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12 - MARÇO 2017 Matéria de Capa Debate volta à tona com o surgimento de programas de carne Premium Adilson Rodrigues [email protected] BOI INTEIRO X BOI CASTRADO A inda era primavera quando uma triste notícia atingia o mercado de carne bo- vina em 2016, quando o Frigorífico JBS anunciava o fim da parceria com o Programa Carnes Angus Certificada. Não que as relações estivessem estremecidas ou algo parecido, mas o revés tirou do bolso dos pecuaristas um prê- mio de R$ 5 reais por arroba só pelo fato de o lote ser composto por animais com sangue do taurino britânico. A notícia surgiu em meio a muita polêmi- ca – esclarecida mais tarde – e foi suficiente para reacender um velho e recorrente debate do setor de produção de proteína vermelha. O motivo que levara ao fim do convênio foi uma decisão unilateral da empresa para reposicio- nar a então recém-criada linha Angus Friboi. A ideia seria elevá-la a um patamar Premium. E, para tanto, necessitaria de uma matéria-prima mais apropriada. Entenda-se por boi castrado! Precisava-se de carcaças com maior nível de gordura, homogeneidade e que resultassem em cortes mais macios, saborosos e marmo- rizados. Atributos estes que os bois inteiros fornecidos pelo programa mostraram-se inca- pazes de atender. “Isso não é nenhum tipo de ruptura ou desacerto entre pecuaristas e frigo- rífico. É apenas uma decisão estratégica para posicionar a Angus Friboi no mercado gourmet ”, explica Fábio Schuler Medeiros, gerente sênior do Programa Carne Angus Certificada. Os bovinos inteiros da Carne Angus Cer - tificada continuam em outras frentes, em que os criadores podem receber prêmios por rastrear o gado, exportar à União Europeia ou ser aprovado no Farol da Qualidade. Uma destas frentes é a linha Maturatta, composta por peças mais pe- sadas, maior capa de gordura e voltada para churrasco. Nada mudou nos demais frigoríficos participantes do programa da Associação Brasileira de Angus e Medei-

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Page 1: Matéria de Capa BOI INTEIRO X BOI CASTRADO · 2017-03-10 · 12 - MARÇO 2017 Matéria de Capa Debate volta à tona com o surgimento de programas de carne Premium Adilson Rodrigues

12 - MARÇO 2017

Matéria de Capa

Debate volta à tona com o surgimento de programas de carne Premium

Adilson [email protected]

BOI INTEIRO X BOI CASTRADO

Ainda era primavera quando uma triste notícia atingia o mercado de carne bo-vina em 2016, quando o Frigorífico JBS

anunciava o fim da parceria com o Programa Carnes Angus Certificada. Não que as relações estivessem estremecidas ou algo parecido, mas o revés tirou do bolso dos pecuaristas um prê-mio de R$ 5 reais por arroba só pelo fato de o lote ser composto por animais com sangue do taurino britânico.

A notícia surgiu em meio a muita polêmi-ca – esclarecida mais tarde – e foi suficiente para reacender um velho e recorrente debate do setor de produção de proteína vermelha. O

motivo que levara ao fim do convênio foi uma decisão unilateral da empresa para reposicio-nar a então recém-criada linha Angus Friboi. A ideia seria elevá-la a um patamar Premium. E, para tanto, necessitaria de uma matéria-prima mais apropriada. Entenda-se por boi castrado!

Precisava-se de carcaças com maior nível de gordura, homogeneidade e que resultassem em cortes mais macios, saborosos e marmo-rizados. Atributos estes que os bois inteiros fornecidos pelo programa mostraram-se inca-pazes de atender. “Isso não é nenhum tipo de ruptura ou desacerto entre pecuaristas e frigo-rífico. É apenas uma decisão estratégica para

posicionar a Angus Friboi no mercado gourmet”, explica Fábio Schuler Medeiros, gerente sênior do Programa Carne Angus Certificada.

