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Ministérioda • ""Ciência e Tecnologia UM. ! I 5 D :.v.~.~ ,~.~.~

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o Impacto do

Software Livre e de Código Abertona Indústria de Software do Brasil

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o Impacto do

Software Livre e de Código Aberto

na Indústria de Software do Brasil

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2 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Impacto do

Software Livre e de Código Aberto (SL/CA)

na Indústria de Software do Brasil

Coordenadores

Giancarlo Nuti Stefanuto (coordenação executiva)

Sergio Salles-Filho (coordenação científica)

Equipe de pesquisa

Adrian S. de Witt B.

Ana Maria Carneiro

Angela Maria Alves

Carolina Vaghetti Mattos

José Eduardo De Lucca

Equipe de apoio

Fernando Colugnati (apoio estatístico)

Rogério da Veiga (estagiário)

Apoio editorial

Paula Felício Drummond de Castro

Projeto visual e produção

Serifa Comunicação (www.serifa.com.br)

Este documento está disponível no site www.softex.br

Impresso no Brasil, 2005

O impacto do software livre e de código aberto na indústria de software do Brasil / Softex,

Campinas: Softex, 2005.

76 p.

1. Software livre. 2. Código aberto. 3. Indústria de software.

I. Título. II. Softex.

CDD 005.13

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3Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Sumário

Apresentação ...............................................................................................................................................................6

Introdução ...................................................................................................................................................................7

Capítulo 1. Panorama geral do SL/CA ...........................................................................................................................Panorama geral do SL/CA ...........................................................................................................................Panorama geral do SL/CA 8

1.1 Modelo de desenvolvimento de SL/CA e comunidades ....................................................................................11

Comunidades e colaboração ...........................................................................................................................13

Comunidades brasileiras .................................................................................................................................14

1.2 Licenças .........................................................................................................................................................15

Capítulo 2. Perfil dos desenvolvedores ........................................................................................................................19

2.1 Perfil social, econômico e técnico do desenvolvedor individual .......................................................................20

2.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos desenvolvedores ............................................................21

2.1.2 Perfis dos desenvolvedores (agrupamentos) ............................................................................................24

2.2 Caracterização das empresas desenvolvedoras ................................................................................................30

2.2.1 Caracterização das empresas desenvolvedoras (pequenas e médias) .......................................................31

2.2.2 Estratégias de algumas empresas selecionadas .......................................................................................35

Capítulo 3. Perfil do usuário de SL/CA .........................................................................................................................rio de SL/CA .........................................................................................................................rio de SL/CA 37

3.1 Usuário Individual ...........................................................................................................................................40

3.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos usuários .........................................................................40

3.1.2 Perfis dos usuários (agrupamentos) ........................................................................................................42

3.2 Empresas usuárias ..........................................................................................................................................45

3.2.1 Caracterização das empresas usuárias ....................................................................................................47

3.2.3 Estratégias .............................................................................................................................................48

Capítulo 4. As dimensões econômicas do SL/CA: motivações, setores e modelos de negócios ......................................51

4.1 As motivações para desenvolver e usar SL/CA ..................................................................................................es para desenvolver e usar SL/CA ..................................................................................................es para desenvolver e usar SL/CA 51

4.2 Intensidade de uso de SL/CA em setores e em áreas de aplicação ...................................................................56

4.3 Modelos de negócios em SL/CA ......................................................................................................................cios em SL/CA ......................................................................................................................cios em SL/CA 58

4.3.1 Negócios com SL/CA ..............................................................................................................................4.3.1 Negócios com SL/CA ..............................................................................................................................4.3.1 Negócios com SL/CA 59

4.3.2 Ameaças e oportunidades do SL/CA para a indústria brasileira de software .............................................61

4.3.3 Dimensionamento dos mercados de SL/CA: aspectos gerais ....................................................................63

4.3.4 Dimensionamento dos mercados de SL/CA: quanto é hoje o mercado de Linux no Brasil? .......................68

Conclusões .................................................................................................................................................................71

Bibliografia ................................................................................................................................................................75

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4 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Índice de Quadros

Quadro 1 - Fatos importantes na história da aproximação entre SL/CA e as empresas ..................................................18

Quadro 2 - Comparação com outros surveys no mundo .............................................................................................21

Quadro 3 - Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil e Europa): características socioeconômicas ..................23

Quadro 4 - Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil e Europa): características de atuação com SL/CA ..........24

Quadro 5 - Comparação dos grupamentos de empresas desenvolvedoras ...................................................................34

Quadro 6 - Box resumo com casos ilustrativos de uso de SL/CA por empresas no Brasil ...............................................46

Quadro 7 - Intensidade de uso de SL/CA nos setores econômicos - situação atual ......................................................57

Quadro 8 - Relações entre modelos de negócios específicos para SL/CA e da indústria de software ............................61

Quadro 9 - Importância relativa da apropriabilidade do software para os modelos de negócios da indústria eprincipais programas livres desenvolvidos por modelo de negócio ...............................................................................62

Índice de Tabelas

Tabela 1 - Comparação dos agrupamentos de desenvolvedores individuais ..................................................................27

Tabela 2 - Sistemas Operacionais nos servidores no Brasil ...........................................................................................38

Tabela 3 - Caracterização socioeconômica dos agrupamentos de usuários individuais ..................................................44

Tabela 4 - Caracterização da utilização de SL/CA dos agrupamentos de usuários individuais ........................................45

Tabela 5 – Motivos para desenvolvimento e uso de SL/CA ..........................................................................................53

Tabela 6 - Número de servidores web e respectivos programas no mundo (2004) .......................................................66

Tabela 7 - Número de servidores web e respectivos programas – Brasil (2004) .............................................................68

Índice de Gráficos

Gráfico 1 - Principais sistemas operacionais utilizados em servidores ...........................................................................37

Gráfico 2 - Sistemas operacionais por tipo de operação ..............................................................................................38

Gráfico 3 - Software de banco de dados transacionais ...............................................................................................39

Gráfico 4 - Idade dos usuários ....................................................................................................................................40

Gráfico 5 - Distribuição dos usuários por região ..........................................................................................................41

Gráfico 6 - Se considera parte de alguma comunidade ...............................................................................................41

Gráfico 7 - Localização das empresas usuárias ............................................................................................................47

Gráfico 8 - Faturamento empresas usuárias ................................................................................................................48

Gráfico 9 - Número de empregados de empresas usuárias ..........................................................................................48

Gráfico 10 - Razões de desenvolvimento e/ou distribuição de SL/CA, respondido por desenvolvedores .......................52

Gráfico 11 - Razões de uso de SL/CA, respondido por usuários ..................................................................................52

Gráfico 12 - Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedores ...................................................................60

Gráfico 13 - Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedores ..................................................................60

Gráfico 14 - Evolução esperada do mercado de produtos Linux .................................................................................65

Gráfico 15 - Taxas de adoção de Linux em equipamentos novos e usados ..................................................................65

Gráfico 16 - Evolução do mercado de servidores .........................................................................................................67

Gráfico 17 - Evolução do mercado de planilhas ..........................................................................................................67

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5Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Índice de Figuras

Figura 1 - Representação esquemática da comunidade e das sub-comunidades que se relacionam com SL/CA ............Figura 1 - Representação esquemática da comunidade e das sub-comunidades que se relacionam com SL/CA ............Figura 1 - Representação esquemática da comunidade e das sub-comunidades que se relacionam com SL/CA 14

Figura 2 - Possíveis evoluções do licenciamento de um software livre e de um software proprietário ............................17

Figura 3 - Análise de correspondência do perfil técnico e profissional dos desenvolvedores individuais ........................25

Figura 4 - Análise de correspondência do perfil das empresas dos desenvolvedores .....................................................32

Figura 5 - Análise de correspondência do perfil dos usuários de SL/CA ........................................................................Figura 5 - Análise de correspondência do perfil dos usuários de SL/CA ........................................................................Figura 5 - Análise de correspondência do perfil dos usuários de SL/CA 42

Figura 6 - Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos de negócios de SL/CA,caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital nacional ................................................................................62

Figura 7 - Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos de negócios de SL/CA,caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital estrangeiro ............................................................................63

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6 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Apresentação

O modelo de software livre/código aberto (SL/CA) tem despertado o interesse e suscitado reflexões nos mais diversos âm-bitos (governo, academia, empresas, etc), no Brasil e no exterior. O surgimento de uma rede virtual de desenvolvedores e usuários, complexa, auto-organizada, com motivações diversas e a existência de novas formas de licenciamento de software sinalizam a introdução de novas variáveis no setor de software. O software livre desponta como opção estratégica para o desenvolvimento tecnológico com vistas à inclusão social, a partir de experiências bem sucedidas em diversas localidades do Brasil.

O Observatório Econômico da Softex e o Departamento de Política Científica e Tecnológica da UNICAMP realizaram, com o apoio do MCT, uma pesquisa para aprofundar o entendimento do impacto do software livre no Brasil. Foram estudados aspectos como abrangência de utilização, capacitação dos desenvolvedores e, particularmente, os impactos que dizem respeito às empresas de software (capacitação, modelos de negócios etc).

Os resultados apresentados compõem a maior pesquisa individualizada por país já realizada em todo o mundo. As princi-pais conclusões indicam que, apesar de não se tratar de uma ruptura tecnológica, o modelo SL/CA traz uma nova forma de desenvolver e licenciar software que está quebrando modelos tradicionais de apropriabilidade e de desenvolvimento tecnológico.

O fenômeno de construção, interação e geração de resultados pelas comunidades é algo sem precedentes na história do setor de software. Em boa parte destas comunidades inexistem laços formais para participação e parece haver um crescente fluxo de geração de novas comunidades e do processo de aprendizagem coletiva.

Os resultados desta pesquisa contradizem alguns mitos em relação ao modelo SL/CA no Brasil. O perfil dos desenvolve-dores brasileiros é semelhante ao perfil europeu, que é bastante profissionalizado, com a predominância de profissionais qualificados: administradores de sistemas, técnicos de redes, empresários, pesquisadores e estudantes com nível superior. Dentre as empresas desenvolvedoras há o predomínio de pequenas empresas, mas grandes empresas também já adotam este modelo para realização de negócios.

Quanto aos usuários, o perfil se inverte. Há predomínio de grandes organizações, com destaque para os setores de tecnolo-gias da informação e comunicação, governo, comércio e educação. Suas principais motivações são econômicas (diminuição de custos) e técnicas (desenvolvimento de novas habilidades).

Estima-se que no Brasil o mercado de sistemas operacionais baseados em SL/CA tenha uma dimensão de no mínimoR$ 77 milhões, considerando-se somente a venda de distribuições e serviços correlatos do Linux, com potencial de cresci-mento de 2,5 a 3 vezes até 2008. Sendo este um modelo fortemente associado à prestação de serviços, há a existência de uma parcela considerável de serviços comercializados, que não pôde ser computada, dada a inexistência de estatísticas sobre o modelo SL/CA no Brasil. Também faltam estatísticas e metodologia para mensurar o mercado de linux nos embar-cados.

Do ponto de vista das características concorrenciais, o SL/CA ameaça fortemente o modelo de pacotes (plataformas e sistemas operacionais), componentes de software (enquanto a ênfase de sua utilização for como produto) e produtos customizáveis, exatamente porque esses modelos têm na apropriabilidade (manter códigos fechados) um fator essencial de concorrência. Já os modelos de serviços e de embarcados, por terem maior especificidade e menor importância de apro-priabilidade por meio de códigos fechados, constituem modelos com maiores oportunidades de investimento. A pesquisa indica como o SL/CA acelera a transição da indústria de software dos produtos para os serviços.

O SL/CA está se profissionalizando no país e começa a sair da periferia da indústria em direção ao seu centro. O SL/CA, ao nascer de uma contestação aos mercados proprietários mais poderosos da indústria (Unix, Windows, Office), revelou todo seu apelo político, institucional e emocional. Este apelo chamou a atenção de muita gente, dos que tinham (e têm) como filosofia um espírito libertário e contrário à apropriação restritiva do conhecimento, aos que viam uma oportunidade de der-rubar o maior e mais conhecido gigante da indústria de software, passando pelas grandes corporações que viram (e vêem) no SL/CA uma enorme oportunidade de se desfazer de uma incômoda taxa de monopólio que restringe seus negócios. Os interesses no SL/CA são diversos e muitas vezes antagônicos, como é apresentado ao longo deste trabalho que merece ser lido por todos que estudam este setor.

Uma onda de software livre percorre o mundo. Que seja bem vinda também no Brasil.

Arthur Pereira Nunes

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7Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Introdução

Este documento apresenta os resultados da pesquisa Impacto do Software Livre e de Código Aberto (SL/CA) na Indústria de Software do Brasil realizada pelo Observatório Econômico da Sociedade Softex em parceria com o Departamento de Política Científica e Tecnológica da Unicamp com o apoio do MCT. O objetivo deste estudo foi realizar um primeiro levantamento das formas de organização técnica e econômica de software livre e código aberto (SL/CA) no Brasil. Fazem parte deste objetivo a identificação dos principais mercados e modelos de negócio relacionados a SL/CA; um levantamento de compe-tências em SL/CA no país (desenvolvedores, empresas especializadas, etc); um levantamento dos consumidores e usuários; a identificação das condições de apropriabilidade envolvidas em SL/CA e outros ativos complementares fundamentais ao desenvolvimento e uso de SL/CA.

Quatro foram as principais fontes de informação levantadas pelo estudo:

a) um painel de especialistas;

b) uma enquete eletrônica com 3.657 respondentes (a maior já realizada dentro de um único país);

c) um conjunto de entrevistas com empresas desenvolvedoras e usuárias de software livre e open source (SL/CA); e

d) um levantamento exaustivo de informações secundárias sobre empresas que lidam com SL/CA no Brasil.

A partir destas fontes, o trabalho apresenta o maior conjunto de informações sobre o tema SL/CA já realizado até o mo-mento no país. O texto que segue possui a seguinte estrutura:

No Capítulo 1, Panorama geral do SL/CA, o objetivo é apresentar o que é e como se organiza o SL/CA, bem como as tendências que estão sendo delineadas nos cenários nacional e internacional, os instrumentos de apropriabilidade (tipos de licença e formas de apropriabilidade), as comunidades e suas características básicas, além das implicações gerais para a organização econômica da indústria de software.

No Capítulo 2, Perfil dos desenvolvedores, o objetivo é identificar e analisar o perfil social, econômico e técnico do desenvolvedor (indivíduos e empresas) incluindo-se suas áreas de atuação e perfil empreendedor.

No Capítulo 3, Perfil do usuário, o objetivo é identificar e analisar o perfil técnico e socioeconômico dos usuários, indi-víduos, empresários e empresas.

O Capítulo 4, As dimensões econômicas do SL/CA: motivações, setores e modelos de negócio apresenta as motivações dos diferentes envolvidos com SL/CA no Brasil; os setores econômicos e as áreas de aplicações com maior in-tensidade de uso e desenvolvimento de SL/CA e, por fim, enfoca os modelos de negócios relacionados a SL/CA e faz uma análise das implicações para a indústria de software. Complementarmente, este capítulo faz uma estimativa do mercado de Linux no Brasil no final do ano de 2004.

Finalmente, as conclusões recuperam questões encontradas ao longo do trabalho e se dedicam a discutir aspectos rela-cionados às políticas e sua importância para o fomento ao SL/CA no País.

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8 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Panorama geral do SL/CA

Capítulo 1Panorama geral do SL/CA

A dinâmica do software livre/código aberto (SL/CA) é o mais recente e interessante fenômeno no cenário da informática (e que ultrapassa suas próprias fronteiras), gerando um nível de interesse similar aos dos primeiros momentos da Internet comercial. A conceituação de software livre surgiu em 19831 e ganhou maior divulgação recentemente. Os mais de 20 anos de evolução permitiram ao SL/CA avançar em diversos aspectos: técnico, político-estratégico, adequação às necessidades dos usuários, qualidade, segurança, etc. Esta evolução é re-sultado de um conjunto heterogêneo de eventos, atores e perspectivas. Na verdade, trata-se de um processo evolutivo, cujos caminhos ainda estão sendo trilhados. Este processo coletivo interrelaciona-se de forma muito intensa, criando grandes comunidades de prática, em que há engajamento em torno de um domínio comum no qual, em alguns casos, ocorre a socialização de conhecimento e de práticas2. Esta dinâmica envolve o de-senvolvimento de software (e de material relacionado, como documentação), difusão, estímulo e apoio ao uso de SL/CA, que chega até uma visão e ação empresarial, que encontra no SL/CA uma importante opção de crescimento.

Os princípios do SL/CA fundamentam-se nas premissas básicas de liberdade de expressão, acesso à informação e do caráter eminentemente coletivo do conhecimento, que deve ser construído e disponibilizado democratica-mente, e não privatizado. Dentro do modelo de SL/CA, o software é somente mais uma forma de representação ou de organização do conhecimento e, por isso, um bem comum. Como tal, sua difusão e uso devem ser livres. Para que estes princípios sejam efetivamente respeitados, existem alguns requisitos como o acesso ao código fonte dos programas e liberdades concedidas aos usuários dos mesmos.

De forma resumida, entende-se por SL/CA todo software que oferece ao usuário, através do seu esquema de licenciamento3, as condições de uso, reprodução, alteração e redistribuição de seus códigos fonte. Também é importante destacar que o modelo de desenvolvimento e o de disponibilização do software são características que distinguem o software livre do proprietário. Estas peculiaridades serão devidamente tratadas ao longo deste documento.

Duas denominações convivem com esta definição básica: a de software livre e a de software de código aberto. Os termos são tradução direta dos utilizados em inglês: “free software” e “open source software”. Na verdade, estas denominações contêm similaridades e diferenças. Ambas significam mudanças substantivas na indústria de software, seja do ponto de vista do usuário final, do desenvolvedor de software, ou de outros agentes re-lacionados.

No presente estudo foi usada a expressão software livre e código aberto (SL/CA) para definir o conjun-to dos produtos e serviços não proprietários que deveriam ser pesquisados. De acordo com a literatura e mesmo com a prática, software livre (SL) e de código aberto (CA) são categorias distintas, ou pelo menos

1 A rigor, o software surgiu livre e rapidamente transformou-se em negócio proprietário.

2 Etienne C. Wenger em 1991 (Lave et al, 1991) cunhou o termo “comunidades de prática”, definindo-as como grupos de pessoas que partilham um interesse e que se unem para desenvolver conhecimento de forma a criar uma prática em torno desse tópico. Estas comunidades não estão vinculadas a estruturas hierárquicas ou institucionais. O fato de possuir fronteiras flexíveis (a filiação é aberta) a difere de uma típica unidade funcional de uma empresa, e potencializa as oportunidades de aprendizagem em situações concretas.

3 Legalmente, a forma como um usuário pode “relacionar-se” com um software é definida através de uma licença de uso, que é escrita/definida/escolhida pelo produtor do software, e que deve ser aceita e respeitada pelo usuário. A legislação brasileira que trata do assunto é a lei nº 9.609, de 19/02/1998, artigos 9º e 10º, de Registro de Programa de Computador (www.inpi.gov.br).

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9Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

identificáveis, ainda que façam parte de um mesmo tema: a produção e uso de software não proprietá-rio. Na verdade, a dúvida mais comum não é exatamente em torno do significado dessas duas categorias, mas em torno da gratuidade ou não do produto ou do serviço4. Software livre, assim como código aberto, são ativos que podem ou não ser monetizados e transacionados nos mercados, dependendo da situação.Software Livre, portanto, não diz respeito à gratuidade, mas à liberdade. Liberdade definida basicamente por se poder modificar, reproduzir e utilizar livremente, desde que não se restrinja o uso e a capacidade de uso por outrem. Nas palavras de R. Stallman, em seu Manifesto GNU5:

“GNU is not in the public domain. Everyone will be permitted to modify and redistribute GNU, but no distributor will be allowed to restrict its further redistribution. That is to say, proprietary modifications will not be allowed. I want to make sure that all versions of GNU remain free” (Stallman, 1985).

A idéia de que SL/CA não é domínio público (porque o que está em domínio público pode ser transformado e apropriado e, assim, não valem os direitos de autor) é um diferencial importante que leva à criação de toda uma categoria de licenças. É preciso garantir que o produto/conhecimento desenvolvido sob a égide do SL não venha a ser apropriado. O conhecimento deve, portanto, nascer e se desenvolver livre. Resumidamente, seriam quatro as categorias de liberdade a serem preservadas (Augusto, 2003; Barahona et al, 2003):

• liberdade para executar o programa para qualquer fim, em qualquer ponto e a qualquer tempo;

• liberdade de estudar o funcionamento do programa e adaptá-lo às necessidades de quem o estuda;

• liberdade de redistribuição de cópias;

• liberdade para melhorar o programa e publicar as melhorias.

Um programa é considerado “livre” se os usuários dispõem de todas essas liberdades6. Caso contrário ele po-derá ser, no máximo, código aberto.

O GNU é uma demonstração da contestabilidade dos mercados de software. Sem quebrar direitos7 e sem ferir legislações alterou-se uma trajetória institucional de organização da indústria e instituiu-se uma trajetória para-lela, similar em seus princípios técnicos e tecnológicos, mas diferente em sua organização. As formas Catedral e Bazar de desenvolvimento, descritas por Eric Raymond (Raymond, 2001), são modelos organizacionais efe-tivamente diferentes: uma, hierárquica, controlada no interior do projeto ou da firma; outra, não hierárquica, conduzida pelas comunidades de SL. Ambas com regras e “códigos” de conduta próprios: uma baseada nos ganhos de propriedade, outra baseada no trabalho e uso coletivos.

Essa seria a essência do SL. Sua origem tem motivações ideológicas (as declarações de Stallman em seu Mani-festo e em várias entrevistas e escritos comprovam isso), sua proposta altera substantivamente as condições nas quais um programa de computador pode ser desenvolvido e, mais que isso, utilizado.

Seu desenvolvimento, ao longo dos últimos vinte anos, tomou vários rumos, mas sua maior expressão prática foi e ainda é o Linux, um sistema operacional que disputa espaço com os sistemas operacionais proprietários mais difundidos no mundo, como Windows, Windows Server, Unix, Novell e sistemas de mainframe (FIESP/

4 Como visto no primeiro capítulo, o movimento inicialmente denominava-se Free Software, mas a dubiedade do termo “free” levou Eric Raymond e Bruce Perens em 1998 a fundarem o movimento de software open source, que incorporava essencialmente as mesmas práticas de licença do software livre, mas procurava enfatizar mais os benefícios práticos dessas licenças do que os princípios ideológicos para, assim, aumentar a aceitação do software open source pelas empresas de software (von Hippel e von Krogh, 2003; Hertel et al, 2003).

5 GNU significa “GNU is not Unix”, uma brincadeira com a característica recursiva da programação.

6 http://www.gnu.org/philosophy

7 Isso não é exatamente consensual, há vários processos judiciais (Linux x Unix) e as ameaças sobre o Linux por supostamente ter ferido dezenas de patentes da Microsoft.

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10 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Panorama geral do SL/CA

CIESP e FEA/USP, 2004). Daí sua grande importância para o entendimento da dimensão econômica do SL. Nas palavras de Eric Raymond, “Linux é subversivo”. E de fato o é, em vários sentidos. No que interessa para o presente trabalho, o Linux altera condições técnicas e econômicas básicas da organização da indústria de software, a começar pela formação de preços e pela organização industrial (estruturas de mercado e modelos de negócios relacionados à indústria).

O termo código aberto (ou open source) é, em princípio, uma categoria que enfatiza apenas a abertura dos códigos dos programas. Assim, seria um conceito diferente do de SL porque os princípios de liberdade não necessariamente deveriam ser observados. Entretanto, há autores que usam o termo CA como sinônimo de SL, não fazendo distinção categórica entre eles (European Comission, 2000).

Ao se tomar as características de uma licença CA dada pela Open Source Initiative – OSI8, tem-se o seguinte conjunto de princípios:

1. distribuição livre, sem pagamento de royalties ou semelhantes;

2. código fonte deve sempre estar aberto;

3. permitir modificações e trabalhos derivados;

4. garantir integridade autoral do código fonte;

5. não discriminar pessoas ou grupos;

6. não discriminar áreas de conhecimento, setores, atividades;

7. direitos de licença redistribuídos sem necessidade de licenças adicionais pelas partes;

8. a licença não deve ser ligada a um produto específico;

9. a licença não pode restringir outros softwares que são divulgados conjuntamente.

Em resumo, pode-se dizer que há uma diferença conceitual entre SL e CA, embora ambos tratem de desen-volver programas com códigos abertos, coletivamente, e de conferir liberdade de uso desses programas. Os princípios da OSI são muito parecidos com os preconizados pela General Public License (GPL), exceto pelo fato de dar ênfase aos direitos autorais e por não restringir, na ponta, o fechamento do código para uso proprietá-rio. Esta última, talvez, seja a principal diferença entre SL/CA. De toda forma, há um conjunto de atividades de desenvolvimento de programas que são organizados da mesma forma, seja como SL ou como CA. Esta forma é o que Raymond (2001) apropriadamente chamou de Bazar: horizontal, coletiva e cooperativa, baseada nas comunidades de SL.

