mauro iasi o pt e consciencia

5
1 Pelo Socialismo Questões político-ideológicas com atualidade http://www.pelosocialismo.net _____________________________________________ Publicado em 2013/04/25, em: http://blogdaboitempo.com.br/2013/04/25/senso-comum-e-conservadorismo- o-pt-e-a-desconstrucao-da-consciencia/ Colocado em linha em: 2013/05/03 Senso comum e conservadorismo: o PT e a desconstrução da consciência 1 Mauro Iasi * Um dos mitos da estratégia democrática popular é o acumulo de forças. A ideia geral é que por não haver condição de rupturas revolucionárias, nem correlação de forças por mudanças estruturais no sentido do socialismo, a democratização da sociedade e as reformas graduais iriam criando as bases políticas para o desenvolvimento gradual de uma consciência socialista de massa. No 5 o Encontro Nacional do PT em 1987, o problema é colocado da seguinte maneira: certos companheiros não distinguem entre as ações ligadas ao acumulo de forças daquelas voltadas diretamente à conquista do poder, não entendendo, segundo o juízo dos formuladores, a diferença entre o “momento atual, (…) em que as grandes massas da população ainda não se convenceram de que é preciso acabar com o domínio político da burguesia, e o momento em que a situação se inverte e se torna possível colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder”. O resultado desta incompreensão seria que os “pretensamente revolucionários” não seriam entendidos pela população e pelos trabalhadores contribuindo, assim, de fato para a “desorganização das lutas” ficando condenados a “pequenos grupos conscientes e vanguardistas”. Bem, o centro deste argumento que contrapõe os pretensos revolucionários aos verdadeiros seria que estes últimos teriam a capacidade de dialogar com a consciência imediata das massas e dos trabalhadores criando a mediação necessária para elevá-la à compreensão da necessidade da conquista do poder. Nada como uma década depois da outra para julgarmos as pretensões anunciadas. A prova da validade ou não de tal formulação deve ser buscada na seguinte pergunta: após dez anos de governo petista os trabalhadores estão hoje (considerando como ponto de referencia 1987 e o 5 o Encontro do PT) mais organizados e se desenvolveu uma consciência de classe que coloca de forma mais evidente a necessidade de conquista do poder “acabando com o domínio político da burguesia”? 1 Manteve-se a variante do português do Brasil – [NE]

Upload: dalton-reis

Post on 20-Nov-2015

4 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

texto sobre o pt e a consciência

TRANSCRIPT

  • 1

    Pelo Socialismo

    Questes poltico-ideolgicas com atualidade

    http://www.pelosocialismo.net

    _____________________________________________

    Publicado em 2013/04/25, em: http://blogdaboitempo.com.br/2013/04/25/senso-comum-e-conservadorismo-o-pt-e-a-desconstrucao-da-consciencia/

    Colocado em linha em: 2013/05/03

    Senso comum e conservadorismo: o PT e a desconstruo da conscincia1

    Mauro Iasi *

    Um dos mitos da estratgia democrtica popular o acumulo de foras. A ideia geral que por no haver condio de rupturas revolucionrias, nem correlao de foras por mudanas estruturais no sentido do socialismo, a democratizao da sociedade e as reformas graduais iriam criando as bases polticas para o desenvolvimento gradual de uma conscincia socialista de massa.

    No 5o Encontro Nacional do PT em 1987, o problema colocado da seguinte maneira: certos companheiros no distinguem entre as aes ligadas ao acumulo de foras daquelas voltadas diretamente conquista do poder, no entendendo, segundo o juzo dos formuladores, a diferena entre o momento atual, () em que as grandes massas da populao ainda no se convenceram de que preciso acabar com o domnio poltico da burguesia, e o momento em que a situao se inverte e se torna possvel colocar na ordem do dia a conquista imediata do poder.

    O resultado desta incompreenso seria que os pretensamente revolucionrios no seriam entendidos pela populao e pelos trabalhadores contribuindo, assim, de fato para a desorganizao das lutas ficando condenados a pequenos grupos conscientes e vanguardistas.

    Bem, o centro deste argumento que contrape os pretensos revolucionrios aos verdadeiros seria que estes ltimos teriam a capacidade de dialogar com a conscincia imediata das massas e dos trabalhadores criando a mediao necessria para elev-la compreenso da necessidade da conquista do poder.

    Nada como uma dcada depois da outra para julgarmos as pretenses anunciadas. A prova da validade ou no de tal formulao deve ser buscada na seguinte pergunta: aps dez anos de governo petista os trabalhadores esto hoje (considerando como ponto de referencia 1987 e o 5o Encontro do PT) mais organizados e se desenvolveu uma conscincia de classe que coloca de forma mais evidente a necessidade de conquista do poder acabando com o domnio poltico da burguesia?

