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MC 906 – Inteligência Artificial Trabalho I Visão Modular da Linguagem Alunos : Juliano Valencise Quaglio RA: 009026 Maurício Augusto Figueiredo RA: 009423 Patrícia Farah Carrião    RA: 009548

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MC 906 – Inteligência Artificial

Trabalho I

Visão Modular da Linguagem

Alunos :

Juliano Valencise Quaglio RA: 009026Maurício Augusto Figueiredo RA: 009423Patrícia Farah Carrião    RA: 009548

Introdução

A comunicação entre os animais : 

A comunicação entre os animais tem vários objetivos. O mais importante deles, mas não o único,é a reprodução. Machos e fêmeas da mesma espécie devem ser capazes de reconhecer­se e sinalizarmutuamente  sua  disposição  para  o  ato   reprodutor.  Para   isso,  desenvolvem sistemas  de  sinais  quepodem ser muito simples (como uma substância volátil que impressiona o olfato do parceiro ou daparceira) ou bastante complexos (como uma dança com diferentes movimentos em seqüência).

Outros animais são destinados a emitir avisos sobre presas e predadores, sobre a iminência deuma agressão, os limites de um território privativo em muitos outros eventos importantes.   Com aevolução,   a   comunicação   animal   foi   se  desconectando  das   necessidades  produtivas   (necessárias  àsobrevivência da espécie) e assumindo outras funções ligadas à sobrevivência do indivíduo.

Em   alguns   casos,   esta   sinalização   tornou­se   bastante   complexa   e   sofisticada.   É   o   caso   daconhecida dança em forma de 8 das abelhas, que indica a posição de objetos distantes. Ao longo datrajetória em 8 a abelha realiza movimentos que indicam a direção e a distancia de uma fonte dealimento,   um possível   local  para   construir  uma nova   colméia  ou  a  posição  de  um curso  d`água.Bastante complexos são também os sons de alarme emitidos por alguns macacos destinados a sinalizara presença de predadores terrestres distantes (leopardos) ou próximos (cobras), bem como predadoresaéreos (gaviões ,águias). Um som diferente para cada predador dispara um comportamento diferentepara cada caso.

Na maioria das vezes os sistemas de comunicação dos animais são inatos, embora possam seraperfeiçoados durante um período crítico do desenvolvimento, por exposição aos sinais emitidos pelosadultos. É isso que acontece com as aves canoras, que inicialmente apresentam cantos relativamentesimples mas durante a infância aprendem formas mais complexas ouvindo os adultos de sua espécie. Aaprendizagem   do   canto   dessas   aves   se   assemelha   à   aprendizagem   dos   sons   da   fala   pelos   bebêshumanos:   o   chamado   “ bubcanto”   delas   seria   equivalente   al   “ balbucio”   destes.   Este   tipo   deaprendizagem da comunicação sonora é  um traço bastante  raro no reino animal,  só  ocorrendo emhumanos, cetáceos, talvez alguns morcegos e  três ordens de aves. Em relação a esta capacidade, essesanimais apresentam um traço que não está presente nem em macacos.

O aperfeiçoamento dos sinais de comunicação pela aprendizagem levou alguns pesquisadores aperguntarem se os animais seriam capazes de aprender a linguagem humana. As primeiras experiênciasforam   tentativas   de   ensinar   chimpanzés   a   falar.   Não   foram   bem   sucedidas   porque   esses   animaiscarecem   de   um   aparelho   fonador   compatível   co   ma   emissão   os   sons   vocais   complexos   com   oshumanos, e  talvez também com os circuitos neurais necessários para a linguagem falada. A seguirtentou­se   utilizar   uma   linguagem   de   sinais   gestuais   emitidos   com   as   mãos,   bem   como   símbolospictóricos com cartões coloridos de diferentes formas.  Neste caso,  constatou­se que esses primataspodem   aprender   a   utilizar   alguns   sinais   simbólicos   como   seus   parentes   humanos,   mas   nuncaultrapassam o nível de uma criança de poucos anos de idade.