A única conclusão possível sobre a percepção é a que não há consenso sobre filosofia e implicações para a forma de atuação de desenvolvedores e usuários. Entretanto, é possível afirmar (inclusive pela literatura e pelas manifestações dos entrevistados) que a noção de SL é mais ideológica que a de CA, e que esta reúne um con-junto maior de pessoas (praticamente todos os que pensam que a forma de trabalho é semelhante, mais os que enfatizam as diferenças e que eventualmente trabalham para projetos de CA), provavelmente porque é menos radical em suas proposições e permite aproveitar as vantagens do desenvolvimento aberto sem perder alguns possíveis estímulos relacionados a direitos de autoria e usos proprietários futuros.

No fundo, a percepção de uma ou outra categoria é resultado do posicionamento das comunidades desenvol-vedoras. Do ponto de vista dos usuários, especialmente as grandes corporações usuárias de Linux, a distinção é percebida, mas não tem importância na tomada de decisão, exceto para saber localizar-se entre as comuni-dades.

8 http://www.opensource.org/docs/definition.php, citado por Arroyo et al (2004).

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11Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Neste trabalho, software livre e software de código aberto serão usados indistintamente para fins de simplifica-ção, agrupados sob o termo SL/CA9. Será dado o destaque necessário quando houver necessidade de distingui-los. A principal diferença entre estas denominações, como dito, está na perspectiva do indivíduo. Enquanto as idéias de software livre estão mais vinculadas às questões de garantia e perpetuação das liberdades citadas, as de código aberto estão mais ligadas a questões práticas de produção e negócio, como a agilização do desen-volvimento do software através de comunidades abertas.

Se um desenvolvedor desejar criar um novo software utilizando trechos de software originariamente apresen-tados com uma licença de código aberto, poderá, a seu exclusivo critério, utilizar qualquer outra licença, inclu-sive uma que não outorgue nenhum daqueles direitos originais (liberdade de utilização, cópia, modificação e redistribuição). É o que tradicionalmente se denomina “fechar” o código.

Esta situação não deve ocorrer se o software tiver sido originariamente apresentado com uma licença desoftware livre (como a General Public License, GPL), pois os direitos originais outorgados aos usuários devem, supostamente, ser propagados para todas as novas versões e trabalhos derivados criados a partir daquele origi-nal, impedindo, em tese, que se “feche” o código. Dizemos em tese porque nada impede que o próprio autor resolva, em algum momento, colocar seu desenvolvimento em uma outra licença, menos restritiva que aquela inicialmente registrada. O direito de autor sempre se sobrepõe, pelo menos no plano legal, aos muitos tipos de licenças que hoje são utilizadas em SL/CA.

1.1 Modelo de desenvolvimento de SL/CA e comunidades

Tradicionalmente, o desenvolvimento de software (proprietário) é realizado por grupos de desenvolvedores dentro de uma empresa ou de empresas contratadas para tal, sob contratos que impedem a divulgação e o uso de informações relacionadas ao produto em desenvolvimento. Tudo está envolvido em questões de sigilo industrial e de propriedade intelectual (direito de autor) e o conhecimento relacionado à produção dossoftwares é considerado um ativo muito importante da organização proprietária.

O SL/CA permitiu o surgimento de inovadores modelos de desenvolvimento de software, com colaboração em rede de desenvolvedores. Estes modelos são substancialmente diferentes das práticas estabelecidas pela engenharia de software tradicional. A Internet foi (e é) um ponto-chave desta mudança, pois proporcionou uma grande expansão nesta forma de organização do trabalho, permitindo a criação simples e ágil de redes com participantes de todas as partes do mundo e, colateralmente, distribuindo know-how, melhores práticas e responsabilidades para todos os participantes destas redes, sejam eles desenvolvedores, tradutores ou simples usuários, que colaboram com sugestões de melhorias e relatando bugs. Estas redes, entretanto, podem ser mais ou menos “livres”. Podem ser sistemas complexos que se auto-organizam ou podem ser sistemas hierár-quicos, com regras e níveis de acesso diversificado.

O desenvolvimento do kernel do Linux,10 por exemplo, explorou, no princípio, uma forma descentralizada e coletiva de projeto de desenvolvimento, largamente viabilizada pela Internet. O autor original do Linux, Linus Torvalds, manteve o controle do projeto do sistema operacional, mas abriu o processo de forma que outros pudessem acompanhar seu trabalho e progresso e, acima de tudo, pudessem contribuir para a identificação e solução de problemas. Por este processo, o desenvolvimento do Linux tornou-se o resultado de um ambiente de aprendizagem coletiva, no qual a tarefa estratégica do líder é dar a palavra final sobre possíveis disputas, ao

9 Em outros países, entretanto, o termo preferido para unir os dois conceitos é “open source software” (software de código aberto), freqüentemente abreviado como OSS.

10 O kernel é o núcleo central do sistema operacional GNU/Linux, um dos exemplos mais bem sucedidos de software livre atualmente, tanto do ponto de vista do produto quanto do processo de desenvolvimento, que garante uma evolução constante e coordenada. Em outros capítulos deste trabalho voltaremos a este ponto, especialmente no capítulo 4.

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mesmo tempo em que estimula, facilita e mantém o fluxo de idéias, conhecimento, experiências, etc (Molina, 2003).

Com a generalização destas práticas, as implicações para o desenvolvimento de software foram marcantes: a Internet tornou-se o ambiente de desenvolvimento de projetos e todos os que podem e desejam colaborar podem fazê-lo em um processo coletivo com diversas formas de colaboração (programação, indicação de fa-lhas, sugestão de melhorias, tradução, documentação, divulgação ou mesmo financeiramente). São coletivos heterogêneos e fracamente relacionados (somente uma motivação comum os une: o desenvolvimento de um software específico), geralmente sem contratos formais ou vínculos a empresas ou organizações para o desen-volvimento do software. A esses coletivos tradicionalmente denomina-se comunidade de desenvolvimento de software.11

Nestas condições, o desenvolvimento de um software exige a atuação de líder(es) de projeto, em geral, a(s) pessoa(s) com atuação mais destacada no mesmo, que decide(m) quais colaborações serão incorporadas na próxima versão do software, quais as prioridades e os rumos do projeto, ouvida a comunidade que se forma ao redor do mesmo. Exemplos claros deste modelo de governança (com variações próprias de cada uma) são as comunidades Apache (www.apache.org) e a de desenvolvimento do kernel do Linux (kernel.org). Aplica-se, na maioria dos projetos de desenvolvimento de software livre, um princípio baseado nos méritos dos participan-tes naquela comunidade. O conceito de mérito pode variar de comunidade para comunidade, mas em geral envolve questões como quantidade e qualidade de código contribuído, sugestões e participação ativa e ainda coerência e opiniões construtivas em debates sobre os rumos do projeto. Quando prevalecente, esta forma de governança é essencialmente meritocrática, mas tem também conteúdo estratégico e de segurança.

Este modelo de desenvolvimento também permite que muitos indivíduos e empresas possam colaborar para a criação de um software que nenhum deles seria capaz de desenvolver individualmente, pela complexidade ou pelo custo. Portanto, trata-se de uma forma de organização que aproveita economias de escala e de escopo. Também permite uma correção rápida de falhas e o aumento da segurança, porque o código fonte pode ser inspecionado publicamente e isto faz com que ele seja exposto a severas avaliações e por haver uma grande quantidade de pessoas que podem colaborar com a correção das falhas detectadas. Outra característica in-teressante é a possibilidade de se realizar alterações específicas, de acordo com as necessidades individuais de cada usuário, gerando diversas versões personalizadas e que atendem perfeitamente cada característica demandada.

O modelo de desenvolvimento também favorece a possibilidade de bifurcação de projetos: no caso de não haver acordo quanto aos rumos de um determinado projeto (ou seja, se um grupo de pessoas ou mesmo uma pessoa que participa do desenvolvimento discordar dos rumos definidos pelo(s) líder(es)), sempre há a possi-bilidade de dar início a um novo projeto, com novas prioridades e rumos, aproveitando todo o código já de-senvolvido no projeto original, dando a partida do ponto exato em que houve a ruptura12, enquanto o projeto original segue suas diretrizes definidas.

Atualmente, a forma de organização do trabalho relacionado ao desenvolvimento de software tem suscitado muito interesse entre pesquisadores de diversas áreas, desde o direito até a ciência política, e, claro, a eco-nomia. O termo commons-based peer-production13 já foi utilizado para definir esta forma de produção. O

11 Como se verá adiante, há comunidades mais ou menos profissionalizadas. A do desenvolvimento do kernel do Linux, por exemplo, é hoje completamente hierárquica, coordenada e seus membros mais próximos, profissionais de software.

12 Esta situação é conhecida como “fork” (bifurcação, desvio) em um grupo de desenvolvimento. É relativamente comum. Também podem ocorrer “forks” quando um grupo, com necessidades específicas, decide iniciar um projeto usando grande parte de código de um projeto já em andamento, mas que tem outros objetivos (por exemplo, um grupo que deseja criar um sistema de apoio a educação à distância, e inicia seu projeto trabalhando com código de um sistema genérico de gerenciamento de conteúdo de sites).

13 Uma possível tradução para esta expressão seria: “Produção de bem comunal realizada entre pares”.

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criador do termo, Yochai Benkler (Benkler, 2002), caracteriza este modelo de desenvolvimento de SL/CA como o exemplo mais visível de um novo fenômeno socioeconômico que define um terceiro modo de produção, que está mais adequado ao ambiente digital em rede. Segundo o autor, este novo modo de produção diferencia-se dos tradicionais modelos baseados em propriedade (firmas) e em contratos (mercados), pois sua característica central é a de grupos de indivíduos que colaboram em grandes projetos, por motivações e sinalizações sociais diversas em vez de preços de mercado e de comando hierárquico-gerencial, típicas das duas outras formas de produção.

O professor de economia da Universidade da Califórnia em Berkley, J. Bradford DeLong14, destaca o nascimen-to, no âmago das comunidades de desenvolvimento de SL/CA, de uma nova modalidade de organização social, diferente das 3 ferramentas convencionais de engenharia social que ele reconhece como utilizadas pela huma-nidade para organizar a divisão de trabalho em larga escala: mercados, hierarquias e carisma.15

Comunidades e colaboração

Na realidade, o termo “comunidade”, usado acima, é aplicado em diferentes contextos a diferentes grupos de pessoas, com maior ou menor granularidade. Aplica-se, por exemplo, em um contexto generalista, a todo o coletivo de pessoas que se relaciona com SL/CA, que compreende não somente um projeto ou um tema, mas os participantes de todas as comunidades vinculadas de alguma forma ao desenvolvimento, uso, difusão ou apoio do SL/CA. Estas comunidades podem ser, por exemplo, grupos de usuários, grupos de desenvolvedores, grupos mistos, grupos de debates técnicos, grupos de debates políticos, grupos de organização e articulação, grupos que usam/desenvolvem um software em comum. A figura 1 ajuda a ilustrar esses arranjos, procurando representar o envolvimento dos diversos autores em um projeto.

Este último tipo de grupo é o que mais comumente se define como comunidade: aquelas que se formam em torno de um software ou de projeto de desenvolvimento de software. São exemplos típicos a comunidade Mozilla16, a comunidade Mambo17 e outras, em que se reúnem desenvolvedores, usuários e interessados para debater e aprimorar uma ferramenta em particular. Estas comunidades também podem se subdividir em outras mais específicas, como uma sub-comunidade de desenvolvedores (que trata questões técnicas de desenvolvi-mento e encaminha a solução de problemas) e uma sub-comunidade de suporte (que oferece ajuda a usuários iniciantes e/ou em dificuldades para utilizar determinado recurso do software em questão). As comunidades são uma característica marcante de boa parte de projetos de desenvolvimento de SL/CA. Quanto mais destaca-dos os projetos, maiores as comunidades que se formam ao seu redor. Embora o papel central nestes projetos seja os dos desenvolvedores, a eles logo se somam os usuários do software, que também contribuem de uma forma ou outra, para a evolução dos mesmos. Em software, como se sabe, o learning by using é absolutamen-te crítico, quer seja pela descoberta de bugs, quer seja pela sugestão de melhorias. Existem ainda os usuários não-ativos, que raramente participam dos debates sobre um software, o que os coloca em posição isolada da comunidade, mas ainda assim são considerados como tal (contam em estatísticas de usuários, por exemplo).

Outros colaboradores também se unem às comunidades, como tradutores, investidores, artistas gráficos (con-tribuem com ícones, layouts, estudos de usabilidade) e editores de livros.

Um fator fundamental para a existência destas comunidades é a facilidade de comunicação propiciada pela Internet, permitindo a interação, cooperação e mesmo competição entre seus membros.

14 Citado por Imre Simon (2004) em www.ime.usp.br/~is/Benkler/cbpp.html

15 Entretanto, pode-se, do ponto de vista da análise econômica, incorporar o elemento “carisma” aos atributos de incerteza, oportunismo e freqüência normalmente ligados às decisões contratuais (fazer ou buscar fora).

16 www.mozilla.org

17 www.mamboserver.com, www.mamboforge.net

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Figura 1 – Representação esquemática da comunidade e das sub-comunidades que se relacionam com SL/CA

A colaboração vem se tornando cada vez mais rica, pois ao longo do tempo foram sendo criadas e aperfeiço-adas ferramentas apropriadas para cada atividade: sistemas distribuídos de controle de versões de software e sistemas de rastreamento e controle de bugs são dois exemplos de ferramentas para desenvolvedores, enquan-to listas de discussão, fóruns e chats, sites web e outros são utilizados tanto por desenvolvedores quanto por usuários. Muitas vezes, comunidades grandes promovem também encontros presenciais regionais, nacionais ou mesmo internacionais.

Existem ainda as comunidades que se organizam em torno de temas de debate relacionados a questões rele-vantes no seio das demais comunidades de SL/CA. São grupos heterogêneos, que envolvem usuários, desenvol-vedores e quadros políticos, e que podem ter como foco das discussões questões de uso de SL/CA, estratégias de divulgação e difusão e articulação político-estratégica.

Comunidades brasileiras

Em pesquisa recente (Reis, 2003) foram identificadas algumas características referentes às comunidades bra-sileiras de desenvolvimento de software livre. O perfil das comunidades brasileiras avaliadas é o de pequenos grupos, com cinco indivíduos em média, em que tanto são desenvolvedores quanto usuários dos softwares em torno do qual se organizam. É muito freqüente que existam participantes com mais de cinco anos de experiên-cia nestas comunidades, o que representa uma base sólida para que um projeto avance. Alguns exemplos de comunidades brasileiras de desenvolvimento de software são:

• OpenOffice18: comunidade dedicada à localização ao português do Brasil e ao desenvolvimen-to complementar (dedicados ao usuário brasileiro) do conjunto de ferramentas de escritórioOpenOffice.org

• Mozilla19: comunidade de usuários, desenvolvedores e interessados no Mozilla para o Brasil. Além da tradução das aplicações, o foco é a divulgação e suporte para os usuários do país.

18 http://openoffice.org.br

19 http://mozilla.org.br

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• MonoBASIC20: comunidade de desenvolvimento que se propõe criar um compilador livre para a lingua-gem VisualBasic.Net, integrado ao projeto Mono.

• Care2xBrasil21: sistema integrado de aplicativos para área da saúde.

Existem diversos outros projetos brasileiros de desenvolvimento de software em torno dos quais formam-se comunidades (algumas de usuários, outras de desenvolvedores). Os projetos mais conhecidos, segun-do pesquisa realizada pelo site br-Linux.org em 200322, são o Kurumin (distribuição Linux de uso fácil),WindowMaker (ambiente gráfico), txt2tags, rau-tu, dsearch, brazip, slackpkg e sarg.

Por outro lado, no Brasil também há uma profusão de comunidades temáticas, cujo escopo costuma variar muito, desde pequenos grupos locais, até grandes grupos nacionais. Exemplos claros são as diversas comuni-dades intituladas Projeto Software Livre (PSL), onde existem os PSL estaduais (PSL-SC, PSL-RJ, PSL-BA, por exemplo) e os temáticos (PSL-Mulheres, PSL-Jurídico, etc), além do PSL-Brasil, que, em tese, reúne toda a co-munidade de software livre brasileira interessada em debater questões estratégicas e articular-se nacionalmente em prol do SL/CA.

Também são muito comuns no Brasil as comunidades de informação, nas quais há intensa troca de informa-ções, conteúdo, dicas, etc. São exemplos claros o site br-Linux.org e a lista Dicas-L23.

1.2 Licenças

Da mesma forma que o software proprietário, a distribuição e o uso de SL/CA estão baseados em licenças. O usuário de um software deve concordar e aceitar a licença associada ao software para utilizar os códigos que ali estão. Estas licenças têm a força de um contrato de adesão, no qual o usuário compromete-se a respeitar as regras propostas pelo titular do software e pode ser processado no caso de descumpri-las (isto não o coloca na ilegalidade, a não ser que ele transgrida leis relacionadas ao direito de autor, ou de uma licença associada a patentes). São as regras definidas nestas licenças de uso que definem se um software é considerado livre, de código aberto ou não-livre (proprietário). Como já citado, as licenças de SL/CA autorizam qualquer usuário a utilizar, copiar, modificar e distribuir o software, segundo determinadas regras. Em geral, as licenças de sof-tware proprietário permitem que o usuário somente utilize o software de acordo com as regras do titular do software (geralmente a empresa desenvolvedora ou distribuidora), sendo vedada sua reprodução, instalação múltipla, alteração, cessão, revenda ou redistribuição sem o devido pagamento adicional.

Algumas licenças de SL/CA são muito comentadas, mas nem sempre as informações são claras ou precisas. A licença de software livre mais utilizada é a mantida pela Free Software Foundation - FSF (do projeto GNU) e se chama GNU General Public License (GNU GPL), que define as liberdades do usuário de um software: ele poderá utilizar sem restrições, adaptar para seu uso, redistribuir cópias, implementar melhorias e difundir as melhorias. Existem muitas outras licenças de SL/CA, como a BSD revisada (Berkeley Software Distribution) ou a MPL (Mozilla Public License).

Aprimorado junto com a licença GPL, a FSF criou o conceito de copyleft, que é uma forma de garantir que um software livre e todos os softwares derivados do original, continuem sempre livres24. O copyleft é um recurso

20 http://monobasic.sl.org.br

21 http://care2xbr.codigolivre.org.br/

22 http://brLinux.Linuxsecurity.com.br/noticias/001434.html#001434

23 http://www.dicas-l.unicamp.br

24 http://www.fsf.org/licenses/licenses.htm

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baseado nos conceitos legais do copyright, em que os direitos autorais são preservados, mas os direitos comer-ciais (de cópia) são liberados, desde que esta regra se mantenha para todos os futuros usuários. Vale ressaltar que nem todas as licenças de SL/CA impõem o copyleft.

A licença GNU GPL é hoje uma referência no movimento SL/CA. Segundo Taurion (2004), “é uma licença que mantém a liberdade do código fonte, evitando que uma empresa se apodere de código livre e o comercialize de forma proprietária”. Qualquer alteração feita em software que foi liberado sob a licença GPL deve apresentar a mesma licença (chamado efeito contaminação), garantindo que o novo software também seja tornado públi-co, para que assim a comunidade que já colaborou com a versão original também possa usufruir das melhorias. Outros exemplos de licenças25 são:

• LGPL (Lesser General Public License): Versão da GPL com copyleft relaxado, pois permite acoplar código LGPL a outro código que não o seja (desde que respeitadas algumas condições).

• BSD (Berkeley System Distribution): é uma licença simples que não impõe restrições para o uso, modificações e redistribuições. Não adere ao conceito de copyleft, mas sim que se possa dar qualquer finalidade ao software, inclusive associar o código livre original a código não-livre, para criar software proprietário.

• MPL (Mozilla Public License): é uma licença que impõe copyleft somente para os trechos originais do código, diferenciando o código já existente licenciado pela MPL e o código novo, que não necessaria-mente precisa seguir a mesma licença (e inclusive pode ser proprietário).

A figura 2 representa possíveis evoluções do licenciamento de um software a partir da decisão do desenvol-vedor original em aplicar uma licença GNU GPL ou uma licença tipo BSD. As implicações desta decisão estão inerentemente ligadas à adesão ou não do princípio de copyleft.

Em muitos casos, a escolha da licença a ser utilizada é decisão do autor. Ele pode escolher uma das licenças conhecidas ou escrever os termos de uma licença própria. Entretanto, se o desenvolvedor lançar mão de códi-go já disponível, poderá ter que se adaptar às regras definidas pelo licenciamento do código utilizado. Se, por exemplo, o desenvolvedor utilizar código sob GPL no seu software, ele deverá teoricamente adotar a mesma licença para seu código. Entretanto, o desenvolvedor, como autor, pode dar, em seqüência, qualquer destino que quiser ao código que ele desenvolveu, prevalecendo o direito de autor (situação representada pela seta vertical descendente na figura 2). Se o código utilizado estiver sob licença BSD, por exemplo, o desenvolvedor poderá optar por qualquer licença (inclusive GPL e BSD ou mesmo redigir uma própria). Se, por outro lado, ele utilizar código proprietário, não poderá liberar seu código sob uma licença livre, exceto se ele detiver a proprie-dade material daquele código (seta vertical ascendente na figura 2).

Cabe ressaltar também a possibilidade de licenciamento dual, ou seja, um mesmo código fonte pode ser liberado pelo autor sob duas (ou mais) licenças distintas, conforme o caso e o interesse do usuário. É o que ocorre com o sistema de banco de dados MySQL (da empresa MySQL AB), que apresenta uma licença livre (compatível com GNU GPL) para ser utilizada em projetos de outros softwares livres e uma licença dita co-mercial, que permite a incorporação do produto em produtos não-livres. Neste último caso, o esquema de licenciamento funciona como no caso de software proprietário, com cobrança por cópia do produto, e é adequada para as empresas que desejarem desenvolver software utilizando MySQL mas que não queiram liberar seu próprio código com uma licença GPL ou compatível (o que seria uma obrigação desta empresa, uma vez que ao incorporar código a outro que está sob GPL, o novo código também deve ser apresenta-do sob esta licença). Outro exemplo de licenciamento dual é o adotado pela empresa Sun para o software

25 A OSI (Open Source Initiative) registra 54 licenças reconhecidas como compatíveis com a Open Source Definition (em novembro de 2004). Consulte www.opensource.org. Também a FSF comenta dezenas de licenças de software, livre ou não, copyleft ou não, e faz uma comparação e avaliação de “compatibilidade” com a GNU GPL, em www.fsf.org/licenses/license-list.html.

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OpenOffice.org, que está disponível sob LGPL e sob SISSL (Sun Industry Standards Source License), que tam-bém é uma licença de software livre, porém diferente da GPL.

Especificamente no Brasil, a questão das licenças de SL/CA é um assunto ainda pouco conhecido pelos usuários e mesmo por muitos desenvolvedores. Recentemente, a organização Creative Commons26, em cooperação com a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, publicou a licença CC-GNU GPL em português, como primeiro resultado de uma cooperação para apoiar a disseminação das licenças definidas por aquela organização no Brasil27. Na mesma linha, o escritório Kaminski, Cerdeira e Pesserl Advogados, em cooperação com a organi-zação Open Source Initiative (OSI28), deu início a um projeto cooperativo para tradução para o português (e segundo as tradições jurídicas brasileiras) das licenças homologadas pela OSI como compatíveis com a “Open Source Definition”29.

Figura 2 - Possíveis evoluções do licenciamento de um software livre e de um software proprietário

O quadro 1 apresenta alguns fatos que se destacaram relacionando empresas em “aproximação” do SL/CA. Estas são algumas ações que podem ser um indicativo, em âmbito internacional, dos movimentos de grandes empresas no sentido de aproximar-se, adaptar-se e, se possível, apropriar-se do conhecimento e dos processos característicos da dinâmica do SL/CA, ao mesmo tempo em que estes movimentos aproximam o SL/CA do mundo empresarial e dos grandes capitais.

Em outra escala, também se pode perceber um movimento neste sentido: na adoção de SL/CA por empresas usuários de tecnologias de informação e comunicação (TICs) como forma de redução de custos. A abordagem é a de utilizar e beneficiar-se das vantagens com pouca “retribuição” às comunidades de SL/CA daquilo que é desenvolvido internamente, para resolver problemas específicos, eliminação de falhas no software, etc. Esta também é a forma de utilização do SL/CA por muitas empresas desenvolvedoras de software: utilizam platafor-mas de desenvolvimento livres (como compiladores e o próprio sistema operacional) que são úteis e, em geral, gratuitas, para a criação de seus próprios produtos que não são, entretanto, livres. Estas questões serão melhor analisadas no capítulo referente a motivações e modelos de negócios ligados a SL/CA.

