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A reprografia nas bibliotecas e o direito autoral * May Brooking Negrão *-1' A questão do direito do autor, senhor, como todas questões de prudência ci- vil, não é branca nem preta, mas cin- za.: com vantagens e desvantagens ... Lord Macaulay' r 1 ~ A questão da reprodução de documentos face ao crescente uso de máquinas copiadoras e o direito do autor vem sendo objeto de preocupação constante dos interessados, autores, comitês nacionais e internacionais para a proteção do direito dos autores e bibliotecas. O problema se acentua em países desenvolvidos e aqui se apresentam soluções. Para os países em desenvolvimento aconselha-se um equilíbrio entre as partes, tendo em vista a informação como fator de desenvolvimento e o direito do autor à proteção de sua criação. Origens do Problema o direito do autor nasceu da difu- são da reprodução de impressos, sendo um fruto da "Galáxia de Gutenberg". Entretanto, conforme citado por Beard, sua raiz pode ser encontrada na antiga lei judaica.vpor-esta causa, eis que venho contra esses profetas, diz o Senhor, que furtam minhas palavras cada um ao seu vizinho" (Jeremias, capo 23, verso 30)\ o que leva o autor citado a concluir que o direito do autor é mais um direito natural de proprieda- de que um privilégio concedido pelo Estado. Com seus dois componentes do. direito moral e do patrimoniaF, o direi- to do autor desenvolveu-se no século passado e- mais ainda no século atual, em relação à criação literária, devido à facilidade de copiar documentos, ofere- • Trabalho de pós-graduação apresentado ao Prof. Dr. Fábio de Matia, da disciplina Direito do Autor, em 1977. •• Bibliotecária Diretora do Departamento de Bibliotecas Públicas da Secretaria Munici- pal de Cultura de São Paulo. Pós-graduanda em Ciências da Comunicação da ECA/USP. R.bras. Biblioteeon. Doe. 11 (3/4): 199·209, jul/dez.1978 199

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Page 1: May Brooking Negrão r Lord Macaulay' - brapci.inf.br · nados, atingem grande número de indi-víduos, causando efeitos na sociedade e co ntribuindo para odesenv lvime t educativo,

A reprografia nas bibliotecase o direito autoral *

May Brooking Negrão *-1' A questão do direito do autor, senhor,como todas questões de prudência ci-vil, não é branca nem preta, mas cin-za.: com vantagens e desvantagens ...

Lord Macaulay'

r1~

A questão da reprodução dedocumentos face ao crescente uso demáquinas copiadoras e o direito doautor vem sendo objeto depreocupação constante dosinteressados, autores, comitêsnacionais e internacionais para aproteção do direito dos autores ebibliotecas. O problema se acentuaem países desenvolvidos e aqui seapresentam soluções. Para os paísesem desenvolvimento aconselha-se umequilíbrio entre as partes, tendo emvista a informação como fator dedesenvolvimento e o direito do autorà proteção de sua criação.

Origens do Problema

o direito do autor nasceu da difu-são da reprodução de impressos, sendoum fruto da "Galáxia de Gutenberg".Entretanto, conforme citado porBeard, sua raiz pode ser encontrada naantiga lei judaica.vpor-esta causa, eisque venho contra esses profetas, diz oSenhor, que furtam minhas palavrascada um ao seu vizinho" (Jeremias,capo 23, verso 30)\ o que leva o autorcitado a concluir que o direito do autoré mais um direito natural de proprieda-de que um privilégio concedido peloEstado.

Com seus dois componentes do.direito moral e do patrimoniaF, o direi-to do autor desenvolveu-se no séculopassado e- mais ainda no século atual,em relação à criação literária, devido àfacilidade de copiar documentos, ofere-

•Trabalho de pós-graduação apresentado aoProf. Dr. Fábio de Matia, da disciplinaDireito do Autor, em 1977.

•• Bibliotecária Diretora do Departamento deBibliotecas Públicas da Secretaria Munici-pal de Cultura de São Paulo. Pós-graduandaem Ciências da Comunicação da ECA/USP.

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cida pelas modernas máquinas repro-gráficas.

O termo "Reprografia" - repro-duzir o que está gravado - teve seuuso mais difundido a partir de 1961,como título de um periódico alemão; oprimeiro Congresso desta nova matériarealizou-se em Colonia, em 1963. Areprografia permite a economia detempo na reprodução de documentos,acelerando o processo informativo.Considera-se reprodução, neste traba-lho, a reprodução exata através dedocumento original impresso, por pro-cessos fotográficos (baseados na pelí-cula de acetato e sais de prata), helio-gráficos (diazotipia), térmicos (Ther-mopha) e eletrostáticos (xerografia eoutros).