    1 Manteve-se a variante do portugus do Brasil [NE]

  • 2

    Comecemos pela expresso maior dessa estratgia e seu lder incontentvel: Luis Incio Lula da Silva. Como operrio ele expressava no incio de sua trajetria poltica os elementos evidentes do senso comum, nos termos gramscianos, ou de uma conscincia reificada nos termos de Lukcs. Em seu discurso de posse no Sindicato dos Metalrgicos de So Bernardo do Campo e Diadema em 1975, dizia que vivamos em um momento negro para o destino dos indivduos e da humanidade, porque tnhamos de um lado o homem esmagado pelo Estado, escravizado pela ideologia marxista, tolhido nos seus mais comezinhos ideais de liberdade, e de outro lado, tnhamos o homem escravizado pelo poder econmico explorado por outros homens (Discurso de Lula na posse do Sindicato dos Metalrgicos de SBC e Diadema, 1975).

    As mudanas na conscincia dos trabalhadores no vm da autodescoberta ou do esclarecimento, so o resultado de sua insero na luta de classes. As lutas operrias do final dos anos 1970 e incio dos anos 1980 colocariam novos elementos conscincia deste operrio em construo.

    Em seu discurso na 1a Conveno Nacional do PT em 1981, Lula j diria: O PT no poder, jamais, representar os interesses do capital. Em outra parte do mesmo discurso o lder em formao afirmaria:

    Ns, do PT, sabemos que o mundo caminha para o socialismo. Os trabalhadores que tomaram a iniciativa histrica de propor a criao do PT j sabiam disso muito antes de terem sequer a ideia da necessidade de um partido (). Os trabalhadores so os maiores explorados da sociedade atual. Por isso sentimos na prpria carne e queremos, com todas as foras, uma sociedade () sem exploradores. Que sociedade esta seno uma sociedade socialista (Discurso de Lula na 1a Conveno Nacional do PT, 1981).

    Os trabalhadores, no momento de fuso que os constitua em classe contra o capital, expressavam a difcil passagem da conscincia reificada conscincia em si, apontando j neste momento os germes de uma conscincia para si, ou seja, mais que a conscincia de uma classe da ordem do capital, mas uma classe portadora da possibilidade de uma nova forma societria para alm da sociedade burguesa.

    As lutas operrias, assim como o retomar de um conjunto muito amplo de lutas sociais, tornaram possvel um salto organizativo que resultou na formao de um partido e, depois, de uma central sindical, da mesma forma que se alastra pela sociedade a retomada de associaes, movimentos sociais e lutas das mais diversas.

    Faamos um corte e pulemos para uma entrevista em que Lula recebe o reprter do programa norte americano 60 minutes por ocasio do final de seu segundo mandato como presidente.

    Nesta entrevista o reprter norte americano pergunta ao ex-presidente:

    Havia empresrios, no Brasil e no exterior, muito preocupados com sua posse, que pensavam que era um socialista e que daria uma virada completamente esquerda. Agora estas pessoas so seus maiores apoiadores. Como isso aconteceu?

  • 3

    E Lula responde:

    Veja, eu de vez em quando brinco que um torneiro mecnico com tendncias socialistas se tornou presidente do Brasil para fazer o capitalismo funcionar. Porque ramos uma sociedade capitalista sem capital. E se voc olhar para os balanos dos bancos neste ano (final do segundo mandato de Lula) ver que nunca antes os Bancos ganharam tanto dinheiro no Brasil como eles ganharam no meu governo. E as grandes montadoras nunca venderam tantos carros como no meu governo. Mas os trabalhadores tambm fizeram dinheiro.

    O reprter um tanto surpreso pergunta: Como voc conseguiu fazer isso?. E Lula responde: Eu descobri uma coisa fantstica. O sucesso do poltico fazer o que bvio. o que todo mundo sabe que precisa ser feito, mas que alguns insistem em fazer diferente.

    Notem bem, Lula expressava entre 1975 e 1987 o movimento da conscincia de classe que passava de uma determinao da alienao conscincia de classe em si. Da mesma forma fica manifesto na conscincia de sua liderana mais expressiva o caminho de volta reificao.

    O problema que a conscincia expressa na liderana representativa do resultado poltico da estratgia por ele implementada no conjunto da classe e em sua conscincia. Como a conscincia em seu movimento sntese de fatores subjetivos e objetivos, a ao poltica da classe conformada por uma estratgia incide diretamente sobre a classe e sua formao enquanto classe.

    Em sua anlise sobre a social-democracia, Adan Przeworski (Capitalismo e Social-democracia, So Paulo: Cia das Letras, 1989) afirma que:

    A classe molda o comportamento dos indivduos to-somente se os que so operrios forem organizados politicamente como tal. Se os partidos polticos no mobilizam as pessoas como operrios, e sim como as massas, o povo, consumidores, contribuintes, ou simplesmente cidados, os operrios tornam-se menos propensos a identificar-se como membros da classe. (Przeworski, 1989:42).

    O mito do acumulo de foras s se sustenta renovando-se ao infinito, isto , nunca estamos prontos, nunca h a correlao de foras favorvel, nunca o nvel de conscincia das massas e dos trabalhadores chega necessidade da conquista do poder. O problema que agindo desta forma criam-se as condies para que de fato nunca estejam dadas as condies.