26 www.creativecommons.org

27 Esta licença é reconhecida e difundida pelo governo federal (www.softwarelivre.gov.br/Licencas/)

28 www.opensource.org

29 Disponível em www.opensource.org/docs/definition.php, a Open Source Definition especifica os requisitos mínimos que uma licença de software deve observar para que o software licenciado por ela seja considerado de código aberto.

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Panorama geral do SL/CA

No próximo capítulo veremos os resultados da pesquisa sobre perfil de desenvolvedores e de usuários. Tanto indivíduos quanto empresas são analisadas nesse capítulo e comparados com outros levantamentos interna-cionais.

Quadro 1 - Fatos importantes na história da aproximação entre SL/CA e as empresas

Período Fato relevante

1998 Investimentos da Intel30 na Red Hat31

1999 Abertura de capital da Red Hat

1999 IBM32 anuncia estratégia de adoção de GNU/Linux

2000 IBM anuncia investimento de 1 bilhão de dólares para compatibilizar software e hardware com Linux e aloca 250 engenheiros para atuar junto às comunidades de SL/CA

2000 Sun Microsystems33 anuncia licenciamento LGPL do OpenOffice (mantendo duplo licenciamento com SISSL)

2000-04 Servidor web Apache34 domina amplamente o mercado

2000-04 GNU/Linux começa a ser amplamente usado em eletrônica de consumo: Sony Playstation35 e TiVO36

2004 Novell37 adquire Ximian38 e Suse39

Fonte: adaptado de Molina (2003)

30 www.intel.com

31 www.redhat.com

32 www.ibm.com

33 www.sun.com

34 www.apache.org

35 www.playstation.com

36 www.tivo.com

37 www.novell.com

38 www.ximian.com, empresa desenvolvedora de software para GNU/Linux de grande sucesso por sua qualidade.

39 www.suse.com, empresa que criou uma distribuição GNU/Linux de destaque.

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Capítulo 2Perfil dos desenvolvedores

Neste capítulo são caracterizados os desenvolvedores de SL/CA no Brasil: na primeira parte é traçado o perfil dos desenvolvedores individuais. Na segunda parte, o das empresas desenvolvedoras.

De uma forma geral, pode-se dizer que existem vários mitos sobre quem são as pessoas e instituições respon-sáveis pelo fenômeno SL/CA, em parte devido à sua origem contestatória. Desta forma, para compreender este fenômeno é preciso notar que o perfil dos desenvolvedores, tanto os indivíduos quanto o das empresas, mudou nos últimos 5 anos, especialmente depois da entrada de grandes atores como mostra o estabelecimento do Open Source Developer Labs (OSDL), que é uma organização sem fins lucrativos financiada por corpora-ções como IBM, Intel, Hewlett-Packard e CA, especificamente para desenvolver Linux para ambientes de grande escala de produção40. No início do movimento de software livre, o perfil típico era, nas palavras de Andrew Morton (responsável pela manutenção da forma estável do kernel do Linux) o “do rapaz ‘micreiro’ progra-mando em seu porão ‘puramente por amor’”. Mas nos últimos anos, diz Morton, a maior parte do código do Linux tem sido gerada por programadores profissionais, empregados em corporações, como IBM, Red Hat e SGI, dentro do horário de trabalho.

Além desta mudança, pode-se dizer que nos grandes projetos de SL/CA o processo de desenvolvimento é bastante hierárquico, pois poucos desenvolvedores (denominados “core group” e reconhecidos pelos pares), são responsáveis pela maior parte do código, enquanto que um número bem maior de desenvolvedores fazem poucas contribuições, sendo a maioria relatórios de erros e problemas (bugs) (Lerner e Tirole, 2002, p.206). A concentração também se dá em termos geográficos, pois segundo Morton, o “core group” do Linux é com-posto principalmente por desenvolvedores dos Estados Unidos, Europa e Austrália. Há um crescimento do envolvimento dos países do Leste Europeu, mas a participação da Ásia e América Latina permanece pequena (Jackson, 2004).

Este quadro está relacionado com a emergência do movimento de software de código aberto em com-plementação ao de software livre. Como visto, a grande difusão do Linux atraiu um grande percentual de investimento comercial nos projetos de CA e foram estabelecidas empresas dedicadas a dar suporte ao Linux, sendo as pioneiras a VA Linux, estabelecida em 1993, e a Red Hat, em 1995 (Lerner e Tirole, 2002). A Red Hat tornou-se uma grande empresa que pode ser considerada a principal distribuição mundial de Linux. De forma semelhante, surgiram outras empresas menores com atuação em SL/CA, seja no desenvolvimento seja nos serviços correlatos. No Brasil, pode-se apontar a empresa Conectiva, que possui uma distribuição Linux e presta serviços41.

40 Entre outras atividades, OSDL é a responsável pelo pagamento do trabalho de Linus Torvalds, o criador do Linux e a única pessoa a quem é permitido inserir alterações no kernel do Linux (Jackson, 2004). A atuação do OSDL será retomada no Capítulo sobre motivações e modelos de negócios.

41 Recentemente, a Conectiva foi comprada pela empresa francesa Mandrake, uma distribuição disseminada na Europa. Mandrake (França), Conectiva (Brasil), TurboLinux (Japão) e Progeny (EUA) estabeleceram um acordo para desenvolver seus produtos com base em uma implementação binária comum com base em padrões existentes do Linux. A iniciativa foi denominada Linux Core Consortium (LCC).

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Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Estes aspectos do SL/CA têm atraído a atenção dos pesquisadores, tanto no sentido de caracterizar as empresas desenvolvedoras42 quanto os desenvolvedores individuais43. Isto segundo Barahona et al (2003, p.91) ajudou a conhecer as pessoas que participam dos projetos de SL/CA, cujo trabalho costuma ser parcialmente anônimo e distribuído, e desfazer alguns mitos, conhecendo sua procedência, motivação, formação técnica e outros aspectos. Dessa forma, a enquete eletrônica realizada no âmbito deste estudo ajudou a cobrir amplamente a lacuna de informação sobre os desenvolvedores brasileiros, bem como os outros instrumentos (entrevistas e levantamentos secundários).

2.1 Perfil social, econômico e técnico do desenvolvedor individual

Para obter informações sobre os desenvolvedores individuais foi realizada uma enquete eletrônica, respon-dida por um número supreendentemente alto de desenvolvedores, sendo uma das maiores já realizadas no mundo (veja o quadro 2), principalmente levando-se em conta que foram apenas desenvolvedores localizados no Brasil44. Foram consideradas válidas 1.953 respostas ao levantamento de desenvolvedores de SL/CA no Bra-sil, o que permitiu traçar um perfil bastante representativo.45

A presente pesquisa permitiu, pela primeira vez no país, traçar um perfil dos desenvolvedores brasileiros e situar o Brasil diante do contexto global de SL/CA. A seguir há informações referentes aos desenvolvedores nacionais organizadas em termos das características socioeconômicas e da experiência e características organizacionais do envolvimento com SL/CA. Depois da apresentação das características mais freqüentes a partir da compa-ração com o perfil internacional, serão apresentados os resultados dos agrupamentos traçados por meio de análises multivariadas.

42 No plano internacional pode-se citar os estudos de Wichmann (2002) e Arroyo et al (2004) e no cenário brasileiro, o único estudo já realizado é o de Saleh (2004).

43 No plano internacional as pesquisas seguintes traçaram o perfil sócio-econômico, demográfico e técnico dos desenvolvedores no mundo: Hertel et al (2003), Ghosh et al (2002) e Robles et al (2001). Também há pesquisas sobre os projetos de SL/CA (Reis, 2003; Gosh et al, 2002; Krogh et al, 2003; Hertel et al, 2003). No plano nacional, vale citar o estudo de Augusto (2003) que buscou a motivações e orientações dos programadores brasileiros, através de 102 questionários com participantes de listas de discussão brasileiras, sendo que as listas de discussão foram Conectiva Linux, Debian-br, versão brasileira do OpenOffice.org, Kurumin, além de usuários/desenvolvedores da UERJ, Unicamp e ALERJ. Além disso, desenvolvedores brasileiros participaram em pequena escala de estudos internacionais, como Reis (2003), Gosh et al (2002) e David et al (2003).

44 A enquete foi divulgada de forma ampla na comunidade brasileira de SL/CA, através de listas de discussão e sites relacionados, mas também excedeu suas fronteiras a partir da divulgação na mídia geral a partir do seu lançamento no 5º FISL (Fórum Internacional de Software Livre), por meio de uma coletiva de imprensa. Seguindo a linha dos estudos internacionais, a amostra foi voluntária e ficou aberta para resposta por quem se considerava desenvolvedor ou usuário. A construção do questionário foi inspirada na bibliografia internacional, especialmente nos estudos semelhante como o Free/libre and open source software: Survey and study (FLOSS) (Gosh et al, 2002). Avaliou-se que seria particularmente vantajoso utilizar os questionários dos estudos internacionais, que já tinham sido testados por desenvolvedores e que já possuíam modelos para o tratamento dos resultados. Assim o questionário foi, em grande parte, semelhante ao questionário do FLOSS, mas com adaptações. O questionário foi submetido a um pré-teste antes do lançamento.

45 Entretanto, os métodos estatísticos empregados não farão qualquer suposição probabilística e não terão por objetivo realizar inferências sobre a população. O levantamento foi feito sobre uma amostra não aleatória, uma vez que este é o primeiro do tipo feito no país.

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21Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Quadro 2 - Comparação com outros surveys no mundo

Pesquisa Instituições responsáveis Ano Nº desenvolvedores Localização respondentes

SL/CA Brasil MCT

SOFTEX

GEOPI/DPCT/Unicamp

2004 1.953 Brasil

FLOSSEurope

University of Maastricht(Holanda)

European CommissionIST programme

2002 2.784 71% Europa Ocidental/Rússia13% EUA17% outros

FLOSS-US Stanford University’s Stanford Institute forEconomic Policy Research

National Science Foundation

2003 1.588 53% Europa Ocidental

27% América do Norte

8% Rússia e Europa Oriental

5% Ásia Oriental

3% Austrália e Nova Zelândia

3% América Latina

1% Oriente Médio e ÁfricaFLOSS-JP Mitsubishi Research

Ministry of Economy,Trade and Industry

2003 547 97,4% Japão

1,3% EUA

1,3% outros

Fonte: Elaboração própria a partir da enquete eletrônica, Gosh et al (2002); David et al (2003); Mitsubishi Research Institute (2004).

2.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos desenvolvedores

A maior parte dos respondentes classificou-se como administrador de sistemas ou técnico de redes básico(65%)46. Trata-se, na maior parte dos casos, de desenvolvedores “básicos”, cujas atividades e competências estão no entorno da atividade de programação e desenvolvimento de softwares, como administração de sis-temas e redes e também suporte. Este perfil de competências era esperado. Confrontando esses dados com os de outros países, é no entorno das atividades nucleares que prospera a maior parte das competências em SL/CA. São atividades de suporte e gerenciamento dos sistemas e programas que representam a maior parte do mercado de serviços em SL/CA (e de resto, em software, de uma maneira geral). De toda forma, a grande maioria dos respondentes já participou de projetos de SL/CA: em relação à participação em projetos, 76% dos respondentes já participaram de projetos de programação, 35% de documentação e 31% de tradução/localiza-ção de SL/CA. Entretanto, a participação como líder é restrita: 45% nunca participaram como líder de projetos, 24% participaram em um projeto como líder e apenas 27% participaram como líder em mais de um projeto. Assim é possível perceber um grupo de “elite” de desenvolvedores, como será evidenciado adiante nas análises multivariadas.

Outras características reforçam que a maioria dos respondentes é desenvolvedor básico: 58% não depositam os softwares desenvolvidos em repositórios e 52% não se preocupam em deixar o software internacionalizado47. O elevado número de desenvolvedores que não depositam não deve ser entendido como uma falta de preocupa-ção dos desenvolvedores com compartilhamento. Significa, muito provavelmente, que os desenvolvedores da amostra não geram códigos com complexidade e integração que justifiquem disponibilizar para a comunidade.

46 De acordo com a explicação do questionário são profissionais que administram sistemas e redes e realizam pequenas adaptações no código de programas e mesmo em shell scripts.

47 Internacionalizado: software apto para ser adaptado (localizado) para diferentes línguas e países, pela utilização de bibliotecas e procedimentos de desenvolvimento adequadas. A internacionalização e o depósito dos códigos criados/alterados são muito relevantes para o desenvolvimento dos projetos e o crescimento do conhecimento nas comunidades, pois possibilita o compartilhamento e formação de rede.

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22 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Além disso, contribuir para um projeto envolve não só programar, mas também testar e reportar bugs (Lerner e Tirole, 2002).

É possível perceber um movimento de busca de profissionalização em SL/CA. Apesar de 83% não possuir certificação profissional ligada a SL/CA – muito provavelmente porque isso ainda não seja exigido – há uma preocupação acentuada com certificação (apenas 29% não acham isso importante), com documentação dos softwares desenvolvidos (70% documentam o desenvolvimento e criam manuais) e na autoria dos trechos de-senvolvidos (53% identificam e acham isso importante).

É interessante comparar o perfil médio brasileiro com o perfil internacional dos desenvolvedores a partir dos quadros 3 e 4. Há vários pontos semelhantes como idade, estado civil, situação empregatícia, renda e renda advinda do trabalho com software (com a diferença que internacionalmente o maior percentual vem do traba-lho com desenvolvimento), envolvimento com software proprietário e participação em projetos de SL/CA (total de projetos em que já participou). Entretanto há diferenças importantes em relação a:

• nível de escolaridade, pois os desenvolvedores brasileiros estão em grande parte se formando e apenas 42% são no mínimo graduados, em contraste com os 70% já graduados no cenário internacional;

• ocupação principal, pois no Brasil há mais técnicos programadores, administradores de rede e suporte que engenheiros de software e correlatos;

• embora a idade de início no SL/CA seja parecida (22,0 e 22,9 anos), trata-se de um fenômeno mais re-cio no SL/CA seja parecida (22,0 e 22,9 anos), trata-se de um fenômeno mais re-cio no SL/CAcente no Brasil (ano mediano de início é 2002) que na Europa (ano mediano é 1998).

Antes de apresentar os agrupamentos, cabe ressaltar mais três pontos: quanto à concentração geográfica dos desenvolvedores, a renda e o trânsito de competências entre SL/CA e software proprietário.

• Localização geográfica: os desenvolvedores estão concentrados principalmente na região Sudeste do país (52%) e na região Sul (26%)48. As duas regiões somam 78% dos respondentes, evidenciando a dis-paridade existente no avanço do software livre nas diferentes regiões do país, no que segue, em grandes linhas, a indústria de software.

• Renda pessoal: considerando que a grande maioria tem curso superior, atua em áreas relativamente sofisticadas e tem idade média relativamente baixa, pode-se dizer que a renda mensal dos respondentes é média e tem perspectivas de crescimento: 54% recebem mais de 5 salários mínimos, sendo que 29% recebem mais de 10 salários mínimos. Além disso, as ocupações ajudam a identificar o perfil de renda na medida em que revelam que boa parte dos respondentes trabalha como técnico de programação, administrador de redes e dá suporte às operações de informática. Ademais, uma parte substantiva dos respondentes é de estudantes, supostamente com renda muito baixa (quando alguma). De toda forma, é possível inferir que se trata de uma massa de profissionais formados ou em formação que apresentam potencial de inserção e expansão no mercado de trabalho, formal ou informal, corporativo, empreende-dor ou de profissional liberal.

• SL/CA e software proprietário: o início do desenvolvimento de software proprietário é anterior ao de SL/CA para 55% dos entrevistados, mas é interessante apontar que para 31% dos respondentes, a atua-ção com SL/CA iniciou-se antes que com software proprietário. Esta característica aponta dois aspectos: primeiro, as competências transitam razoavelmente bem do proprietário para o livre (no sentido de que não há obstáculos técnicos para se fazer um ou outro); segundo, há um contingente expressivo (e cres-cente) de pessoas que ingressou no desenvolvimento de software pela porta do SL/CA.

48 O maior número de desenvolvedores está concentrado no Estado de São Paulo (32%), seguido de Rio de Janeiro (10%) e Rio Grande do Sul (10%).

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23Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Quadro 3 – Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil e Europa): características socioeconômicas

Pesquisa Pesquisa SL/CA Pesquisa FLOSS Europa

Mediana da idade 26 26

Estado civil 39% solteiros

38% casados

41,4% solteiros

21,1% casados

Sexo masculino 97% 98,9%

Escolaridade superior 42% (20% com pós-graduação) 70% com no mínimo graduação(37% com pós)

Situação empregatícia 66 % empregados (13% autônomos)

15% possuem empresas

79% empregados (14% autônomos)

17% estudantes

Ocupação principal Técnico programador, administrador de re-des, suporte (34%)

Engenheiros de software,analistas de sistemas (20%)

Engenheiros de sofware (33,3%)

Programadores (11,2%)

Estudantes (20,9%)

Renda 44%: menos de 5 salários mínimos29%: mais de 10 salários mínimos

45%: menos 2.000 (euro/dólar)

27%: 2.000 a 4.000

18%: mais de 4.000

Renda de trabalhocom software em geral

22%: não

38%: desenvolvimento,

25%: administração

11%: suporte

3%: treinamento

1%: distribuição

24,7%: não

50,9%: desenvolvimento

7%: suporte

17,3%: administração

Fonte: Elaboração própria a partir da enquete eletrônica, pesquisa de campo e Gosh et al (2002).

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24 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Quadro 4 – Comparação do perfil dos desenvolvedores (Brasil/Europa): características de atuação com SL/CA

Pesquisa Pesquisa SL/CA Pesquisa FLOSS Europa

Renda de SL/CA 40%: não

36%: diretamente

24%: indiretamente

46%: não

50,3%: diretamente

43%: indiretamente

Dedicação aodesenvolvimento de SL/CA(horas/semana)

62%: menos de 10

37%: mais de 11

70%: menos de 10

14%: 11 a 20

16%: mais de 20

Participação em projetos 71%: 1 a 5 projetos 71,9%: 1 a 5 projetos

Liderança em projetos 45%: nunca

24%: 1 projeto

35,2%: nunca

32,1%: 1 projeto

Pertencimento àscomunidades

26%: SL

10%: CA

53%: ambas

48%: SL

32,6%: CA

Mediana da idade deinício no desenvolvimento de SL/CA

22 22,9

Mediana do ano de início 2002 1998

Dedicação aodesenvolvimento desoftware proprietário (SP)(horas/semana)

51,3% também desenvolvem SP

39%: menos de 10

14%: entre 11 e 20

43%: mais que 21

52% também desenvolvem SP

29,1%: menos que 10

12,8%: entre 11 e 20

58,2%: mais de 21

Fonte: Elaboração própria a partir da enquete eletrônica, pesquisa de campo e Gosh et al (2002).

2.1.2 Perfis dos desenvolvedores (agrupamentos)

A partir das questões consideradas mais significativas, buscou-se traçar o perfil dos desenvolvedores a partir de agrupamentos que emergiram das análises multivariadas utilizadas49. As variáveis utilizadas foram:

• Habilidades em SL/CA: autoclassificação em desenvolvedor básico ou desenvolvedor avançado; filiação às comunidades de SL/CA; motivação para desenvolver/distribuir SL/CA; local de desenvolvimento;

• Dedicação, em horas semanais no último ano, para projetos SL/CA e software proprietário;

• Aspectos técnicos do desenvolvimento: depósito dos softwares desenvolvidos e adaptados em repositó-rios, preocupação com documentação; internacionalização e autoria;

49 Foram utilizadas duas técnicas: análise de correspondência múltipla (ACM) e análise hierárquica de agrupamentos. A ACM é uma técnica exploratória multivariada que tem como objetivo a representação gráfica de um grande conjunto de variáveis categóricas através da redução do espaço original de representação destas. Através da contribuição dos eixos na variabilidade total, identifica-se se há associações plausíveis de interpretação entre as categorias de resposta, ou seja, a presença de um fator que evidencie a discriminação de diferentes perfis em escopos sócio-econômico ou técnico. As cargas fatoriais apresentadas foram adequadas à natureza categórica dos dados. Sobre os resultados da ACM aplicou-se a análise de agrupamentos que consolida os grupos que poderão ser interpretados como os diferentes perfis dentro de cada escopo. O número de agrupamentos, ou diferentes perfis, é definido arbitrariamente tendo como base algumas medidas numéricas e a representação gráfica dos mesmos no dendograma. O importante nesta etapa é a interpretabilidade destes grupos no âmbito do estudo. A interpretação é auxiliada pelas medidas de discriminação das categorias de resposta em cada grupo.

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25Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

• Formação e atuação profissional: escolaridade, ocupação, capacitação e certificação em SL/CA; renda pessoal e situação empregatícia atual;

• Aspectos econômicos da atuação com SL/CA: trabalho com SL/CA como fonte de renda, posse de em-presa de software e a dedicação da empresa a SL/CA, setores econômicos, áreas de aplicação, modelos de negócio.

A partir da utilização da ACM, foi possível perceber 4 grupos (figura 3), confirmados depois pela análise de agrupamento. Há uma oposição entre os respondentes que se classificaram como administrador de sistemas / técnico de redes / desenvolvedores básicos e desenvolvedores avançados. Tal fato implica na presença de perfis distintos quanto à resposta das demais variáveis, como será visto na interpretação dos grupos formados.

O primeiro eixo pode ser interpretado como a propriedade de empresas que atuam com SL/CA (na figura in-dicado pela seta horizontal quebrada e orientada para a esquerda). O gradiente vai da direita para esquerda, desde os respondentes que não possuem empresa até os respondentes que possuem empresas cuja dedicação a SL/CA é superior a 80%. O segundo eixo pode ser interpretado principalmente como o nível de escolaridade dos respondentes (indicado na figura 3 pela linha vertical quebrada orientada para cima).

Figura 3 - Análise de Correspondência do perfil técnico e profissional dos desenvolvedores individuaisFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Os quatro grupos que emergiram da análise são apresentados a seguir por grupo (e de forma sintética) na tabela 1:

Grupo 1 - Desenvolvedores de software proprietário (22,63%)

O grupo 1 é formado por desenvolvedores avançados cuja maior dedicação profissional é em software pro-prietário. Os setores econômicos mais freqüentemente citados foram comércio e setor financeiro. Um dado de destaque do grupo é que alguns dos seus componentes possuem empresas de software, mas cuja dedica-ção a SL/CA é pequena (até 25% das atividades). Os outros integrantes trabalham em empresas privadas. A

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26 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

dedicação a SL/CA é pequena: participaram de poucos projetos, dedicam semanalmente menos de 2 horas a projetos de SL/CA, não depositam os códigos criados ou modificados em repositórios, não se preocupam em documentar o desenvolvimento e com certificação profissional em SL/CA. Além disso, não se consideram parte de nenhuma comunidade ou consideram-se parte da comunidade de Open Source. Provavelmente a atuação em SL/CA seja uma espécie de hobby, pois além da pequena dedicação não desenvolvem SL/CA na instituição hobby, pois além da pequena dedicação não desenvolvem SL/CA na instituição hobbyempregadora. A renda pessoal é alta (mais de 10 salários mínimos) e a escolaridade é nível superior completo ou especialização.

Grupo 2 - Administradores de sistemas e técnicos de rede (36,10%)

O grupo 2 é formado por respondentes que trabalham com administração e suporte de software, atuando profissionalmente como técnico programador, administrador de redes, suporte e correlatos. Alguns são funcio-nários públicos, atuando provavelmente nestas mesmas ocupações e tendo o governo como um dos principais setores de atuação. Sua atuação com software livre é remunerada diretamente ou indiretamente. Alguns deles não atuam com software proprietário. O nível de escolaridade é médio e a renda varia de 2 a 10 salários míni-mos. Desta forma, este agrupamento é formado por empregados com renda média (2 a 10 salários mínimos) que vive de SL/CA. Entretanto, não têm foco no desenvolvimento o que explica o fato de não depositarem seus códigos. Embora possam trabalhar tanto com software proprietário quanto com SL/CA, parecem possuir baixa autonomia de decisão.

Grupo 3 - Estudantes (21,56%)

O grupo 3 reúne os respondentes que são estudantes (na maioria de nível superior), que não trabalham ou que recebem baixa remuneração. Há também alguns professores de TI de universidades públicas com mestrado e doutorado. Desta forma, a atuação com SL/CA não é uma fonte de renda pessoal e o desenvolvimento é reali-zado no colégio ou faculdade. Entretanto, a dedicação a projetos de SL/CA no último ano foi de 11 a 20 horas semanais, apesar de ter ocorrido em poucos projetos (no máximo já se envolveram em 5 projetos). Em geral, não desenvolvem software proprietário. Neste grupo estão os respondentes que preenchem alguns requisitos técnicos importantes em SL/CA: já se envolveram em um projeto como líderes, preocupam-se em deixar o sof-tware que desenvolvem internacionalizado e em identificar os trechos de código que desenvolvem ou alteram, depositam os softwares em repositório próprio ou internacional. Mas não possuem certificação profissional ligada a SL/CA ou nem sabem do que se trata. Os softwares desenvolvidos são voltados principalmente para cultura e entretenimento e educação. Esta categoria é a base da qualificação que vai operar nas demais catego-rias no futuro. Dessa forma, aqui se encontra parte importante da qualificação profissional e podem se dividir em qualquer das outras 3 categorias, tanto como empresário quanto como empregados.