Após o aparecimento de equipa-mentos econômicos, barateamento dacópia e divulgação das máquinas queutilizam processos eletrostáticos, a xe-rografia passou a ser largamente em-pregada nas bibliotecas para reprodu-ção de material bibliográfico, tendocomo vantagens imediatas a diminui-ção da mutilação de livros e a possibili-dade de se substituir exemplares dete-riorados de obras esgotadas ou que sósão encontradas a preços exorbitantes.Na verdade, não só em relação ao'aspecto da conservação de obras, apre-senta vantagens, mas também em rela-ção à disseminação da informação.Esta função básica, em relação ao direi-to do autor, traz um problema aobibliotecário: respeitar os direitos docriador da obra literária face à legisla-ção internacional e nacional quando,ao mesmo tempo, deve atender aosinteresses dos usuários de bibliotecas,obedecendo à uma das leis básicas dabiblioteconomia: "poupe o tempo do

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leitor". A utilização de processos re-prográficos poupa o tempo que o leitorlevaria para copiar um texto à mão,que é um direito reconhecido no Brasildesde 1917.3

Uma das funções da biblioteca edo bibliotecário é tornar disponível oconhecimento acumulado da humani-dade para o público, seja através delivros ou de outros suportes do mate-rial gráfico (discos, fitas, vídeo fitas,etc.). O conhecimento e suas expres-sões são produzidos (livros, artigos,etc.) e, se conhecidos, ou seja, dissemi-nados, atingem grande número de indi-víduos, causando efeitos na sociedade econtribuindo para o desenvolvimentoeducativo, cultural, social e econômicodos países.'

A biblioteca colabora com o cria-dor da obra, tornando-a conhecidaatravés de sua divulgação e de seu uso.Novas idéias serão produzidas, princi-palmente se a obra for utilizada porestudiosos e pesquisadores. Estes, porsua vez, elaborarão novos produtosdeste conhecimento acumulado, comcrédito para os criadores das obrasgeradoras das novas idéias, como ob-serva Edmond Jabés "O livro multipli-ca o livro". Seria o caso de considerar-mos se o interesse coletivo pelo uso deuma obra imporia limitações ao direitodo autor.

Outro ponto a se considerar é queo público, na maior parte das vezes,necessita de parte de uma obra, de umainformação específica nela contida e oque se copia normalmente, em bibliote-cas, é a forma onde as idéias do autorestão expressas. Não é, portanto, justoque se copie, numa biblioteca, parte deuma obra para um leitor quando estenão precisa da obra total que geral-

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mente tem um custo elevado.? O leitorpode então sentir-se estimulado pelaleitura da cópia desta parte da obra eserá por ela induzido à compra. Quasenunca se reproduz um obra completa,pois, o custo total de sua reproduçãoreprográfica é maior que o custo de suaaquisição.

Outro fator que afeta o serviço deuma biblioteca é a impossibilidade deconservar todo o conhecimento acu-mulado, todo o universo bibliográfico- 50 milhões de títulos já impressosmais a impressão anual de 100 milhõesde páginas. Para sanar a impossibilida-de de se ter tudo, o bibliotecário vemadotando a aquisição planificada, pelaqual cada biblioteca de um sistemaadquire determinadas obras e, atravésdo empréstimo inter-bibliotecário, ousuário das bibliotecas deste sistematem acesso a todas obras adquiridaspelo mesmo. Essa cooperação inter-bibliotecas ocasionou dois dos maisimportantes casos jurídicos em relaçãoà reprografia em bibliotecas e o direitodo autor, na França e Estados Unidos,que exporemos oportunamente. Noscasos mencionados, as bibliotecassubstituiam o empréstimo da publica- ....ção periódica pela remessa de cópias Organismos mternacronaisdos artigos solicitados. Na segunda metade do século XIX

Nos países em desenvolvimento, a vários países se reuniram para adotarcerteza do bibliotecário é de que, co- medidas visando à proteção das obrasmunicando, disseminando, promoven- literárias e artísticas dos autores, sur-do e incrementando o uso da informa- gindo a União Internacional para ação, servirá ao bem comum, à cultura e Proteção de Obras Literárias e Artísti-ao progresso. Sua incerteza é quanto ao cas, - dirigida po~ um Secretariado,--problema que a legislação sobre o e que ajustou uma Convenção conheci-direito do autor traz ao impor limita- da como de Berna, em 1886, e que vemções à divulgação das informações con- sofrendo várias revisões, realizando-setidas rias obras através da reprografia, a última reunião em Paris, 1971.quando se considera o custo elevado Com a resistência de alguns paísesdas publicações, o baixo poder aquisi- aos princípios adotados pela Conven-R.bras.Bibliotecon. Doc. 11(3/4): 199-209, jul/dez.1978

tivo da população e sua necessidade deinformação. O interesse dos países emdesenvolvimento, em relação à publica-ção e disseminação de obras, está ex-presso no anexo à Revisão de Paris(1971) da Convenção de Berna.

