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MC 906 – Inteligência Artificial
Trabalho I
Visão Modular da Linguagem
Alunos :
Juliano Valencise Quaglio RA: 009026Maurício Augusto Figueiredo RA: 009423Patrícia Farah Carrião RA: 009548
Introdução
A comunicação entre os animais :
A comunicação entre os animais tem vários objetivos. O mais importante deles, mas não o único,é a reprodução. Machos e fêmeas da mesma espécie devem ser capazes de reconhecerse e sinalizarmutuamente sua disposição para o ato reprodutor. Para isso, desenvolvem sistemas de sinais quepodem ser muito simples (como uma substância volátil que impressiona o olfato do parceiro ou daparceira) ou bastante complexos (como uma dança com diferentes movimentos em seqüência).
Outros animais são destinados a emitir avisos sobre presas e predadores, sobre a iminência deuma agressão, os limites de um território privativo em muitos outros eventos importantes. Com aevolução, a comunicação animal foi se desconectando das necessidades produtivas (necessárias àsobrevivência da espécie) e assumindo outras funções ligadas à sobrevivência do indivíduo.
Em alguns casos, esta sinalização tornouse bastante complexa e sofisticada. É o caso daconhecida dança em forma de 8 das abelhas, que indica a posição de objetos distantes. Ao longo datrajetória em 8 a abelha realiza movimentos que indicam a direção e a distancia de uma fonte dealimento, um possível local para construir uma nova colméia ou a posição de um curso d`água.Bastante complexos são também os sons de alarme emitidos por alguns macacos destinados a sinalizara presença de predadores terrestres distantes (leopardos) ou próximos (cobras), bem como predadoresaéreos (gaviões ,águias). Um som diferente para cada predador dispara um comportamento diferentepara cada caso.
Na maioria das vezes os sistemas de comunicação dos animais são inatos, embora possam seraperfeiçoados durante um período crítico do desenvolvimento, por exposição aos sinais emitidos pelosadultos. É isso que acontece com as aves canoras, que inicialmente apresentam cantos relativamentesimples mas durante a infância aprendem formas mais complexas ouvindo os adultos de sua espécie. Aaprendizagem do canto dessas aves se assemelha à aprendizagem dos sons da fala pelos bebêshumanos: o chamado “ bubcanto” delas seria equivalente al “ balbucio” destes. Este tipo deaprendizagem da comunicação sonora é um traço bastante raro no reino animal, só ocorrendo emhumanos, cetáceos, talvez alguns morcegos e três ordens de aves. Em relação a esta capacidade, essesanimais apresentam um traço que não está presente nem em macacos.
O aperfeiçoamento dos sinais de comunicação pela aprendizagem levou alguns pesquisadores aperguntarem se os animais seriam capazes de aprender a linguagem humana. As primeiras experiênciasforam tentativas de ensinar chimpanzés a falar. Não foram bem sucedidas porque esses animaiscarecem de um aparelho fonador compatível co ma emissão os sons vocais complexos com oshumanos, e talvez também com os circuitos neurais necessários para a linguagem falada. A seguirtentouse utilizar uma linguagem de sinais gestuais emitidos com as mãos, bem como símbolospictóricos com cartões coloridos de diferentes formas. Neste caso, constatouse que esses primataspodem aprender a utilizar alguns sinais simbólicos como seus parentes humanos, mas nuncaultrapassam o nível de uma criança de poucos anos de idade.
Concluise dessas tentativas que já se suspeitava anteriormente: que a linguagem humana é únicana natureza em sua capacidade de simbolizar pensamentos – simples ou complexos, concretos ouabstratos.
A Comunicação entre os homens:
Os homens se comunicam de inúmeras maneiras, utilizando praticamente todos os sistemassensoriais para perceber e interpretar os sinais que o sistema motor (de outra pessoa) produz. Acomunicação humana, como também a dos animais, tem sempre dois lados: um que emite, outro querecebe, e portanto um que expressa alguma coisa e outro que compreende. Dáse o nome de linguagem,numa acepção genérica do termo, aos sistemas de comunicação com regras definidas que devem serempregadas por um emissor para que a mensagem possa ser compreendida pelo receptor. Uma acepçãomais específica do termo referese a cada uma das modalidades lingüísticas: linguagem oral, gestual,etc.