Grupo 4 - Desenvolvedores avançados de SL/CA (19,71%)

No último grupo encontram-se os desenvolvedores de SL/CA mais ativos e profissionalizados, pois as questões mais diretamente ligadas a SL/CA foram as que mais ajudaram a discriminar o grupo. Consideram-se desen-volvedores avançados tendo grande experiência com SL/CA: participam atualmente de mais de 3 projetos de desenvolvimento, já participaram em vários projetos como líderes e participam tanto da comunidade Software Livre quanto da Open Source. Preenchem os requisitos importantes para SL/CA como preocupação com inter-nacionalização, documentação e identificação dos trechos do código do software desenvolvido. Além disso, depositam o software desenvolvido. A atuação é intensa e profissional. Dedicam mais de 40 horas semanais para projetos de SL/CA. São remunerados diretamente pelo trabalho com SL/CA, atuando como engenheiros de software/analistas de sistema ou ocupações correlatas ou como consultores em TI, e alguns possuem em-presas que têm uma grande atuação com SL/CA (entre 30 e 50% ou mais de 80% das atividades são dedicadas a SL/CA). Possuem certificação profissional em SL/CA. Desenvolvem para quase todos os setores e as áreas de aplicação mais citados no questionário, sendo que estas não foram variáveis que ajudaram a discriminar o gru-po. Possuem renda mensal relativamente alta (mais de 10 salários mínimos) e alta escolaridade (mestrado).

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27Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Tabela 1 – Comparação dos agrupamentos de desenvolvedores individuais

Variáveis Desenvolvedores de software proprietário (22,63%)

Administradores de sistemas e técnicos de rede (36,10%)

Estudantes (21,56%) Desenvolvedores avançados de SL/CA (19,71%)

Autoclassificação Desenvolvedoravançado

Administrador de siste-mas / técnico de redes/ desenvolvedor básico

- Desenvolvedor avançado

Integrante dascomunidades SL/CA?

Considero-me parte da comunidade Open Source

Não me considero parte das comunidades de SL/CA

- - Participo das duas

Média de horas/semana de trabalho em projetos SL/CA no último ano

Menos de 2 2 a 5 11 a 20 6 a 10

21 a 40

Mais de 40

Local de desenvolvimen-to de SL/CA

Não desenvolvem na instituição empregadora

Não desenvolvem no colégio/universidade/ faculdade

Desenvo lve na insti-tuição empregadora

não desenvolve no colégio / universidade / faculdade

não desenvolve em casa como autônomo / hobby

Não desenvolve na insti-tuição empregadora

Desenvolve no colégio/ universidade / faculdade

Não desenvolve em outros lugares

Desenvolve na institui-ção empregadora

Se desenvolve software proprietário, quantas horas/semana em média de trabalho em projetos de software proprietário no último ano

21 a 40

Mais de 40

Não desenvolvesoftware proprietário

Não desenvolvesoftware proprietário

-

Renda principal (de-senvolvimento, suporte ou administração de software)

Desenvolvimento Administração

Suporte

Não está relacionada Desenvolvimento

Treinamento / capaci-tação

O trabalho com SL/CA é uma fonte de renda pessoal?

Não é uma fonte de renda pessoal

Sim, diretamente; sou pago para dar suporte a SL/CA

Sim, diretamente; sou pago para administrar SL/CA

Sim, indiretamente; dentre minhas funções, eu também desenvolvo SL/CA em meu trabalho, mas isso não é requerido

Não é uma fonte de renda pessoal

Sim, diretamente; sou pago para desenvolver SL/CA

Percentual de atividades de sua empresa/coope-rativa que é dedicado a SL/CA

5 a 25% Não possui empresa Não possui empresa 30 a 50%

> 80%

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28 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Variáveis Desenvolvedores de software proprietário (22,63%)

Administradores de sistemas e técnicos de rede (36,10%)

Estudantes (21,56%) Desenvolvedores avançados de SL/CA (19,71%)

Setores de software de desenvolvimento de SL/CA

Comércio

Setor financeiro

Não desenvolve para equipamento eletro-eletrônico e de comu-nicação

Governo Não desenvolve para comércio

Desenvolve para cultura e entretenimento

Educação

Equipamento eletro-eletrônico e de comu-nicação

Não desenvolve para governo

Desenvolve para outros setores

Comércio

Comunicação e informa-ções (serviços)

Equipamento eletro-eletrônico e de comu-nicação

Governo

Saúde

Serviços

Setor financeiro

Tecnologias da Infor-mação

Transporte, logística e armazenamento

Área de aplicação de desenvolvimento do SL/CA

Automação comercial Administração - outros

Gerenciador de redes

Segurança e proteção de dados

Não desenvolve para comércio eletrônico

Educação à distância

Outros

Utilitários

Automação comercial

Comércio eletrônico

Comunicação de dados

Educação à distância

Geoprocessamento

Gerenciador de banco de dados

Página web

Segurança e proteção de dados

Autoclassificação do trabalho em SL/CA

Não classifica como serviço de treinamento, programação, manuten-ção e integração

Classifica como produto customizável

Classifica como serviço de treinamento, progra-mação, manutenção e integração

Não classifica como serviço de fornecimento de soluções e desenvol-vimento customizado

Não classifica como produto customizável

Não classifica como produto pacote

Não classifica como serviço de treinamento, programação, manuten-ção e integração

Não classifica como serviço de fornecimento de soluções e desenvol-vimento customizado

Não classifica como produto customizável

Classifica como produto pacote

Classificam como servi-ço de fornecimento de soluções e desenvolvi-mento customizado

Participação emprojetos de

- não respondeu - -

Quantidade de projetos de desenvolvimento em SL/CA que já participou

1 a 5 Não respondeu

1 a 5

1 a 5 1

Número de projetos de desenvolvimento em SL/CA que participa atualmente

0

1

- 1 2

3

4 a 5

6 a 7

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29Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Variáveis Desenvolvedores de software proprietário (22,63%)

Administradores de sistemas e técnicos de rede (36,10%)

Estudantes (21,56%) Desenvolvedores avançados de SL/CA (19,71%)

Número de projetos de desenvolvimento em SL/CA nos quais já se envolveu como líder, coordenador ou admi-nistrador

0 0 1 2

3

4 a 5

6 a 7

Depósito de softwares desenvolvidos em repo-sitórios de SL/CA

Não deposita em reposi-tório fechado da empre-sa em que trabalha

Não deposita em reposi-tório próprio aberto

Não deposita em re-positório especializado nacional

Não deposita

Não deposita em reposi-tório fechado da empre-sa em que trabalha

Não deposita em reposi-tório próprio aberto

Não deposita em re-positório especializado internacional

Não deposita em re-positório especializado nacional

Não deposita

Não deposita em reposi-tório fechado da empre-sa em que trabalha

Deposita em repositório próprio aberto

Deposita em repositório especializado interna-cional

Deposita em repositório fechado da empresa em que trabalha

Deposita em repositório próprio aberto

Deposita em repositório especializado interna-cional

Deposita em repositório especializado nacional

Não respondeu “não deposito”

Preocupação em inter-nacionalizar o SL/CA desenvolvido

- Não respondeu esta questão

Não

Não sei / não me im-porto

Sim Sim

Preocupação em docu-mentar o SL/CA desen-volvido, criar manuais

Não Não respondeu esta questão

Não

Não sei / não me im-porto

- Sim

Identificação dos trechos de código fonte desen-volvidos/alterados como SL/CA

Não Não respondeu esta questão

Não

Sim, mas isso não im-porta muito para mim

Sim, eu considero isso muito importante

Certificação profissional ligada a SL/CA atual-mente

Não assinalaram “Sim, acho isso importante”

Não sei do que se trata

Sim, acho isso impor-tante

Não, mas acho isso importante

Não, não acho isso importante

Não sei do que se trata

Sim, acho isso impor-tante

Sim, mas não acho isso importante

Não, não acho isso importante

Principal ocupação atual Empresário Técnico programador, administrador de redes, suporte e correlatos

Funcionário público (TI)

Professor (TI)

Estudante (TI)

Estudante (outros se-tores)

Eng. de software

Analista de sistemas e correlatos

Consultor (TI)

Empresário (TI)

Nível de escolaridade Superior completo

Especialização

Médio Superior incompleto

Mestrado

Doutorado

Mestrado

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30 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Variáveis Desenvolvedores de software proprietário (22,63%)

Administradores de sistemas e técnicos de rede (36,10%)

Estudantes (21,56%) Desenvolvedores avançados de SL/CA (19,71%)

Renda mensal(salários mínimos)

10 a 20

Mais de 20

2 a 3

3 a 5

5 a 10

Sem rendimento

Até 1

1 a 2

10 a 20

Mais de 20

Situação empregatícia Sócio/proprietário de empresa

Empregado Bolsista, trabalho não re-munerado (estudante)

Não estou empregado no momento

Sócio/proprietário de empresa

Principal local de traba-lho atualmente

Empresa privada

Empresa própria/coo-perativa

Outros

Empresa pública

Administração pública federal

Não respondeu esta questão

Não está empregado

Universidade pública

Universidade privada

Empresa privada

Empresa própria/coo-perativa

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrtônica.

2.2 Caracterização das empresas desenvolvedoras

Nesta seção é traçado o perfil das empresas que atuam com SL/CA em atividades de desenvolvimento, admi-nistração, suporte, treinamento e capacitação. Em grandes linhas podemos dizer que há três tipos de empresas atuando em SL/CA no Brasil:

• pequenas e médias empresas fundadas nas décadas de 1980 e 1990 que atuam principalmente com software proprietário, mas que começaram a dedicar uma pequena parte de suas atividades a SL/CA devido a exigências do mercado, entre outros motivos;

• pequenas e médias empresas fundadas mais recentemente, em grande parte devido a SL/CA e que têm grande parte de suas atividades em SL/CA;

• grandes empresas, algumas delas multinacionais, que também ingressaram recentemente no mundo de SL/CA com estratégias específicas50.

Foram utilizados instrumentos diferentes para obter informações dos três diferentes tipos de empresas. A enquete eletrônica e os levantamentos secundários foram eficientes em levantar dados sobre a atuação das pequenas e algumas médias empresas. Já o painel de especialistas apontou principalmente casos significativos de médias e grandes empresas, que foram entrevistadas com um roteiro estruturado. Desta forma, em primeiro lugar serão caracterizadas as pequenas e médias empresas mapeadas através da análise dos dados das fontes secundárias e da enquete eletrônica. Em segundo lugar, utilizando-se os dados das entrevistas com médias e grandes empresas, serão apontadas algumas estratégias de empresas selecionadas com vistas a aprofundar o entendimento de alguns pontos evidenciados pelas outras partes da pesquisa.

50 O exemplo mais significativo disto é a IBM, que suporta o desenvolvimento do Linux através do OSDL e do conjunto de Linux Technology Center (LTC). Há 5 LTCs no mundo (Alemanha, Inglaterra, China, EUA e Brasil). O LTC no Brasil foi montado em parceria com a Unicamp, localizado em seu campus. É a primeira experiência de LTC com parceria externa. O trabalho dos LTCs é dirigido pelo OSDL.

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31Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

2.2.1 Caracterização das empresas desenvolvedoras (pequenas e médias)

A partir do levantamento secundário e da enquete eletrônica foi possível reunir informações mínimas sobre 364 empresas desenvolvedoras51. Estas estão situadas de forma concentrada nas regiões Sudeste (53%) e Sul (29%), concentração que também foi observada nas respostas dos desenvolvedores e usuários individuais. As empresas estão concentradas (40,93%) nas capitais dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná52.

As informações levantadas apontam que estas empresas têm capital de origem nacional (98%) e são de peque-no porte em termos de faturamento e número de empregados: 79% têm faturamento de até R$ 500 mil/ano (apenas 11% possuem faturamento superior a R$ 2,5 milhões/ano) e 70% possuem no máximo 9 empregados. Entretanto, a atuação em SL/CA está longe de ser um negócio apenas de pequenas empresas. Como já se men-cionou neste trabalho, a atuação em SL/CA faz parte também da estratégia de grandes empresas de software. Comparativamente com o universo de empresas de software no Brasil, as de SL/CA tendem a ser de menor porte e a apresentar uma concentração geográfica mais acentuada na Região Sudeste53.

Agrupamentos das empresas desenvolvedoras (pequenas e médias)

Para encontrar os perfis distintos entre as empresas desenvolvedoras utilizou-se análise de correspondência múltipla (ACM) e análise de agrupamento, da mesma forma que no perfil técnico dos desenvolvedores. Cabe a ressalva que a análise foi restrita aos dados da enquete eletrônica (n=421), pois estes foram respondidos de forma intencional sobre mais variáveis que as informações recolhidas no levantamento secundário (n=364)54. Do total de 421 empresas com informações na enquete eletrônica, as análises multivariadas mostraram que cerca de 36,8% destes registros eram incongruentes porque possuíam vários dados incompletos ou muito fora dos padrões apontados acima, provavelmente porque foram fornecidos por funcionários não autorizados a responder pelas empresas. Estes registros foram desconsiderados e a análise que se segue trata de 266 empre-sas.

As variáveis que mais distinguiram as empresas foram a dedicação ao SL/CA e a atuação nos setores econômi-cos e áreas de aplicação como exposto na figura 4 (as elipses procuram indicar os agrupamentos conforme a legenda).

O primeiro eixo separa as empresas de acordo com a dedicação ao SL/CA em relação ao percentual de ativi-o ao SL/CA em relação ao percentual de ativi-o ao SL/CAdades, faturamento e profissionais. É possível perceber a oposição entre aquelas empresas que dedicam mais

51 Foi realizado um levantamento sistemático e extensivo de uma lista de empresas envolvidas com SL/CA no Brasil quanto ao uso, comercialização e desenvolvimento. Esta lista das empresas foi elaborada a partir da coleta de dados de quatro fontes: (a) empresas que responderam à enquête eletrônica; (b) empresas cadastradas no site softwarelivre.org, cadastro considerado um dos mais completos existentes; (c) as empresas citadas no painel de especialistas; (d) empresas cujo uso ou atuação em SL/CA foi, de alguma forma, noticiada na mídia. Dada a lista das empresas, buscou-se completar e checar as informações sobre cada uma delas, através dos sites e notícias. Foram excluídas da lista as empresas sobre as quais não foi possível obter dados sobre a localização (cidade e estado) e que não possuíam site.

52 Excluindo-se as capitais, o destaque dá-se para as cidades que possuem centros universitários próximos, que acabam por estimular a criação destas empresas (Campinas, Juiz de Fora e Americana).

53 A comparação foi feita com os dados da Pesquisa da Qualidade, feita pela SEPIN/MCT em 2001 com 446 organizações, das quais 372 desenvolvem software de pacote ou sob encomenda e 81 distribuem ou editam softwares de terceiros. Sobre o porte, a pesquisa da SEPIN/MCT apresentou “apenas” 41,8% de empresas com faturamento até R$ 720 mil/ano e 34,9% de grandes empresas (acima deR$ 2,5 milhões/ano). Sobre a localização geográfica, na pesquisa da SEPIN/MCT de 2001, 43% das empresas estão concentradas na região Sudeste e 32% na região Sul.

54 Além dos dados de identificação e localização, o banco de dados dos levantamentos secundários tinha informações sobre a origem do capital, faixa de faturamento, faixa do número de empregados, setores econômicos e área de atuação e classificação com relação ao tipo de atuação em SL/CA (se a empresa é desenvolvedora de SL/CA, usuária ou usuária/desenvolvedora). Já a base de dados da enquête eletrônica, que também compôs o banco de dados dos levantamentos secundários, possui informações sobre o percentual de atividades, faturamento e profissionais dedicados a SL/CA, dados estes impossíveis de serem captados através de fontes secundárias.

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Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

de 80% das atividades, dos profissionais e do faturamento de SL/CA e as que dedicam menos de 25%, sendo que os demais percentuais de dedicação aparecem em gradiente no meio dos dois extremos (indicados pelas setas verdes na figura). As empresas com maior dedicação a SL/CA tendem a ser mais jovens que aquelas com menor dedicação.

O segundo eixo distingue as empresas por setor econômico de atuação e área de aplicação. Há uma distinção entre as empresas que desenvolvem ou fornecem para governo, comunicações e informações e aquelas que atuam nos setores educação, serviços, transporte e logística, saúde e comércio. Da mesma forma, há uma distinção entre as empresas que atuam principalmente com áreas de infra-estrutura (gerenciamento de redes, segurança/proteção de dados, comunicação de dados) e educação à distância e aquelas que atuam principalmente com aplicações dedicadas (comércio eletrônico, administração de serviços e automação comer-cial) e web page. Há uma indicação de que o valor médio da hora por profissional tende a ser mais elevado para atividades de integração e consultoria nas áreas de infra-estrutura (entre 61 e 90 ou maior que 90 reais) do que nas aplicações dedicadas (menor que 31 ou entre 31 e 60 reais).

Figura 4 - Análise de Correspondência do perfil das empresas dos desenvolvedores55

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Para refinar os resultados da ACM e definir melhor os agrupamentos foi utilizada a análise de agrupamento. Seu resultado comporta a divisão em 2 ou 3 grupos (desconsiderando-se as respostas incongruentes). Na for-mação de 2 grupos tem-se:

55 No quadrante superior direito concentraram-se as respostas incongruentes dadas aos questionários (categorias sem respostas e dados incompletos de grandes empresas, provavelmente fornecidos por funcionários). A representação dos anos de fundação é ilustrativa, ou seja, esta variável não entrou na análise como fator explicativo.

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33Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Grupo 1 - Empresas com grande dedicação a SL/CA (48%)

Grupo composto por empresas que dedicam mais que 55% de suas atividades e profissionais ao SL/CA, daí advindo mais de 55% de seu faturamento que, em geral, varia entre 250 mil a 500 mil. São empresas fun-dadas recentemente, provavelmente com a “onda” do software livre acreditando na oportunidade que ele representa. Desenvolvem principalmente para os setores de comunicações e informações, governo, tecnologias da informação e serviços. As áreas de aplicação mais frequentes são as de infra-estrutura, provavelmente de serviços relacionados ao Linux (segurança e proteção de dados, gerenciador de redes e comunicação de dados) e educação à distância. Suas atividades podem ser classificadas em todas as categorias de modelos de negócio com exceção de pacote, mas principalmente se encaixam em serviços de baixo valor. Dessa forma, atuam em serviços de baixa intensidade tecnológica e baixa lucratividade.

Grupo 2 - Empresas com pequena dedicação ao SL/CA (52%)

A principal característica deste grupo, para o qual o SL/CA não é a atividade principal da empresa (até 50% das atividades, profissionais e faturamento), é a atuação nos setores de comércio, serviços e saúde e a ausência de desenvolvimento e fornecimento para o governo. São empresas que já existiam antes do “boom” de software livre e trabalhavam com desenvolvimento de soluções que foram diretamente atingidas pelo software livre e, por isso, desenvolvem SL/CA para atender o mercado principalmente em automação comercial e aplicações web. Essas empresas já desenvolviam software sob encomenda e, vendo que o mercado estava solicitando, começaram a fornecer soluções utilizando SL/CA, mas não deixando de possuir soluções proprietárias em seu portifólio.

O quadro 5 apresenta o resumo comparativo dos dois grupos.

Na formação de 3 grupos, a diferença é que este terceiro grupo surge do primeiro grupo, a partir da extração de empresas com dedicação média a SL/CA (entre 55% e 75%) e que atuam principalmente com software embarcado. Estas atuam em áreas de infra-estrutura e setores comunicações e informações, tecnologias da informação, equipamento eletro-eletrônico e de comunicação, comércio e serviços. Este sub-grupo ajuda a explicar o valor médio do profissional para consultoria e integração (61 a 90 reais) mais alto que o do grupo 2 (até 60 reais), pois estes valores mais altos provavelmente estão relacionados com os profissionais que desen-volvem software embarcado e não com os profissionais contratados pelas pequenas empresas desenvolvedoras de SL/CA.

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Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

Quadro 5 – Comparação dos agrupamentos de empresas desenvolvedoras

Variáveis Grupo 1 - Empresas com grande dedi-cação a SL/CA (48%)

Grupo 2 - Empresas com pequena dedicação ao SL/CA (52%)

Faturamento decorrente de SL/CA > 80%

55 a 75%

5 a 25%

30 a 50%

Dedicação das atividades da empresa para SL/CA

>80%

55 a 75%

30 a 50%

5 a 5%

Profissionais dedicados a SL/CA >80%

55 a 75%

Setor econômico para o qual desenvolve Comunicações e informações (serviços)

Governo

Tecnologias da informação

Serviços

Educação

Comércio

Equipamento eletro-eletrônico e decomunicação

Comércio

Serviços

Saúde

Não desenvolve para governo

Modelo de negócios Serviço de treinamento, programação, manutenção e integração

Serviço de fornecimento de soluções e desenvolvimento customizado

Produto customizável

Componente / embarcado

Serviço de fornecimento de soluções e desenvolvimento customizado

Produto customizável

Área de aplicação Segurança e proteção de dados

Gerenciador de redes

Comunicação de dados

Educação à distância

Gerenciador de banco de dados

Administração - outros

Automação comercial

Administração de serviços

Página web

Valor médio (em reais) porprofissional/hora para integração:

61 a 90 < 31

31 a 60

Número de empregados da empresa - De 0 a 9

Faixa de faturamento - Até R$ 250 mil

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

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2.2.2 Estratégias de algumas empresas selecionadas

Foram realizadas 9 entrevistas com empresas desenvolvedoras/fornecedoras de SL/CA dentre um conjunto de 16 empresas entrevistadas56:

• duas que possuem soluções de SL/CA para o setor de varejo, mas também para outros setores;

• cinco empresas públicas que têm como principal clientes órgãos governamentais e que possuem experi-ências nas áreas de educação e saúde pública, nas esferas municipal e federal;

• duas empresas que produzem equipamentos eletro-eletrônicos e de comunicação, principalmente ro-teadores e modems com SL/CA embarcado. Apesar de não ser o principal negócio desta empresas, elas desenvolvem e adaptam SL/CA internamente.

A seguir são apresentadas de forma resumida as informações por conjuntos de empresas de acordo com os setores econômicos em que atuam.

Comércio (varejo)

As duas empresas que atuam no comércio de varejo têm alguns pontos em comum e de oposição. As duas divergem quanto ao foco em desenvolvimento. Por um lado, a empresa multinacional aposta no estabeleci-mento de parcerias e pólos de capacitação para difundir open source no mercado. Para isso, busca em cada segmento da indústria uma área em que o Linux seja uma alternativa, contando com parceiros de negócios que têm soluções prontas para o mercado.

Por outro lado, a empresa nacional vê esse momento do Linux como forma de avançar sua marca como desen-volvedora de software, que pode fazer produtos mais ajustados para seus clientes. Seria uma oportunidade de voltar ao desenvolvimento, já que nasceu como desenvolvedora de software, mas teve essa linha de atuação abafada pela presença dos grandes atores. Além disso, o Linux aumentou a competitividade dos produtos, especialmente aqueles relacionados com automação comercial. Assim, o Linux teria possibilitado o retorno de discussões que pareciam fechadas há tempos.

As duas empresas possuem pelo menos três pontos em comum. O primeiro é que ambas apostam no suporte pré e pós venda para o Linux. Para elas, o mercado ressente-se da carência de suporte, isto é, de empresas que possam dar apoio para os clientes na decisão de migrar ou instalar nova base, e também dar tranqüilidade em termos de desenvolvimento contínuo. Nesse sentido, ambas montaram centros de prova de conceito e apoio pré-venda, sendo que a empresa nacional montou um em parceria com uma universidade visando testar e homologar soluções principalmente para o governo.

O segundo ponto em comum da estratégia das duas empresas é disponibilizar versões de suas soluções pro-prietárias para rodar no Linux, especialmente para aplicações de equipamentos dedicados no varejo (sistema de ponto de venda - PDV), ou ainda para outros equipamentos dedicados. Acreditam que os softwares abertos vão evoluir, mas nos processos críticos os produtos proprietários são e vão continuar sendo mais evoluídos, pois há compromisso de investimento de longo prazo no desenvolvimento. Por fim, o terceiro ponto em comum é o estabelecimento de parcerias com universidades.

Governo

Todas as empresas públicas de informática analisadas possuem algum projeto de migração de plataformas baixas das áreas administrativas para soluções em SL/CA, principalmente colocando Linux como sistema ope-

56 A escolha das empresas para ser entrevistadas deu-se a partir dos setores econômicos que possuem uso mais intensivo de SL/CA apontados no painel de especialistas. Foram privilegiadas grandes empresas visto que estas não foram cobertas pelos outros levantamentos (enquête e levantamentos secundários). Por questões de sigilo, as empresas não serão aqui identificadas.

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Perfil dos desenvolvedores de SL/CA

racional. Há também iniciativas voltadas para os usuários finais da área administrativa envolvendo a migração de desktops.