Em resumo, o bibliotecário temcomo problema em relação à obra e aopúblico: a conservação, a utilizaçãoparcial das obras, o custo elevado dasmesmas, a quantidade de material im-presso desde o advento da imprensa, ointeresse coletivo e o progresso e desen-volvimento da humanidade. Para servirao usuário, adota como soluções: aaquisição planificada, o empréstimointer-bibliotecas e a reprografia. Aomesmo tempo, quanto ao autor: divul-ga sua obra, estimula a leitura, induz àcompra e respeita seus direitos morais epatrimoniais. Às vezes, o interesse pú-blico e o direito do autor são conflitan-tes, apresentando problemas que têmsido largamente estudados por organis-mos internacionais, abordados e solu-cionados em países desenvolvidos,principalmente em relação a reprogra-fia e a respeito da qual tentaremos daruma visão genérica.

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o relatório da reunião foi publica-do na Revue du Droit d' Auteur e areunião foi objeto de vários artigos daimprensa especializada, mas não pro-duziu resoluções concretas pois che-gou-se a conclusão de que, como oproblema não se apresentava da mes-ma maneira em todos os países, não sepodia falar de uma solução a nívelinternacional, cabendo a cada país re-solver o seu problema, adotando medi-das que respeitando ambas Conven-ções, estabelecessem o que melhor seadaptasse ao seu desenvolvimentosócio-cultural.

Recomendou-se aos países, onde ouso de processos reprográficos é gene-ralizado, que incrementassem o estabe-lecimento de mecanismos coletivos pa-ra exercer e administrar o direito àremuneração. Vários países já empre-gam sistemas de coleta de taxas sobreas cópias efetuadas. Descreveremosoportunamente alguns sistemas ado-rados.

ção de Berna, a Unesco propôs outraconvenção conhecida como Universalpara a Proteção do Direito do Autor,ou Convenção de Genebra, realizadaem 1952, que é administrada por umaComissão Inter-Governamental, comsede na Unesco, em Paris.

Os subo comitês do "Comitê Inter-Governamental do Direito do Autor" edo "Comitê Executivo da União deBerna" realizaram reunião conjuntasobre a reprodução reprográfica deobras protegidas pelo direito do autor,em junho de 1975, na cidade de Wa-shington, com representantes de 26países membros das duas convenções ede sete associações não governamen-tais, para tratar do problema que jáhavia sido objeto de reunião do Grupode Trabalho sobre reprodução repro-gráfica de obras protegidas pelo direitodo autor, realizada em 1971, em Paris,sob os auspícios da UNESCO e daOMPI (Organização Mundial de Pro-priedade Intelectual).

Após várias declarações de carátergeral relativas à situação em cada umdos países representados, os partici-pantes examinaram, descrevendo tam-bém o que ocorre nos diversos países,os seguintes pontos:1. Métodos de remuneração e de regu-

lamentação: sistemas contratuais,sistemas legais, compensação sobre omaterial.

2. Utilizadores da Reprografia: entida-des sem fins lucrativos (bibliotecas,arquivos, centros de documentação,instituições públicas de pesquisacientífica), estabelecimentos escola-res; empresas comerciais; escritóriosde administração pública.

3. Problemas especiais dos países emdesenvolvimento.

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Países an~lo-saxõesNestes países, o direito do autor é

conhecido como "copyrighr", ou seja,o direito de cópia, nascido no séculoXVI, na Inglaterra, com a criação doSrarioner's Company, cujos membrostinham direito de "cop" (copiar e, aomesmo tempo, coloquialmente, poli-ciar) suas obras. O Estatuto da RainhaAna, 1709, estabeleceu o direito auto-ral no conceito de que o Estado defineos incentivos que serão dados paracriar e publicar obras.

