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9 Física na Escola, v. 3, n. 2, 2002 O Espaço e o Éter Este artigo mostra como o conceito de éter en- trou e saiu do pensamento científico até sua completa explicação. Q uando nos perguntamos o que há entre a Terra e a Lua, ou entre os demais planetas, a resposta vem com facilidade: o “vá- cuo”. Nossa concepção de universo nos leva a imaginar uma porção de matéria bem localizada nas estrelas, nos planetas e demais astros, cercada de vazio por todos os lados. Bem, isto parece certo hoje. Mas será que em nosso mundo sempre houve lugar para o vazio? Se nos afastarmos do nosso sé- culo, vamos encontrar diversos perío- dos onde as pessoas em geral, e os cientistas em par- ticular, tiveram a convicção de que o Universo era pleno e que o vazio era al- go impensável, pa- ra não dizer absur- do. Na Grécia anti- ga isto aparece de forma muito clara na concepção de universo de Aristóteles (século IV an- tes de Cristo). Para ele, o universo era composto por cinco elementos bási- cos, quatro presentes na Terra e suas imediações (terra, água, ar e fogo) e um quinto extremamente sutil, no- meado éter, que preencheria todo o res- to, indo da órbita da Lua até as porções mais distantes do céu. É conferida a Aristóteles, a autoria de uma frase que se tornaria famosa na Idade Média: “A natureza tem horror ao vácuo”. Nela aparece claramente a convicção dos antigos de que o vazio não poderia existir. Muitos séculos depois de Aristó- teles, Descartes (1596-1650), um cientista francês do século XVII, de- senvolveu uma explicação física para o movimento dos astros baseado na existência de turbilhões de matéria na região inter-estelar. Para ele, o espaço era preenchido por uma espécie de fluido, (também chamado éter), no qual o Sol, a Terra, os demais planetas e estrelas encontravam-se imersos. Ao rotacionar, um astro colocava o fluido em movimento, que por sua vez aca- bava por influenciar os demais astros. O Sol, ao girar sobre si mesmo, aca- bava por produzir um redemoinho que colocava a Terra e demais planetas do sistema em movi- mento de translação em torno de si. A translação da Lua, por sua vez, seria re- sultado de um rede- moinho cujo centro se encontrava na Terra. O éter era fun- damental na física cartesiana, pois sem ele não existiriam turbilhões e uma estrela como o Sol não poderia fazer os planetas girar ao seu redor. Para Descartes, o éter era também responsável pela transmissão da luz e calor proveniente das estrelas. Luz nada mais era que uma espécie de pressão resultante também do movi- mento produzido pelo Sol e transmi- tida pelo éter. Descartes não foi o único a pensar no éter como um meio res- ponsável pela propagação da luz atra- vés do espaço. Huygens, Euler, Young e Fresnel, dentre outros, depois dele também pensaram dessa forma. Maurício Pietrocola Depto. de Física Universidade Federal de Santa Catarina Para justificar a existência do éter, Descartes desenvolveu uma explicação física para o movimento dos astros baseado na existência de turbilhões de matéria na região inter-estelar

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9Física na Escola, v. 3, n. 2, 2002 O Espaço e o Éter

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Este artigo mostra como o conceito de éter en-trou e saiu do pensamento científico até suacompleta explicação.

Quando nos perguntamos oque há entre a Terra e a Lua,ou entre os demais planetas,

a resposta vem com facilidade: o “vá-cuo”. Nossa concepção de universonos leva a imaginar uma porção dematéria bem localizada nas estrelas,nos planetas e demais astros, cercadade vazio por todos os lados. Bem, istoparece certo hoje. Mas será que emnosso mundo sempre houve lugarpara o vazio?

Se nos afastarmos do nosso sé-culo, vamos encontrar diversos perío-dos onde as pessoas em geral, e oscientistas em par-ticular, tiveram aconvicção de que oUniverso era plenoe que o vazio era al-go impensável, pa-ra não dizer absur-do. Na Grécia anti-ga isto aparece deforma muito clara na concepção deuniverso de Aristóteles (século IV an-tes de Cristo). Para ele, o universo eracomposto por cinco elementos bási-cos, quatro presentes na Terra e suasimediações (terra, água, ar e fogo) eum quinto extremamente sutil, no-meado éter, que preencheria todo o res-to, indo da órbita da Lua até as porçõesmais distantes do céu. É conferida aAristóteles, a autoria de uma frase quese tornaria famosa na Idade Média:“A natureza tem horror ao vácuo”.Nela aparece claramente a convicçãodos antigos de que o vazio não poderiaexistir.

