados a tradies filosficas que no os descrevem adequadamente. Tais erros de interpretao so freqentes e no restritos a este caso. Eles so perigos inerentes a todo campo acadmico, onde as idias so usadas seletivamente e transmitidas em formas condensadas. Os participantes desse debate tm, algumas vezes, consultado fontes secundrias para suas exposies do behaviorismo radical e, por isso, perpetuaram os erros j presentes na literatura. A menos que o behaviorismo radical seja representado adequadamente, seu lugar correto dentro do debate no ser entendido e qualquer comentrio, crtica ou o que seja, referir-se- a uma posio percebida erroneamente ao invs de ser percebida de modo apropriado.

    Algumas das notveis ms interpretaes do behaviorismo radical, dentro da literatura psicolgica mais ampla, foram apontadas por Todd e Morris (1983), Cooke (1984) e Morris (1985). Outros como MacCorquodale (1969), Czubaroff (1988) e Sherrard (1988), dedicaram-se especificamente anlise dos erros da influente e danosa reviso de Chomsky (1959) sobre o livro de Skinner, O Comportamento Verbal (Verbal Behavior, Skinner, 1957). MacCorquodale, por exemplo, descreve a reviso de Chomsky como implacavelmente negativa (MacCorquodale, 1969, p. 831) e observa que um dos erros cruciais na reviso uma interpretao que, equivocada, locali

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    za o sistema de Skinner na mesma tradio de Watson e Hull: Infelizmente para seus propsitos, Chomsky no compreendeu a diferena entre o beha- viorismo skinneriano e o de Watson-Hull e suas crticas, embora estilistica- mente eficazes, foram em grande parte irrelevantes para O Comportamento Verbal (MacCorquodale, 1969, p. 841). Czubaroff e Sherrard focalizaram o estilo da reviso de Chomsky e sugeriram que sua crtica foi motivada tanto pela preocupao de obter ateno e ascenso profissional (Czubaroff,1988, p. 324) quanto pela preocupao com a disputa acadmica. Qualquer coisa alm que o ataque de Chomsky possa ter sido, este se baseou numa interpretao equivocada da filosofia subjacente de Skinner e, conseqentemente, errou o alvo terico.

    Embora as questes da filosofia da cincia formem o mago do behavio- rismo radical, este mago no foi totalmente articulado em um nico lugar, mas est embutido em todo o trabalho de B. E Skinner e outros escritores que adotam a posio. Talvez o trabalho mais prximo disso seja o de Laurence Smith, Behaviorism and Logical Positivism: a Reassessment of the Alliance (Smith, 1986), comparando o trabalho de trs behavioristas (ou neobehavio- ristas, como Smith se refere a eles) aos dos positivistas lgicos para avaliar a alegao feita por Sigmund Koch (1961), Briam D. Mackenzie (1977) e Thomas H. Leahey (1980). A alegao que o behaviorismo e o positivismo lgico so tradies intelectuais aliadas e, como tal, o behaviorismo deve compartilhar o destino do positivismo lgico. Ou como Smith recoloca a alegao: a falha de um refletida na viabilidade do outro (Smith, 1986, p. 13). O penltimo dos dez captulos desse livro rigorosamente fundamentado devotado filosofia da cincia de Skinner e se mantm especfico na questo de pesquisa original- uma reavaliao da aliana entre o behaviorismo e o positivismo lgico.

    Mesmo no se aventurando muito alm dos limites determinados por esta questo original de pesquisa, Smith apresenta um caso bem documentado contra uma ligao muito prxima do behaviorismo com o positivismo lgico. Mas o seu trabalho poderia dispensar finalmente esta referncia errnea citada com freqncia. Entretanto, o prprio Smith faz uma ligao que, embora seja comum ao longo desse tipo de literatura, pode servir para perpetuar ainda outro erro - a noo de que pode ser encontrada uma continuidade filosfica entre as vrias verses do behaviorismo. Embora esclarea algumas das distines entre as diferentes tradies comportamentais em seu captulo sobre a filosofia da cincia de Skinner, esta abordagem discutida em um trabalho que busca traar os fios do behaviorismo, atravs de 'lolman e Hull, antes de atingir a posio skinneriana. Qualquer leitor poderia ser perdoado por admitir algum tipo de continuidade nestas abordagens, mas, sob cuida

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    dosa avaliao, a posio skinneriana mostrar divergncias fundamentais em relao aos primeiros pontos de vista comportamentais. Estas divergncias resultam numa viso totalmente distinta do objeto de estudo e conduzem a diferentes conjuntos de questes cientficas. Que este ponto de vista venha sob o rtulo behaviorista, eventualmente, de alguma forma ser mostrado que foi um acidente da histria.

    Um tratamento mais amplo da relao entre o sistema skinneriano e outras abordagens na psicologia contempornea oferecido por Lee (1988). Lee alega que, de modo contrrio interpretao popular, a psicologia contempornea caracterizada por uma formulao input-output (estmulo-resposta) subjacente ao comportamento e que (novamente, de modo contrrio interpretao popular) o behaviorismo radical de Skinner mantm a promessa de mover a psicologia para alm desse arcabouo mecanicista. O trabalho de Lee poderia tambm ajudar a eliminar as interpretaes errneas do behaviorismo radical, mas permanece a necessidade de distinguir esta posio de outras tendncias comportamentais e articular sua filosofia da cincia em um trabalho nico para que possa ser entendida sua distino das outras tradies comportamentais, bem como de outras reas da psicologia contempornea. Alm disso, o esclarecimento da filosofia da cincia de Skinner ajudar a colocar o behaviorismo radical na sua posio correta em relao ao debate da nova-viso-de-mundo, dispensando as interpretaes errneas (como Smith e Lee fizeram), o que permitir um melhor entendimento por parte dos participantes deste debate, sobre a relao que o behaviorismo radical tem tanto com a velha quanto com a nova viso de mundo dada pela cincia. Finalmente, isto permitir a outros leitores avaliar as afirmaes cientficas feitas pelos analistas do comportamento em seus procedimentos de laboratrio e sobre a aplicao de sua cincia na ampla gama de ambientes que eles compartilham com outros psiclogos.

    Erros Repetidos: Behaviorismo, Mecanismo e Dualismo

    O primeiro e mais freqente erro a ser atacado o de colocar o behaviorismo radical na tradio da Psicologia S-R ou input-output. Este erro supe que o termo Behaviorismo refere-se a uma abordagem unificada, cujos vrios adeptos subscrevem a mesma definio do objeto de estudo da psicologia, a mesma filosofia da cincia, a mesma viso da pessoa se comportando e a mesma forma de interpretao dos dados. Skinner e o behaviorismo radical so, com freqncia, colocados juntos sob o mesmo rtulo com Pavlov, Watson, Tolman, Hull, Thorndike, Spence, Guthrie, entre outros, e submetidos mes-

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    ma anlise crtica dirigida a estes outros, como se eles compartilhassem uma herana filosfica e terica comum.