Os bovinos inteiros da Carne Angus Cer-tificada continuam em outras frentes, em que os criadores podem receber prêmios por rastrear o gado, exportar à União Europeia ou ser aprovado no Farol da Qualidade. Uma destas frentes é a linha Maturatta, composta por peças mais pe-sadas, maior capa de gordura e voltada para churrasco. Nada mudou nos demais frigoríficos participantes do programa da Associação Brasileira de Angus e Medei-

Page 2: Matéria de Capa BOI INTEIRO X BOI CASTRADO · 2017-03-10 · 12 - MARÇO 2017 Matéria de Capa Debate volta à tona com o surgimento de programas de carne Premium Adilson Rodrigues

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ros garante que não existem motivos para maiores preocupações.

Fato é que a ânsia por uma carne de me-lhor qualidade existe entre os consumidores brasileiros e obriga a importação de 1.100 toneladas de cortes nobres, principalmente do Uruguai, movimentando um total de US$ 35 milhões por mês em negócios. Produto origi-nado a partir de bois castrados. “O consumi-dor sabe identificar qualidade e pode pagar um pouco mais para comer melhor”, comprova Alessandro Pereira, sócio-diretor da Mania de Churrasco! Prime Steak House, que possui 34 lojas em São Paulo e no Paraná.

A clientela potencial é enorme. Dados do IBGE mostram que a população brasileira gasta 25% da renda com alimentação fora de casa, especialmente nas praças de alimentação dos shoppings centers. Um fenômeno que im-põe ao varejo alimentício o desafio de avaliar o produto adquirido do frigorífico com mais cautela. E não pense o leitor que “comer me-lhor” significa investir em pratos requintados, de restaurantes luxuosos.

O ticket médio da Mania de Churrasco, por exemplo, é de R$ 21, bem distante dos R$ 80 do Outback Steakhouse ou dos R$ 110,00 da Barbacoa Churrascaria, que, aliás, trocou as importações por um fornecedor nacional, a VPJ Alimentos, fazenda pioneira na verticali-zação da cadeia. Ou seja, qualidade de carne é um mercado consolidado. “Quando falamos nicho de mercado, as pessoas confundem com algo pequeno. Não é o caso”, afirma o zootec-nista Marcelo Shimbo, sócio-diretor da Prime Carter.

Produzir carne de qualidade é atender um pedido do cliente. “A steak house é a carne para restaurante. É um mercado real, interessante e necessita de um produto es-

pecífico, assim como o supermercado não deseja só essa carne hoje produzida no Bra-sil”, complementa o o sócio-diretor da Prime Carter. Cortes mais saborosos e sofisticados são uma demanda crescente, alicerçada na maior conscientização das pessoas em relação ao paladar.

A indústria não consegue abastecer nem metade desse mercado. Segundo Roberto Barcellos, diretor da Beef &Veal Consulto-ria, o mercado doméstico de carne bovina ca-minha na contramão de dez ou 20 anos atrás. Pela realidade socioeconômica do País, a transformação em grande escala é lenta, mas inclusive a dona de casa deseja um bife ma-cio e sem DFD (dark, firm and dry), sigla

em inglês para descrever aquela carne firme, escura, seca, sem aroma e sabor.

DFD é uma reação ao elevado nível de pH na carne (6,0 ou acima), causado por hormô-nios masculinos, em resposta a situações de estresse. “Quando penso em exportação, o boi inteiro vai bem. Quando olho para dentro do Brasil, ele não funciona mais e aí vemos sur-gir programas de qualidade buscando o animal bem terminado e com marmoreio”, assinala o especialista. Saiba que existe uma explicação lógica para esta manifestação e acompanha a evolução do parque industrial brasileiro nas duas últimas décadas.

Em regra, para os especialistas, a carne que o consumidor deseja é de boi castrado. Ainda

Quando falamos nicho de mercado as pessoas confundem com algo pequeno, mas não é o caso, afirma Marcelo Shimbo

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assim, não é encontrada em escala na pecuária brasileira. “O pecuarista produz o que bem en-tende e empurra à indústria, que empurra para algum cliente”, brinca Shimbo. Seria um efeito reverso da venda sob encomenda. Ao invés de se produzir para um comprador, tenta-se achar um comprador para o produto .