Conclui­se dessas tentativas que já se suspeitava anteriormente: que a linguagem humana é únicana natureza em sua capacidade de simbolizar  pensamentos – simples  ou complexos,  concretos  ouabstratos.

A Comunicação entre os homens:

Os homens   se   comunicam de   inúmeras  maneiras,  utilizando  praticamente   todos  os   sistemassensoriais  para  perceber   e   interpretar  os   sinais  que  o   sistema motor   (de  outra  pessoa)  produz.  Acomunicação humana, como também a dos animais, tem sempre dois lados: um que emite, outro querecebe, e portanto um que expressa alguma coisa e outro que compreende. Dá­se o nome de linguagem,numa acepção genérica do termo, aos sistemas de comunicação com regras definidas que devem serempregadas por um emissor para que a mensagem possa ser compreendida pelo receptor. Uma acepçãomais específica do termo refere­se a cada uma das modalidades lingüísticas: linguagem oral, gestual,etc.

As modalidades da linguagem envolvem sistemas pareados de expressão e compreensão. Assim,quando   a   expressão   oral   ou   vocal   (modalidade   que   chamamos   fala),   a   compreensão   se   dáprincipalmente pelo sistema auditivo; quando a expressão é gestual, a compreensão é realizada pelosistema visual. Da mesma forma, quando a expressão é escrita, e o sistema visual que possibilita aleitura. E quando a escrita é Braille, é o sistema somestésico que assume a tarefa.

Ao longo de sua existência no planeta, os seres humanos criaram e conservaram vivos cerca de10 mil idiomas e dialetos. Todos eles consistem em símbolos associados segundo regras lentamentedefinidas   e  modificadas  durante   o  percurso  histórico  de  cada  cultura.  Todas  as   línguas   têm umamodalidade falada, mas só algumas delas têm uma versão escrita. Isso porque a fala possui uma fortebase neurobiológica inata que permite a aprendizagem logo aos primeiros meses de vida pela escutados adultos falando e pela prática da emissão de sons, enquanto a escrita é uma construção cultural cujaaprendizagem depende de um ensino formal bem mais prolongado e trabalhoso.

A linguagem falada

A linguagem falada é o principal modo de comunicação dos seres humanos, prevalente em todasas culturas e sociedades até hoje conhecidas. Não há grupo humano que não fale. O que caracteriza afala e a diferença de outras modalidades de comunicação lingüística é a produção e a compreensão desons vocais  em seqüência rápida,  utilizando no primeiro caso o aparelho fonador  e  no segundo oaparelho auditivo. Os fonemas são associados e se transformas em símbolos de objetos e conceitos – aspalavras – e estas ao também associado as em frases que tornam mais elaborados e complexos ossignificados. Enquanto na escrita as palavras são separadas por espaços, na fala elas são separadas porinflexões e entonações características da voz – freqüentemente não há pausas entras as palavras. Sãoessas  nuances  de   tons de voz,  acompanhadas de gestos  e  expressões   faciais,  que dão a coloraçãoemocional da fala. A essa característica da linguagem se dá o nome de prosódia.

Você  fala para expressar um pensamento. Logo, a primeira tarefa do seu cérebro confunde­secom os mecanismos do pensamento, quando você busca os significados que quer expressar. Se o seuobjetivo é  simples, por exemplo, nomear um animal que você  esteja vendo, a busca do significadosobrepõe­se à própria percepção do objeto. Se o seu objetivo é mais complexo, como a descrição deum   acidente   trágico   que   você   presenciou   recentemente,   você   primeiro   consulta   a   memória   paraorganizar   os   fatos   e   sentimentos   em   sua   mente.   Em   ambos   os   casos,   os   mecanismos   cerebraisnecessários  à   fala   atravessam uma  faze  conceitual  de  planejamento,   e   logo  a   seguir  uma  fase  de

formulação. É necessário então buscar as palavras adequadas e encontrar os fonemas para pronunciá­las. Se se ratar de uma frase, é preciso ordenar as palavras de acordo com as regras sintáticas da língua,e só depois é possível articula­las. Nessa seqüência, o processo sempre passa por uma busca mental dosdiversos elementos da fala.