Muitos séculos depois de Aristó-

teles, Descartes (1596-1650), umcientista francês do século XVII, de-senvolveu uma explicação física parao movimento dos astros baseado naexistência de turbilhões de matéria naregião inter-estelar. Para ele, o espaçoera preenchido por uma espécie defluido, (também chamado éter), noqual o Sol, a Terra, os demais planetase estrelas encontravam-se imersos. Aorotacionar, um astro colocava o fluidoem movimento, que por sua vez aca-bava por influenciar os demais astros.O Sol, ao girar sobre si mesmo, aca-bava por produzir um redemoinho

que colocava a Terrae demais planetas dosistema em movi-mento de translaçãoem torno de si. Atranslação da Lua,por sua vez, seria re-sultado de um rede-moinho cujo centro

se encontrava na Terra. O éter era fun-damental na física cartesiana, poissem ele não existiriam turbilhões euma estrela como o Sol não poderiafazer os planetas girar ao seu redor.

Para Descartes, o éter era tambémresponsável pela transmissão da luze calor proveniente das estrelas. Luznada mais era que uma espécie depressão resultante também do movi-mento produzido pelo Sol e transmi-tida pelo éter. Descartes não foi o únicoa pensar no éter como um meio res-ponsável pela propagação da luz atra-vés do espaço. Huygens, Euler, Younge Fresnel, dentre outros, depois deletambém pensaram dessa forma.

Maurício PietrocolaDepto. de FísicaUniversidade Federal de Santa Catarina

Para justificar a existênciado éter, Descartes

desenvolveu uma explicaçãofísica para o movimento dosastros baseado na existênciade turbilhões de matéria na

região inter-estelar

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10 Física na Escola, v. 3, n. 2, 2002O Espaço e o Éter

O sucesso da teoria newtonianano início do século XVIII fez com queo espaço passasse a ser pensado comoalgo vazio. Diferentemente de Descar-tes, Newton não baseava a explicaçãodo movimento dos corpos em turbi-lhões; o éter veio a tornar-se entãodesnecessário. Para ele, o movimentoconstante dos planetas, entre outrosargumentos, faria supor um espaçosem nada que pudesse gerar atrito. Naconcepção newtoniana, a luz consti-tuía-se num feixe de partículas muitopequenas que poderiam muito bemser emitidas pelo Sol, atravessar o es-paço vazio e chegar à Terra.

Fresnel, outro cientista francês(1788-1827), participou ativamenteda reabilitação do éter como meio in-ter-espacial propagador da luz. Noinício do século XIX, ele conseguiudemonstrar que boa parte dos fenô-menos ópticos poderiam ser melhorentendidos concebendo a luz comoonda. Na época, uma onda, a exemplodo som, só poderia se propagar nummeio material e Fresnel voltou a pro-por que o universo não poderia servazio, mas deveria ser preenchido porum fluido capaz de transmitir a luz.Principalmente em função do sucessoda teoria ondulatória da luz de Fresnel,o espaço voltou a ser preenchido peloéter.

Ao longo de todo século XIX, in-tensificaram-se as teorias que procu-raram explicar os fenômenos físicoscomo manifestações do éter. O calor,a eletricidade, o magnetismo e outrosfenômenos físicos passaram a serinterpretados a partir do éter. Sua im-portância foi tão grande neste períodoque alguns anos depois J.J. Thomsonse manifestaria da seguinte formasobre o éter:

“O éter não é uma criação fantás-tica de uma filosofia especulativa; eleé essencial para nós, como o ar querespiramos.”1