E com a escassez no Brasil – apenas Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul têm hábito de castrar seus bois e mesmo nessas regiões já se observa a desova de bois inteiros – a saída vem sendo basear os programas de qualidade no abate de fêmeas como meio de garantir acabamento, maciez e prevenir DFD. “Erroneamente, o pecuaris-ta embarca nessa ideia. Acredita ser um gado mais barato de produzir. Não é verdade. A eficiência biológica da fêmea é inferior a do macho castrado”, esclarece o consultor Ro-berto Barcellos.

Ao confrontar com o boi inteiro, engordar novilha ou vaca é 20% mais caro. Terminar macho castrado custa metade disso. A diferen-ça está no rendimento de carcaça. Se tiver uma boa eficiência alimentar e um biótipo desejado, a fêmea vai render entre 52% e 53% na desos-sa, enquanto no boi capado a média sobe para uma faixa de 54% a 55%. No gado inteiro, o índice salta para 56% ou 57%. O fato de render de 2% a 3% menos nas mesmas condições de criação dos demais onera em muito as despe-sas da propriedade.

“Apesar de as curvas de crescimento das duas categorias serem muito próximas, a ques-tão da musculosidade do macho reflete em um rendimento de carcaça superior, encarecendo a produção da fêmea na comparação dos resulta-dos”, aponta Barcellos.

Outro ponto pesou a favor da discordância entre os elos da cadeia produtiva, a reorganiza-ção do sistema produtivo após a retomada do cruzamento industrial. Ele foi pautado pela efi-

ciência zootécnica do meio-sangue e não pela qualidade de carne propriamente dita, avaliam os analistas de marcas próprias.

Ovo e galinhaQuem nasceu primeiro, o ovo ou a ga-

linha? A piada resume bem o quente debate. De um lado, o frigorífico tenta persuadir o pecuarista a entregar boi castrado. Do outro, o produtor alega gastar demais e não receber incentivo financeiro suficiente para fornecê-lo. Enquanto o impasse continua, o consumidor continua à espera de uma melhor experiência com a carne bovina.

Em média, o boi castrado possui uma cur-va de eficiência alimentar 10% inferior em contraste à do boi inteiro, sob as mesmas con-dições de dieta, além de também apresentar um rendimento de carcaça menor e uma lim-peza maior. Chegam a ser retirados 12 quilos de gordura, segundo aponta o professor José Neuman Miranda Neiva, da Universidade Fe-deral do Tocantins, com base em experimentos realizados na instituição. Em português claro, o produtor gasta, no mínimo, 10% mais para engordar o bicho.

Bois inteiros demandam 15% mais de energia para mantença, todavia crescem 23,48% mais, ganham 24% mais peso e pos-suem uma conversão alimentar 11,11% mais eficiente. Pelo menos, estes são os dados apre-sentados por Alexandre Meneses, do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em uma tese publicada em 2016, em parceria com um grupo de pes-quisadores e professores.

O estudo buscou aferir a resposta de novi-lhos da raça Nelore castrados e não castrados a uma dieta de confinamento com alto grão, da engorda ao abate, deixando evidente vantagem para o segundo grupo na relação custo/benefí-cio. Já João Paulo Sigolo T. Bastos, gerente ad-

ministrativo – Matriz JBS, durante o primeiro Painel de Qualidade do Encontro de Analistas, em São Paulo, disse que a eficiência de ganho em peso depende muito do manejo e da dieta fornecida, especialmente quanto à qualidade de energia.

“Temos animais de 140 dias de cocho com mais de 6 mm de gordura e ganhando 1,6 kg/dia, produzindo de sete a oito arrobas no perío-do. Muitas vezes não atingimos esse resultado com boi inteiro”, contrapõe. De acordo com Roberto Barcellos, se os animais em questão fossem geneticamente selecionados para ga-nho de peso e rendimento de carcaça (AOL), é realmente possível observar resultados interes-santes, só que com um adendo.