Figura 1

A busca dos significados

O psicolingüistas  consideram que existe um dicionário interno – chamado léxicon mental – ondeestão arquivados os vários elementos da linguagem (Figura 1). O falar, o indivíduo consulta o léxiconem busca de informações semânticas, sintáticas e fonológicas necessárias à expressão verbal de seuspensamentos.  Alguns  propõem  que  um   só   léxicon  que   reuniria   todas   essas   informações,  mas  há

evidências de que existem diferentes léxicons, de acordo com o tipo de informação que armazenam: asinformações emânticas seriam armazenadas em um conjunto de regiões  cerebrais,  as sintáticas emoutro diferente e as fonológicas em um terceiro conjunto.

Estima­se que  o  léxicon semântico de um adulto  educado possa  constar  de  cerca de  50 milpalavras   e   expressões   idiomáticas.   Os   mecanismos   de   consulta   a   esse   dicionário   mental   sãoextraordinariamente  eficientes,  pois  permitem o reconhecimento e  a produção de até  cerca de  trêspalavras   por   segundo,   ou   seja,   quase   200   palavras   por   minuto.   De   que   modo   o   léxicon   estariaorganizado no cérebro? Certamente não seria em ordem alfabética. Primeiro, por que essa ordem éarbitrária, de natureza cultural. Segundo, porque seria mais difícil encontrar e emitir palavras iniciadaspor   letras   do  meio  do   alfabeto,   o   que  não  é   verdadeiro.  Em   terceiro   lugar,   porque  é  mais   fácilcompreender e emitir as palavras que usamos freqüentemente. Aquelas que não usamos podem seresquecidas, o que significa que o conteúdo do léxicon é flexível e dinâmico – depende do uso. De quemodo, então, estaria o léxicon mental organizado no cérebro?

Figura 2

Uma hipótese  bem aceita  propõe  que  o   léxicon esteja  organizado  segundo  redes  semânticas(Figura  2),   isto  é,   de   acordo  com categorias  de   significado   semelhante.  Quando  nos   escapa  umapalavra, ao busca­la na memória lembramos mais facilmente de carro, semanticamente próxima debicicleta, do que de cereja, que nada tem a ver com ela. Além disso, alguns pacientes portadores delesões cerebrais localizadas que apresentam distúrbios da linguagem cometem erros de compreensão ede expressão freqüentemente relacionados ao significado das palavras ou conceitos que querem emitirou compreender (parafasias semânticas). Por exemplo, ao ver um cavalo dizem boi (ambos animais deporte e aspecto semelhante); outras vezes dizem bicho (categoria genérica a que pertencem os cavalos).

As   redes   semânticas   reuniriam  categorias   específicas:   animais,   instrumentos,   pessoas,   cores,plantas, cores, plantas, etc.

Se isso é verdade, seria possível identificar regiões cerebrais específicas para cada categoria ?Sim. Essa foi a conclusão de um estudo abrangente reunindo pacientes com distúrbios lingüísticos(Figura 3A). Os erros semânticos referentes a pessoas foram típicos de pacientes com lesões anterioresdo lobo temporal esquerdo; os erros relativos a animais eram mais comuns em doentes com lesões

intermediárias no córtex ínfero­temporal; e os enganos sobre instrumentos e objetos em geral ocorriamquando se tratava de lesões posteriores do lobo temporal. Estudo semelhante foi feito com indivíduosnormais   cujas   imagens   tomográficas   funcionais   eram   tomadas   enquanto   eles   nomeavam   animais,instrumentos e pessoas; nas imagens correspondentes, as mesmas regiões acima mostravam­se ativas(Figura 3B).