Uma das características peculiaresa lei de copyright nos países anglo-saxões é doutrina do [air use, uso .ealou justo, a qual foi dada reconhecimen-to estatuário nos Estados Unidos, pela

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A reprografia nas bibliotecas e o direito autoral

nova lei de direito autoral, a PL 94- do autor, reprografia e bibliotecas. An-553/77, em substituição à lei de 1906. tes de abordá-Io, descreveremos a ,i-A doutrina do uso leal, já havia, ante- tu ação em relação a estes três fatores,riormente, sido incorporada à lei britâ- nos Estados Unidos.nica. Em 1935, houve um acordo em

Esta doutrina influencia sobrem a- relação à reprografia entre o Jointneira a legislação sobre reprografia Committee on Materiais for Research eface ao direito do autor. O uso leal é a National Association of Book Publi-uma limitação criada judicialmente aos shers pelo qual era permitido, nas hi-direitos exclusivos do autor; é o privilé- bliorecas, a fotocópia de parte de obrasgio que pessoas, não titulares do direito para fins de pesquisa, embora fossedo autor, têm de usar a obra de manei- proibida a cópia quando sua extensãora razoável, sem o consentimento do subsriruisse a compra da obra. Essetitular do direito. 'acordo, chamado "Genrlemen's Agree-

As bases do uso leal, nos Estados menr", foi a base do "Código de Re-Unidos, estão num parecer do procura- prografia" adotado em 1940 pelador geral Story, em 1841, sobre o caso American Library Association (Asso-Folson e Marsh, referente à inclusão de ciação de Bibliotecas Americanas) e das328 páginas de cartas de George Wa- recomendações, em 1961, do Joint Li-shington regisrradas no Copyright Of- brary Committee on Fair Use of Photo-fice, num livro de 836 páginas:"quan- copying que aconselhava a adoção pe-do se decide questões desta matéria, Ias bibliotecas da política de preenchi-deve-se considerar a natureza e os mento de um formulário para cadaobjetivos das seleções feitas, a quanti- cópia única efetuada de uma obra oudade e o valor dos materiais seleciona- pane dela. O acordo de 1940 foi umdos e o grau em que seu uso prejudica- exemplo do que pode ser realizado porrá a venda, diminuirá os lucros ou partes Interessadas, sem necessidade deanulará os objetivos do trabalho orr- ,,,Iuçães ou conflitos legais quanto aoginal". problema estudado, e que se repetiu em

Cohen, citado por Beard, conside- 1973, na Suécia.rou oito fatores que podem individual- Tal não aconteceu, em 1968,mente determinar se o uso é leal: tipo quando Williams and Wilkins, editorade uso envolvido, a intenção com que de revistas e livros médicos, processoufoi feito, -eu efeito na obra original, a , o governo americano pelo fato de seusquantidade de trabalho desenvolvido órgãos oficiais National lnstitutes ofpor quem usou, o benefício que obteve, Health e National Library of Medicinea natureza do trabalho, a quantidade terem infringido a lei do direito dode material usado e seu valor relativo.' autor, fornecendo regularmente uma

A dourrina do uso leal foi, talvez, LÍnica cópia de artigos de periódicos() motivo que levou a Suprema Corte aos pesquisadores, cientistas e intelec-.-'\mericana, em 1975, a não tomar ruais que solicitassem artigos de seusposição oficial no caso Williams and interesses, em vez de emprestarem aWilkins, um dos mais conhecidos da obra em si. Essa política da Nationalliteratura jurídica em relação ao direito Library of Medicine de fornecer a có-R.bras, Bibliotecon. Doe. 11 (3/4): 199·209, jul/dez.1978

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bem flexível, o que a seu ver, emboradificulte sua interpretação, deixa mar-gem ao uso do bom senso e imagina-ção", Talvez seja este o motivo damesma ser ainda objeto de tantos arti-gos nas revistas de biblioteconomia.Várias bibliotecas americanas têm re-gulamentado internamente os serviçosreprográficos, tendo a American Libra-ry Association publicado um guia dalei. O escritório de registro de proprie-dade intelectual é o Copyright Office,órgão da biblioteca ao Congresso Ame-ricano que publica regularmente circu-lares sobre o direito do autor, sendoque R 21 reúne o texto, e as discussõessobre as mesmas, realizadas no Con-gresso e nas reuniões do CONTU 5.

pia e não emprestar o fascículo, de umarevista, justifica-se pelo fato de que aobra deve estar sempre em disponibili-dade na biblioteca para atender ime-diatamente a todos os pedidos chega-dos e pela necessidade da preservaçãoda mais completa coleção de periódicosbiomédicos nos Estados Unidos quenão pode expor a extravios ou perdaseventuais, as obras colecionadas.

