max weber [m. pollak]

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Fazer política ao fazer ciência Os anos anteriores à depressão nervosa de Max Weber, em 1897, são mar- cados pelo esforço científico e político, concomitante à estabilidade de sua situação profissional e familiar. A nomeação para a Universidade tor- na-o, definitivamente, independente da casa paterna. Em princípio, essa independência financeira deveria resolver o problema do qual se queixa- ra durante a década de 1880 nas cartas enviadas à prima Emmy Baum- garten: a necessidade de aceitar uma sobrecarga de trabalho em áreas profissionais diversas a fim de chegar à independência material o mais rápido possível. Um alto senso do dever parece determinar sua vida. O que Max Weber vai analisar com assombro em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo é também a desfiguração de sua própria pessoa por essa ética, ou seja, ser conduzido pelo senso do dever, oposto à ten- dência natural à preguiça e ao ócio. No plano pessoal, mesmo seu casamento com Marianne Schnitger não escapa a um ato de dever; ou melhor, Weber está tão impregnado do sentimento de honra, de devotamento e de dever, que dá ao casamento esse aspecto. Enquanto não consegue a independência financeira, não ousa pedir Marianne em casamento. Afinal, é constrangido a isso no momento em que um de seus amigos a pede em casamento. Max Weber cerca seu pedido de várias condições, entre as quais a de um prazo sufi- cientemente longo para que ele atinja a autonomia financeira antes da realização das núpcias. Para que não pesasse sobre essa relação nenhu- ma sombra de deveres e obrigações passadas, ele exige que sua prima Emmy, que alimentara esperanças de se casar com ele um dia, compreen- da e consinta no casamento, assim como sua mãe e sua tia. Insiste, ainda, para que seu amigo-concorrente renuncie voluntariamente ao projeto de casar-se com Marianne (Mitzman 1970:86). MAX WEBER: ELEMENTOS PARA UMA BIOGRAFIA SOCIOINTELECTUAL (PARTE II) Michael Pollak* MANA 2(2):85-113, 1996

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  • Fazer poltica ao fazer cincia

    Os anos anteriores depresso nervosa de Max Weber, em 1897, so mar-cados pelo esforo cientfico e poltico, concomitante estabilidade desua situao profissional e familiar. A nomeao para a Universidade tor-na-o, definitivamente, independente da casa paterna. Em princpio, essaindependncia financeira deveria resolver o problema do qual se queixa-ra durante a dcada de 1880 nas cartas enviadas prima Emmy Baum-garten: a necessidade de aceitar uma sobrecarga de trabalho em reasprofissionais diversas a fim de chegar independncia material o maisrpido possvel. Um alto senso do dever parece determinar sua vida. Oque Max Weber vai analisar com assombro em A tica Protestante e oEsprito do Capitalismo tambm a desfigurao de sua prpria pessoapor essa tica, ou seja, ser conduzido pelo senso do dever, oposto ten-dncia natural preguia e ao cio.

    No plano pessoal, mesmo seu casamento com Marianne Schnitgerno escapa a um ato de dever; ou melhor, Weber est to impregnado dosentimento de honra, de devotamento e de dever, que d ao casamentoesse aspecto. Enquanto no consegue a independncia financeira, noousa pedir Marianne em casamento. Afinal, constrangido a isso nomomento em que um de seus amigos a pede em casamento. Max Webercerca seu pedido de vrias condies, entre as quais a de um prazo sufi-cientemente longo para que ele atinja a autonomia financeira antes darealizao das npcias. Para que no pesasse sobre essa relao nenhu-ma sombra de deveres e obrigaes passadas, ele exige que sua primaEmmy, que alimentara esperanas de se casar com ele um dia, compreen-da e consinta no casamento, assim como sua me e sua tia. Insiste, ainda,para que seu amigo-concorrente renuncie voluntariamente ao projeto decasar-se com Marianne (Mitzman 1970:86).

    MAX WEBER: ELEMENTOS PARA UMA BIOGRAFIA

    SOCIOINTELECTUAL (PARTE II)

    Michael Pollak*

    MANA 2(2):85-113, 1996

  • Quando comea a lecionar, no abandona, porm, as atividades pol-ticas. Ao contrrio, a impresso que Weber, incapaz de reduzir suas obri-gaes, aumenta as atividades em todos os mbitos a fim de criar situa-es de ruptura. assim que se pode interpretar sua ao nos crculos deGhres e de Naumann, organizadores da Associao Social-Protestante(Evangelisch-sozialer Verein). Com a ajuda deles, Weber havia organiza-do uma enqute suplementar para se opor empiricamente s crticas quelhe haviam sido feitas. As atividades desse crculo fazem parte das mlti-plas tentativas de reorganizao poltica da burguesia alem depois que ochanceler Bismarck foi demitido, em 1890, pelo novo imperador Guilher-me II. A importncia dos aspectos polticos descortinados por Max Weberem sua pesquisa por si s bastariam para explicar sua adeso. De fato, en-tre 1892 e 1897, Weber tornou-se uma espcie de crtico dos perigos trazi-dos pela colonizao interna: participa dos congressos anuais da Asso-ciao Social-Protestante, adere Associao Pangermnica (Alldeuts-cher Verband), que deixar em 1899, e escreve para a imprensa social-crist e liberal sobre diversos problemas da atualidade. Mas, ao mesmotempo, suas intervenes, sempre mais polmicas e desprovidas de qual-quer cuidado ttico para formar alianas estratgicas a longo prazo, levama suspeitar de um desejo pessoal de forjar pretextos para uma ruptura,nica forma de se retirar do jogo poltico sem perder a honra. possvelacompanhar suas diversas intervenes que justificam tal hiptese.

    Na aula inaugural na Universidade de Fribourg, retoma os temas daconcluso de sua pesquisa, destacando quase exclusivamente as implica-es internacionais da questo agrria e o estado da classe dirigente ale-m. Max Weber comea o curso com uma definio da nova disciplina(foi nomeado para a ctedra de economia nacional), na qual explicita seuponto de vista e o erige em pressuposto metodolgico e terico para qual-quer trabalho de interpretao; a saber, que necessrio nessa disciplinacolocar-se do ponto de vista do interesse do Estado nacional. Como todarealidade econmica uma luta, a cincia econmica deve participar des-sa luta1.

    Embora sob a aparncia de paz, a luta econmica das nacionalidades pros-

    segue [...] em ltima anlise, os processos de desenvolvimento econmico

    so lutas de poder; os interesses de poder da nao so interesses decisivos

    se a nao for questionada. A poltica econmica deve colocar-se a servio

    desses interesses: a cincia da poltica econmica nacional uma cincia

    poltica. a serva da poltica, no da poltica cotidiana a servio dos grupos

    e das classes dominantes, mas dos interesses da nao numa poltica dur-

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  • vel de poder. E, para ns, o Estado nacional no algo indefinido, que se

    julga ter elevado quando sua essncia est encerrada numa nebulosa msti-

    ca, mas trata-se da organizao terrestre do poder da nao. E, no seio des-

    se Estado nacional, o ltimo critrio de avaliao da observao da econo-

    mia a razo de Estado. Para ns, esta no corresponde a uma poltica que

    preconize a ajuda concedida pelo Estado mais do que a auto-ajuda, como se

    pode depreender de um curioso mal-entendido, a regulamentao estatal da

    vida econmica mais do que o livre jogo das foras econmicas. Muito pelo

    contrrio, com esse slogan [a razo de Estado], queremos exigir que cada

    questo particular de poltica econmica seja submetida em ltima instncia

    a um voto decisivo sob o ponto de vista dos interesses econmicos e polticos

    de nossa nao e de seu representante: o Estado nacional alemo.

    A redefinio dos vnculos entre cincia e poltica permite a MaxWeber explicitar de uma vez por todas os pressupostos do discurso dacincia econmica. Na aparncia, a subordinao do discurso cientfico aum fim poltico introduz uma explicitao que permite resolver o proble-ma do juzo de valor, to controvertido durante esse perodo no Vereinfr Sozialpolitik. Em vez de introduzir uma espcie de clusula de tran-sio que anuncie a passagem do discurso descritivo-analtico para odiscurso prescritivo-poltico, Weber estabelece, por assim dizer, o cri-trio legtimo dessa passagem, e at exige que todos os discursos refe-rentes s cincias econmicas sejam construdos em funo desse crit-rio. Nesse trecho, de uma clareza brutal, Max Weber define uma relaoentre cincia social e poltica que a sociologia da cincia funcionalistadesde ento reinventou sob formas mais eufemsticas, indo da analogiaque Talcott Parsons faz entre o trabalho do mdico em relao doenae o do cientista social em relao crise ou seja, restabelecer a ordem(a sade)2 , at a funo reservada s cincias sociais por Niklas Luh-mann em sua teoria dos sistemas: reduzir a complexidade a servio dadeciso (Luhmann 1968).