Figura 3

A busca dos fonemas

As redes semânticas organizam o arquivo de palavras (e seus significados) contidas no léxicon.São utilizadas nas primeiras fases de planejamento da fala, ou durante a compreensão de algo queouvimos. Mas para falar (também para compreender) você precisa encontrar os fonemas necessários àconstrução das palavras. Deve existir então um léxicon fonológico. Onde?

O fonema é a unidade elementar da fala. Não tem necessariamente um significado, portanto osseus mecanismos de expressão e reconhecimento podem ser diferentes das palavras. Estas têm valor

semântico: são símbolos de conceitos concretos ou abstratos. Mas o fonema é apenas uma unidade decódigo com um som associado, cujo sentido na maioria das vezes depende de sua combinação comoutros.

Os fonemas emitidos por uma pessoa podem ser analisados quanto às freqüências sonoras queos compõem, gerando curvas de onda e espectogramas típicos de cada voz e de cada idioma. Sãoproduzidos por movimentos muito precisos das estruturas anatômicas que compõe o aparelho fonador,cujos músculos estão sob comando da área cortical M1. 

Se você fechar os lábios e depois deixar passar um som vocalizado através deles, originado bemdo fundo da laringe, terá emitido o fonema correspondente à consoante b. Se não vocalizar mas apenasfizer   o   ar   passar   pelos   lábios   anteriormente   fechados,   terá   emitido   o   fonema   correspondente   àconsoante  p. Ambos são chamados de fonemas bilabiais, cuja articulação envolve as estruturas maisanteriores da boca. 

Os fonemas correspondentes às vogais, como sugere o próprio nome, são vocalizados, ou seja,produzidos por uma emissão sonora que passa pela boca posicionada de uma certa maneira. O fonemaa é vocalizado com a boca aberta, o e com a boca semiaberta, e o u com a boca quase fechada. 

O estudo dos fonemas de várias  línguas levou à  elaboração de alfabetos  fonéticos que sãoutilizados   em   dicionários   bilíngües   para   facilitar   a   identificação   da  pronúncia   das   palavras.   Essauniformidade sonora de vários fonemas através de diferentes línguas é considerada uma evidência dosuniversais lingüísticos – neste caso, universais fonêmicos – propostos por Chomsky. Apenas uma partedos fonemas de cada língua é universal. Outra parte é específica de grupos de idiomas, ou mesmo deum único idioma. Considera­se que os universais fonêmicos constituem o acervo inato de movimentosdo aparelho fonador, comandados e compreendidos de modo único na natureza pelo sistema nervosohumano. 

A localização do léxicon fonológico tem sido tentada usando métodos de imagem funcional.Um experimento   simples   para   isso   consiste   em pedir   a   um voluntário   cujo   cérebro   esteja   sendo“ fotografado”   por   um  aparelho  de   ressonância  magnética   funcional   (RMf)  ou  por   um   tomógrafoemissor de pósitrons (PET) para ouvir e compreender palavras com e sem sentido, emitidas por umalto­falante. A partir da imagem resultante (Figura 4 A), o computador pode subtrair a imagem queresulta  das  palavras   sem  sentido,   o  que  nos  deixa   com a   imagem da   região   ativada  apenas  pelacompreensão do sentido (Figura 4 B). Experimentos deste tipo revelaram várias áreas ativas em tornodo   sulco   lateral   de  Sylvius   (regiões   perissilvianas)   do   hemisfério   esquerdo,   envolvendo   o   córtexparietal inferior, os giros angular e supramarginal da região que fica entre o lobo perietal e o lobooccipital,   o   córtex   frontal   lateral   inferior,   o   córtex   temporal   superior,   e   também   a   região   derepresentação da face em M1. 

O   interessante   é   que   o   processamento   fonológico   mostrou­se   lateralizado   à   esquerda   emhomens, mas bilateral em mulheres. Ao que parece, a diferença não se deve a causas genéticas, mas asdiferentes estratégias de busca do léxicon fonológico empregadas pelas mulheres em comparação comos homens.