As modalidades da linguagem envolvem sistemas pareados de expressão e compreensão. Assim,quando a expressão oral ou vocal (modalidade que chamamos fala), a compreensão se dáprincipalmente pelo sistema auditivo; quando a expressão é gestual, a compreensão é realizada pelosistema visual. Da mesma forma, quando a expressão é escrita, e o sistema visual que possibilita aleitura. E quando a escrita é Braille, é o sistema somestésico que assume a tarefa.
Ao longo de sua existência no planeta, os seres humanos criaram e conservaram vivos cerca de10 mil idiomas e dialetos. Todos eles consistem em símbolos associados segundo regras lentamentedefinidas e modificadas durante o percurso histórico de cada cultura. Todas as línguas têm umamodalidade falada, mas só algumas delas têm uma versão escrita. Isso porque a fala possui uma fortebase neurobiológica inata que permite a aprendizagem logo aos primeiros meses de vida pela escutados adultos falando e pela prática da emissão de sons, enquanto a escrita é uma construção cultural cujaaprendizagem depende de um ensino formal bem mais prolongado e trabalhoso.
A linguagem falada
A linguagem falada é o principal modo de comunicação dos seres humanos, prevalente em todasas culturas e sociedades até hoje conhecidas. Não há grupo humano que não fale. O que caracteriza afala e a diferença de outras modalidades de comunicação lingüística é a produção e a compreensão desons vocais em seqüência rápida, utilizando no primeiro caso o aparelho fonador e no segundo oaparelho auditivo. Os fonemas são associados e se transformas em símbolos de objetos e conceitos – aspalavras – e estas ao também associado as em frases que tornam mais elaborados e complexos ossignificados. Enquanto na escrita as palavras são separadas por espaços, na fala elas são separadas porinflexões e entonações características da voz – freqüentemente não há pausas entras as palavras. Sãoessas nuances de tons de voz, acompanhadas de gestos e expressões faciais, que dão a coloraçãoemocional da fala. A essa característica da linguagem se dá o nome de prosódia.
Você fala para expressar um pensamento. Logo, a primeira tarefa do seu cérebro confundesecom os mecanismos do pensamento, quando você busca os significados que quer expressar. Se o seuobjetivo é simples, por exemplo, nomear um animal que você esteja vendo, a busca do significadosobrepõese à própria percepção do objeto. Se o seu objetivo é mais complexo, como a descrição deum acidente trágico que você presenciou recentemente, você primeiro consulta a memória paraorganizar os fatos e sentimentos em sua mente. Em ambos os casos, os mecanismos cerebraisnecessários à fala atravessam uma faze conceitual de planejamento, e logo a seguir uma fase de
formulação. É necessário então buscar as palavras adequadas e encontrar os fonemas para pronunciálas. Se se ratar de uma frase, é preciso ordenar as palavras de acordo com as regras sintáticas da língua,e só depois é possível articulalas. Nessa seqüência, o processo sempre passa por uma busca mental dosdiversos elementos da fala.
Figura 1
A busca dos significados
O psicolingüistas consideram que existe um dicionário interno – chamado léxicon mental – ondeestão arquivados os vários elementos da linguagem (Figura 1). O falar, o indivíduo consulta o léxiconem busca de informações semânticas, sintáticas e fonológicas necessárias à expressão verbal de seuspensamentos. Alguns propõem que um só léxicon que reuniria todas essas informações, mas há
evidências de que existem diferentes léxicons, de acordo com o tipo de informação que armazenam: asinformações emânticas seriam armazenadas em um conjunto de regiões cerebrais, as sintáticas emoutro diferente e as fonológicas em um terceiro conjunto.
Estimase que o léxicon semântico de um adulto educado possa constar de cerca de 50 milpalavras e expressões idiomáticas. Os mecanismos de consulta a esse dicionário mental sãoextraordinariamente eficientes, pois permitem o reconhecimento e a produção de até cerca de trêspalavras por segundo, ou seja, quase 200 palavras por minuto. De que modo o léxicon estariaorganizado no cérebro? Certamente não seria em ordem alfabética. Primeiro, por que essa ordem éarbitrária, de natureza cultural. Segundo, porque seria mais difícil encontrar e emitir palavras iniciadaspor letras do meio do alfabeto, o que não é verdadeiro. Em terceiro lugar, porque é mais fácilcompreender e emitir as palavras que usamos freqüentemente. Aquelas que não usamos podem seresquecidas, o que significa que o conteúdo do léxicon é flexível e dinâmico – depende do uso. De quemodo, então, estaria o léxicon mental organizado no cérebro?