    Mas, esse trecho de sua aula inaugural constitui tambm um distan-ciamento em relao aos discursos mticos sobre o Estado e a nao,na poca to correntes em histria ou nas disciplinas literrias. Esses dis-tanciamentos permitem a Weber se colocar na tradio da escola histri-ca, com a qual, porm, rompe parcialmente, de incio no plano poltico emais tarde no plano cientfico. Primeiro, ele faz a distino entre interes-ses da nao e interesses dos grupos e classes dominantes. Em seguida,ataca o essencialismo da escola histrica (mais exatamente o de Treits-chke e seus seguidores) que se perde numa nebulosa mstica do Estado.

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  • Weber continua ligado escola histrica porque compartilha o mesmoreferente metafsico: a nao definida pela lngua e cultura comuns. Aprova disso est na importncia que ele atribui ao problema da coloniza-o interna, alm da prpria linguagem eivada de racismo cultural quan-do se refere aos poloneses e aos russos. Considerar o Estado comoinstrumento de luta pela sobrevivncia e pela expanso nas mos danao tambm um fator que o liga escola histrica. Mas, enquanto oshistoriadores chegam a uma viso organicista do Estado, da qual at osinovadores da gerao de Max Weber como Friedrich Meinecke noconseguem se afastar, Weber considera o Estado e suas intervenescomo objeto especfico de anlise. Enquanto para Treitschke a viso org-nica do Estado justifica a estrutura de classes e a dominao existentes, epara Meinecke a natureza orgnica leva o Estado a sempre querer cres-cer por meio da anexao de colnias, Weber aponta as contradiesinternas das classes dominantes e insiste no perigo dessas contradiespara a sobrevivncia e a expanso do poderio alemo. Por pertencer auma disciplina mais moderna, Weber pode construir um discurso maisrealista em vista do mesmo objetivo: a manuteno e a expanso dopoder da Alemanha. Enquanto o discurso de Meinecke, dentro da tradi-o da hagiografia histrica, permanece global e abstrato, Weber podeoferecer elementos da anlise de classes que mostram as condies inter-nas para a expanso externa. Para compreender essa revoluo do dis-curso moderno, sob o aspecto de sua eficcia operatria, basta compa-rar a definio de razo de Estado dada por Meinecke com a anlise queMax Weber faz da classe dirigente alem: ela [a razo de Estado] quedita ao homem poltico o que ele deve fazer para conservar a fora e asade do Estado. Ora, como o Estado um ser orgnico, cuja fora plenas se mantm se puder crescer de uma maneira ou de outra, a razo deEstado indica tambm os objetivos e os meios desse crescimento3.

    Ao inverso dessa viso abstrata e idealizada, segundo a qual ohomem poltico age em funo de uma razo de Estado, o trabalho emp-rico havia sugerido a Weber que um homem poltico por excelncia, Bis-marck, longe de realizar apenas a razo de Estado, soubera tambm sal-vaguardar os interesses de sua classe em detrimento dos interesses danao, chegando at a destruir as bases sociais da expanso alem, aorganizao poltica e a conscincia da classe econmica mais dinmica a burguesia.

    Max Weber aproveita essa explicao para se distanciar dos ve-lhos representantes de sua disciplina, os dirigentes do Verein fr Sozial-politik, favorveis interveno do Estado na vida econmica. Em nome

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  • do interesse do Estado-nao e de sua expanso, no se pode tomar posi-o de modo genrico nem pela interveno do Estado nem pelo livrejogo das foras econmicas. A anlise concreta de cada caso que podefornecer a resposta. De maneira evidente, Weber pensa nos efeitos nega-tivos do protecionismo aduaneiro sobre a modernizao tcnica e socialda agricultura alem.

    Esses dois distanciamentos e essa definio poltica da cincia eco-nmica levam Max Weber a organizar a seqncia de suas aulas comoum discurso militante. De fato, ele procura saber qual classe social, naAlemanha, rene as condies necessrias para dirigir o pas em funoda razo de Estado tal como ele a define. Esse trecho-chave de sua aulainaugural resultado direto de sua pesquisa sobre os operrios agrcolas:

    [...] as grandes propriedades do Estado eram os feudos da classe dirigente

    prussiana geograficamente dispersa, o viveiro social de altos funcionrios,

    mas com sua decomposio, com o declnio da condio social da velha

    nobreza fundiria, o centro da inteligncia poltica desloca-se inevitavel-

    mente para as cidades. Esse deslocamento o elemento poltico decisivo da

    evoluo agrria do Estado.

    A partir de uma confisso de f pessoal, Max Weber analisa a matu-ridade poltica da classe chamada, na sua opinio, a dirigir a Alemanha:

    Sou um membro da classe burguesa. Sinto-me como tal, fui educado de

    acordo com suas concepes e seus ideais. No entanto, de vocao (Beruf)

    da nossa cincia dizer o que no se gosta de ouvir de diz-lo para o alto e

    para baixo, inclusive para a prpria classe [...]. No foi a burguesia, por sua

    prpria fora, que criou o Estado alemo. Uma vez criado, houve no coman-

    do da nao uma figura de Csar, feita de cepa diferente da burguesa [...].

    claro que grande parte da alta burguesia deseja o aparecimento de um novo

    Csar que a proteja das classes populares ascendentes, tanto quanto da ten-

    dncia ao reformismo social vinda do alto, tendncia esta que lhe parece ser

    a das dinastias alems.

    Apenas um esforo contnuo de educao poltica pode liberar,segundo Weber, a burguesia alem de seu esprito beato e do carter filis-teu que a impede de conceber a expanso colonial.

    Depois desse trecho programtico da aula inaugural, Weber carac-teriza as outras classes sociais do ponto de vista de sua maturidade pol-tica, o que o distingue nitidamente dos socialistas de ctedra e de todos

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  • aqueles cuja ao cientfico-poltica mais inspirada pelos bons senti-mentos do que pelo esprito de poder.

    No que se refere ao proletariado, ele rejeita o medo burgus diantedessa classe ascendente, mas critica sua direo poltica aprisionada emuma retrica radical do passado, contraditria com sua inofensiva aopoltica:

    Economicamente as camadas mais altas da classe operria pensam muito

    mais do que o querem admitir as classes dominantes. E justo que essa clas-

    se reivindique a liberdade de defender seus interesses na forma de luta orga-

    nizada para obter o poder econmico. Mas politicamente essa classe bem

    menos segura do que costuma insinuar a corja de jornalistas que quer mono-

    polizar sua direo. Nos grupos de burgueses decadentes, h quem goste de

    brincar com lembranas do sculo passado. Desse modo, eles conseguiram

    de fato assustar alguns espritos angustiados que os vem como descenden-

    tes da Conveno. Mas, na realidade, so muito mais inofensivos do que pa-

    recem a eles prprios [...], no passam de lastimveis artesos da poltica.

    Lembrando e redefinindo a tarefa da poltica nacional em um senti-do imperialista, Max Weber invoca a classe operria inglesa e, em menorproporo, a francesa como exemplos positivos do ponto de vista da matu-ridade poltica, pois essas classes, ao contrrio do caso alemo, adotaramnitidamente os objetivos da poltica de poderio nacional.

    preciso entender que a unificao da Alemanha foi uma brincadeira de

    criana cometida na velhice pela nao. Melhor seria ter evitado essa brin-

    cadeira custosa, se ela fosse o ponto final e no o ponto de partida de uma

    poltica alem de poderio mundial. O lado perigoso de nossa situao o

    seguinte: como portadoras dos interesses de poder da nao, as classes bur-

    guesas parecem envelhecidas, ao passo que no se percebe sinal de sufi-

    ciente maturidade na classe operria para que esta possa substituir a bur-

    guesia [...]. O perigo no est no lado das massas. Em ltima instncia, a

    essncia do problema da poltica social no est na questo da situao eco-

    nmica dos dominados, mas na qualificao poltica das classes dominantes

    e ascendentes. A finalidade de nosso trabalho de poltica social no a de

    tornar o mundo feliz, mas de unificar socialmente a nao [...].

    Em seus pares mais velhos do Verein fr Sozialpolitik, ele reprova ofato de serem filisteus sem educao poltica:

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  • O ladrar estereotipado do coro crescente dos com perdo da expresso

    polticos sociais da floresta e do campo (Wald und Wiesen Sozialpolitiker)

    prova do oposto educao poltica, isto , a pieguice, humanamente am-

    vel e estimada, mas que no passa de um comportamento filisteu, que cr

    ser possvel substituir ideais polticos por ideais ticos, identificando estes

    ltimos com a esperana de felicidade inofensiva e otimista.

    No fim da aula, diz aos pares de sua gerao:

    Apesar da enorme misria das massas da nao, que pesa na conscincia

    social mais sensvel da nova gerao, devemos reconhecer com clareza: a

    conscincia de nossa responsabilidade diante da histria tem hoje peso ainda

    maior sobre ns. Nossa gerao no chegar a ver se a luta que travamos ter

    bons frutos, se nossos descendentes nos reconhecero como seus antepassa-

    dos. S com uma condio conseguiremos nos livrar do destino que pesa sobre

    ns; a saber, o de sermos os epgonos de uma grande era poltica. preciso

    que nos tornemos outra coisa: precursores de uma era ainda maior.