Em um dos casos, de uma empresa pública municipal, a utilização de SL/CA começou como uma opção técnica em iniciativas isoladas há pelo menos 8 anos, passando a ser usado pela infra-estrutura (como em servidores de arquivos e gerenciador de arquivos) e depois atingindo o usuário final. Em meados de 2002 foi criado um gru-po de trabalho para avaliar o processo de migração. Praticamente toda a equipe interna (operacionais, suporte, help desk) recebeu treinamento. A partir de 2003 começou maciçamente o uso institucionalizado do SL/CA em toda a empresa, incluindo as ferramentas de desenvolvimento e as ferramentas de desktop.

Além da migração das plataformas, as empresas públicas municipais estão trabalhando em migração de servi-dores e estações de trabalho nas áreas de educação e saúde: tanto há experiências de informatização de escolas e montagem de laboratórios e telecentros para as secretarias de educação (estações com Linux ou com dual boot), como há experiências em andamento de informatização de unidades básicas de atenção à saúde através da utilização de uma lógica semelhante dos equipamentos dedicado como PDV utilizando SL/CA. Por fim, tam-bém há experiências de desenvolvimento, especialmente em certificação digital e segurança.

O grande desafio destas empresas é lidar com o legado. Muitas empresas têm uma plataforma estável com muitos anos de aprendizado e interação da equipe. Mudar isso significa risco de perda de estabilidade. A gran-de maioria das grandes organizações não pensa em migrar o legado, apenas as plataformas baixas. Mudar o legado exige um alto investimento, depende de anos de trabalho para converter todos os sistemas de automa-ção governamental.

Em resumo, pode-se dizer que o movimento atual de empresas desenvolvedoras em SL/CA caminha de forma já profissional, mas ainda com muitas incertezas, especialmente no plano regulatório e das perspectivas de desenvolvimento do entorno necessário ao crescimento da importância do SL/CA. A impressão é de que todos sabem da importância do investimento em SL/CA (até pelo que se vê no cenário internacional), mas o nível de risco ainda é elevado, especialmente por se tratar de mercados em formação, com um quadro de regras ainda em institucionalização. Portanto, o desenvolvimento profissional de SL/CA no Brasil começa a dar seus primeiros passos, tanto com empresas nacionais, como com multinacionais e com empresas públicas. A fase é de redução dos ainda elevados custos de transação para a profissionalização do SL/CA no país.

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37Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Capítulo 3Perfil do usuário de SL/CA

Neste capítulo procura-se caracterizar o perfil dos usuários de SL/CA no Brasil. São analisados dois tipos de usuários: usuários individuais, que incluem desde os usuários finais que trabalham em empresas e outras instituições até os usuários domésticos, e os usuários corporativos, entendidos como as empresas e outras instituições usuárias.

Existem diversos estudos que tratam dos usuários de SL/CA. Lerner e Tirole (2002) apontam que a rápida difu-são dos softwares deu-se devido à nova forma de organização do SL/CA, que inclui a cooperação no desenvol-vimento e a distribuição através da Internet, e também devido ao grande investimento de capital nos projetos e companhias de SL/CA por parte de grandes corporações, principalmente de hardware. Entre os “beneficiários” de SL/CA estão desde usuários domésticos dos países menos desenvolvidos até algumas das 500 maiores em-presas da Fortune.

Os levantamentos realizados e a cobertura da mídia especializada no país apontam um crescimento do uso de SL/CA, em especial no mundo corporativo, o que não foge das tendências internacionais apontadas por Lerner e Tirole (2002). A grande porta de entrada para o mundo do software livre tem sido o sistema operacional Linux. Duas recentes pesquisas demonstram esta tendência57. Segundo a pesquisa sobre as 100 empresas “mais ligadas” da revista Info Exame (Fortes, 2004), 64% destas já utilizam o Linux.

Dados da pesquisa I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004), de 200458, permitem um detalhamento deste quadro de utilização do Linux em servidores por porte de empresa (gráfico 1) e tipo de aplicação (gráfico 2). Com relação ao porte, apesar da forte presença do Unix em grandes empresas e do Windows em todos os portes, o Linux aparece em segundo lugar no total, sendo utilizado em 53% dos servidores das grandes empresas e 56% das médias.

Gráfico 1 - Principais sistemas operacionais utilizados em servidoresFonte: I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004)

57 Cabe ressaltar que os dados das duas pesquisas não são diretamente comparáveis, pois a pesquisa da revista InfoExame trata de grandes empresas nacionais e a da FIESP de empresas de vários portes mas restritas ao Estado de São Paulo.

58 Esta pesquisa foi realizada a partir de uma amostra de 1.334 das 14.485 empresas pertencentes ao cadastro da FIESP.

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Perfil do usuário de SL/CA

Tomando-se o uso dos sistemas operacionais em servidores por tipo de aplicação, nota-se a clara predominân-cia do Windows em todos os tipos de aplicação, especialmente nas funções de gerenciamento de rede e banco de dados. Mas também se notae também a presença em segundo lugar do Linux, com destaque nas aplicações para servidor de correio, web e gerenciamento de segurança.

Gráfico 2 - Sistemas operacionais por tipo de operação Fonte: I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004)

Desta forma, o Linux concorre fortemente com o Windows no segmento de servidores. Segundo Meirelles (2004), 12% dos servidores instalados no Brasil são Linux, contra 60% Windows, como apresentado na tabela 2. Como já visto, isso segue tendências mundiais, pois segundo a revista InfoCorporate (Vieira e Nogueira, 2003), a Gartner identificou que em 2002 o Linux respondeu por 6% do mercado mundial de sistemas opera-cionais e em 2003 chegou a 9%. A estimativa para 2007 é que seja responsável por 18%.

Tabela 2 – Sistemas Operacionais nos servidores no Brasil

Sistema % de penetração

Windows 60

Unix 18

Linux 12

Novell 7

Outros 3

Fonte: Meirelles, 2004.

Em outros segmentos para além da infraeestrutura, o uso de SL/CA é restrito. Os dados da pesquisa I-Digital mostram que, em banco de dados transacionais (gráfico 3), há a predominância de Oracle para as grandes e Microsoft SQL Server em empresas de todos os portes. O uso de banco de dados de SL/CA (MySQL) fica bem atrás de outros bancos de dados de pequeno porte, como Clipper e Access, independente do porte da empre-sa.

Com relação aos navegadores, a penetração também é pequena. O browser Mozilla tem 7% do mercado, fi-cando bem atrás do Internet Explorer que, mesmo tendo perdido 5% de participação, continua dominando o mercado global com 88,9%.

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39Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Pode-se dizer que o uso de SL/CA em desktops ainda é restrito e talvez será o último filão a ser abarcado (ComCiência, 2004). Segundo pesquisa da Internacional Data Corp., o Linux terá 6% do mercado global de computadores de mesa até 2007, o que representa um crescimento significativo em relação aos 2,7% corres-pondentes ao ano de 2002 (ComCiência, 2004). Desta forma, apesar de não existirem levantamentos sobre usuários individuais no Brasil, imagina-se que seja pequeno o número de usuários individuais com perfil não técnico que espontaneamente usem SL/CA.

Gráfico 3 – Software de banco de dados transacionaisFonte: I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP, 2004)

Um fator que pode ser apontado como responsável por esse uso restrito é a ainda pouca maturidade das in-terfaces gráficas. Até muito recentemente a difusão se dava majoritariamente entre usuários finais sofisticados, como administradores de sistemas, devido ao modelo de desenvolvimento que tende a privilegiar os desenvol-vedores (Lerner e Tirole, 2002). Reis (2003) em sua pesquisa de mestrado, que buscou caracterizar os principais projetos de desenvolvimento de SL/CA do mundo, mostra que há pouca atenção para a “usabilidade” no pro-cesso de desenvolvimento do software, o que provavelmente seria um dos principais fatores para a reputação amplamente presente de que o SL/CA é complexo e difícil de operar.

Desta forma, Lerner e Tirole (2002) apontam que dentre os desafios recentes está o desenvolvimento de pro-dutos mais amigáveis para os usuários finais, sem formação em computação, devido à menor ênfase dada até então no processo de desenvolvimento para os aspectos de documentação, suporte, interfaces, entre outros (id. ibid, p.203). As iniciativas de criação de interfaces mais adaptadas, e próximas do padrão Windows, como os projetos Gnome e KDE, podem ser vistas como uma tentativa de ampliar a difusão de SL/CA entre usuários “comuns”59. Também neste sentido podem ser avaliados os esforços para facilitar a instalação como a distribui-ção brasileira Kurumin, que permite a instalação do programa direto do CD, que automaticamente configura todos os dispositivos do computador (ComCiência, 2004)60.

Tendo situado o contexto da utilização de SL/CA em linhas gerais, passa-se para a apresentação dos resultados da pesquisa. As fontes de informações utilizadas para analisar os usuários neste item foram a enquete eletrô-

59 Em geral, costuma-se comparar os processos de desenvolvimento da Microsoft e do Linux através do tipo de usuários que seriam consultados durante o desenvolvimento. Enquanto a Microsoft procuraria ouvir seu usuário “menos técnico”, os desenvolvedores do Linux buscariam a opinião de seus usuários “mais técnicos”. Segundo Lerner e Tirole (2002), o declínio do licenciamento em GNU/GPL seria influenciado por interesses econômicos mais pragmáticos que tentariam levar em conta os usuários comuns.

60 É importante salientar que o Kurumin foi construído a partir do Debian e do Knoppix, uma distribuição Linux que roda diretamente do CD sem necessidade de utilizar o sistema instalado no disco-rígido do computador. (Fontes: http://www.guiadohardware.net/kurumin/ e http://br-Linux.org/main/noticia-lancado_knoppix_37_versao_e.html).

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Perfil do usuário de SL/CA

nica, os subsídios aportados no painel de especialistas, as entrevistas de campo com 16 empresas usuárias/de-senvolvedoras e a Lista de Empresas Usuárias.

Os dados e análises a serem apresentados são subdivididos segundo as duas categorias de usuários. Com rela-ção aos usuários individuais será traçado o perfil social, econômico e técnico a partir dos dados da enqueteeletrônica. Sobre os usuários corporativos, será traçado o perfil das empresas usuárias a partir de dados secundários e apontadas algumas estratégias, principalmente das grandes empresas usuárias, a partir das En-trevistas realizadas.

3.1 Usuário Individual

3.1.1 Caracterização social, econômica e técnica dos usuários

Através da enquete eletrônica foram levantadas informações de 1.704 usuários individuais. A grande maioria dos usuários de software livre é do sexo masculino (89%), tem até 35 anos de idade, sendo que há uma maior concentração de desenvolvedores que possuem entre 18 e 27 anos (50,85%) (gráfico 4). A maioria, portanto, é jovem, não possui filhos (68%) e não vive ou não possui um(a) companheiro(a) (43%).

Estes usuários estão concentrados nas regiões Sudeste (58%) e Sul (26%), concentração que é mais acentuada que entre os desenvolvedores (gráfico 5). O maior número de usuários está concentrado no Estado de São Paulo (33%), seguido do Rio Grande do Sul (11%) e Rio de Janeiro (9%).

Gráfico 4 - Idade dos usuários

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Do total de usuários, 62% se consideraram usuários avançados61, o que, aliado a alta escolaridade62 e formação em cursos de TI63, confirma a expectativa inicial de que a maior parte dos usuários tem formação em compu-tação ou pelo menos facilidade com os aspectos técnicos.

61 O respondente se auto-definia como “usuário que instala seus próprios softwares e periféricos, configura seu ambiente de trabalho, software e periféricos. Usa com desenvoltura ferramentas mais avançadas do sistema operacional e do seu ambiente de trabalho.”

62 40% possuem nível superior incompleto (sendo que destes grande parte deve ser estudante universitário), 38% são graduados, sendo que 20% do total possuem pós-graduação.

63 Dentre os usuários com nível superior (completo ou incompleto), 55% estão cursando ou são formados em cursos relacionados com TI (ciência da computação/sistema de informação e engenharia elétrica), o que confirma o perfil técnico esperado.

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A participação nas comunidades de SL/CA é outro fator que reforça a expectativa inicial: a maioria dos respon-dentes (80%) participa das comunidades sendo que 32% consideram-se parte da comunidade de software livre, 9% da de open source e 39% participam de ambas. Apenas 12% declararam não se considerar parte das comunidades e 8% não souberam indicar o pertencimento (gráfico 6). Perguntados se consideram que as duas comunidades sejam diferentes, a maioria (77%) respondeu que são diferentes, mas quase metade dos respondentes (47% do total) acham que na prática funcionam da mesma forma, apesar de apontarem que ambas são diferentes.

Gráfico 5 – Distribuição dos usuários por região Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Gráfico 6 - Se considera parte de alguma comunidadeFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Desta forma, os respondentes da enquete eletrônica são usuários que participam das comunidades e conhecem minimamente seus princípios e funcionamento, o que pode indicar que, em um futuro próximo, parte destes usuários, especialmente aqueles com formação em TI, possa passar para a categoria de desenvolvedores.

Em resumo, estes usuários podem ser encaixados na classificação de usuários participantes das comunidades de SL/CA, que dão suporte ao desenvolvimento através do uso e teste dos softwares, como apontado no mo-delo esquemático do desenvolvimento do capítulo 1.

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Perfil do usuário de SL/CA

3.1.2 Perfis dos usuários (agrupamentos)

Após a apresentação dos resultados mais freqüentes para o conjunto dos usuários, são apresentados os perfis de usuários vistos por meio de análise de correspondência multivariada (ACM) conjugada com análise de agru-pamento hierárquica. Para esta análise foram utilizadas as seguintes variáveis:

• Local de utilização de SL/CA;

• Onde tomou conhecimento de SL/CA;

• Razões para utilizar SL/CA e dificuldades encontradas;

• Principal ocupação atual, nível de escolaridade e renda mensal;

• Situação empregatícia e local de trabalho.

O resultado gráfico da ACM (figura 5) apresenta a disposição das respostas destes indivíduos. O primeiro eixo pode ser interpretado como a experiência do usuário, caracterizado principalmente por variáveis que pos-suem um gradiente, como idade, renda mensal, escolaridade e ano em que começou a utilizar SL/CA. O gra-diente ocorre da direita para esquerda no eixo horizontal, sendo o inverso apenas na questão relativa ao início do uso. Ou seja, os usuários mais velhos, com renda mais alta e com nível mais alto de escolaridade começaram a utilizar SL/CA há mais tempo que os usuários mais jovens, com renda menor e com nível de escolaridade mais baixo. O eixo 2 opõe os perfis de atuação com relação ao SL/CA e podem ser melhor entendidos a partir dos agrupamentos encontrados. Foram identificados 4 agrupamentos descritos a seguir e apresentados de forma resumida na tabela 3. Como indicado no resultado gráfico, de forma geral, as variáveis que compõem os agru-pamentos aparecem de forma ordenada com relação à idade, nível de escolaridade, renda e ocupação.

Figura 5 - Análise de correspondência do perfil dos usuários de SL/CAFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

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43Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Grupo 1 - Estudantes de nível médio (14,5%)

Constituído por indivíduos menores de 19 anos, sem renda, sem emprego, que utilizam SL/CA aparentemente em colégios/faculdades. Estes usuários tomaram conhecimento do SL/CA através de veículos da mídia não di-recionados e consideram-se pouco capacitados para usar as ferramentas. Por isso, uma das motivações deste grupo é aprender e desenvolver novas habilidades.

Grupo 2 - Universitários bolsistas (20%)

O grupo 2 é formado por estudantes, em grande parte universitários de cursos de TI, um pouco mais velhos que os do grupo 1, com idade entre 18 e 24 anos, com renda de até 3 salários mínimos, muitas vezes advin-das de bolsas. São usuários que começaram a utilizar SL/CA recentemente (em 2003), tendo tomado conhe-cimento através da universidade e da rede pessoal (amigos e parentes). As principais motivações indicam um interesse profissional pelo SL/CA, pois imaginam que o SL/CA irá melhorar suas oportunidades de emprego e as ferramentas são mais adequadas. No entanto, não se sentem muito capacitados para utilizar as ferramentas e desconhecem o estoque de softwares existentes em repositórios.

Grupo 3 – Profissionais da área técnica (35%)

Neste grupo estão usuários empregados ou autônomos, cuja renda varia entre 2 e 10 salários mínimos, com idade entre 25 e 34 anos e nível médio de escolaridade. São profissionais de áreas relacionadas com TI e tam-bém de outras áreas. Utilizam SL/CA desde 2001 em casa, provavelmente como autônomos, e no trabalho. Para estes profissionais, o uso de ferramentas de SL/CA é motivado pela facilidade de personalização e porque são mais adequadas, além de representar uma possibilidade de melhorar as oportunidades de emprego.

A despeito destas motivações, os usuários deste grupo apontaram uma série de dificuldades para usar SL/CA que não constavam na lista inicial de categorias desta questão. As principais dificuldades apontadas foram:

• Cultura estabelecida do software proprietário: as empresas ou clientes obrigam o uso de software pro-prietário e muitas vezes não há compatibilidade com os arquivos gerados em softwares comerciais;

• Problemas para instalação, como a falta de padronização dos sistemas a fim de facilitar a instalação e configuração de dispositivos e ferramentas, para utilização, pois as interfaces com o usuário não são intuitivas e são mal elaboradas;

• Dificuldades em obter os drivers compatíveis com os fabricantes de hardware;

• Falta de versões em SL/CA de ferramentas especializadas, como Autocad, Photoshop; para muitos, por enquanto, alguns softwares proprietários ainda são superiores;

• Falta de documentação, arquivos de ajuda e poucas bibliografias em português;

• Falta de suporte técnico ao usuário final (help desk).

A partir desta lista é possível supor que se trata de profissionais que se vêem obrigados a utilizar ferramentas de SL/CA no trabalho ou que querem utilizá-las em suas profissões, mas que ainda esbarram em várias de suas limitações.

Grupo 4 – Professores e profissionais da área gerencial de TI (31%)

Este grupo é formado por profissionais de TI (engenharia de software/analista, professor de TI e funcionário público em TI) de outras áreas, que possuem renda acima de 5 salários mínimos. Além da renda mais alta, são os usuários com escolaridade mais alta e mais velhos (mais de 30 anos) dentre os grupos e também com maior experiência em SL/CA, pois usam desde 1995-1997. Usam SL/CA no trabalho e uma das principais motivações é a diminuição de custos, ao lado de uma questão mais ideológica (“limitar o poder das grandes corporações”).

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44 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil do usuário de SL/CA

Muitos não encontram dificuldades de uso e não há problemas de capacitação. Os problemas que enfrentam estão relacionados a problemas técnicos das ferramentas e na pouca adequação das ferramentas disponíveis para a solução de seus problemas. Ainda apontaram dificuldades devido a questões culturais dos outros usu-ários com quem trabalham e a dificuldade de encontrar pessoal qualificado e empresas que prestem suporte à SL/CA.

Tabela 3 - Caracterização socioeconômica dos agrupamentos de usuários individuais

Variáveis Grupo 1Estudantes de nível médio (14,5%)

Grupo 2Universitáriosbolsistas (20%)

Grupo 3Profissionais da área técnica (35%)

Grupo 4Professores e profissio-nais da área gerencial de TI (31%)

Principal ocupação atual

Estudante Estudante (TI) e Outros Técnico programador/

Adm. de redes/ Suporte

Consultor TI

Outros (TI e demais)

Engenheiro de software/analista

Engenharia (outra)

Professor TI

Professor

Funcionário público (TI)

Funcionário público (ou-tro)

Nível de escolaridade Médio

Superior incompleto

Superior incompleto Nível médio Superior completo

Mestrado

Doutorado

Renda mensal(salários mínimos)

Sem rendimento Até 1

1 a 2

2 a 3

2 a 3

2 a 4

3 a 5

5 a 10

5 a 10

10 a 20

Mais de 20

Situação empregatícia Não está empregado no momento

Bolsista Autônomo

Empregado

Empregado

Sócio/proprietário

Local de trabalho Não se aplica Universidades (públicas e privadas)

Empresa privada

Empresa multinacional

Empresa própria/ coo-perativaAutônomo

Empresa privada

Administração pública federal

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

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45Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Tabela 4 - Caracterização da utilização de SL/CA dos agrupamentos de usuários individuais

Variáveis Grupo 1Estudantes de nível médio (14,5%)

Grupo 2Universitáriosbolsistas (20%)

Grupo 3Profissionais da área técnica (35%)

Grupo 4Professores e profis-sionais da área ge-rencial de TI (31%)

Onde utiliza Colégio/ universidade/ faculdade

Colégio/universidade/ faculdade

Em casa

No trabalho

No trabalho

Onde tomouconhecimento

Jornais e Revista

Telecentros

Colégio/universidade/ faculdade

Amigos/parentes

Na Internet/ listas de discussão

Amigos / Parentes

Jornais/ Revistas/ TV

No trabalho

Razões para utilizar SL/CA

Participar da comuni-dade

Aprender e desenvolver novas habilidades

Melhorar oportunida-des de emprego

Ferramentas mais ade-quadas ao meu uso

Pela facilidade de per-sonalização

Melhorar oportunidade de emprego

Ferramentas mais ade-quadas ao meu uso

Diminuir custos

Limitar poder das gran-des corporações

Dificuldadesencontradas

Falta de capacitação Falta de capacitação

Desconhecimento dos softwares em reposi-tórios

Cultura do Sw proprie-tários

Limitações na Interface com usuários

Ausência de drivers compatíveis com fabri-cantes de hardware

Falta de ferramentas especializadas

Falta de suporte e ma-nutenção

Pouca adequação dos softwares disponíveis na solução de proble-mas

Problemas técnicos

Questões culturais de usuários

Dificuldades de RH/ empresas de suporte

Não encontro dificul-dades

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

3.2 Empresas usuárias

Nesta seção é analisado o uso de SL/CA em empresas e outras instituições no país. Para isso, serão utilizados os dados obtidos no painel de especialistas, na enquete eletrônica e nos levantamentos secundários. A mídia tem apresentado, com freqüência, exemplos de utilização bem sucedida de SL/CA, especialmente nos setores de comércio varejista e bancário. Em termos de camadas, o mais comum é a migração ou implementação de SL/CA nas áreas de infra-estrutura de TI. O quadro 6 apresenta um resumo de casos ilustrativos obtidos a partir de reportagens.

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46 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil do usuário de SL/CA

Quadro 6 - Box resumo com casos ilustrativos de uso de SL/CA por empresas no Brasil

Varig. A Varig, no ano de 2001, teve que dar um grande crescimento no número de usuários de e-mail, de 3.000 para 6.000 usuários. Isso sig-nificaria um gasto, somente com licenças do Exchange, de 240 mil dólares mais 3 dólares por usuário por mês de manutenção. A empresa optou por uma solução aberta (Courier + Qmail). Atualmente a empresa possui 13 mil contas de e-mail com software livre. Além do e-mail, a empresa pretende que 100% da área de Internet da empresa seja com software livre em 3 anos, possuindo atualmente no mínimo 30 sistemas rodando em cima do modelo aberto. A empresa estima economia anual de 12 milhões de reais com o uso de software livre. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Extracta. A Extracta é uma empresa de biotecnologia situada no Rio de Janeiro. O software livre domina a área de tecnologia da empresa, que conta com todo o processamento de testes químicos e biológicos. O Windows sobrevive em apenas alguns poucos desktops. A economia estimada é de US$ 160 mil/ano. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Sucos Mais. A Sucos Mais é uma empresa localizada em Linhares, no Espírito Santo, que produz mensalmente 4,5 milhões de litros de suco. 100% dos servidores da empresa rodam Linux. Só com licenças, economizou US$ 100 mil. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Carrefour. Irá utilizar Linux para rodar o Calypso (sistema da Unisys) em seus 7.220 terminais, migrando de 30 a 40 lojas por ano. (Info Exame – Fevereiro de 2003. O fenômeno do Software Livre, citado em Fortes, 2004).

Grupo Pão de Açúcar. Irá utilizar o Linux no Pontos de Venda (PDV) para rodar o SIAC (Sistema Itautec de Automação Comercial) nas 500 lojas da rede (Pão de Açúcar, Extra e Compra Bem) somando 8.500 PDVs. Tem prazo de migração previsto de 3 anos. (Info Exame – Fevereiro de 2003. O fenômeno do Software Livre, citado em Fortes, 2004).

Wall-Mart. Pretende migrar os 1.000 terminais das 25 lojas brasileiras, mas não disponibilizou o prazo estipulado para essa migração. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Grupo Sonae. Grupo que possui 5 mil PDVs distribuídos nos supermercados Big, Candia, Mercadorama, Nacional e Maxxi Atacado utiliza um piloto em 3 de suas 174 lojas em Linux. Todos os servidores de missão crítica utilizam o Linux como sistema operacional e equivalem a 10% do total de servidores do grupo. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

Embrapa Informática. Utiliza Linux em parte dos servidores e dos desktops e possui 30% dos desktops em sistema de dual boot. Fora isso, a empresa está montando um repositório de software livre onde irá disponibilizar alguns de seus programas. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Petrobrás. A Petrobrás utiliza o Linux em aplicações de cluster para análise de dados de prospecção. São mais de 1000 CPUs de variados fornece-dores em cluster com Linux. (Info Exame – Fevereiro de 2004.”O fenômeno do Software Livre”, citado em Fortes, 2004).