Figura 2
Uma hipótese bem aceita propõe que o léxicon esteja organizado segundo redes semânticas(Figura 2), isto é, de acordo com categorias de significado semelhante. Quando nos escapa umapalavra, ao buscala na memória lembramos mais facilmente de carro, semanticamente próxima debicicleta, do que de cereja, que nada tem a ver com ela. Além disso, alguns pacientes portadores delesões cerebrais localizadas que apresentam distúrbios da linguagem cometem erros de compreensão ede expressão freqüentemente relacionados ao significado das palavras ou conceitos que querem emitirou compreender (parafasias semânticas). Por exemplo, ao ver um cavalo dizem boi (ambos animais deporte e aspecto semelhante); outras vezes dizem bicho (categoria genérica a que pertencem os cavalos).
As redes semânticas reuniriam categorias específicas: animais, instrumentos, pessoas, cores,plantas, cores, plantas, etc.
Se isso é verdade, seria possível identificar regiões cerebrais específicas para cada categoria ?Sim. Essa foi a conclusão de um estudo abrangente reunindo pacientes com distúrbios lingüísticos(Figura 3A). Os erros semânticos referentes a pessoas foram típicos de pacientes com lesões anterioresdo lobo temporal esquerdo; os erros relativos a animais eram mais comuns em doentes com lesões
intermediárias no córtex ínferotemporal; e os enganos sobre instrumentos e objetos em geral ocorriamquando se tratava de lesões posteriores do lobo temporal. Estudo semelhante foi feito com indivíduosnormais cujas imagens tomográficas funcionais eram tomadas enquanto eles nomeavam animais,instrumentos e pessoas; nas imagens correspondentes, as mesmas regiões acima mostravamse ativas(Figura 3B).
Figura 3
A busca dos fonemas
As redes semânticas organizam o arquivo de palavras (e seus significados) contidas no léxicon.São utilizadas nas primeiras fases de planejamento da fala, ou durante a compreensão de algo queouvimos. Mas para falar (também para compreender) você precisa encontrar os fonemas necessários àconstrução das palavras. Deve existir então um léxicon fonológico. Onde?
O fonema é a unidade elementar da fala. Não tem necessariamente um significado, portanto osseus mecanismos de expressão e reconhecimento podem ser diferentes das palavras. Estas têm valor
semântico: são símbolos de conceitos concretos ou abstratos. Mas o fonema é apenas uma unidade decódigo com um som associado, cujo sentido na maioria das vezes depende de sua combinação comoutros.
Os fonemas emitidos por uma pessoa podem ser analisados quanto às freqüências sonoras queos compõem, gerando curvas de onda e espectogramas típicos de cada voz e de cada idioma. Sãoproduzidos por movimentos muito precisos das estruturas anatômicas que compõe o aparelho fonador,cujos músculos estão sob comando da área cortical M1.
Se você fechar os lábios e depois deixar passar um som vocalizado através deles, originado bemdo fundo da laringe, terá emitido o fonema correspondente à consoante b. Se não vocalizar mas apenasfizer o ar passar pelos lábios anteriormente fechados, terá emitido o fonema correspondente àconsoante p. Ambos são chamados de fonemas bilabiais, cuja articulação envolve as estruturas maisanteriores da boca.
Os fonemas correspondentes às vogais, como sugere o próprio nome, são vocalizados, ou seja,produzidos por uma emissão sonora que passa pela boca posicionada de uma certa maneira. O fonemaa é vocalizado com a boca aberta, o e com a boca semiaberta, e o u com a boca quase fechada.