    Percebe-se em sua aula inaugural uma estrutura retrica semelhan-te de sua concluso na pesquisa sobre os operrios agrcolas, mas ocarter da seqncia outro: depois de uma curta descrio resumindo aenqute, vem a passagem explicativa dos valores que sustentam a anli-se, ou seja, a razo de Estado que obriga expanso imperialista. Cadavez que ele examina uma classe social sob o aspecto da maturidadepoltica dessa classe diante de tal objetivo, para o que vai utilizando pala-vras cada vez mais dramticas e personalizadas de razo de Estadoat responsabilidade diante da histria.

    Ao constatar a imaturidade poltica de todas as classes alems e aocriticar os falsos temores que elas tm entre si, ele atribui ao grupo deprofessores de sua gerao a tarefa de educao poltica, a mais impor-tante no momento. Em resumo, reivindica o poder tambm para si pr-prio. A explicitao da funo poltica da cincia econmica permite aconstruo de um discurso de pretenso cientfica, mas que contm, defato, inmeros elementos de anlise realista, um mnimo de elementosdescritivos e um mximo de elementos de ao.

    Ao servir-se da ctedra como um palanque, ao suscitar o vivo inte-resse e o aplauso de homens polticos inovadores que, como ele, identifi-cam a questo nacional como problema-chave da Alemanha, ele interfe-re de modo ativo nas discusses da Associao Social-Protestante de Nau-mann, provocando uma ciso entre as correntes social-crist e social-

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  • nacional que existem em torno de Naumann e de Weber. Mas Weber noencontra eco quando exige que esta corrente seja organizada com basena classe burguesa. Essa ruptura poltica no chega a abalar sua amiza-de com Naumann (Weber 1926:257).

    Um ano depois de sua nomeao para a ctedra de economia polti-ca na Universidade de Heidelberg, pela primeira vez Weber assume, em1897, o conflito que o ope a seu pai. Este no queria que a esposa fossesozinha passar as frias na casa da famlia do filho. Max Weber toma par-tido da me e expulsa de sua casa o pai que tinha ido junto com a mulher,contra a vontade dela. Pouco tempo depois, o pai morre (Mitzman1970:149 e ss.).

    Semanas depois do enterro, Max Weber enfrenta a primeira depres-so nervosa. As causas dessa depresso no ficam muito claras. O exces-so de trabalho e o fracasso poltico devem ter contribudo para isso tantoquanto as circunstncias da morte do pai. At 1903, Weber no conseguetrabalhar. So anos em que faz muitas viagens, sobretudo Itlia.

    Durante esse perodo, Max Weber tenta vrias vezes retomar asaulas. Cada tentativa um fracasso, seguido de recada na depresso.Em 1899, a Universidade lhe concede uma primeira licena, que serrenovada vrias vezes. Pouco antes da depresso, Weber tinha dvidassobre qual seria a carreira mais apropriada a seu feitio e competncia;dizia a Lujo Brentano: Os xitos da carreira acadmica que obtive semprocurar e sem reivindicar deixam-me indiferente e no me oferecem res-posta quanto a saber se esta de fato a carreira que me convm (Weber1926:257).

    A doena resolve o problema. A partir de ento, a carreira polticaest fora de cogitao. Sem coragem, Max Weber no pode colaborarnem no jornal fundado pelo colega poltico, F. Naumann. Vrios depoi-mentos e cartas de Weber mostram toda a fora de sua moral protestanteque o leva a viver com vergonha a doena, na medida em que ela crianova dependncia material. Ele deplora: a presso psicolgica destasituao indigna em que se recebe dinheiro sem nada fazer em troca, e osentimento [...] de que, aos teus olhos como aos meus e aos de todo mun-do, s o homem com uma profisso goza de considerao. Nessa situa-o, Max Weber pede ao Ministrio que aceite sua demisso, o qual, emvista da notoriedade do professor, a recusa. S em 1903, o Ministrio acei-ta sua aposentadoria e o nomeia professor honorrio, incluindo uma car-ga mnima de aulas.

    Essa soluo libera Max Weber do sentimento de vergonha ligado doena como tambm das preocupaes materiais. A partir de 1903, ele

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  • pode voltar ao trabalho. Na nova fase de atividade intelectual, colhe osfrutos da relativa liberdade oferecida pelo perodo de doena a liber-dade, sobretudo, de dispor de tempo e lazer para aventurar-se fora doprprio campo de atuao, fechado e definido pelas regras de especiali-zao do trabalho universitrio. De fato, durante a doena, Max Weberpde realizar uma srie de leituras desordenadas que muito o ajudam aestruturar seu programa de trabalho comparativo, o qual percorre a rea-lidade social em todos os sentidos de tempo e espao: a vontade dedevorar uma mistura fabulosa de livros falando de conventos medievais,Aristteles, Rousseau, Voltaire, Montesquieu, Taine (Weber 1926:290).

    A doena: condio de distanciamento

    Quando, em 1903, Max Weber retoma o trabalho sua situao de doen-te limita e orienta suas atividades, conferindo-lhe cientfica e politi-camente a categoria de um fora de jogo. Tal situao lhe possibilitaum alto grau de independncia, que explica no apenas o contedo desuas atividades, mas tambm seu estilo. Como professor honorrio, conti-nua a fazer parte do meio universitrio, sem dispor no entanto dos instru-mentos de poder conferidos a seus membros. Sem direito a sancionar exa-mes, Weber destitudo do instrumento de poder social do docente, como qual podia intervir no mercado de trabalho. Como j no participa dasdeliberaes e votaes no conselho universitrio, Weber perde toda ainfluncia sobre o futuro institucional. Com dupla razo, esse afastamen-to aumenta-lhe a independncia profissional. Em primeiro lugar, porgozar de uma renda estvel, Weber encontra-se em uma espcie de anosabtico permanente, com tudo o que isto representa de tempo dispon-vel e de liberdade. Em segundo lugar, a perda de poder no seio da insti-tuio o libera de um certo nmero de obrigaes. Sem ser forado asituar-se em relao a uma disciplina, pode dar asas curiosidade. Depoisda j incomum trajetria intelectual anterior do direito s cincias eco-nmicas, passando pela histria Weber pode continuar essa viagemdesordenada entre as fronteiras bem delimitadas da Universidade. Maisimportante ainda: a ausncia de poder institucional o libera das regrasde cortesia vigentes no mundo universitrio, que no passam de modosde manter a conformidade, para no dizer o conformismo acadmico eintelectual.

    Essa posio marginal, fora de jogo, mas ao mesmo tempo dentro,caracteriza tambm sua ao poltica. A ligao com Friedrich Naumann

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  • o coloca em uma atividade poltica destinada ao fracasso, cuja nica fun-o, mesmo no interior desse campo especfico, ser a da crtica inter-na. De fato, Friedrich Naumann foi, na poca, uma figura poltica ouvi-da com ateno, sem nunca, porm, ter sido de fato admitido no jogo dopoder. Depois de vrios fracassos eleitorais e de uma breve passagem de 1907 a 1912 como deputado no Reichstag, Naumann concentra-se,sobretudo, na atividade jornalstica. Em certo sentido, , assim comoWeber, paradigma tanto do intelectual poltico de pouco sucesso, comodo professor universitrio com ambies polticas insatisfeitas, figura fre-qente na histria do liberalismo alemo at hoje.

    Essa posio especfica, que podemos caracterizar pelo termo ame-ricano in-betweenness (Pollak 1986:75), abre caminho para uma soluodo problema da explicitao das relaes entre poltica e cincia, total-mente oposta quela que Weber havia proposto em sua aula inauguralde Fribourg. Ao definir a cincia (econmica) como serva da poltica eesta, por sua vez, definida pelos interesses de poder da nao represen-tada pelo Estado Max Weber havia deduzido dessa posio, com cla-reza, pressupostos legtimos para a interpretao. Depois de 1903,Weber inverte a problemtica. Sob a influncia de obras especializadasde lgica e dos neokantistas Windelband e Rickert, seu colega e amigontimo, Weber submete os textos dos antigos mestres da escola histricaem cincias econmicas no mais crtica poltica como fizera em suascontribuies no Verein fr Sozialpolitik e na aula inaugural , mas sim crtica lgica. Seu primeiro texto referente teoria da cincia uma cr-tica minuciosa de Roscher e de Knies (Weber 1903). No primeiro autor,critica sua inconseqncia: depois de ter rompido com a teoria clssi-ca, Roscher usa o mtodo histrico e a pesquisa emprica apenas paravoltar ao projeto de construo de leis formalistas sobre bases maisamplas. Roscher mantm, portanto, alguns pressupostos da teoria clssi-ca, sobretudo, o de construir leis transhistricas. Quanto a Knies, suaobservao emprica no chega automaticamente possibilidade deconstruir as regularidades da vida econmica e social, como previa emseu projeto. Em ambos, transparece um princpio organizador da vidaeconmica e social: os valores de um humanismo de inspirao protes-tante. Esse pressuposto de um mito fundador da vida econmica dispen-sa-os de uma reflexo conceitual rigorosa.