“Eu posso ter um resultado parecido com a média do outro, mas analisando individual-mente pesa sempre a favor do animal inteiro”, avalia o consultor da Beef & Veal. “Os frigo-ríficos têm interesse no boi castrado, porém, o que vemos não é um negócio cem por cento vantajoso ao produtor”, aponta Fábio Medei-ros, do Programa Carne Angus Certificada. Gaúcho de berço, Medeiros relata que este tipo de discussão não existe nos pampas, pois os terneiros são emasculados logo no nascimento ou até os 90 dias.

Mais por um aspecto econômico do que cultural. “Pelo sistema de pasto e condições que trabalhamos não é viável terminar boi in-teiro. O grão para confinar é muito caro no Sul. Sem castrar, não engordamos gado”, conta. E há quem utilize o canivete ou o burdizzo apos-tando no futuro, como é o caso de Jorge Ma-nuel Vitório Caetano, proprietário da fazenda paraguaia Paikuará. Mesmo sem prêmio extra pago pelos matadouros locais, prepara-se para fornecer carne Premium quando o momento chegar.

Uma boa notícia para Caetano é que o animal capado gera economia à propriedade. “Manutenção normalmente é excluída da con-ta do boi inteiro, mas a despesa pode ficar mui-to próxima dos 10%”, lembra Barcellos, que defende o “canivete” como melhor forma de emascular. Esse prejuízo é imputado na quebra de cercas, invasão da área de pasto brotando, brigas, lesões e incidência de problemas de casco.

A castração não considera tão somente a questão comercial. Leva em conta o giro de abate da boiada. “Vejo bois inteiros entrando no confinamento com 450 kg e vendidos ao atingirem 550 kg. Com castrado, nós abatemos quando chega a esses 450 kg e já colocamos outra cabeça no lugar. No que tange à quali-dade da carne, não é possível produzi-la sem castrar”, informa o engenheiro-agrônomo José Roberto Puoli, gerente da propriedade. Abate garrotada aos 22 meses de idade.

Para os especialistas, o poder para reverter a atual realidade da pecuária brasileira está nas mãos da própria indústria frigorífica. Hoje, as companhias focam em produzir a baixo custo

Roberto Barcellos explica a pecuarista as diferenças de desempenho entre boi inteiro e castrado

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operacional, tanto é que os clientes do Brasil são China, Rússia, Irã e Egito, países preocu-pados com preço, não qualidade. O infortúnio é o barato sempre estar atrelado ao conceito de baixa qualidade.

“Se o frigorífico compra qualquer matéria--prima, determina que se pode fornecer qualquer coisa”, resume o zootecnista Marcelo Shimbo. De qualquer forma, é latente o desespero dos frigoríficos para fugir do custo de ociosidade. Situação causada por um descompasso entre o número de plantas (veja no Box da página 16) e a capacidade de oferta, agravada pelo recente abate de fêmeas e a saída de pecuaristas da ativi-dade por pressão da agricultura.

“A opção por abater boi inteiro em várias regiões do País é porque não temos uma ofer-ta condizente com a estrutura de demanda por parte dos frigoríficos”, relata Péricles Salazar, presidente da Associação Brasileira dos Frigo-ríficos (Abrafrigo). Em relação ao pagamento dos bois castrados, observa que o mercado de-fine. “Historicamente, sempre houve um paga-mento menor para boi inteiro”, analisa.

O perfil da grande massa de consumi-dores brasileiros pesa contra os pecuaristas mais organizados no recebimento de maio-res bonificações por bois castrados. Embora seja um produto diferenciado, apenas 18%

da carcaça do boi castrado tornam-se carnes nobres para um destino diferenciado, con-forme informações de Fábio Dias, gerente de Relaciona-mento com o Pecuarista do JBS, durante um evento em São Paulo. Os 82% restantes passam por toalete para reti-rada de gordura.