De um caso entre uma editora e ogoverno, o caso passou a ser encarado,como entre Editores vs. Bibliotecas,com imensas discussões e amplos deba-tes entre associações de classes, chegan-do, após decisão favorável às bibliote-cas pela U.S. Court of Claims, até aCorte Suprema. O caso foi concluídoem 25 de fevereiro de 1975, com umempate de 4 a 4, a abstenção do JuizBlackmun, e a sentença final: "O julga-mento é confirmado por uma corteigualmente dividida" (The judgementis affirmed by an equally dividedcourt). Assim, a Suprema Corte Ameri-cana não tomou posição oficial, nemexpressou uma opinião que esclareces-se o problema, privando o caso dequalquer valor precedente em questõesque viessem a ocorrer no futuro.

Entretanto, foi estabelecida, em1977, a nova lei de direitos autorais,após vários anos de estudos, autoriza-dos em 1965 pelo Congresso america-no, e que entrou em vigor em 10 dejaneiro de 1978. Editores e bibliotecá-rios tiveram participação ativa na ela-boração da lei que utilizou recomenda-ções da "United States National Com-mission on New Technological Uses ofCopyrighted Works", que publicou em1978, o relatório final de seus traba-lhos. (CONTU) 4

A nova lei, segundo

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A nova lei dedica sua Seção 107 aouso leal da Reprodução e a Seção 108autoriza alguns tipos de reprodução embibliotecas e arquivos, para fins deestudo, pesquisa, intercâmbio inter-bibliotecas e preservação, permitindo areprodução de uma única cópia, sempagamento de direitos, mas requerendouma taxa para reprodução sistemática.O conceito de cópia única de ummesmo material, em ocasiões diferen-tes, tem como contrapartida o de re-produção sistemática de uma mesmaobra, o que é proibido, como porexemplo, uma assinatura de periódicopara uma biblioteca central, com areprodução sistemática de artigos derevista para os usuários de uma ramal.Os trabalhos de cooperação inter-bibliotecas foram considerados assiste-máticos, a menos que o número decópias feitas substitua a compra de umlivro ou a assinatura de um periódico.A Seção trata não só de reprodução de

FLACKS6 é material bibliográfico, como tambémR.bras.Bibliotecon.Doc. 11 (3/4): 199-209. jul/dez.1978

'rA reprografia nas bibliotecas e o direito autoral

de microformas, video tapes, registrossonoros ..

Os bibliotecários e "infratoresinocentes" nâo terão de pagar pordanos estarurórios. A lei especifica umprazo de cinco anos para que seja feitoum relatório baseado na opinião deeditores, amores e representantes deusuários de bibliotecas e de bibliotecá-rios, para demonstrar se a Seção 108,conseguiu manter um equilíbrio entre odireito dos criadores de uma obra e anecessidade dos usuários.

A Austrália publicou, em dezem-bro de 1976, um relatório da Comissãodo Direito do autor sobre a Reprodu-ção reprográfica, baseada nas seguintespremissas: em primeiro lugar, se a leiassegura aos titulares do direito doautor, direitos sobre suas obras, impõe-Ihes a obrigação de satisfazer as exigên-cias do público quanto as mesmas; emsegundo lugar, se as cópias foram feitasem pequenas quantidades, quando nãoé economicamente possível cobrar umaremuneração pela cópia, o ato de re-produção não é considerado infração " Países da Europaao direito do autor". Continental

A Comissão ouviu vários repre- Os países altamente desenvolvidossenranres de titulares do direito do da Europa adotam sistemas de controleautor, de bibliotecas e de estabeleci- sobre as cópias fornecidas nas bibliore-mentos de ensino que concordaram caso Não abordaremos aqui em profun-que a livre circulação da informação didade esses processos porque nos pa-para fins de ensino e pesquisa tem um rece que para os países em desenvolvi-caráter de interesse público considerá- rnenro como é o nosso caso é prioritá-vel e os interesses de cada titular do ria a livre circulação de informação,direito autoral deveriam ser encarados tendo em vista, sua necessidade parasob este ponto de vista. fins de desenvolvimento. A tolerância,

O Comitê considerou também a no momento atual, existente nos paísesdoutrina do uso leal encarando como anglo-saxões, através do uso leal, seriatal, a cópia de um único artigo de uma m a is aplicável à América Latina ePublicação periódica e a cópia de um Africa.capítulo ou 10% do número total de Entretanto, citaremos as soluçõespáginas de uma monografia. adotadas na Suécia e Holanda e emR.bras.Bibliotecon. Doe. 11 (3/4): 199-209. jul/dez.1978

O empréstimo inr er-bibliotecastambém foi objeto de estudos da Co-missão que concluiu que é permitido àsbibliotecas copiarem uma obra inteirapara uma outra biblioteca ou para umusuário, para fins de estudo e pesquisa,se o bibliotecário honestamente confir-mar que é impossível a obtenção de umexemplar novo da obra sem grandedemora, ou a um preço médio domercado. Pelo mesmo motivo, a biblio-teca pode copiar obra mutilada, dete-riorada, perdida ou roubada. Se nãohouver microforma à venda de umaobra, a biblioteca pode microfilmá-Iapara fins de economia do espaço, setenciona destruir o original.