    Nesse artigo publicado em trs nmeros consecutivos de uma dasmais conceituadas revistas de cincias econmicas, dirigida por GustavSchmoller, Weber comea a inverter sua problemtica de demonstrao.Tal inverso tem importantes conseqncias. Primeiro, o que se espera

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  • do autor de um texto cientfico no apenas que explicite seus valores,mas que faa todo o esforo para no confundir esses valores com a an-lise cientfica, isto , manter separado seus valores de seus textos analti-cos. Segundo, o problema da anlise cientfica no se reduz explicita-o; esta o ponto de partida da construo conceitual. Finalmente, aconstruo do argumento cientfico deve seguir vias diversas daquelasdo argumento poltico.

    Nos textos anteriores de Max Weber, percebia-se a linha de argu-mentao tpica da retrica poltica: da descrio passa-se prescrio e,progressivamente, as concluses imaginveis vo sendo reduzidas ni-ca concluso desejvel do ponto de vista do autor. Porm, nos textos cien-tficos de Weber escritos mais tarde, ele se preocupa com a clareza des-critiva e analtica, no formula concluses em termos de ao, e gui-sa de concluso inmeros textos de Weber terminam em termos pros-pectivos, que destacam no uma nica soluo mas diversos desdobra-mentos possveis.

    A evoluo poltica alem anterior Primeira Guerra Mundial ajudaa manter Weber em seu afastamento do ativismo poltico, sobretudo por-que qualquer aborrecimento pode lev-lo a uma recada na depresso.De certa forma, a poltica alem da poca serve de aviso para ele e delio dolorosa a respeito da eficcia que pode ter o discurso poltico-uni-versitrio militante.

    Max Weber reconhece que apenas parte de sua mensagem da aulainaugural foi ouvida, ou seja, a vontade de a Alemanha conquistar umimprio colonial, a exemplo da Inglaterra e da Frana. Na aula, Weberhavia associado a busca desse objetivo a uma mudana das foras diri-gentes alems, emancipao da burguesia e sua libertao do autori-tarismo feudal mantido pela casta aristocrtica que, para lutar contra aprpria derrocada, apoiava-se no aparelho de Estado. Ora, o que Weberconstata na realidade se assemelha a um arranjo entre as velhas classesdirigentes e a burguesia ascendente que, em troca da defesa de seus inte-resses econmicos, desiste das pretenses polticas e isto, ainda commaior facilidade, porque as estruturas feudais do Estado alemo a prote-gem da social-democracia, cada vez mais forte eleitoralmente. Weber obrigado a constatar que o uso poltico da produo cientfica seletivo eque o autor no tem como influir nesse uso. O regime autoritrio de Bis-marck havia, segundo Weber, impedido a educao poltica e a seleode homens polticos no sentido nobre do termo, isto , altura datarefa. Mas, ao menos, Bismarck fora um estadista com viso clara dosinteresses do Estado em poltica exterior. J o reinado pessoal de Gui-

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    lherme II continha todos os riscos do autoritarismo exercido por um per-sonagem vaidoso e imprevisvel. Sua poltica quando da crise marroqui-na em 1906, bem como a poltica de germanizao das populaes polo-nesas eram provas disso. Na correspondncia com Friedrich Naumann,Max Weber insiste na necessidade de atacar o Imperador ad personam, afim de tornar possvel a democratizao da Alemanha (Baumgarten 1964).O interesse que, em 1905, desperta nele a Revoluo Russa decorrn-cia de sua preocupao com a Alemanha. Com a ajuda do refugiado Bog-dam Kistiakkovski, especialista em direito pblico, Weber aprende russo.Em suas anlises do processo revolucionrio russo, ele compara o czaris-mo ao reinado personalista de Guilherme II na Alemanha (Weber 1906a;1906b). Mas essas intervenes polticas so perifricas em relao aodesenrolar de sua obra cientfica.

    Esta permanece ligada histria de uma revista, a Archiv fr Sozial-wissenschaft und Sozialpolitik. Antes da depresso nervosa, Max Weberhavia escrito para as colees do Verein fr Sozialpolitik, assim como pararevistas de prestgio nas reas de histria, direito e economia: HistorischeZeitschrift, Zeitschrift fr das gesamte Handelsrecht, Jahrbuch fr Natio-

    nalkonomie und Statistik. Sua crescente oposio aos velhos mestres daescola histrica, sua concepo epistemolgica apresentada pela primei-ra vez na crtica a Roscher e Knies, assim como sua posio universitriabastarda afastavam-no dos grandes circuitos do mercado de publicaes.

    Por vrias vezes, ele participa das reunies do Verein fr Sozialpoli-tik como ouvinte, sem intervir nas deliberaes. Nessas condies, a com-pra do ex-Archiv fr soziale Gesetzgebung und Statistik por seu colegaeconomista Edgar Jaff lhe oferece um meio de publicar em um crculode amigos, ao abrigo de tenses e conflitos que no pode enfrentar porcausa da sade frgil. Weber levado a essa tarefa por intermdio de suaex-aluna, Else von Richthofen, que se casa com Edgar Jaff. Graas for-tuna pessoal, Edgar Jaff, amigo e colega de Max Weber, consegue recu-perar a prestigiosa revista em decadncia. Marginalizado do crculo dascincias histricas por fora de suas tendncias marxistas (em 1918 farparte do governo revolucionrio da Baviera), Edgar Jaff no desempe-nhou papel cientfico de destaque. Mas, seu esprito ecltico, o gosto e asensibilidade pelas modas intelectuais em evoluo tornavam-no umexcelente plo aglutinador para todos os que tinham idias divergentesdos dogmas da velha gerao. Else von Richthofen, partidria comoMarianne Weber do movimento feminista, fora uma das primeiras mulhe-res na Alemanha a defender tese de doutoramento. Interessada mais dire-tamente nos modos especficos de explorao das operrias, havia opta-

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    do por uma carreira de acordo com suas opes polticas feministas: ins-petora do trabalho. Para ela, como para muitos outros alunos, Max Webercontinuava a ser, apesar da doena, um personagem carismtico: de fato,sua crtica da estrutura de classes, sua profisso de f patritica, era oquadro de pensamento ideal para todos aqueles e aquelas que associa-vam as aspiraes reformadoras e democrticas ao desejo de projeointernacional. O terceiro dirigente da revista, Werner Sombart, tambmera um herege da velha gerao e seu destino se cruzara vrias vezescom o de Max Weber. Fora ele quem havia obtido o cargo de conselheiroda cidade de Bremen, ao qual Weber concorrera em 1891. Fora ele quemWeber propusera como seu substituto na Universidade de Heidelberg,mas que provavelmente por motivos polticos no havia sido aceitopelo governo.

    O editorial do primeiro nmero de reaparecimento da revista, em1904, redigido por Weber, um discurso-programa tanto da revista quan-to das suas intenes de trabalho (Weber 1904). nesse texto que definepela primeira vez sua concepo da separao entre juzo de valor e tra-balho de pesquisa. Apia-se nos trabalhos de Windelband, de Dilthey ede Rickert, e apresenta sua prpria posio epistemolgica, a construoconceitual de idealtypes. Anuncia igualmente o campo temtico da revis-ta, que corresponde ao programa a que ela se prope: esclarecer com aajuda de todas as disciplinas as origens do capitalismo, das diferentesconfiguraes econmicas e do papel do Estado na atividade econmica.Seu intuito , sobretudo, considerar todos os fatores, inclusive os no-econmicos, em particular os culturais e os religiosos. Os argumentosapresentados nesse texto reaparecem na maioria dos trabalhos de MaxWeber sobre a teoria da cincia. Desenvolvidos em resenhas sobre livrosou autores como o historiador Eduard Meyer e o economista R. Stamm-ler , tais argumentos so, em parte, textualmente retomados em seurelatrio sobre a querela de juzos de valor que preparou para a reunioanual do Verein fr Sozialpolitik em 1913 tendo sido publicado em1918 , assim como no discurso sobre o ofcio e a vocao de cientista,proferido aos alunos da Universidade de Munique no incio do ano de1919.

    Max Weber dedica seu primeiro texto importante na nova revista relao entre religio e economia. Como todos os seus textos posteriores,A tica Protestante e o Esprito do Capitalismo nunca foi publicado sob aforma de livro durante a vida de Max Weber. Esse texto o primeiroexemplo da aplicao de seus preceitos metodolgicos anunciados noeditorial do primeiro nmero da revista e apresenta o vasto projeto de

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    comparao sistemtica entre as ticas econmicas das grandes religies.Tal projeto comparativo uma decorrncia direta do procedimento meto-dolgico que visa construo conceitual de idealtypes.