Figura 4

A construção das frases

Construímos as frases porque conhecemos as regras de nosso idioma, ainda que de modointuitivo, quer dizer, sem a formalização que a escola nos deu (e que geralmente esquecemos...).Imperceptivelmente, no entanto, as regras ficam armazenadas em nossa memória de procedimentos, enão precisamos pensar para que as frases sejam emitidas corretamente (ou pelo menosinteligivelmente). As regras sintáticas reunidas na memória de procedimentos confundem­se com oléxicon sintático, cuja existência é suposta mas ainda não demonstrada.

Os psicolingüistas consideram que a construção das frases começa com a fase deconceitualização (Figura 5), que ocorre quando planejamos o conteúdo da mensagem, uma açãomental conhecida como macroplanejamento da fala. As regiões cerebrais envolvidas com omacroplanejamento – ainda desconhecidas – são chamadas conceitualizadoras, porque realizam abusca ao léxicon semântico para encontrar os conceitos apropriados que desejamos veicular. Segue­seuma segunda etapa, de busca da forma de mensagem – a formulação – que corresponde à busca dosfonemas, palavras e regras sintáticas num processo chamado de microplanejamento, ou seja, aassociação dos fonemas em palavras, e destas em frases apropriadas ao conteúdo que desejamosexpressar. As regiões cerebrais envolvidas nessa etapa são consideradas formuladoras, e parecemenvolver a região frontal lateral inferior conhecida como área de Broca, situada no hemisfério esquerdoda maioria das pessoas.

Figura 5

A emissão da fala

A última etapa para a emissão da fala é a chamada articulação. Trata­se do planejamento daseqüência de movimento necessários à emissão da voz, e finalmente o envio de comandos a partir deM1 para os núcleos motores do tronco encefálico, que por sua vez comandam a musculatura facial, alíngua, as cordas vocais na laringe, a faringe e também os músculos respiratórios. A articulação é uma

tarefa essencialmente motora, que envolve as regiões pré­motoras do córtex frontal esquerdo e ossetores de representação da face no giro pré­central, neste caso em ambos os hemisférios. Osneurolingüistas podem identificar essas regiões em imagens funcionais tomadas durante a fala deindivíduos normais, subtraídas de imagens tomadas quando os mesmos indivíduos apenas imaginam asfrases, sem vocalizá­las. Essas regiões são em conjunto conhecidas como articuladoras.

A compreensão da fala

Quase sempre que alguém fala, um outro alguém ouve (nem que seja a próprio indivíduo  quefala). Como a via de entrada dos sinais lingüísticos falados é o sistema auditivo, no início tudo se passaem comum com o processamento auditivo dos demais sons do ambiente.

Em certo momento do processamento auditivo, no entanto o cérebro “ descobre”  que certos sonssão   lingüísticos   e   os   “e ncaminha”   a   sua   representação   neural   (na   forma   de   potenciais   de   ação,potenciais sinápticos etc.) para as regiões responsáveis pela compreensão da fala. Nesse caso, paracompreender  o  que  se ouviu será  preciso proceder  passo a  passo quase  no sentido   inverso ao daemissão   da   fala:   identificação   fonológica   ­>   identificação   léxica   ­>   compreensão   sintática   ­>compreensão semêntica.