O estudo dos fonemas de várias línguas levou à elaboração de alfabetos fonéticos que sãoutilizados em dicionários bilíngües para facilitar a identificação da pronúncia das palavras. Essauniformidade sonora de vários fonemas através de diferentes línguas é considerada uma evidência dosuniversais lingüísticos – neste caso, universais fonêmicos – propostos por Chomsky. Apenas uma partedos fonemas de cada língua é universal. Outra parte é específica de grupos de idiomas, ou mesmo deum único idioma. Considerase que os universais fonêmicos constituem o acervo inato de movimentosdo aparelho fonador, comandados e compreendidos de modo único na natureza pelo sistema nervosohumano.
A localização do léxicon fonológico tem sido tentada usando métodos de imagem funcional.Um experimento simples para isso consiste em pedir a um voluntário cujo cérebro esteja sendo“ fotografado” por um aparelho de ressonância magnética funcional (RMf) ou por um tomógrafoemissor de pósitrons (PET) para ouvir e compreender palavras com e sem sentido, emitidas por umaltofalante. A partir da imagem resultante (Figura 4 A), o computador pode subtrair a imagem queresulta das palavras sem sentido, o que nos deixa com a imagem da região ativada apenas pelacompreensão do sentido (Figura 4 B). Experimentos deste tipo revelaram várias áreas ativas em tornodo sulco lateral de Sylvius (regiões perissilvianas) do hemisfério esquerdo, envolvendo o córtexparietal inferior, os giros angular e supramarginal da região que fica entre o lobo perietal e o lobooccipital, o córtex frontal lateral inferior, o córtex temporal superior, e também a região derepresentação da face em M1.
O interessante é que o processamento fonológico mostrouse lateralizado à esquerda emhomens, mas bilateral em mulheres. Ao que parece, a diferença não se deve a causas genéticas, mas asdiferentes estratégias de busca do léxicon fonológico empregadas pelas mulheres em comparação comos homens.
Figura 4
A construção das frases
Construímos as frases porque conhecemos as regras de nosso idioma, ainda que de modointuitivo, quer dizer, sem a formalização que a escola nos deu (e que geralmente esquecemos...).Imperceptivelmente, no entanto, as regras ficam armazenadas em nossa memória de procedimentos, enão precisamos pensar para que as frases sejam emitidas corretamente (ou pelo menosinteligivelmente). As regras sintáticas reunidas na memória de procedimentos confundemse com oléxicon sintático, cuja existência é suposta mas ainda não demonstrada.
Os psicolingüistas consideram que a construção das frases começa com a fase deconceitualização (Figura 5), que ocorre quando planejamos o conteúdo da mensagem, uma açãomental conhecida como macroplanejamento da fala. As regiões cerebrais envolvidas com omacroplanejamento – ainda desconhecidas – são chamadas conceitualizadoras, porque realizam abusca ao léxicon semântico para encontrar os conceitos apropriados que desejamos veicular. Segueseuma segunda etapa, de busca da forma de mensagem – a formulação – que corresponde à busca dosfonemas, palavras e regras sintáticas num processo chamado de microplanejamento, ou seja, aassociação dos fonemas em palavras, e destas em frases apropriadas ao conteúdo que desejamosexpressar. As regiões cerebrais envolvidas nessa etapa são consideradas formuladoras, e parecemenvolver a região frontal lateral inferior conhecida como área de Broca, situada no hemisfério esquerdoda maioria das pessoas.
Figura 5
A emissão da fala
A última etapa para a emissão da fala é a chamada articulação. Tratase do planejamento daseqüência de movimento necessários à emissão da voz, e finalmente o envio de comandos a partir deM1 para os núcleos motores do tronco encefálico, que por sua vez comandam a musculatura facial, alíngua, as cordas vocais na laringe, a faringe e também os músculos respiratórios. A articulação é uma
tarefa essencialmente motora, que envolve as regiões prémotoras do córtex frontal esquerdo e ossetores de representação da face no giro précentral, neste caso em ambos os hemisférios. Osneurolingüistas podem identificar essas regiões em imagens funcionais tomadas durante a fala deindivíduos normais, subtraídas de imagens tomadas quando os mesmos indivíduos apenas imaginam asfrases, sem vocalizálas. Essas regiões são em conjunto conhecidas como articuladoras.