    Acima foi apontado que Smith (1986), ao incluir a posio filosfica de Skinner em um trabalho tranando os fios do behaviorismo atravs de Tolman e Hull, pode ajudar a perpetuar a viso de que o sistema skinneriano estaria em continuidade com essas outras tendncias comportamentais (embora o prprio Smith reconhea as distines). Mackenzie (1977), em Behaviorism and the Limits of Scientific Method, discute o sistema skinneriano junto com outras descries comportamentais e aplica amplamente a mesma crtica ao behaviorismo radical e aos outros tipos de behaviorismo. Mahoney (1989) tambm aliou o behaviorismo radical a outras tradies comportamentais ao descrever Skinner como tendo tido uma preocupao com funes input-ou- tput (Mahoney, 1989, p. 1373). No mesmo artigo Mahoney faz uma conexo mais sutil, supondo que uma crtica do condicionamento pavloviano tambm funciona como uma crtica psicologia skinneriana. Ele relata: Cientistas respeitveis tm desafiado ou revisado as descries behavioristas radicais da aprendizagem (Mahoney, 1989, p. 1374) e cita vrios artigos como exemplos. Ao citar o artigo Pavlovian condidioning: Its not what you think it is (Res- corla, 1988) ele supe que um desafio s descries pavlovianas deve tambm ser um desafio s descries skinnerianas. Mesmo o mais superficial leitor do trabalho de Skinner reconhece que seu sistema difere em importantes aspectos cientficos e filosficos do sistema de Pavlov, mas a afirmao de Mahoney e suas subsequentes referncias implicam no oposto.

    O segundo erro que este livro pretende reparar a acusao de que o behaviorismo radical prov um mecanismo sustentando o comportamento humano e pertence velha viso de mundo da cincia newtoniana. Esta acusao vem da literatura psicolgica e dos participantes do debate a respeito das implicaes da nova viso de mundo dada pela fsica moderna.

    A filosofia skinneriana tem sido ligada tradio da cincia newtoniana em vrias obras que afirmam que o behaviorismo radical pertence a uma viso de mundo e prticas cientficas agora j ultrapassadas. Mahoney (1989), por exemplo, relata: A forma newtoniana de determinismo (tipo-choque-entre bolas de bilhar), to estridentemente emulada pelos behavioristas ortodoxos, foi abandonada pela maioria dos fsicos nas dcadas seguintes Interpretao de Copenhagen da Mecnica Quntica de 1927 (Mahoney, 1989, p. 1373). Mahoney primeiro argumenta que o behaviorismo radical est comprometido com a causalidade newtoniana, o que lhe permite afirmar que, desde que esta viso de causa anacrnica, o behaviorismo radical vem se isolando [e se atrasando] em relao s mudanas de perspectivas sobre a natureza e prtica da

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    investigao cientfica tima (Mahoney, 1989, p. 1373). Se o sistema skinne- riano , de fato, comprometido com a noo de causa no sentido newtoniano, ento a afirmao de Mahoney pode ser bem justificada. O esclarecimento da forma de causalidade defendida pelo behaviorismo radical, entretanto, mostra que a interpretao de Mahoney deste modelo causal em termos newtonianos inadequada, e sua subseqente afirmao de que o behaviorismo radical est ficando para trs em relao s mudanas de perspectivas , portanto, tambm equivocada.

    Macleod (1970) tambm liga o behaviorismo radical de Skinner tradio cientfica newtoniana. Os argumentos de Macleod se desenvolvem do seguinte modo:

    A cincia newtoniana foi a inspirao de um grupo de filsofos que desejaram jogar com a idia de que o reino das leis naturais inclui o fenmeno da mentalidade humana;

    John Locke tornou-se o porta-voz da concepo newtoniana de homem quando argumentou que seria possvel existir uma cincia da mente anloga cincia da natureza fsica. Isto implicou na suposio de elementos mentais anlogos s partculas fsicas e na suposio de que explicar qualquer coisa complexa separ-la em seus elementos;

    Os sucessores de Locke tentaram demonstrar como todas as complexidades da experincia e do comportamento humano podem ser reduzidas a combinaes de elementos mentais ou comportamentais (Obser- ve-se que, sem aviso prvio, os termos desta discusso foram expandidos de simplesmente mentalidade humana e elementos mentais para todas as complexidades da experincia e do comportamento humano);

    A concepo newtoniana de mente foi elaborada na Inglaterra pelos associacionistas britnicos, na Alemanha por Wundt, Helmholtz e outros, na Rssia pelos pavlovianos e nos Estados Unidos por John B. Watson e seus amigos (1970, pp. 209, 210).Traando a influncia da cincia newtoniana deste modo e pela expanso

    de sua terminologia, para incluir, no somente os elementos mentais mas, tambm, os elementos comportamentais e experienciais, Macleod manobra para ligar Skinner concepo de cincia newtoniana, concluindo que: O representante contemporneo mais brilhante da doutrina newtoniana de homem em minha opinio B. E Skinner (Macleod, 1970, p. 210). Ele supe, como Mahoney, que a filosofia da cincia skinneriana est fora de moda em relao fsica contempornea: E interessante observar que, muito tempo depois das cincias fsicas, atravs de Einstein e outros, terem abandonado a explicao elementarista da natureza fsica, ainda termos psiclogos insistindo

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    r Captulo 1 BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a C inciaque uma explicao psicolgica deve envolver a reduo do complexo ao simples (Macleod, 1970, p. 210). O que Macleod quer dizer exatamente com explicao elementarista no claro, mas, presumivelmente, ele se refere

    sua afirmao anterior de que uma cincia da mente envolvendo elementos mentais anlogos s partculas fsicas era um objetivo para Locke e seus sucessores. Se este o caso, Macleod est sustentando que as descries analtico- comportamentais so anlogas s descries dos fenmenos fsicos formulados em termos de partculas fsicas em interao. Novamente, ser mostrado que este tipo de alegao equivocado.

    Tanto Macleod quanto Mahoney acusam o behaviorismo radical de ter sido ultrapassado pelas vises contemporneas da cincia e agarrar-se ao anacrnico. Esses argumentos concernentes s vises de mundo nova e velha foram, em grande parte, articulados por Merchant (1982) e Capra (1983) e ambos relacionam o behaviorismo radical viso de mundo newtoniana (mecanicista), agora fora de moda.

    Eles argumentam que a cincia newtoniana foi delineada primariamente atravs da metfora do fenmeno natural concebido como uma mquina, um modelo que ofuscou uma antiga viso orgnica da natureza e derivou seu poder do sucesso da industrializao durante o sculo XVII. Merchant descreve as mquinas como modelos estruturais da ontologia e epistemologia ocidentais (Merchant, 1982) e ento elabora:

    A formao de imagens, iconografia e metfora literria associadas s mquinas ampliaram as experincias da vida cotidiana para o reino da imaginao, onde as mquinas tornaram-se smbolos para a prpria ordenao da vida. Desses universos simblicos evoluem universos conceituais medida que novas definies da realidade substituem as antigas. Enquanto as mquinas e relgios aumentavam seu poder simblico como metforas bsicas, em resposta s mudanas nas necessidades, desejos e propsitos da sociedade, a fora simblica do organismo diminua em plausibilidade e a estrutura conceituai orgnica sofreu uma transformao fundamental. As imagens e smbolos associados s mquinas da vida cotidiana ajudaram a mediar a transio entre as estruturas (p. 227).