Banrisul. A migração começou em 2000 e vem sendo realizada gradativamente. Parte dos serviços de cada rede local das agências funciona com Linux, como auto-atendimento, proxy, servidores de rede e servidor DHCP (distribuição de endereço IP para as estações). As diversas plataformas, no entanto, devem continuar coexistindo. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?” citado em Vieira e Nogueira, 2003).

UOL. O Universo Online está trocando seus servidores SOLARIS por Linux. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

Telemar. A Telemar usa Linux em seu sistema de coleta e tratamento de pulsos. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

Infoglobo. Empresa responsável pelos jornais O Globo, Diário de São Paulo e Extra. Devido à especificidade do negócio, precisavam de agilidade, pois como seu produto é jornal e este tem um prazo exato a ser cumprido, qualquer atraso significa perda dinheiro. Escolheram o Linux e tiveram um custo de 60% do previsto. A Infoglobo investiu na migração aproximadamente 200 mil dólares, contra uma previsão inicial de gastos da ordem de 650 mil dólares.

Itaú. Utilizará Linux nos desktops que têm configuração fechada. Querem, com isso, que seus funcionários se acostumem com o sistema para que não paguem um preço muito elevado no momento da migração. Pretendem também que o software chegue até os caixas eletrônicos. (Info Corpo-rate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

GVT. A GVT já trocou alguns servidores RISC por outros com a plataforma Intel-Linux. Tiveram, com isso, uma economia superior a 1 milhão de reais. Pretendem trocar todo o parque de servidores de Unix. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e Nogueira, 2003).

Lojas Colombo (eletrodomésticos). Plataforma Linux implantada em todo sistema operacional da rede. A migração levou 2 anos e aproveitou equipamentos que teriam que ser trocados, como micros com configuração Pentium 100 MHz, fator que foi decisivo na decisão da empresa. Todos os micros das lojas utilizam o Linux da Conectiva. O Linux roda em 3200 PDVs e 290 servidores. O CIO das Lojas Colombo estima que economizou 80% em relação a uma solução com produtos da Microsoft. (Info Corporate – Maio 2003. “Pronto para encarar o Linux?”, citado em Vieira e No-gueira, 2003).

Metrô SP. Na análise da implementação de serviços de e-mail para os funcionários, os primeiros cálculos mostravam que o preço da licença do software de e-mail proprietário girava em torno de 100 dólares por usuário, valor que poderia cair para 30 dólares com a compra em grande quan-tidade. Mesmo assim, seria um investimento pesado, já que o Metrô tinha cerca de 3 mil usuários de correio eletrônico. Além disso, a implantação do Notes exigiria a instalação de vários servidores e a troca de praticamente todo o parque de micros da empresa. Este custo foi evitado com a utilização de uma solução livre. Além disso, com a utilização de pacotes livres de escritório a economia anual tem sido de R$ 700 mil para o parque

de 1.600 microcomputadores hoje existentes no Metrô (http://www.metro.sp.gov.br).

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47Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

3.2.1 Caracterização das empresas usuárias

Através de levantamentos secundários e da indicação dos clientes das empresas desenvolvedoras na enquete eletrônica foi possível reunir 154 empresas usuárias de SL/CA64. A distribuição geográfica das empresas usuárias demonstra a grande concentração nas regiões Sul/Sudeste, em parte decorrência da concentração dos grandes produtores e consumidores de software do país. Entretanto, o Rio Grande do Sul destaca-se dentre os estados da Região Sul, concentrando 25% das empresas identificadas como usuárias de software livre (gráfico 7). Com relação às cidades das empresas usuárias, somente São Paulo e Porto Alegre são responsáveis por 43% e 20% do total de empresas respectivamente65. O destaque do uso no Rio Grande do Sul e, particularmente da cidade de Porto Alegre, decorre em grande parte da ação do governo estadual, pois na gestão de Olívio Dutra foi criada uma lei estadual que dava preferência ao software livre em compras governamentais, posteriormente derrubada pelo governo sucessor. Como conseqüência, Porto Alegre tornou-se uma das principais porta-vozes a favor deste modelo em âmbito internacional e tem sido a sede do Fórum Internacional de Software Livre.

Gráfico 7 - Localização das empresas usuáriasFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Grande parte das empresas usuárias são de porte médio ou grande, pois 64% têm faturamento superior aR$ 1 milhão/ano (48% acima de R$ 50 milhões) (gráfico 8) e 65% das empresas possuem mais de 99 funcio-nários (gráfico 9). Isto pode indicar que o uso de SL/CA seja característico de grandes empresas atualmente. O predomínio das grandes empresas entre as usuárias, como apontado adiante, decorre, dentre outros fatores, da maior economia com licenças, proporcionadas pela adoção do SL/CA.

O uso se dá majoritariamente em empresas de origem de capital nacional (87%), embora exista um número maior de multinacionais utilizando SL/CA (13%) do que desenvolvendo no país.

64 Imagina-se que esta lista seja maior, pois o levantamento de dados das empresas usuárias é mais difícil que o das desenvolvedoras, pois estas não constam em catálogos e nem sempre disponibilizam em seus sites informações sobre os tipos de softwares utilizados.

65 Outras cidades que se destacam são: Rio de Janeiro (18%), Curitiba (15%), Brasília (12%), Belo Horizonte (11%) e Campinas (8%).

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48 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Perfil do usuário de SL/CA

Gráfico 8 - Faturamento empresas usuáriasFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica (nota: n=140)

Gráfico 9 - Número de empregados de empresas usuáriasFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica (nota: n=105)

3.2.3 Estratégias

Para detalhar um pouco mais a utilização que está sendo feita do SL/CA, aponta-se algumas estratégias obser-vadas nas grandes empresas usuárias que foram entrevistadas, procurando organizar as estratégias por setores econômicos.

Setor financeiro

No setor financeiro observou-se uma tendência à utilização de SL/CA nos sistemas operacionais dos servidores e em equipamentos dedicados (ATM). As operações de TIC do setor exigem grande estabilidade e maturidade das tecnologias adotadas, o que parece ser alcançado com estas aplicações de Linux. Entretanto, há poucos casos de outras aplicações para além do sistema operacional, pois as soluções em vigor são maduras e estáveis.

Em um dos casos, a economia com a utilização do Linux pode chegar a R$ 17 milhões em 4 anos, sendo que 90% disto deve-se às economias com o pagamento de licenças e os demais 10% com aproveitamento de hardware, pois em vários casos o uso de SL/CA evitou a necessidade de novas aquisições. Embora os ganhos tenham suplantado de longe os investimentos, a redução nos custos não foi a motivação mais forte. As prin-cipais motivações foram a maior aderência a padrões e maior estabilidade. Apesar de um dos motivos para a migração ter sido a descontinuidade do suporte ao DOS, a opção por Linux não deixou de ser uma decisão ousada. Os desenvolvimentos, suporte e manutenção foram feitos internamente com pouco apoio externo

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49Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

especializado66. Apesar de já haver migração nas estações de trabalho, no que se refere a aplicativos verticais do sistema financeiro, percebe-se pouquíssima movimentação.

Comércio varejista

Foi observada uma tendência à utilização de SL/CA nos sistemas operacionais dos servidores e em equipamen-tos dedicados (PDV). Estas migrações foram realizadas utilizando-se a equipe interna e o suporte e consultoria das principais empresas de TI que atuam neste setor e que também estão envolvidas com fornecimento e su-porte em SL/CA.

No setor de comércio e varejo existe uma grande sensibilidade a preço de licenças e hardware, pois normalmen-te os parques de equipamentos das grandes redes varejistas poussuem milhares de computadores. Conseqüen-temente, a principal motivação foi a redução de custo, principalmente com relação a equipamento visto que, em todos os casos observados de migração de PDV, esta acontece do DOS para o Linux (e não do Windows para o Linux, com exceção de pequena parte dos equipamentos de escritório em que houve migração a partir do sistema da Microsoft). Entretanto, também são motivos significativos alguns aspectos técnicos, como es-tabilidade67, segurança e transparência. Além disso, destaca-se principalmente nos hipermercados a migração devido aos limites do DOS em relação ao gerenciamento de memória, pois as novas aplicações principalmente de cartões de crédito/débito, necessitam de muito mais memória do que limitados 640 KB do DOS. O fato de os fornecedores de hardware do setor assumirem a responsabilidade pelo suporte ao Linux também tem per-mitido uma maior tranqüilidade na decisão destes grandes usuários.

Saúde

No setor de saúde se observa também uma migração dos sistemas operacionais dos servidores, mas também migração em estações de trabalho, em menor grau, e desenvolvimento específico para a área criado sobre plataforma livre, especialmente no setor público. A motivação maior é a redução de custos e a autonomia do fornecedor que refletem diretamente no desempenho financeiro da instituição. Há um imenso mercado a ser explorado.

No próximo capítulo vamos definir alguns elementos econômicos que explicam a dinâmica e a lógica de inser-ção do SL/CA na indústria de software, particularmente na indústria de software nacional. Pretende-se apontar para os modelos de negócios e as ameaças e oportunidades colocadas pelo software livre.

66 Fatores para o sucesso foram o legado de conhecimento em Unix e a manutenção de padrões e normas durante a história.

67 Uma das vantagens listadas é a estabilidade do sistema, bastante valorizada nestas empresas onde qualquer parada é responsável por alguns milhares de reais a menos no faturamento.

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Capítulo 4As dimensões econômicas do SL/CA:motivações, setores e modelos de negócios

Neste capítulo são apresentados e discutidos três temas principais: (a) as motivações para o desenvolvimento e

o uso de SL/CA; (b) os principais setores e áreas de uso do SL/CA; e (c) os modelos de negócios envolvidos em

SL/CA. Estes temas têm feito parte de um grande número de estudos no exterior e mais recentemente no Brasil,

embora no país não se tenha aprofundado na discussão dos modelos de negócios. Quase todos os levanta-

mentos dos caminhos do SL/CA tentam compreender motivos e interesses envolvidos, particularmente porque

é preciso identificar as especificidades do SL/CA frente à indústria de software proprietário. Na verdade, o mé-

todo aqui utilizado para entender os modelos de negócios parte do princípio que SL/CA é parte da indústria de

software e que, portanto, sua análise deve ser feita desde o interior dessa indústria.

Quais as dimensões econômicas envolvidas com SL/CA e como elas vêm se desenvolvendo são as questões

que estão por trás dos estudos. A seguir, apresentam-se os resultados do levantamento realizado no presente

trabalho, incluindo micro, pequenas e médias empresas de software, desenvolvedores, grandes corporações

usuárias, usuários genéricos, acadêmicos, entre outros. Como nas demais partes deste estudo, são utilizados

três levantamentos principais: painel de especialistas, enquete eletrônica com desenvolvedores e usuários e

entrevistas com empresas.

4.1 As motivações para desenvolver e usar SL/CA

A literatura sobre o tema “motivações de usuários e desenvolvedores de SL/CA” é vasta. Em geral, as opções

de motivações apresentadas aos entrevistados envolvem aspectos técnicos, ideológicos, sociológicos e econô-

micos. No presente trabalho foram investigadas as motivações nas três principais fontes de informação deste

estudo: painel, enquete com desenvolvedores e usuários e entrevistas com empresas.

Na enquete com desenvolvedores, foram a eles colocadas questões específicas sobre motivações, como pode

ser visto no gráfico 10.

A grande maioria dos respondentes destacou opções relacionadas à capacitação, como “desenvolver novas

habilidades” e “compartilhar conhecimento”. Em seguida aparece uma motivação de ordem técnica: “resol-

ver problema sem solução com o software proprietário”. Segue-se uma motivação de natureza ideológica:

“software não deve ser proprietário”. Vale ainda comentar duas motivações de natureza econômica: “melhor

empregabilidade” e “aplicações comerciais”, ambas com baixa colocação no ranking da enquete.

Já para os usuários os resultados foram um pouco diferentes (gráfico 11). “Reduzir custos” e “desenvolver

novas habilidades (capacitação)” foram as razões com maior freqüência de respostas. As demais motivações

são uma mistura de razões técnicas (“facilidade das ferramentas”) com ideológicas (“software não deve ser

proprietário” e “limitar o poder das grandes corporações”). É interessante notar que as razões ideológicas são

mais fortes entre usuários que entre desenvolvedores, provavelmente porque estes têm no desenvolvimento

de programas um elemento fundamental de sustentação financeira. Ainda que o componente ideológico seja

importante, há razões de natureza prática que os tornam mais pragmáticos.

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52 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Dimensões econômicas do SL/CA

Gráfico 10 – Razões de desenvolvimento e/ou distribuição de SL/CA, respondido por desenvolvedoresFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Gráfico 11 - Razões de uso de SL/CA, respondido por usuáriosFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Não sabe

Foi meu primeiro contato

Distribuir software sob licenças SL/CA

Limitar o poder das grandes corporações

Reputação

Melhorar empregabilidade

Visando aplicações comerciais

As ferramentas são mais adequadas para meu uso

Aperfeiçoar produto SL/CA

Novas formas de cooperação

Participar da comunidade SL/CA

Software não deveria ser proprietário

Resolver problema sem solução com proprietário

Compartilhar conhecimento

Desenvolver novas habilidades

Não sei

Primeiro contato foi com SL/CA

A empresa que trabalho só disponibiliza SL/CA

Ferramentas mais adequadas ao uso

Melhorar oportunidades de emprego

Participar da comunidade

Limitar o poder das grandes corporações

Software não devia ser proprietário

Facilidade/flexibilidade das ferramentas

Desenvolver novas habilidades

Diminuir custos

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53Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

Na identificação das motivações feita pela enquete entre desenvolvedores e usuários foram utilizados critérios diferenciados, devido às diferenças entres estes atores. No entanto, no Painel e nas entrevistas com empresas esses critérios foram padronizados. A tabela 5 apresenta os resultados da consolidação das entrevistas nas empresas e em seguida discutem-se os resultados do Painel.

Tabela 5 – Motivos para desenvolvimento e uso de SL/CA

Motivos Média Desvio padrão

Redução de custos (hardware e software) 4,36 0,84

Maior flexibilidade/liberdade para adaptação 3,71 1,44

Maior qualidade (estabilidade, confiabilidade, disponibilidade) 3,64 1,34

Maior autonomia de fornecedor 3,64 1,69

Maior segurança/privacidade/transparência 3,57 1,34

Maior escalabilidade 3,50 1,29

Maior aderência a padrões/interoperabilidade 3,43 1,65

Filosofia/princípios 3,29 1,73

Inclusão digital/social 2,64 1,95

Maior legalidade (licenças) 2,57 2,28

Disponibilidade de recursos humanos qualificados 2,14 1,03

Menor tempo para o desenvolvimento 2,29 1,45

Fonte: pesquisa de campo, entrevistas com empresasNota: 15 empresas, escala de Likert de 1 a 5, crescente em importância

Os resultados das entrevistas nas empresas mostram como principal motivação para uso de SL/CA a “redução de custos”, seguida de “maior flexibilidade para adaptação”, “maior qualidade (estabilidade, confiabilidade, disponibilidade)”, “maior autonomia do fornecedor” e “maior segurança”. Desta forma, as principais motiva-ções são de ordem econômica (custos e fornecedores) e técnicas (flexibilidade e qualidade). Já as motivações de natureza ideológica ficaram em segundo plano.

De menor importância para as empresas é a disponibilidade de recursos humanos qualificados, porque apa-rentemente esse não se constitui nem num motivador, tampouco num obstáculo para o crescimento do SL/CA no país. A questão do menor tempo para desenvolvimento não pôde ser avaliada integralmente porque duas empresas não deram pontuação para esse critério. Sabe-se, entretanto, que para os desenvolvedores que têm no software seu negócio principal, esse critério assume importância elevada.

Na verdade, à exceção do motivo “redução de custos”, quase uma unanimidade entre os respondentes, houve grande dispersão de respostas, com desvios padrão elevados, o que mostra que as motivações são variadas segundo um vasto conjunto de critérios (se é principalmente desenvolvedor ou usuário, o setor de atuação, o tamanho da empresa, entre outros).

Em relação às motivações no painel, os resultados apenas diferem dos das empresas (entrevistas) e dos usuários (enquete) no que se refere à importância dada em redução de custos. Diferentemente do que se verificou nas entrevistas com empresas e na enquete com usuários, a motivação “redução de custo” ficou em sexto lugar. Nas primeiras três posições prevaleceram motivações de natureza técnica: “flexibilidade e liberdade para adap-tação”, “segurança/privacidade/transparência”, e “interoperabilidade”. Autonomia em relação a fornecedores e qualidade do produto ficaram ainda à frente de redução de custos.

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Dimensões econômicas do SL/CA

De outro lado – e a exemplo dos resultados nas empresas entrevistadas e contrariamente aos resultados da en-quete com desenvolvedores – os fatores ideológicos ficaram em segundo plano. Novamente – e corroborando o que se viu com as empresas – disponibilidade de recursos humanos não foi considerada uma motivação para se desenvolver e usar SL/CA.

Em resumo, os três caminhos utilizados por este estudo para se levantar as motivações para desenvolvimento e uso de SL/CA mostraram as seguintes conclusões:

• Não há um padrão de motivações que possa ser representativo de todos os atores envolvidos em SL/CA. Os motivos são muito heterogêneos e oscilam entre razões de natureza técnica, econômico-financeira, capacitação e ideológica.

• As razões de natureza técnica estão mais ligadas à flexibilidade, segurança, potencial de adaptação e interoperabilidade de programas.

• As razões de natureza econômico-financeira dizem respeito à redução de custos operacionais e de capi-tal (não pagamento de licenças, menor taxa de renovação de hardware, atualizações mais baratas)68 e à possível redução de custos de transação (economias de rede no desenvolvimento69, maior autonomia em relação aos fornecedores).

• Os ganhos de custo de transação em SL/CA estão mais associados às economias de rede que a outros eventos. Pode também haver aumento desses custos caso haja dificuldade de se encontrar serviços de suporte e risco de descontinuidade do desenvolvimento de programas. Na verdade, a redução dos custos de transação só ocorre quando há estabilidade no mercado de um determinado produto ou serviço.

• Este é um dos motivos pelos quais o sucesso do SL/CA está muito mais em sistemas operacionais que em aplicativos. Em geral – e no momento, o SL/CA parece ser mais um ampliador de custos de transação, exatamente pela incerteza, pelos riscos e pela alta especificidade dos ativos. Produtos menos específicos (sistemas operacionais) são mais facilmente padronizados e permitem maior e mais rápida aceitação pelo mercado, podendo oferecer redução de custos de transação.

• É evidente que o fator redução de custos tem maior importância para grandes usuários. As dimensões elevadas de adoção de SL/CA por parte de uma instituição financeira com dezenas de milhares de pontos de trabalho espalhados pelo país ou de uma grande empresa de comércio varejista significam estímulo para redução de custos pelo não pagamento de licenças e por não precisar atualizar anualmente seus equipamentos para poder acompanhar as últimas atualizações dos softwares proprietários que utiliza. Em geral, em sistemas de grande porte (para uso e para desenvolvimento) o fator redução de custos é o principal motivador. Outra motivação apontada principalmente pelas grandes empresas de comércio varejista foi a virtual adoção de SL/CA como arma de barganha para negociar reduções significativas nas licenças dos softwares tradicionais.

• As razões de natureza de capacitação referem-se às possibilidades de aprendizado compartilhado (e, por isso, ampliado) e de um “desfile” de competências frente a um universo relativamente grande de observadores (efeito vitrine). Possibilitam ainda ampliar as condições de empregabilidade dos desenvol-

68 Em empresas que utilizam automação comercial, a redução de custos foi um consenso, particularmente por conta dos PDVs.

69 As economias de rede implicam alterações tanto nos custos de produção (porque podem gerar diminuição nos gastos com mão-de-obra e capital), como nos custos de transação (pelas externalidades derivadas).

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55Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

vedores, exatamente por essa exposição permanente (em rede) de competências.70 O comportamento altruísta em SL/CA se completa com reciprocidade e considerações relativas ao mercado de trabalho (Lerner e Tirole, 2002).

• As razões de natureza ideológica são fortes e se manifestam em princípios contrários à restrição do uso e do avanço do conhecimento e à concentração econômica (oligopólios e monopólios), e em princípios favoráveis à inclusão social.

• Assim, as motivações devem ser vistas como reflexo das diferentes perspectivas dos atores:

• Desenvolvedores ligados às comunidades de SL/CA apontam razões de natureza técnica e ideoló-gica como seus motores principais (flexibilidade, segurança, interoperabilidade, princípios contrá-rios ao software proprietário e aos grandes oligopólios). Mas têm também razões de capacitação muito fortes (empregabilidade, no sentido de encontrar trabalho e renda)71. O Estudo FLOSS – Free/Libre Open Source Software: survey and study (Ghosh et al, 2002) em seu componente perfil de desenvolvedores, confirma exatamente este perfil.

• Usuários genéricos têm motivações de capacitação, econômicas e ideológicas mais ou menos misturadas.

• Empresas usuárias e usuárias-desenvolvedoras têm claramente a noção de redução de custos (natureza econômico-financeira) como motivo principal, que se complementa por mais opções de fornecedores (possível redução de custos de transação)72 e por características técnicas, como flexibilidade e segurança.

• Esperava-se que empresas desenvolvedoras e fornecedoras de SL/CA observariam, primeiramente, os ganhos econômicos ligados às economias de rede, com o que se pode desenvolver um novo produto com o concurso de um número elevado de desenvolvedores e por isso mesmo em tempo muito menor. Entretanto, ninguém citou esse fato, mas se alguém o fizesse, seriam empresas desenvolvedoras e não usuárias (que “compram” o software livre da mesma forma que com-praria outros softwares, buscando garantias e preço mais baixo). Se alguém fosse se beneficiar das “economias de rede” seriam os fornecedores e não os usuários (usuários corporativos) pois estes não entram na comunidade e não têm nem porque entrar. Seu contato é apenas com seu fornecedor de software e este sim, pode ter contato com a comunidade e economia de rede. O argumento “que utilizam distribuições Linux conceituadas” não se aplica aqui. Os critérios de natureza técnica vêm em segundo lugar e os de natureza ideológica em geral estão num plano inferior de importância. Isto está de acordo com levantamentos internacionais. O Estudo FLOSS para empresas (Wichmann, 2002) aponta para as empresas quatro motivações principais:

70 Como Raymond (2001) afirma: “dada uma base grande o suficiente de testadores, e co-desenvolvedores, quase todos os problemas irão ser caracterizados rapidamente e o ajuste será óbvio para alguém.”.

71 Em dissertação recente, Augusto (2003), analisando o perfil de 102 desenvolvedores, encontrou como principais motivações “aumentar conhecimento em computação”, “ganho de reputação” e “melhor empregabilidade”.

72 A possibilidade de maior autonomia de fornecedor varia de acordo com o tipo de software. Uma das empresas de comércio varejista entrevistadas apontou que não recebeu nenhuma proposta de soluções para desktop de SL/CA, o que para ela é um indicador de que essa área ainda não está madura.

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56 SOFTEX / UNICAMP / MCT

Dimensões econômicas do SL/CA

• Estandardização;

• Redução de custos;

• Estratégias de mercado;

• Ampliação de compatibilidades.

• Todas as categorias de atores juntos, em processo interativo, como foi o painel, demonstraram preferência por motivos de ordem técnica, o que leva a crer que entre as quatro categorias princi-pais de motivações (técnica, econômica, capacitação e ideológica) a técnica aparece como ponto de convergência, o que facilita o diálogo e a interação entre as diferentes perspectivas presen-tes.

• Ou seja, as vantagens técnicas relacionadas ao SL/CA funcionam como um atrator comum para as diferentes (e muito diferentes) perspectivas que povoam o mundo do software livre. Grandes corporações nacionais e multinacionais de diversos setores, micro, pequenas e médias empresas de software, hackers, agentes governamentais, grandes consultoras, universidades, organizações de pesquisa, entre outros, trabalham com diferentes preferências (e motivações) para o desenvol-vimento do SL/CA.

• A hipótese forte que se pode tirar dessa análise é a de que o desenvolvimento do “mundo do software livre” depende de todos esses atores. Ainda que os conflitos sejam visíveis, há razões econômicas, técnicas, de capacitação e ideológicas que movem o SL/CA para frente. É difícil, se-não impossível, quantificar a contribuição de cada um para esse movimento que é, em essência, progressivo.