    As preocupaes com o fenmeno religioso, j presentes em suajuventude, voltam ao primeiro plano dos interesses de Max Weber apssua relativa cura. Um dos colegas mais prximos, Ernst Troeltsch, o par-ceiro preferido de discusso. Professor de teologia, amigo ntimo do casalWeber, com quem partilha a mesma casa a partir de 1910, Troeltsch adepto do nacional-liberalismo tradicional e no segue, no incio do scu-lo, o engajamento social e democrtico dos Weber. A partir de 1905, umcrculo de discusso que rene economistas, polticos e telogos criadoem Heidelberg por iniciativa de von Deissmann, poltico do nacional-socialismo, amigo de Friedrich Naumann, que tambm participa dessasreunies. Windelband, Jellinck, Rathgen, Troeltsch e Weber esto pre-sentes. Mesmo sem dispor de fontes escritas nem de atas, decerto um dostemas de discusso do crculo ter sido o dos efeitos econmicos e polti-cos provocados pela diversidade religiosa na Alemanha, ponto de parti-da emprico das reflexes de Max Weber sobre a tica protestante. Emsua biografia, Marianne Weber relata que o marido no concluiu a com-parao sistemtica entre as religies crists, sobretudo a comparaoentre protestantismo e catolicismo, porque esse campo j estava ocupadopor Troeltsch. Entretanto, as preocupaes poltico-prticas que esto naorigem do trabalho de Weber sobre a tica protestante aparecem nasnotas em que ataca seu meio profissional com estilo bem polmico. Defato, destacar a importncia da tica protestante no apenas para a emer-gncia do capitalismo, mas ainda para o procedimento racional em todosos domnios, equivale a denunciar implicitamente a tradio estatista pro-testante e da escola histrica. Esse estatismo, longe de ser social ousocialista, vem favorecer a burocratizao, outro fruto da tica protestan-te que consegue transformar a realidade social em priso (Mitzman1970:207 e ss.).

    Esse vnculo entre a anlise da religio, da economia, da poltica edo Estado ser desenvolvido na sociologia do direito e da administrao.

    Politicamente a controvrsia que, em 1909, em uma reunio doVerein fr Sozialpolitik, realizada em Viena, o ope a Gustav Schmollerenfatiza esse ponto: para este ltimo, a defesa de uma poltica social doEstado em favor dos operrios justificava a restrio dos direitos de asso-ciao coletiva. Em nome do interesse nacional, um Estado burocratiza-do, forte e social, nada mais do que a barreira aos movimentos de rei-vindicao das classes sociais dominadas. Depois de haver detonado a

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    evoluo capitalista, o esprito protestante dos historiadores-economistas,brilhantemente esboado por Max Weber nos textos sobre Roscher esobre Knies, toma a defesa do Estado social, mais preparado para prote-ger o capital e a classe dirigente tradicional. Nessa mesma reunio, MaxWeber junto com seu irmo Alfred defendem ardorosamente os direitosde associao dos operrios bem como solues no provenientes doEstado para a questo social.

    Embora o desligamento das obrigaes na Universidade lhe forne-a, ao menos em princpio, toda a liberdade para dedicar-se integralmen-te a seus escritos, estes se constroem atravs de controvrsias nas quaisele se deixa envolver ou envolve outros. como se, para desenvolver seuprograma de trabalho e para esclarecer suas posies, Max Weber tives-se necessidade no s da comunicao, mas da polmica. Tentado emcertos momentos da vida a dedicar-se contemplao, ele volta sempre arena do combate intelectual e poltico. A elaborao de sua teoria dacincia tambm entremeada de conflitos com professores, durante osquais no hesita em levar seus opositores aos tribunais a fim de constatara verdade.

    O estilo de sua escrita mostra essa mesma disposio. Muito didti-co, a repetio nele aparece como importante elemento retrico. Alis,Marianne Weber caracteriza muito bem esse estilo ao situar sua razo deser na riqueza e extenso dos argumentos que Weber queria incluir atodo custo:

    E ele no d nenhuma importncia forma de apresentao das riquezas

    de seu esprito. Quando libera a corrente de suas idias, brotam tantas idias

    das comportas de sua mente, que no fcil conter tudo isso em uma frase

    bem estruturada. Ademais, ele quer terminar logo o trabalho e expressar-se

    da forma mais curta possvel porque so muitos os problemas existentes na

    realidade que o afligem. Que limitao existe no pensamento discursivo, que

    no consegue expressar ao mesmo tempo vrias linhas de idias ligadas

    entre si! por isso que tanta coisa tem de ser contida em longas frases enca-

    deadas, e tudo o que a no cabe tem de ser remetido a notas. Que o leitor

    faa o mesmo esforo que ele quando escreve! (Weber 1926:350).

    Mesmo tocando em cheio na questo da sintaxe weberiana, Marian-ne no assinala toda a importncia do dispositivo cientfico das notas. Naverdade, essas referncias quase nunca servem para reconhecer umadvida intelectual. Abundam, ao contrrio, as demarcaes, refutaes ea antecipao de eventuais contra-argumentos. De fato, as citaes de

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    Max Weber constituem uma espcie de fortaleza que deve colocar o tex-to propriamente dito ao abrigo de qualquer crtica dos concorrentes. Essasnotas, marcas de controvrsias cientficas, se dirigem a seus pares, entreos quais esto Lujo Brentano, Werner Sombart, Karl Menger, GustavSchmoller. Excelente jurista, Weber argumenta como nos processos queteve de fato contra outros colegas. Suas notas podem ser lidas como otexto da defesa em um processo imaginrio, no qual ele quer convencero juiz e os jurados os leitores de sua argumentao.

    por meio desses debates e controvrsias, com ou sem a presenafsica dos adversrios, que Weber constri sua obra, empreende um tra-balho de objetivao que toma forma nos idealtypes. no domnio reli-gioso que esse trabalho se realiza de forma mais completa. Em compen-sao, percebe-se que sua teoria da cincia contm elementos de umasociologia cientfica comparvel sua anlise da religio, mas que conti-nua sobredeterminada por conceitos morais. No domnio poltico, ao qualretorna depois de 1914, seu trabalho de objetivao tambm permaneceinacabado. possvel retraar os motivos desses vrios graus de objeti-vao, dentre os quais a falta de tempo uma razo evidente. Dessa for-ma, pode-se tentar apresentar no s as condies do pensado, mas oslimites do pensvel no espao-tempo em que se insere Max Weber.

    Da tica protestante sociologia religiosa

    Publicados sob a forma de artigos na Archiv entre 1905 e 1919, os textossobre a sociologia das religies constituem a mais perfeita ilustrao dametodologia weberiana; a saber, a construo de idealtypes, ligada des-crio histrica, que serve para estabelecer a distncia entre as manifes-taes reais, os Realtypes, e o Idealtype. Ao mesmo tempo, a leitura des-ses textos mostra o carter temporrio e, portanto, relativo dos idealty-pes, antes instrumentos do que resultados da pesquisa. Do mesmo modo,esses artigos ilustram a dinmica interna do mtodo comparativo, queamplia constantemente o campo emprico a ser submetido anlise como intuito de aperfeioar os idealtypes.

    O primeiro texto sobre a sociologia religiosa, o que trata da ticaprotestante, deve, ao menos em parte, sua problemtica ao contexto pol-tico-intelectual do crculo reunido em Heidelberg em torno de von Deiss-mann, bem como longa viagem realizada por Max Weber junto comoutros professores alemes aos Estados Unidos, por ocasio da ExposioUniversal de 1904 em St. Louis. A primeira parte de seu estudo foi escrita

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    antes; a segunda, depois da viagem aos Estados Unidos. Hugo Mnster-berg, de origem alem, professor de psicologia e de filosofia na Universi-dade de Harvard, teve um papel-chave nas relaes universitrias ameri-cano-alems na virada do sculo. O congresso cientfico organizado nomomento da Exposio Universal de 1904 foi a ocasio para que um nme-ro expressivo de professores alemes estabelecesse contatos pessoais e seapresentasse ao pblico americano. Ernst Troeltsch e Ferdinand Tnniesfaziam parte da delegao alem. Apesar de seu prestgio na Alemanha,essa estada de Weber no deixou marcas na sociologia americana. (Aindacom a sade abalada, Weber evitava toda manifestao de carter mun-dano.) Alm disso, tratou de um assunto econmico, os problemas agr-rios, diante de um pblico composto sobretudo de socilogos, entre osquais os da Escola de Chicago. Em compensao, os Estados Unidos pro-vocaram em Weber uma impresso que muito influiu em suas pesquisas.Weber passou quatro meses nos Estados Unidos, onde se interessou deforma especial pela organizao das seitas protestantes, pela filantropia epela caridade organizadas, assim como pelo papel desempenhado poressas organizaes religiosas enquanto grupos de presso sobre outrasorganizaes mais formais, como os sindicatos. Assim, em Chicago, Weberencontra Forence Kelley, que, apoiado no socialismo de um grupo religio-so, lutava contra a corrupo dos dirigentes sindicais. Visita tambm umde seus sobrinhos, descendente de refugiados poltico-religiosos, em Okla-homa. O que interessa e empolga Max Weber a importncia, nos Esta-dos Unidos, da influncia germnica mediatizada pela cultura religiosa,ainda mais viva e menos secularizada que no protestantismo alemo(Weber 1906c). A admirao, e at o fascnio, que exerce sobre Weber afora transformadora do pensamento protestante, de um lado, e a angs-tia da organizao racional de mundo que ela gera, de outro, do origem tenso que perpassa toda a sua obra entre a fetichizao da moderniza-o-racionalizao do mundo e o pessimismo cultural que teme o desapa-recimento da liberdade individual. Em uma anlise diacrnica, esses doisplos correspondem primeira fase, a da racionalizao, que libera o indi-vduo das imposies sociais tradicionais (o famoso fundo individualistano movimento j encontrado em sua enqute no meio agrcola no fim dosculo XIX), e fase posterior, em que a burocracia cria a priso dosconstrangimentos atuais. Na anlise sincrnica, esses dois plos represen-tam o Novo Mundo dinmico dos Estados Unidos e o Velho Mundo da Ale-manha. Mas, vamos acompanhar a argumentao na tica Protestante.