    Capra tambm argumenta que uma antiga viso orgnica da natureza ruiu sob a influncia da metfora da mquina, culminando numa viso de mundo qual ele se refere como o mundo-mquina newtoniano (Capra, 1983, p. 37): A noo de um universo orgnico, vivo e espiritual foi substituda pela noo do mundo como uma mquina e o mundo-mquina se tornou a metfora dominante da era moderna. Esse desenvolvimento foi ocasionado pelas mudanas revolucionrias na fsica e astronomia, culminando nas reali

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    zaes de Coprnico, Galileu e Newton (Capra, 1983, p. 38). Argumenta-se que a cincia newtoniana nos deu uma viso da natureza como uma mquina gigantesca operando, em grande parte, do mesmo modo que as emergentes mquinas industriais daquela poca. A fsica moderna, entretanto, restabelece a metfora orgnica, que considera a natureza como um todo interrelacionado. Alm disso, a fsica moderna desafia a noo do cientista como um observador objetivo, uma vez que o cientista tambm est envolvido nas interrelaes de seu objeto de estudo. A viso mecanicista de mundo que dominou as cincias fsicas (e as cincias sociais que, conforme se argumenta, se inspiram nas cincias fsicas), passou pelo seu znite e est ruindo sob a presso dos dados cientficos modernos na direo de uma viso orgnica do mundo.

    Merchant e Capra relacionam a filosofia skinneriana velha e agonizante viso de mundo mecanicista. Merchant argumenta: As tentativas de reduzir o comportamento humano a probabilidades estatsticas e condicionado por tcnicas psicolgicas, como aquelas desenvolvidas por B. F. Skinner, so manifestaes da penetrao do modo mecanicista de pensamento desenvolvido pelos cientistas do sculo XVII (Merchant, 1982, p. 292). E sobre a abordagem de Skinner, Capra afirma: Esta, ento, uma psicologia newtoniana por excelncia, uma psicologia sem conscincia, que reduz todo o comportamento a seqncias mecnicas de respostas condicionadas, e afirma que o nico entendimento cientfico da natureza humana permanece dentro da estrutura da fsica clssica e da biologia... os behavioristas ainda adotam o paradigma mecanicista e o defendem, com freqncia, como a nica abordagem cientfica para a psicologia e, desse modo, limitam claramente a cincia estrutura clssica newtoniana (Capra, 1983, p. 181).

    Macleod, Merchant e Capra requerem a adoo de uma nova concepo orgnica da natureza em substituio concepo mecanicista. Cada um interpreta o behaviorismo radical como exemplo de uma abordagem da psicologia alicerada na viso newtoniana de mundo. Ao requererem uma nova concepo, uma nova metfora subjacente, o modelo antigo citado como uma causa original dos abusos muito freqentes das pessoas e da natureza. Ar- gumenta-se que a velha metfora deve ser abandonada e, com ela, as cincias que a adotam, incluindo o behaviorismo radical.

    Novamente, o presente trabalho pretende demonstrar que essas interpretaes do behaviorismo radical como uma filosofia aliada cincia newtoniana e a uma explicao mecanicista do comportamento so equivocadas. Elas atribuem influncia histrica tradio cientfica errada e se perdem inteiramente da distino entre a causalidade newtoniana e o modelo causal que a base do behaviorismo radical. Tal erro de interpretao adota o erro anterior,

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    isto , que o behaviorismo se refere a uma abordagem unificada dentro da psicologia e pressupe que a explicao mecanicista dada por outras verses do behaviorismo tambm caracteriza a explicao behaviorista radical. O modelo causal das bolas de bilhar est muito presente numa parte da psicologia moderna, mas no na anlise do comportamento.

    O terceiro maior erro que ser reparado o de atribuir influncia histrica de Descartes, insinuando que o behaviorismo radical aceita o dualismo cartesiano mente-corpo, mas ignora a mente ou conscincia como aspectos desta dualidade. Este erro se relaciona ao primeiro e segundo acima mencionados e se baseia na suposio de que os dois anteriores sejam corretos. Se o behaviorismo radical filosoficamente compatvel com outras verses do behaviorismo, ento ele dualista, uma vez que as outras tradies comportamentais aceitam a separao mente-corpo como suposio inicial. Alm disso, se o behaviorismo radical pertence viso de mundo mecanicista e oferece uma explicao mecanicista do comportamento humano, ento ele cartesiano no sentido de que Descartes considerado como uma das maiores influncias sobre o pensamento mecanicista.

    Merchant e Capra citam Descartes e Newton como os defensores primrios do pensamento mecanicista na cincia e na viso de mundo mais ampla dada pela velha cincia, enquanto Mahoney argumenta que Descartes conserva um lugar de destaque na histria do behaviorismo (Mahoney, 1989, p. 1373). De acordo com Mahoney, foi Descartes quem formalizou o dualismo mente/corpo da filosofia grega, e foi sua teoria mecanicista da ao corporal (Mahoney, 1989, p. 1373) e sua antecipao do arco-reflexo que lhe deu respeitabilidade entre os behavioristas do sculo 20 (Mahoney, 1989, p. 1373). E neste contexto que Mahoney se refere a Skinner como estando preocupado com funes input-output (Mahoney, 1989, p. 1373).

    Quando ele afirma que Descartes conserva um lugar de destaque na histria do behaviorismo, Mahoney refere-se ao livro de Rachlin (1970), Introduction to Modern Behaviorism, como fonte. Um exame desta fonte revela que Rachlin se refere a Descartes e sua teoria mecanicista como uma influncia histrica no desenvolvimento da psicologia como um todo. Argumenta que o prprio Descartes foi tanto influenciado pelas interpretaes teolgicas dominantes quanto a psicologia moderna influenciada pelo pensamento dualista. Descartes se dedicou ao estudo do comportamento dentro dos termos e suposies teolgicas de seu prprio tempo, dividindo o comportamento nos reinos voluntrio e involuntrio e, deste modo, resolveu o problema do livre arbtrio. A distino de Descartes sobrevive em muito do pensamento contemporneo sobre o comportamento humano, e este ponto que Rachlin enfatiza em seu esboo da influncia cartesiana na psicologia, quando aponta: O dualismo da psicologia de Descartes a carac

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    terstica essencial para o nosso entendimento da histria da psicologia (Rachlin, 1970, p. 7). Rachlin no cita Descartes como uma influncia no desenvolvimento do behaviorismo especificamente, mas no desenvolvimento da psicologia como um todo. O dualismo mente/corpo de Descartes continua a orientar grande parte da psicologia contempornea, mas no a psicologia skinneriana.

    Outros erros sero corrigidos neste livro. A posio de Skinner sobre a objetividade, por exemplo, sobre a relao entre observador e observado tor- nar-se- clara. Mostrar-se- que a inter-relao entre o cientista, seu objeto de estudo e as variveis controladoras do comportamento dos cientistas uma caracterstica importante do pensamento dos behavioristas radicais, que no separam observador/observado ou conhecedor/conhecido no modo tradicional. O comportamento cientfico, na formulao behaviorista radical, tanto um produto das contingncias de reforo, presentes e passadas, quanto o so os outros tipos de comportamento. Quando Mahoney coloca corretamente h um crescente reconhecimento de que o conhecedor/observador no pode ser removido seja do processo ou do produto do conhecimento (Mahoney,1989, p. 1374) ele, ao mesmo tempo, falha em observar que isto est de acordo com os prprios argumentos de Skinner e, ao invs, afirma que a doutrina do objetivismo (em termos simples, a separao entre observador e observado) est no mago do behaviorismo ortodoxo (Mahoney, 1989, p. 1374).