A compreensão da fala
Quase sempre que alguém fala, um outro alguém ouve (nem que seja a próprio indivíduo quefala). Como a via de entrada dos sinais lingüísticos falados é o sistema auditivo, no início tudo se passaem comum com o processamento auditivo dos demais sons do ambiente.
Em certo momento do processamento auditivo, no entanto o cérebro “ descobre” que certos sonssão lingüísticos e os “e ncaminha” a sua representação neural (na forma de potenciais de ação,potenciais sinápticos etc.) para as regiões responsáveis pela compreensão da fala. Nesse caso, paracompreender o que se ouviu será preciso proceder passo a passo quase no sentido inverso ao daemissão da fala: identificação fonológica > identificação léxica > compreensão sintática >compreensão semêntica.
A consulta ao léxicon fonológico permite reconhecer os sons característicos de cada idioma,identificando os fonemas que compõem as palavras. Como o léxicon é na verdade um sistemamnemônico, é provável que ele contenha arquivos ecóicos de fonemas, palavras, e até mesmoexpressões idiomáticas ou modos de pronunciar seqüências de palavras. Por exemplo, vendo escrita afrase ce ach qui sabi, será difícil identificar nela pela leitura o equivalente sonoro de você acha quesabe. Portanto, o léxicon fonológico deve guardar os fonemas tais como pronunciados nas expressõesde cada língua ou dialeto regional, e esses arquivos são diferentes daqueles que representam as versõesescritas das palavras. Alguns psicolingüistas consideram que a identificação das palavras ocorre passoa passo. Ao ouvir a sílaba ca, por exemplo, selecionamos várias possibilidades: carro, caminho,casamento e muitas outras. Mas logo em seguida ouvimos a sílaba as: pode ser casa, mas pode sercasamata, casarão, casamento... Seguemse as sílabas men e depois to, e as possibilidades já vãoficando menos numerosas. Ocorre então a identificação léxica: casamento. Mas ainda é precisoconsultar os léxicons sintático e semântico, porque a palavra casamento pode significar a união entreduas pessoas (“c asamento de João com Maria” ), mas também uma coincidência de idéias (“ casamentode opiniões” ), ou um processo físico (“ casamento de impedâncias” ). A decisão levará em conta aconstrução sintática (“ casamento de... com...” , que é diferente de “ casamento de...”) , mas mesmo assimresta saber se o significado presumido é coerente com o contexto.
O léxicon semântico, portanto, considera o contexto da frase. A palavra casamento seguida de“ opiniões” significa algo bastante diferente da mesma palavra seguida de “i mpedâncias”. Mas às vezesas palavras vizinhas não permitem uma conclusão. A frase “e sta rua tem muitos bancos” podesignificar que há muitos lugares para sentar ou muitos lugares para depositar dinheiro. A decisão finaldepende do contexto mais amplo, isto é, das frases anteriores e posteriores relacionadas a ela, e dotema geral em que a frase está inserida. Os psicolingüistas sabem que a interpretação preferida é a maissimples ou a mais provável. O que você concluiria da frase “ o bandido atacou o policial com umaarma”? Quem portava a arma: o bandido ou o policial?
Quais são as regiões neurais envolvidas nesses diferentes processos de compreensão dalinguagem falada? Os neurolingüistas já têm uma idéia da localização das regiões, mas estão ainda
longe de entender os mecanismos neurobiológicos de operação do sistema. Um experimento muitoilustrativo a esse respeito foi realizado por uma equipe de pesquisadores franceses utilizando imagensfuncionais obtidas com PET. Foram selecionados voluntários de nacionalidade francesa, divididos emgrupos que ouviam diferentes trechos falados, enquanto tinham a sua atividade cerebral registrada pormeio do tomógrafo (Figura 6). Um grupo ouviu uma história falada em tamil, uma língua hindudesconhecida para eles. Apenas as regiões auditivas em ambos os hemisférios, em torno de A1 no girotemporal superior, mostraramse ativas (Figura 6A). Como a história em tamil não era reconhecidanem fonológica nem sintática nem semanticamente, podese supor que o cérebro a tenha tratado comoum estímulo auditivo nãolingüístico. Outro grupo ouviu uma lista aleatória de palavra em francês.Nesse caso, foi ativada a área de Broca no hemisfério esquerdo (Figura 6B), além do giro temporalsuperior. É possível sugerir, portanto, que o léxicon fonológico esteja situado nessa região do córtexfrontal lateral esquerdo. Um terceiro grupo escutou frases com pseudopalavras: frases do tipo de “acranilha voneja barlos” , que parecem pertencer ao nosso idioma, mas na verdade não existem. A áreade Broca não foi ativada (Figura 6C), mas sim uma região situada no pólo anterior do giro temporalsuperior, bilateralmente: será que nela se situa o léxicon semântico, em ação de busca do impossívelsentido das pseudopalavras? A mesma região apareceu ativa também quando o estímulo era formadopor frases com palavras reais, mas significado irreal (Figura 6D), do tipo: “ essa mosca come sapatos” .Finalmente, uma história em francês com todo sentido era apresentada aos indivíduos, provocandoativação de outras regiões do hemisfério esquerdo, além das que tinham sido ativadas bilateralmentepelos outros estímulos: a área de Broca e os giros temporais médio e superior, incluindo a chamadaárea de Wernicke (Figura 6E). Os autores concluíram que as operações de compreensão integral dosignificado de uma pequena história são realizadas mediante algum tipo de interação entre essasdiferentes regiões.