A consulta ao léxicon fonológico permite reconhecer os sons característicos de cada idioma,identificando   os   fonemas   que   compõem   as   palavras.   Como   o   léxicon   é   na   verdade   um   sistemamnemônico,   é   provável   que   ele   contenha   arquivos   ecóicos   de   fonemas,   palavras,   e   até   mesmoexpressões idiomáticas ou modos de pronunciar seqüências de palavras. Por exemplo, vendo escrita afrase ce ach qui sabi, será difícil identificar nela pela leitura o equivalente sonoro de você acha quesabe. Portanto, o léxicon fonológico deve guardar os fonemas tais como pronunciados nas expressõesde cada língua ou dialeto regional, e esses arquivos são diferentes daqueles que representam as versõesescritas das palavras. Alguns psicolingüistas consideram que a identificação das palavras ocorre passoa  passo.  Ao  ouvir   a   sílaba  ca,   por   exemplo,   selecionamos  várias   possibilidades:   carro,   caminho,casamento e muitas outras. Mas logo em seguida ouvimos a sílaba  as: pode ser casa, mas pode sercasamata,  casarão,   casamento...  Seguem­se  as   sílabas  men  e  depois  to,   e  as  possibilidades   já  vãoficando   menos   numerosas.   Ocorre   então   a   identificação   léxica:  casamento.   Mas   ainda   é   precisoconsultar os léxicons sintático e semântico, porque a palavra casamento pode significar a união entreduas pessoas (“c asamento de João com Maria” ), mas também uma coincidência de idéias (“ casamentode opiniões” ),  ou um processo físico (“ casamento de  impedâncias” ).  A decisão  levará  em conta aconstrução sintática (“ casamento de... com...” , que é diferente de “ casamento de...”) , mas mesmo assimresta saber se o significado presumido é coerente com o contexto.

O léxicon semântico, portanto, considera o contexto da frase. A palavra casamento seguida de“ opiniões”  significa algo bastante diferente da mesma palavra seguida de “i mpedâncias”.  Mas às vezesas   palavras   vizinhas   não   permitem   uma   conclusão.   A   frase   “e sta   rua   tem   muitos   bancos”   podesignificar que há muitos lugares para sentar ou muitos lugares para depositar dinheiro. A decisão finaldepende do contexto mais amplo, isto é, das frases anteriores e posteriores relacionadas a ela, e dotema geral em que a frase está inserida. Os psicolingüistas sabem que a interpretação preferida é a maissimples ou a mais provável. O que você  concluiria da frase “ o bandido atacou o policial com umaarma”?  Quem portava a arma: o bandido ou o policial?

Quais   são   as   regiões   neurais   envolvidas   nesses   diferentes   processos   de   compreensão   dalinguagem falada? Os neurolingüistas já têm uma idéia da localização das regiões, mas estão ainda

longe de entender os mecanismos neurobiológicos de operação do sistema. Um experimento muitoilustrativo a esse respeito foi realizado por uma equipe de pesquisadores franceses utilizando imagensfuncionais obtidas com PET. Foram selecionados voluntários de nacionalidade francesa, divididos emgrupos que ouviam diferentes trechos falados, enquanto tinham a sua atividade cerebral registrada pormeio  do   tomógrafo  (Figura  6).  Um grupo ouviu  uma história   falada  em tamil,  uma  língua hindudesconhecida para eles. Apenas as regiões auditivas em ambos os hemisférios, em torno de A1 no girotemporal superior, mostraram­se ativas (Figura 6A). Como a história em tamil não era reconhecidanem fonológica nem sintática nem semanticamente, pode­se supor que o cérebro a tenha tratado comoum estímulo auditivo não­lingüístico. Outro grupo ouviu uma lista aleatória de palavra em francês.Nesse caso, foi ativada a área de Broca no hemisfério esquerdo (Figura 6B), além do giro temporalsuperior. É possível sugerir, portanto, que o léxicon fonológico esteja situado nessa região do córtexfrontal lateral esquerdo. Um terceiro grupo escutou frases com pseudopalavras: frases do tipo de “acranilha voneja barlos”  , que parecem pertencer ao nosso idioma, mas na verdade não existem. A áreade Broca não foi ativada (Figura 6C), mas sim uma região situada no pólo anterior do giro temporalsuperior, bilateralmente: será que nela se situa o léxicon semântico, em ação de busca do impossívelsentido das pseudopalavras? A mesma região apareceu ativa também quando o estímulo era formadopor frases com palavras reais, mas significado irreal (Figura 6D), do tipo: “ essa mosca come sapatos” .Finalmente, uma história em francês com todo sentido era apresentada aos indivíduos, provocandoativação de outras regiões do hemisfério esquerdo, além das que tinham sido ativadas bilateralmentepelos outros estímulos: a área de Broca e os giros temporais médio e superior, incluindo a chamadaárea de Wernicke (Figura 6E). Os autores concluíram que as operações de compreensão integral dosignificado  de  uma  pequena  história   são   realizadas  mediante   algum   tipo  de   interação  entre   essasdiferentes regiões.