Os países anglo-saxões,de manei-ra geral, adotando o princípio do usoleal, contrabalançam de modo justo ointeresse público e o interesse dos titu-lares do direito autoral, permitindo alivre circulação da informação dentrode limites que não prejudiquem o direi-to patrimonial dos autores.

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detalhes, outro célebre processo contra o uso comprovado do copista. O artigoa instituição oficial, o Centro Nacional implica em três condições que permi-de La Recherche Scientifique (CNRS), tem a reprodução sem ferir o direito dona França. autor: a) cópias ou reprodução mate-

Na Suécia houve um acordo entre rial de obras, b) que deve ser efetuadao Governo e 17 instituições e não uma pela pessoa que a utilizará, c) que develei de direito autoral. O acordo refere- ser utilizada estritamente para uso pri-se principalmente ao uso da reprodu- vado do copista e não deve ser destina-ção para fins escolares tendo o Estado da a uso coletivo. Estes três pontos 1'1que pagar periodicamente uma taxa ao foram objeto da acusação de violaçãoconsórcio das 17 instituiçãoes signatá- da lei feita ao CNRS.rias do acordo e que é conhecido por O primeiro ponto refere-se ao di-BONUS'. reito à cópia à mão ou à reprodução

Na Holanda, a legislação do direi- . instantânea do original por proccsso-,to do autor de 1974 permite a reprodu- mecânicos. A acusação era de que ação departe de livros, folhetos e parti- copia à mão difere da fotocópia, porturas musicais, e a reprodução, na ser esta integral e original prestando ostotalidade, de revistas e jornais para mesmos serviços que o original; e ,5en-uso privado. Os serviços públicos e do tecnicamente semelhante a uma im-instituições públicas pagam uma taxa pressão, deve ser considerada comopor página copiada, de U.S. $0,04 e de documento impresso, substituindo aU.S.$0.01 para fins educacionais. É própria obra. O Tribunal consideroupermitido a reprodução para emprésti- que os termos "cópia" e "reprodução"mo inter-bibliotecas de uma rede de cobrem todos os métodos modernos debibliotecas, porém com o recolhimento reprodução não tendo diferença a có-de U.S.$0.04 por página copiada, pela pia à mão e a duplicação instantânea cbiblioteca fonte do empréstimo'. perfeita do original por processos mo-

Caso semelhante ao Williams Wil- demos.kins aconteceu na França, quando um Quanto ao segundo ponto, o Tri-editor e alguns autores de artigos cien- bunal rejeitou a acusação, julgandotíficos atacaram o Centre Nationale que a qualidade de copist a, sob odes Recherches Scientifiques (CNRS), critério de "intervenção intelectual".por fornecer cópias de artigos de revis- fora atribuida ao usuário do CNRS.tas de sua coleção, sem controle sobre O terceiro ponto - uso privado c:o destinatário e sobre o número de não coletivo das reproduções - possi-cópias feitas, e do qual resultou uma bilirou ganho de causa aos acusadoresdas primeiras decisões judiciárias sobre do CNRS. Este, autorizado por suao problema, pelo Tribunal de' Grande legislação a realizar, promover e incre-Instância de Paris, em 28 de novembro menrar pesquisas científicas, entregade 197411• fotocópias de suas coleções de periódi-

O Artigo 41.2 da lei francesa de cos. a qualquer pessoa que tenha adireito autoral declara que, após divul- qualidade de pesquisador, seja um par-gação da obra, o autor não pode proi- ticular, uma administração pública oubir cópia, reservada estritamente para diretor de uma empresa. O Tribunal