    Herdeiro da tradio da escola histrica, Weber comea pela consta-tao de um problema: a posio dominante dos protestantes na vida eco-

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    nmica alem. Aborda seu objeto de estudo de modo indutivo, que vai seapresentando aos poucos no texto. Depois de uma primeira comparaosincrnica com outros fenmenos de disparidades econmicas (regionais,minorias nacionais), Weber constata a pertinncia do fator religioso. Maslogo adverte contra interpretaes apressadas, pois, inicialmente, a Refor-ma havia sido um movimento de moralizao religiosa, ela significava asubstituio de uma autoridade muito frouxa [...] por outra, que penetravatodos os domnios da vida pblica ou privada, impondo uma regulamen-tao do comportamento muitssimo pesada e severa (Weber 1905). Aomesmo tempo, a criao de riqueza e a herana no explicam por si ss aposio econmica dominante dos protestantes na Alemanha. Com baseem estatsticas referentes educao, Weber consegue mostrar uma so-bre-representao, nas escolas superiores, de filhos de famlias protestan-tes e de uma sub-representao de catlicos que, alm disso, freqentamescolas tradicionais e no as escolas tcnicas e comerciais. Fato ainda maissurpreendente, os catlicos, minoria na Alemanha, no apresentam, como costume no caso de minorias excludas dos cargos de deciso poltica,interesse pelas atividades econmicas. Weber procura, pois, os fatores queexpliquem essa diferena nas particularidades mentais [...] inculcadaspelo ambiente religioso da comunidade ou do meio familiar.

    A seguir, Weber discute, para rejeit-lo, o argumento corrente queope o distanciamento do mundo do catolicismo, seus elementos asc-ticos, ao materialismo protestante, conseqncia da secularizao detodos os domnios da vida pelo protestantismo. Bem ao contrrio, ele mos-tra um profundo parentesco entre esprito comercial e piedade crist emcertas tendncias protestantes, em particular no pietismo e no calvinis-mo. Mas, as seitas protestantes distinguem-se entre si pela maior oumenor presena desses dois aspectos. Depois dessa primeira rodada com-parativa entre diferentes religies e seitas,

    [...] ocorre-nos um grande nmero de correlaes possveis, vagamente per-

    cebidas. Nossa tarefa ser ento de formular o mais claramente possvel o

    que s percebemos de forma ainda confusa diante da inesgotvel diversida-

    de de fenmenos histricos. Ser necessrio abandonar o campo das repre-

    sentaes vagas e gerais, para penetrar nos traos especficos e nas diferen-

    as desses universos religiosos que constituem historicamente as diversas

    expresses do cristianismo.

    O segundo captulo, destinado definio do problema, analisa aexpresso esprito do capitalismo. Com base em citaes de Benjamin

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    Franklin e de Jacob Fugger, Weber apresenta uma justificao tica pr-pria ao capitalismo moderno ocidental, que est ausente em outras situa-es de acumulao de tipo capitalista na China, na ndia, na Babilnia,na Antiguidade e na Idade Mdia. Nessa tica, valores como honestida-de, pontualidade, frugalidade so valorizados por sua utilidade paraganhar dinheiro, que se torna o fim a que o homem se prope; deixa delhe ser subordinado como meio de satisfao das necessidades materiais.Mas tal tica, antes de se tornar um fenmeno de massa, s pode se imporpor meio de conflitos importantes contra o tradicionalismo:

    O homem no deseja, por natureza, ganhar cada vez mais dinheiro, mas

    deseja, apenas, viver segundo seus hbitos e ganhar o dinheiro necessrio

    para isso. Em toda parte onde o capitalismo implantou sua obra de cresci-

    mento da produtividade do trabalho humano pelo aumento de sua intensi-

    dade, esbarrou na resistncia obstinada desse leitmotiv do trabalho da eco-

    nomia pr-capitalista.

    Depois de insistir nos limites da presso sobre os salrios como modode acumulao, sobretudo nas indstrias cuja aparelhagem tcnica exigea qualificao e a responsabilidade dos operrios, Weber mostra que otrabalho dependente tambm conduzido e sustentado por uma tica: avocao (Beruf). Em compensao, as novas riquezas so, quase sem-pre, conseguidas por novos-ricos nas fbricas nascentes, ou por jovensempresrios que tornam mais racional a articulao entre a produo eseu rigor, e a comercializao. A concorrncia que se segue eliminaaqueles que no acompanhavam o passo. Mas, na maioria das vezes,esses inovadores no foram nem especuladores nem aventureiros: forameducados na dura escola da vida, calculistas e arrojados. Interrogados arespeito do sentido de uma atividade sem descanso a qual os obriga aconcorrncia

    [...] talvez respondam, se souberem dizer alguma coisa: trabalho para meus

    filhos e meus netos! Mas, quase sempre porque este motivo no lhes

    especfico, aparece tambm entre os tradicionalistas vo responder, com

    mais exatido, que o negcio, com a atividade incessante que exige, se tor-

    nou simplesmente indispensvel sua vida. De fato, essa a nica motiva-

    o possvel; considerada porm do ponto de vista da felicidade pessoal, ela

    mostra tambm quo irracional a situao em que o homem existe em fun-

    o da empresa, e no o contrrio.

  • MAX WEBER: UMA BIOGRAFIA SOCIOINTELECTUAL 104

    O sistema capitalista, longe de ser o fruto de arrivistas e aventurei-ros, precisa dessa dedicao vocao (Beruf) de ganhar dinheiro. Ofundamento do racionalismo econmico moderno deve ser encontrado nofato de o indivduo sentir uma obrigao moral que d base tica e justi-ficativa atividade empresarial e ao trabalho transformados em voca-o (Beruf). Esse segundo trecho de definio do objeto estudado con-clui pela diferena entre a racionalizao oriunda do esprito do capita-lismo e a filosofia racional, puramente secular, do sculo XVIII, que

    [...] no encontrou seu nico nem principal campo de preferncia nos pa-

    ses onde o capitalismo estava mais desenvolvido. Nos pases de catolicismo

    romano, o voltaireanismo permanece, ainda hoje, o bem comum de grandes

    camadas da classe privilegiada e o que na prtica mais importante

    da classe mdia. Alm disso, se entendemos como racionalismo prtico o

    modo de viver que reduz conscientemente o mundo aos interesses seculares

    do ego e o julga segundo esses interesses, tal estilo de vida era, e ainda ,

    caracterstico dos povos do livre-arbtrio, to profundamente entranhado nos

    italianos e nos franceses. Mas j estamos convencidos de que no esse o

    terreno no qual prosperou a relao do homem com sua tarefa (Beruf), rela-

    o to necessria ao capitalismo. Na verdade, a epgrafe de qualquer estu-

    do sobre a racionalidade poderia ser este princpio muito simples mas esque-

    cido: a vida pode ser racionalizada de acordo com finalidades muito diver-

    sas e seguindo direes muito diferentes. A racionalidade um conceito his-

    trico que contm um mundo de oposies. preciso procurar de qual esp-

    rito nasceu determinada forma concreta de pensamento e de vida racionais;

    a partir do que se desenvolveu a idia de tarefa (Berufsgedanke) e de dedi-

    cao ao trabalho profissional (Berufsarbeit) to tradicional, como j

    vimos, sob o aspecto puramente eudemonista do interesse pessoal que,

    entretanto, foi e permanece um dos elementos caractersticos de nossa cul-

    tura capitalista. O que nos interessa aqui exatamente a origem desse ele-

    mento irracional que ela contm, como toda a noo de Beruf.