Nesse experimento, a grande extensão das regiões ativadas devese ao fato de o estímulo finalser muito complexo: uma história. Provavelmente as diferentes categorias semânticas presentes nahistória são processadas por regiões ligeiramente distintas, como mencionamos anteriormente, já que oléxicon semântico consultado para a linguagem falada é o mesmo para a linguagem ouvida.
Os distúrbios da fala e da compreensão
Desde o passado remoto os médicos têm observado a ocorrência de distúrbios da fala e dacompreensão verbal em indivíduos que sofrem lesões do sistema nervoso. Como já vimos, um grandeavanço foi propiciado por Paul Broca no século XIX, ao descobrir em vários pacientes que a lesãocausadora desses distúrbios está situada no hemisfério esquerdo, ocupando uma região da face lateraldo lobo frontal. Broca chamou o distúrbio que descobriu de afemia, mas o termo que ficou consagradona literatura médica foi afasia, criado por Sigmund Freud (18561939).
Recebem o nome de afasia alguns dos distúrbios da linguagem falada. Estes são extremamentecomuns, causados por quase a metade dos acidentes vasculares cerebrais, pelo menos na fase aguda. Osneurologistas, entretanto, distinguem as afasias propriamente ditas de outros distúrbios que interferemcom a linguagem. Entendem como afasias os distúrbios da linguagem devidos a lesões nas regiõesrealmente envolvidas com o processamento lingüístico. Outras alterações da linguagem, entretanto,podem derivar de lesões que atingem o sistema motor, o sistema atencional etc., coadjuvantes mas nãodeterminantes da linguagem. Neste caso, não são consideradas afasias. Por exemplo: um doente comparalisia do nervo facial pode apresentar distúrbios da fala porque não consegue mover adequadamenteos músculos da face. Ao contrário, os portadores de afasias podem perder a capacidade de falar semapresentar qualquer deficiência no funcionamento da musculatura facial.
As afasias primárias podem então ser classificadas de acordo com a natureza dos sintomasapresentados pelos pacientes, e correspondem também à região cerebral atingida. Quando a lesãoincide sobre a região lateral inferior do lobo frontal esquerdo, o paciente apresenta uma afasia deexpressão (ou afasia de Broca). Sem déficits motores propriamente ditos, tornase incapaz de falar, ouapresenta uma fala nãofluente, restrita a poucas sílabas ou palavras curtas sem verbos (falatelegráfica). O paciente se esforça muito para encontrar as palavras, sem sucesso. A seguir, umexemplo relatado pelo neurologista americano Henry Goodglass, obtido de um afásico que tenta contarao médico por que se encontra no hospital:
Ah... segundafeira... ah... Papai e Paulo [o nome do paciente]...e Papai... hospital. Dois... ah... médicos..., e ah... meia hora... e sim...ah... hospital. E, ah... quartafeira... nove horas. E, ah... quintafeira àsdez horas... médicos. Dois médicos... e ah... dentes. É... ótimo.