    Esses erros no sero abordados de um modo ponto-a-ponto, mas sim no estilo de uma ilustrao, em uma articulao da filosofia da cincia de Skinner que a libertaria para ocupar seu espao prprio no debate sobre a nova-viso- de-mundo e na psicologia contempornea. Uma vez livre dos erros persistentes que caracterizam os sumrios e interpretaes do behaviorismo radical, o leitor estar mais bem capacitado para julgar suas relaes com as vises nova e antiga, com o dualismo e pensamento mecanicista, com as outras verses do behaviorismo e com as vrias abordagens da psicologia contempornea.

    Captulo 2 (Linguagem Comum e Cincia) ilustra a preocupao do ber laviorismo radical com as relaes entre linguagem vernacular comum e o comportamento dos cientistas. Os behavioristas radicais consideram como imprudente a prtica de adotar sem crticas os termos da linguagem comum, uma vezfque seus sistemas conceituais, sua gramtica e sintaxe influenciam su- tilmente o mrodo"como_os psiclogos abordam seu objeto de estudo. Este captulo estabelece firmemente o princpio de que os cientistas no esto imunes s influncias controladoras encontradas na cultura mais ampla, o princpio de que o observador est sujeito s mesmas leis cientficas que o observado.

    O Captulo 3 (Os Objetivos e Mtodos da Cincia) delineia as distines mais amplas entre os mtodos analtico-comportamentais e aqueles que en-

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  • rvolvem o pacote metodolgico de grande parte da psicologia experimental contempornea. A comunidade psicolgica exige adeso a um rigoroso conjunto de procedimentos cientficos, promovendo o mtodo hipottico/dedu- tivo como uma parte indispensvel desses procedimentos. O behaviorismo radical caracterizado por uma abordagem da cincia menos formal e mais

    " ndutivj a qual facilmente prescinde da formulao de hipteses formais e do teste de proposies tericas. Os mtodos hipottico/dedutivo e indutivo so contrastados e argumenta-se que o mtodo de hipteses indispensvel somente para certos tipos de teorias. As teorias especulativas, que explicam os fenmenos naturais reduzindo-os a mecanismos fundamentais e que postulam entidades hipotticas mediadoras, devem confiar no mtodo de hipteses, desde que o nico meio de lanar luz sobre tais teorias a deduo e testes de suas conseqncias observacionais. O behaviorismo radical se baseia na induo; seu sistema terico dirigido pelos dados, derivados da observao, e no postula entidades alm de seus dados. Como tal, ele no concorda com prescries formais que declaram que as questes cientficas no podem ser respondidas sem o mtodo de hipteses.

    cs=s^rO Captulo 4 (Os Objetivos, os Mtodos e o Indivduo) examina os pontos de vista divergentes sobre variao e individualidade. A viso estatstica consi- dera a variao como uma caracterstica indesejvel dos dados psicolgicos e

  • BEHAVIORISMO RADICAL: A Filosofia e a Cincia Captulo 1

    como este conceito alimenta o pensamento causal sobre a pessoa em psicologia, como ele orienta e dirige as questes de pesquisa e encoraja tipos particulares de explicaes. Noes auxiliares de autogoverno se relacionam ao princpio de fora numa conceitualizao popular de causalidade. A viso de que o comportamento humano no suscetvel a uma descrio causal discutida. Ento, o captulo passa a considerar como o conceito de causalidade em cincia se afastou das noes populares de causa como fora e como as relaes causais descritas como cadeias seqenciais foram substitudas por relaes funcionais, teias ou redes causais. A substituio de causa por funo aqui elaborada. As descries mecanicistas do comportamento so relacionadas neste captulo metfora da cadeia de causalidade. O modelo causal do behaviorismo radical relacionado filosofia deJErnst Mach, tanto quantaO piiiidpcrdrwihista dleleo de variaes. Argumenta-se que grande parte da psicologia contempornea negligencia a histria pessoal devido a um comprometimento com uma noo de causalidade contgua e mecanicista. ^ ^ C rC a p tul 6 "(Tcnicas de Interpretao e Teorias Explicativas) aborda os conceitos de descrio, explicao e teoria. Ser mostrada de modo mais evidente a influncia de Ernst Mach sobre a filosofia da cincia de Skinner. A distino entre descrio e explicao relacionada ao confronto de Mach com as teorias que invocam constructos hipotticos no contidos nos dados, uma discusso que ocorreu no sculo XIX e ficou conhecida como o debate atmico. Teorias desse tipo tm lugar na filosofia da cincia de Mach como heursticas. Elas se tornam problemticas, entretanto, quando so elevadas ao status de explicao. Alm disso, pertencem a uma viso de fenmeno natural qual Mach sistematicamente se ops: a viso do mundo-como-mquina. Skinner foi menos condescendente do que Mach sobre as entidades hipotticas, mas foi to consistente quanto Mach em sua oposio s teorias mecanicistas, que requerem elos numa cadeia causal agindo como mediadores entre os eventos funcionalmente relacionados.

    O Captulo 7 (O Pensamento Mecanicista em Psicologia) analisa alguns sistemas tericos selecionados da psicologia contempornea para ilustrar as preocupaes cientficas e filosficas de Mach e Skinner sobre os contructos tericos no derivados dos dados. Tais constructos tendem a desviar a ateno dos fenmenos para os quais foram inventados como explicao, pois suas estruturas e funes se tornam os focos de investigao. Ao confiar na metfora da cadeia de causalidade eles encorajam uma viso mecanicista do objeto de estudo - os organismos se comportando. Este captulo ilustra a relevncia, para a psicologia do sculo XX, dos pontos de vista defendidos por Mach no sculo XIX, sobre as interpretaes e modelos causais na fsica e demonstra que as preocupaes de Skinner permanecem relevantes para a psicologia atual.

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    O captulo 8 (Behaviorismo e Behaviorismo Radical) compara o trabalho de figuras-chave citadas como behavioristas na literatura psicolgica. Essa comparao demonstra as diferenas cruciais entre a concepo cientfica de Skinner e as de Pavlov, Watson, Tolman e Hull. Desde o incio, o behaviorismo radical se afastou das estruturas mediadoras mecanicistas estabelecidas por Tolman e Hull. A psicologia experimental contempornea, entretanto, continua a inquirir e explicar seu objeto de estudo de acordo com esta estrutura. Neste sentido, grande parte da psicologia de hoje comportamental. O behaviorismo marca um captulo na histria da psicologia, no apenas como uma unidade metodolgica ou filosfica; ele um marco histrico em vez de filosfico. Seu uso contnuo como um rtulo de uma das principais abordagens da psicologia obscurece o fato de que a psicologia ainda se baseia numa antiga formulao comportamental input-output, enquanto o behaviorismo ladical avanou sua formulao e se fundamenta em uma abordagem relacional integrativa.