    Depois de situar na noo de Beruf (vocao ao mesmo tempo quetrabalho, e por isso obrigao moral interiorizada pela qual a pessoa sedesincumbe do trabalho) uma afinidade, o parentesco profundo entrea tica protestante e o esprito do capitalismo, Weber traa uma anliseetimolgica que confirma suas reflexes anteriores, isto , a ausncia des-sa noo nos povos em que predomina o catolicismo [...] nenhuma pala-vra de conotao anloga existe para designar o que ns, alemes, cha-mamos Beruf. Rejeitando a hiptese culturalista, que atribui uma parti-

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    cularidade tnica ao esprito germnico, Weber retraa o surgimento eas transformaes da noo de Beruf a partir das tradues da Bblia porMartinho Lutero, que produzem a passagem de uma noo eclesistica significao profana em quase todos os povos protestantes. A etapa deci-siva no desenvolvimento dessa noo at seu parentesco profundo como esprito capitalista localizada por Weber nas relaes conflitantesentre Lutero e Zwinglio, e nas seitas calvinistas, o que alis explica porque o catolicismo sempre considerou, e considera at hoje, o calvinismocomo o verdadeiro adversrio. Essa passagem etimolgica permite pre-cisar ainda mais o problema, portanto, o objeto de pesquisa. Weber rejei-ta uma soluo simplista e reducionista: No se trata de propor uma teseto irracional e doutrinria que pretenda que o esprito do capitalismo(sempre no sentido provisrio que damos expresso) seja apenas oresultado de certas influncias da Reforma, nem de afirmar que o capita-lismo, como sistema econmico, seja uma criao da Reforma. O projetode Max Weber se restringe a determinar a contribuio qualitativa dopensamento religioso ao esprito do capitalismo: temos de tentar saberse certas afinidades eletivas so perceptveis entre as formas da crenareligiosa e a tica profissional.

    Depois de delimitado, no espao infinito dos fenmenos empricos,o problema a ser estudado pela abordagem indutiva, Weber pode dedi-car-se, com a ajuda do mtodo comparativo, anlise sistemtica do pro-blema, a comear pelas diferentes seitas protestantes (calvinismo, pie-tismo, metodismo, seitas batistas). Essa comparao sistemtica ajuda aapresentar o duplo carter do protestantismo esprito comercial e pie-dade crist e, assim, refutar sobre bases mais slidas do que as daintroduo a oposio simplista entre o catolicismo distanciado do mun-do e o protestantismo materialista. Alm disso, ela permite descrever,historicamente, a dinmica social da secularizao e da racionalizaointernas da religio atravs dos conflitos teolgicos referentes predesti-nao:

    Em Calvino, esse decreto horrvel no deriva da experincia religiosa, como

    em Lutero, mas das necessidades lgicas de seu pensamento; por isso, seu

    significado, a cada progresso, aumenta com a coerncia lgica de uma medi-

    tao religiosa orientada apenas para Deus e no para os homens. Deus no

    existe para o homem, o homem que existe para Deus. Aplicar as normas

    da justia terrestre a seus decretos soberanos no faz sentido e um insul-

    to sua majestade.

  • MAX WEBER: UMA BIOGRAFIA SOCIOINTELECTUAL 106

    Ao recusar todo questionamento sobre o sentido que s pertence aDeus e que seria presuno tentar compreender, a atividade social docalvinista desenvolve-se puramente ad majorem Dei gloriam. A conse-qncia prtica que, para o calvinista,

    Deus ajuda a quem se ajuda; e tambm, como se diz, cria ele mesmo sua

    prpria salvao, ou, para ser mais exato, a certeza da salvao. Essa cria-

    o da prpria salvao impede o calvinista de viver dia aps dia, como o

    leigo catlico da Idade Mdia, e leva-o a organizar primeiro suas boas obras

    e, mais tarde, toda a sua vida transformada em boa obra de modo racional,

    num sistema.

    Irremediavelmente responsvel por ela, o calvinista no dispe maisdo sacramento da penitncia, cuja funo corresponde ao aspecto maisprofundo do catolicismo. Ao eliminar esse sacramento, o calvinista ultra-passa uma etapa suplementar do processo de desencantamento domundo, a eliminao da magia como tcnica de salvao. A conformaocada vez mais racional da vida concretiza-se na exatido, na pontualida-de, no ascetismo, na conformao sistemtica e racional de toda a vidamoral.

    Depois de ter demonstrado o papel especfico do calvinismo, entretodas as seitas protestantes, na formao do esprito asctico, Weber podedeter-se na anlise mais minuciosa das afinidades entre esse esprito e odo capitalismo. Encontra uma primeira caracterstica de destaque na rela-o especfica com o tempo. A condenao do descanso, do ponto de vis-ta da posse e do gozo da riqueza, que d origem ao mais grave de todosos pecados sob o aspecto asctico: o desperdcio de tempo. Depois, vema valorizao do trabalho duro e consciencioso, a concepo puritana davida conjugal e das relaes sexuais, bases do homem moderno do mun-do do trabalho:

    Assim como a estabilidade da profisso, expressamente recomendada pela

    importncia que tem do ponto de vista asctico, transfigura eticamente a

    especializao moderna do trabalho (Fachmenschentum), tambm a inter-

    pretao providencial das oportunidades de lucro transfigura o homem de

    negcios. A indulgncia do poderoso e a ostentao do novo-rico so identi-

    camente detestadas pelo ascetismo. Em compensao, quanta aprovao ti-

    ca para o sbrio e burgus self-mademan....

  • MAX WEBER: UMA BIOGRAFIA SOCIOINTELECTUAL 107

    Decorre da tambm a tendncia asctica antiautoritria, dirigidapelos burgueses contra a sociedade monrquica e feudal que protege osque querem se divertir e, nos tempos modernos, os ataques contra amoral proletria de classe e contra os sindicatos, sob o argumento de pro-teger aqueles que desejam trabalhar.

    Para resumir o que dissemos at agora, o ascetismo protestante em ao no

    mundo ops-se, com muita eficcia, ao gozo espontneo da riqueza e impe-

    diu o consumo, sobretudo dos objetos de luxo. Em compensao, teve o efei-

    to psicolgico de livrar das inibies da tica tradicionalista o desejo de

    adquirir. Rompeu as correntes que entravavam essa tendncia compra, no

    apenas legalizando-a, mas tambm, como j expusemos, considerando-a

    como diretamente desejada por Deus.

    Ao chegar ao fim de sua exposio, Weber insiste na secularizaodefinitiva, depois de passada a onda de entusiasmo religioso: O ardorda busca do reino de Deus comeava a diluir-se gradativamente na friavirtude profissional; a raiz religiosa definhava, cedendo a vez seculari-zao utilitria [...] um ethos especificamente burgus da tarefa nasce-ra. a que Weber pode estabelecer a realizao da afinidade entre ti-ca protestante e esprito do capitalismo, reunindo potencialmente patrese operrios:

    O ascetismo protestante [...] criou a nica norma decisiva sua eficcia: a

    motivao psicolgica pela qual o trabalho como vocao (Beruf) constitui o

    melhor, seno o nico, meio de garantir o estado de graa. Por outro lado, o

    ascetismo protestante legalizava a explorao dessa boa vontade para o tra-

    balho, ao interpretar a atividade aquisitiva do empresrio como vocao.

    evidente que a produtividade do trabalho, no sentido capitalista do termo,

    devia ser muitssimo favorecida por essa busca exclusiva do reino de Deus

    atravs do dever profissional considerado como vocao, e pelo ascetismo

    rigoroso que a disciplina da Igreja impunha por sua prpria natureza s clas-

    ses no privilegiadas. Tratar o trabalho como vocao tornou-se para o ope-

    rrio moderno uma atitude to tpica quanto a atitude correspondente do

    patro em relao aquisio [...]. Um dos elementos fundamentais do esp-

    rito do capitalismo moderno, e no apenas dele mas da prpria civilizao

    moderna, ou seja, a conduta racional baseada na idia de Beruf, nasceu do

    esprito do ascetismo cristo foi o que pretendamos demonstrar [...]. O

    puritano queria ser um homem trabalhador e somos forados a s-lo. Por-

    que, quando o ascetismo foi transferido da cela dos monges para a vida pro-

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    fissional e comeou a dominar a moral secular, foi para participar da edifica-

    o do cosmos prodigioso da ordem econmica moderna. Ordem ligada s

    condies tcnicas e econmicas da produo mecnica e maquinal que

    determina, com fora irresistvel, o estilo dos que nasceram nesse mecanis-

    mo e no apenas daqueles diretamente envolvidos pela aquisio econ-

    mica. Talvez continue a determin-lo, at que seja consumida a ltima tone-

    lada de combustvel fssil. Na opinio de Baxter, a preocupao com os bens

    exteriores devia ser, para os santos, como um leve manto que se pode deixar

    cair a cada instante! Mas a fatalidade transformou esse manto em priso de

    ferro.

    Essa anlise implacvel coloca o leitor diante da origem e do reforoprogressivo e inevitvel da priso de ferro onde ele vive. Podem-setirar concluses relativas ao futuro? Em um pargrafo de dez linhas,Weber esboa duas possibilidades no fim desse processo gigantesco:primeiro, o aparecimento de profetas totalmente novos ou um forte renas-cimento de idias e de antigos ideais; segundo, a petrificao mecnica,acrescida de uma espcie de vaidade convulsa: Especialistas sem esp-rito, sensualistas sem corao, nulidades que imaginam ter atingido umnvel de civilizao nunca antes alcanado.