Porém nem só de sucesso viveu afísica do éter. Muitas dificuldades seseguiram ao preenchimento do espaçopor uma substância material. ComoNewton já havia indicado, seria difícilimaginar que a regularidade nos pe-ríodos orbitais de planetas, cometas esatélites pudesse resistir a um movi-mento constantemente “atrapalhado”

por um fluído. Para evitar esta crítica,os defensores do éter garantiam queele era uma substância muito fluida,praticamente não oferecendo resistên-cia à passagem dos astros. Emboradifícil de aceitar, um éter super-fluidopermitiria entender por que sua pre-sença não perturbava o movimentodos astros. Porém, a este problemaassociaram-se outros. Para poder ex-plicar os fenômenos de polarização,observados na época por Malus(1772-1812), Fresnel introduziu a hi-pótese de que as ondas luminosas se-riam transversais e não longitudinaiscomo o som. Mas já se sabia na épocaque apenas corpos rígidos eram ca-pazes de transmitir tais ondas e queem geram tais corpos eram viscosose não fluidos. Instala-se, então, umacontradição na concepção do éter: eledeveria ser muito fluido para nãoatrapalhar o movimento dos astros,mas também muito rígido para trans-mitir ondas transversais em altíssimavelocidade. Além de não ser conhecidasubstância que preenchesse esses re-quisitos, essas duas propriedades pa-reciam se excluir!

Os problemas na concepção doéter continuaram a aparecer ao longodo século XIX, embora os cientistasem geral acreditassem que as soluçõesfossem possíveis de serem encon-tradas.

O último capítulo desta históriateve origem em um problema aparen-temente simples. Em 1810, Arago,também francês, pretendeu, sem su-cesso, detectar a influência do movi-mento terrestre na refração da luzemitida pelas estrelas. Como o índicedo meio depende da velocidade da luz,ele acreditava que mediria um desviodiferente produzido por um prismase movimentando com a Terra peloespaço. Logo em seguida, em 1818,Fresnel propõe uma explicação parao resultado negativo da experiência,propondo a hipótese do arrastamentoparcial do éter pela matéria. À expe-riência de Arago seguiram-se diversasoutras, sendo que a de Michelson eMorley, realizada em 1881-1816, foia que se tornou mais famosa. As expe-riências indicavam que não havia efei-to gerado pelo movimento da Terraem relação ao éter inter-espacial, cau-

sando enormes dificuldades para osfísicos teóricos da época. Em 1905,Einstein (1879-1955) resolveu taisproblemas envolvendo a óptica/ele-trodinâmica dos corpos em movimen-to, propondo que o nosso espaço évazio, embora capaz de transmitir on-das de natureza eletromagnética, co-mo a luz. Dê uma só tacada, eleeliminou diversos problemas associa-dos ao éter, mas também a principalbase teórica da Física da época. Seriacomo jogar fora “o bebê junto com aágua suja do banho”. O espaço plenodo século XIX voltou a ser vazio comona época áurea do newtonianismo.

Foi necessário tempo para que aspessoas se acostumassem com a idéiade um espaço vazio. Depois da publi-cação de Einstein, durante algumasdécadas, algumas experiências aindatentaram, sem sucesso, detectar ovento de éter passando próximo à su-perfície terrestre.

Para nós que nascemos numaconcepção de espaço vazio, isto nosparece natural. Porém até quando oespaço continuará a ser sinônimo devácuo?!

Bibliografia

Nota1J.J. Thomson, Presidential adress

to the british Association atWinnipeg, 1909, The Electrician,63(1909), pag. 778.

É assim mesmo?

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11Física na Escola, v. 3, n. 2, 2002

Equilíbrio de Pressãoentre duas Bolhas

Material• conexão T;• solução para fazer bolhas de

sabão (10 copos de água para cadacopo de detergente + 1/2 copo deglicerina);

• tubo de borracha ou manguei-ra.

ProcedimentoCorte 3 pedaços de mangueira e

encaixe-os em cada uma das extre-midades da conexão T. Molhe duasextremidades na solução e assoprena terceira. Aperte uma das man-

gueiras de borracha para que uma dasbolhas seja maior que a outra.

Observe que...Ao contrário do que se esperava,

a bolha menor enche a maior, porquea tensão superficial da primeira émais intensa do que a da última. Po-demos observar um efeito análogoao encher um balão de aniversário:é mais fácil enchê-lo à medida que oseu volume aumenta.

Tópicos de discussão• Tensão superficial• Relação entre a área e o vol-

ume de uma esfera• Pressão e fluxo de ar

Marcelo M.F. SabaClube de Ciências Quark

S.J. Campos - SPAssopre aqui