    O Captulo 9 (Comentrios Finais) retorna brevemente ao debate sobre a nova-viso-de-mundo e aponta as semelhanas entre as preocupaes de Ca- pra e Skinner. Capra requer que uma abordagem relacional seja adotada pelas disciplinas que tradicionalmente foram elaboradas aps a fsica, citando as cincias mecanicistas como fontes dos problemas contemporneos. Ele defende mudanas para outros meios de conhecer, alm da cincia, como modo de lidar com estes problemas. Skinner argumenta que o comportamento humano a fonte dos problemas contemporneos, incluindo o comportamento das pessoas que usam e abusam da cincia. A cincia a nossa fora; ela vem piomovendo o alvio de muito sofrimento, fome e doenas. Ao invs de abandonar a cincia, seus mtodos deveriam ser usados para enfrentar a fonte do pioblema, o comportamento humano. A cincia mecanicista, entretanto, no oferece meios para avanar porque os constructos que ela prope para explicar o comportamento so internos, inobservveis e, usualmente, hipotticos. Tais constructos no podem ser usados para efetuar a mudana. Uma cincia preocupada com os modos como os organismos interagem com seus ambientes, com as relaes funcionais entre o comportamento e o contexto em que ele ocorre, proporciona meios prticos para analisar e mudar o comportamento. O exame da cincia conforme ela praticada na psicologia demonstra que a aboidagem relacional do behaviorismo radical oferece possibilidades para a mudana no oferecidas pela abordagem mecanicista.

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    Captulo 2

    Linguagem Comum e Cincia

    A relao entre a linguagem comum e a cincia requer considerao especial nas cincias comportamentais. As disciplinas cientficas identificam seus objetos de estudo e descrevem as relaes e processos que ocorrem entre as variveis envolvidas com suas prprias linguagens e terminologias. Parte do trabalho dos cientistas identificar to precisamente quanto possvel o significado dos termos para facilitar a comunicao dentro de seu campo. A natureza dividida e classificada de acordo com algum sistema ou ordem e estudada sob diferentes rtulos: fsica, qumica, biologia, mecnica, astronomia, etc.Jim alguns campos, a linguagem cientfica consiste particularmente em sistemas de smbolos como a matemtica e em elementos e smbolos compostos como a qumica. Em outros campos, os termos cientficos so derivados de nossa linguagem cotidiana, sendo as palavras definidas cuidadosamente para evitar confuses sobre a parte da natureza ou os tipos de processos que esto em discusso.

    Grande parte da linguagem cotidiana pode ser considerada, em principio, como descritiva do comportamentojAntes de chegarmos cincia do comportamento, fomos modelados pela nossa comunidade verbal a descrever o comportamento nos termos da linguagem comum onde, com freqncia, suas definies carecem da preciso caracterstica de uma descrio cientfica. O comportamento verbal comum antecede o comportamento verbal cientfico e os termos da linguagem comum proporcionam classificaes conceituais prontas para o uso, que orientam e dirigem a investigao cientfica do comportamento. Nossa linguagem cotidiana contm suposies e classificaes pr-cientficas que podem ou no ser teis para uma anlise cientfica do comportamento.

    Uma parte importante do behaviorismo radical, como uma filosofia da cincia, trata da relao entre os termos da linguagem comum que so considerados descritivos do comportamento e do modo como estes termos influenciam o estudo cientfico do comportamento. Os behavioristas radicais vem como imprudente a prtica de adotar sem crticas os termos da linguagem comum, argumentando que estes prprios termos podem influenciar o comportamento dos cientistas e trazer com eles problemas desnecessrios. As influncias controladoras exercidas pelas palavras sobre o comportamento vm sendo mostradas em outros campos da psicologia, notavelmente no campo das declaraes de testemunhas oculares onde, por exemplo, Loftus e Palmer (1974) e Loftus e col. (1978) demonstraram que variaes na formulao de questes sobre um incidente, com freqncia resultam em relatos verbais diferentes dos sujeitos. As pessoas recordaro diferente

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    mente os incidentes dependendo de diferenas sutis na formulao de questes sobre o incidente. A anlise da relao entre a linguagem comum e a cincia uma parte importante da filosofia da cincia integral do behaviorismo radical. Uma vez explicitada, esta anlise demonstra que o comportamento do cientista no est isento das influncias controladoras embebidas dentro da cultura mais ampla. Os cientistas no chegam para o estudo do comportamento livres das suposies e pressuposies da cultura ao redor mas, sim, so, em parte, dirigidos por suas classificaes conceituais, algumas da quais esto embutidas nas palavras que usamos regularmente para descrever o comportamento e nos padres gramaticais da linguagem comum.

    Uma ilustrao simples de como podem surgir confuses, quando os termos da linguagem comum so utilizados numa cincia comportamental, encontra-se no rea da psicologia que trata com a linguagem da emoo. E comum descrevermos ns mesmos e os outros em situaes dirias como felizes, desapontados, bravos, culpados, surpresos, agressivos e assim por diante, mas quando tentamos definir esses termos para os propsitos do estudo cientfico nos envolvemos em, pelo menos, trs problemas.

    Primeiro, virtualmente impossvel concordar com uma definio desses tipos He palavras. O que estamos descrevendo quando empregamos palavras tais como feliz, desapontado, bravo, etc.? Alguma medida de ativao fisiolgica? Ou a emoo uma experincia que acompanha essa ativao? Os livros introdutrios continuam a justapor as teorias clssicas de James-Lange e Cannon-Bard, as quais no concordam se a emoo deve ser definida como o que fazemos no momento em que dizemos que sentimos alegria, tristeza ou raiva, ou se devemos consider-la como um acompanhamento do nosso comportamento naquele momento.

    Um segundo problema topogrfico. Uma pessoa sorri, gargalha e dana pela sala aps ouvir boas notcias enquanto, em situaes semelhantes, outra senta num canto sorrindo silenciosamente com as mos cruzadas. Ambas dizem que esto contentes, mas qual topografia indica melhor o sentimento de alegria? E este sentimento constitudo do mesmo modo para ambas as pessoas? Como pode um pesquisador tratar esses desempenhos diferentes descritos pela mesma palavra?

    Um terceiro problema para o cientista tentar estudar a emoo se situa nas diferentes respostas mesma situao. Uma pessoa pode responder numa condio experimental de um modo totalmente diferente de outra e o mesmo verdade em situaes cotidianas. Aps um pequeno acidente de trnsito, uma pessoa salta do carro e grita raivosamente ao outro motorista, enquanto outra observa calmamente os detalhes do acidente, expressa preocupao pelo outro motorista e conclui filosoficamente que essas coisas algumas vezes simplesmente acontecem.

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  • Como pode o cientista abordar os fatos em que no h acordo entre as definies; em que duas pessoas aplicam a mesma palavra aos sentimentos que exibem com comportamentos claramente diferentes no mesmo momento; e tanto em condies experimentais como nas cotidianas, as pessoas respondem diferentemente mesma situao? Esta anlise no pretende sugerir que nada de til ou importante emergiu das tentativas de estudar a emoo, mas ilustra as dificuldades que podem ser encontradas quando palavras da linguagem comum esto envolvidas no domnio da cincia, supondo-se que elas se referem a entidades que podem ser definidas, categorizadas ou quantificadas.