Nesse experimento, a grande extensão das regiões ativadas deve­se ao fato de o estímulo finalser  muito  complexo:  uma história.  Provavelmente as  diferentes  categorias  semânticas  presentes  nahistória são processadas por regiões ligeiramente distintas, como mencionamos anteriormente, já que oléxicon semântico consultado para a linguagem falada é o mesmo para a linguagem ouvida.

Figura 6

Os distúrbios da fala e da compreensão

Desde o passado remoto os médicos têm observado a ocorrência de distúrbios da fala e dacompreensão verbal em indivíduos que sofrem lesões do sistema nervoso. Como já vimos, um grandeavanço foi propiciado por Paul Broca no século XIX, ao descobrir em vários pacientes que a lesãocausadora desses distúrbios está situada no hemisfério esquerdo, ocupando uma região da face lateraldo lobo frontal. Broca chamou o distúrbio que descobriu de afemia, mas o termo que ficou consagradona literatura médica foi afasia, criado por Sigmund Freud (1856­1939).

Recebem o nome de afasia alguns dos distúrbios da linguagem falada. Estes são extremamentecomuns, causados por quase a metade dos acidentes vasculares cerebrais, pelo menos na fase aguda. Osneurologistas, entretanto, distinguem as afasias propriamente ditas de outros distúrbios que interferemcom a linguagem. Entendem como afasias os distúrbios da linguagem devidos a lesões nas regiõesrealmente envolvidas com o processamento lingüístico.  Outras alterações da linguagem, entretanto,podem derivar de lesões que atingem o sistema motor, o sistema atencional etc., coadjuvantes mas nãodeterminantes da linguagem. Neste caso, não são consideradas afasias. Por exemplo: um doente comparalisia do nervo facial pode apresentar distúrbios da fala porque não consegue mover adequadamenteos músculos da face. Ao contrário, os portadores de afasias podem perder a capacidade de falar semapresentar qualquer deficiência no funcionamento da musculatura facial.

As afasias primárias podem então ser classificadas de acordo com a natureza dos sintomasapresentados  pelos  pacientes,  e   correspondem  também à   região cerebral  atingida.  Quando  a  lesãoincide sobre a região lateral  inferior do lobo frontal esquerdo, o paciente apresenta uma  afasia deexpressão (ou afasia de Broca). Sem déficits motores propriamente ditos, torna­se incapaz de falar, ouapresenta   uma   fala   não­fluente,   restrita   a   poucas   sílabas   ou   palavras   curtas   sem   verbos   (falatelegráfica).  O  paciente   se   esforça  muito  para   encontrar   as   palavras,   sem   sucesso.  A   seguir,   umexemplo relatado pelo neurologista americano Henry Goodglass, obtido de um afásico que tenta contarao médico por que se encontra no hospital:

Ah... segunda­feira... ah... Papai e Paulo [o nome do paciente]...e Papai... hospital. Dois... ah... médicos..., e ah... meia hora... e sim...ah... hospital. E, ah... quarta­feira... nove horas. E, ah... quinta­feira àsdez horas... médicos. Dois médicos... e ah... dentes. É... ótimo.

Quando a  lesão atinge uma região cortical  posterior em torno da ponta do sulco lateral  deSylvius do lado esquerdo, o quadro é   inteiramente diferente, e o paciente apresente uma  afasia decompreensão  (ou  afasia   de  Wernicke).  Quando  um  interlocutor   lhe   fala,  o   indivíduo  não  parececompreender bem o que lhe é dito. Não só emite respostas verbais sem sentido, como também falha emindicar com gestos que possa ter compreendido o que lhe foi dito. Sua fala espontânea é fluente, masusa palavras e  frases desconexas porque não compreende o que ele próprio está  dizendo. Como aprosódia é compreendida, o paciente entra na conversa nos momentos certos porque percebe que ointerlocutor   pausou;   além   disso,   sabe   que   o   interlocutor   lhe   perguntou   algo   pela   modulaçãocaracterística da voz. Logo abaixo há um exemplo relatado por um outro neurologista, que perguntou auma afásica desse tipo qual o seu trabalho:

Queria lhe dizer que isso aconteceu quando aconteceu quando ele alugou.Seu... seu boné cai aqui e fica... ele alu alguma coisa. Aconteceu. Em teseos mais gelatinosos estavam com ele para alu... é amigo.. parece é. E acaboude acontecer, por isso não sei, ele não trouxe nada. E não pagou.

As áreas   atingidas  pelas   lesões   estudadas  por  Broca  e  Wernicke   receberam nomes  que  oshomenageiam (área de Broca, área de Wernicke), mas sua delimitação anatômica permaneceu vaga emvirtude da variabilidade das lesões, que dependem quase sempre dos territórios de irrigação sangüíneaatingidos em cada caso. Além disso, não é  precisa a correlação dessas áreas definidas por lesões esintomas  com os  critérios  citoarquitetônicos  dos  anatomistas.  Recentemente,   entretanto,   a  área  deBroca tem sido considerada restrita ao terço posterior do giro frontal inferior esquerdo, e a área deWernicke, ao terço posterior do giro temporal superior esquerdo, incluindo a parte oculta no assoalhodo sulco lateral de Sylvius (conhecida como plano temporal).

O estudo cuidadoso das afasias realizado ainda no século XIX por Wernicke levou­o a elaborarum modelo singelo de processamento neural da linguagem, e a prever a existência de outros tipos deafasias,  ainda  desconhecidas  na  ocasião e   relatadas  posteriormente.  Wernicke   raciocinou  que  se   aexpressão da fala é função da área de Broca, e se a compreensão é função da área que levou seu nome,então ambas devem estar conectadas para que os indivíduos possam compreender o que eles mesmosfalam e   responder   ao  que  os  outros   lhe   falam.  De  fato,  existem conexões   entre  essas  duas  áreaslingüísticas   através   de   um   feixe   de   fibras   imerso   na   substância   branca   cortical,   chamado   feixearqueado. Wernicke previu que a lesão desse feixe deveria provocar uma afasia de condução, na qualos pacientes seriam capazes de falar espontaneamente, embora cometessem erros de repetição e deresposta   a   comandos  verbais.  Os   afásicos  previstos   por  Wernicke   foram observados  muitos   anosdepois. O diálogo representado abaixo foi descrito por um neurologista sobre seu cliente, durante umteste de repetição. Obviamente, o doente compreendeu o que o neurologista disse, mas como não foicapaz de repetir, emitiu uma frase diferente de sentido equivalente.

Neurologista: O tanque de gasolina do carro vazou e sujou toda a estrada.Paciente: A rua ficou toda suja com o vazamento do tanque do carro.

O   modelo   neurolingüístico   de   Wernicke     considerava   que   a   área   de   Broca   conteria   osprogramas  motores   da   fala,   ou   seja,   as  memórias   dos  movimentos  necessários   para   expressar   osfonemas, compô­los em palavras e estas em frases. A área de Wernicke, pro outro lado, conteria asmemórias dos sons que compõem as palavras, possibilitando a compreensão. Bastaria que essa áreafosse conectada com a primeira para que o indivíduo pudesse associar a compreensão das palavrasouvidas com a sua própria fala. Esse modelo simples fez bastante sentido durante muitas décadas.Afinal, a área de Broca é adjacente à área pré­motora, em região bastante próxima da representaçãosomatotópica  da   face  em M1.  Desse  modo,   faz   todo  sentido   supor  que  ela   seja   responsável  pelaprogramação dos movimentos da fala. Igualmente, a área de Wernicke fica no giro temporal superior,vizinha às áreas auditivas A1 e A2, portanto em situação muito favorável para receber as informaçõesauditivas da linguagem.

Bibliografia

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