    No entanto, a questo ainda mais sria. Os defensores do acumulo de foras acreditam piamente que os patamares de conscincia no regridem, isto , a conscincia de classe desenvolvida nos anos oitenta e noventa ficaria ali no ponto onde chegou e iria se tornando massiva em consequncia do andamento positivo das ditas reformas. Nesta leitura, se ainda no temos uma conscincia revolucionria, que j coloca a necessidade da conquista do poder, teramos a generalizao gradual de

  • 4

    uma conscincia em si, digamos democrtica, disposta a manter o patamar das conquistas e reagir quando estes esto ameaados.

    No o que verificamos. A conscincia expressa na liderana revela que o conjunto da classe retoma um patamar que Sartre denominava de serialidade e ao qual corresponde a conscincia reificada. Esta a conscincia da imediaticidade, da ultrageneralizao, do preconceito, da perda do capacidade de vislumbrar, ainda que potencialmente, a totalidade.

    Presos a esta forma de conscincia, os trabalhadores no agem como uma classe nos limites da ordem do capital em luta contra suas manifestaes mais aparentes e, pior, eles a naturalizam e se comportam como agentes de sua reproduo e perpetuao desta ordem.

    O senso comum reflete este movimento e no cotidiano que ele se manifesta. Se podamos falar de um senso comum progressista, ou tendencialmente de esquerda, no contexto de intensificao da luta de classes na crise da autocracia burguesa e no processo de democratizao, hoje no quadro de uma democracia de cooptao consolidada temos um senso comum que tende a ser conservador e, por vezes, reacionrio.

    Permitam-se um exemplo caseiro, mas creio que significativo. Lincoln Secco escreveu um texto sobre a situao da Coria do Norte em nosso blog (Kim Jong-un 17/04/2013). Um comentador simplesmente respondeu com um direto vai morar l, mas deixemos este de lado. Destaco dois comentrios mais substanciosos e que revelam uma forma de compreenso do mundo atual e seus dilemas:

    Olha, at pouco tempo tinha raiva dos EUA pela sua indstria cultural, sua arrogncia, sua intromisso em assuntos de outras naes, etc. Entretanto, depois de conhecer o pas e seu povo, mudei completamente minha concepo. Os caras so os caras porque trabalham duro, estudam bastante e so muito educados e politizados. O fazem mundo afora conhecido na natureza como a lei do mais forte. Queria eu morar num pas que dita as regras aos outros e ningum tira farinha. Alm disso, em pleno sculo XXI, os norte coreanos so tratados como um rebanho e no como cidados livres. Abaixo o apoio ao totalitarismo, como ocorre por l!!!

    Um outro, mais duro, afirma:

    kkkkkkkkkkkkkkkkk . Pas sitiado? por quem? Paranoicos, malucos mesmo, todos eles, o estadista mirim, o professor que assina esta bobagem. Veja bem, a lio de histria pode at ser boa, talvez o que o trai sejam as convices polticas o tempo passou e eles no perceberam O Presidente dos Estados Unidos, j Obama, viu pessoalAmeaa do Ocidente? Para quem? Despertem deste sono louco, sejam felizes, ou no, mas, deixem de loucura! Vivemos num mundo diferente do das cartilhas que vocs estudam!!!.

    No vou entrar no mrito, no guardo nenhuma simpatia pela forma poltica norte coreana, mas em seu ncleo central o texto do companheiro Lincoln, apenas afirma que existe um espao de soberania dos Estados nacionais e que estes tem direito de se

  • 5

    defender, o que o leva a constatao que no so eles que provocam e atacam, mas ao contrrio, esto sendo provocados por exerccios militares que partem dos EUA. Como explicar tal reao?

    No vai aqui nenhuma considerao aos comentadores, eles tem direito de expressar sua opinio, concordemos ou no. Um blog tem de tudo e tais comentrios o deixam ainda mais interessante. O que nos preocupa que ele revela, e isto uma virtude, um elemento do senso comum que indica uma preocupante guinada conservadora, mesmo em relao a valores mais elementares, e isso em um leitor de um blog de uma editora com uma linha claramente de esquerda em um pais que est h dez anos acumulando foras.

    Podemos ver este fenmeno como um resqucio ou uma exceo em um senso comum que tende a ser mais progressista. Infelizmente eu acredito que no. A forma do senso comum resultado de toda a histria da formao social, sua resultante cultural, a permanncia das relaes sociais de produo burguesas, mas tambm do processo poltico mais recente que como toda prxis pode superar ou reforar o existente. No caso reforou.

    Lembrando ainda Przeworski, sabemos que a chamada organizao das massas precisa ser compreendida de forma mais profunda. No h uma relao direta entre organizao e ao, possvel organizar para apassivar. Diz o autor:

    Os lderes tornam-se representantes. Massas representadas por lideres eis o modo de organizao da classe trabalhadora no seio das instituies capitalistas. Dessa maneira, a participao desmobiliza as massas (Przeworski, 1989: 27).

    triste.

    * Mauro Iasi professor adjunto da Escola de Servio Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ, pesquisador do NEPEM (Ncleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comit Central do PCB. autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o no ser da conscincia (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, s quartas.