    Desde o incio o behaviorismo radical vem se dedicando preciso na terminologia. Parte da tese de doutorado de Skinner foi dedicada ao exame do desenvolvimento do conceito de reflexo e demonstrou que, no curso desse desenvolvimento, ele adquiriu implicaes no oferecidas pelos dados disponveis (por exemplo, que o comportamento pode ser dividido amplamente em classes voluntrias e involuntrias, e os reflexos seriam membros da classe involuntria). Na mesma ocasio, Skinner sugeriu ao seu departamento em Harvard que ele poderia empregar seu tempo de modo mais lucrativo, realizando uma anlise operacional de meia dzia de termos da psicologia subjetiva (Skinner, 1945/1972b, p. 381), do que se preparando para um exame de doutorado. Em seu primeiro livro, O Comportamento dos Organismos (The Behavior of Organisms, Skinner, 1938), Skinner define claramente a palavra comportamento para formular suas questes experimentais e analisa alguns dos problemas inerentes ao uso de termos da linguagem comum dentro do domnio cientfico. No artigo A Anlise Operacional dos Termos Psicolgicos (The Operational nalysis of Psychological Terms, Skinner, 1945/1972b), Skinner trata integralmente do mesmo problema e quando pergunta, em outro artigo, So necessrias as teorias da aprendizagem? (Are the- ories of Iearning necessary?, 1950/1972b), ele foi cuidadoso em especificar o que queria dizer com a palavra teoria para os propsitos daquela discusso. No livro Esquemas de Reforo (Schedules of Reinforcement, 1957), Ferster e Skinner esclarecem as palavras-chave em uma anlise do comportamento ao proporcionar um glossrio til.

    Outros pesquisadores desse campo esto igualmente preocupados com a preciso da terminologia. O livro de A. C. Catania, Aprendizagem, em sua terceira edio, publicada em 1992, contm anotaes etimolgicas no incio de cada captulo. Catania esclarece que: A coerncia no vocabulrio essencial para os tratamentos tcnicos, mas a linguagem deve tambm crescer e se adaptar s novas descobertas e novas perspectivas. Devemos usar nossa linguagem do comportamento com cuidado, mas talvez fiquemos provavelmente menos rgidos sobre ela se conhecermos algo acerca de suas origens (Catania, 1992, p. xiv). O peridico The Behavior

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    Analyst publica artigos de interesse geral no campo do behaviorismo radical e contm regularmente uma seo, On Terms, onde os estudiosos tentam esclarecer os contextos apropriados para o uso de termos chaves. Alguns exemplos so: When we Speak of Knowing (Hineline, 1983); Stimulus Control Terminology (Deitz & Mallone, 1985); A Rule for the Use of the Term Rule Governed Behavior (Bro- wnstein & Shull, 1985); Observer Drift: A Drifting Definition (Smith, 1986); e Misdescribing the Carneau: A Perplexing Plurality (Gleeson & Lattal, 1987).

    Skinner (1985) examinou o Report of the Research Briefing Panei on Cogni- tive Science and Artificial Intelligence (Estes e col., 1983) e descobriu que faltam nos relatos as definies de palavras-chave tais como inteligncia, mente, operaes mentais, imaginao, raciocnio, induo, entendimento, pensamento e outros. E concluiu acusando os cientistas cognitivos de relaxarem os padres de definio e pensamento lgico e divulgarem uma enchente de especulaes caractersticas da metafsica, da literatura e das conversaes dirias, talvez adequadas para tais propsitos, mas inimiga da cincia (Skinner, 1985, p. 300). Em artigo subseqente, chegou mesma concluso: as palavras que as pessoas usam para descrever como se sentem ou o que esto pensando so parte de uma linguagem viva que pode ser usada sem embaraos pelos psiclogos cognitivos e, igualmente, pelos analistas do comportamento em suas vidas dirias. Mas estas palavras no podem ser usadas em sua cincia! (Skinner, 1989, p. 18).

    E claro que os behavioristas radicais tratam da relao entre linguagem comum e cincia com profundo interesse. Mas suas preocupaes no so limitadas s definies e usos apropriados. As definies podem vir a ser o menor dos problemas inerentes ao emprego da linguagem comum dentro da cincia. O uso de palavras-chave quase sempre pode ser estipulado para o propsito de pesquisa ou discusso filosfica, como quando Skinner definiu claramente seu uso dos termos comportamento e teoria para os objetivos de sua discusso. Outros problemas na relao entre linguagem comum e cincia so obscurecidos pela onipresena da linguagem e esto encravados to profundamente nas prticas lingsticas que somente a anlise mais cuidadosa pode lhes dar alguma clareza. Os behavioristas radicais esto preocupados com a influncia controladora de vrias caractersticas da linguagem comum, caractersticas estas que dirigem o comportamento dos cientistas para pontos de vista sobre, e formas de interpretao de seus objetos de estudo que esto em desacordo com a anlise cientfica. O remanescente deste captulo discutir trs caractersticas da linguagem comum que so problemticas para a psicologia cientfiL

    O primeiro problema que, junto com a linguagem comum, herdamos sistemas conceituais envolvendo modos de pensar sobre as pessoas e seus comportamentos que no so baseados na anlise cientfica e encorajam certos tipos de

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    questes e interpretaes tericas do comportamento que no requerem dados cientficos. O segundo problema inerente estrutura das linguagens Indo-Euro- pias, especificamente quanto ao requerimento sinttico de prover agentes para as aes. O terceiro problema diz respeito prtica de explicar as aes em diferentes modos direcionais (seja da pessoa para o comportamento, seja do ambiente para o comportamento), dependendo de a explicao abordar o prprio comportamento ou o de outra pessoa, e da extenso a que as pessoas respondem, individual ou coletivamente, aos eventos ambientais. Este problema afeta especificamente os behavioristas radicais porque suas explicaes so estruturadas num modo direcional que viola as prticas culturais. Tornar-se- claro que estas trs caractersticas da linguagem comum exercem uma poderosa influncia controladora sobre o comportamento dos cientistas.

    Sistemas Conceituais e Linguagem Comum

    A preocupao do behaviorismo radical com a preciso da terminologia e sua rejeio ao uso no crtico do vernculo coloquial essencialmente capturada numa antiga passagem de Skinner: A objeo importante ao vocabulrio coloquial na descrio do comportamento que muitos de seus termos insinuam esquemas conceituais. Isto no quer dizer que uma cincia do comportamento dispensa um esquema conceituai, mas que este no deve ser absorvido sem considerao cuidadosa dos esquemas subjacentes fala popular (Skinner, 1938, p. 7). As palavras so o meio pelo quais os cientistas do comportamento expressam rel aes; elas sao o clculo da cincia do comportamento (Hineline, 1980, p. 72). Infelizmente, este clculo no se desenvolveu especificamente para este propsito do mesmo modo como o clculo da fsica e, portanto, no to ntido ou sem ambigidades. Este clculo foi herdado, retirado de outras partes do discurso dirio e levado para o laboratrio. Seus termos orientam a investigao do comportamento, mas tambm descrevem os produtos dessas investigaes. No surpreende que surjam confuses e incorrees dessa funo dupla. Os behavioristas radicais, com suas preocupaes com as questes cientficas, devem estar cautelosos caso seus clculos levantem os fantasmas de sistemas mortos (Skinner, 1938, p. 5).