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A reprografia nas bibliotecas e o direito autoral

observou que, além da pesquisa poderser coletiva, o círculo de pessoas aoqual o CNRS fornece cópia é relativa- AI' 1 - b '1'. . egls açao raSI eIramente extenso, em conflito com a prOi-bição de uso coletivo. O CNRS foi O direito de cópia à mão, de umarepreendido pelos juizes, por fornecer obra qualquer, não destinada à venda,cópias a indivíduos sem exigir provas é reconhecida pelo Código Civil Brasi-de sua capacidade como pesquisador e leiro de 1917, no art. 666, ítem VI.foi também acusado de distribuição A recente lei de direito do autor,incontrolada, o que equivale a uma 5988, de 1973, no seu art. 4°, IV,disseminação pública de reproduções define "reprodução" como cópia dede obras protegidas, em sua possessão, obra literária científica ou artística e nosem autorização dos titulares do direito item II do seu artigo 49 estabelece quedo autor. não considera ofensa aos direitos do

Schimidt» critica a decisão do Tri- autor a "reprodução em um só exern-bunal, por ter este se utilizado de um p~ar, de q~alq~er ??ra,_ contan~o q.uecritério baseado na qualidade do pes- nao se ~:stl~e a utilização com mtuitoquisador; considera que o Tribunal de de lucro ,nao ~ra~ando do~ ~roblemasGrande Instância criou uma nova exce- atuais em relaçao a obra gráfica, advin-ção ao' direito de reprodução _ a cópia dos do u.so da reprografia, embora nospara fins de pesquisa científica _ e seus artigos 29 a .30 esta?~leç: quepressupõe que os autores que hoje se cab.e _ao autor autorizar a .utllIzaçao ousacrificam pela ciência, amanhã podem fruição da obra por terceIros..; n~ to?Ose sacrificar pelo ensino e cultura. 11 ou e~, p~rte. Com a expressao assimNão nos cabe aqui criticar a legislação, co.rr:o _sao en~merados, _as formas ~emas o autor do artigo, por sua visão utllIzaça~: ed!çao, tra?u?ao, adaptaçaoimediatista da matéria tão diferente da e comurucaçao ao público.',solução australiana, como também por O Brasil, sendo signatário das

. sua solução para o problema - o Convenções de Berna e Genebra, acatasistema de contratos coletivos em que duas disposições importantes relativasas instituições que se utilizam de pro- à permissão de reprodução ou cópia:cessos reprográficos para copiar obras de notícias do dia, ocorrências comde suas coleções pagariam uma cota a caráter de simples informação de irn-um órgão central representativo de prensa (artigo 2°, ítem 8), e em casoseditores e autores em troca da autoriza- especiais, quando a reprodução nãoção de reproduzir fotocópia ou micro- afeta a "exploração normal da obrafilme. nem cause prejuizo injustificado aos

Na Bibliothêque Publique d'Infor- interesses legítimos do autor" (artigomation do Centres Georges Pompidou, 9°).em Paris, as máquinas copiadoras de Entretanto, não foram tratados namaterial bibliográfico e de dispositivos Lei os problemas trazidos pela repro-tem no visor, onde é colocada a obra a grafia em relação ao direito autoral e aser reproduzida, um risco transversal obra gráfica, apesar de já em 1973que faz com que todas cópias saiam haver uma grande difusão do uso deR.bras, Biblioteeon. Doe. 11 (3/4): 199-209, jul/dez.1978

raiadas, como medida de proteção aodireito do autor.

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Page 6: May Brooking Negrão r Lord Macaulay' - brapci.inf.br · nados, atingem grande número de indi-víduos, causando efeitos na sociedade e co ntribuindo para odesenv lvime t educativo,

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máquinas copiadoras. Se o problema problema de reprodução reprográficanão foi abordado especialmente em . deve ser resolvido a nível nacional,relação à biblioteca como o foi na respeitadas as condições únicas de cadarecente Lei Americana, é porque a país: tamanho, complexidade de orga-cópia única em bibliotecas, de parte da nização política, sistemas de informa-obra - o que acontece mais frequente- ção e sistemas educaionais, condiçõesmente, e sua utilização para fins educa- sócio-econômicas, controle governa-cionais, culturais e educarivos, por um mental do direito do autor ou controleúnico indivíduo, sem visar lucros, não provado do mesmo, homogeneidade devinha prejudicando os interesses dos língua e outros. O problema de centro-titulares do direito do autor. Pelos le é maior em países tecnologicamenteartigos 116-117 da Lei, entende-se que avançados, corri grande utilização decaberá ao Conselho Nacional de Direi- máquinas copiadoras, inclusive comto Autoral, dentro das atribuições pre- sistema de auto-serviço.vistas pelos referidos artigos, esclarecer 2. Nos países em desenvolvimen-os casos omissos da lei, inclusive os to, o direito do autor está sendo estu-relativos aos processos reprográficos dado tendo em vista o direito à infor-face ao direito do autor. mação com fins de desenvolvimento,