Quando a lesão atinge uma região cortical posterior em torno da ponta do sulco lateral deSylvius do lado esquerdo, o quadro é inteiramente diferente, e o paciente apresente uma afasia decompreensão (ou afasia de Wernicke). Quando um interlocutor lhe fala, o indivíduo não parececompreender bem o que lhe é dito. Não só emite respostas verbais sem sentido, como também falha emindicar com gestos que possa ter compreendido o que lhe foi dito. Sua fala espontânea é fluente, masusa palavras e frases desconexas porque não compreende o que ele próprio está dizendo. Como aprosódia é compreendida, o paciente entra na conversa nos momentos certos porque percebe que ointerlocutor pausou; além disso, sabe que o interlocutor lhe perguntou algo pela modulaçãocaracterística da voz. Logo abaixo há um exemplo relatado por um outro neurologista, que perguntou auma afásica desse tipo qual o seu trabalho:
Queria lhe dizer que isso aconteceu quando aconteceu quando ele alugou.Seu... seu boné cai aqui e fica... ele alu alguma coisa. Aconteceu. Em teseos mais gelatinosos estavam com ele para alu... é amigo.. parece é. E acaboude acontecer, por isso não sei, ele não trouxe nada. E não pagou.
As áreas atingidas pelas lesões estudadas por Broca e Wernicke receberam nomes que oshomenageiam (área de Broca, área de Wernicke), mas sua delimitação anatômica permaneceu vaga emvirtude da variabilidade das lesões, que dependem quase sempre dos territórios de irrigação sangüíneaatingidos em cada caso. Além disso, não é precisa a correlação dessas áreas definidas por lesões esintomas com os critérios citoarquitetônicos dos anatomistas. Recentemente, entretanto, a área deBroca tem sido considerada restrita ao terço posterior do giro frontal inferior esquerdo, e a área deWernicke, ao terço posterior do giro temporal superior esquerdo, incluindo a parte oculta no assoalhodo sulco lateral de Sylvius (conhecida como plano temporal).
O estudo cuidadoso das afasias realizado ainda no século XIX por Wernicke levouo a elaborarum modelo singelo de processamento neural da linguagem, e a prever a existência de outros tipos deafasias, ainda desconhecidas na ocasião e relatadas posteriormente. Wernicke raciocinou que se aexpressão da fala é função da área de Broca, e se a compreensão é função da área que levou seu nome,então ambas devem estar conectadas para que os indivíduos possam compreender o que eles mesmosfalam e responder ao que os outros lhe falam. De fato, existem conexões entre essas duas áreaslingüísticas através de um feixe de fibras imerso na substância branca cortical, chamado feixearqueado. Wernicke previu que a lesão desse feixe deveria provocar uma afasia de condução, na qualos pacientes seriam capazes de falar espontaneamente, embora cometessem erros de repetição e deresposta a comandos verbais. Os afásicos previstos por Wernicke foram observados muitos anosdepois. O diálogo representado abaixo foi descrito por um neurologista sobre seu cliente, durante umteste de repetição. Obviamente, o doente compreendeu o que o neurologista disse, mas como não foicapaz de repetir, emitiu uma frase diferente de sentido equivalente.
Neurologista: O tanque de gasolina do carro vazou e sujou toda a estrada.Paciente: A rua ficou toda suja com o vazamento do tanque do carro.
O modelo neurolingüístico de Wernicke considerava que a área de Broca conteria osprogramas motores da fala, ou seja, as memórias dos movimentos necessários para expressar osfonemas, compôlos em palavras e estas em frases. A área de Wernicke, pro outro lado, conteria asmemórias dos sons que compõem as palavras, possibilitando a compreensão. Bastaria que essa áreafosse conectada com a primeira para que o indivíduo pudesse associar a compreensão das palavrasouvidas com a sua própria fala. Esse modelo simples fez bastante sentido durante muitas décadas.Afinal, a área de Broca é adjacente à área prémotora, em região bastante próxima da representaçãosomatotópica da face em M1. Desse modo, faz todo sentido supor que ela seja responsável pelaprogramação dos movimentos da fala. Igualmente, a área de Wernicke fica no giro temporal superior,vizinha às áreas auditivas A1 e A2, portanto em situação muito favorável para receber as informaçõesauditivas da linguagem.
Bibliografia
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