Infelizmente, não há fór-mula mágica para melhorar o aproveitamento da carca-ça. No momento, a criação de novos cortes é inviável ao processo industrial. Tal-vez com um trabalho pesa-do de marketing, inclusive, sobre a questão da gordura fosse tangível. A parte mais nobre da paleta, por exem-plo, é a raquete, chamada por alguns de shoulder. É vendida a R$ 40.

Entretanto, para produzir uma peça como essa perdem--se muitas outras, gerando muito subproduto, cujo destino é o moedor. “Para o frigorífico

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Fornecedores para a BBQ Secrets recebem prêmio de 10%

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é melhor negócio vender a paleta inteira por R$ 16, tamanha a operação envolvida na elaboração de uma peça especial. Essa questão de aproveitar mais cortes da carca-ça é uma conta muito delicada de ser feita”, elucida Shimbo.

Crescer 50%Para o povo, carne é preço, então, um

crescimento vertiginoso da procura por qua-lidade depende do maior equilíbrio de renda entre as classes sociais, movimento que vem acontecendo conforme mostrado na Interconf, em 2010, e retardado pelo contexto da crise político-econômica. De qualquer maneira, existe uma lacuna de 50% para crescer, pois a indústria atende atualmente apenas metade da demanda.

O problema é a falta de comunicação en-tre os atores da cadeia produtiva. A indústria frigorífica não fala com o varejo e tampouco com o pecuarista, que, por sua vez, não tem a menor ideia do desejo do consumidor final. É o efeito colateral do empurra-empurra citado anteriormente por Shimbo. Falta a presença de um mediador para apresentar aos elos ante-riores o desejo do consumidor final e combi-nar os parâmetros.

Nos Estados Unidos, por exemplo, a in-dústria não vende carne para o restaurante. Quem faz isso é um quarto ator, uma em-presa responsável por promover a customi-zação do produto. E os norte-americanos têm a vantagem de possuir um sistema de classificação de carcaças regulamentado pelo governo, dispensando o contato com o pecuarista. Já o criador sabe quando, o que, como produzir e quanto receberá de plus so-bre a venda.

O futuro é promissor. Até no Brasil a es-tratificação do vinho é realidade. O mesmo está ocorrendo com o café. Por que não com a carne bovina? Esta é a aposta do idealiza-dor da Beef & Veal. “Em uma palestra que participei de um dono de vinícola, ele dizia que 70% do preço do vinho está fora da gar-rafa. As marcas de carne precisam aprender a contar a história do seu produto. Faz parte

da estratificação da qualidade”, orienta Ro-berto Barcellos.

Ademais à organização da cadeia, algu-mas arestas precisam ser corrigidas. O pro-fissional identifica um claro desalinhamen-to entre as marcas de carne existentes: há produto ruim vendido caro e produto bom vendido barato. “Demorou dez anos para descobrirmos que aquele vinho da garrafa azul é uma porcaria. Em breve, o mercado de carne bovina vai passar a peneira tam-bém”, avisa. Neste segmento, produto caro é aquele desalinhado com a expectativa do consumidor.

Na outra ponta, o consultor enxer-ga um grave problema nas grifes que se abastecem de macho inteiro para preen-cher escala. Na busca por maior eficiên-cia produtiva, a solução tem sido abater animais cada vez mais jovens, e, segundo observa, afeta a carne, deixando-a sem sabor. Ele se refere aos novilhos de 18 meses, dente de leite. A despeito de serem altamente macios, possuem pouca gordu-ra e não têm marmoreio.

Cria-se neste ponto um obstáculo para a seleção, quanto mais se pressionar para AOL e rendimento de carcaça menor será o índice de marmoreio. O horizonte do mercado de qualidade de carne é próspero ao pecuarista e simultaneamente desafiador, do ponto de vista econômico.

Consolidando-se a bonificação para boi castrado, a penalização deve ser embutida no pacote a quem não fornecer matéria-prima apropriada. Abre-se o precedente para existi-rem duas arrobas, uma para o boi castrado e outra para o boi inteiro. “A realidade deveria ser essa, desde que a indústria aproveitasse de uma maneira melhor esse boi castrado. Tudo depende da conta final”, conclui Shimbo.