Conclusão ou seja, o uso da reprodução tendo emPara a elaboração do trabalho vista o ilÜere?Se coletivo, procurando-

foram' consultadas algumas revistas es- se um' e~UllIbno entre o direito. depecializadas em direito autoral e tarn- informação da sociedade e os direitosbém artigos citados nos índices das dos titulares do _direito autoral.revistas especializadas em biblioteco- _3. A. expl.osa,o ?OS meios de. repr,?-nomia e ciência da Informação. As duçao fOI mais rápida que a legislaçãorevistas americanas como Library do direito do autor._ .,. ,[ournal, Wilson Library Bulletin, Spe- . 4. A publicação penodlca. estacial Libraries traziam inúmeros artigos mal; ameaçada que ~ monogra!la: Asobre o caso Williams and Wilkins indústria de publicação de periódicoscontra National Library of Medicine e especializados é mais vuln.eráv_el a~ssobre a polêmica estabelecida entre problemas advindos da utlhzaça~ naoeditores e bibliotecários quanto às mi- remunera?a do .que a e.dltoraçao denuras da nova lei de copyright e os livros, pOIS a revista especializada, paratrabalhos de CONTU relativos à repro- so~revlver, depende de assma.turas e dedução reprográfica e bibliotecas. E in- anúncios sendo portanto mais afetadateressante notar como o mesmo assun- pela falta de circulação (Os casos dato direito autoral é tratado sob pontos National Library of Medicine, e dode vistas diferentes nas revistas especia- CNRS foram provocados pela copia delizadas em direito autoral e em biblio- revistas especializadas).teconomia. Iniciamos o trabalho com uma

Conclui mos então pela consulta à citação de Macaulay em que a questãobibliografia que: é considerada cinza, trazendo vanra-

1. A tendência das convenções gens e desvantagens para as partesinternacionais é de considerar que o interessadas, no caso o usuário de

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A reprografia nas bibliotecas e o direito autoral

bibliotecas, escritores e editores prote-gidos pela legislação do direito autoral.

Havendo compreensão entre aspartes, para evitar polêmicas que só asprejudicam, pode-se chegar a um equi-líbrio entre os direitos do criador e asnecessidades de reprodução de suasobras. A proteção para encorajar acriatividade intelectual, incrementa a

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i BEARD, Joseph, J. The copyright issue.Annal. Reuieui of lnformation, Scienceand Technology, New York, 9: 381-411, 1974.

2 BENJAMIN, Curtis J. Regulation ofphorocopy: a world wide quandary.Libray Journal, New York, 100 (15):481-3, sep. 1, 1975.

3 BRASIL.Leis, decretos, etc. Consolidaçãodas leis sobre direitos autorais. Rio deJaneiro, Auriverde, 1976.

4 COMMISSION on New Technologicaluses of copyrighted works. Wilson Li-brary Bul/etin, New York, 51 (3): 215,nov., 1976.

5 ESTADOS UNIDOS. LIBRARY OFCONCGRESS COPYRIGHT OFFI-CE. R eproduction of copyrightedworksby educators and librarians.Circular R 21, 1978. .

6 FLACKS, Lewis I. Living in the gap ofambiguity: an attorney's advice to li-brarians on the copyright Law. Ameri-can Libraries, Chicago, 8 (5): 252-7,May 1977.

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produção literária e conseqüentementeaumenta a quantidade de informação aser disseminada.

A informação é uma necessidadeespecífica do usuário de bibliotecas,que pode ser imediatamente atendidopela reprografia do material onde estácontida a informação.

7 MATIIA, Fábio Maria de. O autor e oeditor na obra gráfica: direitos e deve-res. São Paulo, Saraiva, 1975.

8 MCQUEEN, David. Copyright. Canda-dian Libray Journal, Ottawa, 32 (6):433-49, 1975.

9 PEARCE, D.e. Rapport de Ia ComissionAustralienne du droit d'auteur sur Iareproduction reprographique. Le droitd'Auteur, 90 (4): 96-100, 1977.

10 PHILLIPS, Jeremy. Copyright: towardsa positive approach. Réuue Internatio-nal du Droit d'Auteur, 82: 51-6,1974.

11 SCHMIDT, André. The case law appli-cation of the law of 11 March 1975.Révue lnternational du Droi d'Auteur,85: 2-15, 1975.

12 SOUS COMITÉ du Comité Inrergou-vernnemental du droit d'auteur sur Iareproduction reprographique d'oeu-vres protégées=par le droit d'auteur.Rapport. Bul/etin du Droit d'Auteur,9: 2/3, 17-49, 1975.

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