4.2 Intensidade de uso de SL/CA em setores e em áreas de aplicação

Este item procura analisar os setores e as áreas de uso (domínios) de SL/CA que hoje têm maior importância. A dificuldade de se encontrar uma classificação apropriada para investigar a importância econômica setorial e de mercado do SL/CA levou, neste estudo, à adoção de uma classificação de 29 setores, utilizada pela Unesco para software em geral e já aplicada em diversos levantamentos. Esta lista serviu de referência para o presente trabalho. Quanto às áreas de aplicação/uso de SL/CA empregou-se a classificação utilizada na Pesquisa da Qua-lidade (SEPIN/MCT, 2001). Eventualmente serão utilizados subconjuntos dessas áreas ao longo do capítulo.

Em todos os levantamentos feitos houve uma convergência bastante convincente sobre a intensidade de uso de SL/CA nos setores econômicos, com clara predominância de quatro setores: tecnologias de informação e comunicação, governo, comércio e educação (ver quadro 7).

Nos cinco outros segmentos mais destacados também houve coincidência entre as fontes de dados. Embora com uma ordenação menos coincidente que nos quatro setores mais importantes acima destacados, houve grande convergência para os seguintes setores: serviços em geral (menos comércio), saúde, financeiro, cultura e entretenimento e equipamento eletro-eletrônico e de comunicação.

O levantamento da importância atual foi complementado no painel de especialistas por uma visão prospectiva da importância futura do uso de SL/CA nos mesmos setores (horizonte temporal de 5 anos). Os resultados deste exercício com os especialistas mostrou um panorama muito próximo ao descrito para o momento atual, com um crescimento da intensidade de uso em saúde e serviços em geral, e queda de importância relativa do comércio e do setor financeiro. Importante destacar que governo e educação seguem tendo perspectivas de elevada intensidade de uso, ambos atrás de TICs.

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Quadro 7 - Intensidade de uso de SL/CA nos setores econômicos - situação atual

Setor Somatório das notas dadas pelos grupos

Comunicações e Informação 46

Governo 44

Comércio 43

Educação 41

Setor Financeiro 27

Serviços 20

Equipamento Eletro-eletrônico e de Comunicação 20

Saúde 15

Cultura e Entretenimento 11

Energia 10

Transporte, Logística e Armazenamento 3

Agricultura, Extração Vegetal, Silvicultura, Caça 2

Indústria Bélica 1

Fonte: pesquisa de campo, painel de especialistas

Retomando agora as análises multivariadas apresentadas nos capítulos precedentes (feitas com base nos re-sultados da enquete), observa-se que, para os desenvolvedores que têm no SL/CA sua principal competência e seu principal negócio, os setores de atuação são coincidentes com aqueles observados para o conjunto dos levantamentos realizados, com forte ênfase em governo. Já as empresas que não têm no SL/CA seu principal negócio e atuam tanto em proprietário quanto em software livre, os mercados são mais restritos e concentram-se, sobretudo, em comércio e serviços em geral e, curiosamente, não desenvolvem para governo. Tal faz crer que a maior parte dos desenvolvimentos de SL/CA para o governo (exceto o feito pelo próprio governo) vem de empresas pequenas e dedicadas a software livre. Por outro lado, é compreensível que empresas mais especia-lizadas em SL/CA atuem em um conjunto mais amplo de segmentos de mercado do que as empresas que não têm no software livre seu principal nicho de atuação (ver capítulo 2).

Em resumo, há hoje uma concentração da intensidade de uso de SL/CA em mercados de TIC, governo, comér-cio, educação, e outros serviços, caracterizando três tipos principais de mercados:

• TIC, berço natural do SL/CA e portanto alvo sistemático de desenvolvimentos tanto de sistemas opera-cionais, infra-estrutura, middleware, como de aplicativos;

• Governo, pela forte demanda dirigida, provocada por razões filosóficas e de suposta redução de custos e incluindo, principalmente, sistemas operacionais, mas também as demais camadas (infra-estrutura, middleware e aplicativos); e

• Serviços, principalmente em comércio e educação, mas também em saúde, com forte presença de sis-temas operacionais e, secundariamente, outros itens de infra-estrutura, mas muito pouca presença de aplicativos.

Para o futuro, o Brasil, nos próximos cinco anos (horizonte 2010), deverá seguir a trajetória inaugurada nos início dos anos 2000, com papel crescente do SL/CA em TIC, governo e serviços de grande escala, como edu-cação, saúde e comércio.

Essa composição de importância setorial coloca algumas questões sobre os modelos de negócios relacionados a software livre no Brasil. Porém, antes de se abordar esse tema, vale conferir as principais áreas de aplicação de SL/CA identificadas neste trabalho. As áreas de aplicação dos desenvolvedores permitem, de certa forma, complementar a informação sobre os setores econômicos.

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Dimensões econômicas do SL/CA

Por exemplo, nota-se que página web, comunicação de dados, gerenciamento de redes e segurança e proteção de dados compõem a maior parte das aplicações de SL/CA, justificando a importância para o setor de TIC (ain-da que para outros setores também, mas de certa forma são típicas de TIC). Ademais, automação comercial, comércio eletrônico (comércio), educação à distância, administração escolar (educação), administração de ser-viços (serviços), dentre outras, mostram que as áreas de aplicação estão concentradas em modelos de negócios baseados em serviços de baixo e alto valor (este ponto será retomado adiante).

Existe desenvolvimento de SL/CA para as mais diversas áreas. A atuação mais freqüente está relacionada com os serviços referentes ao sistema operacional Linux. Estes serviços envolvem configuração de rede, instalação de sistema operacional e aplicativos, configuração para maior segurança, dentre outros.

Tomando os resultados do levantamento de dados secundários de empresas desenvolvedoras e usuárias, nota-se um perfil coincidente com o levantamento realizado por meio da enquete. A área de atuação das empresas desenvolvedoras foi identificada com base na descrição de seus serviços em seus respectivos sites. Algumas atendiam a nichos específicos de fácil identificação. Outras eram desenvolvedoras de soluções não específicas para um segmento (softwares sob encomenda). Nestes casos, a área de atuação foi classificada como “desen-volvimento de utilitários”, pois os sistemas são bastante variados, de acordo com a necessidade dos clientes.

Houve forte convergência entre os resultados da enquete (dados primários) e o da lista de empresas (dados secundários), com pequenas modificações. Adicionalmente, deve-se registrar que as empresas desenvolvedoras de software livre são, em sua grande maioria, empresas de TI (do total de 364 empresas da lista, 355 são de TI).

As empresas usuárias, por seu turno, estão situadas em setores econômicos bastante diversificados. Serviços e comércio possuem os maiores índices. No comércio, pode-se destacar o uso de Linux nos equipamentos dos pontos diretos de venda (PDVs). Estes equipamentos rodam apenas o sistema de PDV responsável por efetuar a venda e o sistema operacional da máquina é totalmente transparente ao usuário. Esta transparência é impor-tante pois elimina custos com treinamento para os atendentes dos caixas das lojas, uma vez que eles continu-arão acessando a mesma aplicação de PDV que antes. A economia feita com licenças é razoável, considerando que cada loja possui dezenas destes equipamentos e para cada PDV seria necessário pagar uma licença de sistema operacional.

As empresas de tecnologias da informação também podem ser importantes usuárias de software livre, uma vez que existem diversas ferramentas livres que auxiliam no desenvolvimento (como por exemplo, Eclipse, Net Beans, Jboss e os bancos de dados livres).

4.3 Modelos de negócios em SL/CA

Software livre faz parte da indústria de software. Por óbvio que isso possa parecer, é importante realçar a condi-ção de pertença do SL/CA a uma indústria, à sua indústria, que é a indústria de software. Mesmo considerando o potencial revolucionário do SL/CA, é preciso identificar com clareza as estruturas que ele revoluciona. Como modelo de negócio, o SL/CA incorpora novas formas de se fazer dinheiro na indústria de software. Sendo as-sim, ele altera padrões de concorrência junto à indústria que o gerou. Portanto, para identificar modelos de negócios de SL/CA é preciso antes olhar como ele altera os modelos de negócios da indústria de software.

Vale também responder às seguintes questões: o SL/CA acaba com os regimes proprietários da indústria? Quais? Ele engendra novos regimes tecnológicos e novos mercados? Quais? O que deve mudar na organização do mercado de software com o crescimento do SL/CA?

As respostas que são aqui dadas a essas questões dizem mais ou menos o seguinte: o SL/CA não acaba com os regimes proprietários, mas com alguns tipos de regimes proprietários, especificamente os que combinam baixa

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especificidade de aplicação (programas mais genéricos, normalmente comercializados como pacotes) com elevado interesse na reprodução (cópia desejável). Em paralelo, o SL/CA não engendra propriamente novos regimes tecnológicos, não na acepção dada por Nelson & Winter (1982) ao termo, ele engendra, sim, novos rumos para velhas trajetórias e novas trajetórias dentro de um mesmo regime tecnológico. Nessa reorganização de trajetórias a indústria de software vem assumindo novos contornos e certos padrões proprietários tendem a desaparecer, particularmente os utilizados em sistemas operacionais.

4.3.1 Negócios com SL/CA

A bibliografia especializada aponta vários modelos de negócios, que na verdade são mais formas variadas de se fazer dinheiro com SL/CA (Hecker, 2000):

• Serviço integral: negócio baseado na venda do pacote físico (CD, booklets) e na venda de todo tipo de suporte ao software (treinamento, consultoria, pré-venda, desenvolvimento customizado, pós-venda etc).

• Criação de clientela (Loss leader): negócio não está baseado no SL/CA especificamente, mas este serve para criar hábitos e preferências que depois serão úteis para a introdução de software comercial proprie-tário baseado no SL/CA.

• Habilitando hardware (widget frosting): uso do software livre para drivers, interfaces ou mesmo sistema operacional visando à redução de custos e de preços do equipamento a ser comercializado.

• Acessórios: venda de itens físicos relacionados ao SL/CA (hardware compatível, livros, canecas, imagens etc).

• Oferta on-line: desenvolvimento e oferta de SL/CA em sistemas on line cujo acesso é autorizado me-diante pagamento de uma taxa de associação. Além disso, este modelo também apresenta ganhos com propaganda.

• Licenciamento de marcas: criam-se e licenciam-se marcas associadas a SL/CA.

• Primeiro vender, depois liberar: abertura do código após amortização dos investimentos, criando clien-tela para novos desenvolvimentos associados ao programa aberto.

Nestas categorias percebem-se duas coisas importantes: os focos dessas formas de negócios em serviços e em programas embarcados.

Vejamos agora como se pode analisar o SL/CA desde a ótica dos modelos de negócios da indústria de software. Retomando agora a enquete realizada no presente trabalho, vejamos os resultados das questões que trataram dos modelos de negócios de SL/CA a partir das categorias apontadas por Stefanuto et al (2002).73

Os desenvolvedores de uma maneira geral e os empresários desenvolvedores em particular enquadram clara-mente seus mercados em três principais modelos: serviços de alto e baixo valor e produto customizável. Na verdade, essa preferência é mais acentuada no segmento dos empresários que dos desenvolvedores em geral. Os gráficos 12 e 13 ilustram esse ponto.

Se cruzarmos agora as formas de se fazer dinheiro específicas de SL/CA com os modelos de negócios da indús-tria de software, então teremos a perspectiva de que os maiores impactos dão-se principalmente pelos modelos

73 Recordando, as categorias apontadas por Stefanuto et al (2002) são as seguintes: serviços de baixo valor, serviços de alto valor, produtos customizáveis, componentes/embarcados e pacotes. É um gradiente que transita de serviço a produto e que representa muito bem os padrões de concorrência da indústria de software aqui e no mundo.

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Dimensões econômicas do SL/CA

de “serviço integral” e “habilitando hardware”. Embora “vender e liberar” (que é complementar ao modelo “criação de clientela”) e “acessórios” impactem na indústria, é nos dois primeiros modelos que se localizam os principais impactos. É significativo o impacto do modelo “serviço integral” (cujos exemplos são Conectiva, Red Hat e IBM) em praticamente todos os padrões de concorrência da indústria em geral.

Da mesma forma, mas com mais especificidade, o modelo “habilitando hardware” abre oportunidades para software embarcado, exatamente porque reduz custos e amplia as possibilidades de comercialização de har-dware. O quadro 8 faz o cruzamento dos modelos de negócios da indústria com as formas de se fazer dinheiro com SL/CA.

Gráfico 12 - Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedoresFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Gráfico 13 – Modelos de negócios de SL/CA segundo os desenvolvedoresFonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica

Produto pacote

Componente / embarcado

Produto customizável

Serviço de alto valor

Serviço de baixo valor

Produto pacote

Componente / embarcado

Produto customizável

Serviço de alto valor

Serviço de baixo valor

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Quadro 8 - Relações entre modelos de negócios específicos para SL/CA e da indústria de software

Negócios com SL/CA Fonte de receita* Modelos de negócios da indústria de software

Serviço integral***Serviço integral*** Direta, indiretaDireta, indireta SBV; SAV; CUST; PACSBV; SAV; CUST; PAC

Criação de clientela Indireta PAC

Habilitando hw Indireta EMB

Acessórios Indireta

Oferta on line Direta, indireta

Licenciamento de marcas Indireta

Vender e liberar Indireta PAC; CUST

Fonte: pesquisa de campo, enquete eletrônica e elaboração própria

Notas * Fonte de receita direta: rendimento provém da venda de SL/CA; fonte de receita indireta: rendimento provém da venda ne serviços ou produtos relacionados ao SL/CA ** SBV - serviço de baixo valor; SAV - serviço de alto valor; CUST - produto customizável; PAC - pacote; EMB - embarcado *** Os modelos sublinhados são aqueles mais desenvolvidos no Brasil

Exceto pelo serviço integral e pela oferta on line, todos as demais formas de se fazer dinheiro são indiretas. Ademais, serviço integral é a forma mais abrangente de negócios em SL/CA, impactando praticamente todos os modelos de negócios da indústria de software.

4.3.2 Ameaças e oportunidades do SL/CA para a indústria brasileira de software

Avançando um pouco mais na discussão das trajetórias conformadas pelo SL/CA, cabe perguntar qual a im-portância dos regimes de apropriabilidade para os diferentes modelos de negócios da indústria de software. Essa pergunta é fundamental porque ajuda a entender quais as ameaças que o SL/CA coloca para a indústria tal como ela é hoje. Permite, em conseqüência, vislumbrar quem são os mais afetados e, por oposição, onde estão as principais oportunidades para a indústria nacional de software.

Com este intuito, fez-se um exercício de reflexão sobre a importância relativa de se garantir apropriabilidade para os diferentes modelos de negócios da indústria. Ou seja, por meio da importância relativa dos regimes de apropriabilidade em software, identificar os modelos de negócios da indústria de software mais impactados pelo software livre.

Como se pode ver no quadro 9, a entrada do SL/CA no mercado dá-se exatamente naqueles modelos nos quais a garantia de apropriabilidade para o sucesso do negócio é mais importante. Complementarmente, o impacto do SL/CA será tanto maior quanto menor for a especificidade do produto/serviço. Em outras palavras, modelos de negócios para os quais a propriedade do código é crucial e que apresentam baixa especificidade de uso (produtos horizontais na indústria) são os mais ameaçados.

Nesta linha, os produtos de amplo mercado, como sistemas operacionais, bancos de dados e componentes genéricos são justamente aqueles cujos modelos de negócios são mais afetados.

Dentre esses, os modelos mais contestáveis (ameaçáveis) são justamente os pacotes, que apresentam alta im-portância de apropriabilidade e baixa especificidade de mercado. Os modelos com baixa importância de apro-priabilidade não são ameaçados e, ao contrário, encontram no SL/CA oportunidades de negócios. As figuras 6 e 7 ajudam a ilustrar as diferentes situações em que se encontram os modelos de negócios da indústria de software frente ao SL/CA.

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Dimensões econômicas do SL/CA

Quadro 9 – Importância relativa da apropriabilidade do software para os modelos de negócios da indústria e principais programas livres desenvolvidos por modelo de negócio

Modelos de negócios*Serviço debaixo valor

Serviço dealto valor

Produtocustomizável

Embarcado Componentes Pacotes

0 1 3 1 3 3Principais SL/CA envolvidos**

? ? MySQL

PostgreS

Compiere

? Componentes em geral para SL/CA (Bind, fetchmail,

emaccs, etc)

Linux

OpenOficce

Apache

Mozila

Gnome

Fonte: elaboração própriaNotas * 0 – nenhuma importância; 1 – baixa importância; 2 – média importância; 3 – alta importância ** ?: sem exemplos de SL/CA desenvolvidos

As figuras 6 e 7 mostram que as principais ameaças para as empresas nacionais estão no desenvolvimento de componentes, justamente por ser este um mercado contestável pela emergência de bancos de componentes de acesso livre. Embora essa ameaça ainda não exista de fato no país, as empresas que têm componentes como seu principal negócio precisam monitorar a evolução da oferta de bancos de componentes livres. Produtos customizáveis são ameaçados em menor medida, porque sempre comportam uma parcela de especificidade no desenvolvimento que não é ameaçada pelo SL/CA. A parcela genérica, esta sim, pode ser ameaçada. Como se vê nas figuras 6 e 7, pacotes genéricos são uma preocupação maior para empresas multinacionais, por motivos óbvios.

Figura 6 – Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos denegócios de SL/CA, caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital nacional

Fonte: elaboração própria

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Figura 7 – Oportunidades e ameaças relacionadas aos modelos denegócios de SL/CA, caso brasileiro, ponto de vista das empresas de capital estrangeiro

Fonte: elaboração própria

De outro lado, as oportunidades abertas pelo SL/CA são efetivas para quem lida com serviços (de baixo ou alto valor) e software embarcado. Na verdade, os embarcados, por sua alta especificidade e baixos requisitos de apropriabilidade (porque o software, embutido no equipamento pode prescindir de regimes jurídicos de propriedade mais fortes) são uma das maiores oportunidades para empresas nacionais (e também para estran-geiras). Já os serviços de alto valor comportam tanto sinais de ameaça como de oportunidades, estas maiores que aquelas exatamente por estarem mais na zona de elevada especificidade e média apropriabilidade.

Em resumo:

• Os principais modelos de negócios para empresas nacionais de software são os serviços de baixo valor, alto valor e produtos customizáveis.

• As ameaças mais importantes colocadas pelo SL/CA para a indústria nacional de software estão em pro-dutos customizáveis e em desenvolvimento de componentes. Em menor medida, para serviços de alto valor.

• As oportunidades mais importantes estão em SL/CA para embarcados, serviços de baixo valor e parcial-mente em serviços de alto valor (valer-se de componentes livres).

• Já as principais formas de se fazer dinheiro com SL/CA são “serviço integral” e “Habilitando HW” (con-trapontos de serviços de baixo e alto valor e de embarcados).

• Há oportunidades colocadas para negócios de “criação de clientela” (loss leader), “oferta on-line”, “li-cenciamento de marcas”, “vender e liberar”.

4.3.3 Dimensionamento dos mercados de SL/CA – aspectos gerais

O dimensionamento do mercado de SL/CA em nível global é marcado por iniciativas isoladas e por informações mais ou menos confiáveis. Como se verá adiante, quando se discutirá o dimensionamento do mercado brasi-leiro de SL/CA, é muito difícil encontrar dados confiáveis, gerados a partir de metodologias devidamente expli-cadas. No mais das vezes, os números são dados e sua credibilidade fica por conta da fonte das informações.

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Dimensões econômicas do SL/CA

Dados levantados pela consultoria internacional IDC (www.idc.com) mostram a evolução do mercado global de Linux. Corroborando aquilo que já se podia intuir há cerca de três ou quatro anos, o mercado de SL/CA é crescente e não mais se o considera como nicho ou, muito menos, como uma ação idealista. Virou negócio da dimensão de bilhões de dólares. Como se viu, o adjetivo “livre” não significa sem custos.

O mercado de Linux, por exemplo, é hoje uma das grandes renovações da indústria de software em todo o mundo. Um fato pode representar bem essa trajetória: a criação do Open Source Development Labs (OSDL) (www.osdl.org.br) por parte de grandes corporações no ano de 2000. Para se ter uma idéia do interesse des-pertado pelo Linux, o OSDL foi fundado por um conjunto de empresas cujos nomes dispensam apresentação: IBM, HP, NEC, CA e Intel. Hoje, o OSDL conta com 75 empresas, dentre elas nomes como Alcatel, Bull, Ericsson, Mitsubhsi, Nokia, Novell, Unilever e Fujitsu. Tal empreendimento vem tendo impacto decisivo no desenvolvi-mento do Linux (que aliás, como se verá a seguir, já é totalmente profissionalizado e hierarquizado) e de outros programas ditos livres. A iniciativa OSDL tem como objetivo acelerar o desenvolvimento e o uso de Linux por parte das empresas e, como aparece na sua página na Internet, o OSDL “é o lar de Linus Torvalds, o criador do Linux”.

A profissionalização do desenvolvimento do Linux ganhou formas hierárquicas que fogem completamente ao formato dos primeiros momentos do SL/CA. Hoje o desenvolvimento opera com uma estrutura de círculos con-cêntricos, tendo ao centro o próprio Linus Torvalds e, na perifieria, qualquer um que queira participar. Da peri-feria ao centro há vários círculos intermediários que filtram as contribuições até sua incorporação ao programa. Dos cerca de 1.000 contribuidores mais próximos, 100 são pagos para isso e contribuem com mais de 95% das mudanças que são incorporadas ao Linux. Dentre estes 100, vinte formam o núcleo dos desenvolvedores e são pagos por seus empregadores (OSDL, Red Hat, IBM, entre outros).

O desenvolvimento e a implementação do padrão LSB 2.0 (Linux Standard Base) gerou uma outra iniciativa coletiva entre empresas, o Linux Core Consortium (LCC). Dentre as empresas que apóiam esta iniciativa está a Conectiva, ao lado da Mandrakesoft, a Progeny e a Turbolinux. Estas iniciativas mostram com clareza a trajetó-ria em curso no desenvolvimento do Linux: a profissionalização visando a mais ampla e rápida substituição dos sistemas operacionais prevalecentes (Windows e Unix).

A lógica disso é clara: o padrão proprietário Windows tornou-se um incômodo para alguns e um empecilho para outros. Nunca na história do capitalismo o mercado suportou por tanto tempo e de maneira tão ampla o pagamento de uma taxa de monopólio (virtual) a uma única empresa (Microsoft) para que todas as outras, literalmente, funcionassem. O atual padrão proprietário do mercado de sistemas operacionais, tal como se es-truturou nos últimos vinte anos, é uma aberração do ponto de vista do capital e sua tendência é desaparecer.

Os números sobre o crescimento do mercado de Linux são expressivos. Segundo o IDC, o mercado de servidores hoje movimentado por produtos e serviços Linux alcança cerca de US$ 3,5 bilhões (IDC, 2004) e a expectativa é de que esse número quadruplique até 2008 (gráfico 14). Já o mercado global (servidores, PCs e serviços) deve alcançar, no mesmo ano, cerca de US$ 36 bilhões.

O mais interessante deste padrão é que a maior parte da incorporação do Linux vem se dando em novoshardwares. Ou seja, o processo natural de renovação e ampliação de equipamentos vem se dando com a incor-poração a taxas crescentes de Linux. Tal não exclui a reconversão de equipamentos existentes para Linux, porém a uma taxa menor do que a observada para novos hardwares. O gráfico 15 ilustra essa característica. Segundo este mesmo estudo, Linux agora é mainstream.

Segundo a Consultoria Gartner (www.gartner.com), em 2002 o Linux respondeu por 6% do mercado mundial de sistemas operacionais e em 2003 chegou a 9%. A estimativa para 2007 é que seja responsável por 18%. Ou seja, há uma clara tendência de substituição de produto e de quebra de um padrão proprietário de resto inconveniente para boa parte dos usuários (e mesmo para empresas desenvolvedoras).

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Gráfico 14 - Evolução esperada do mercado de produtos Linux

Fonte: IDC (2004)74

Se para sistemas operacionais a trajetória do software livre é razoavelmente clara, para programas de midd-leware e para aplicativos em geral não se pode dizer o mesmo. Tomando a análise feita neste trabalho sobre os modelos de negócios e a importância relativa do SL/CA, a tendência mais visível para o SL/CA é justamente a de substituição de programas proprietários de uso genérico (Office, servidor web, banco de dados). Neste sentido, expressiva tem sido a penetração de servidor web, particularmente Apache, que hoje já ocupa mais de 70% dos servidores pontocom, superando em muito os 20% da Microsoft (tabela 6). À exceção do sistema operacional e de servidores web (cujos mercados são expressivos), os demais mercados de SL/CA são ainda marginais.

Gráfico 15 – Taxas de adoção de Linux em equipamentos novos e usados

Fonte: IDC (2004)75

74, 75 The Linux Marketplace - Moving From Niche to Mainstream. IDC Software Consulting, www.idc.com, 2004.