Castrar ou não castrarO litígio na cabeça do pecuarista pode ser

resolvido se o produtor conseguir responder claramente duas perguntas: vai produzir o quê? E pra quem? Hoje, o consumo de carne bovina no Brasil está subdividido em frentes

bastante distintas, representadas pela dona de casa, os churrasqueiros e as pessoas que se ali-mentam fora de casa (food service).

A dona de casa quer maciez, mas ainda não paga por ela, já rejeita carne DFD e des-preza gordura. Aqui o boi inteiro abatido jo-vem e a fêmea satisfazem os desejos. Picanha dura, sem capa de gordura e marmoreio não encanta ninguém. Seu boi castrado aqui se en-caixa bem. O food service deseja o mesmo que os churrasqueiros e não tolera irregularidade no padrão. Para este setor, só o boi castrado interessa.

Avaliando-se pelo bolso, prêmios que não alcancem entre 10% e 15% sobre a cotação do boi gordo não justificam a castração. Há inúmeros projetos que pagam de 5% a 7% e até 10%/@ para bois inteiros jovens, pesados e bem acabados. O valor de 10% é uma mar-gem de lucro equivalente ao do boi inteiro sem bonificação – porém, se ganha no manejo e na manutenção da fazenda – e 15% representam ganhos reais de 5%.

“Não tenha dúvida que existem ao me-nos cinco projetos no Brasil que remuneram um preço superior que justifica emascular os animais”, garante Barcellos. São eles BBQ Se-crets, FEED e Beef Veal (abertos a qualquer pecuarista), JBS Swift Black e Marfrig Raças Britânicas, cuja produção é própria. Pouco tempo atrás tinha programa que recompensava até 20% acima da arroba.

Acontece que o valor ficou distorcido por-que o preço da arroba baixou e o quilo da carne subiu. “A conta não fecha”, informa. A saída foi aplicar um valor fixo e que atualmente re-presenta entre 10 e 15% da cotação do boi gor-do. A quem decidir entrar nesse mercado fica a dúvida de quando castrar.

Barcellos sugere que seja na desmama. “Você se beneficia do testículo para a fase de desenvolvimento. Quando mais tarde castrar ganha-se em produtividade e perde-se em qua-lidade de carne”, justifica. “Já testei castrar à desmama e ao sobreano e não notei qualquer alteração. O hormônio faz a diferença quando o animal atinge a puberdade”, discorda o enge-nheiro-agrônomo José Roberto Puoli.

O dilema dos frigoríficos: incentivar ou não a castraçãoVinte anos atrás, os frigoríficos contavam com oferta abundante de animais. Longas escalas, de 15 a 20 dias, permitiam exigir castração. Como a capacidade de abate cresceu vigorosamente e a

oferta de animais caiu nos últimos dez anos, as escalas passaram a se tornar cada vez mais curtas. A indústria brasileira é capaz de abater 60 milhões de cabeças por ano e, hoje, abate 35 milhões/ano, uma taxa de ociosidade de pouco mais de 50%.

Indiferente se matarem 500 ou 250 bovinos/dia, a despesa é igual para ambos os casos. Este é o chamado custo de ociosidade e há quem acredite que esteja na casa de três dígitos por cabeça. A meta passou a ser abater boi, independentemente da qualidade. Ao mesmo tempo percebeu-se que importadores preferiam carne magra. Iniciou com o Chile, depois Oriente Médio, Rússia e agora China. Encaixou como uma luva porque o animal com menos gordura (boi inteiro!) tem maior rendimento industrial.

No momento em que o produtor descobriu essa ferramenta de produtividade exponencial a realidade mudou para boi inteiro. Iniciou em Goiás e passou para os demais estados. No presente momento, percebe-se um movimento contrário, com os abatedouros tentando incentivar a castração, ainda não tão abertamente porque são cortes para demandas pontuais e pode acarretar em encalhe de mercadoria.

Em resumo, os programas existentes não pagam o custo da castração e a perda de eficiência do boi inteiro. A demanda existe e carece de incentivo financeiro para decolar.