    A linguagem da mente

    Herdamos um sistema conceituai da linguagem da mente ou da vida mental que interpenetra o discurso dirio. Quando fazemos uma observao a ns mesmos para nos lembrarmos de algo, dizemos que vamos manter isto em mente; quando no conseguimos nos lembrar de algo, facilmente dizemos ter um

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    bloqueio mental. Se estivemos ocupados e nos aborrecendo com um problema, diremos a um amigo isto no sai de minha cabea (it has been on my mind1); oferecemos a uma pessoa duas ou mais alternativas e sugerimos que tome uma deciso (make up your mind). Instrumos algum a ser cuidadoso dizendo preste ateno (mind how you go) e se desejamos deixar algum vontade ou sugerimos que d um descanso sua mente, ou simplesmente dizemos a ele que esfrie a cabea (never mind). No discurso coloquial, como disse Skinner, essas expresses no so problemticas e podem ser usad^corrrtrnqilidade por todos os tipos de psiclogos. Mas se levarmos o termo mente e seu sistema conceituai relacionado, da nossa fala cotidiana para o laboratrio e ento tentarmos buscar a mente onde guardamos coisas, ou a mente que colocamos em repouso, ou a mente onde temos algo ocorrendo, colidimos com o problema lgico de tentar submeter anlise cientfica um termo que no tem referente fsico ou espacial.

    Skinner ofereceu uma soluo para este problema lgico: Podemos ver como a palavra usada e o que as pessoas parecem estar dizendo quando a usam (Skinner, 1989, p. 17). Em outras palavras, quando examinamos a linguagem da mente, descobrimos que podemos dispensar facilmente o conceito de mente sem dispensar seu significado. Por exemplo, as sentenas abaixo envolvendo o conceito de mente podem ser traduzidas como segue:

    DECLARAO MENTALISTA

    Vou guardar isto em mente.

    Eu tenho um bloqueio mental.

    Isto no sai de minha mente.

    Make up your m ind.

    Mind how you go.

    Dar um descanso para a mente.

    Never m ind

    Vou me lembrar disso no futuro.

    No consigo me lembrar disso.

    Eu penso muito sobre isto (uma declarao sobre o comportamento);Isto est me aborrecendo ( uma declarao sobre sentimentos).-v'

    Tome uma deciso; escolha uma das opes.

    Tenha cuidado; olhe por onde anda.

    Eu posso parar de me aborrecer com isto (outra referncia a sentimentos)

    No se preocupe; pare de se aborrecer; isto no importante.

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    1 N.T. As sentenas originais sero mantidas entre parntesis por no haver sentenas diretam ente equivalentes em portugus.

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    Em cada instncia nenhum significado perdido e a traduo est mais prxima ao comportamento, uma vez que as declaraes se relacionam a lembrar, pensar, escolher e sentir. O exame da linguagem da mente, conforme ilustrado, nos mantm prximos dos processos comportamentais que podemos submeter a uma anlise cientfica. O sistema conceituai herdado da lin- guagem da-^mente desvia a ateno desses processos comportamentais, por insinuar um plano metafsico ou mental que no suscetvel a um tratamento cientfico direto.

    A linguagem da aprendizagem

    Herdamos um sistema conceituai tambm da linguagem da aprendizagem, especialmente sobre os tipos de questes que so tipicamente formuladas sobre aprendizagem. Se a definio de aprendizagem mantida estritamente como qualquer mudana relativamente permanente no comportamento, seria plausvel formularmos questes sobre as mudanas no comportamento. Entretanto, mais comum perguntarmos O que esta pessoa aprendeu? em vez de O que esta pessoa pode fazer agora? O sistema conceituai embutido na linguagem da aprendizagem nos dirige para longe dslnudanas no comportamento, em direo coisa aprendida que se torna uma entidade possuda pelo aprendiz. Este modo de falar e formular questes sobre a aprendizagem cresceu com a metfora da armazenagem e recuperao, que orienta as tradies cognitivas ou do processamento de informao em psicologia: Processamento de informaes, claro, algo que as pessoas tm feito h milhares de anos. Elas fizeram registros do acontecimento de muitas coisas - em pedras de argila, papiros, pergaminhos, papel, fitas magnticas e, agora, placas de silcio - que armazenaram, recuperaram e responderam a eles mais ou menos como responderam s coisas originisTDs cientist^s~cognmvos)torform esta prtica como um modelo ou metfora (Skinner, 1985, p. 292). Nesta tradio, o organismo concebido como um sistema que capta uma informao do ambiente, a processa, armazena e, em algum estgio, recupera e age sobreaquela informao.

    Se a metfora aceita sem crticas (como o em grande parte da psicologia contempornea), ento o cientista encaminhado parajuma^abordagem estmulo-organismo-resposta (S-O-R): os estmulos ambientais so captados, processados e trabalhados pelo organismo; esses trabalhos internos so ento considerados como determinantes das respostas. Sldnnerjsjj^ fora e apontou o que falta: Quando um registro fsico armazenado, este registro continua a existir at ser recuperado, mas isto verdade quando as

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    pessoas processam informao? (Skinner, 1985, p. 294). Ele argumenta que a armazenagem numa bateria p uma metfora melhor para orientar a psicologia. A eletricidade colocada dentro da bateria mas no armazenada l. Ao xntrrio, a bateria modificada e esta bateria modificada que libera eletricidade. De modo similar, argumenta, um organismo modificado pela exposio s contingncias de reforo e este organismo modificado que emite o comportamento: Os organismos no adquirem o comportamento como uma espcie de posse; simplesmente passam a se comportar de vrias maneiras. O comportamento no est dentro deles em nenhum momento. Dizemos que emitido, mas somente como a luz emitida de um filamento incandescente; no h luz no filamento (Skinner, 1985, p. 295).

    A linguagem da aprendizagem e sua metfora de armazenagem e recu- perao orientam a psicologia de um modo particular quando adotada sem exame crtico. Entretanto, uma vez examinada e talvez substituda por outra metfora, uma nova linguagem possa orientar a investigao dos processos comportamentais e permitir serem submetidos anlise cientfica. Descrever como os organismos so modificados pelas contingncias de reforo o campo da anlise comportamental. O que est acontecendo dentro deles uma questo a ser respondida pela neurologia, com seus instrumentos e mtodos apropriados (Skinner, 1985, p. 295). -rr-

    A linguagem da linguagem , Y~

    Tambm herdamos um sistema conceituai da linguagem da linguagem, no sentido em que regularmente falamos sobre a linguagem. Como o ter- mo mente^a palavra linguagem parece se esquivar da definio e referncia quando tomada da linguagem coloquial para o propsito de anlise cientfica. Vicki Eee (1981)7por exemplo, observou que, a Hespeito da nossa familiaridade com a palavra linguagem, notoriamente difcil apresentar sua definio: As pessoas sabem o que significa linguagem; isto , at que sejam convidadas a definir a palavra, seja nominalmente apontando seu significado ou ostensivamente apontando seu referente. Desse modo, torna-se aparente que o significado de linguagem incerto e obscuro, a despeito da familiaridade e utilidade da palavra no discurso dirio (Lee, 1981, p. 29).