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Dimensões econômicas do SL/CA

Tabela 6 - Número de servidores web e respectivos programas no mundo (2004)

ServidorNúmero

em novembro% em novembro

Númeroem outubro

% em outubro Diferença

Apache 14.131.338 74,64% 13.107.363 73,96% +0,68%

Microsoft 3.631.236 19,18% 3.542.151 19,99% -0,81%

Netscape 141.636 0,75% 140.934 0,80% -0,05%

Zeus 109.496 0,58% 111.427 0,63% -0,05%

WebSTAR 101.479 0,54% 46.740 0,26% +0,28%

WebSite 20.098 0,11% 20.374 0,11% +0,00%

Other 796.764 4,21% 754.272 4,26% -0,05%

Fonte: www.securityspace.com (dezembro de 2004)

Se no plano global a quantificação dos mercados de SL/CA não é tarefa simples, no Brasil as dificuldades são ainda maiores. Não há muitos dados e as informações que existem são fragmentadas e, em geral, pouco confiáveis (a grande maioria se origina em entrevistas com especialistas e em matérias de jornais e revistas de grande circulação, sem método e sem memória de cálculo explícitos). São números muitas vezes contraditórios e espontâneos que a pessoa é obrigada a fornecer quando solicitada. Nem governo nem setor privado têm essa conta razoavelmente fechada. Entretanto (e embora esta não seja propriamente uma tarefa do presente trabalho), vamos aqui tratar do problema e apontar para alguns números que podem ser úteis para o dimen-sionamento dos mercados de SL/CA.

A primeira questão a registrar (e que já foi apontada em outros itens deste trabalho) é a de como os modelos de negócios relacionados a SL/CA estão muito mais baseados em serviços que em produtos. Para se ter uma idéia, a mais importante empresa brasileira no negócio de software livre (modelo de negócios do tipo “serviço integral”), tem cerca de 9% de seu faturamento devidos à venda de produtos. Dos 91% restantes, 68% devem-se a serviços em geral e 23% a treinamento.76 Como se mostrou no item sobre modelos de negócios, a grande maioria dos empresários que responderam à enquete localiza seu negócio como serviços de alto e baixo valor e como produtos customizáveis, nos quais a componente serviços especializados é fundamental. Aparente-mente, não se vive de pacote em SL/CA, embora o produto (por exemplo, sistema operacional, Office) seja o elemento portador que vai gerar faturamento com serviços.

Segundo levantamento feito por Meirelles (2004)em mais de 1.500 empresas de médio e grande porte no país, o emprego de Linux vem aumentando desde 1999 chegando em 2003 a cerca de 15% da amostra (12% em 2002). Já a pesquisa I-Digital: Perfil da empresa digital 2002/2003 (FIESP/CIESP e FEA/USP 2004) mostrou (con-forme apresentado no capítulo 3 deste trabalho) que cerca de 34% das empresas (amostra de 1.334 empresas) já adotam Linux em seus servidores.77

Apesar das diferenças dos resultados das duas pesquisas (provavelmente devidas às metodologias empregadas, as quais não puderam ser aferidas), o maior emprego do Linux está em servidores, tomando lugar do Unix mais que do Windows (gráfico 16).

Interessante notar no gráfico 17 como o mercado de planilhas eletrônicas foi, em poucos anos, totalmente dominado pelo Excel (MS Office). Por outro lado, este mesmo gráfico mostra a emergência do StarOffice, já ocupando cerca de 8% do mercado das planilhas eletrônicas. Esta situação pode ser extrapolada para dois outros componentes do mercado Office: editor de texto e programa de apresentação.

76 Informações obtidas a partir de entrevista com a empresa aludida.

77 Na pesquisa da Fiesp há dupla contagem, ou seja, registra-se quem usa tanto Linux como outros sistemas.

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67Impacto do Software Livre e de Código Aberto na Indústria de Software do Brasil

No caso dos servidores web, o Brasil segue o padrão internacional, embora com uma taxa menor de uso do Apache daquela encontrada para o conjunto dos países pesquisados pela Security Space. A tabela 7 ilustra essa situação.

Gráfico 16 – Evolução do mercado de servidoresFonte: Meirelles (2004)

Gráfico 17 – Evolução do mercado de planilhas

Fonte: Meirelles (2004)

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Dimensões econômicas do SL/CA

Tabela 7 - Número de servidores web e respectivos programas – Brasil (2004)

ServidorNúmero

em novembro% em novembro

Númeroem outubro

% em outubro Diferença

Apache 113.151 53,97% 106.721 66,97% -13,00%

Microsoft 50.661 24,16% 49.407 31,00% -6,84%

Netscape 231 0,11% 225 0,14% -0,03%

Zeus 10 0,00% 10 0,01% -0,01%

WebSTAR 21 0,01% 19 0,01% +0,00%

WebSite 43 0,02% 43 0,03% -0,01%

Other 45.532 21,72% 2.935 1,84% +19,88%

Fonte: www.securityspace.com (dezembro de 2004)

4.3.4 Dimensionamento dos mercados de SL/CA quanto é hoje o mercado de Linux no Brasil?

O mercado brasileiro de software segundo Stefanuto et al (2002) alcança cerca de vinte bilhões de reais(US$ 7 bilhões).78 Segundo a Pesquisa Anual de Serviços do IBGE, a receita operacional líquida das empresas de informática no Brasil com mais de vinte pessoas ocupadas alcançou, em 2002, cerca de R$ 17,1 bilhões. O mercado de “desenvolvimento e produção de softwares prontos para uso, inclusive customização” (rubrica na qual se incluem os sistemas operacionais), teria alcançado, no mesmo ano, cerca de R$ 1,13 bilhão.

A título de dimensionamento do mercado de Linux, se considerarmos que estes R$ 1,13 bilhão representa, grosso modo, o mercado de sistemas operacionais no Brasil e admitindo que este valor deve se elevar de cerca de 30% para se chegar à receita das vendas (receita operacional bruta) e de mais 30% para representar o mercado total no país (lembrando que a pesquisa do IBGE identifica cerca de 70% do mercado nacional), teríamos então um mercado aproximado para o ‘produto sistema operacional’ da ordem de R$ 1,9 bilhão/ano no Brasil.

Considerando agora que o país tem cerca de 20 milhões de computadores e aceitando uma proporção média de 15:1 entre o número de desktops e o número de servidores79, teríamos no Brasil cerca de 1,3 milhão de servidores80 e 18,7 milhões de desktops. Dados recentes da IDC mostram que o mercado de Linux no Brasil já alcança 3% dos desktops. Já com relação aos servidores, a pesquisa de Meirelles (2004)81 aponta para uma penetração do Linux em cerca de 15% das máquinas. Assim, teríamos, grosso modo, algo como 195 mil servi-dores e 561 mil desktops operando com Linux.

Bem, assumindo agora que o valor médio do pacote Linux para desktop é, segundo informações obtidas junto à principal empresa de comercialização de pacotes Linux do país, de R$ 100,00 e que para servidores este valor é de R$ 300,00, então teríamos um mercado estimado de Linux de R$ 56,1 milhões e de R$ 59,4 milhões, respectivamente, perfazendo R$ 115,5 milhões em produto Linux. Entretanto, sobre este número seria preciso aplicar um redutor correspondente ao número de licenças, bem inferior ao número de computadores rodando Linux no Brasil. Neste sentido, se considerarmos que para cada pacote Linux adquirido são instalados,

78 1 dólar em dezembro de 2004 = 2,8 reais.

79 Informação obtida junto a especialistas no Brasil.

80 Este número de servidores é coerente com o número de domínios pontocom.br hoje registrados no Brasil (cerca de 650 mil domínios; ver www.nic.br).

81 Optou-se aqui pelos números disponíveis mais conservadores.

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em média, 15 computadores82, aquele valor reduz-se para cerca de R$ 7,7 milhões. Considerando agora que o “produto Linux” corresponde a cerca de 10% das receitas de quem o comercializa, este valor subiria paraR$ 77 milhões83. Este seria o mercado estimado de Linux no Brasil hoje.84 Seu potencial de crescimento, se to-marmos as taxas anuais globais, e as estimativas da própria IDC, seria de 2,5 a 3 vezes até 2008, alcançando, então, algo entre R$ 192 e 231 milhões.

Complementarmente, pode-se ainda comentar o quanto esse mercado reduziria de pagamento de licenças para os sistemas operacionais proprietários. Este é outro valor difícil de ser mensurado. Mas supondo custos operacionais semelhantes entre proprietário e não proprietário85 o não pagamento de licenças pode significar uma economia de cerca de oitocentos reais por desktop e de cerca de dois mil reais em média por servidor, o que levaria a uma economia de cerca de R$ 85 milhões/ano. Se se considera que alguns pacotes de Linux hoje comercializados trazem ainda o MS-Office e mais um conjunto de outros softwares, este valor tende a se multiplicar por cerca de 10 vezes. Entretanto, como vimos ao longo deste trabalho, o ritmo de substituição de aplicativos desktop como o Office é ainda muito lento.

82 É completamente irrealista supor que todos os 3% e todos os 15% de desktops e de servidores, respectivamente, que hoje usam Linux no Brasil tenham adquirido uma licença. A realidade é que boa parte dos indivíduos pode baixar livremente seu Linux da Internet e, ademais, os pacotes Linux não são restritos a número de licenças. Destarte, impõe-se a necessidade de um redutor. Para calculá-lo utilizou-se a mesma proporção empregada para o cálculo da relação desktop / servidor (15:1). Parte-se do princípio de que firmas e indivíduos compartilhariam do mesmo comportamento maximizador. Teríamos assim uma média de 15 computadores instalados para cada pacote comprado, tanto no mercado corporativo quanto no mercado de computadores pessoais. O redutor é arbitrário mas aproxima o mercado da realidade.

83 Este valor de mercado é totalmente coerente com os números e o market share das principais empresas que comercializam Linux no Brasil. A Conectiva, por exemplo, tem participação estimada em 35% do mercado nacional (cerca de R$ 25 milhões, segundo pesquisa de 2003 do IDC), o que daria algo em torno a R$ 71 milhões de mercado total. Considerando-se que o dado de market share refere-se a 2002, é bastante plausível o número acima estimado de de R$ 77 milhões para 2003.

84 A este número teriam de ser acrescentados os valores referentes a Linux embarcado e a aplicativos cujos mercados se desenvolvem na esteira do interesse pelo Linux.

85 Este é outro assunto polêmico. A Microsoft tem alardeado que o total cost of ownership (TCO) do Windows em quatro anos seria menor que o do Linux. Outros estudos mostram o contrário (ver, por exemplo, http://linux.slashdot.org/article.pl?sid=04/12/13/042223&from=rss). Nesta guerra, preferimos assumir aqui que não há diferenças substantivas entre eles.

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Conclusões

Este trabalho examinou vários aspectos relacionados ao desenvolvimento e uso de software livre e código aberto (SL/CA) no Brasil. Levantou e analisou os perfis de desenvolvedores, de usuários, as motivações, as pers-pectivas econômicas, os modelos de negócios associados ao SL/CA e as ameaças e oportunidades que o SL/CA coloca para a indústria de software.

Muitas reflexões têm sido realizadas acerca do modelo software livre e de código aberto ser (ou não) um novo padrão ou mesmo uma quebra de paradigma na indústria global de software. Na verdade, importa saber quais os impactos que os movimentos de SL/CA têm na indústria de software. Sendo este um processo ainda em formação, não se pode afirmar com toda convicção se SL/CA é ou não um novo paradigma. Tudo indica que não. Trata-se, até o momento, de um conjunto de trajetórias que compõem caminhos mais ou menos normais da indústria em seu processo de crescimento e desenvolvimento.

A emergência do Linux como plataforma alternativa ao Unix e, principalmente, ao Windows, nada mais é do que a quebra de monopólios que durante anos vêm impondo restrições de rentabilidade e de oportunidades a praticamente todas as atividades econômicas. Como já se discutiu neste estudo, nunca na história se registrou um monopólio de mercado tão abrangente e por tanto tempo, como o imposto pela solução única dos siste-mas operacionais. Nenhuma surpresa, portanto, que isso seja contestado pelo próprio capital.

A seguir apontam-se algumas das principais conclusões do presente estudo.

• O SL/CA traz, de fato, variáveis novas para a indústria de software. Embora não se trate de uma ruptura tecnológica, traz uma nova forma de desenvolver e licenciar software, quebrando alguns modelos estru-turais de apropriabilidade nesta indústria.

• Os canais de comunicação proporcionados pela Internet levaram à emergência de oportunidades de exploração de economias de escala e de escopo para a indústria de software. Neste contexto surgiram as comunidades virtuais de prática e muitas formas de organização para o desenvolvimento de software, algumas mais abertas e horizontais (o que a literatura chama de modelo Bazar), outras mais verticais e hierárquicas (também chamado de modelo Catedral). Entre um e outro modelos, há hoje uma gama relativamente extensa de situações. Assim, as formas de organização de SL/CA são variadas e atendem a interesses diferenciados.

• O fenômeno de construção, interação e geração de resultados pelas comunidades é algo sem prece-dentes na história da Indústria de Software. Em boa parte destas comunidades inexistem laços formais para participação e parece haver um crescente fluxo de geração de novas comunidades e do processo de aprendizagem coletiva. Entretanto, há cada vez mais comunidades organizadas em mecanismos contra-tuais formais, como é o caso do OSDL.

• Por trazer em seu bojo características que tocam diretamente em pontos nevrálgicos para a acumulação de capital (a apropriabilidade coletiva), o modelo SL/CA ainda apresenta dificuldades para equaciona-mento de modelos de negócios próprios. Por outro lado, parece ter resultados muito promissores para usuários públicos e privados.

• Os diversos levantamentos realizados pelo presente estudo, além do ineditismo no país, ajudaram a cobrir lacunas importantes de informação. Entre outros fatores, a pesquisa teve o papel de desfazer alguns mitos, tanto sobre as pessoas e empresas atuantes em SL/CA (através do perfil das competências) quanto sobre o uso que está ocorrendo (através do perfil dos usuários). A pesquisa ajudou a mostrar a profissionalização do movimento, pois nem os desenvolvedores individuais são apenas “garotos” ha-

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ckers contestando o monopólio de grandes corporações multinacionais, nem essas corporações estão alheias aos modelos de negócios que estão se formando com o SL/CA.

• O movimento de SL/CA mundial é altamente concentrado geograficamente na tríade (Europa, EUA e Japão), conforme apontam estudos internacionais. A presente pesquisa ajudou a mostrar que países periféricos têm se inserido no entorno das atividades principais, especialmente nas atividades de suporte e gerenciamento dos sistemas e programas. Ademais, a concentração geográfica também se verifica no âmbito nacional: 78% dos desenvolvedores individuais, 81% das empresas desenvolvedoras, 84% dos usuários individuais e 85% das empresas usuárias encontram-se nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. Rio Grande do Sul e São Paulo são os dois principais focos de desenvolvimento e uso de SL/CA no País.

• Os desenvolvedores individuais, que responderam em peso à enquete eletrônica, possuem um perfil socioeconômico e demográfico semelhante ao perfil europeu, com exceção das características que vão além do movimento de SL/CA. O fenômeno do SL/CA é mais recente no País que na Europa e no Brasil há menos profissionais atuantes com nível superior (engenharias e cursos de TI) e mais técnicos, o que explica a maior parte dos respondentes da enquete se classificar como desenvolvedor básico.

• Entretanto, é importante lembrar que os projetos de SL/CA envolvem não apenas a atividade de de-senvolvimento, mas também os procedimentos de teste e relatórios de erro. Tais procedimentos talvez representem um dos maiores diferenciais do SL/CA em comparação com software proprietário, o que é citado recorrentemente como um dos fatores de sucesso técnico em relação à estabilidade das soluções e à resolução de problemas.

• Nas análises estatísticas feitas no presente estudo, vêem-se tanto profissionais de software proprietário movendo-se para SL/CA, em parte por exigências do mercado, quanto um grupo de elite em SL/CA al-tamente qualificado e ativo nos projetos de desenvolvimento. Além disso, dentre os desenvolvedores há um grande número de estudantes, o que aponta a existência de um estoque de profissionais formados ou em formação, que pode se inserir no crescente mercado de SL/CA. Assim, tanto percebe-se que as competências do software proprietário transitam razoavelmente para SL/CA, quanto que há um número considerável e crescente de pessoas que ingressou no desenvolvimento de software já diretamente pela porta do SL/CA.

• Quanto às empresas desenvolvedoras, foram detectadas três tipos de empresas atuando em SL/CA: a) pequenas e médias empresas fundadas nas décadas de 1980 e 1990 dedicadas principalmente aosoftware proprietário, mas que entraram no SL/CA, algumas inclusive por exigências do mercado; b) pe-quenas e médias empresas de fundação mais recente que têm grande parte de suas atividades em SL/CA; e c) grandes empresas, algumas delas multinacionais, que também ingressaram no mundo de SL/CA. Estas últimas possuem pelo menos duas estratégias específicas: oferecer suporte pré e pós vendas para o Linux e disponibilizar seus produtos proprietários para rodar nesta plataforma.

• Nota-se então que o desenvolvimento profissional de SL/CA no Brasil começa a se fortalecer, tanto com empresas nacionais, como com multinacionais e com empresas públicas. Mas a fase é de diminuição dos ainda elevados custos de transação para a profissionalização do SL/CA no País. Além disso, as empresas que se desenvolvem utilizando os modelos de negócio de SL/CA enfrentam problemas semelhantes aos que pequenas empresas baseadas no modelo proprietário hoje enfrentam. Se por um lado elas podem ter acesso mais fácil à capacitação tecnológica e à tecnologia, baixando seus custos de produção, por outro enfrentam maior concorrência, uma vez que as barreiras à entrada são, até o presente momento, menores (para determinados modelos de negócios, como serviços de baixo e alto valor e mesmo pro-dutos customizáveis).

• Uma das formas de abrir oportunidades para estas empresas é investir na formação de uma nova classe empresarial. Este momento de transição no desenvolvimento de um novo modelo parece indicar tam-

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bém o surgimento de um novo modelo de empresa, mais ajustada aos principais elementos inovado-res do SL/CA: a estrutura em rede, a cooperação virtual e o compartilhamento de conhecimentos. São elementos, pouco comuns para as estruturas empresariais tradicionais, mesmo para a indústria de sof-tware.

• Há ainda que se considerar o tempo necessário para as empresas que desenvolvem em plataforma pro-prietária adequarem-se a este novo modelo e por último, mas não menos importante, a consideração do usuário final. Os casos bem sucedidos de implantação de SL/CA em empresas, principalmente nos níveis superiores ao de infra-estrutura (middleware, aplicativos, etc), só acontecem com estratégias simultâne-as de sensibilização e capacitação do usuário final.

• Os usuários individuais que responderam a enquete são na sua maioria participantes das comunidades de SL/CA, contribuindo também através do uso e teste dos softwares. São usuários com um perfil mais técnico, de certa forma, próximo do perfil dos desenvolvedores. Este perfil pode ser em parte explicado pelo fato do usuário final (camada de desktop) ser provavelmente um dos últimos filões que serão explo-rados. Os agrupamentos provenientes da análise multivariada aparecem ordenados em termos de idade, escolaridade, renda e experiência com SL/CA: dos mais novos, com menos escolaridade e renda até os mais velhos, mais escolarizados e com maior experiência em SL/CA. A análise apontou a existência de dois agrupamentos de estudantes – que não se sentem muito capacitados mas buscam no SL/CA melho-rar suas oportunidades de emprego e aprendizado – e dois grupos de profissionais, sendo um da área técnica de TI (muitos deles profissionais obrigados a utilizar ferramentas de SL/CA no trabalho ou que querem utilizá-las em suas profissões, mas submetidos às suas limitações) e outro da área gerencial (que busca principalmente diminuição de custos, às vezes associado a uma preocupação mais ideológica).

• As empresas usuárias têm um porte bem maior que as desenvolvedoras, em termos de faturamento e número de empregados. Muitas delas também são proprietárias de grandes parques de equipamentos e buscam no SL/CA soluções robustas que ajudem tanto no aproveitamento de equipamentos obsoletos quanto na economia em licenças de sistemas operacionais. A decisão de migração se dá, em parte, pela segurança oferecida pelos fornecedores de hardware, especialmente no setor de comércio varejista.

• Este estudo mostrou que há quatro motivações que se interrelacionam: técnicas, econômico-financeiras, capacitação e ideológicas. Evidentemente, as motivações são diferentes em função da categoria de ato-res.

• As empresas usuárias têm como principal motivação para uso de SL/CA a “redução de custos”, seguida de motivações de natureza técnica, como “maior flexibilidade para adaptação”, “maior qualidade (es-tabilidade, confiabilidade, disponibilidade)”, “maior autonomia do fornecedor” e “maior segurança”. As motivações de natureza ideológica ou filosófica existem mas estão em plano secundário. Mesmo adotando-se um conjunto mais amplo de atores (desenvolvedores individuais, usuários individuais, aca-dêmicos etc) as questões ideológicas não aparecem como determinantes de primeira ordem.

• No conjunto dos atores que responderam à enquete e que participaram do painel, as questões de na-tureza técnica, ligadas ao desenvolvimento e uso de software, são as que fazem convergir as diferentes perspectivas. Enquanto empresas e usuários individuais são motivadas por questões técnicas e econô-micas, desenvolvedores individuais o são por questões de capacitação (aprendizado) e empregabilidade (efeito vitrine) e alguns (poucos) exclusivamente por questões ideológicas.

• No que diz respeito à adoção e difusão de SL/CA por setores de aplicação, o estudo mostrou preferên-cia hoje por quatro deles: tecnologias de informação e comunicação, governo, comércio e educação. Em um segundo grupo encontram-se: serviços em geral (menos comércio), saúde, financeiro, cultura e entretenimento e equipamentos eletro-eletrônicos e de comunicação. Para o futuro próximo (2010), há

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uma expectativa de crescimento do setor saúde e de serviços em geral, seguindo com elevada importân-cia governo e educação.

• Automação comercial, comércio eletrônico (comércio), educação à distância, administração escolar (educação) e administração de serviços (serviços) compõem as principais áreas de aplicação de SL/CA hoje no Brasil. Como se nota, são modelos de negócios baseados em serviços de baixo e alto valor e, em alguns casos, em produtos customizáveis e em embarcados.

• Software livre pertence à indústria de software. Nela se desenvolve e a transforma. Os modelos de negó-cios do software livre são os modelos de negócios da indústria de software. O SL/CA tem, assim, poder de modificar padrões de concorrência dentro da própria indústria e é exatamente isso que vem fazendo. Seu principal impacto está em segmentos nos quais a importância da apropriabilidade (manter códigos fechados) é um fator crítico de concorrência e a especificidade de aplicação (produtos mais ou menos específicos) é menor.

• Neste cruzamento de características concorrenciais, o SL/CA ameaça fortemente o modelo de pacotes (plataformas e sistemas operacionais); componentes de software; e produtos customizáveis, exatamente porque esses modelos tem na apropriabilidade um fator essencial de concorrência. Já os modelos de serviços e de embarcados, por terem maior especificidade e menor importância de apropriabilidade por meio de códigos fechados, são, na verdade, modelos que apresentam as maiores oportunidades de investimento. Por definição, o SL/CA acelera a transição da indústria de software dos produtos para os serviços.

• A pequena empresa de software (grande maioria das empresas do setor de TI), assim como todo o setor produtivo de TI no país precisa se ocupar desse assunto. Da mesma forma, o governo, peça chave no assunto software livre, precisa examinar com mais cuidado as implicações que um fomento aberto ao SL/CA pode provocar na indústria e nas empresas nacionais. Oportunidades há, mas ameaças também. É preciso que as ações governamentais e as políticas a elas associadas sejam embasadas mais em infor-mação e análise do que em adesão voluntariosa. Software livre pode ser bom para a sociedade brasileira por vários motivos, e é bom que se os explicite de forma convincente. Este trabalho, longe de ser con-clusivo, até porque é o primeiro levantamento dessa natureza, sugere cautela e aponta a necessidade de permanente e melhor monitoramento.

• O SL/CA está se profissionalizando no país, seguindo passos já dados por países desenvolvidos e come-çando a sair da periferia da indústria para adentrar seu centro. O SL/CA, ao nascer de uma contestação aos mercados proprietários mais poderosos da indústria (Unix, Windows, Office), revelou todo seu apelo político, institucional e emocional. Este apelo chamou a atenção de muita gente, dos que tinham (e têm) como filosofia um espírito libertário e contrário à apropriação restritiva do conhecimento, dos que viam uma oportunidade de derrubar o maior e mais conhecido gigante da indústria de software, até as grandes corporações que viram (e vêem) no SL/CA uma enorme oportunidade de se desfazer de uma incômoda taxa de monopólio que restringe seus negócios. Os interesses no SL/CA são diversos e muitas vezes antagônicos, como vimos ao longo deste trabalho.

• O SL/CA não é, a priori, bom ou mau. Assim, seria uma ingenuidade imaginar que os princípios originais que nortearam o software livre são alguma garantia de benefício social. Mais uma vez, isso deve ser analisado com o devido cuidado. Software livre, queiram ou não seus idealizadores, é hoje um negócio de alguns bilhões de dólares, com perspectivas de crescimento acelerado nos próximos anos. Mesmo organizações que surgiram na onda libertária provocada pelo Linux hoje transformaram-se em grandes empresas, com atuação global. Outras estão querendo percorrer a mesma trajetória.

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