    Depois de se aventurar em consideraes prospectivas, o domniodos juzos de valor e de f, do qual evitaremos sobrecarregar esta exposi-o puramente histrica, Weber esboa os problemas de pesquisa quedecorrem de sua anlise e que exigem maior desenvolvimento: o signi-ficado do racionalismo asctico para o contedo da tica poltico-social,assim como para os tipos de organizao e para as funes dos grupossociais, desde o conventculo at o Estado [...] as relaes com o raciona-lismo humanista [...] com o empirismo filosfico e cientfico [...] o progres-so tcnico e os ideais espirituais.

    O ltimo pargrafo do texto insiste em lembrar o carter limitado doobjeto estudado: a tentativa de estabelecer as causas do esprito do capi-talismo deixou de lado as influncias exercidas, em sentido inverso, pelascondies sociais e econmicas sobre esse esprito. Weber explica queno pretendeu substituir a interpretao materialista por uma interpreta-o espiritualista, que ambas pertencem ao domnio do possvel; mesmoassim, na medida em que elas no se limitam ao papel de trabalho pre-paratrio, mas pretendem trazer concluses, tanto uma quanto a outrano servem verdade histrica.

    Quando se acompanha o modo de argumentao desse texto e se ocompara ao da concluso da pesquisa sobre os operrios agrcolas e ao

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    da aula inaugural na Universidade de Fribourg, percebe-se a mudanade perspectiva no trabalho de Max Weber depois de sua depresso ner-vosa. Partindo da constatao emprica da representao diferenciadados catlicos e dos protestantes na vida econmica e poltica alem, elediscute primeiro todas as suas possveis razes para conduzir lentamenteo leitor ao objeto especfico de sua anlise, a afinidade entre a tica pro-testante e o esprito do capitalismo. Como modo de argumentao, esseprocedimento indutivo muito parecido com as primeiras seqnciasdescritivas das concluses da pesquisa sobre os operrios agrcolas. Mes-mo assim, em vez de discutir o objeto de estudo em funo de valores oude objetivos (polticos) explicitamente anunciados, Weber o analisa sobvrias perspectivas, a fim de melhor circunscrev-lo e examin-lo. Emvez de reduzir a complexidade, ele a amplia. Esse procedimento de cons-truo de um Idealtype, no caso o do esprito do capitalismo moderno,resulta da aplicao sistemtica do mtodo comparativo, que permite,pela complexificao do campo de anlise, situar os traos evidentes deum fenmeno: seu tipo ideal. Vamos acompanhar esse modo de argu-mentar. Uma primeira comparao de dados estatsticos permite reter ofator religioso como pertinente para explicar disparidades econmicas naAlemanha (comparao com fatores polticos, geogrficos, educacionais,simples transmisso familiar da riqueza). Uma segunda comparao entrea mentalidade religiosa catlica e a protestante permite constatar no seiodo protestantismo a afinidade entre esprito comercial e piedade crist. Aafinidade confusamente percebida entre protestantismo e capitalismoexige, pois, uma anlise mais fina: esta clusula de transio, em lugarde restringir, torna mais complexo o objeto de anlise. A expresso esp-rito do capitalismo tambm abordada de modo comparativo, o que per-mite distinguir os elementos constitutivos do esprito capitalista moderno(comparao histrica com outras economias de tipo capitalista, compa-rao entre tipos de empresrio): o conceito de Beruf (vocao-profisso)expressa a tica capitalista e a diferencia da filosofia racional, puramentesecular.

    Depois de constatada no conceito de Beruf a afinidade entre ticaprotestante e esprito do capitalismo, Max Weber faz uma anlise semn-tica, histrica e comparativa, o que lhe possibilita situar no calvinismo aorigem dessa afinidade. Assim circunscrito o objeto de estudo a afini-dade tica entre calvinismo e capitalismo , ele destaca essa hiptesepela comparao sistemtica que efetua entre as diferentes seitas protes-tantes. Isso lhe permite retraar a secularizao das tcnicas de salvao,desembocando em uma concepo racional da vida: planificao do tem-

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    po, valorizao do trabalho duro, concepo puritana das relaes conju-gais. A secularizao definitiva desse ascetismo, primeiro na vida econ-mica, logo estendida a todos os domnios e torna-se o trao evidente dacivilizao moderna. Os trechos dedicados a essa extenso ultrapassam,de certo modo, a construo propriamente dita do Idealtype esprito docapitalismo. A comparao sistemtica deixada de lado e, ao contrrioda construo do objeto propriamente dito, a reflexo especulativa sobrea evoluo futura assemelha-se argumentao poltica, negligenciandoem sua demonstrao todas as variaes possveis. O olhar lanado parao futuro renuncia preocupao de complexidade. Essa retrica polticano apenas elimina todos os aspectos do fenmeno analisado julgadospouco importantes (o que implica tambm a construo ideal tpica), masainda leva a uma verdadeira simplificao. Isto se torna evidente no tre-cho que se prope prospectivo. Como de costume no pensamento tec-nocrtico, a visada prospectiva leva a uma espcie de cenrio dualista:uma hiptese catastrofista que prolonga e refora as imposies atuais,e uma outra hiptese, a do retorno ao irracionalismo. No fim do texto,Weber relativiza de novo essas concluses. A cientifizao do discurso deMax Weber procede, como se percebe, pelo abandono dos elementosprescritivos e prospectivos, e, onde tais elementos subsistem, por sua rela-tivizao.

    A progresso desse texto leva abertura de infinitas possibilidades,que sugerem novos objetos de pesquisa no decorrer da construo doIdealtype esprito do capitalismo. Pelo mtodo comparativo possvelfiltrar quais elementos devem ser retidos para a construo do idealtype.Mas a construo do Idealtype esprito do capitalismo permanece pro-visria, sujeita a um aperfeioamento progressivo por meio de futuraspesquisas. Construda a partir de comparaes sistemticas entre as reli-gies crists, e em particular protestantes, a especificidade desse Idealty-pe poderia ser apenas o resultado do campo empiricamente observado.Para confirmar essa afirmao, seria necessrio fazer uma comparaocom a tica econmica (Wirtschaftsethik) de todas as religies. Duran-te a Primeira Guerra Mundial, Max Weber comea essa tarefa imensa.Alm de confirmar a validade da afinidade constatada entre tica protes-tante e esprito do capitalismo, tal comparao lhe permitir destacar aestrutura formal da racionalizao interna de todas as grandes religies,isto , de desenvolver seu Idealtype da religio. Ele apresenta essa cons-truo, inicialmente, em suas reflexes provisrias (Zwischenbetrach-tungen) redigidas em 1915-1916, e mais tarde no captulo de Economia eSociedade (1956:317-488) referente religio. O mtodo de comparao

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    sistemtica est na origem de uma leitura dinmica que abre mltiplaspistas de pesquisa e questes. Diversifica e orienta a curiosidade em dire-es nem sempre intencionais no incio da pesquisa. O interesse prepon-derante em A tica Protestante, bem destacado no fim do texto, era con-tribuir para o estudo das origens do capitalismo, sem pretender chegar aum modelo sociolgico do fato religioso.

    Traduo: Estela dos Santos Abreu

    Notas

    * Esta a segunda parte do artigo pstumo indito de Michael Pollak, cujaprimeira parte foi publicada no volume 2, nmero 1, abril de 1996, Mana Estu-dos de Antropologia Social.

    1 O texto do curso inaugural, de onde foram retiradas as citaes a seguir,encontra-se em E. Baumgarten (1964:125 e ss.).

    2 Podemos ler as tradues de Weber para o ingls e toda uma parte dainterpretao parsoniana como uma reinterpretao de Weber nos cnones dateoria estrutural-funcionalista.

    3 Essa concepo do Estado inspira toda a obra de F. Meinecke, em particu-lar Die Entstehung des Historismus (1965) e LIde de la Raison dtat danslHistoire des Temps Modernes (1973:11-12).

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    Resumo

    O artigo prope situar a obra de MaxWeber em suas condies sociais deproduo, com base nas caractersticasde seu contexto familiar, da estruturado campo universitrio alemo e desuas relaes com o mundo da poltica,acompanhando as transformaes des-se espao social no qual se construiu atrajetria individual de Weber. Relacio-nando seus primeiros trabalhos, orien-tados para a interveno nas discus-ses polticas e sociais da Alemanha dofinal do sculo XIX, com as mais co-nhecidas formulaes posteriores dosocilogo alemo sobre as relaesentre cincia e poltica, o artigo per-mite compreender a complexidade e asmudanas nessas relaes no s naobra de Weber, mas tambm no mun-do social no qual as formulaes webe-rianas foram produzidas.

    Abstract

    This article proposes to situate MaxWeber's work within the social condi-tions in which it was produced, study-ing the characteristics of his familyconfiguration and the main traits in thestructure of the German university fieldand its relationship to the world of pol-itics, accompanying the changes in thesocial space in which Weber's individ-ual trajectory was built. By relating hisearlier works, oriented towards inter-vention in the political and social dis-cussions of late 19th-century Germany,with this German sociologist's better-known later formulations on the rela-tions between science and politics, thearticle fosters an understanding of thecomplexity and changes in such rela-tions, not only in Weber's work itself,but also in the social world in which hiswork was produced.