    A respeito do modo como regularmente falamos sobre linguagem, Skinner observou, A linguagem tem o carter de uma coisa, algo que a pessoa adquire e possui. Os psiclogos falam sobre a aquisio de linguagem na criana. Eles dizem que as palavras e sentenas que compem a linguagem so ferramentas usadas para expressar significados, pensamentos, idias, proposi-

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    es, emoes, necessidades, desejos e muitas outras coisas sobre ou da mente do falante (Skinner, 1974, p. 88). A linguagem da mente insinua uma coisa ou lugar; a linguagem da linguagem insinua uma coisa ou estrutura. Como a linguagem da aprendizagem insinua a posse de conhecimento, ento a linguagem da linguagem insinua um programa complexo de palavras~T:gfS'~ gramaticais possudas e armazenadas dentro da pessoa, recuperadas e usadas como uma ferramenta quando requerido. A metfora da armazenagem e recuperao foi discutida acima e uma crtica adicional pode ser apontada aqui acerca de seu uso em relao linguagem, isto , sobre a sugesto de que a linguagem armazenada, recuperada-e-usada-como-uma ferramenta.

    Considere-se uma analogia entre a linguagem das palavras e o que , com freqncia, chamado de linguagem da dana. Dizemos que armazenamos, recuperamos e usamos palavras para transmitir significados. No contexto da dana podemos falar tranqilamente da linguagem da dana transmitindo significados a uma audincia. Um escritor habilidoso, locutor de rdio ou leitor compartilham vrias caractersticas com um danarino habilidoso. Cada qual um especialista altamente treinado ao longo de vrios anos para se comportar de um modo particular. Exceto por deficincias fsicas, qualquer um capaz de danar e falar em algum grau ou outro. Em cada instncia, o nvel e sutileza da habilidade dependero largamente do treino e da linguagem que pode ser ou desempenhada ou escrita. A analogia til porque ilumina o caminho que percorremos para estudar um tipo de linguagem, a linguagem das palavras, pelo modo como geralmente falamos dela. No podemos falar tranqilamente sobre a aquisio da dana pensando nela como se fosse uma entidade tomada e possuda; seria mais fcil nos referirmos ao treinamento de um danarino. Tambm no poderamos nos referir armazenagem e recuperao: onde um danarino armazena uma pirueta ou uma coreografia do bal, por exemplo, um arabesque? Um arabesque no est dentro do danarino em nenhum momento. A pirueta e o arabesque realizam-se no desempenho. Esses movimentos no esto adormecidos, latentes, armazenados dentro do danarino esperando pela recuperao. Eles so eventos transitrios que existem nos ) momentos em que so desempenhS^sT

    Tambm somos inclinados a dizer que um danarino desempenha uma pirueta em vez de dizer que usa uma pirueta, o que ajuda a ilustrar o seguinte argumento de Skinner: No temos maiores razes para dizer que um homem usa a~pfavra gua ao pBIFalgo ^r bBFct^^F para dizerrjG^te^usa um instrumento de alcance ao estender o~brao e pegar o copo oferecido (Skinner, 1957, p. 7). O modo como falamos sobre a linguagem das palavras necessita cuidadosa considerao, antes de permitirmos que seu esquema con-

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    ceitual oriente nossas indagaes cientficas.As linguagens da mente, da aprendizagem e da linguagem ilustram al

    gumas das dificuldades inerentes ao tomarmos o vocabulrio cotidiano comum como ponto de partida para uma anlise cientfica do comportamento. O comportamento verbal_grecede o comportamento cientfico e as palavras, portanto, carregam com elas sistemas conceituais pr-cientfeo^' e metforas quejpT)dem~blocitrearTni'atrap~atKj''a anlise, dirigindo a ateno dos cientistas para propriedades mternas inacessveis pressupostas jjps_organismos e para longe das propriedades acessveis, isto , das relaes entre o comportamento e o contexto no qual ocorre.

    A Gramtica e a Sintaxe da Ao

    Os sistemas conceituais no so as nicas variveis controladoras dissimuladas na linguagem comum. Outras variveis esto, em certo sentido, embutidas mais profundamente do que os sistemas conceituais discutidos acima. Outros aspectos da linguagem comum tambm encorajam um modo particular de olhar para ou pensar sobre o comportamento, e so mesmo mais obscuros do que os sistemas conceituais da mente, aprendizagem ou linguagem, porque eles envolvem a sintaxe da nossa linguagem.

    Hineline (1980) discute que a gramtica e sintaxe do ingls impem limites ao nosso modo de considerar o objeto de estudo da psicologia, limites que so lingsticos - como opostos de lgico (Hineline, 1980, p. 80). Ele identifica dois limites lingsticos que orientam os cientistas em direo a um modo particular de lidar com o comportamento. O primeiro se encontra na falha do idioma ingls em manter uma distino estrit"ntr Verbos (palavras que denotam eventos transitrios) e nomes (palavras que denotam coisas ou objetos durveis ou que tm algum tipo de permanncia')7T)segundo a quase impossibilidade de falar da ao, na lngua inglesa, semlferenda a um agente.

    Categorias gramaticais

    Em sua anlise dos limites lingsticos, Hineline recorre lingstica comparativa de Benjamin Lee Whorf (ver Whorf, 1956). Orientado por sua comparao da gramtica e sintaxe do ingls com vrias linguagens indgenas norte-americanas, Whorf argumenta em seu livro Language, Thought, and Reality (Linguagem, Pensamento e Realidade) que a cincia ocidental disseca o mundo fsico ao longo de linhas especificadas por sua linguagem. As estruturas e processos no so oferecidas cincia ocidental pelo mundo fsico mas,

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    em alguma extenso, j esto presentes em sua linguagem. Ele argumenta que os falantes d^Ingugen^cm diferentes tipos de gramtica so levados a dissecar o mundo ao longo de linhas diferentes: A formulao de idias no um processo independente, estritamente racional no sentido antigo, mas parte de uma gramtica particular e difere, desde levemente at extensamente, entre gramticas diferentes. Dissecamos a natureza ao longo de linhas especificadas pela nossa linguagem nativa (Whorf, 1956, p. 213).

    Whorf examinou a distino entre nomes e verbos no idioma ingls e descobriu que a distino tradicional entre as palavras que designam aes ou acontecimentos e as palavras que designam coisas no bem mantida na

    * 7 prtica, e que muitas palavras que deveriam estar, mais apropriadamente, na forma de verbo porque descrevem eventos transitrios esto, de fato, na forma

    - de nome,sSimilarmente, algumas palavras que denotam eventos estveis e de long^durao, que por causa dessas propriedades deveriam ser classificados como nomes, so encontradas como verbos:

    Se^dizemos que bater, virar e correr so verbos porque denotam eventos transitrios ou de curta durao, isto , aes, por que ento punho [fist] um nome? Isto tambm um evento temporrio. Por que relmpago, fasca, onda, redemoinho, pulsao, chama, tempestade, fase, ciclo, espasmo, rudo e emoo so nomes? Eles so eventos temporrios. Se homemlTcasaso nomes porque so event